Você está na página 1de 8

Hipertireoidismo

Endocrinologia

 Fisiologia:
1. Hipotálamo secreta TRH (hormônio liberador de tireotrofina)
2. TRH age na hipófise, a qual passa a liberar TSH (hormônio
tireoestimulante)
3. TSH age na tireoide, estimulando a síntese e liberação dos
hormônios tireoidianos (T3/T4) + efeito trófico (estimula a
hipertrofia da tireoide)
4. T3/T4 caem na circulação e realizam feedback negativo sobre
hipófise e hipotálamo, inibindo a produção de TSH e TRH,
respectivamente

o Matéria-prima para sintetizar o hormônio tireoidiano = Iodo (TSH estimula ativação de trocador de
membrana que elimina Na+ e capta iodeto) – com a hiperativação, vai captando cada vez mais iodo
o Iodo entra e se liga a uma proteína produzida no folículo tireoidiano = Tireoglobulina
o Enzima que permite a união entre a tireoglobulina e o iodo = Tireoperoxidase (TPO):

a. Oxidação/organificação do iodo
b. Iodação dos resíduos de tirosina (iodo + tireoglobulina)
c. Acoplamento das iodotirosinas (1 tireoglobulina + 3 iodos = T3 / 1 tireoglobulina + 4 iodos = T4)

o A tireoide produz muito mais T4 do que T3, sendo que a forma mais ativa/potente é T3
o Nos tecidos periféricos: T4 é convertido em T3 por ação da Desiodase tipo 1
o T3 liga-se ao seu receptor, dirigindo-se ao núcleo para exercer sua ação biológica

 O que fazem os hormônios tireoidianos? Agem no núcleo celular, alterando a transcrição gênica:
 Aumento da síntese proteica
 Aceleração do metabolismo
 Aumento da atividade cerebral (SNC)
 Aceleração do sistema cardiovascular (aumento da expressão de receptores beta-adrenérgicos;
sem aumento de catecolaminas)

 Efeito Jod-Basedow: hipertireoidismo induzido pelo iodo


o Iodo encontra tireoide repleta de TPOs livres, ligando-se a elas —> aumento da produção
hormonal
o Exs.: deficiência de iodo (sem iodo cronicamente, as TPOs encontram-se livres), doença de
Graves, nódulo tóxico, etc.

OBS: em regiões com baixa ingestão de iodo, alguns pacientes com doença de Graves (jovens), bócio multinodular ou
nódulo tireoidiano autônomo (idosos) só irão se tornar hipertireoideos quando o iodo for administrado em
suplementos ou através de drogas contendo iodo (amiodarona, contrastes iodados).

 Efeito Wolff-Chaikoff: hipotireoidismo induzido pelo iodo


o Sem TPOs disponíveis para se ligarem ao iodo —> redução da produção hormonal
o Exs.: tireoidite de Hashimoto (autoanticorpo que ataca as TPOs), drogas antitireoidianas (DAT –
bloqueiam a TPO)

OBS: pelo efeito Wolff-Chaikoff pronunciado, os pacientes com tireoidite autoimune latente (anticorpo anti-TPO +)
podem desenvolver hipotireoidismo quando submetidos a uma ingestão excessiva de iodo na dieta ou após
administração de algumas drogas contendo iodo (amiodarona, contrastes iodados).

 Classificação do hipertireoidismo:
o Secundário / central: problema no hipotálamo ou na hipófise (TSH alto / T3 e T4 altos)
o Primário / periférico: problema na tireoide (TSH baixo / T3 e T4 altos)

 Hipertireoidismo X Tireotoxicose:
o Hipertireoidismo = hiperfunção da glândula tireoide (aumento da produção de T3/T4):
 Doença de Graves
 Bócio multinodular tóxico
 Adenoma tóxico (Plummer)

o Tireotoxicose = “intoxicação” por aumento de T3/T4 circulantes (não necessariamente por maior
produção pela glândula):
 Tireoidite subaguda (inflamação da glândula com destruição dos folículos —> hormônios caem
na circulação)
 Tireoidite factícia (por administração exógena de hormônios tireoidianos)
 Medicamentos (ex.: amiodarona)

Doença de Graves

 Aspectos gerais:
o Doença autoimune que estimula síntese e secreção excessivas do hormônio tireoidiano
o Autoanticorpo TRAb liga-se ao receptor de TSH (TSH-R), ativando-o:
 Aumento do tamanho e da vascularização da tireoide
 Aumento da captação de iodo —> maior produção, estoque e liberação de hormônios
tireoidianos

 Epidemiologia:
o Mais comum no sexo feminino (10 : 1)
o Normalmente aos 20 – 50 anos de idade e com HF de hipertireoidismo
o Fatores prodisponentes (hipóteses):
 Alterações genéticas
 Infecções virais
 Tabagismo / estresse

 Quadro clínico:
o Bócio (decorrente do efeito trófico sobre a glândula)

o Sintomas de tireotoxicose (não específicos de Graves):


 Gerais: insônia, agitação, sudorese excessiva, intolerância ao calor, hiperdefecação/diarreia
(aumento da peristalse), perda ponderal (aceleração do metabolismo)
 Cutâneo-mucoso: pele quente, úmida, brilhosa e pegajosa
 Oftalmológico: retração palpebral e lid-lag (“atraso na pálpebra”, a qual
demora para acompanhar o olhar —> área exposta acima da íris)
 SNC: taquipsiquia, polifagia, troca de palavras, psicose
 Sistema cardiovascular (maior expressão de beta-receptores): hipertensão
sistólica (com pressão diastólica baixa —> PA divergente)

OBS: tireotoxicose pode cursar com apatia em idosos!

o Achados específicos da doença de Graves:


 Dermatopatia de Graves (mixedema pré-tibial): raro; fibroblastos que
reconhecem o TRAb

 Acropatia (baqueteamento digital): raro

 Oftalmopatia de Graves (mais comum):


 Processo inflamatório orbitário e periorbitário
 Ocorre antes, durante ou após o hipertireoidismo
 Exoftalmia bilateral, edema periorbitário, hiperemia conjuntival e
oftalmoplegia (paralisia da musculatura ocular)
 Receptores periorbitários similares ao TSH-R aos quais o TRAb se liga, estimulando uma
resposta inflamatória e proliferação de fibroblastos (leva à deposição de
glicosaminoglicanos e destruição óssea irreversíveis)
 Diagnóstico: doença de Graves + exame de imagem (TC/RNM)

 Diagnóstico da Doença de Graves (clínico + laboratorial):

OBS: mesmo se todas as menifestações clínicas típicas estiverem presentes, não se pode dar o
diagnóstico de Graves sem confirmação laboratorial —> o diagnóstico das disfunções tireoidianas é
sempre laboratorial!

o Laboratorial:
 TSH baixo
 T4 livre aumentado (dosar T3 se T4L normal —> T3 aumentado – “T3-toxicose”)
 TRAb positivo:
 Pode ser dosado, porém não é necessário para fechar o diagnóstico
 Tem valor no diagnóstico diferencial e prognóstico (ex.: se TRAb muito alto, dificilmente
entrará em remissão apenas com tratamento medicamentoso)
 Outros autoanticorpos pode sem positivos: anti-TPO, anti-tireoglobulina

o Nem todos os pacientes precisam de USG! – entretanto, ajuda no diagnóstico diferencial nos casos
de dúvida diagnóstica (ex.: bócio + tireotoxicose, porém sem oftalmopatia e TRAb negativo —>
pode ser adenoma produtor de hormônio tireoidiano)

o RAIU - 24h (Radioactive Iodine Uptake):


 Exame funcional que permite avaliar a captação de iodo pela tireoide (diferenciação entre
doença de Graves e tireoidite)
 Administra-se iodo marcado e após 24h, avalia-se o quanto de iodo foi captado pela glândula
 Captação elevada na doença de Graves / captação baixa na tireoidite

OBS: tireotoxicose + nódulo tireoidiano —> necessária cintilografia de tireoide (se hipercaptante na
topografia do nódulo, está captando muito iodo para sintetizar hormônio = nódulo quente).

 Tratamento:
o Sintomático:
 Betabloqueador (Propranolol): controle da aceleração do sistema cardiovascular; inibe
Desiodase tipo 1, controlando também os sintomas periféricos

o Drogas antitireoidianas / Tionamidas (inibem a TPO):


 Metimazol (MMZ):
 1ª escolha
 Melhor tolerado (menos efeitos colaterais)
 Melhor posologia (dose única diária)

 Propiltiouracil (PTU):
 Inibe também a Desiodase tipo 1 (medicamento de escolha se crise tireotóxica)
 Preferível em relação ao metimazol nos casos de gravidez (menor efeito teratogênico): 1º
trimestre de gestação usa-se o PTU, depois troca para metimazol

 Principais efeitos colaterais das DAT: hepatite e agranulocitose*

*Em geral, pacientes em tratamento com DAT para doença de Graves que apresentam febre e faringite
—> suspender imediatamente a medicação e fazer um hemograma emergencial.

OBS: o tratamento de escolha pode ser medicamentoso, com radioiodoterapia ou cirúrgico a depender
do quadro, porém na maioria dos casos inicia-se com as drogas antitireoidianas.

o Radioiodoterapia:
 Isótopo (iodo marcado) que “destrói” a glândula tireoide
 Internação do paciente a depender da dose utilizada

 Indicações:
 Recidiva após tratamento com DAT
 Contraindicação ou reações tóxicas ao PTU/MMZ

 Contraindicações:
 Pacientes descompensados clinicamente (pode levar a uma exacerbação da tireotoxicose –
crise tireotóxica)
 Gravidez
 Grandes bócios
 Oftalmopatia grave (TRAb cai na circulação —> exacerbação da oftalmopatia)
o Tratamento cirúrgico:
 Tireoidectomia total (mais comum) ou subtotal (pode ser feita para evitar lesão do nervo
laríngeo recorrente)

 Indicações:
 Por opção do paciente
 Gestantes refratárias a DAT
 Grandes bócios
 Oftalmopatia grave

 Preparo pré-operatório:
1. DAT (para inibir a produção de hormônio tireoidiano, evitando uma crise tireotóxica)
2. Iodo (Lugol – iodeto de potássio): glândula mais firme e menos vascularizada pelo efeito
Wolff-Chaikoff, facilitando o ato operatório

 Complicações pós-operatórias:
o Lesão do nervo laríngeo superior (ramo do n. vago):
 Afeta o músculo cricotireoideo (perda do controle fino do timbre da voz)

o Lesão do nervo laríngeo recorrente (controla a abertura das cordas vocais):


 Complicação mais grave (normalmente há sequelas)
 Se lesão bilateral, cordas vocais fechadas e impede a passagem de ar, levando à insuficiência
respiratória
 Tratamento: fonoterapia

o Hematoma cervical:
 Complicação mais temida
 Risco de IRpA (hematoma leva a um edema de laringe, fechando a glote) – requer resolução
imediata!
 Tratamento: traqueostomia (IOT é inviável devido ao edema)

o Hipoparatireoidismo:
 Complicação mais comum; geralmente transitória
 Ocorre por lesão da paratireoide, levando a uma isquemia transitória
 Leva à hipocalcemia (tratamento: cálcio VO se leve / gluconato de cálcio EV se grave)

Bócio Multinodular Tóxico (BMT)

o Múltiplos nódulos autônomos e hiperfuncionantes

 Epidemiologia e fisiopatologia:
o Mais comum no sexo feminino, > 50 anos, com bócio multinodular atóxico prévio
o Maior prevalência em áreas de deficiência de iodo
o Devido a uma mutação no receptor do TSH, desenvolve automatismo (nódulos passam a produzir
hormônio tireoidiano)
 Quadro clínico: bócio multinodular + tireotoxicose leve

 Diagnóstico:
o Laboratorial: TSH suprimido + T4 livre / T3 aumentados
o Cintilografia de tireoide: nódulos quentes (hipercaptação na região dos nódulos)

 Tratamento:
o Cirurgia (definitivo): não necessita de preparo; geralmente tireoidectomia total (em alguns casos, se
nódulos localizados apenas de um lado pode-se optar pela parcial) OU
o Radioiodoterapia

Doença de Plummer (Adenoma tóxico)

o Nódulo solitário (> 3 cm) e autônomo

 Epidemiologia e fisiopatologia:
o Mais comum no sexo feminino, em qualquer idade
o Maior prevalência em áreas de deficiência de iodo
o Mutação pontual somática no receptor de TSH que evolui com ativação constitutiva do receptor
(constantemente ativado apenas em uma região —> estímulo trófico, maior vascularização e síntese
+ liberação hormonal)

 Quadro clínico:
o Nódulo palpável
o Oligossintomático (quadro mais leve)

 Diagnóstico:
o Laboratorial (função tireoidiana): alguns casos podem produzir mais T3 do que T4 (T3-toxicose)
o Cintilografia de tireoide: nódulo quente único

 Tratamento:
o Cirurgia (definitivo): não requer preparo pré-operatório; normalmente tireoidectomia parcial (retira
o lobo acometido + istmo) OU
o Radioiodoterapia
Crise tireotóxica (Tempestade tireoidiana)

o Exacerbação do estado de hipertireoidismo que põe em risco a vida dos pacientes


o Deve ser identificada e tratada rapidamente!

 Epidemiologia:
o Principal etiologia: Doença de Graves mal controlada
o Fatores precipitantes:
 Infecção (principal)
 Cirurgia
 Radioiodoterapia

 Quadro clínico: tireotoxicose grave + disfunção orgânica

 Diagnóstico:
o Índice de Burch e Wartofsky (avalia as disfunções orgânicas do paciente):
 Taquicardia
 ICC (normalmente de alto débito)
 Aumento de temperatura
 Efeitos no SNC (agitação, coma, inconsciência, convulsão)
 Disfunção hepática e gastrointestinal (icterícia, diarreia aquosa)

OBS: A depender do número de pontos do paciente, considera-se o índice positivo e trata-se


rapidamente como crise tireotóxica (não tem tempo para esperar resultado de função tireoidiana)!

 Tratamento:
o Propiltiouracil (PTU) em dose alta: ataque de 800 mg e 200-300mg 8/8h (preferível em relação ao
MMZ porque necessita-se da DAT mais potente)
o Iodo (1h após o início do PTU – para esperar o bloqueio das TPOs e atingir o efeito Wolff-Chaikoff):
Lugol 10 gotas 8/8h
o Propranolol: 40-60 mg a cada 6h (para bloqueio dos beta-receptores)
o Glicocorticoide: dexametasona ou hidrocortisona (como não há tempo para o diagnóstico
diferencial, trata-se também como uma possível insuficiência adrenal)

Hipertireoidismo subclínico

o TSH baixo + T4L/T3 normais


o Pode corresponder ao início de um hipertireoidismo primário

 Abordagem:
1. Repetir a função tireoidiana e confirmar em 3-6 meses
2. Definir etiologia e excluir causas transitórias (Graves, nódulo tóxico, BMT, tireoidite…)
3. Estabelecer o significado clínico e avaliar necessidade de tratamento:
 Na maioria dos casos: não trata
 > 65 anos ou presença de comorbidades: tratar sempre!
 < 65 anos sem comorbidades + TSH < 0,1 mU/L: considerar tratamento

Você também pode gostar