Você está na página 1de 16

Mateus: O Sermão do Monte 5:21–48

Direto ao Ponto: o Coração

A verdadeira justiça vai além do ato público do pecado e remete ao pensamento que precede o
ato em si (12:35; 15:18–20). Além de levar o indivíduo a obedecer ao simples mandamento, ela também
compromete o espírito por trás do mandamento. Neste sentido, Jesus na verdade foi mais restritivo do
que os escribas e fariseus. Ele exigiu que Seus seguidores realizassem as ações no reino com um coração
coerente com os princípios do reino.
A soberana declaração no versículo 20 tanto antecipa como resume o restante do Sermão do Monte.
Quando ensinou Seus discípulos, juntamente com a multidão ali reunida, Jesus apresentou seis contras-
tes entre o que se dizia sobre a Lei e a verdadeira intenção da Lei. Ele falou sobre ira (5:21–26), adultério
(5:27–30), divórcio (5:31, 32), juramentos (5:33–37), retaliação (5:38–42) e amor aos inimigos (5:43–48). As
ilustrações de Jesus visavam mostrar que as pessoas podiam guardar as letras da Lei, ignorando, porém,
o espírito da Lei.

SOBRE IRA E ASSASSINATO (5:21–26)

Ouvistes que foi dito aos antigos: Não matarás; e: Quem matar estará sujeito a julgamento. 22Eu,
21

porém, vos digo que todo aquele que [sem motivo] se irar contra seu irmão estará sujeito a julgamento; e
quem proferir um insulto a seu irmão estará sujeito a julgamento do tribunal; e quem lhe chamar: Tolo,
estará sujeito ao inferno de fogo. 23Se, pois, ao trazeres ao altar a tua oferta, ali te lembrares de que teu ir-
mão tem alguma coisa contra ti, 24deixa perante o altar a tua oferta, vai primeiro reconciliar-te com teu ir-
mão; e, então, voltando, faze a tua oferta. 25Entra em acordo sem demora com o teu adversário, enquanto
estás com ele a caminho, para que o adversário não te entregue ao juiz, o juiz, ao oficial de justiça, e sejas
recolhido à prisão. 26Em verdade te digo que não sairás dali, enquanto não pagares o último centavo.

Versículo 21. A introdução de Jesus ao primeiro contraste, “Ouvistes que foi dito aos antigos”, refe-
ria-se às tradições judaicas que se desenvolveram em torno da Lei, acumuladas no decorrer de séculos.
Jesus não prefaciou sua lista de contrastes com a expressão “está escrito”, como fazia sempre que Se refe-
ria às Escrituras. Em vez disso, Ele usou repetidamente a expressão “vocês ouviram o que foi dito” (NVI)
ao destacar os ensinamentos e as tradições orais dos judeus (5:27, 33, 38, 43). Em 5:31, essa expressão é
abreviada para “foi dito”.
A linguagem empregada por Jesus “era um recurso usado pelos rabinos”1 quando participavam de um
debate. Ele estava contrastando as interpretações dos rabinos e escribas com o sentido original da Lei. Os
líderes religiosos judeus daquela época, seguindo um modelo erudito, citavam geralmente os grandes líde-
res religiosos do passado. Jesus, por outro lado, falava com “autoridade e não como os escribas” (7:29). Com

1
Donald A. Hagner, Matthew 1—13, Word Biblical Commentary, vol. 33A. Dallas: Word Books, 1993, p. 111.

1
uma simples afirmação, “eu, porém, vos digo”, Ele tiça de Deus (Tiago 1:20). Devemos nos despojar
detonou a habilidade deles em deturpar a Lei. de toda “ira, indignação, maldade” (Colossenses
Os “antigos” mestres diziam: “Não matarás; 3:8). Paulo instou os cristãos a não dormirem com
e: Quem matar estará sujeito a julgamento”. A essa ira (Efésios 4:26).
primeira citação de Jesus é dos Dez Mandamen- Jesus também disse: “Quem proferir um in-
tos (Êxodo 20:13; Deuteronômio 5:17), com os sulto a seu irmão estará sujeito a julgamento do
quais os antigos mestres estavam familiarizados. tribunal; e quem lhe chamar: Tolo, estará sujeito
A segunda citação reflete a tradição judaica que ao inferno de fogo”. Ele advertiu contra expres-
declarava que o assassino estaria “sujeito a julga- sões depreciativas que denigrem o outro. Comen-
mento” ou poderia ser posto à prova no tribunal tando o exemplo de Eliseu em 2 Reis 2:23 e 24 e
(Deuteronômio 16:18; 17:8–13). A Lei prescrevia os ensinos rabínicos, Donald A. Hagner escreveu:
pena de morte para o assassino (Êxodo 21:12; Le- “Xingar era um caso muito mais sério nos tempos
vítico 24:21; Números 35:16–21, 30, 31). bíblicos, por causa da importância inerente aos
Aparentemente, os líderes judeus haviam re- nomes”2. Michael J. Wilkins acrescentou: “Xingar
duzido, efetivamente, o sexto mandamento do era altamente ofensivo na cultura judaica, porque
Decálogo a um só ato físico, desconsiderando o significado inerente ao nome da pessoa era des-
pensamentos e atitudes. Segundo esta interpre- se modo arrancado dela”3.
tação, um legalista que se considerava virtuoso “Raca” (RC) era uma expressão aramaica, e sua
poderia contentar-se consigo mesmo apenas por tradução exata é incerta. Algumas interpretações
não ter tirado a vida de alguém, ainda que hou- para “raca” são: “você não vale nada” (NTLH),
vesse cometido assassinato no coração. Mesmo “tolo” (RA) e “imprestável” (NTJ). John Lightfoot
omitindo um coração assassino, ele poderia dizer disse que “raca” era “uma palavra usada por quem
a si mesmo: “Guardei a Lei”. desprezava outro com o maior escárnio: muito co-
Versículo 22. Em contraste com esse pensa- mum em escritores hebreus, e na boca da nação”4.
mento, Jesus afirmou: “Eu, porém, vos digo que Era um termo usado para mostrar desprezo arro-
todo aquele que [sem motivo] se irar contra seu gante – não só pela pronúncia da palavra em si,
irmão estará sujeito a julgamento”. O pecado de mas pelo tom de voz. Não há pecado mais contrá-
assassinato envolve não só o ato físico, mas tam- rio à natureza de Cristo do que o pecado de mos-
bém a disposição e intenção do coração. João fez trar menosprezo por outra pessoa feita à imagem
uma declaração semelhante: “Todo aquele que de Deus (Tiago 3:8–10; 1 João 4:20). Com certeza, é
odeia a seu irmão é assassino; ora, vós sabeis que tarefa do cristão submeter seus “pensamentos so-
todo assassino não tem a vida eterna permanente bre outras pessoas, bem como as palavras que ele
em si” (1 João 3:15). pronuncia, ao exame detalhado de Deus”5.
A expressão “sem motivo”, modificadora do A palavra para “tolo” (mwro/ß, mōros), raiz de
verbo “irar-se” em alguns manuscritos gregos, “moroso”, significa “sem juízo” ou “moralmen-
aparentemente foi acrescentada por um copista te sem valor” – infiel, salafrário. Implica intenção
posterior. Essa inserção no texto suavizou o jul- maliciosa. Esse julgamento pertence só a Deus,
gamento audacioso de Jesus. Às vezes é fácil en- pois só Ele conhece o coração. O termo não se re-
contrar um motivo para se irar com um irmão,
mas Jesus não deu justificação alguma para isso 2
Ibid., p. 116; Talmud Kiddushin 28a; e Mishná, Aboth
ao apresentar o Seu contraste. 3.12.
Dois tipos de ira são descritos no Novo Testa- 3
Michael J. Wilkins, “Matthew,” em Zondervan Illustrated
mento. A palavra grega qumo/ß (thumos) é o tipo de Bible Backgrounds Commentary, vol. 1, Matthew, Mark, Luke,
ed. Clinton E. Arnold. Grand Rapids, Mich.: Zondervan,
ira que rapidamente se inflama e com a mesma 2002, p. 38.
rapidez desaparece. A palavra grega ojrgh (orgē) 4
John Lightfoot, A Commentary on the New Testament from
é o tipo duradouro, que nutre e abriga injustiças the Talmud and Hebraica: Matthew—1 Corinthians, vol. 2, Mat­
thew—Mark. Oxford: Oxford University Press, 1859; reim-
reais ou imaginárias. Obviamente, é o segundo pressão, Grand Rapids, Mich.: Baker, 1979, p. 109. Lightfoot
tipo que Jesus estava proibindo – o tipo que não ofereceu vários exemplos de escritores judeus fora da Bíblia
perdoa nem esquece. Ela perdura, recusando-se a em que o termo é usado.
5
R. T. France, The Gospel According to Matthew, The Tyn­
ser pacificada e continuando a procurar uma for- dale New Testament Commentaries. Grand Rapids, Mich.:
ma de vingança. Este tipo de ira não produz a jus- Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1985, p. 120.

2
fere a capacidade mental, mas difama o caráter irmão ou irmã com palavras e feitos maliciosos.
moral de uma pessoa. Chamar de tolo é como ti- A última advertência que Jesus fez implicava que
rar da pessoa seu bom nome e rotulá-la de pessoa “os ofensores podem ser eternamente condena-
imprestável, imoral. dos justamente como os falsos discípulos a quem
Jesus usou três termos para julgamento e a seve- acusaram outros de serem”8.
ridade deles pode ter uma ordem ascendente. 1) Em Versículos 23 e 24. Depois de apresentar um
relação à ira, a pessoa estará sujeita a “julgamento”, princípio geral, Jesus usou duas aplicações. Na pri-
isto é, a um tribunal. O mesmo termo (kri÷siß, krisis) meira, Ele enfatizou a importância de se reconciliar
é usado no versículo 21 com respeito a assassinato. com o irmão antes de se prestar adoração a Deus.
A referência poderia ser a um tribunal local, o que Além de evitar pensamentos malignos no cora-
classificaria a declaração de Jesus como uma hipér- ção em relação a um irmão e falar mal dele, tam-
bole. Afinal, quantas pessoas já foram julgadas por bém precisavam dar passos positivos para corrigir
sentirem ira? Outra possibilidade é que “o julga- quaisquer problemas existentes entre eles e outros.
mento de Deus” seja a ideia principal6. Aqui a iniciativa de reconciliação é colocada sobre o
2) Em relação a proferir um insulto, o resulta- ofensor, ao passo que em Mateus 18:15–17 ela é co-
do seria estar sujeito a “julgamento do tribunal” locada sobre aquele que ofendeu. Quem está ciente
(sune÷drion, sunedrion). Este termo pode se refe- de tais problemas e não faz nada é culpado.
rir a um tribunal local (10:17; Marcos 13:9), mas A orientação de Jesus refere-se à prática judai-
geralmente designa o Sinédrio que se reunia em ca de se apresentar uma oferta a Deus no templo
Jerusalém. Esse tribunal era composto por setenta de Jerusalém. Sacrifícios debaixo da Lei eram os
e um homens influentes, incluindo sumos sacer- meios pelos quais um pecador preenchia a brecha
dotes, anciãos e escribas. entre ele e Deus. Os sacrifícios, por si e em si mes-
3) O termo “tolo” comunica o julgamento de mos, não expiavam o pecado (veja Hebreus 10:1–
Deus no “inferno de fogo”. “Inferno” é tradução 4); tinham que vir acompanhados de verdadeiro
de ge÷enna (gehenna). A imagem de Geena vem do arrependimento e de uma tentativa sincera de
Vale de Hinom, no lado sul de Jerusalém. Esse de- retificar as consequências que o próprio pecado
testável lugar remetia a mente dos judeus às mais poderia ter causado. Jesus estava deixando claro
vis corrupções, até a sacrifícios infantis feitos ao que sacrifícios cerimoniais não poderiam substi-
deus pagão Moloque (2 Crônicas 28:3; 33:6; Jere- tuir erros morais.
mias 32:35). O rei Josias profanou o local (2 Reis A injunção deixa perante o altar a tua ofer-
23:10) e, mais tarde, Jeremias profetizou que ele se ta e vai também contém uma dose de hipérbole.
tornaria “o vale da Matança” – um lugar onde os “Com certeza não era possível deixar nem mes-
babilônios lançariam os cadáveres dos judeus (Je- mo uma oferta de cereais sozinha na agitada área
remias 7:31–33; 19:6). O Vale de Hinom tornou-se do altar, nem um par de pombos ou uma cabra
um lugar imundo, depósito de lixo, onde coisas viva!”9 Além disso, o irmão ofendido poderia nem
inúteis eram destruídas7. ter viajado até Jerusalém naquela mesma ocasião.
No período intertestamentário, o local veio Jesus usou hipérbole para ressaltar a necessidade
a simbolizar castigo eterno e com fogo – ou seja, de reconciliar-se imediatamente com um irmão
o inferno. A associação do fogo com o Vale de para estar bem com Deus. A tradição judaica di-
Hinom pode ter surgido de três direções: as fo- zia que “o Dia da Expiação só repara transgres-
gueiras do culto a Moloque, a tradição de uma sões entre um homem e seu colega, se o homem
contínua incineração de lixo e textos do Antigo reconquistar a afeição do amigo”10. O Didaquê, um
Testamento que se referem a um julgamento com escrito cristão antigo, dizia: “Aquele que está de
fogo (Isaías 30:33; 33:14; 66:24). briga com seu companheiro não poderá juntar-se
Jesus lembrou os discípulos de que nenhum a vocês antes de se ter reconciliado, para que o sa-
castigo seria severo demais para quem destrói um
8
Robert H. Gundry, Matthew: A Commentary on His Liter­
6
Leon Morris, The Gospel according to Matthew, Pillar ary and Theological Art. Grand Rapids, Mich.: Wm. B. Eerd-
Commentary. Grand Rapids, Mich.: Wm. B. Eerdmans Pub- mans Publishing Co., 1982, p. 85.
lishing Co., 1992, p. 114. 9
Douglas R. A. Hare, Matthew, Interpretation. Louis­
7
Veja Joachim Jeremias, Jerusalem in the Time of Jesus, trad. ville: John Knox Press, 1993, p. 52.
F. H. e C. H. Cave. Filaddélfia: Fortress Press, 1969, p. 17. 10
Mishná, Yoma 8.9.

3
crifício que vocês oferecem não seja profanado”11. judaico de que o ato físico de adultério era pecami-
Versículos 25 e 26. A segunda aplicação que noso. Seus ouvintes deviam estar familiarizados
Jesus usou descrevia uma situação em que a par- com o sétimo mandamento: “Não adulterarás”
te ofendida teria de fato processado legalmente a (Êxodo 20:14; Deuteronômio 5:18). O adultério
pessoa que cometeu a injustiça. Jesus recomendou era pecado debaixo da lei de Moisés e também é
que o ofensor resolvesse o problema antes que os pecado debaixo da lei de Cristo. O ato era punido
dois fossem intimados ao tribunal: “Entra em acor- com morte física debaixo da velha aliança (Leví-
do sem demora com o teu adversário, enquanto tico 20:10; Deuteronômio 22:22) e é punido com
estás com ele a caminho”. A urgência da situação é morte espiritual debaixo da nova aliança (1 Co-
reforçada, pois sem reconciliação, a questão muito ríntios 6:9; Apocalipse 21:8; 22:15).
provavelmente só ficaria pior. O oponente poderia Versículo 28. Todavia, Jesus aprofundou mais
entregar [o ofensor] ao juiz. Após ser julgado cul- o mandamento contra o adultério prescrito na ve-
pado, ele seria escoltado pelo oficial de justiça e lha aliança: “Eu, porém, vos digo: qualquer que
finalmente recolhido à prisão. Deus havia instruí- olhar para uma mulher com intenção impura, no
do Israel a nomear “juízes” e “oficiais” em todas as coração, já adulterou com ela”. Alguns rabinos
cidades (Deuteronômio 16:18). Os oficiais executa- judeus consideravam o ato físico como pecado,
vam as sentenças dos juízes. porém eram permissivos com a intenção impura.
A questão em jogo neste cenário é financeira: Jesus então declarou que o pensamento que pre-
“Em verdade te digo que não sairás dali, en- cedia o ato também era pecado13.
quanto não pagares o último centavo”. A palavra Outros mestres judeus, assim como Jesus, se
“centavo” (kodra÷ nthß, kodrantēs) é o quadrante, opunham à intenção impura. Por exemplo, uma
a menor moeda romana da época. Equivalia às fonte posterior diz: “Não suponhas que somente
duas “pequenas moedas” depositadas pela viúva quem cometeu o crime com o próprio corpo é cha-
pobre (Marcos 12:42). Prisão por dívida era uma mado de adúltero. Quem comete adultério com
prática comum entre os gentios no mundo antigo os olhos também é chamado adúltero”14. Vejamos
(18:34; Lucas 12:57–59). Num cenário judaico, a esta advertência encontrada num dos livros apó-
referência à prática cruel dos gentios de lançar os crifos: “Desvia da mulher bela o teu olhar, e não
devedores à prisão, onde não teriam como juntar fites a beleza que não te pertence. Muitos se trans-
dinheiro para pagar tudo ao credor, era uma ma- viaram pela beleza de uma mulher: o amor que
neira de mostrar a importância de liquidar toda daí vem se inflama como fogo”15.
a dívida. Isto imprimiria na mente dos ouvintes O pecado da intenção impura ou do desejo las-
uma advertência eficaz relativa ao julgamento civo, assim como os demais, precisa ser eliminado
que estava sendo descrito12. pela raiz. Olhos mal intencionados podem levar
a um ato mal intencionado. A palavra grega para
SOBRE ADULTÉRIO (5:27–30) “olhar” (que vem de ble÷pw, blepō) indica um pro-
cesso contínuo de olhar, um olhar fixo intencional
27
Ouvistes que foi dito: Não adulterarás. 28Eu, e prolongado. Envolvia uma olhada sensual, fanta-
porém, vos digo: qualquer que olhar para uma siosa, que desenvolvia mentalmente pensamentos
mulher com intenção impura, no coração, já adul- de relações ilícitas (veja 2 Pedro 2:14; 1 João 2:16).
terou com ela. 29Se o teu olho direito te faz trope- Jesus não estava condenando a apreciação do ho-
çar, arranca-o e lança-o de ti; pois te convém que mem à atratividade de uma mulher. “Não é o de-
se perca um dos teus membros, e não seja todo sejo natural de um homem por uma mulher que é
o teu corpo lançado no inferno. 30E, se a tua mão aqui condenado, mas o desejo lascivo pela mulher
direita te faz tropeçar, corta-a e lança-a de ti; pois sobre a qual ele não tem direito.”16
te convém que se perca um dos teus membros, e
não vá todo o teu corpo para o inferno. 13
Talmude, Berakoth 20.
14
Leviticus Rabbah 23.12; veja Talmud, Berakoth 24a; Shab­
Versículo 27. Jesus endossou o ensinamento bath 64b.
15
Eclesiástico 9:8 (Bíblia Sagrada, Editora Vozes).
11
Didaquê 14.2. Trad. Pe. Ivo Storniolo e Euclides M. Ba- 16
Jack P. Lewis, The Gospel According to Matthew, Part 1,
lancin. São Paulo: Edições Paulinas, 3a. ed., 1989, p. 27. The Living Word Commentary. Austin, Tex.: Sweet Publish­
12
Gundry, p. 87. ing Co., 1976, p. 91.

4
O exemplo de adultério mais destacável no Esta consideração especial é transferida por Jesus
Antigo Testamento, envolvendo Davi e Bate-Seba, ao olho igualmente.
começou com uma intenção impura de Davi en- Para efeito de ênfase, Jesus fez essa adver-
quanto ela se banhava (2 Samuel 11:2–4). O irre- tência duas vezes: “Pois te convém que se perca
preensível Jó uma vez afirmou: “Fiz aliança com um dos teus membros, e não vá todo o teu corpo
meus olhos; como, pois, os fixaria eu numa don- para o inferno”. Em Mateus 18:8 e 9, Jesus fez de-
zela?” (Jó 31:1). Jó também disse que ele guarda- clarações semelhantes que incluem não só o olho
va o seu coração para não ser seduzido por uma e a mão, como também o pé. Nesses versículos,
mulher casada e que se abstinha de colocar-se em Ele concluiu: “Melhor é entrares na vida manco
situações comprometedoras (Jó 31:9–12). ou aleijado do que, tendo duas mãos ou dois pés,
As palavras de Jesus implicam que a intenção seres lançado no fogo eterno... melhor é entrares
impura é um estupro mental. As pessoas não são na vida com um só dos teus olhos do que, tendo
objetos a serem usados para nossa própria grati- dois, seres lançado no inferno de fogo”. Jack P.
ficação, seja mentalmente, seja fisicamente. Fazer Lewis comentou que o “exagero hiperbólico fica
mau uso do sexo constitui uma perversão de uma mais agudo à luz do debate rabínico sobre as de-
das dádivas de Deus. O pleno desfrute da expres- formidades físicas continuarem ou não a existir
são sexual só acontece quando seguimos os man- no mundo por vir”20.
damentos de Deus referentes ao sexo. Posteriormente, Jesus disse que todo pecado
Versículos 29 e 30. O pecado precisa ser cor- tem origem no coração (15:18–20). O ponto central é
tado pela raiz. Considerando que se trata de um o coração. As observações de Jesus em Mateus 5:28
assunto sério, como evitar o adultério mental? Je- provam que o problema não é só olhar para uma
sus disse: “Se o teu olho direito te faz tropeçar, mulher com intenção impura. Não se trata de um
arranca-o e lança-o de ti”. Robert H. Mounce ob- problema oftálmico, e sim, cardíaco. O olhar cheio
servou: “É irônico que o olho, órgão que deveria de desejo lascivo não gera o pecado, mas a pré-exis-
evitar os tropeços, se torna o empecilho (skanda­ tência de pecado no coração gera o olhar lascivo. Se
lon) que pode causar o tropeço”17. interpretarmos o mandamento de Jesus literalmente,
Nos primórdios da igreja, a afirmação de Jesus fará mais sentido cortar a cabeça e não meramente
era às vezes levada ao pé da letra. Diz-se, portanto, extrair o olho ou decepar a mão. O cérebro controla
que Orígenes (ca. 185–254), um dos “pais da igreja o olho e a mão. Se os olhos ou as mãos de uma pes-
primitiva”, se fez eunuco para o reino de Deus ba- soa a fazem tropeçar, então ela precisa mandar seu
seado no ensino de Cristo em Mateus 19:1218. Toda- cérebro parar de pensar mal e ter desejos maus.
via, Jesus não estava defendendo a automutilação;
Ele estava usando uma hipérbole, ou uma figura SOBRE O DIVÓRCIO (5:31, 32)
de exagero, para apresentar a ideia principal. Jesus
não estava ordenando cirurgia radical nos versícu-
31
Também foi dito: Aquele que repudiar sua
los 29 e 30, mas estava enfatizando que Seus segui- mulher, dê-lhe carta de divórcio. 32Eu, porém,
dores precisavam livrar-se do pecado. A imagem vos digo: qualquer que repudiar sua mulher, ex-
enfatiza a essencialidade de se tomar as medidas ceto em caso de relações sexuais ilícitas, a expõe
necessárias visando controlar as paixões naturais a tornar-se adúltera; e aquele que casar com a re-
que tendem a tomar o controle19. pudiada comete adultério.
Jesus também mencionou: “E, se a tua mão
direita te faz tropeçar, corta-a e lança-a de ti”. No Versículo 31. Quando falou sobre o divórcio,
caso tanto do “olho” como da “mão”, é menciona- Jesus estava tratando mais uma vez das interpre-
do o membro “direito”. Por ser a mais dominan- tações judaicas da lei que ignoravam o espírito da
te, a mão direita era considerada a mão preferida. Lei. A ordenança em questão é extraída de Deute-
ronômio 24:1–4:
17
Robert H. Mounce, Matthew, New International Bibli­cal
Commentary. Peabody, Mass.: Hendrickson Publishers, 1991, Se um homem tomar uma mulher e se ca-
p. 46. A palavra grega ska÷ ndalon (skandalon) refere-se a uma sar com ela, e se ela não for agradável aos seus
“pedra de tropeço“ ou a uma “armadilha”. Espiritualmente olhos, por ter ele achado coisa indecente nela, e
falando, é o que faz alguém ser tentado e seduzido (18:6, 7).
18
Eusébio, História Eclesiástica 6.8.1–2.
19
Mounce, p. 46. 20
Lewis, p. 92. Veja Rabbah Ecclesiastes 1.4.

5
se ele lhe lavrar um termo de divórcio, e lho der mente se sentiam livres para se divorciar “por qual-
na mão, e a despedir de casa; e se ela, saindo da
sua casa, for e se casar com outro homem; e se
quer motivo” (19:3), desde que entregassem uma
este a aborrecer, e lhe lavrar termo de divórcio, carta de divórcio à mulher. Flávio Josefo escreveu:
e lho der na mão, e a despedir da sua casa ou se
este último homem, que a tomou para si por mu- Aquele que deseja divorciar-se da esposa por
lher, vier a morrer, então, seu primeiro marido, qualquer causa (e eram muitas as causas entre os
que a despediu, não poderá tornar a desposá-la homens), que lhe assegure por escrito que nunca
para que seja sua mulher, depois que foi conta- mais a tomará por esposa; pois desse modo ela
minada, pois é abominação perante o Senhor; estará livre para se casar com outro homem.24
assim, não farás pecar a terra que o Senhor, teu
Deus, te dá por herança (grifo meu).
Nem todos, porém, concordavam com essa
mentalidade. Duas escolas rabínicas debateram
Esta passagem constitui o que chamaríamos
exaltadamente a questão, enfocando o significa-
em gramática de um longo período composto por
do da palavra traduzida por “coisa indecente”
orações condicionais. Os três primeiros versículos
(rDbdD… tA w VrRo, ‘erwath dabar) – literalmente, “o despir-
constituem a prótase (as orações dependentes com
se de uma coisa”, citada em Deuteronômio 24:125.
a conjunção “se”) e o quarto versículo é a apódose
O rabino Shammai tomou a posição mais conser-
(a oração principal que contém a partícula “então”).
vadora, dizendo que “coisa indecente” era rela-
Não se trata de uma ordem para se divorciar, mas
ção sexual ilícita. Contudo, provavelmente não se
de uma regra sobre o divórcio (que já estava acon-
tratava de adultério consumado, pois a parte cul-
tecendo). Uma mulher divorciada que se casava
pada incorreria na pena de morte, conforme a Lei
novamente não poderia ser tomada pelo primeiro
(Levítico 20:10–14; Deuteronômio 22:22). O rabi-
marido. Usando as palavras de Christopher Wright:
no Hillel tinha uma opinião mais liberal, dizendo
“O efeito prático desta regra é proteger a mulher
que “coisa indecente” era basicamente qualquer
desafortunada de se tornar uma espécie de fute-
coisa que desagradava ou irritava o marido – “até
bol marital, passada para cá e para lá entre homens
mesmo o simples fato de cozinhar mal”26. Como
irresponsáveis”21. A respeito deste texto, Jesus disse
era de se esperar, a opinião mais branda de Hillel
que Moisés só permitiu o divórcio e que ele fez isso
era a mais popular entre o povo.
por causa da dureza do coração das pessoas (19:8).
Versículo 32. Jesus indicou que o homem que
Apesar de os dizeres “Aquele que repudiar
repudia a esposa – mesmo com uma carta de divór-
sua mulher, dê-lhe carta de divórcio” basearem-
cio – é responsável por levá-la a pecar. Ele declarou
se em Deuteronômio 24:1, não se trata de uma
diretamente: “Eu, porém, vos digo: qualquer que
citação direta. Na passagem de Deuteronômio, a
repudiar sua mulher... a expõe a tornar-se adúl-
carta de divórcio é uma dedução, ao passo que a
tera; e aquele que casar com a repudiada comete
frase de Jesus apresenta a entrega da carta como
adultério”. Longe de estar livre para divorciar-se
um mandamento (veja 19:7).
por “qualquer motivo”, Jesus disse que o marido
A “carta de divórcio” era conhecida como
deve ser fiel à aliança matrimonial.
“um atestado de dissolução”, “um atestado de
O ensino de Jesus, que era mais próximo do
expulsão”, “um instrumento”, “um instrumento
ensino dos shamaítas, era mais restritivo do que
de demissão” e “um atestado de renúncia”22. O
a prática daquela época. O propósito de Jesus era
costume de se emitir uma carta de divórcio evi-
restaurar a santidade e a permanência do casa-
tava que o marido mandasse a esposa embora
mento ao plano original de Deus (Gênesis 2:18–
apressadamente, num surto de raiva. Também
25; Malaquias 2:13–16; Mateus 19:4–6, 9). Hagner
protegia a esposa de ser vista como uma adúltera
e a liberava para se casar com outro homem.
O divórcio era uma prerrogativa masculina no se dela. (Mishná, Arakhin 5.6; Nedarim 11.12.)
judaísmo do primeiro século23, e os homens geral- 24
Flávio Josefo, Antiguidades 4.8.23.
25
O debate sobre o significado de “coisa indecente,” em
Deuteronômio 24:1 como base para o divórcio ignorava a
21
Christopher Wright, Deuteronomy, New International principal intenção da passagem: proteger as mulheres e fazer
Biblical Commentary. Peabody, Mass.: Hendrickson Pub­ os homens pensarem duas vezes antes de se divorciarem.
lishers, 1996, p. 255. 26
Mishná, Gittin 9.10. Mais tarde, o rabino Akiba disse:
22
Lightfoot, p. 122. “Mesmo se ele encontrar outra mais formosa do que ela”. Ele
23
Mishná, Yebamoth 14.1. Todavia, uma mulher poderia baseou essa opinião na expressão “se ela não for agradável
solicitar ao tribunal que pressionasse seu marido a divorciar- aos seus olhos” (Deuteronômio 24:1).

6
observou: “O caráter radical da justiça do reino SOBRE OS JURAMENTOS (5:33–37)
requer um retorno aos padrões do jardim do
Éden”27. W. F. Albright e C. S. Mann salientaram
33
Também ouvistes que foi dito aos antigos:
que Jesus estava resgatando a natureza compro- Não jurarás falso, mas cumprirás rigorosamente
missória da aliança matrimonial: para com o Senhor os teus juramentos. 34Eu, po-
rém, vos digo: de modo algum jureis; nem pelo
O que Jesus está enfatizando é o princípio, o fun- céu, por ser o trono de Deus; 35nem pela terra, por
damento, do casamento. Quanto ao princípio, a
mulher divorciada ainda é esposa do marido e o ser estrado de seus pés; nem por Jerusalém, por
homem que se divorcia da mulher a torna adúl- ser cidade do grande Rei; 36nem jures pela tua ca-
tera, na hipótese dela se casar de novo. O homem beça, porque não podes tornar um cabelo branco
que se casa com a mulher divorciada tanto parti-
cipa do adultério dela como também comete ele ou preto. 37Seja, porém, a tua palavra: Sim, sim;
próprio esse pecado, porque no que diz respeito não, não. O que disto passar vem do maligno.
ao princípio – e não à lei – a mulher divorciada
ainda está casada com o primeiro marido.28 Versículo 33. Jesus introduziu este ensino so-
bre juramentos com a fórmula mais completa cita-
Jesus deduziu que a mulher divorciada nesses
da antes no versículo 21: “Também ouvistes que
casos se casaria novamente porque era extrema-
foi dito aos antigos”. Em vez de citar uma passa-
mente difícil uma mulher solteira sobreviver so-
gem específica do Antigo Testamento, Jesus resu-
zinha naquela cultura do primeiro século.
miu o ensino da velha aliança sobre esse tópico:
Todavia, Jesus abriu uma exceção à regra ge-
“Não jurarás falso, mas cumprirás rigorosamen-
ral: “exceto em caso de relações sexuais ilícitas”
te para com o Senhor os teus juramentos”. A Lei
(veja 19:9). A expressão “relações sexuais ilícitas”
não condenava todos os votos e juramentos, so-
vem do grego pornei÷a (porneia), também tradu-
mente os falsos. Ela na verdade exigia juramentos
zido aqui por “prostituição” (RC), “imoralidade
sob certas condições (Êxodo 22:10–13; Números
sexual” (NVI, KJA), “fornicação” (BJ, NTJ), “infi-
5:16–22). Além disso, ela instruía o povo a jurar
delidade” (A21). Neste contexto, o termo é usado
em nome de Deus, e não em nome dos deuses
como uma ampla variedade incluindo todo tipo de
pagãos (Deuteronômio 6:13, 14; 10:20). Contudo,
intercurso sexual ilícito. O ponto é que, segundo a
a Lei pronunciava consequências terríveis para
nova lei de Cristo, um homem não seria culpado
quem fizesse falsos votos ou falsos juramentos, o
de divorciar-se da esposa se esta tivesse cometido
que equivalia a tomar o nome de Deus em vão
adultério29. Esta cláusula de exceção permitia que
(Êxodo 20:7, 16; Levítico 19:11, 12; Números 30:2;
o homem se divorciasse da mulher infiel, porém
Deuteronômio 5:11; 19:15–20; 23:21–23).
não ordenava que ele fizesse isso. Talvez o arrepen-
Versículos 34 e 35. Jesus, usando mais uma
dimento da mulher, aliado ao perdão do marido,
vez uma dose de hipérbole, proibiu todos os ju-
possibilitassem a restauração do casamento. Em
ramentos: “Eu, porém, vos digo: de modo algum
contraste com isto, segundo a lei rabínica, um ho-
jureis”. Os judeus contemporâneos a Jesus evi-
mem tinha que se divorciar de uma esposa infiel
tavam usar o nome de Deus, mas juravam pelo
porque ela era considerada impura30.
céu... pela terra... por Jerusalém, pelo templo,
Nesta passagem e nas paralelas a ela (19:1–12;
pelo ouro do templo, pelo altar, pelas ofertas no
Marcos 10:1–12; Lucas 16:18), Jesus estava en-
altar, pelos utensílios do altar e por tantas outras
sinando contra o divórcio. Todavia, Jesus não
coisas do gênero31. Todavia, não acreditavam que
discutiu explicitamente nem esclareceu algumas
eram obrigados a cumprir todos esses juramen-
particularidades que foram depois expostas por
tos. Segundo Mateus 23:16–22, os judeus acredi-
Paulo em 1 Coríntios 7.
tavam que só eram obrigados se jurassem pelo
ouro do templo ou pela oferta no altar, mas não se
27
Hagner, p. 125. fosse pelo templo ou pelo altar em si. No Mishná,
28
W. F. Albright e C. S. Mann, Matthew, The Anchor Bi- o indivíduo estava isento de cumprir seu voto se
ble. Garden City, N.Y.: Doubleday & Co., 1971, p. 65.
29
O termo porneia, quando usado em seu sentido amplo, jurasse pelo céu e pela terra, mas estaria compro-
pode englobar “aultério” (moicei÷a, moicheia). Por exemplo, metido se jurasse por Deus (usando “Adonai”,
Eclesiástico 23:23 diz que “prostitui-se no adultério” (Bíblia
Sagrada, Editora Vozes).
30
Mishná, Ketuboth 3.5; Sotah 5.1; Yebamoth 2.8. 31
Filo, Leis Especiais 2.1.5; Mishná, Nedarim 1.3, 4.

7
“Javé” ou “Altíssimo”) ou por qualquer eufemis- grego “maligno” (ponhro÷ß, ponēros) encontra-se
mo equivalente a Deus (como “Aquele que é rico aqui substantivado como “o maligno” (5:37; veja
em misericórdia e graça”)32. também 6:13; 13:19, 38). A fraude nos juramentos
Jesus denunciou a hipocrisia e a falsidade de dos judeus vinha do diabo, que é “o pai da men-
tais práticas, afirmando que todos os juramentos tira” (João 8:44). Jesus deseja que Seus discípulos
eram sérios. Embora os judeus nem sempre juras- imitem a integridade do Pai (5:48). E deveriam se-
sem no nome de Deus, estavam jurando por coisas guir o próprio Jesus, que é descrito como “a ver-
intimamente ligadas a Ele. O “céu” é o trono de dade” (João 14:6), em quem “dolo algum se achou
Deus, a terra é “estrado de Seus pés” (Isaías 66:1). em Sua boca” (1 Pedro 2:22).
“Jerusalém” é a cidade do grande Rei (Salmos 48:2) Estaria Jesus proibindo os juramentos como
e “o templo” é o lugar em que Ele habita (23:21). uma regra geral e não específica? As declarações
Quebrando seus juramentos, indiretamente esta- de Jesus em 5:34 e 37 só poderiam estar em lin-
vam na verdade profanando o nome de Deus. guagem de exagero, se a finalidade fosse impactar
Versículo 36. A ordem decrescente (céu, terra, Seus ouvintes. Afinal, Jesus respondeu ao sumo
Jerusalém) conclui com a pessoa individualmen- sacerdote que O colocou sob juramento (“Eu te
te: “nem jures pela tua cabeça”. O Mishná men- conjuro pelo Deus vivo”; 26:63, 64). Há juramen-
ciona jurar “pela vida da tua cabeça” e os rabinos tos verdadeiros nas cartas inspiradas de Paulo
debatiam se isso deveria ou não ser dito33. Jesus (Romanos 1:9; 1 Coríntios 15:31; 2 Coríntios 1:23;
observou a insensatez de tais juramentos por cau- Gálatas 1:20; Filipenses 1:8; 1 Tessalonicenses
sa da impotência dos seres humanos: “não podes 5:27). O escritor de Hebreus até afirmou que Deus
tornar um cabelo branco ou preto”. Em contraste Se interpôs com juramento (Hebreus 6:17, 18).
com isto, Deus detém o controle soberano sobre
os homens, sabendo até o número de fios de cabe- SOBRE A VINGANÇA (5:38–42)
lo sobre a cabeça de uma pessoa (10:30).
Versículo 37. Jesus admoestou Seus discípulos:
38
Ouvistes que foi dito: Olho por olho, dente
“Seja, porém, a tua palavra: Sim, sim; não, não”. A por dente. 39Eu, porém, vos digo: não resistais ao
NVI diz: “Seja o seu ‘sim’, ‘sim’, e o seu ‘não’, ‘não’”. perverso; mas, a qualquer que te ferir na face di-
Jesus estava instruindo Seus discípulos a responde- reita, volta-lhe também a outra; 40e, ao que quer
rem com clareza e verdade (veja 2 Coríntios 1:17–24; demandar contigo e tirar-te a túnica, deixa-lhe
Tiago 5:12). Se um indivíduo sempre diz a verdade, também a capa. 41Se alguém te obrigar a andar
então é desnecessário jurar. uma milha, vai com ele duas. 42Dá a quem te
A atitude de Jesus em relação aos juramentos pede e não voltes as costas ao que deseja que
e votos era compartilhada também pelos essênios. lhe emprestes.
Flávio Josefo escreveu a respeito deles:
Versículo 38. A citação usada aqui por Jesus –
Eles se destacam pela fidelidade, e são os minis- “Olho por olho, dente por dente” – é do Antigo Tes-
tros da paz; o que quer que digam é mais firme
do que um voto; mas jurar é algo que evitam, e tamento (Êxodo 21:24; Levítico 24:20; Deuteronômio
consideram [tal prática] pior que perjúrio; pois 19:21), sendo comumente denominada lex talionis
dizem que quem não pode ser acreditado sem (lei de talião) ou Lei de Retaliação. O primeiro regis-
[jurar por] Deus, já está condenado.34
tro desse tipo de legislação encontra-se no código
legal de Hamurabi36, o famoso rei do antigo reino da
Todavia, aos indivíduos admitidos na seita dos
Babilônia (ca. 1800 a.C.). Embora pareça à primeira
essênios exigia-se que fizessem “votos especiais”
vista incivilizada e cruel, essa lei era na verdade uma
com respeito à “piedade para com Deus” e “justi-
lei de misericórdia. Em primeiro lugar, ela impedia
ça para com os homens”35.
que se aplicasse castigo maior do que o devido. Em
Jesus disse: “O que disto [um simples ‘sim’
segundo lugar, evitava que bandos sem rumo admi-
ou ‘não’] passar vem do maligno”. O adjetivo
nistrassem qualquer tipo de “justiça” que lhes pare-
cesse apropriada (Levítico 19:18; Provérbios 20:22;
32
Mishná, Shebuoth 4.13. 24:29). Na lei de Moisés, a retribuição era restrita à
33
Mishná, Sanhedrin 3.2.
34
Flávio Josefo, Guerras 2.8.6.
35
Ibid., 2.8.7; veja Regra da Comunidade 5.7.8. 36
Código de Hamurabi 196, 200.

8
administração judiciária. As decisões eram tomadas abertamente contra a injustiça, algo que Ele próprio
em público, com as devidas proteções legais (Deu- fez em muitas ocasiões (21:12; Joao 2:15). Tiago dis-
teronômio 19:15–21). A Lei exigia pelo menos duas se para “resistirmos ao diabo” (Tiago 4:7); portanto,
testemunhas para corroborar o testemunho perante devemos resistir ao mal que ele inicia (6:13; Roma-
uma pessoa que poderia ser condenada (Deutero- nos 12:9; 1 Tessalonicenses 5:22; 2 Timóteo 4:18).
nômio 17:6). Em terceiro lugar, essas leis permitiam John MacArthur, Jr., considerava a resistência ao
castigo condizente com o crime. mal imperativa para o seguidor de Cristo:
Os escribas e os fariseus transformaram uma
coisa boa que Deus fez em algo ruim. Em vez de Não deter o mal não é justo nem benigno.
Ele não protege o inocente e tem o efeito de in-
usarem a Lei para proteção, perverteram-na para centivar o iníquo em sua maldade. Deter apro-
justificar retaliação contra os inimigos. Essa per- priadamente o mal não é só justo, mas também
versão favoreceu a tendência natural humana de beneficente...
Descer o padrão de justiça de Deus é descer
buscar vingança. Sem as medidas de controle que o padrão de integridade de Deus – o qual Jesus
Deus impôs ao Seu povo, eles estariam executan- veio cumprir e esclarecer, e não remover ou re-
do inocentes. Jesus não só tratou da perversão baixar.38
dessa lei, como também mostrou o aspecto espi-
ritual da intenção original de Deus. Ele ensinou Após Jesus estabelecer o princípio básico contra
Seus discípulos a resistirem ao instinto natural a retaliação pessoal, Ele descreveu cinco incidentes
por vingança e a “vencerem o mal com o bem” para ilustrar o mau trato. O primeiro envolvia um
(veja Romanos 12:21). A vingança, afinal, é assun- golpe físico: “A qualquer que te ferir na face direi-
to para Deus (Romanos 12:19; Hebreus 10:30). ta, volta-lhe também a outra”. Jesus não se referia
Na época de Cristo, esta lei raramente era ao ato de esbofetear alguém; e sim ao ato de acertar
aplicada no sentido literal. As pessoas não arran- levemente o rosto de alguém com as costas da mão.
cavam os dentes nem os olhos de outras. Pratica- Os judeus consideravam isso uma ofensa grave
va-se um sistema de pagamento negociado, em (veja Jó 16:10; Lamentações 3:30; Mateus 26:67, 68;
que um juiz determinava o valor de um olho ou Marcos 14:65; João 18:22; 2 Coríntios 11:20). Com
de um dente37. Um olho poderia ser avaliado em certeza, uma bofetada no rosto seria aviltante e de-
algumas medidas de farinha. Isto é semelhante à gradante. A lei judaica concedia ao homem atacado
maneira como danos pessoais são calculados e re- por um golpe cruzado com as costas da mão o do-
compensados nos tribunais modernos. Em muitos bro da compensação devida a quem era alvo de um
casos, porém, as pessoas abusavam dos sistemas tapa no rosto com a palma da mão39.
legais para fazer exatamente o que Jesus proibiu: o Em vez de retaliar contra o insulto de um ta-
sistema de retribuição era usado como ferramenta pinha no rosto, Jesus disse para virar a outra face.
de vingança. Em vez de receber a justa compen- Embora a reação natural de uma pessoa agredida
sação pelo dano, as pessoas buscavam vingança fosse atacar de volta, Jesus instruiu a não fazer isso.
ou exigiam uma compensação bem maior do que Essa reação está em harmonia com os mansos e
a razoável. Tentavam tirar muita vantagem do humildes de espírito que Ele já havia mencionado
princípio da indenização financeira. aos Seus seguidores. Virar a outra face demonstra
Versículo 39. A ordem de Jesus “não resistais ao uma atitude inocente e generosa. Dignidade e for-
perverso” não equivale a “não procure justiça”. Esta ça de caráter são demonstradas não por agressão
orientação deve ser analisada mediante o contexto em revelia quando se é injustiçado ou insultado.
das observações originais que Jesus fez. A palavra Paulo disse que quando respondemos a um mau
grega para “resistir” (aÓnqi÷sthmi, anthistēmi) refere- tratamento com bondade, “amontoamos brasas vi-
se à oposição dos discípulos a um dano feito contra vas sobre a nossa cabeça” (Romanos 12:20). Isto é,
eles por uma pessoa má. As instruções de Jesus se quando respondemos a um mau tratamento dessa
reportam a como lidar com danos pessoais e como maneira, o ofensor irá queimar de vergonha – e tal-
evitar a vingança, o rancor e o ressentimento. Ele vez até se arrependa da maldade que cometeu.
certamente não queria dizer que não devemos falar Versículo 40. A segunda ilustração de Jesus re-
38
John MacArthur, Jr., The MacArthur New Testament Com­
Veja Flávio Josefo, Antiguidades 4.8.35; Mishná, Baba
37
mentary: Matthew 1—7. Chicago: Moody Press, 1985, p. 332.
Kamma 8.1.2. 39
Veja Mishná, Baba Kamma 8.6.

9
tratava uma pessoa numa audiência judicial num revezamento para a entrega de mensagens pelo
tribunal, e seu querelante tentando lhe “tirar a rou- império. Ele estabeleceu postos ao longo da prin-
pa”: “E, ao que quer demandar contigo e tirar-te a cipal estrada, cada um distante a um dia de via-
túnica, deixa-lhe também a capa”. Se o querelado gem do outro. Cavaleiros levavam as mensagens
não tivesse recursos financeiros suficientes, poderia de um posto ao outro mais próximo. O primeiro
se firmar ali uma dívida ou o pagamento poderia ser entregava ao segundo, o segundo ao terceiro e
feito com roupas. Jesus aparentemente continuou a assim sucessivamente. O mensageiro que levava
usar a hipérbole, pois entregar a “túnica” e a “capa” a correspondência era chamado de a¡ggaroß (an­
deixaria o indivíduo praticamente nu (presumindo- garos) e o sistema de postagem montada [num
se que estivesse trajando apenas duas peças). animal] era chamado ajggarh÷ io œ n (angarēion)41. O
A “túnica” (citw÷ n, chitōn) “era a peça de roupa termo angareuō significava “despachar um mensa-
básica, um roupão íntimo de mangas longas se- geiro” e também “obrigar a servir”. Os mensagei-
melhante a uma malha segunda-pele. Os homens ros tinham autoridade para forçar os súditos do
geralmente usavam túnicas curtas e as mulheres, rei, fazendo uso dos cavalos do povo e de outros
túnicas até os tornozelos”40. A peça mais impor- itens necessários a fim de concluir sua missão.
tante e valiosa do vestuário era a “capa” (i˚ ma¿tion, Mais tarde, os romanos expandiram a prática
himation). A capa era a peça usada por cima da de forçar os súditos a levar cargas para eles. O
túnica. Jesus disse que quando fosse requerido a filósofo grego Epíteto assim aconselhou os civis:
um discípulo a sua túnica, ele deveria volunta-
riamente abrir mão também da capa. Esses itens Considerarem seus corpos como um pobre ju-
mento apto para carregar cargas, pela distância
do vestuário são invertidos em Lucas, o que pode que for possível e admissível; e se eles forem re-
sugerir uma extorsão nesse contexto, em vez de quisitados e um soldado agarrá-los, deixem, não
uma ação judicial (Lucas 6:29). resistam nem murmurem. Se resistirem, recebe-
rão açoites além de perder seu jumentinho.42
Além de ser uma proteção do frio, a capa era
usada como cobertor em noites de inverno e como Foi este sistema que permitiu aos soldados obrigar
travesseiro no verão. Mesmo quando uma pessoa Simão de Cirene a levar a cruz de Cristo (27:32).
entregava sua capa como garantia de uma dívida Um soldado só podia requisitar que um cidadão
ou um empréstimo, ela deveria ser devolvida à carregasse sua bagagem por uma milha romana.
noite (Êxodo 22:26, 27; Deuteronômio 24:12, 13; Jó Segundo Wilkins, “o termo grego milion [mi÷lion]
22:5, 6). Embora os tribunais não exigissem que significa ‘mil passos’, o que equivale aproximada-
um homem abrisse mão de sua capa permanen- mente a 4.854 pés” (pouco menos de 1,5 km)43.
temente, ele poderia oferecê-lo voluntariamente. Em vez de ensinar Seus discípulos a resistir à
Jesus estava dizendo que era melhor abrir mão obrigação de levar as cargas dos oficiais romanos
da capa numa ação judicial do que ficar amargo e por uma milha, Jesus incentivou-os a se disporem
ressentido e prolongar uma experiência desagra- a andar a segunda milha. Fazendo isto, um cristão
dável para ambas as partes. Mais tarde, o após- poderia exercer uma boa influência sobre o solda-
tolo Paulo escreveu que era melhor o cristão ser do. Os seguidores de Jesus – munidos de amor e
defraudado do que levar uma questão ao tribunal respeito – deveriam ir além do serviço que lhes fora
perante incrédulos (1 Coríntios 6:1–8). requisitado. Mais tarde, Jesus diria: “Assim tam-
Versículo 41. A terceira ilustração que Jesus bém vós, depois de haverdes feito quanto vos foi
usou era a respeito da prática dos oficiais roma- ordenado, dizei: Somos servos inúteis, porque fize-
nos de obrigarem os judeus a levarem seus far- mos apenas o que devíamos fazer” (Lucas 17:10).
dos para eles: “Se alguém te obrigar a andar uma Versículo 42. Uma quarta ilustração retratou
milha, vai com ele duas”. O verbo traduzido por alguém pedindo dinheiro sem nenhuma inten-
“obrigar” vem de aÓggareu/w (angareuō), um em- ção de devolvê-lo: “Dá a quem te pede”. Estas
préstimo da língua persa que significa “compelir” duas últimas ilustrações não dizem respeito à re-
ou “obrigar a servir”. Aparentemente, o serviço ação a maus tratos, nem à conduta forçada, mas
de correios real da Pérsia serve de pano de fundo
para esta palavra. O rei Ciro usava um sistema de 41
Heródoto 8.98; Xenofon, Ciropédia 8.6.17.
42
Epíteto 4.1.79.
40
Wilkins, p. 41. 43
Wilkins, p. 42.

10
abordam diretamente os pedidos dos pobres44. A vos perseguem; 45para que vos torneis filhos do
própria Lei exigia que os israelitas tratassem os vosso Pai celeste, porque ele faz nascer o seu sol
pobres entre eles com toda generosidade (Deute- sobre maus e bons e vir chuvas sobre justos e in-
ronômio 15:7–11). Leon Morris comentou sobre a justos. 46Porque, se amardes os que vos amam,
passagem paralela em Lucas 6:30: que recompensa tendes? Não fazem os publica-
nos também o mesmo? 47E, se saudardes somente
Mais uma vez é o espírito do que se diz que os vossos irmãos, que fazeis de mais? Não fazem
é importante. Se os cristãos entendessem isto ao
pé da letra, logo haveria uma classe de religiosos os gentios também o mesmo? 48Portanto, sede vós
pobres, que nada possuíam e outra de prósperos perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste.
preguiçosos e ladrões. Não é isto o que Jesus tem
em vista, e sim uma prontidão entre seus segui-
dores para dar e dar e dar.45
Versículo 43. Jesus recapitulou a crença po-
pular entre os judeus a respeito das relações entre
A ordem de Jesus implica claramente que as ne- eles e os gentios. Por um lado, o povo recebera a
cessidades alheias vêm antes do que é convenien- instrução: “Amarás o teu próximo”. Esta citação
te para nós mesmos46. abreviada vem de Levítico 19:18: “Não te vingarás,
A quinta ilustração está intimamente ligada à nem guardarás ira contra os filhos do teu povo; mas
anterior, mas este caso envolvia uma pessoa pe- amarás o teu próximo como a ti mesmo. Eu sou
dindo um empréstimo: “E não voltes as costas ao o Senhor”. Jesus identificou isto como o segundo
que deseja que lhe emprestes”. A Lei estipulava maior mandamento – abaixo somente do “amarás
que um judeu deveria emprestar a outro judeu o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda
sem cobrar juros (Êxodo 22:25; Levítico 25:35–37; a tua alma, de todas as tuas forças e de todo o teu
Deuteronômio 23:19, 20). Mesmo neste caso, a Lei entendimento” (Lucas 10:27; veja Mateus 22:34–39;
exigia que a dívida fosse voluntariamente per- Deuteronômio 6:5). Infelizmente, os judeus eram
doada após sete anos. Isto gerava uma excelente propensos a definir o “próximo” a quem deveriam
oportunidade para o devedor, porém não era uma amar tão intimamente como alguém próximo a
situação favorável para quem emprestava. eles, dentro de seu círculo de amigos, familiares e
Jesus não estava discutindo o empréstimo de conhecidos (Lucas 10:29–37).
dinheiro para um empreendimento comercial. Es- Por outro lado, o povo havia aprendido erro-
ses empréstimos não eram costumeiros naquela neamente: “Odiarás o teu inimigo”. Diferente-
época. Jesus estava falando de alguém que, por uma mente do mandamento anterior para amar, não
necessidade legítima, precisava de ajuda financeira há citação de o Antigo Testamento instruir especi-
pessoal. Diante de tal situação, os colegas judeus ficamente o povo de Israel a odiar os inimigos47.
deveriam oferecer a ajuda sem pensar em uma A ideia de os judeus odiarem seus inimigos
compensação. Jesus incitou esse mesmo tipo de ge- é claramente expressa pela seita de Qunrã. Nos
nerosidade em Lucas 6:34: “E, se emprestais àqueles Rolos do Mar Morto, a Regra da Comunidade ins-
de quem esperais receber, qual é a vossa recompen- trui os membros a “amarem todos os filhos da
sa? Também os pecadores emprestam aos pecado- luz, cada um conforme sua porção no desígnio de
res, para receberem outro tanto”. A generosidade Deus, e a odiarem todos os filhos das trevas, cada
que não espera remuneração demonstra o espírito conforme sua culpa na vingança divina”48. Josefo
de Cristo e deixa que o mundo veja a luz de Deus. observou que os judeus em geral eram rotulados
de “odiadores de homens”, porém ele (sendo ju-
SOBRE OS INIMIGOS (5:43–48) deu) repudiava tal acusação49.
Versículo 44. À ordem para “amar o próximo”,
Ouvistes que foi dito: Amarás o teu pró-
43 Jesus acrescentou: “Amai os vossos inimigos”. O
ximo e odiarás o teu inimigo. 44Eu, porém, vos verbo grego para “amar” aqui deriva do substanti-
digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que
47
Veja Morris, Matthew, pp. 129–30. A conquista de Canaã
exigiu que os israelitas tomassem uma atitude rígida para com
44
Hagner, p. 131. seus inimigos. Nessa ocasião, Deus usou o Seu povo para cas-
45
Leon Morris, Luke: An Introduction and Commentary, ed. tigar os cananeus por sua grave iniquidade (Gênesis 15:13–16;
rev., The Tyndale New Testament Commentaries. Grand Rap­ Levítico 18:24, 25; Deuteronômio 9:5; 1 Reis 14:24).
ids, Mich.: Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1988, p. 143. 48
Regra da Comunidade 1.4; veja 9.21, 22.
46
France, p. 127. 49
Flávio Josefo, Contra Apiom 2.15.

11
vo aÓga¿ph (agapē), que denota a forma mais supre- trabalhadores coletarem muito mais do que o jus-
ma de amor. O termo não se refere a sentimentos, e tificável. “Quanto mais os publicanos cobravam,
sim à busca pelo bem maior do outro. Jesus estava mais eram odiados, e quanto mais eram odiados,
dizendo que os Seus discípulos deveriam fazer o mais cobravam.”51 Mateus classifica os publica-
que é melhor para o bem-estar dos outros, fossem nos na mesma categoria que os gentios (5:46, 47;
estes amigos ou inimigos. Na passagem paralela em 18:17), os pecadores (9:10, 11; 11:19) e as prosti-
Lucas, Jesus disse: “Amai os vossos inimigos, fazei o tutas (21:31, 32). No Mishná, eles também estão
bem aos que vos odeiam” (Lucas 6:27; grifo meu). associados a ladrões e assassinos52.
Jesus também disse: “Orai pelos que vos per- Versículo 47. Fazendo um paralelo com a per-
seguem” (veja 5:10–12). Embora pareça impossível gunta anterior, Jesus perguntou: “E, se saudardes
termos sentimentos calorosos por nossos inimigos, somente os vossos irmãos, que fazeis de mais?”
podemos tratá-los como queremos que eles nos Robert H. Gundry salientou: “Saudar era mais
tratem (7:12). Douglas R. A. Hare observou: do que dizer um simples ‘olá’. Consistia em ex-
pressar votos de bem-estar para a outra pessoa”53.
Não podemos orar fervorosamente por nossos Quem odiava o inimigo, provavelmente não lhe
inimigos sem nos lembrarmos de que o Deus
que é capaz de nos amar a despeito de nossa de- oferecia saudação alguma.
sobediência também é capaz de amar os que nos As pessoas que se comportavam dessa manei-
odeiam e nos tratam mal. Ver nossos inimigos ra – saudando somente os familiares e membros
à luz do amor de Deus é o primeiro passo para
surpreendê-los com atos positivos.50 de seu grupo – não eram melhores que os gentios.
Essa deve ter sido uma mensagem desagradável
O próprio Jesus orou pelos que O perseguiam. Na para os judeus ouvirem. Jesus queria que Seus
cruz, Ele clamou: “Pai, perdoa-lhes, porque não discípulos tivessem mais amor do que as pessoas
sabem o que fazem” (Lucas 23:34). em geral. Neles deveria haver uma diferença pela
Versículo 45. Jesus deixou implícito que amar qual até os gentios ou os maiores inimigos se sen-
os inimigos reflete a atitude de Deus para com os tiriam atraídos.
pecadores: Deus manda o sol [brilhar] e a chuva Versículo 48. Após comentar sobre o amor,
sobre crentes e blasfemos igualmente (veja Sal- um grande “portanto” sai dos lábios de Jesus.
mos 19:1–6; 145:9; Atos 14:16, 17). Em nenhuma “Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é o
outra situação nos parecemos mais com Deus do vosso Pai celeste”. A palavra grega para “perfei-
que quando respondemos aos inimigos como se to” (te÷leioß, teleios) também pode ser traduzida
fossem amigos. A expressão filhos do vosso Pai por “completo” ou “maduro” (1 Coríntios 2:6,
celeste aponta para este papel de filhos que imi- NVI; 14:20; Efésios 4:13). Visto que a palavra foi
tam o Pai (veja Efésios 5.1). empregada aqui como uma descrição de Deus,
Versículo 46. Jesus perguntou: “Porque, se referia-se a perfeição. Deus é o padrão pelo qual
amardes os que vos amam, que recompensa ten- todos os discípulos devem medir a si mesmos. No
des?” Não há nada de extraordinário em você contexto imediato, a perfeição está relacionada a
amar alguém que ama você. Quem usa dessa amar os inimigos assim como Deus ama todas as
abordagem minimalista para amar o próximo não pessoas deste mundo (veja 1 João 4:7–21).
terá recompensa alguma, pois até os publicanos A ordem de Jesus não tinha a intenção de repro-
[ou cobradores de imposto] faziam o mesmo. var Seus discípulos através de sua aparente impossi-
Os publicanos eram desprezados porque re- bilidade, mas de inspirá-los a imitar a Deus. Embora
colhiam os impostos romanos dos judeus e até num sentido os cristãos possam ser transformados
cobravam a mais. O sistema tinha um movimen- em seres “perfeitos” (“amadurecidos”; NVI) nesta
to cíclico: os romanos abriam licitação para a co- vida, num outro sentido eles jamais serão “perfei-
brança de impostos numa determinada região. O tos” enquanto a vida por vir não chegar. Por isso,
licitante vencedor contratava trabalhadores para Paulo disse: “Prossigo para o alvo” (Filipenses 3:12–
fazerem a coleta direta. Era legal recolher mais do 16). A conscientização das próprias deficiências de-
que o montante especificado a fim de pagar os sa- veria nos levar a confiar mais intensamente na graça
lários dos trabalhadores. Todavia, era comum os 51
Morris, Matthew, p. 132, n. 167.
52
Mishná, Nedarim 3.4; Tohoroth 7.6; Baba Kamma 10.1, 2.
50
Hare, p. 59. 53
Gundry, p. 99.

12
de Deus. A graça, por sua vez, serve de motivação O PADRÃO DE DEUS (5:23–26)
para vencermos o pecado (Tito 2:10–14). Não basta fazermos comparações entre nós
A ordem para sermos “perfeitos” tem parale- mesmos e os padrões religiosos estabelecidos por
los significativos. Deus disse a Israel: “Perfeito se- homens. Devemos tentar atingir o padrão de Deus
rás para com o Senhor, teu Deus” (Deuteronômio (João 7:24; 2 Coríntios 10:12, 13). Não podemos
18:13). Ele também disse: “Santos sereis, porque pensar só em nossa relação com um irmão que tal-
eu, o Senhor, vosso Deus, sou santo” (Levítico vez tenhamos ofendido ou que tenha nos ofendi-
19:2), uma admoestação que Pedro repetiu aos do, mas também precisamos pensar em como esses
cristãos (1 Pedro 1:15, 16). No Sermão da Planície, conflitos afetam nossa relação com Deus (1 João
Jesus disse: “Sede misericordiosos, como também 3:14–18). O que na verdade está na raiz dessa ins-
é misericordioso vosso Pai” (Lucas 6:36). trução é a nossa atitude para com a Santa Palavra
de Deus. Nossa atitude para com a Palavra de Deus
QQ LIÇÕES QQ determina nossos atos (1 João 5:2, 3). Se os nossos
corações estiverem corretos, imediatamente vamos
UMA CAUTELA (5:21–26) querer resolver os problemas (2 Coríntios 6:2). Pre-
Se não formos cautelosos, poderemos incorrer cisamos estar internamente certos e emocionalmen-
na mesma perversão grosseira da lei de Deus em te corretos, para que a adoração que prestamos seja
que os eruditos religiosos judeus incorreram. É em “espírito e em verdade” (João 4:23).
possível entendermos a lei de Cristo, mas depois
a definirmos e interpretarmos como nunca foi a RECONCILIAÇÃO (5:23–26)
intenção de Deus ao estabelecê-la. Enquanto nos A Bíblia cita os procedimentos adequados
contentarmos em guardar somente a letra da lei – e para se lidar com um irmão ofendido ou ofensor.
não o espírito, o conteúdo ou o significado – corre- No contexto de Mateus 5, Jesus enfatizou a urgên-
remos o risco de nos convencer de que somos obe- cia de ir fazer as pazes com um irmão que “tem al-
dientes quando, na verdade, estamos longe disso. guma coisa contra [você]” (vv. 5:23, 24). Em outra
ocasião, Ele disse: “Se teu irmão pecar [contra ti],
IRA E PECADO (5:21, 22) vai argui-lo entre ti e ele só...” (18:15). Paulo dis-
Jesus não condenou todos os tipos de ira; Ele se aos gálatas que “se alguém for surpreendido
condenou a ira decorrente dos relacionamentos in- nalguma falta, vós, que sois espirituais, corrigi-o”
terpessoais. Há espaço para a ira decorrente do pe- (Gálatas 6:1). Se esses princípios fossem pratica-
cado e da injustiça. O problema é que a maior parte dos, muitos dos problemas que surgem nas con-
da nossa ira não parte dessas coisas. Ardemos en- gregações seriam rapidamente solucionados.
colerizados por causa de ofensas e injustiças fei- Na primeira aplicação (5:23, 24), Jesus disse que
tas contra nós. Ficamos facilmente irados quando nos é negado o direito à verdadeira adoração, se sa-
sofremos ofensas pessoais, mas somos tardios em bemos que existe um problema não-resolvido entre
nos irar diante de tantas outras injustiças. Até Je- nós e um irmão ou irmã em Cristo. Se um cristão vai
sus teve raiva (21:12, 13; 23:17; Marcos 3:5), mas em adorar com pensamentos maus no coração em rela-
nenhuma ocasião a ira de Jesus veio envolta em ção a outro membro da congregação, a Palavra de
Seu ego. Pedro escreveu que, “quando ultrajado, Deus nos assegura que de nada valerá essa pessoa
[Jesus] não revidava com ultraje; quando maltrata- tentar adorar a Deus. Não há propósito em se orar
do, não fazia ameaças” (1 Pedro 2:23). a Deus, se o coração não estiver correto. Deus sabe
Às vezes nosso orgulho pessoal é flagrado nos o que está acontecendo (Lucas 16:15; 1 João 3:20). O
defendendo de preocupações e questões legíti- salmista escreveu: “Se eu no coração contemplara
mas. Então, da nossa perspectiva, os adversários a vaidade, o Senhor não me teria ouvido” (Salmos
estão atacando a nós mesmos e também às nossas 66:18). Não podemos ter um relacionamento correto
opiniões. Isto nos faz reagir com fúria. Conven- com Deus, enquanto permanecemos num relacio-
cemo-nos de que estamos defendendo a verdade, namento errado com um irmão (1 João 2:8–11; 4:20,
quando de fato estamos nos defendendo a nós 21). Neste sentido, um cristão que está guardando
mesmos. Quando queremos defender o evange- rancor pode até impedir a adoração de outros.
lho, temos que nos certificar de que o nosso “ego” Esta admoestação adverte contra tentar equi-
não está obstruindo o caminho. librar o mal com o bem. Os fariseus eram meti-

13
culosos em pequenos detalhes (23:23) quando quem deu origem ao relacionamento entre homem e
criticavam e condenavam outros. Assim como mulher (Gênesis 2:22–25). A Palavra de Deus endos-
eles, podemos estar tão ocupados com “o culto sa isto (Hebreus 13:4). Deus incluiu um livro inteiro
cristão” que nos esquecemos de ser cristãos. Em- dentro da Sua Palavra inspirada (Cantares de Sa-
bora executemos muitas atividades, podemos lomão) para nos ensinar sobre o amor conjugal. As
estar cultivando sentimentos maus, ressentimen- regras divinas que regem o comportamento sexual
to ou inveja em nossos corações. Enganamo-nos são para o nosso bem (19:1–9; 1 Coríntios 7:3–5).
quando deixamos de fazer o que é certo, acredi- O sexo não é o problema. O verdadeiro pro-
tando, porém, que executar um ritual de adoração blema é que vivemos numa sociedade saturada do
irá remediar a situação. Jesus estava dizendo que abuso e da exploração do sexo. O sexo é usado para
precisamos estar bem relacionados com os nossos vender tudo, de escovas de dentes a automóveis.
irmãos antes de nos acertarmos com Deus. Os programas de televisão ridicularizam aberta-
Na segunda aplicação (5:25, 26), o Senhor enfa- mente a castidade e fazem piadas sobre promis-
tizou que, se possível, os casos de desacordo deve- cuidade sexual. Filmes, músicas e livros de sexo
riam ser resolvidos fora dos tribunais. Isto se aplica explícito alcançam o público jovem, defendendo o
para qualquer caso, mas especialmente quando o hedonismo [“o prazer como um fim”] no lugar de
desacordo é entre irmãos em Cristo. Paulo nos ins- um comportamento sexual responsável.
truiu a não expor nossos “problemas familiares” As pressões sexuais convergem forçando os
perante tribunais deste mundo (1 Coríntios 6:1–8). imaturos a acreditarem que serão estranhos ou
Ele disse que era melhor sofrer o prejuízo do que anormais se não seguirem a multidão. Isto tem ge-
permitir que a causa de Cristo fosse envergonha- rado um aumento nos índices de filhos nascidos
da. Um cristão não deve levar outro cristão a juízo, fora do casamento, aborto e divórcio. Os anúncios
mas deve observar o princípio estabelecido por Je- que advertem contra doenças sexualmente trans-
sus e por Paulo. Nem nós devemos permitir que tal missíveis defendem, em sua maioria, “o sexo segu-
situação se desenvolva entre nós e qualquer outra ro”, em vez da abstinência. A única prática de sexo
pessoa, se estiver dentro do nosso poder impedi-lo verdadeiramente seguro é abster-se do sexo antes
(Romanos 12:17, 18). do casamento e casar-se com alguém que tem esses
valores morais e espirituais. Assim, ambos os par-
A VERDADE SOBRE O SEXO (5:27–30) ceiros continuarão fiéis aos votos de casamento.
Se foi o próprio Deus que criou o sexo, ele Alguns estudos recentes oferecem esperança
não é “sujo”. Deus criou o homem como um ser de que as atitudes sexuais em geral podem estar
sexual e proveu uma companheira à altura dele. começando a mudar para melhor, pelo menos nos
Deus sabe como a sexualidade humana pode ser Estados Unidos. Nesse país o número de abortos
poderosa. Ele sabe que o sexo no contexto errado tem diminuído, alguns jovens estão aderindo à
– ou seja, fora do casamento – pode ser destrutivo castidade e algumas escolas têm promovido a
ao bem-estar físico, emocional e espiritual de uma abstinência no currículo da vida familiar54.
pessoa. Portanto, Ele nos deu regras para reger
a maneira como nos expressamos sexualmente. VENCENDO O DESEJO LASCIVO (5:27–30)
Deus nos ama e Ele sabe o que é melhor para nós. Jesus advertiu contra o pecado do desejo las-
Não existe “sexo casual”. Os filmes e os progra- civo [ou seja, a intenção impura] o qual destrói a
mas de TV supervalorizam o comportamento se- alma e geralmente leva a fornicação ou adultério.
xual descuidado, mas não avaliam o efeito desse A tentação da lascívia só é aplaudida por nossa
estilo de vida sobre as vidas das pessoas. É muito cultura moderna. William Hendriksen escreveu:
sério entregar-se sexualmente a alguém. O sexo é
mais do que um ato físico; Deus o designou para Precisamos “fazer morrer” o pecado (Colossenses
3:5). A tentação deveria ser afastada de imediato e
envolver o corpo, a mente e o espírito.
No princípio, quando Deus fez Adão e Eva , Ele 54
Por exemplo, um estudo realizado em janeiro de 2008
viu que tudo “era muito bom” (Gênesis 1:26–31). pelo Alan Guttmacher Institute registrou que o índice de
abortos nos E.U.A. diminuiu 9% entre 2000 e 2005. (“U.S.
Ele abençoou a relação entre homem e mulher e Abortion Rate Falls, Study Finds” [http://www.reuters.
ordenou-lhes que se “multiplicassem e enchessem com/article/domesticNews/idUSN1722176020080117; In-
a terra”. O sexo não era o pecado original. Foi Deus ternet; acesso feito em 15 de julho de 2009].)

14
com determinação... A cirurgia tem que ser radical. que Ele mudou de opinião sobre o assunto. Jesus
De súbito e sem qualquer vacilo, o livro obsceno
deve ser queimado; a foto escandalosa, destruída;
retrocedeu ao início para explicar o propósito ori-
o filme desvirtuoso, condenado; o vínculo social ginal de Deus para o casamento.
íntimo que é maléfico, rompido; o hábito nocivo, Finalizando, Jesus enfatizou a santidade do rela­
descartado. Na luta contra o pecado, o crente pre- cionamento conjugal (19:9). Ele disse que ninguém
cisa pelejar arduamente. Não se consegue isto trei-
nando com um adversário apenas imaginário.55 deve procurar ou optar pelo divórcio, exceto por
motivo de imoralidade sexual (fornicação) come-
David Stewart tida pelo cônjuge. Se um cônjuge repudia o com-
panheiro por causa de outros motivos e se casa de
O ENSINO DE JESUS SOBRE O DIVÓRCIO novo, está cometendo adultério. Jesus acrescentou
(5:31, 32) que quem se casa com a esposa que foi repudiada
Em Mateus 19:1–12, Jesus expressou várias ver- também está cometendo adultério.
dades sobre casamento, divórcio e novo casamento. Os apóstolos reconheceram que essa decla-
Primeiramente, Ele disse que o plano original de Deus ração era dura (19:10), mas Jesus não tentou su-
era um homem para uma mulher pela vida toda (19:3–5; avizar o que Ele disse. Em vez disso, Ele disse,
Gênesis 2:18–25). Jesus lembrou Seus ouvintes que efetivamente, que seria melhor ser eunuco do que
Deus fez os dois sexos, o masculino e o feminino, violar o plano de Deus para o casamento (19:12).
para procriação e companheirismo. Deus fez a Se as pessoas aprenderem essa lição antes de se
mulher para o homem e o homem para a mulher, casarem, poderão pensar mais seriamente sobre
e qualquer alteração desse projeto é um comporta- o compromisso do casamento e depois tentar es-
mento fora do padrão divino (Romanos 1:26, 27). forçadamente fazer o casamento funcionar em
Deus uniu Adão e Eva, realizando com efeito a pri- vez de se divorciarem rapidamente por qualquer
meira cerimônia nupcial. Ele idealizou o relaciona- questão que poderia ser resolvida.
mento conjugal como uma aliança permanente.
Em segundo lugar, nosso Senhor disse que Deus A VERDADE (5:33–37)
uniu Adão e Eva como um modelo para todos os futuros Hoje, a verdade está a prêmio. Estudos recentes
casamentos (19:6). Deus os uniu, e somente Ele tem o mostram que a maioria das pessoas às vezes men-
direito legítimo de separá-los, ou de prescrever um te. As pessoas mentem para parecer melhores, para
motivo para que se separem. Manipular o desígnio se proteger ou proteger entes queridos, para aliviar
divino acarreta resultados desastrosos. O cenário do o sofrimento de outros ou livrar-se de alguém que
casamento no mundo atual está polvilhado de vidas está incomodando. Fala-se de “mentirinhas”, po-
partidas, lares destruídos e filhos problemáticos. rém mentira é mentira. Jesus disse que quem mente
Em terceiro lugar, Jesus incentivou a estabilidade é filho do diabo (João 8:44). João escreveu que “to-
do casamento (19:7, 8). Os homens estavam usando dos os mentirosos” terão “a parte que lhes cabe...
as instruções originais de Moisés, designadas para no lago que arde com fogo e enxofre...” (Apocalipse
honrar o casamento, para se livrarem do compro- 21:8; veja 22:15). O sábio escreveu: “Compra a ver-
misso. Alguns fariseus perguntaram a Jesus: “Por dade e não a vendas” (Provérbios 23:23a). Jesus dis-
que mandou, então, Moisés dar carta de divórcio se que a verdade nos libertará (João 8:32).
e repudiar?” (19:7). A resposta de Jesus foi que os
corações deles estavam endurecidos (19:8). Embo- JURAMENTOS (5:33–37)
ra o divórcio não fizesse parte do plano original Hoje, muitos dizem “Eu juro”, como que vali-
de Deus, as pessoas estavam violando esse plano. dando o que estão para dizer. Se é possível confiar
Sendo assim, Deus permitiu que Moisés desse ins- na palavra de uma pessoa, não há necessidade
truções para regulamentar o que já estavam fazen- desse juramento. Nenhum tipo de juramento, nem
do, a fim de proteger o casamento (Deuteronômio mesmo os citados por Jesus, pode agregar peso às
24:1–4). Malaquias 2:14–16 nos informa que Deus nossas palavras (5:34–36). Ouvir uma pessoa ju-
odeia o divórcio. Nada no Novo Testamento indica rar para que acreditemos nela também não ajuda
em nada. O que pode validar as nossas palavras?
Ser sempre confiável e ser conhecido como uma
55
William Hendriksen, New Testament Commentary: Ex­
position of the Gospel According to Matthew. Grand Rapids, pessoa que é fidedigna (veja Efésios 4:25).
Mich.: Baker Book House, 1973, p. 303. Jesus disse que, em vez de tentar validar

15
nossas palavras com um juramento por alguma que um homem não pode proteger sua família se
coisa, devemos apenas usar as palavras com o alguém invade o seu lar. Albert Barnes escreveu:
significado que elas têm. Quando dizemos “sim”,
devemos ter a intenção de realmente dizer “sim”. Cristo não pretendia ensinar que devemos ver
nossas famílias assassinadas, ou sermos nós
Dessa forma, as pessoas vão confiar no que dize- mesmos assassinados, sem resistir. A lei da na-
mos. Infelizmente num mundo em que num extre- tureza, e todas as leis, humanas e divinas, justi-
mo se diz: “A minha palavra é a minha garantia” ficam atos em legítima defesa quando a vida está
em perigo... A seguir, o nosso Salvador explica
e no outro: “Que garantia você me dá de que está o que ele tinha em mente. Se ele quisesse rela-
dizendo a verdade?”, as pessoas não confiam cionar isto com um caso em que a vida está em
umas nas outras. É difícil se construírem relacio- perigo, ele certamente o teria mencionado.56
namentos duradouros, tanto nos lares quanto na
comunidade. “AMAI VOSSOS INIMIGOS” (5:43–48)
A ordem de Jesus para amarmos os inimigos soa
E QUANTO AOS MEUS DIREITOS? impossível para muitas pessoas. Um dos motivos é
que geralmente entendemos mal o que esse “amor”
(5:38–42)
(ajga÷ ph, agapē) realmente significa. Poderia ser im-
No âmago das deturpações dos fariseus esta-
possível termos sentimentos ardentes por alguém
va a insistência deles em seus direitos. Vivemos
que nos maltratou, mas não está fora do nosso al-
num tempo em que o “eu” é glorificado. A cada
cance tratá-los com cordialidade. A definição de
esquina, somos incentivados a ser egocêntricos,
“amor” dada por Paulo em 1 Coríntios 13:4–7 enfo-
auto-indulgentes e individualistas. Nesta era de
ca principalmente nossas ações para com os outros:
egoísmo, as pessoas exigem direitos civis, direitos
ser paciente, não ser orgulhoso, nem grosseiro, não
das mulheres, direitos das vítimas, direitos dos
ser egoísta, não ficar irritado, nem guardar mágoas.
presos e direitos dos homossexuais. As pessoas
Amar alguém é buscar o melhor para essa pessoa.
se tornaram obcecadas por direitos, especialmen-
Quando fazemos isto, imitamos a Deus. Deus mui-
te por seus próprios direitos. Quando os direitos
tas vezes Se desagrada com o comportamento dos
pessoais ocupam o primeiro lugar em nossas vi-
seres humanos, mas mesmo assim Ele nos cobre de
das, a verdadeira justiça é esquecida.
bênçãos e supre nossas necessidades.
Muitos interpretam incorretamente Mateus
David Stewart
5:38–42, insinuando que os cristãos jamais devem
resistir à violência. Isto é usado para se ensinar o
pacifismo, para apoiar a “objeção conscienciosa”
em tempos de guerra e para argumentar contra a 56
Albert Barnes, Notes on the New Testament: Matthew and
pena de morte. Jesus não quis dizer que não po- Mark, ed. Robert Frew. Filadélfia: S.p., 1832; reimpressão,
demos resistir quando alguém nos maltrata nem Grand Rapids, Mich.: Baker Book House, 1974, p. 59.

Autor: Sellers Crain


© Copyright 2013 by A Verdade para Hoje
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS

16

Você também pode gostar