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Bruno Cesar – Medicina 2023.

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difuso, oftalmopatia, dermopatia (mixedema


pré-tibial) e acropatia. Curiosamente, esses
achados clínicos extratireoidianos seguem um
O termo hipertireoidismo primário é usado
curso muitas vezes independente da doença de
quando a fonte do problema (do excesso
base.
hormonal) está na glândula tireoide e não na
hipófise ou hipotálamo. Contudo, nem todo A doença de Graves é mais comum em
estado de excesso de hormônio tireoidiano é mulheres, cerca de nove vezes, e a prevalência
um hipertireoidismo... Este último refere-se à geral na população é de 0,5%, sendo de 2% no
hiperfunção da glândula tireoide, devendo ser sexo feminino. O pico de incidência deste
diferenciado do termo (mais genérico) distúrbio situa-se entre 20-50 anos, entretanto
tireotoxicose indivíduos de qualquer faixa etária (idosos,
crianças) podem ser afetados. A doença de
Tireotoxicose é qualquer estado clínico
Graves é a causa mais comum de
resultante do excesso de hormônios da tireoide
hipertireoidismo espontâneo em pacientes
nos tecidos. Embora na maior parte das vezes
abaixo dos 40 anos.
seja causada por hiperfunção tireoidiana
(hipertireoidismo), encontramos síndromes de Patogênese
tireotoxicose associadas à função normal ou
O mais importante a ser memorizado é a
diminuída da tireoide, como ocorre na
característica autoimune que a doença de
tireotoxicose factícia (causada pelo uso
Graves apresenta. Sabemos que, nesses
abusivo de hormônio tireoidiano exógeno), nas
pacientes, os linfócitos B sintetizam anticorpos
tireoidites (em que a lesão tecidual libera os
“contra” receptores de TSH localizados na
hormônios tireoidianos previamente
superfície da membrana da célula folicular da
estocados) e na produção ectópica de
tireoide. Estes anticorpos são capazes de
hormônios da tireoide.
produzir um aumento no volume e função da
Hipertireoidismo é definido como glândula, justificando assim o hipertireoidismo
hiperfunção da glândula tireoide, ou seja, um encontrado. Denominamos esta
aumento na produção e liberação de hormônios imunoglobulina de imunoglobulina
tireoidianos (levotiroxina e triiodotironina). O estimuladora da tireoide ou anticorpo
hipertireoidismo leva à tireotoxicose. antirreceptor de TSH estimulante (TRAb –
sigla em inglês), sendo este último termo mais
A doença de Graves é a principal causa de
comumente empregado em nosso meio. O
hipertireoidismo em nosso meio, sendo
receptor do TSH é uma proteína ligada à
responsável por 60-90% de todos os estados de
proteína G da membrana plasmática, ativando
tireotoxicose na prática médica.
a adenilato ciclase para produção de AMP
cíclico como segundo mensageiro, além de
também usar a via do fosfatidilinositol na
A doença de Graves (ou de Basedow-Graves, transdução do sinal. No caso de anticorpos
ou Bócio Difuso Tóxico – BDT) é uma estimuladores, eles se ligam ao receptor e
desordem autoimune, de etiologia ainda desempenham as funções do TSH, como
desconhecida, que apresenta como hipertrofia glandular, aumento da
características uma síntese e secreção vascularização da glândula e aumento da
excessivas de hormônios da tireoide e achados produção e secreção dos hormônios
clínicos muito típicos, que consistem em bócio tireoidianos.
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Curiosamente, as imunoglobulinas que os anticorpos neutros, que não interferem na


reconhecem receptores de TSH não função do receptor do TSH. A maioria desses
necessariamente levam à hiperfunção da autoanticorpos é formada dentro da própria
glândula. Alguns desses anticorpos provocam tireoide pelos linfócitos B que formam o
apenas aumento (bócio), sem hiperfunção, e infiltrado inflamatório na glândula. No
outros levam a uma real atrofia do tecido entanto, esta produção de anticorpos não é
tireoidiano. Estes últimos são os chamados exclusiva da tireoide, como sugerido ao se
anticorpos bloqueadores do TSH (TRAb- observar que alguns indivíduos
bloq). Essas variedades geralmente não são tireoidectomizados ou que passaram por
encontradas com frequência na doença de ablação radioativa da glândula não
Graves, estando presentes, por exemplo, na apresentaram queda da secreção desses
tireoidite de Hashimoto, uma desordem mais anticorpos. A presença do TRAb é de 90-100%
comumente associada a hipotireoidismo. dos casos de doença de Graves não tratada.
Seus títulos tendem a cair com o tratamento da
A participação exata dos anticorpos anti-TSH
doença e, quando persistem, podem indicar
na gênese das manifestações não tireoidianas
recorrência da doença. Após o tratamento,
da doença de Graves ainda não se encontra
pode haver predominância dos anticorpos
muito clara. Na oftalmopatia, que está presente
bloqueadores, causando hipotireoidismo.
em 20-40% dos casos, as células musculares
lisas e, principalmente, os fibroblastos, exibem Existe, na doença de Graves, uma
com certa frequência em sua superfície de predisposição familiar importante, com cerca
membrana antígenos algumas vezes muito de 15% dos pacientes apresentando um parente
semelhantes ao receptor de TSH. Isso produz com a mesma desordem. Outro dado
uma reação cruzada desses anticorpos, interessante é a presença de autoanticorpos
determinando um “ataque” autoimune no tireoidianos (não só o TRAb) em metade dos
tecido retro-ocular e periocular, com liberação parentes de indivíduos com a doença.
de citocinas próinflamatórias e fibrosantes.
Há um aumento na incidência desta desordem
Existem outros autoanticorpos tireoidianos na
em indivíduos submetidos a uma dieta rica em
doença de Graves. O anticorpo anti-TPO
iodo (principalmente em áreas carentes) bem
(tireoperoxidase, antigamente chamado de
como durante a gravidez. É importante termos
antimicrossomal) está presente em 80% dos
em mente a associação de doença de Graves
casos. Este anticorpo é uma espécie de um
com outras desordens autoimunes endócrinas,
marcador universal da doença tireoidiana
como o diabetes mellitus tipo I e a doença de
autoimune, estando presente em 95% dos casos
Addison, e não endócrinas, como a miastenia
de tireoidite de Hashimoto. Existem ainda os
anticorpos antitireoglobulina (anti-Tg), mais gravis, hepatite crônica ativa, anemia
importantes no acompanhamento do câncer de perniciosa, artrite reumatoide, lúpus
tireoide. eritematoso sistêmico, síndrome de Sjögren e
vitiligo.
Existe uma tendência atual em se chamar a
tireoidite de Hashimoto de tireoidite Patologia
autoimune, pois estaria em um contexto mais
amplo, uma vez que sabemos que a doença A glândula tireoidiana encontra-se
autoimune da tireoide pode alternar fases de simetricamente aumentada, devido à
hipertireoidismo com fases de hipertrofia e hiperplasia das células foliculares.
hipotireoidismo, na dependência de qual tipo À macroscopia, a tireoide apresenta-se macia e
de anticorpo (estimuladores ou bloqueadores, lisa, com a cápsula intacta e com peso
respectivamente) está sendo aumentado, podendo chegar a 80 gramas
predominantemente produzido. Existem ainda (normal até cerca de 20 gramas). Do ponto de
vista histológico, existe uma superpopulação
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de células foliculares, que fazem protrusão em A perda ponderal geralmente é mais comum,
forma de papila para o lúmen do folículo. a despeito da polifagia encontrada, entretanto a
Encontramos um aumento significativo de ingesta calórica pode exceder o gasto
tecido linfoide no estroma interfolicular, com metabólico, e o paciente na realidade passa a
algumas áreas apresentando agregados de engordar. No exame físico, percebe-se uma
linfócitos B autorreativos. pele quente e úmida; as extremidades
superiores, quando estendidas, evidenciam um
Nos pacientes com oftalmopatia, os tecidos da
tremor fino e sustentado, os cabelos caem ao
órbita encontram-se edemaciados devido à
simples passar de um pente.
presença de mucopolissacarídeos hidrofílicos
e, somado a esta alteração, encontramos As manifestações cardiovasculares incluem
fibrose e infiltração linfocitária. A musculatura hipertensão sistólica, pressão de pulso alargada
extraocular também apresenta edema, (maior diferença entre PA sistólica e diastólica
infiltração com células redondas, deposição de – PA divergente) e taquicardia sinusal. Esta
mucopolissacarídeos e fibrose. A tireotoxicose hipertensão com PA divergente pode ser
grave pode levar a alterações degenerativas na explicada pelo aumento dos receptores beta-
fibra muscular esquelética, hipertrofia adrenérgicos: no coração eles determinam
cardíaca, necrose hepática focal com efeito cronotrópico e inotrópico positivo
infiltração de linfócitos (principalmente (aumentando a PA sistólica) e na periferia, a
necrose centrolobular, fazendo diagnóstico ação predominante nos receptores beta-2, que
diferencial com a necrose hepática induzida fazem vasodilatação, determinando uma
pelo álcool e com a necrose hepática que pode redução da resistência vascular periférica
ocorrer na insuficiência cardíaca congestiva), (diminuindo a PA diastólica). À ausculta,
diminuição da densidade mineral óssea e encontramos uma B1 hiperfonética, um sopro
queda de cabelos. A principal e mais sistólico inocente e eventualmente uma
característica manifestação dermatológica, o terceira bulha “fisiológica”. A Fibrilação
mixedema pré-tibial, apresenta deposição de Atrial (FA) pode surgir a qualquer momento,
mucopolissacarídeos e infiltração linfocitária levando em alguns casos a uma
em suas lesões. descompensação aguda da função miocárdica.
Alguns pacientes evoluem para uma
Manifestações clinicas
cardiomiopatia dilatada (cardiomiopatia da
As manifestações da tireotoxicose decorrem da tireotoxicose). Quem já tem doença
estimulação do metabolismo dos tecidos pelo coronariana pode descompensar, apresentando
excesso de hormônios tireoidianos. O quadro angina pectoris, pois a tireotoxicose aumenta o
clínico mais comum é a associação de vários consumo miocárdico de oxigênio. Isso também
sinais e sintomas, alguns clássicos e outros deve ser lembrado quando iniciarmos a
inespecíficos. O paciente (geralmente uma reposição de levotiroxina em um paciente
mulher jovem ou de meia-idade) relata uma coronariopata, devendo-se iniciar com doses
história (geralmente de longa data) de insônia, mais baixas e aumentar gradativamente, para
cansaço extremo, agitação psicomotora, não descompensar o quadro de isquemia
incapacidade de concentração, nervosismo, miocárdica.
dificuldade em controlar emoções,
Da doença de graves especificamente
agressividade com membros da família ou
colegas de profissão, sudorese excessiva, O bócio caracteristicamente difuso e simétrico
intolerância ao calor, hiperdefecação (aumento à palpação, está presente em 97% dos casos
do número de evacuações diárias) e (podendo estar ausente em até 20% dos
amenorreia ou oligomenorreia. idosos). É por isso que o outro nome da doença
é bócio difuso tóxico.
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Observamos, em alguns pacientes, sopro e dosagem do T4 livre não confirmar a suspeita


frêmito sobre a glândula, ocorrendo este clínica, devemos solicitar a dosagem do T3
fenômeno devido a um aumento da total ou do T3 livre, que se encontram elevados
vascularização local. Este achado é em todos os casos de hipertireoidismo (lembrar
característico da doença. Até prova em que a desiodase tipo 1 encontra-se estimulada
contrário, qualquer paciente com bócio difuso nos quadros de hipertireoidismo).
e hipertireoidismo tem doença de Graves. Eventualmente (em 5% dos casos), a doença de
Graves pode manifestar-se apenas com
A oftalmopatia infiltrativa (oftalmopatia de
elevação do T3, caracterizando a T3 -toxicose
Graves) é observada em cerca de 20-40% dos
(TSH suprimido, T4 normal e T3 elevado).
casos, podendo ocorrer antes, durante ou após
Estes pacientes geralmente possuem um
o desenvolvimento do hipertireoidismo e com
estímulo importante sobre o receptor de TSH,
curso clínico independente do
que resulta em uma maior produção de tri-
hipertireoidismo. Ela se manifesta por
iodotironina pela glândula, além do fato de a
exoftalmia ou proptose bilateral, olhar fixo,
desiodase tipo 1 encontrar-se estimulada no
retração palpebral levando à exposição da
hipertireoidismo, aumentando a conversão
esclera acima da margem superior do limbo,
periférica de T4 em T3. A T3-toxicose é mais
edema periorbitário, edema e hiperemia
comumente observada nas fases iniciais da
conjuntival e, eventualmente, oftalmoplegia.
doença de Graves e em recidivas após
A oftalmopatia de Graves pode ser dividida em tratamento.
dois tipos: o primeiro tipo afeta principalmente
Alterações bioquímicas
mulheres jovens, causando graus variados de
proptose simétrica, com limitação mínima da Alguns achados laboratoriais interessantes
motilidade ocular ou sem limitação, ausência consistem em leucopenia (comum),
de sinais inflamatórios e exames de imagem hipercalciúria e hipercalcemia (ocasionais) e
(TC ou RM) revelando aumento da gordura hiperbilirrubinemia (casos mais graves), além
orbitária com alargamento mínimo ou ausente de aumento das transaminases, FA e GGT,
dos músculos orbitários. O segundo tipo causa demonstrando comprometimento hepático.
uma miopatia restritiva, com diplopia e Uma leve anemia normocrômica normocítica
proptose assimétrica, afeta mais mulheres do pode ocorrer, pois apesar de haver aumento da
que homens, sendo que os exames de imagem massa de células vermelhas, também há um
revelam alargamento dos músculos aumento do volume plasmático; em raros casos
extraoculares sem alteração da gordura a anemia é hipo/micro. Sempre devemos
orbitária. solicitar o hepatograma em pacientes
portadores de hipertireoidismo antes de
Função tireoidiana
iniciarmos o tratamento com as drogas
Encontramos, de forma clássica, um TSH antitireoidianas, uma vez que essas
suprimido ou menor do que 0,1 mUI/L medicações possuem potencial hepatotóxico.
(normal: 0,5-5,0 mUI/L), associado à elevação Se não dosarmos antes do início do tratamento,
do T3 (normal: 70- 190 ng/dl), T4 (normal: 5- pode ficar difícil diferenciar entre
12 μg/ml), T4 livre (normal: 0,9 a 2,0 ng/dl) e manifestação natural da doença e reação
T3 livre (normal: 0,2-0,52 ng/dl). Nas fases medicamentosa. O mesmo vale para o
iniciais podemos encontrar apenas um TSH hemograma, em relação à leucopenia.
suprimido, o que define o hipertireoidismo
O anticorpo anti-TPO (tireoperoxidase) está
subclínico.
em títulos elevados em 80% dos casos. Tal
O diagnóstico de hipertireoidismo requer a anticorpo é apenas um marcador de doença
demonstração de um TSH suprimido com T4 tireoidiana autoimune e, na verdade, é mais
livre aumentado. Em casos nos quais a típico da tireoidite de Hashimoto. O anticorpo
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característico da doença de Graves é o Antitireoidianos (Tionamidas)


antirreceptor do TSH (TRAb). A pesquisa
As tionamidas são representadas em nosso
dessa imunoglobulina não é necessária na
meio pelo propiltiouracil (PTU), o metimazol
maioria dos casos, uma vez que o diagnóstico
(MMI) e o carbimazol. O metimazol possui
de doença de Graves baseia-se em achados
duas vantagens sobre o PTU: pode ser utilizado
clínicos acompanhados de dosagem hormonal.
em dose única e tem custo mensal até 70%
No entanto, existem algumas situações clínicas
mais barato. Ocorre aumento da relação T3/T4
em que a pesquisa do TRAb torna-se
no plasma como consequência da maior
necessária.
formação de T3. Ambos são acumulados na
Tratamento tireoide e podem cruzar a placenta e inibir a
tireoide fetal.
A doença de Graves possui um curso
prolongado de exacerbações e alentecimentos Propiltiouracil (Propiltiouracil®, comp. 100
espontâneos da autoimunidade, o que requer mg):
um seguimento prolongado dos pacientes.
Dose de ataque (4-8 semanas): 300-600
Cerca de 10 a 20% possuem remissão
mg/dia, em 3 tomadas;
espontânea da doença (não é recomendado
esperar que ela ocorra) e metade dos pacientes Manutenção: 100-400 mg/dia, em 2 tomadas;
torna-se hipotireóideo após 20 a 30 anos de possui meia-vida de cerca de 1,5h.
doença, provavelmente por uma destruição
imunológica da glândula... Mecanismos de ação:

A terapia para a tireotoxicose tem como Inibe a peroxidase tireoidiana (TPO) e,


objetivo uma diminuição na formação e portanto, as etapas de oxidação e organificação
secreção do hormônio tireoidiano. Para isso, do iodo;
três estratégias terapêuticas podem ser Inibe, em doses altas (> 600 mg/dia), a
utilizadas: conversão periférica de T4 em T3, o que
1. Drogas antitireoidianas até a remissão; contribui para a redução de 20 a 30% nos
valores de T 3;
2. Radioablação com iodo radioativo (131I);
Possível efeito imunossupressor reduzindo os
3. Cirurgia (tireoidectomia subtotal). níveis de anticorpos. Este efeito parece ocorrer
dentro da tireoide, onde o fármaco é
Betabloqueadores
acumulado. Sua ação nas células tireoidianas
O propranolol (20-40 mg a cada 6 a 8 horas) parece reduzir a expressão de antígenos e a
e o atenolol (50-200 mg/dia) podem ser liberação de mediadores inflamatórios pelas
utilizados. Os betabloqueadores são úteis nas células foliculares. Pode ainda reduzir a
fases iniciais do tratamento com as drogas formação de radicais livres de oxigênio.
antitireoidianas devido ao seu rápido efeito
Metimazol (Tapazol®, comp. de 5 e 10 mg):
sobre as manifestações adrenérgicas da
tireotoxicose. Além disso, o propranolol inibe Dose de ataque (4-8 semanas): 40 mg/dia, em
a conversão periférica de T4 em T3. Devemos 1-2 tomadas;
lembrar que doses menores são ineficazes, uma
vez que a droga é rapidamente metabolizada Manutenção: 5-20 mg/dia, em 1 tomada.
pelo fígado em estados de excesso de Possui meia-vida em torno de 6h, e uma única
hormônio tireoidiano. Pacientes com dose pode exercer efeitos antitireoidianos por
contraindicação absoluta aos betabloqueadores mais de 24h, o que permite o seu uso em dose
devem receber o antagonista do canal de cálcio única diária nos casos leves a moderados de
diltiazem, para alentecer a frequência cardíaca hipertireoidismo. Foi demonstrado que induz a
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expressão do ligante do receptor Fas, uma via dos hormônios tireoidianos (efeito Wolff-
que promove a apoptose dos linfócitos Chaikoff agudo). No entanto, parece que este
infiltrantes da tireoide. efeito não é o responsável principal pelo efeito
terapêutico do iodo, mas, sim, a inibição da
Mecanismo de ação:
liberação dos hormônios tireoidianos. No
Semelhantes ao do PTU, exceto pela não entanto, este efeito se perde rapidamente
inibição da conversão periférica de T4 em T3. quando a terapia com iodo é descontinuada. A
terapia com iodo tem algumas desvantagens,
A equivalência aproximada entre as como aumentar os estoques tireoidianos de
tionamidas é de 100 mg de PTU: 10 mg de iodo, o que retarda a resposta clínica às
metimazol tionamidas. Além disso, retarda a terapia com
Efeitos colaterais das tionamidas radioiodo por algumas semanas ou meses, na
medida em que diminui a captação na
Os efeitos colaterais das tionamidas ocorrem cintigrafia da tireoide realizada antes da dose
com maior frequência nos primeiros seis meses terapêutica com radioiodo.
de terapia. Os mais importantes são rash
cutâneo (5%), prurido, artralgias, doença do Quando tem seu uso indicado, como em alguns
soro, alopecia, perda do paladar, sintomas casos de crise tireotóxica, doença
gastrointestinais e sialoadenite. Outros efeitos cardiotireoidiana grave, emergências
podem ser observados na Os efeitos adversos cirúrgicas da tireoide ou mesmo cirurgias
mais graves são: hepatite medicamentosa com eletivas, deve-se administrar o iodo juntamente
o PTU (com casos relatados de insuficiência com tionamidas em altas doses de acordo com
hepática), colestase com o MMI e alterações a gravidade do quadro. A dose de iodo
hematológicas, do tipo leucopenia, geralmente necessária para o controle da
trombocitopenia e agranulocitose (neutropenia tireotoxicose é de cerca de 6 mg/dia (presente
grave, ou seja, < 500/mm3). A agranulocitose em um oitavo de gota de solução saturada de
desenvolve-se de maneira súbita. iodeto de potássio, ou uma gota de Lugol),
quantidade menor que aquela normalmente
Devemos recomendar aos pacientes que prescrita pelos médicos (5-10 gotas de Lugol,
suspendam a droga (PTU ou MMI) em caso de 3x/dia). Assim, recomenda-se, como dose
febre e/ou surgimento de dor de garganta, uma máxima, o uso de 2-3 gotas de solução saturada
vez que a amigdalite é uma das primeiras de iodeto de potássio 2x/dia.
manifestações de agranulocitose (esta conduta
é mais efetiva que a realização de hemogramas Outros agentes Antitireoidianos
periódicos). Deve-se suspender a droga se a O carbonato de lítio inibe a secreção dos
contagem de leucócitos cair para menos de hormônios tireoidianos, não interferindo com o
1.500 células/mcl. O uso do GM-CSF acúmulo intraglandular de iodo. É empregado
(Granulokine) acelera a recuperação da medula nas doses de 300-450 mg 8/8h, para controle
óssea. temporário da tireotoxicose em pacientes
Inibidores do transporte de iodo alérgicos às tionamidas e ao iodo. O efeito
terapêutico se perde como tempo. A dosagem
Tanto o tiocianato quanto o perclorato inibem sérica do lítio deve ser monitorizada,
o transporte de iodo na tireoide. No entanto, objetivando-se uma concentração de1 mEq/L.
existem desvantagens de seu uso Outra utilidade do lítio é sua administração
principalmente quanto aos efeitos colaterais, associada à dose terapêutica com radioiodo,
que limitam seu uso apenas em situações pois mantém o radiofármaco mais tempo na
especiais. tireoide, aumentando sua eficácia terapêutica.
A administração de iodo em excesso pode Quando usamos o lítio, devemos estar sempre
conduzir ao bloqueio temporário da produção atentos a possíveis efeitos colaterais de seu
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uso, como diabetes insipidus nefrogênico, receptores adrenérgicos estão muito elevados
hipercalcemia, distúrbios psiquiátricos, entre na crise tireotóxica, por conta da condição de
outros. estresse desencadeante, bem como o número
de receptores catecolaminérgicos no coração,
A dexametasona na dose de 8 mg/dia inibe a
cérebro e outros tecidos. Portanto, mesmo
secreção dos hormônios tireoidianos, podendo
mantendo os mesmos níveis, o efeito hormonal
também inibir a conversão periférica de T4 em
encontra-se bem mais pronunciado. Em certas
T3 (por um mecanismo diferente do PTU,
condições desencadeantes (ex.: trauma à
contribuindo para um efeito aditivo), além de
glândula tireoide), o nível hormonal de fato se
ter efeito imunossupressor.
eleva muito e passa a ser o principal fator
causal;

A tempestade tireoidiana é uma exacerbação Aumento súbito dos níveis de T4 livre: a


do estado de hipertireoidismo que põe em risco velocidade em que o hormônio livre se eleva
a vida dos pacientes acometidos; geralmente tem maior relação com a gravidade do quadro
há evidências de descompensação em um ou clínico do que o valor absoluto. Veja por que
mais sistemas orgânicos. A síndrome, quando os níveis de T4 livre podem se elevar muito
não reconhecida e tratada, é fatal. Mesmo com rápido na crise tireotóxica:
a terapia adequada, encontramos índices de
• ● Diminuição súbita da proteína de
letalidade em torno de 20 a 30%
transporte hormonal. Este fenômeno tem
A tempestade tireoidiana é mais sido observado em pós-operatórios;
frequentemente encontrada em pacientes com • ● Formação de inibidores da ligação
doença de Graves, embora qualquer condição hormonal à proteína de transporte;
associada a hipertireoidismo possa estar • ● Liberação excessiva de hormônio pela
relacionada (adenoma tóxico, bócio glândula, saturação dos sítios nas proteínas
multinodular tóxico). de transporte e maior fração livre
disponível.
Principais fatores precipitantes
Se ocorrer durante a cirurgia, pode gerar
Infecções (a principal), cirurgia (tireoidiana e
confusão com hipertermia maligna,
não tireoidiana), terapia com iodo radioativo,
feocromocitoma e lesões neurológicas. Pode
suspensão de drogas antitireoidianas, uso de
cursar com complicações como trombose
amiodarona, ingestão de hormônios
venosa cerebral e infarto dos gânglios da base.
tireoidianos, insuficiência cardíaca, toxemia da
gravidez, hipoglicemia, parto, estresse Manifestações clínicas
emocional importante, embolia pulmonar,
Os pacientes com frequência têm os mesmos
acidente vascular encefálico, trauma à
achados da tireotoxicose, porém tão
glândula tireoide, cetoacidose diabética,
exacerbados que levam à disfunção orgânica
extração dentária, infarto do miocárdio, entre
cerebral, cardíaca, etc.
outros
Confusão, delirium, agitação e psicose franca
Na tempestade tireoidiana, os níveis
podem evoluir para obnubilação, estupor e
hormonais totais não são mais altos quando
coma. As manifestações neurológicas são as
comparados com a tireotoxicose não
mais importantes para caracterizar a crise
complicada. Então por que as manifestações
tireotóxica. Outros sinais e sintomas clássicos
clínicas são mais graves? Existem duas
são: febre elevada (38-41ºC), insuficiência
explicações:
cardíaca de alto débito, com PA divergente,
Aumento das catecolaminas e seus receptores: taquicardia acentuada, fibrilação atrial aguda,
os níveis de catecolamina e a sensibilidade dos icterícia (com eventual insuficiência hepática),
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sudorese intensa, diarreia, náuseas, vômitos indicado, pois não atua como inibidor da
são encontrados em combinações variadas. O desiodase tipo 1;
choque hiperdinâmico (semelhante ao séptico,
Iodo (após 1 hora da dose de PTU) na forma
mas com componente cardiogênico) tem sido
de solução saturada de iodeto de potássio 5
descrito. Dor abdominal e abdome agudo,
gotas 8/8h, ou solução de Lugol 10 gotas VO
status epilepticus e insuficiência renal aguda
8/8h ou ácido iopanoico (0,5 mg VO a cada
por rabdomiólise são apresentações raras.
12h). Objetivo: o iodo age bloqueando a
Herman propôs uma escala de gravidade da endocitose da tireoglobulina; e a atividade
crise tireotóxica, mostrada a seguir: lisossômica, bloqueando a liberação hormonal
tireoidiana. O efeito de Wolff-Chaikoff é a
• ● Estágio I – taquicardia superior a 150 inibição da organificação do iodeto pelo
bpm, arritmia cardíaca, hipertermia, próprio iodeto – este efeito também pode
diarreia, tremor intenso, desidratação, contribuir. É importante esperar 1h após a
agitação; administração do PTU, para que o iodo não
• ● Estágio II – estágio I mais distúrbios de piore ainda mais a crise, ao ser utilizado como
consciência (estupor, sonolência, psicose, matéria prima para a produção de hormônio
desorientação no tempo e no espaço); tireoidiano (efeito Jod-Basedow);
• ● Estágio III – coma
Propranolol intravenoso na dose de 1 mg até
O tratamento requer abordagem em unidades a dose de 10 mg; OU via oral 40-60 mg a cada
de cuidados intensivos, não devendo ser 6h. Altas doses da droga inibem a desiodase
postergado enquanto se aguarda as dosagens tipo 1 (conversão periférica de T4 em T3);
hormonais. O reconhecimento e o tratamento
da condição precipitante (infecção, por Dexametasona: 2 mg IV a cada 6h. Os
exemplo) são essenciais. Um dos principais glicocorticoides em altas doses também inibem
objetivos da terapia é inibir a desiodase tipo 1, a desiodase tipo 1 (conversão periférica de T4
bloqueando a conversão periférica do T4 em em T3). Outras razões para prescrevermos
T3 (lembre-se de que é o T3 o hormônio estas drogas incluem: (1) os pacientes com
atuante nas células). Os objetivos visam crise tireotóxica possuem uma produção e
diminuir os níveis de hormônio tireoidiano degradação acelerada do cortisol endógeno; (2)
por: diminuição da síntese (tionamidas e lítio), os indivíduos com tempestade tireoidiana
diminuição da liberação dos hormônios possuem níveis de cortisol inapropriadamente
tireoidianos (iodo e lítio), diminuição da normais para o grau de estresse metabólico
conversão periférica de T4 em T3 pela apresentado; (3) pode existir insuficiência
desiodase tipo I (PTU, contraste iodado, suprarrenal associada à doença de Graves
propranolol e corticoide), diminuição dos (síndrome autoimune do tipo II).
efeitos dos hormônios tireoidianos (redução da O tratamento da hipertermia não deve ser
atividade simpática). Deve-se ainda buscar a realizado com aspirina pelo potencial de
estabilização do paciente e a correção de aumentar os níveis circulantes de T4L
fatores precipitantes. (deslocamento das proteínas transportadoras).
Propiltiouracil em doses altas (ataque de 800 Outras drogas disponíveis são o carbonato de
mg e 200 a 300 mg a cada 8h) por via oral, por lítio na dose de 300 mg VO 6/6h e a
sonda nasogástrica ou até mesmo pelo reto. colestiramina (que é uma resina de troca e pode
Objetivo: inibir a conversão periférica de T4 aumentar a excreção de hormônios tireoidianos
em T3 (primeiro efeito), pelo bloqueio da pelas fezes) na dose de 4 g VO 6/6h. A
desiodase tipo 1, e reduzir a produção plasmaférese pode ser tentada quando o
hormonal tireoidiana. O metimazol não está tratamento convencional não é eficaz.
Bruno Cesar – Medicina 2023.1 9

conhecida como síndrome de Marine-Lenhart.


O paciente se apresenta com bócio e sinais de
tireotoxicose leve (palpitações, taquicardia,
Como vimos, bócio é definido pelo aumento da nervosismo, tremor, perda de peso e fibrilação
glândula tireoide. O bócio multinodular é atrial) ou tem apenas um hipertireoidismo
caracterizado pela formação de múltiplos subclínico. O bócio pode atingir grandes
nódulos de tamanhos variados e que são os dimensões, levando a efeitos compressivos,
responsáveis pelo crescimento da glândula. especialmente quando invade o espaço
Existem dois tipos: o Bócio Multinodular subesternal. Os sintomas cardiovasculares
Atóxico (BMA) e o Bócio Multinodular dominam o quadro, talvez pela idade mais
Tóxico (BMT), este último definido pelos avançada dos pacientes. Muitas vezes pode se
exames laboratoriais mostrando sinais de apresentar na forma de hipertireoidismo
hipertireoidismo primário. O BMT representa apático. Geralmente causa mais sintomas
a fase final de evolução do BMA ao longo do obstrutivos que a doença de Graves, devido à
tempo, sendo a segunda causa mais frequente anatomia da glândula e sua extensão
de hipertireoidismo. retroesternal em alguns casos. A traqueia
comprimida ou desviada pode justificar a tosse
A patogênese é desconhecida, assim como no e o desconforto respiratório de alguns
bócio multinodular atóxico. Aparentemente, pacientes.
fatores de crescimento promovem o
crescimento folicular em áreas nodulares, O laboratório demonstra sempre um TSH
sendo que alguns passam a crescer de forma suprimido. O T4 livre e o T3 encontram-se
autônoma (independente do TSH). A maioria elevados em boa parte dos casos, porém o T3
dos nódulos é policlonal (proveniente da está bem mais elevado do que o T4 livre, talvez
proliferação de células foliculares diversas), pela ativação da desiodase tipo 1. Portanto, a
mas alguns são monoclonais (origem de tireotoxicose por T3 é relativamente comum
apenas uma célula mãe). O histopatológico nesses pacientes.
revela regiões hipercelulares, regiões císticas, Diagnostico
entremeadas à fibrose extensa. O mecanismo
de progressão do bócio multinodular atóxico O diagnóstico é feito pela cintilografia
para a forma tóxica pode envolver mutações no tireoidiana, que mostrará o clássico padrão de
gene do receptor de TSH. No entanto, essas múltiplos nódulos de captação variável, com
mutações parecem contribuir para apenas 60% alguns hipercaptantes (nódulos “quentes”). A
dos casos. Mutações na proteína G são ainda captação de 24h com 131I é variável (normal
menos frequentes. A origem da autonomia do ou levemente elevada). Pacientes com bócio
restante dos casos permanece desconhecida. multinodular devem realizar dosagens anuais
do TSH. Se estiver suprimido, devem-se
Clínica e laboratório realizar dosagens do T4L e T3L (este último
O BMT predomina em idosos, sendo uma nos casos do T4L estar normal). Pacientes com
importante causa de hipertireoidismo nessa TSH entre 0,1 e 0,4 mU/L geralmente não
faixa etária. É mais comum em mulheres que apresentam muitos sintomas de
em homens. Geralmente é uma complicação do hipertireoidismo. Esses pacientes possuem
bócio multinodular atóxico. A doença de autonomia tireoidiana, mas não são tóxicos
Graves pode se desenvolver em uma glândula
Tratamento
multinodular, como comprovado pela
dosagem do TRAb estimulador. O BMT quase O tratamento definitivo pode ser feito com:
nunca se acompanha de oftalmopatia... Assim, cirurgia (tireoidectomia subtotal bilateral ou
quando ela está presente, representa a alargada com retirada de todos os nódulos),
coexistência de doença de Graves, condição que é indicada principalmente na vigência de
Bruno Cesar – Medicina 2023.1 10

sintomas compressivos; e radioablação. Antes “quente”) e o restante da glândula com


do tratamento cirúrgico é necessário um captação bastante reduzida (pela supressão do
controle clínico do hipertireoidismo com estímulo do TSH). Os nódulos tóxicos, isto é,
tionamidas e betabloqueadores. Quando se autônomos, geralmente têm diâmetro maior do
opta pelo tratamento com radioido, deve-se que 3 cm. A clínica de hipertireoidismo tende
levar em conta que a dose necessária é a ser mais branda que aquela da doença de
geralmente maior que na doença de Graves. Graves, sendo característica a ausência de
Muitos pacientes não evoluem para oftalmopatia e miopatia, embora possa haver
hipotireoidismo e em vários casos é necessária sintomas cardiovasculares.
uma segunda dose. Apesar de ser mais
indicado no tratamento do adenoma tóxico (ver Tratamento
adiante), a injeção percutânea de etanol tem O tratamento do adenoma tóxico inclui uso de
sido realizada em alguns pacientes com BMT. tionamidas, administração de radioiodo 131I
ou cirurgia, sendo estes últimos dois métodos
mais empregados, uma vez que o nódulo não
O adenoma tóxico, também conhecido como costuma regredir apenas com a terapia
doença de Plummer, é um nódulo tireoidiano farmacológica. O emprego de iodo radioativo
autônomo hiperfuncionante que produz é preferido por muitos serviços, com a maioria
quantidades suprafisiológicas de hormônios dos pacientes evoluindo bem e alcançando o
tireoidianos. Cerca de um em cada 10-20 eutireoidismo com o tempo. A cirurgia está
nódulos apresenta-se com hipertireoidismo, indicada na presença de bócios de grandes
sendo esta condição mais frequente em dimensões com sintomas obstrutivos, na
mulheres e em idosos. A clínica de suspeita de malignidade associada ou quando
hipertireoidismo geralmente ocorre quando o se deseja um controle mais imediato da
adenoma atinge mais de 3 cm. O adenoma tireotoxicose
pode sofrer hemorragia central causando dor e
Na ausência de nódulos no lobo tireoidiano
aumento do volume, necrose espontânea e
contralateral, a lobectomia ipsilateral ao
calcificação
adenoma é o procedimento de escolha. A
A patogênese da doença de Plummer (ao tireoidectomia quase total ou total é
contrário do BMT) está bem estabelecida. O recomendada em casos de bócios
mecanismo é uma mutação somática nos multinodulares. Na presença de um nódulo não
receptores de TSH de um grupo de células funcionante contralateral, a tireoidectomia
foliculares da tireoide, tornando-o mais total muitas vezes é requerida, conduta que
propenso a se acoplar com a proteína G e assim pode depender dos resultados da PAAF e da
aumentar o estímulo à formação de AMPc no experiência do cirurgião.
citoplasma. Isso promove a hiperplasia,
proliferação e hiperfunção celular.
O hipertireoidismo secundário é causado, por
Clínica e diagnostico
definição, por um aumento da produção de
O paciente apresenta um nódulo tireoidiano TSH por um adenoma hipofisário (geralmente
solitário, associado à hipertireoidismo leve a um macroadenoma) hipersecretor ou por uma
moderado ou subclínico. O TSH está sempre hipersecreção não neoplásica idiopática de
suprimido, e o T4 livre e o T3 podem estar TSH pela hipófise (síndrome da secreção
elevados. O diagnóstico deve ser confirmado inapropriada de TSH). Trata-se de uma rara
pela realização de uma cintilografia causa de hipertireoidismo. Estes adenomas são
tireoidiana. Este exame irá mostrar um nódulo denominados de tireotropinomas ou TSHomas
hipercaptante ou hiperfuncionante (nódulo e representam 1% dos tumores hipofisários.
Bruno Cesar – Medicina 2023.1 11

Clínica e diagnostico suas formas mais graves ocorre deposição de


mucopolissacarídeos (glicosaminoglicanas) na
Pelo aumento do TSH, a glândula tireoide derme, gerando um edema (sem cacifo)
cresce (bócio) e torna-se hiperfuncionante conhecido como mixedema. Para a maioria dos
(hipertireoidismo). O paciente pode autores, os termos hipotireoidismo e
manifestar-se com os sinais e sintomas mixedema são usados livremente como
clássicos da tireotoxicose. Se o adenoma sinônimos.
hipofisário for grande, pode comprimir o
quiasma óptico, provocando cefaleia e defeitos Podemos classificar o hipotireoidismo em
no campo visual. O laboratório fornece o primário (falência tireoidiana), secundário
diagnóstico: um T4 livre elevado, com um (falência hipofisária – deficiência de TSH) ou
TSH sérico normal ou alto. A detecção da terciário (deficiência hipotalâmica de TRH).
subunidade alfa do TSH em níveis altos sela o As formas secundária e terciária costumam ser
diagnóstico. A detecção do tumor é feita pela agrupadas no conceito de “hipotireoidismo
TC de sela túrcica ou pela ressonância (melhor central”. Ressalte-se que certas condições
exame). A captação tireoidiana também está ainda podem determinar uma disfunção
elevada. transitória da glândula, com posterior retorno
de sua função.
O principal diagnóstico diferencial é com a
síndrome de resistência aos hormônios O hipotireoidismo PRIMÁRIO representa >
tireoidianos e, nesta situação, está indicada a 90% dos casos, sendo bastante comum. Tem
realização do Teste do TRH (dosagem do TSH prevalência de 2-4% em indivíduos > 65 anos,
basal e 30 e 60 minutos após injeção de TRH): e algo em torno de 0,5-1% da população geral!
na síndrome de resistência aos hormônios O hipotireoidismo congênito (quase sempre
tireoidianos a resposta ao teste do TRH está primário, por “disgenesia” da glândula) é
preservada; já nos casos de tireotropinoma, não diagnosticado em 1 a cada 2-4 mil recém-
há resposta ao teste do TRH. natos... Seu screening deve ser feito de rotina
através do “teste do pezinho” (realizado entre
o 3º e 7º dia de vida), e o início precoce de seu
Tratamento tratamento consegue prevenir grande parte das
sequelas neurológicas (ex.: retardo mental ou
O tratamento costuma ser o controle do cretinismo)
hipertireoidismo com drogas antitireoidianas,
Os principais fatores de risco conhecidos para
seguido pela remoção do tumor hipofisário
hipotireoidismo são: idade (> 65 anos), sexo
através de uma ressecção transesfenoidal. Nos
feminino (proporção 8:1 com o sexo
casos de impossibilidade de se ressecar todo o
masculino), puerpério, história familiar,
tumor, o octreotide LAR (um análogo da
irradiação prévia de cabeça e pescoço, doenças
somatostatina de longa duração) pode ser
autoimunes (ex.: vitiligo, DM 1, anemia
utilizado para suprimir a produção autônoma
perniciosa), drogas como amiodarona, lítio,
de TSH, já que vários destes tumores contêm
tionamidas e INF-alfa (entre outras),
receptores para somatostatina. A radioterapia
síndromes de Down e Turner, dieta pobre em
também pode ser utilizada.
iodo e infecção crônica pelo HCV.
A tireoidite de Hashimoto é a causa mais
O hipotireoidismo é uma síndrome clínica comum de hipotireoidismo em áreas com
ocasionada por síntese/secreção insuficiente
ou ação inadequada dos hormônios
tireoidianos nos tecidos, resultando em suficiência de iodo (como o Brasil). Trata-se
lentificação generalizada do metabolismo. Em de uma doença autoimune assintomática nos
Bruno Cesar – Medicina 2023.1 12

primeiros mesesou anos de sua instalação, mas quando vários comemorativos estão presentes
que lentamente destrói o parênquima ao mesmo tempo), porém, nos dias de hoje,
glandular. Tal processo resulta, na maioria dos raramente é encontrado na prática... Em
casos, em falência tireoidiana progressiva! contrapartida, quadros leves e
Clinicamente, no momento do diagnóstico, o oligossintomáticos são absolutamente
paciente pode estar eutireoidiano (2/3), inespecíficos, mas representam a maioria dos
apresentar franco hipotireoidismo (1/3) ou, casos!
paradoxalmente, expressar sinais e sintomas de
Gerais: Fadiga; lentificação da voz (que fica
leve tireotoxicose (a chamada hashitoxicose –
rouca) e dos movimentos; intolerância ao frio;
observada numa pequena parcela dos casos)! A
ganho de peso (ATENÇÃO: exceto obesidade
hashitoxicose NÃO é “hipertireoidismo”... Na
mórbida!!! O mecanismo é o acúmulo de
verdade, ocorre liberação de hormônio pré-
glicosaminoglicanos e água nos tecidos, por
formado quando da destruição dos folículos
isso o ganho é discreto. O apetite está
tireoidianos, sem que haja estímulo funcional
preservado).
sobre a glândula! Vale lembrar que pode haver
discreto bócio indolor (pela infiltração Cutâneas: Pele fria e pálida (redução local do
inflamatória crônica), mas em geral a tireoide fluxo sanguíneo); atrofia da camada celular da
está atrófica... Laboratorialmente, identifica-se epiderme e hipertrofia da camada córnea (pele
o autoanticorpo anti-TPO seca e quebradiça = hipercerato se); hipoidrose
(antitireoperoxidase), além de aumento do (pouca produção de calor = pouco suor);
TSH. O T4 livre pode estar alto, normal ou problemas nos fâneros (cabelos e unhas secos
baixo, em função do estágio da doença. e quebradiços, madarose = perda do 1/3 lateral
das sobrancelhas); discromias (pele amarelada
O hipotireoidismo central (secundário ou
= hipercarotene mia; pele escurecida =
terciário) tem como causas mais prevalentes
insuficiência adrenal concomitante);
em adultos os tumores hipofisários, sendo
mixedema (casos graves = edema sem cacifo,
igualmente importantes os efeitos colaterais de
principalmente periocular – puffy face –,
seu tratamento (cirurgia ou radioterapia). A
macroglossia).
necrose hipofisária que pode surgir no
contexto de hemorragias pós-parto graves Cardiovasculares: Queda do débito cardíaco
(síndrome de Sheehan) é outra causa clássica! (baixo metabolismo = baixa demanda de O2);
Em crianças, a causa mais frequente é o bradicardia; hipocontratilidade (redução na
craniofaringioma, um tipo especial de tumor síntese de proteínas miocárdicas); derrame
hipofisário cujo grande marco radiológico é a pericárdico (raramente leva ao tamponamento,
presença de calcificações heterogêneas na mesmo quando pronunciado. O motivo?
região da sela turca. Isso é tão importante que Instalação lenta...); hipertensão arterial
sempre devemos pedir uma radiografia lateral sistêmica (aumento da resistência vascular
de crânio em crianças com hipotireoidismo periférica por deposição de
central, com o intuito de avaliar a presença glicosaminoglicanos na parede dos vasos) –
dessa alteração. ocorre especialmente à custa da diastólica,
podendo resultar em PA “convergente”;
Manifestações clinicas
hipercolesterolemia (menor expressão do
As manifestações do hipotireoidismo devem receptor de LDL, promovendo menor
ser entendidas dentro de um espectro de depuração de colesterol); hiper-
gravidade: quanto maior a duração e a homocisteinemia.
intensidade da carência hormonal, mais graves
Laboratório inespecífico
e numerosas serão as alterações! O quadro
“clássico”, multissistêmico, é fácil de o hipotireoidismo pode cursar com anemia, e
reconhecer e relativamente específico (isto é, que esta pode ser normocítica/normocrômica
Bruno Cesar – Medicina 2023.1 13

(hipoproliferação devido ao hipometabolismo livre, que posteriormente será seguida pela


generalizado), macrocítica (quando há gastrite queda do T3. Logo, é desnecessário dosar o T3
atrófica e má absorção de B12 associada) ou sérico, já que sua redução sempre sucede a do
microcítica/hipocrômica (pela menorragia)... T4 livre!
Já vimos também que esses doentes com
Hipotireodismo central – secundário ou
frequência apresentam dislipidemia, tanto por
terciário
aumento de LDL (redução na expressão do
receptor hepático de LDL, o que reduz o O TSH encontra-se baixo ou
clearance desta lipoproteína) quanto de inapropriadamente normal, em face de um T4
triglicerídeos (redução na expressão de lipase livre que está sempre baixo! Raramente, o TSH
lipoproteica). Devido à miopatia, pode haver estará discretamente aumentado (até 20
elevação sérica de enzimas musculares, como mUI/L), devido à produção de uma molécula
CPK, aldolase, LDH e TGO (AST). biologicamente inativa, porém
imunologicamente ativa (trata-se do TSH “rico
A queda dos níveis de T4 livre promove
em ácido siálico” ou macro TSH, detectado
ativação do eixo hipotálamo-hipofisário,
pelo ensaio que mede TSH). O próximo passo
aumentando a liberação de TRH
após a confirmação do hipotireoidismo de
(hipotalâmico) e TSH (hipofisário). O TRH,
padrão “central” é a realização de uma RM da
por ter estrutura semelhante a outros “fatores
sela túrcica, para pesquisa de doenças que
liberadores” hipotalâmicos, quando muito
justifiquem este achado (ex.: tumor, lesão
aumentado pode estimular a secreção de
infiltrativa, etc.)
hormônios hipofisários além do TSH. Os
principais exemplos são a prolactina (quase Anticorpos, antitireoglobulina e ntiperoxidase
sempre < 100 ng/ml), e as gonadotrofinas (TPO)
(FSH e LH). Tanto é assim que faz parte do
algoritmo de investigação da Sua presença indica um processo autoimune,
hiperprolactinemia a dosagem de hormônios quase sempre, como vimos, a tireoidite de
tireoidianos (TSH e T4 livre)! É válido Hashimoto
ressaltar ainda que o hipotireoidismo pode Tratamento
promover discreto aumento nos níveis de
paratormônio (PTH) e vitamina D, o que Consiste na administração de dose única diária
resulta, em alguns doentes, em hipercalcemia de levotiroxina (T4), de preferência pela
leve... manhã e com o estômago vazio (uma hora
antes do café). A levotiroxina tem meia-vida
Diagnostico laboratorial de sete dias, sendo, portanto, superior ao T3
Hipotireoidismo primário (liotironina) para reposição, uma vez que o T3
tem meia-vida relativamente curta, em torno de
Caracteriza-se por TSH elevado e T4 livre 24 horas (com maior chance de resultar em
baixo. O T3 também se encontra reduzido, mas concentrações inadequadas do hormônio no
não é habitualmente dosado... Na maioria dos sangue)... A dose a ser administrada varia de
casos, num primeiro momento ocorre elevação acordo com o peso do paciente, idade e
isolada do TSH, com T4 livre normal. É o presença de comorbidades! A dose inicial para
chamado hipotireoidismo subclínico: como a um adulto jovem saudável é de 1,6 a 1,8
glândula é destruída aos poucos, a “reserva” µg/kg/dia. Neste tipo de paciente, o tratamento
tireoidiana é progressivamente requisitada, pode ser iniciado em dose plena desde o
sendo necessário um nível relativamente mais início... Em pacientes com mais de 60 anos de
alto de TSH para manter o T4 livre dentro da idade, a dose inicial é de 50 µg/dia, e nos
faixa normal. Muitos doentes evoluirão com pacientes com cardiopatia grave (ex.:
perda completa da “reserva” e queda do T4 coronariopatia) a dose inicial deve ser de 12,5-
Bruno Cesar – Medicina 2023.1 14

25 µg/dia, com incrementos de 12,5-25 µg a condição ainda é um tema controverso...


cada 2-3 semanas!!! Doses elevadas de Segundo a literatura atual, as indicações mais
levotiroxina nestes indivíduos podem concretas para o tratamento do hipotireoidismo
precipitar isquemia miocárdica (aumento do subclínico são:
consumo miocárdico de oxigênio), sendo
eventualmente necessário revascularizar o • TSH ≥ 10 mU/L;
miocárdio do paciente antes de aumentar a • Gravidez ou planejamento de gravidez;
dose da levotiroxina... • Pacientes que apresentam sintomas
atribuíveis à deficiência de hormônio
O objetivo é manter o TSH dentro da faixa de tireoidiano, como depressão ou
referência, isto é, entre 0,5 e 5,0 mU/L. dislipidemia, bem como aqueles que
Quando o paciente tem TSH próximo ao limite possuem anti-TPO elevado, também
superior da normalidade, mas ainda assim costumam ser tratados com reposição de
apresenta sinais e sintomas compatíveis com tiroxina, existindo evidências de benefício.
hipotireoidismo, recomenda-se aumentar a Alguns autores, no entanto, questionam
dose de tiroxina de modo a manter o TSH na estas indicações, o que não nos impede,
metade inferior da faixa de referência (entre todavia, de considerá-las...
0,5-2,5 mU/L). Iniciado o tratamento, devemos
dosar o TSH após quatro a seis semanas.
Ajustes posteriores na dose, entre 12,5-25 µg,
poderão ser feitos com novas dosagens do TSH
em 4-6 semanas... No caso de hipotireoidismo
central, o controle da dose de levotiroxina deve
ser feito pelos níveis de T4 livre no sangue!
Uma vez atingida a dose de manutenção, a
reavaliação da função tireoidiana pode ser feita Mas agora muito CUIDADO... Existem
a cada 6 ou 12 meses. condições em que pode ocorrer aumento do
TSH com T4 livre normal sem que haja
Em pacientes jovens e sem comorbidades, a
hipotireoidismo subclínico, por exemplo:
dose inicial de levotiroxina pode ser a dose
período de convalescência de doenças não
plena (1,6 a 1,8 μg/kg/dia). Já em pacientes
tireoidianas, insuficiência adrenal, uso de
idosos ou coronariopatas, a dose inicial deve
certas medicações como metoclopramida ou
ser menor, com pequenos incrementos
domperidona, tireotropinomas (adenomas
posteriores. O TSH deve ser dosado entre 4-6
hipofisários produtores de TSH). Em tais
semanas após início ou mudança na dose de
casos, não há indicação de repor levotiroxina
levotiroxina, com ajuste da posologia caso
necessário (manter TSH dentro da faixa Hipotireoidismo durante gestação
normal: 0,5-5,0 mU/L).
O hipotireoidismo primário é uma condição
Hipotireoidismo subclínico bastante comum, principalmente em mulheres
em idade reprodutiva. Por conseguinte, com
O hipotireoidismo subclínico é definido
frequência é encontrado em gestantes!
laboratorialmente pela presença de TSH
Sabemos que os hormônios tireoidianos são
elevado e T4 livre normal. A taxa de
importantíssimos para o desenvolvimento do
progressão para hipotireoidismo manifesto
feto... O T4 materno é crucial para a formação
(TSH alto, T4 livre baixo) gira em torno de 5%
do SNC durante toda a gestação,
ao ano, principalmente quando o anti-TPO é
principalmente no primeiro trimestre (lembre-
positivo... O hipotireoidismo subclínico vem
se que a tireoide fetal inicia sua formação a
sendo associado a um maior risco de doenças
partir da 10-12ª semana de gestação e não se
cardiovasculares! Todavia, o tratamento desta
desenvolve completamente até o nascimento).
Bruno Cesar – Medicina 2023.1 15

Durante a gravidez, as pacientes com prejudicada, o que explica esta alteração


hipotireoidismo prévio não são capazes de hormonal... Dessa forma, mais T4 encontra-se
aumentar sua produção de hormônios de forma disponível para a transformação em rT3 (T3
adequada. Desse modo, torna-se necessário reverso – metabólito desprovido de ação
aumentar a dose de levotiroxina nas gestantes biológica). Além disso, a mesma enzima que
com hipotireoidismo!!! Há também aumento converte o T4 em T3 (desiodase tipo 1) é a que
do volume de distribuição, aumento dos níveis degrada o rT3. Este é mais um motivo para
de TBG (reduzindo a fração livre do hormônio) aumentar os níveis de T3 reverso. Acredita-se
e aumento de degradação do T4 pela placenta que o estado de T3 baixo seja adaptativo,
(que possui desiodases). O rastreamento do podendo ser importante para limitar o
hipotireoidismo durante a gravidez é realizado catabolismo em pacientes enfermos ou com
com dosagem sérica de TSH, T4L e anticorpos inanição.
antitireoidianos. Na presença de níveis de TSH
Pacientes graves com prognóstico ruim
acima de 4 mUI/L, independente ou não da
referente à sua doença de base apresentam a
presença de autoimunidade, suspeita-se de
síndrome do T4 baixo. Nesta situação temos
hipotireoidismo. Deve-se, então, iniciar a
T4 baixo e T3 mais baixo ainda; esta alteração
reposição com levotiroxina e
é ocasionada por uma diminuição da ligação de
acompanhamento da função tireoidiana
T4 à proteína ligadora de tiroxina (TBG –
durante a gestação e após o parto. No caso de
Thyroxin Binding Globulin). O TSH pode
autoimunidade positiva, levam-se em conta os
variar em uma faixa ampla (< 0,1 a > 20
níveis do TSH. Se o TSH for < 2, a reposição
mU/L), e este achado ainda não encontra
de levotiroxina não é necessária, devendo-se
explicações plausíveis. A reversão de todas
repetir a dosagem no final do segundo
estas alterações, caso o paciente se recupere,
trimestre; se o TSH estiver entre dois e quatro,
demonstra a inexistência de desordens na
o tratamento deve ser considerado
tireoide. O uso de corticoides em pacientes
enfermos pode justificar em parte a queda dos
níveis de TSH
Doenças sistêmicas graves (desnutrição
significativa, sepse, aids, insuficiência
cardíaca, uremia, infarto do miocárdio grave,
A molécula de amiodarona apresenta iodo em
grandes queimados, cetoacidose diabética,
39% de seu peso; além de conter este elemento,
neoplasias, etc.) levam à produção exacerbada
a droga é capaz de inibir a 5’-monodeiodinação
de citocinas. Estes mediadores humorais
e agir (através de seus metabólitos) como
causam anormalidades no TSH ou nos níveis
inibidora leve dos hormônios tireoidianos em
de hormônios circulantes, na ausência de
seus sítios de ação. Por se acumular no tecido
doença tireoidiana. Este fenômeno é chamado
adiposo, os níveis de iodo podem permanecer
de Síndrome do Eutireóideo Doente (SED).
elevados por até seis meses após interrupção da
Por esses motivos, devemos evitar solicitar
droga. Isso é importante, pois a amiodarona
exames de função tireoidiana em pacientes
frequentemente é usada em pacientes com
agudamente enfermos, a menos que haja forte
fibrilação atrial secundária ao hipertiroidismo.
suspeita de doença tireoidiana
Se esses pacientes fizerem uso da amiodarona
O padrão mais frequentemente encontrado na para controle da arritmia e necessitarem
SED é a diminuição do T3 total e livre realizar uma cintigrafia da tireoide ou
(síndrome do T3 baixo) com níveis normais de receberem dose terapêutica, a captação de iodo
T4 e TSH. A magnitude na queda do T3 tem pela tireoide estará inibida, o que irá
correlação com a gravidade da doença comprometer os procedimentos.
subjacente. A conversão periférica de T4 em
A amiodarona pode ocasionar três efeitos:
T3 (ação da desiodase tipo 1) parece estar
Bruno Cesar – Medicina 2023.1 16

1. Alterações agudas e transitórias na • A amiodarona pode gerar tireotoxicose por


função tireoidiana; uma tireoidite destrutiva – tipo II.
2. Hipotireoidismo induzido pelo iodo
(efeito Wolff-Chaikoff), pelo efeito
inibitório sobre a captação e é a expressão mais grave do hipotireoidismo.
organificação do iodo, além da inibição As principais manifestações incluem um
da desiodase tipo 1 e da ação hormonal prejuízo importante das funções do sistema
em seus receptores. É observada nervoso central somado à descompensação
geralmente em pacientes com tireoidite cardiovascular e respiratória. O
de Hashimoto subclínica (anti-TPO reconhecimento desta condição pelo clínico e
positivo) em regiões com adequado intensivista é prejudicado pelo início insidioso
suprimento de iodo na dieta; e por sua relativa baixa incidência...
3. Tireotoxicose por efeito do iodo (efeito
de Jod-Basedow), fenômeno observado O hormônio tireoidiano, através da ativação da
principalmente em pacientes com bócio Na+ K+ ATPase, aumenta o consumo de
multinodular e doença de Graves oxigênio nos tecidos, sendo um dos
subclínica. Observada geralmente em responsáveis pela elevação da taxa metabólica
regiões de pobre suprimento de iodo. basal. Na diminuição importante de seus
níveis, existe uma tendência comprovada à
O efeito predominante parece depender da hipotermia. Em casos extremos, chegou-se a
carga de iodo que a droga encerra (efeito valores de até 23ºC. Esta alteração não se
Wolff-Chaikoff). As mulheres com anticorpos encontra presente em todos os pacientes com
antitireoperoxidase (TPO) parecem ser mais coma mixedematoso, mas, quando encontrada,
suscetíveis. O tratamento envolve reposição de é bastante sugestiva da presença desta
levotiroxina. Devemos guiar a terapia de emergência endócrina. Pode ser acompanhado
reposição pelos valores do TSH uma vez que de arreflexia e convulsões. A manifestação
os níveis de T4 podem encontrar-se altos por respiratória mais grave em um paciente com
outros efeitos da droga (resistência periférica hipotireoidismo é a diminuição do drive
ao hormônio, diminuição da conversão em ventilatório, fenômeno que pode levar à
T3). Em geral, não é necessário suspender a retenção de CO2 e à hipoxemia por
amiodarona devido ao hipotireoidismo, hipoventilação alveolar. Estas alterações,
podendo-se administrar levotiroxina para sobretudo a hipercapnia, são capazes de
normalizar o quadro. ocasionar coma. A disfunção neuromuscular
No início do tratamento com amiodarona agrava ainda mais estes distúrbios. Outras
geralmente ocorre redução transitória dos causas de prejuízo na função ventilatória são o
níveis de T4, secundária à inibição da liberação edema mixedematoso das vias aéreas
de T4. Algum tempo depois, grande parte dos superiores e a obstrução por macroglossia. A
indivíduos escapa da supressão da tireoide pelo pneumonia bacteriana encontra-se presente na
iodeto (escape do efeito Wolff-Chaikoff), maioria dos pacientes com coma
tornando-se predominantes os efeitos mixedematoso, sendo o principal fator
inibitórios sobre a ação da desiodase e sobre o precipitante. O hipotireoidismo aumenta a
receptor dos hormônios tireoidianos responsividade alfa adrenérgica, fenômeno que
explica o desvio de sangue da pele para tentar
• A amiodarona pode gerar hipotireoidismo manter a temperatura central do organismo
(efeito Wolff-Chaikoff), principalmente (levando a uma pele fria e pálida). Ao mesmo
em pacientes com anti-TPO positivo. tempo existe uma diminuição na densidade de
• A amiodarona pode gerar tireotoxicose receptores beta, o que explica a bradicardia,
pelo efeito Jod-Basedow – tipo I. diminuição do volume sistólico e débito
cardíaco. Este aumento da resposta alfa
Bruno Cesar – Medicina 2023.1 17

adrenérgica com a diminuição do débito Um bócio (aumento da glândula tireoide)


cardíaco explica, em parte, a hipertensão geralmente é decorrente do efeito exacerbado
diastólica observada no hipotireoidismo do TSH (tireotrofina) sobre a tireoide, ou
então, o efeito de um peptídeo semelhante ao
A diminuição da taxa de filtração glomerular
TSH, como o anticorpo anti-TSH estimulante
somada à diminuição da excreção de água livre
da doença de Graves. Como sabemos, o TSH
e redução da reabsorção de sódio pelo néfron
promove hipertrofia e hiperplasia do
promove uma tendência à hiponatremia.
parênquima tireoidiano, além de aumentar a
Alguns pacientes apresentam elevação
sua vascularização
inapropriada do ADH a despeito da
osmolaridade sérica baixa. Os pacientes com
coma mixedematoso podem desenvolver
hipoglicemia. A diminuição dos hormônios No mundo, a causa mais comum de bócio
tireoidianos pode induzir uma maior difuso atóxico é a deficiência de iodo,
sensibilidade à insulina endêmica em algumas regiões montanhosas do
globo, nas quais o governo não adotou a
Levotiroxina em altas doses: reposição política de enriquecer o sal com iodo, como no
imediata de hormônios tireoidianos. A Brasil. Em nosso meio, portanto, esta não é
levotiroxina (T4) venosa é administrada em uma causa comum. É também chamado de
um bolus de 500 a 800 μg e continuada em uma bócio endêmico. Este último também pode ser
dose de 100 µg/dia IV. A administração na causado pelo consumo de substâncias
forma parenteral venosa evita o retardo bociogênicas, presentes na raiz do aipim
causado pela absorção intestinal da (mandioca) e em vegetais como o repolho e a
levotiroxina nesses pacientes. O uso de couve-flor
liotironina (T3 ), na dose de 25 µg a cada 12h,
em combinação com levotiroxina, é Nas demais regiões, predomina o bócio
recomendado por muitos autores, uma vez que esporádico simples, de causa desconhecida.
existe geralmente um prejuízo na conversão Este é mais comum em mulheres jovens e é
periférica de T4 em T3. A dose de ataque de caracteristicamente eutireóideo. Alguns casos
LT4 serve para repor o pool periférico de bócio são decorrentes da herança de defeitos
hormonal, podendo ser benéfica dentro de enzimáticos da hormonogênese, que passaram
horas. Tão logo o paciente possa ingerir, as despercebidos na infância.
medicações devem ser passadas para a forma Causas de bócio atóxico (o TSH encontra-se
oral. elevado):
Hidrocortisona venosa: os esteroides são ● Baixa ingestão de iodo – ocorre
recomendados no coma mixedematoso para principalmente em regiões de solo antigo e
evitar o surgimento de uma crise adrenal (na longe do oceano, que já foram muito lixiviados
presença de um aumento do metabolismo com pelas chuvas, que carreiam o iodo do solo para
a reposição hormonal) em pacientes com o oceano;
insuficiência suprarrenal subclínica. Este
fenômeno pode ser encontrado em pacientes ● Deficiência do transportador de iodo
com insuficiência suprarrenal autoimune (bomba de iodeto) – neste caso, pouco iodo
associada ao hipotireoidismo (muito comum) e penetra na célula folicular tireoidiana,
nos raros indivíduos com hipopituitarismo e prejudicando o mecanismo de concentração de
hipotireoidismo (secundário) presentes. A iodo. Assim, a quantidade de iodo que entra na
hidrocortisona é administrada na dose de 50 tireoide fica muito dependente da concentração
mg a cada seis horas. de iodo extracelular (o que não ocorre nos
casos em que o transportador de iodo está
Bruno Cesar – Medicina 2023.1 18

funcionando adequadamente, quando ocorre iodo, a dosagem do iodo urinário está baixa (<
captação ativa de iodo); 100 µg/L).
● Defeito da peroxidase – a enzima Os sinais e sintomas do próprio bócio
tireoperoxidase utiliza o peróxido de dependem de seu tamanho e se ele “invadiu”
hidrogênio também conhecido como água ou não a região subesternal. Neste caso, pode-
oxigenada (H2O2) para oxidar o iodo que se observar a presença de sintomas
depois será organificado na tireoglobulina; compressivos da traqueia (tosse e dificuldade
respiratória), esôfago (disfagia) ou nervos
● Defeitos na síntese da tireoglobulina –
laríngeos recorrentes (rouquidão). O “bócio
defeitos na formação desta macromolécula
mergulhante” é o nome dado ao bócio
causam prejuízos no seu processo de iodação
subesternal (mediastino anterior). Às vezes, só
pela tireoperoxidase, formando menos T3 e
é detectado pelo exame de imagem (RX ou TC
T4. Existem alguns casos em que os defeitos
de tórax). O sinal de Pemberton é
da molécula de tireoglobulina não permitem a
característico: ao elevar os braços acima da
sua saída do complexo de Golgi;
cabeça, o paciente sente fraqueza e tontura,
● Doença de Pendred – a pendrina é uma com sinais de congestão facial. A cintilografia
proteína que forma um canal de iodeto na tireoidiana pode ajudar a diferenciar um bócio
membrana apical da célula folicular difuso de um bócio multinodular.
tireoidiana. Na sua deficiência, menos iodeto
Tratamento
passa para o coloide, dificultando a formação
dos HT; O tratamento visa reduzir o bócio, com o
● Defeito na desalogenase – neste caso, a intuito meramente estético ou para prevenir ou
desiodação de MIT e DIT encontra-se tratar os fenômenos compressivos. A terapia de
prejudicada, permitindo que estas moléculas escolha é a supressão do TSH com
passem para a circulação sanguínea e sejam levotiroxina! Inicia-se a dose de 100 µg/dia em
eliminadas pelos rins sem que o iodo seja jovens e de 50 µg/dia em idosos, objetivando
reaproveitado pela tireoide; um TSH normal-baixo. A regressão é mais
comum nos jovens e ocorre em 3-6 meses. Nos
● Deficiências das desiodases – neste caso, o idosos, pelo grau de fibrose instalado, a
feedback é insuficiente (lembrar que o T3 é o regressão só é possível em 1/3 dos casos... A
principal responsável pelo feedback negativo). cirurgia está indicada nos casos de bócio muito
Assim o TSH encontra-se elevado. grande (> 150 g), nos casos de refratariedade à
terapia supressiva e sempre quando há
Clínica e diagnostico
sintomas compressivos. A ablação com
Ao detectar um bócio no exame físico da radioiodo é uma opção terapêutica, com
tireoide, o médico deve obrigatoriamente dosar sucesso em 50% dos casos. A reposição de
os hormônios tireoidianos. A presença de um iodo está indicada quando da sua deficiência
TSH suprimido indica um bócio tóxico e confirmada. Pela fibrose, às vezes, o bócio
hipertireoidismo primário. Um TSH elevado, endêmico não regride
com T4 livre normal ou reduzido indica um
bócio atóxico hipotireóideo, típico da
disormonogênese e da tireoidite de Hashimoto. A maioria dos bócios difusos atóxicos evolui
Na deficiência de iodo e no bócio esporádico, mais tarde para um bócio multinodular atóxico.
o TSH sérico geralmente se encontra normal! Porém não se conhece a sua patogênese. Tal
A captação de 24h do 131I está aumentada na como o primeiro, é mais comum em mulheres
deficiência de iodo e na disormonogênese, e aumenta de prevalência com a idade. A sua
porém francamente reduzida ou nula na prevalência é inversamente proporcional à
tireoidite de Hashimoto. Na deficiência de ingesta de iodo, variando entre 1-12%. Os
Bruno Cesar – Medicina 2023.1 19

nódulos variam de tamanho, são múltiplos; hipotireoidismo, na maioria das vezes


alguns são policlonais, outros monoclonais. A subclínico. No caso das tireoidites subagudas,
fibrose é extensa (muito mais que no bócio essa fase é autolimitada, pois o tecido tireóideo
difuso), daí a maior refratariedade à terapia regenera-se mais tarde. Na tireoidite crônica
autoimune (Hashimoto), essa fase progride
O paciente é eutireóideo. O BMA é o
insidiosamente para o hipotireoidismo
responsável pelos maiores bócios existentes e
clinicamente manifesto.
são aqueles que mais levam aos sintomas
compressivos descritos anteriormente, bem
como ao sinal de Pemberton. Uma dor súbita
na tireoide pode ocorrer por uma hemorragia A etiologia é desconhecida, no entanto existem
em um dos nódulos fatores genéticos e adquiridos associados. O
resultado final é uma reação imunológica
A terapia supressiva não costuma ser eficaz, voltada contra uma série de antígenos
devido à presença de nódulos autônomos e ao tireoidianos, utilizando tanto a via celular
alto grau de fibrose na glândula. As opções são (citotoxicidade pelos linfócitos CD8) quanto a
a radioablação com 131I, com sucesso em 40- via humoral – os autoanticorpos. Um ou mais
50% dos casos (dose: 10-30 mCi). Os casos de autoanticorpos tireoidianos são encontrados
grandes bócios (> 150 g), bócios refratários ou em virtualmente todos os pacientes. Em
com sintomas compressivos, exigem a cirurgia caucasoides, tem sido relatada associação da
de ressecção (entretanto, não isenta de riscos). TH bociogênica com o HLA-DR3 e HLA-
DR5, enquanto a forma atrófica foi associada
ao HLA-DR3 e HLA-B8. Os fatores
Tireoidite é um termo genérico que comporta ambientais mais associados ao
uma série de entidades clínicas que têm em desenvolvimento da doença são infecções
comum o acometimento inflamatório da virais (através do mecanismo de mimetismo
tireoide. O mecanismo etiopatogênico pode ser molecular) e o consumo de iodo. Na infecção
infeccioso, autoimune ou outros (trauma, pelo vírus da hepatite C, por exemplo, até 13%
radiação, drogas, desconhecido) dos pacientes desenvolve Hashimoto

1. Tireoidite de Hashimoto; Os principais autoanticorpos estão listados


2. Tireoidite subaguda linfocítica; abaixo:
3. Tireoidite subaguda granulomatosa; • ● Antitireoperoxidase (anti-TPO) – 95-
4. Tireoidite pós-parto; 100% dos casos;
5. Tireoidite infecciosa;
• ● Antitireoglobulina;
6. Tireoidite medicamentosa;
• ● Antirreceptor de TSH;
7. Tireoidite actínica;
• ● Antitransportador de iodo.
8. Tireoidite fibrosante de Riedel.
Cerca de 95% dos pacientes que possuem
As tireoidites promovem lesão inflamatória do
anticorpos anti-Tg também são positivos para
parênquima tireoidiano, de forma que o
o anti-TPO. No entanto, cerca de 50-60% dos
conteúdo coloide dos folículos é extravasado,
indivíduos positivos para anti-TPO são
liberando tireoglobulina, T3 e T4 para a
negativos para anti-Tg. Dessa forma, diante da
circulação. Por essa razão, a fase inicial
suspeita de tireoidite autoimune, primeiro
costuma cursar com tireotoxicose manifesta ou
estaria indicado solicitar o anti-TPO (maior
subclínica. Após as primeiras semanas, o
sensibilidade) e, caso negativo, solicitar o anti-
hormônio previamente estocado já foi
Tg. Pacientes jovens com TH podem
liberado, enquanto a lesão das células
apresentar níveis baixos ou ausentes de anti-
foliculares reduz a síntese de hormônios
TPO.
tireoidianos. Nesse momento, instala-se o
Bruno Cesar – Medicina 2023.1 20

Em conjunto, os anticorpos Chamam-se tireoidite atrófica os casos de


antitireoperoxidase (anti-TPO) e evolução tardia da TH, com anticorpos
antitireoglobulina possuem sensibilidade de positivos, sem bócio e com hipotireoidismo.
95-100%, enquanto o antirreceptor de TSH e o Enquanto as chances de hipotireoidismo
antitransportador de iodo são positivos em aumentam com o passar do tempo, a
apenas 15-20% dos pacientes. O anticorpo ocorrência de bócio diminui. A administração
antirreceptor de TSH bloqueador age inibindo de iodo exógeno (seja por aumento agudo da
este receptor e, portanto, inibindo a ação do ingestão, seja pela exposição a substâncias
TSH na glândula. Este grupo de pacientes contendo iodo, como contrastes radiológicos,
geralmente apresenta uma tireoide atrófica, xaropes antitussígenos e a amiodarona) pode
impalpável, em contraste com a tireoide desencadear hipotireoidismo manifesto em
significativamente aumentada (bócio) em 75% pacientes com tireoidite subclínica, devido ao
dos pacientes. Na doença de Graves, como efeito de Wolff-Chaikoff
vimos, os anticorpos antirreceptor de TSH são
O bócio surge paulatinamente em 75% dos
do tipo estimulante. Por isso, tais pacientes
pacientes, decorrente do efeito trófico do TSH
apresentam bócio e hipertireoidismo... Alguns
no tecido folicular remanescente. Geralmente,
pacientes com tireoidite crônica autoimune
o aspecto é de bócio difuso, porém, algumas
podem ter os dois tipos de anticorpos
vezes, pode ter um aspecto multinodular. Em
antirreceptor de TSH, predominando em
20-25% dos casos, não há bócio e a tireoide
momentos diferentes da doença! Neste caso,
pode até mesmo estar reduzida de tamanho
serão alternadas fases de hipotireoidismo com
(forma atrófica). Os sinais e sintomas do
fases de hipertireoidismo
hipotireoidismo passam a caracterizar o quadro
Quadro clinico clínico

A fase inicial da doença cursa com elevação Não é infrequente a associação da tireoidite de
transitória (semanas a meses) dos hormônios Hashimoto com outras doenças autoimunes:
tireoidianos, eventualmente levando à vitiligo, anemia perniciosa, doença de
tireotoxicose clinicamente manifesta Addison, diabetes mellitus tipo 1, etc. Merece
(Hashitoxicose). A maioria dos pacientes se destaque a associação com doença celíaca,
apresenta assintomática no início da doença, condição encontrada em até 5% dos portadores
sendo o diagnóstico suspeitado a partir da de TH
investigação de anormalidades nos exames de A encefalopatia de Hashimoto é uma condição
função tireoidiana realizados ao acaso ou pela descrita recentemente na qual se encontram
presença de um bócio ao exame físico. presentes altos títulos de anticorpos anti-TPO,
Sintomas de hipotireoidismo podem estar apresentando boa resposta aos
presentes em 10-20% dos indivíduos. O glicocorticoides. Entre os casos relatados, a
hipertireoidismo pode ser a manifestação idade média de apresentação foi de 44 anos. As
inicial de cerca de 5% dos casos. Quando há manifestações encontradas incluem sinais
bócio, o volume da tireoide geralmente é de 2- semelhantes a um AVC, convulsões, psicose,
4 vezes o normal. Como na maioria dos casos aumento de proteínas no liquor e alterações no
a elevação hormonal é subclínica, esta fase eletroencefalograma. Está comprovado que a
passa despercebida. A segunda fase da doença tireoidite de Hashimoto aumenta
é o hipotireoidismo subclínico, caracterizado significativamente o risco de linfoma de
pela elevação do TSH com T4 (e T3) ainda tireoide. A suspeita do linfoma deve ser feita
dentro da faixa de normalidade. A evolução quando houver aumento súbito ou localizado
para a terceira fase da doença – o do bócio e/ou sintomas compressivos.
hipotireoidismo clinicamente manifesto –
ocorre em média na taxa de 5% ao ano. Diagnostico
Bruno Cesar – Medicina 2023.1 21

É feito com base na associação de um quadro futuro, o que pode resultar da redução de
clínico compatível, ou seja, bócio e, na maioria anticorpos citotóxicos, mudança de anticorpos
dos casos, hipotireoidismo, com o achado de bloqueadores para anticor-pos estimuladores
níveis aumentados de autoanticorpos do receptor de TSH ou outro mecanismo ainda
tireoidianos, especialmente o anticorpo anti- não conhecido.
TPO (em títulos geralmente superiores a
1:1.600) e, em segundo lugar, o anticorpo
antitireoglobulina. É importante perceber que O fenômeno autoimune está presente na
a presença de hipotireoidismo não é gênese deste tipo de tireoidite. Diferentemente
obrigatória para o diagnóstico... Em casos da tireoidite de Hashimoto, é uma condição
duvidosos, por exemplo, bócio de aspecto autolimitada. Anticorpos anti-TPO e
nodular, pode ser necessária a biópsia antitireoglobulina estão positivos em cerca de
tireoidiana para fechar o diagnóstico. 50% dos casos no momento do diagnóstico,
O exame histopatológico revela a substituição porém em títulos mais baixos que na tireoidite
do tecido folicular normal por um infiltrado de Hashimoto e na tireoidite pós parto. O
linfocítico, inclusive com a formação de histopatológico demonstra um infiltrado
centros germinativos linfoides. Os folículos linfocítico difuso, qualitativamente semelhante
tireoidianos remanescentes são pequenos e à tireoidite de Hashimoto, contudo de menor
atróficos, com pouco coloide no seu interior. intensidade e não associado a lesões
As células deAskanazy, consideradas degenerativas e fibróticas importantes.
patognomônicas da doença, representam um Quadro clinico
estágio avançado de lesão das células
foliculares. O exame citológico (PAAF) Pode ser descoberta ao acaso por exames de
confirma o diagnóstico, embora não seja triagem, em pacientes com a forma subclínica
fundamental, exceto nos casos de dor local, ou, o que é mais comum, pode apresentar-se
crescimento rápido ou presença de nódulos, com um quadro de tireotoxicose clinicamente
para investigar a possibilidade de neoplasia. manifesta. O diagnóstico diferencial é com a
doença de Graves. A presença de oftalmopatia
A cintigrafia da tireoide pode demonstrar sugere Graves, mas sua ausência não afasta
captação normal, baixa ou elevada este diagnóstico. O caráter autolimitado da
(dependendo da fase da doença), não tendo tireotoxicose inicial é o que caracteriza a
utilidade para o diagnóstico. A USG pode doença. A elevação hormonal geralmente dura
demonstrar glândula aumentada de textura 2-8 semanas, seguindo-se frequentemente uma
normal, com aspecto característico de fase igualmente autolimitada de
hipoecogenicidade ou presença de nódulos mal hipotireoidismo subclínico e, raramente,
definidos. As alterações ultrassonográficas hipotireoidismo manifesto. O estado de
podem ocorrer antes das alterações eutireoidismo é alcançado após 2-4 meses em
bioquímicas média. A tireoide permanece com tamanho
Tratamento normal ou levemente aumentada. Os níveis
séricos de tireoglobulina estão
Não há tratamento específico para a tireoidite caracteristicamente elevados (como em toda
de Hashimoto. A conduta é a reposição tireoidite.
adequada de hormônio tireoidiano ad
aeternum. Utiliza-se o T4L. O ajuste deve ser É importante observar-se a evolução
feito de acordo com o TSH e T4 livre séricos, laboratorial dos hormônios tireoidianos.
objetivando-se níveis de TSH entre 0,5-2,0 Inicialmente, estão elevados, enquanto o TSH
µU/ml. Até 20% dos pacientes hipotireóideos está baixo. Na segunda fase, os hormônios
inicialmente recuperam a função tireoidiana no tornam-se cada vez mais baixos, chegando a
valores inferiores à referência, porém o TSH
Bruno Cesar – Medicina 2023.1 22

ainda não se elevou para níveis superiores ao células gigantes de Langerhans e linfócitos
normal. Posteriormente se instala um quadro CD4 em seu entorno.
típico de hipotireoidismo primário (TSH
elevado). Quadro clinico

Diagnostico Cerca de 1-3 semanas após um quadro gripal,


instala-se uma síndrome álgica tireoidiana. A
O diagnóstico é suspeitado nos casos de dor é referida na região cervical anterior,
tireotoxicose, após o resultado do teste de garganta ou ouvidos (por irradiação pelas tubas
captação do iodo-131 de 24h. Enquanto que, na auditivas) e pode ser muito intensa. A tireoide
doença de Graves, a captação está elevada (> encontra-se leve a moderadamente aumentada
40%); na tireoidite, está caracteristicamente em seus dois lobos e bastante dolorosa. Às
baixa (< 5%). O aumento da tireoglobulina vezes, o paciente não deixa que o médico palpe
sérica diferencia a doença da tireotoxicose a tireoide devido à dor. É comum o mal-estar,
factícia. mialgia e febre baixa. Em cerca de 50% dos
casos, manifesta-se a tireotoxicose, de
Tratamento evolução sempre transitória. Tal como na
Não há tratamento específico. A conduta é tireoidite linfocítica, segue-se a fase do
tratar os sintomas cardiovasculares e hipotireoidismo (geralmente subclínico),
neuromusculares da tireotoxicose com culminando no eutireoidismo após 1-3 meses.
betabloqueadores. O uso das tionamidas Pode haver recidiva do quadro clínico após
(inibidores da peroxidase) não está indicado, alguns meses. Nos exames laboratoriais, o
pois o problema não é de síntese, mas de mais característico é a elevação significativa
liberação do hormônio estocado. Nos casos de do VHS, quase sempre > 50 mm/h e, às vezes,
hipotireoidismo manifesto na segunda fase, > 100 mm/h. Pode haver uma anemia e/ou uma
deve ser feita a reposição hormonal. O paciente leucocitose transitória discreta.
deve ser acompanhado após a recuperação, Diagnostico
devido ao risco de evoluir para tireoidite
crônica e hipotireoidismo permanente O diagnóstico normalmente é clínico (exame
físico e anamnese). Nos casos duvidosos,
solicita-se um hemograma, VHS e hormônios
É caracterizada por um quadro álgico na região tireoidianos. A diferenciação deve ser feita em
cervical anterior, associada ou não à relação a outras causas de dor cervical, como a
tireotoxicose transitória. É denominada tireoidite infecciosa e a hemorragia
também de tireoidite subaguda dolorosa, intranodular tireoidiana, que acometem a
tireoidite de células gigantes ou tireoidite tireoide mais de forma unilateral. A
granulomatosa. Acomete o sexo feminino em ultrassonografia e a biópsia podem ser úteis
maior proporção (3:1 a 5:1) para a confirmação diagnóstica. O achado
histopatológico é típico, não devendo ser
A tireoidite subaguda granulomatosa é uma confundido com o granuloma caseoso da
doença reativa pós-viral. Uma infecção prévia tuberculose tireóidea.
por determinados vírus (coxsackie,
adenovírus, caxumba, sarampo, vírus sincicial Tratamento
respiratório) desencadeia, segundo a teoria
Deve ser instituído prontamente com anti-
mais aceita, uma reação imunológica a
inflamatórios não esteroidais ou aspirina. A
antígenos tireoidianos que possuem reação
ausência de melhora em 24-48h indica o uso de
cruzada com os antígenos virais. A reação
corticosteroides (prednisona, na dose de 40
inflamatória resultante é do tipo
mg/dia), levando a uma melhora importante do
granulomatosa, rica em macrófagos ativados,
quadro clínico. Após o desaparecimento da dor
Bruno Cesar – Medicina 2023.1 23

e inflamação, deve-se suspender o corticoide medidas. A cirurgia deve ser indicada nos
paulatinamente em seis semanas. casos de comprometimento do esôfago ou da
traqueia.

É uma forma rara de tireoidite. Acomete mais


indivíduos entre a quarta e sexta década de
vida. É mais comum entre as mulheres.
Apresenta como sinônimos: tireoidite
esclerosante, tireoidite fibrótica, tireoidite
fibrótica invasiva, tireoidite crônica produtiva
e estroma de Riedel. Sua causa permanece
desconhecida. Existe associação com fibrose
das glândulas salivares, glândulas lacrimais,
fibrose mediastinal e retrope-ritoneal,
colangite esclerosante e pseudotumor de
órbita. Um terço dos pacientes que foram
seguidos em longo prazo desenvolveram
alguma forma de fibrose extracervical. Faz
parte do grupo das doenças fibrosantes
idiopáticas, como a fibrose pulmonar, a fibrose
mediastinal, retroperitoneal, etc.

A glândula encontra-se endurecida e infiltra os


tecidos adjacentes, levando à disfagia
(esôfago) e dispneia (traqueia). Na maioria das
vezes, o paciente é eutireóideo e, em alguns
casos, hipotireóideo. Em raros casos pode
haver hipoparatireoidismo associado, que pode
preceder a tireoidite de Riedel. O diagnóstico é
confirmado pela biópsia (geralmente a céu
aberto, pois a PAAF é de difícil execução dada
a rigidez do tecido) e deve ser diferenciado de
neoplasia e de outras doenças infiltrativas (ex.:
amiloidose), principalmente devido à sua
consistência (descrita como lenhosa), comum
aos cânceres em geral. Anticorpos
antitireoidianos podem ser encontrados em até
67% dos casos, não se sabendo ao certo seu
papel nesta doença. O tratamento tem sido
feito na atualidade com tamoxifeno (20 mg, via
oral, 2x/dia), mantido por anos. Os
respondedores costumam ter melhora parcial
ou completa do quadro em 3-6 meses.
Pacientes com dor ou sintomas compressivos
podem tentar também o glicocorticoide por
curtos períodos. O rituximabe tem sido
empregado nos casos refratários a essas duas
Bruno Cesar – Medicina 2023.1 24

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