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de evitar possíveis desajustes emocionais. As explicações possíveis Após o estabelecimento do diagnóstico de hipertiroidismo,
devem ser dadas aos pais, freqüentemente ansiosos e extremamen- pode haver ainda dúvida relacionada à causa da doença. Nessas cir-
te preocupados, e também aos professores, para que compreendam cunstâncias o cintilograma com iodo radioativo pode auxiliar, sen-
não só a doença como o tratamento instituído, diminuindo o grau do difusamente captante na doença de Basedow-Graves e nodular
de ansiedade e aumentando a cooperação. na doença de Plummer.

Doença de Basedow-Graves

O tratamento ideal da doença de Basedow-Graves deveria


interferir diretamente no processo auto-imune causador da molés-
tia. Como esse tipo de terapêutica ainda não é disponível, os ob-
jetivos do tratamento concentram-se na tentativa de normalização
092 Tratamento do Hipertiroidismo dos níveis dos hormônios tiroidianos e conseqüente desapareci-
mento dos sintomas e sinais e na redução de possíveis efeitos ia-
Rui M. B. Maciel trogênicos da terapêutica.
Os três tipos de tratamento hoje disponíveis impedem a pro-

O hipertiroidismo, mais amplamente denominado tirotoxicose, dução excessiva dos hormônios tiroidianos, quer pela destruição do
é alteração resultante dos efeitos do excesso dos hormônios tecido glandular (cirurgia ou iodo radioativo), quer através do blo-
tiroidianos na circulação; preferimos o termo tirotoxicose porque queio de produção dos hormônios (drogas antitiroidianas).
engloba tanto as causas dependentes de hiperfunção da glândula A escolha do tipo de tratamento depende de uma série de
tiróide (hipertiroidismo), como as decorrentes de doenças sem au- fatores. Assim, determinantes econômicos, a distância a que o pa-
mento de função da tiróide, entre as quais estão algumas formas de ciente se encontra do centro de tratamento, idiossincrasias indivi-
tiroidite e a tirotoxicose iatrogênica. É doença comum, com pre- duais a certos tipos de terapêutica, aderência do doente à terapia
valência na população de 0,2 a 0,5%. Pode ser devida a várias cau- medicamentosa, experiência do clínico com o tratamento escolhi-
sas, das quais as mais freqüentes são a doença de Basedow-Graves do, recursos terapêuticos disponíveis, tais como a existência de ci-
ou bócio difuso tóxico e o bócio nodular ou multinodular tóxi- rurgião bem treinado ou disponibilidade de iodo radioativo, são
co (doença de Plummer). A doença de Basedow-Graves é a causa algumas das circunstâncias que devem ser analisadas por ocasião
mais comum de hipertiroidismo (65-70% dos casos) e caracteriza- da decisão do tipo de terapia a ser empregada.
se por tirotoxicose, oftalmopatia e bócio difuso; é doença auto-
imune, na qual o excesso de produção dos hormônios tiroidianos Tratamento medicamentoso
é derivado da estimulação da tiróide por meio de uma imunoglo-
bulina (TRAb, do inglês Thyrotropin Receptor Antibody), que se Antitiroidianos. As duas drogas habitualmente empregadas
liga ao receptor do hormônio tirotrófico (TSH). como antitiroidianos são o metimazol e o propiltiouracil (PTU),
A doença de Plummer, por outro lado, é responsável por ambas derivadas das tiouréias ou tionamidas, que inibem a oxidação
cerca de 15 a 20% dos casos de hipertiroidismo em nosso meio e do iodo captado pela tiróide e impedem, em conseqüência, a sínte-
caracteriza-se por tirotoxicose e bócio uni ou multinodular; o ex- se dos hormônios tiroidianos. Temos preferência pelo metimazol,
cesso de produção dos hormônios tiroidianos é devido à hiperfun- uma vez que apresenta tempo de permanência mais longo dentro
ção primária dessas áreas nodulares, na maioria das vezes por mu- da tiróide, podendo ser administrado em dose única diária, o que
tações adquiridas no gene do receptor do TSH. As outras causas facilita a adesão do paciente à medicação. Do ponto de vista práti-
de tirotoxicose são mais raras e entre elas incluem-se a tiroidite su- co, entretanto, as duas drogas têm resposta clínica idêntica.
baguda, a tirotoxicose medicamentosa (factícia), a tiroidite linfo- As doses recomendadas no início do tratamento variam de
cítica com resolução espontânea (tiroidite silenciosa), os tumores 20 a 60 mg de metimazol (em dose única diária ou de 10 a 20 mg
trofoblásticos, as metástases de carcinoma folicular da tiróide, a ti- a cada oito horas) ou de 200 a 600 mg de PTU (100 a 200 mg a
rotoxicose induzida por iodo (Jod-Basedow) e o hipertiroidismo cada oito horas). Nossa experiência mostra, entretanto, que é possí-
hipofisário ou hipotalâmico. vel a compensação da doença com apenas 20 mg de metimazol em
Independentemente do fator causal, os sintomas e sinais de- dose única diária, desde que haja adesão à medicação. Doses maio-
correntes da tirotoxicose são nervosismo, instabilidade emocional, res podem ser empregadas em pacientes com bócios grandes.
fadiga, sudorese excessiva, emagrecimento, tremores, taquicardia, A maior parte dos pacientes demonstra sinais de melhora clí-
queixas oculares (na doença de Graves) e bócio. À inspeção, o pa- nica em duas semanas e retorna ao eutiroidismo dentro de seis a
ciente é agitado, com a pele quente e as mãos trêmulas; o bócio oito semanas. Quando este é alcançado, as doses de antitiroidianos
apresenta-se difuso ou nodular, na dependência de etiologia da mo- são reduzidas gradualmente, na dependência da resposta clínica do
léstia. Os olhos são brilhantes e, na maior parte dos pacientes com paciente, até a dose de manutenção; nessa ocasião, as medidas de
doença de Basedow-Graves, associados a exoftalmo, edema perior- T4L sérico são extremamente úteis - uma queda rápida dos valores
bitário, quemose e distúrbios motores da visão. de T4L geralmente indica que a melhora clínica ocorrerá rapida-
O diagnóstico do hipertiroidismo pode ser confirmado em mente; por outro lado, a dosagem de TSH é inútil neste momen-
mais de 90% dos casos apenas com as dosagens do TSH, que fi- to, pois seus valores ainda estão diminuídos e demoram para vol-
ca indetectável nos casos de hipertiroidismo, e do T4 livre (T4L), tar à normalidade. A dose diária de manutenção varia usualmente
que se apresenta elevado. Naqueles casos onde a dosagem do T4L de 5 a 20 mg de metimazol e de 50 a 200 mg de PTU. O aumen-
não confirmar a suspeita clínica de hipertiroidismo deve ser soli- to do bócio durante a terapêutica pode indicar tanto a piora da
citada a dosagem do T3 total (T3T) ou livre (T3L). Tanto o T3T doença, como hipotiroidismo induzido pela droga; assim, a dimi-
como o T3L estão elevados em praticamente todos os casos de hi- nuição do T4L para níveis abaixo da normalidade, acompanhada
pertiroidismo. da elevação do TSH, indica que o paciente foi tratado em excesso
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com as tionamidas e há necessidade de redução nas dosagens do fár- estão restritas ao preparo de pacientes candidatos à cirurgia (em as-
maco. Alguns autores propõem método alternativo, a conservação sociação com as tirouréias) ou em doentes com “crise tirotóxica”
da dose inicial do antitiroidiano por todo o período do tratamen- (também em associação com as tiouréias). O iodo pode ser admi-
to, associada a doses substitutivas de hormônio tiroidiano exógeno nistrado na forma de solução saturada de iodeto de potássio ou de
(T4100 µg/dia) para a manutenção do eutiroidismo. solução de lugol (5 gramas de iodo e 10 gramas de iodeto de po-
O efeito colateral mais importante das tiouréias é a agranu- tássio em cada 100 mL), na dose de cinco gotas diárias.
locitose, que ocorre em 0,4 a 0,7% dos doentes. Seu aparecimento Drogas que bloqueiam a resposta das catecolaminas em seu
é repentino e, portanto, não justifica a realização de leucogramas local de ação (propranolol) são capazes de antagonizar algumas
seriados preventivos. Entretanto, como a amigdalite é uma das pri- das manifestações da tirotoxicose. Com o emprego do proprano-
meiras manifestações da agranulocitose, recomenda-se ao paciente lol (20 a 40 mg a cada seis horas), a freqüência cardíaca é contro-
que interrompa o tratamento e procure imediatamente o médico lada, o nervosismo diminui, a sudorese e os tremores reduzem-se
ao primeiro sintoma de dor de garganta ou febre e que se realize e o paciente, subjetivamente, apresenta grande melhora. O pro-
leucograma. Felizmente, a agranulocitose é habitualmente reversí- pranolol pode ser empregado enquanto se espera o efeito das dro-
vel. Outras complicações devidas às tionamidas são dermatites alér- gas antitiroidianas ou do iodo radioativo; tem sido também uti-
gicas, artralgias, mialgias, icterícia e hepatite. As três primeiras são lizado no preparo de pacientes candidatos à cirurgia em casos de
facilmente compensadas com a administração de antialérgicos por “crise tirotóxica”. O propranolol não deve ser usado em doentes
poucos dias, enquanto que as demais são indicativas de tratamen- com evidência de insuficiência cardíaca.
to definitivo com iodo radioativo ou cirurgia.
O tratamento com as drogas antitiroidianas é mantido na Tratamento com iodo radioativo
dose apropriada até que ocorra a remissão da doença. Como não
dispomos, no momento, de critérios adequados para prever o de- O tratamento do hipertiroidismo da doença de Basedow-
saparecimento da moléstia, a duração do tratamento pode ser bas- Graves com o iodo radioativo (131I) tem muitas vantagens e é con-
tante variável. Alguns médicos interrompem a terapêutica logo que siderado, na maioria dos centros, como a terapêutica de escolha do
o doente atinge o eutiroidismo, ao passo que outros continuam o hipertiroidismo do adulto naqueles indivíduos que não têm chance
tratamento por anos a fio. Habitualmente ele é mantido por tem- de entrar em remissão da moléstia espontaneamente. O tratamen-
po variável, de seis meses a um ano, com o objetivo de garantir e to é definitivo na maioria das vezes, administrado sem necessidade
elevar o número de remissões da moléstia, as quais ocorrem com de internação em hospital, e não apresenta a morbidade ou o risco
20 a 40 % dos pacientes. Aqueles doentes que tiverem recidiva da próprio da cirurgia. O iodo radioativo é empregado na terapêuti-
moléstia após um período de remissão devem ser tratados com te- ca da tirotoxicose porque a tiróide é o único tecido do organismo
rapêutica ablativa (iodo radioativo ou cirurgia). que retém o iodo por tempo prolongado. Desde 1946, o 131I, com
Acreditamos que todos os pacientes com doença de Basedow- meia-vida de oito dias, tem sido o isótopo empregado; é basicamen-
Graves portadores de bócios pequenos ou médios (aumento de até te emissor de radiação beta. Como esta tem penetração muito cur-
duas vezes o tamanho original) e que sejam aderentes à medicação de- ta (2 mm), o 131I dentro da tiróide não lesa as estruturas vizinhas e,
vam ser tratados com drogas antitiroidianas por pelo menos seis me- portanto, radiação elevada pode ser aplicada à glândula. A radiação
ses. A ocorrência de remissão da moléstia é muito rara em pacientes destrói algumas células, deixa outras intactas e causa alterações nas
portadores de bócios grandes e, nessas circunstâncias, a terapêutica restantes, de maneira tal que a síntese hormonal é reduzida.
ablativa deve ser empregada logo após a compensação da tirotoxicose O cálculo da dose administrada envolve a determinação do
com as tionamidas. Outras indicações para a terapêutica prolongada tamanho da glândula, por cintigrafia ou palpação e a captação de
com as drogas antitiroidianas incluem o tratamento da tirotoxicose 131
I na 24ª hora. Emprega-se habitualmente entre 70 e 100 µCi/
na infância, adolescência e gravidez. É essencial também a administra- grama de tecido tiroidiano; doses menores estão ligadas à incidên-
ção das tiouréias no preparo de pacientes candidatos à cirurgia, pois cia diminuída de hipotiroidismo, porém a incidência elevada de per-
todos devem ser operados em eutiroidismo. As drogas antitiroidia- sistência do hipertiroidismo faz necessária uma segunda dose. As
nas também devem ser administradas antes da terapêutica com iodo doses maiores são mais efetivas no tratamento do hipertiroidismo,
radioativo nos indivíduos idosos ou naqueles com doença associada porém aumentam a incidência de hipotiroidismo pós-tratamento.
(como insuficiência cardíaca), nos quais a tiroidite pós-iodo radioati- A melhora clínica já é detectável dentro de um mês, mas o
vo pode ocorrer e produzir elevação dos níveis dos hormônios tiroi- efeito máximo ocorre cerca de quatro meses após o tratamento.
dianos, causando quadro de tirotoxicose; é claro que a droga deve ser Durante o intervalo entre a administração do isótopo e a melho-
suspensa alguns dias antes da dose do iodo radioativo (três a cinco), ra clínica, os pacientes com sintomas importantes devem ser trata-
para que este possa ser captado e organificado pela tiróide. dos com beta-bloqueadores, como o propranolol, na dose de 60-
Naqueles pacientes que entraram em remissão da moléstia, 80 mg por dia. Todos os pacientes tratados com 131I devem ser ava-
recomendam-se reavaliações a cada dois ou três meses no primei- liados mensalmente nos primeiros quatro meses e se após esse pe-
ro ano após o término do tratamento, e a seguir, pelo menos anu- ríodo continuarem em hipertiroidismo, devem receber segunda dose
almente. As avaliações devem incluir as dosagens de TSH sensível do radiotraçador, o que ocorre em 20-30% dos casos. Porcentagem
e T4L para monitorar quer recidiva da tirotoxicose, quer a evolu- menor de pacientes evolui rapidamente para o hipotiroidismo e, se
ção para o hipotiroidismo, que pode ser conseqüência tardia da este não for transitório, a terapêutica substitutiva com os hormô-
doença de Basedow-Graves, mesmo naqueles que não receberam nios tiroidianos deve ser iniciada. O hipotiroidismo é o único efei-
iodo radioativo ou cirurgia. to adverso do tratamento com iodo radioativo, ocorrendo em cer-
Outras drogas. O iodo é empregado raramente como droga ca de 15 a 20% dos casos no primeiro ano e apresentando evolução
isolada no tratamento do hipertiroidismo, pois sua resposta terapêu- de 5 a 10% ao ano. Em casos selecionados, quando existe dificulda-
tica é freqüentemente incompleta ou temporária. Seu principal me- de em conseguir o desaparecimento do hipertiroidismo, pode-se re-
canismo de ação é a inibição da secreção de hormônio previamen- comendar a ablação total da glândula com iodo radioativo, seguida
te armazenado na tiróide. Hoje em dia suas aplicações terapêuticas do tratamento substitutivo permanente com T4.
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Outros possíveis efeitos colaterais não foram comprovados, de muito rapidamente. É importante prescrever o antitiroidiano
após 50 anos de uso da terapêutica, tais como incidência elevada antes da administração do iodo, visto que, dessa maneira, a sínte-
de neoplasias, incidência aumentada de mutações secundárias à ra- se tiroidiana também começa a ser inibida e impedirá a transfor-
diação gonadal e indução de câncer na tiróide. Todos esses pontos mação do iodo em hormônio; se o iodo for prescrito inicialmen-
devem ser explicados aos pacientes, pois existe sempre ansiedade te, haverá retardo na resposta dos agentes antitiroidianos. Pode-se
ou temor diante de possíveis danos causados pela radiação. administrar também o propranolol intravenosamente, 1 mg a cada
dois minutos, até 10 mg, com doses repetidas a cada duas a qua-
Tratamento cirúrgico tro horas, até que a freqüência cardíaca se estabilize. Recomenda-
se também o uso de dexametasona 2 mg de seis em seis horas ou
A tiroidectomia subtotal é tratamento efetivo na cura do ácido iopanóico 3 g, via oral, com o objetivo de impedir a conver-
hipertiroidismo e é considerada, pela maioria dos centros, como são periférica de T4 a T3.
tratamento de escolha em crianças e adolescentes que não en- Não se deve descuidar também de outras medidas de supor-
tram em remissão da tirotoxicose após a terapêutica com drogas te, como ventilação e administração de líquidos e eletrólitos, além
antitiroidianas. A cirurgia também deve ser considerada quando de tratamento de doenças associadas, como as infecções.
o tratamento com o iodo radioativo for contra-indicado ou im-
possível, como nas grávidas ou naquelas pacientes que se recu- Hipertiroidismo na gravidez
sam a receber drogas radioativas. Consideramos também como
passíveis de indicação cirúrgica os pacientes portadores de hiper- O hipertiroidismo ocorre em uma em cada 1000 mulheres
tiroidismo com bócio grande (mais do que quatro vezes o tama- grávidas; na gestação, entretanto, mais frequentemente que o hi-
nho original). pertiroidismo ocorre a tirotoxicose gestacional transitória, em 2-4
É essencial que o paciente seja tratado primeiramente com de cada 100 gestações. Esta entidade aparece no primeiro trimes-
antitiroidianos e que esteja em eutiroidismo por ocasião da cirurgia. tre e é causada pelo excesso de gonadotrofina coriônica (valores
Além disso, é importante a associação terapêutica com o iodo alguns acima de 170.000 U/L); a gonadotrofina coriônica liga-se aos re-
dias antes da operação (lugol ou iodeto de potássio, 3 a 5 gotas de ceptores de TSH e estimula a função da glândula, que secreta T4
oito em oito horas), com o objetivo de facilitar as condições cirúr- em excesso e causa hiperêmese gravídica (com náuseas, vômitos e
gicas, pois este elemento diminui a vascularização glandular. desidratação), palpitações, taquicardia e perda de peso, sem sinais
A cirurgia para o tratamento do hipertiroidismo na doença de oculares. O diagnóstico diferencial entre a tirotoxicose gestacio-
Basedow-Graves não é procedimento livre de complicações. Além nal transitória e o hipertiroidismo durante a gravidez não é fácil,
dos riscos inerentes a qualquer cirurgia, apresenta como problemas pois o quadro clínico é semelhante; os dados que ajudam a diferen-
pós-operatórios a incidência de hipoparatiroidismo (até 3,6%), pa- ciar são os valores de TSH (diminuídos na tirotoxicose gestacional
ralisia das cordas vocais (até 5,6%), sangramento e lesões de vasos transitória e suprimidos no hipertiroidismo) e os de gonadotrofi-
cervicais (até 10%), hipotiroidismo (até 40%), persistência ou re- na coriônica. Outro complicador no diagnóstico de tirotoxicose
corrência do hipertiroidismo (até 15%) e uma série de outras com- na gestação é o próprio estado fisiológico desse período, que si-
plicações como infecções, cicatrizes patológicas, quelóides e lesões mula o quadro clínico do hipertiroidismo. Os estrógenos produzi-
de traquéia. É fundamental, portanto, que a cirurgia seja realizada dos normalmente durante a gestação aumentam os níveis de TBG,
por cirurgião bem treinado em cirurgia cervical para que tais pro- a proteína carregadora do T4 e T3 e, em conseqüência, elevam os
blemas sejam minimizados. valores de T4 e T3 totais séricos durante a gravidez. Felizmente,
Apesar de todas essas possíveis complicações, é importante porém, o diagnóstico laboratorial tem sido facilitado pela dispo-
ressaltar que a tiroidectomia subtotal é terapêutica extremamente nibilidade das dosagens de T4 livre e do TSH sensível. No hiper-
eficaz na resolução do hipertiroidismo, e que o controle da doença tiroidismo que se desenvolve durante a gravidez, os valores de T4
pode ser conseguido, em mais de 80% dos casos, de maneira bas- livre estão aumentados e o TSH suprimido.
tante rápida e com porcentagem mínima de recorrência ou persis- O hipertiroidismo durante a gravidez deve ser tratado com
tência da moléstia. Se isto acontecer, recomendamos o tratamento drogas antitiroidianas. Devem ser empregadas na menor dose pos-
definitivo com iodo radioativo, pois uma segunda operação aumen- sível capaz de controlar o hipertiroidismo, uma vez que atravessam
ta a possibilidade de ocorrência das complicações citadas. a placenta e podem, em dosagens excessivas, causar bócio ou hipo-
tiroidismo no feto. Assim, particularmente na fase final do segundo
Considerações especiais trimestre e durante todo o terceiro trimestre, a dose deve ser reduzi-
da ao mínimo possível; dosagens diárias abaixo de 200 mg de PTU
Crise tirotóxica ou 20 mg de metimazol não têm sido associadas ao aparecimento de
bócio ou hipotiroidismo fetais. É importante realçar também que a
A crise tirotóxica (tempestade tiroidiana) é condição clínica dose de antitiroidianos não deverá provocar em nenhuma instância
bastante grave, que se caracteriza por sintomas e sinais de tirotoxi- hipotiroidismo materno, pois esse estado está associada a incidência
cose extremamente exacerbados, tais como febre elevada (> 40oC), aumentada de abortamento espontâneo. Depois do parto a mãe pode
taquiarritmias severas, agitação ou delírio, vômitos, diarréia e cho- amamentar: demonstrou-se recentemente que as drogas antitiroidia-
que. Se a doença progride sem tratamento evolui para coma e mor- nas são secretadas em quantidades mínimas no leite materno.
te; é, no entanto, bem mais rara atualmente e pode ser precipita- A tiroidectomia subtotal no segundo trimestre tem sido re-
da por infecções, traumas, cirurgia ou abandono repentino do uso comendada em alguns centros como terapêutica eficaz do hiper-
de drogas antitiroidianas. tiroidismo. Não partilhamos dessa posição, em vista da possibili-
O tratamento consiste na administração de PTU (400 a 600 dade das complicações cirúrgicas já mencionadas no decorrer da
mg) ou metimazol (40-60 mg) por via oral ou por gavagem, asso- gravidez. O tratamento com iodo radioativo é contra-indicado,
ciada ao iodeto de sódio 0,5 g por via intravenosa a cada oito ho- uma vez que a tiróide fetal já é capaz de concentrar iodo a partir
ras, pois essa droga bloqueia a secreção dos hormônios da tirói- de 12ª semana de gestação.
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O tratamento da tirotoxicose gestacional transitória inclui de tratamento definitivo escolhido, recomenda-se primeiramente
hidratação e beta-bloqueadores. a compensação dos pacientes com antitiroidianos, 100-200 mg de
PTU ou 10-20 mg de metimazol de oito em oito horas; o hiper-
Oftalmopatia tiroidismo já demonstra sinais de melhora dentro de duas sema-
nas e o paciente entra em eutiroidismo em quatro semanas. Se a
Em cerca de dois terços dos pacientes com a oftalmopatia da decisão da terapêutica for a favor da cirurgia, o paciente continua
doença de Basedow-Graves não há necessidade de qualquer trata- com os antitiroidianos até o dia da operação e acrescenta-se iodo
mento específico, pois as alterações são discretas e costumam me- alguns dias antes do procedimento cirúrgico.
lhorar com o tratamento do hipertiroidismo. Aqueles com a oftal-
mopatia moderada e com sintomas como fotofobia, vermelhidão Outras causas de tirotoxicose
nos olhos, exoftalmo moderado, quemose e edema periorbitário
discreto devem receber medidas terapêuticas como óculos com len- A ingestão excessiva dos hormônios da tiróide (tirotoxico-
tes escuras, elevação da cabeceira da cama durante o sono e colírio se factícia ou tirotoxicose medicamentosa) é, às vezes, verificada
lubrificante à base de metilcelulose. em indivíduos que a realizam com o objetivo de perder peso ra-
Os pacientes com quadro clínico grave, que inclui proptose pidamente; em alguns casos os pacientes negam veementemente
exagerada, edema periorbitário, diplopia, disfunções dos músculos a ingestão de qualquer droga. Do ponto de vista clínico, apresen-
oculares e ulcerações de córnea, têm indicação terapêutica de cor- tam-se em tirotoxicose, com a glândula tiróide impalpável, com o
ticosteróides (40 a 120 mg de prednisona/dia), às vezes combi- mapeamento por meio do 131I revelando ausência de captação do
nada com ciclosporina; as doses de corticóides são reduzidas gra- radioisótopo pela tiróide e com os hormônios tiroidianos séricos
dualmente em 5 mg a cada uma ou duas semanas. Nos casos de elevados, refletindo a ingestão exagerada desses fármacos. O tra-
recidiva usa-se pulsoterapia, com metilprednisolona endovenosa (1 tamento consiste na retirada da droga e no aconselhamento psico-
grama em 250 mL de soro fisiológico de duas horas/dia durante lógico desses pacientes, além da prescrição de terapêuticas alterna-
uma semana) ou radioterapia orbitária (2.000 cGy através de ace- tivas para a cura da obesidade.
lerador linear), seguidas de cirurgia de correção dos músculos ou Os tumores trofoblásticos, quer a benigna mola hidatiforme,
de descompressão orbitária. quer o maligno coriocarcinoma, podem ocasionar hipertiroidismo
devido à secreção exagerada da gonadotrofina coriônica (hCG),
Doença de Plummer que tem ação semelhante à do TSH. O hipertiroidismo só apare-
ce quando as concentrações de hCG atingem valores superiores a
O hipertiroidismo na doença de Plummer (bócio nodular 300000U/mL (nível bastante superior ao encontrado numa gra-
tóxico ou adenoma tóxico) é ocasionado pela produção exagerada videz normal). Essa forma de hipertiroidismo é curada com a reti-
de hormônios tiroidianos a partir das áreas autônomas presentes rada cirúrgica da mola ou com a quimioterapia para o coriocarci-
nas lesões uni ou multinodulares do tecido tiroidiano. Esse tipo de noma, que eliminam a produção de hCG.
doença, ao contrário da moléstia de Basedow-Graves, não está as- A tirotoxicose induzida por iodo (Jod-Basedow) pode ocor-
sociada a remissões espontâneas; em conseqüência, não se justifica rer quando um paciente com bócio multinodular atóxico é trata-
a esperança de que a doença desapareça naturalmente com o tra- do com iodo ou com medicações com grande quantidade desse
tamento a longo prazo com drogas antitiroidianas. elemento. Muitos dos folículos desses nódulos são autônomos e
A evolução natural da moléstia é caracterizada primeiramente incorporam o iodo e o transformam em hormônio. A terapêutica
pelo aparecimento do tecido autônomo, por mutação no receptor de adequada é a suspensão da administração da droga iodada.
TSH, que fica ativado constitutivamente e inicia, então, a produção Os tratamentos da tiroidite subaguda e da tiroidite linfocítica
de hormônios, independentemente do estímulo normal do TSH. À com resolução espontânea serão analisados no capítulo das tiroidi-
medida que este tecido vai crescendo, a quantidade de hormônio se- tes; o das metástases de carcinoma folicular da tiróide com hipoti-
cretada se eleva e inicia processo de supressão do TSH endógeno; em roidismo no capítulo de câncer da tiróide. A terapêutica do hiper-
conseqüência, os tecidos normais da glândula deixam de funcionar tiroidismo hipofisário se dá pela hipofisectomia, seguida, às vezes,
e toda a produção hormonal é dependente do nódulo ou nódulos da ablação da tiróide com iodo radioativo.
autônomos. Posteriormente, esta vai aumentando e surge a tirotoxi-
cose. A evolução para o estado de hipertiroidismo é, habitualmente,
bastante demorada e em inúmeros doentes ela nunca ocorre. De ma-
neira geral, entretanto, recomenda-se a terapêutica definitiva nos ca-
sos de nódulos autônomos com eutiroidismo quando o nódulo tem
pelo menos 3cm de diâmetro, pois estudos têm demonstrado que
quanto maior o nódulo, maior é a chance de eclosão da tirotoxico- 093 Hipotiroidismo
se; é claro que quando o doente já se apresenta em hipertiroidismo
deve-se também proceder ao tratamento definitivo. João Hamilton Romaldini
Este é realizado por meio da destruição da área autônoma
por cirurgia, iodo radioativo ou alcoolização. A cirurgia, nessas cir-
cunstâncias, não está associada às complicações referidas na doença
de Basedow-Graves, pois consiste apenas da retirada do adenoma.
M uitas anormalidades estruturais ou funcionais podem levar
à produção deficiente de hormônios tiroidianos. O estado
clínico resultante é chamado de hipotiroidismo. Do ponto de vis-
A terapêutica com iodo radioativo também não provoca o hipo- ta etiológico pode ser classificado como:
tiroidismo, pois é restrita à área tóxica e não lesa os tecidos nor-
mais adjacentes. A alcoolização do nódulo com etanol absoluto A- hipotiroidismo primário sem bócio:
vem ganhando terreno nos pacientes com risco cirúrgico ou que 1- hipotiroidismo pós-ablativo (cirúrgico ou após radioio-
não querem submeter-se ao iodo radioativo. Com qualquer tipo doterapia),

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