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CASO 44

Mulher de 37 anos, previamente sadia, vai à sua clínica por causa de ema-
grecimento não intencional. Nos últimos três meses, perdeu aproximadamente
7,5 kg sem mudar a dieta ou o nível de atividades. Exceto isso, sente-se muito
bem. Tem apetite excelente, não tem queixas gastrintestinais – a não ser oca-
sionalmente fezes amolecidas –, tem bom nível de energia e não se queixa de
fadiga. Nega intolerância a frio ou calor. Ao exame, a frequência cardíaca é de
108 bpm, a pressão arterial é de 142/82 mmHg, e ela está afebril. Ela olha
fixamente para você, e seus olhos estão um tanto protuberantes. Você nota uma
glândula tireoide grande, lisa e indolor, um sopro de ejeção sistólico 2/6 no exa-
me cardíaco e a pele quente e seca. Há tremor suave em repouso.

 Qual é o diagnóstico mais provável?


 Como poderia confirmá-lo?
 Quais são as opções de tratamento?
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RESPOSTAS PARA O CASO 44


Tireotoxicose/doença de Graves
Resumo: Mulher de 37 anos tem emagrecimento sem anorexia, taquicardia, hiperten-
são limítrofe, exoftalmia e bócio liso indolor.
• Diagnóstico mais provável: Tireotoxicose/doença de Graves.
• Confirmação do diagnóstico: Hormônio tireoestimulante (TSH) baixo no soro e
aumento de tiroxina (T4) livre com esse quadro clínico são confirmatórios. Outras
características que podem ajudá-lo a definir a etiologia são imunoglobulinas esti-
mulantes de tireoide ou captação difusamente aumentada de iodo radioativo na
cintilografia da tireoide.
• Opções de tratamento: Medicações antitireoidianas, ablação com iodo radioativo
ou, menos comumente, remoção cirúrgica da tireoide.

ANÁLISE
Objetivos
1. Compreender o quadro clínico da tireotoxicose.
2. Ser capaz de discutir as causas de hipertireoidismo, incluindo doença de Graves
e nódulo tóxico.
3. Aprender quais são as complicações da tireotoxicose, incluindo crise tireotóxica.
4. Saber avaliar o paciente com nódulo na tireoide.
5. Conhecer as opções de tratamento disponíveis para doença de Graves e os re-
sultados do tratamento.

Considerações
Essa mulher de 37 anos tem emagrecimento, fezes amolecidas e pele quente. Esses são
sintomas de hipertireoidismo. Sua tireoide tem aumento difuso de tamanho e não
está dolorosa. A paciente tem exoftalmia (olhos protuberantes), que é indício de do-
ença de Graves, uma doença sistêmica com muitas complicações que acometem todo
o organismo, incluindo osteoporose e insuficiência cardíaca. O tratamento pode in-
cluir eliminação do excesso de hormônio da tireoide, mas o manejo definitivo pode
necessitar de ablação radioativa (ou, menos comumente, cirúrgica).
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ABORDAGEM AO
Hipertireoidismo

DEFINIÇÕES
HIPERTIREOIDISMO: É a situação hipermetabólica que resulta de quantidades ex-
cessivas de hormônios da tireoide produzidos pela própria glândula. Sendo quase
todos os casos de tireotoxicose causados por hiperprodução da tireoide, esses termos
quase sempre são usados como sinônimos.
TIREOTOXICOSE: Termo geralmente utilizado para definir manifestações de exces-
so de hormônios da tireoide, independentemente da fonte, que pode ser, por exem-
plo, ingestão exógena.

ABORDAGEM CLÍNICA
O hipertireoidismo acomete vários sistemas.
Sistema neuromuscular: Nervosismo, tremores e reflexos vivos são comuns.
Incapacidade de concentração, fraqueza de musculatura proximal, labilidade emo-
cional e insônia podem estar presentes.
Sistema cardíaco: Em geral há aumento do diferencial de pressão arterial, sopros
cardíacos e taquicardia. A fibrilação atrial aparece em 10 a 20% dos pacientes. Em
longo prazo, a tireotoxicose pode causar cardiomegalia e resultar em insuficiência
cardíaca de alto débito.
Sistema gastrintestinal: Apesar do aumento da ingestão de alimentos, o emagreci-
mento é comum. Geralmente há hiperdefecação em virtude do aumento da motili-
dade gastrintestinal, mas diarreia é rara.
Olhos: A retração da pálpebra superior como consequência do aumento do tônus
simpático confere ao paciente um “olhar esbugalhado”. O retardo da pálpebra pode
ser verificado no exame físico (a esclerótica pode ser vista acima da íris à medida que
o paciente olha para baixo). A exoftalmia é característica da doença de Graves.
Pele: A pele é quente, úmida e aveludada, com pelos finos e alopecia. Normalmente
há sudorese por causa da vasodilatação e da dissipação de calor.
Sistema reprodutor: O hipertireoidismo diminui a fertilidade em mulheres e pode
causar oligomenorreia. Em homens, há diminuição da contagem de espermatozoi-
des. Impotência e ginecomastia também podem ocorrer.
Metabolismo: O emagrecimento é muito comum, especialmente em pacientes mais
velhos que têm anorexia. Muitos pacientes têm aversão ao calor e preferência por
temperaturas frias.
Hipertireoidismo apático: Pacientes mais velhos com hipertireoidismo podem não
ter as características adrenérgicas típicas. Em vez disso, têm depressão ou apatia, per-
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da de peso e fibrilação atrial, piora da angina de peito ou da insuficiência cardíaca


congestiva.

Crise tireotóxica
É uma situação perigosa de tireotoxicose descompensada. O paciente tem taquicar-
dia (> 140 bpm), febre (40 a 41°C), agitação, delirium, inquietude ou psicose, vô-
mito e/ou diarreia. Geralmente ela resulta de hipertireoidismo grave negligenciado
por muito tempo, ao qual se acrescenta uma complicação (doença intercorrente –
infecção, cirurgia, traumatismo ou carga de iodo). O tratamento inclui medidas de
suporte com fluidos, antibióticos, se necessários, e tratamento específico dirigido ao
hipertireoidismo:
• Grandes doses de medicações antitireoidianas para bloquear a nova síntese de
hormônios
• Solução de iodo para suprimir a liberação de hormônio tireoidiano
• Propranolol para controlar os sintomas induzidos pelo aumento do tônus
adrenérgico
• Glicocorticoides para diminuir a conversão de T4 a T3

Etiologia da tireotoxicose
A doença de Graves é a causa mais comum de hipertireoidismo (80%) e em geral é
vista em mulheres, especialmente com idade entre 30 e 50 anos. É uma doença autoi-
mune causada por autoanticorpos que ativam o receptor de TSH da célula folicular
da tireoide, estimulando a síntese e a secreção de hormônios e causando crescimento
da glândula. Esses anticorpos cruzam a placenta e podem causar tireotoxicose neo-
natal. A doença pode evoluir com remissões e recidivas.
A doença de Graves é marcada por bócio (aumento da glândula tireoide), so-
pro na tireoide, hipertireoidismo, oftalmopatia e dermopatia. A presença dessas
características é variável. A oftalmopatia é caracterizada por inflamação de múscu-
los extraoculares, gordura orbital e tecido conectivo, resultando em proptose (exof-
talmia), algumas vezes com diminuição da função dos músculos oculares e edema
periorbital. A oftalmopatia pode progredir mesmo depois do tratamento da tireo-
toxicose. A dermopatia de Graves é caracterizada por pápulas elevadas e hiperpig-
mentadas com textura de casca de laranja sobre as pernas (mixedema pré-tibial). O
baixo nível de TSH confirma o diagnóstico. O grau de elevação de tiroxina (T4) livre
sérica e de triiodotironina (T3) livre pode estimar a intensidade da doença. Outros
dados possivelmente úteis no estabelecimento da etiologia da tireotoxicose são ní-
veis de imunoglobulina tireoestimulante (TSI), que estão altos na doença de Graves;
anticorpos dirigidos contra a tireoperoxidase (anti-TPO), que são marcadores de
autoimunidade tanto na doença de Graves como na tireoidite de Hashimoto, e a
cintilografia da tireoide, que revelará uma captação de iodo difusamente elevada
nessa paciente.
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As opções de tratamento da doença de Graves são medicamentos, iodo radio-


ativo ou cirurgia. Entre os medicamentos estão os betabloqueadores, como o pro-
pranolol (usados para alívio dos sintomas) e as medicações antitireoidianas, como
metimazol e propiltiouracil (PTU). As medicações antitireoidianas agem principal-
mente diminuindo a produção de hormônio da tireoide. Elas podem ser usadas a
curto prazo (antes do tratamento com iodo radioativo ou cirurgia) ou a longo prazo
(1 a 2 anos), quando a chance de remissão passa a ser de 20 a 30%. Os efeitos colate-
rais podem ser exantema, reações alérgicas, artrite, hepatite e agranulocitose. O iodo
radioativo é o tratamento de escolha nos Estados Unidos. Ele é administrado como
solução oral sódica de I131, que é rapidamente concentrado no tecido tireoideano,
causando lesão que resulta em ablação da tireoide, em 6 a 18 semanas, dependendo
da dose. Pelo menos 30% dos pacientes ficam com hipotireoidismo no primeiro ano
depois do tratamento, e 3%, a cada ano depois disso, necessitando de suplementação
de hormônio tireóideo. O iodo radioativo está contraindicado durante a gestação, e
mulheres em idade fértil são aconselhadas a adiar a gravidez por 6 a 12 meses depois
do tratamento. As pacientes gestantes com doença de Graves podem ser tratadas com
PTU, que apresenta pouca transferência placentária. A oftalmopatia de Graves pode
ser exacerbada pelo tratamento com iodo radioativo, de modo que, em determinados
pacientes, podem ser usados corticosteroides para evitar que isso aconteça.
A tireoidectomia subtotal geralmente é reservada para bócios grandes com
sintomas obstrutivos (dispneia, disfagia). As complicações podem incluir lesão de
nervo laríngeo e hipoparatireoidismo (por causa de remoção das paratireoides ou
comprometimento de sua irrigação).
Nessa paciente, o tratamento com iodo radioativo ou com medicamentos anti-
tireoideanos parece ser mais adequado, devendo-se discutir tais opções terapêuticas
com o paciente depois da confirmação do diagnóstico.
Outras causas de tireotoxicose são as seguintes:
Bócio multinodular tóxico: É observado principalmente em idosos e em pessoas
de meia-idade. O tratamento consiste em iodo radioativo ou cirurgia. A captação de
iodo radioativo é de normal a alta, e a cintilografia mostra lobos tireoideanos irregu-
lares e padrão heterogêneo.
Adenoma hiperfuncionante autônomo (“nódulo quente” ou doença de Plummer):
Geralmente não há hipertireoidismo, exceto se o nódulo exceder 3 cm. A cintilografia
com iodo assemelha-se à bandeira do Japão: mostra o nódulo quente com capta-
ção aumentada (escuro) e o resto da glândula com captação suprimida (branca).
Os nódulos quentes quase nunca são malignos. Já os nódulos frios (sem aumento
de produção de hormônio tireóideo e sem demonstração de captação local, se for
feita a cintilografia) têm de 5 a 10% de risco de malignidade, de modo que aspiração
com agulha fina, remoção cirúrgica ou acompanhamento com ultrassonografia são
necessários.
Tireoidite: É causada por destruição do tecido tireoidiano e por liberação de hormô-
nio pré-formado do coloide. A tireoidite subaguda (de de Quervain) é uma doença
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inflamatória viral com dor e hipersensibilidade da tireoide. A fase de hipertireoidis-


mo dura de várias semanas a meses, seguida por recuperação, mas alguns pacientes
então desenvolvem hipotireoidismo. O tratamento com medicações anti-inflamató-
rias não esteroides e betabloqueadores geralmente é suficiente, mas em casos graves
deve-se usar glicocorticoides. Outras formas de tireoidite incluem pós-irradiação,
pós-parto, subaguda (tireoidite indolor) e tireoidite induzida por amiodarona. Na
tireoidite, a captação de iodo é invariavelmente diminuída.
Medicamentos: Ingestão excessiva de hormônio de tireoide (factícia ou iatrogênica),
amiodarona e carga de iodo.
Outras causas, como tumor hipofisário secretor de TSH, mola hidatiforme, co-
riocarcinomas com secreção secundária de gonadotrofina coriônica humana (hCG),
teratomas ovarianos e carcinoma folicular de tireoide metastático, são causas raras
de tireotoxicose.

QUESTÕES DE COMPREENSÃO
44.1 Mulher de 44 anos tem nervosismo e intolerância ao calor. Sua tireoide está
difusamente aumentada de volume, indolor e com sopro audível. Seu nível de
TSH é muito baixo. Qual das seguintes é a etiologia mais provável?
A. Tireoidite linfocítica.
B. Tireoidite de Hashimoto.
C. Doença de Graves.
D. Bócio multinodular tóxico.
44.2 Qual dos seguintes sintomas distingue hipertireoidismo de crise tireotóxica?
A. Taquicardia de até 120 bpm.
B. Perda de peso.
C. Febre e delirium.
D. Bócio grande.
44.3 Mulher de 58 anos tem doença de Graves e bócio pequeno. Qual dos seguintes
é o melhor tratamento?
A. Propranolol a longo prazo.
B. Propiltiouracil (PTU) oral por toda a vida.
C. Ablação com iodo radioativo.
D. Tireoidectomia.

RESPOSTAS
44.1 C. A doença de Graves é a causa mais comum de hipertireoidismo nos Estados
Unidos e geralmente inclui as características descritas nessa questão, além dos
achados oculares específicos.
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44.2 C. A crise tireotóxica caracteriza-se pela potencialização dos sintomas do hi-


pertireoidismo, com taquicardia extrema (frequência cardíaca > 140 bpm),
febre e disfunção do sistema nervoso central, como confusão ou coma. É uma
emergência médica com alto risco de morte.
44.3 C. O iodo radioativo é o tratamento definitivo da doença de Graves. A cirurgia
é indicada quando há sintomas obstrutivos ou durante a gravidez.

DICAS CLÍNICAS
 A causa mais comum de tireotoxicose é a doença de Graves. Nenhum outro diagnóstico é
provável se o paciente tiver proptose bilateral e bócio.
 Em pacientes com doença de Graves, os sintomas tireotóxicos podem ser tratados com
medicação antitireoideana, ablação da tireoide por iodo radioativo ou cirurgia, mas a oftal-
mopatia pode não melhorar.
 A doença de Graves pode entrar em remissão ou recidivar; em pacientes tratados com
medicações, entre um terço e metade ficam assintomáticos em 1 a 2 anos.
 Depois da ablação com iodo radioativo, a maioria dos pacientes com doença de Graves tem
hipotireoidismo e necessita de suplementação de hormônio tireóideo.
 Nódulos hiperfuncionantes na tireoide (produção excessiva de hormônio tireoideano, su-
pressão de TSH, considerados “quentes” na cintilografia) quase nunca são malignos.
 A maioria dos nódulos “frios” não é maligna, mas deve ser usada aspiração com agulha fina
para avaliação da necessidade de excisão cirúrgica.

REFERÊNCIAS
Davies DF, Larsen TF. Thyrotoxicosis. In: Wilson JD, Foster DW, Kronenberg HM, et al, eds.
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and Metabolism. Boston, MA: Little Brown; 2002:396-409.
Jameson LJ, Weetman AP. Disorders of the thyroid gland. In: Longo DL, Fauci AS, Kasper DL,
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2012: 2911-2939.
McDermott MT. Thyroid emergencies. In: Endocrine Secrets. Philadelphia, PA: Hanley and
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Singer PA. Thyroiditis. In: Lavin N, ed. Manual of Endocrinology and Metabolism. Boston, MA:
Little Brown; 2002:386-395.
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