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Avançados
do Lazer
Metodologia da Pesquisa
Aplicada ao lazer
Christianne Luce Gomes
Maria Teresa Marques Amaral
Brasília, 2005
Metodologiada
Pesquisa Aplicada
ao Lazer
Confederação Nacional da Indústria - CNI Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia
Ocupacional
Armando de Queiroz Monteiro Neto
Presidente Pablo Juan Greco
Diretor
Serviço Social da Indústria - SESI
Luciano Sales Prado
Jair Meneguelli Chefe do Departamento de Educação Física
Presidente do Conselho Nacional
Christianne Luce Gomes
SESI - Departamento Nacional Coordenadora Pedagógica do CELAR
Metodologia da Pesquisa
Aplicada ao Lazer
Brasília, 2005
© 2005. SESI – Departamento Nacional
Nota sobre o Módulo
Este livro didático integra o Programa de Educação Continuada em Lazer e foi elaborado para subsidiar o desenvolvimento da
Monografia de Conclusão do Curso de Especialização em Estudos Avançados do Lazer.
G633m
ISBN 85-88199-96-3
CDU 001.8
SESI
Serviço Social da Indústria-Departamento Nacional
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http://www.unisesi.org.br
SUMÁRIO
Apresentação
Referências, 85
A P R E S E N TA Ç Ã O
Comece por abordar problemas modestos, mas aponte para problemas ambiciosos. A
modéstia inicial é necessária em razão da escassez de conhecimentos (sic), mas não se
passa a vida no jardim de infância. Modéstia não é o mesmo que incapacidade. Comece
abordando um assunto bem circunscrito, talvez até distante, com o objetivo final de
ampliá-lo ou de abordar eventualmente problemas inéditos. Comece averiguando o
que pensa um grande teórico X sobre o problema Y e trate de pensar com sua própria
cabeça sobre o problema Y.2
(b) Promover experiências refletidas com qualidade, que possam estar articuladas
com o cotidiano e auxiliem o redimensionamento das compreensões teóricas
adotadas. Esse pressuposto evidencia que podemos pesquisar a prática
cotidiana, sendo imprescindível observar os parâmetros científicos para não nos
restringirmos ao “senso comum”.
Esta obra foi preparada com o intuito de auxiliar você a superar mais esse desafio. Por
essa razão, nosso interesse pela metodologia da pesquisa aplicada ao lazer não se
4 QUINO. Toda Mafalda, da primeira à última tira. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
p.16.
resume às questões conceituais, tendo também uma preocupação instrumental: os
debates são, antes de tudo, estratégicos, no sentido de colaborar com a realização
de sua monografia. Dessa maneira, você verá que a produção do conhecimento
científico abrange duas dimensões inseparáveis: a compreensiva (de conteúdo) e
a metodológica (operacional). De certa maneira, esses serão os assuntos tratados,
respectivamente, nas duas unidades que compõem este livro.
Bom trabalho!
O processo
Unidade
de pesquisa:
dimensão
compreensiva
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Um dos grandes feitos da história, a partir de então, foi produzir formas de lidar com
as peculiaridades dos objetos a serem trabalhados. Isso aparece de modo mais ou
menos enfático nas pesquisas realizadas nas ciências humanas e sociais, denunciando
direta ou indiretamente o conhecimento comprometido com os poderes instituídos.
Essa crítica foi relevante e contribuiu para a renovação das pesquisas em seu conjunto.
Graças a essa postura, a pesquisa em ciências humanas e sociais foi definindo seu
duplo compromisso político: com a democratização do saber e com o direito ao
saber, que garantiu o registro de opiniões diferentes sobre temas diversos e até
marginais dentro do quadro clássico de produção científica. Esse novo horizonte
descortinou algumas possibilidades para o desenvolvimento de estudos científicos
sobre o lazer, notadamente a partir da segunda metade do século XX.
Não vamos recontar toda essa história, apenas apontar as possibilidades de realização
dessas pesquisas, que passaram a contemplar novos objetos. O que se viabiliza com
essa nova postura é que vários caminhos se abrem para os estudos sobre o lazer,
que precisam ser abordados de forma rigorosa e sistemática, superando o senso
comum e caminhando em direção à atitude científica.
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Este livro está totalmente disponível na internet. Caso você queira conhecê-lo
e aprofundar seu conhecimento, acesse o site: http://pfilosofia.fateback.com/
03_filosofia/filosofia.htm.
O Sol é menor do que a Terra. Quem duvidará disso se, diariamente, vemos um pequeno
círculo avermelhado percorrer o céu, indo de leste para oeste? O Sol se move em torno
da Terra, que permanece imóvel. Quem duvidará disso, se diariamente vemos o Sol
nascer, percorrer o céu e se pôr? A aurora não é o seu começo e o crepúsculo, seu fim?
As cores existem em si mesmas. Quem duvidará disso, se passamos a vida vendo rosas
vermelhas, amarelas e brancas, o azul do céu, o verde das árvores, o alaranjado da
laranja e da tangerina?
Porém, o senso comum não é algo desprezível e não deve ser confundido com
ignorância, pois trata-se do saber cotidiano disponível, com o qual organizamos
o nosso dia-a-dia. É um saber acumulado que orienta as nossas ações, mas,
obviamente, esse saber reveste-se de tradições, valores, preconceitos, tabus e
crendices. Será que a atitude científica é o contrário de tudo isso? Em que medida a
atitude científica se distingue do senso comum?
Você pode recorrer à obra de Chauí para aprimorar a distinção entre senso
comum e ciência.
De acordo com Chauí, a ciência distingue-se do senso comum porque enquanto este
representa uma opinião baseada em hábitos, preconceitos e tradições cristalizadas
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Podemos afirmar, com isso, que os fatos ou objetos científicos não são dados
empíricos espontâneos de nossa experiência cotidiana: eles são formulados, ou seja,
construídos pelo trabalho de investigação científica. A construção é uma operação
contínua em busca da “verdade”, nunca considerada acabada. A partir do momento
em que se conseguiu desprender o objeto da situação problemática na qual se
encontrava, ele não tarda a suscitar, por seu próprio funcionamento, novas questões
e objetos de pesquisa.
primeiro, quando se reveste de ingenuidade, uma vez que aceita sem discutir, não
aplica ao conhecimento nele implicado suficiente sistematização questionadora. Da
segunda (ideologia), quando enfatiza o compromisso político de defesa de posições,
que lança mão de todos os recursos possíveis para justificar condições que se deseja
preservar, conformar, reduzir, ampliar, impor, distorcer ou ocultar. Sua relação básica
é estabelecida com o exercício do poder. Contudo, assim como a ciência, a ideologia
também pode ser questionadora, mas para justificar seus interesses. Por isso é preciso
ter bastante cuidado ao definir o tema e o objeto de estudo (Demo, 1994).
A título de ilustração, podemos citar alguns trabalhos que pretendem pesquisar a
importância do lazer na vida do trabalhador (ou do cidadão em geral), mas limitam-
se a ressaltar os benefícios que algumas práticas recreativas podem promover:
na recuperação da força de trabalho, na redução do número de acidentes e dos
níveis de absenteísmo, no aumento da produtividade, na manutenção da ordem
e na promoção de valores morais, educativos e sociais. Será que esses “benefícios”
indicam realmente a importância do lazer na vida do grupo investigado, ou refletem
interesses externos a ele?
Vejamos mais um exemplo: quando as investigações assumem o caráter de
“pesquisas de opinião”, ficam limitadas ao senso comum, e, por essa razão, não
podem ser reconhecidas como científicas. É o caso, por exemplo, de estudos que
pretendem verificar a concepção de lazer das pessoas em geral. Encaminhamento
muito complicado, porque, se a pesquisa ficar restrita à opinião, não irá além do
senso comum – conseqüentemente, não irá promover avanço no conhecimento.
Dessa forma, podemos observar que o questionamento característico do senso
comum ou da ideologia é bem diferente da atitude científica, por ser esta analítica,
sistemática, metódica e rigorosa.
Assim, fazer ciência é
[...] questionar com rigor, na acepção precisa de atitude sistemática cotidiana, não de
resultado esporádico, estereotipado, especial. Ademais, a ciência não se basta com
formalidades consideradas exemplares, como o uso da lógica. [...] Até mesmo o senso
comum usa de lógica, tal qual a ideologia sagaz, que sempre busca emergir como
necessidade lógica (Demo, 1994, p.17).
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Sendo um processo de busca, a discordância crítica pode ser bem-vinda, desde que
não seja apenas para sustentar posições contrárias ou se manter cegamente fiel a uma
determinada teoria ou corrente de pensamento. Todavia, para divergir é necessário,
primeiramente, deter conhecimento profundo sobre o ponto questionado. Vale
lembrar que uma resposta divergente, por mais consistente e aprimorada que seja,
não encerra a discussão: apenas a recoloca, acrescentando novos elementos ao
debate. Qualidade formal e autocrítica sistemática são, portanto, condições básicas
para formar uma atitude científica.
Entretanto, como você poderá verificar, o “problema” não é privilégio das pesquisas,
estando presente em nossa prática cotidiana. Valendo-se da linguagem humorística,
os quadrinhos a seguir revelam-nos a presença e a dimensão do(s) problema(s) em
nosso dia-a-dia (Quino, 1997, p. 404).
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[...] Problema é um termo que pode ser usado com uma grande variedade de
sentidos no linguajar cotidiano. Em todos esses usos, no entanto, problema é um
dado imediato: ou identificamos um problema, ou alguém causa problemas, ou algo é
problema, enfim, não precisamos de grandes esforços para chegar ao problema e ele
nos parece sempre evidente.
Algumas perguntas podem auxiliar esse exercício: Qual a origem de uma dada
situação ou problema? Quais as possíveis causas de um determinado problema,
dificuldade ou situação? A quem tal dificuldade atinge e de que modo? Essa situação
relaciona-se com quais outras ou com que fatos ou circunstâncias? Como essa
situação ou dificuldade se constitui? Que processos os produzem? Quais são os
aspectos, as dimensões e os fatores que interferem na pesquisa?
Muitas vezes, a elaboração de boas perguntas pode exigir uma análise prévia da
situação e até mesmo uma espécie de pesquisa ou estudo anterior. Isso quer dizer
que a construção, a definição ou a formulação do problema de pesquisa podem gerar
a necessidade de explorar preliminar e informalmente a situação, para possibilitar a
formulação de um conjunto completo de boas perguntas de estudo, ou seja, de uma
problematização fecunda e adequada.
Para atender ao objetivo da investigação, Laville e Dionne (1999) sugerem uma série
de reflexões que ajudariam a construir o problema que pode se tornar seu objeto
de pesquisa.
Um problema bem definido e bem construído pode gerar uma boa pesquisa,
enquanto um problema mal delimitado pode dificultar e prejudicar a qualidade
da investigação. Construir um problema de pesquisa é tarefa do pesquisador, e
os problemas não estão prontos para ser investigados. De acordo com Laville e
Dionne (1999), eles são criados pelo pesquisador para serem pesquisados, embora
sempre partam de situações ou de problemas existentes no mundo da natureza ou
da cultura, da sociedade, da vida social.
O projeto deve possuir uma seqüência lógica, e todas as fases da pesquisa precisam
estar entrelaçadas e direcionadas para o mesmo objetivo. Assim, o projeto de
pesquisa precisa responder às seguintes perguntas:
Que tal discutirmos essa questão de modo mais detalhado? Nossa proposta é tecer
considerações que envolvam a produção do trabalho monográfico como um todo,
e não contemplar apenas a estrutura de um projeto de pesquisa. Mas partimos do
pressuposto de que você já sabe que uma monografia só será bem desenvolvida a
partir do momento em que você conseguir planejar as ações, e por essa razão a
composição de um projeto de pesquisa torna-se essencial.
que permite planejar e desenvolver o estudo por meio da coleta/análise dos dados)
e conclusão (que abarca, além da resposta ao problema de pesquisa, perspectivas
de avanço no campo de estudo), seguida das referências bibliográficas citadas
no trabalho, conforme as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas
– ABNT (França e Vasconcellos, 2004). Em suma, a monografia é a sistematização
escrita de uma pesquisa realizada dentro dos padrões de cientificidade, que trata
de desenvolver ou estudar um problema delimitado e construído pelo próprio
pesquisador.
Você poderá estar se perguntando: que assuntos ou temas devem ser estudados,
ou ainda que tipos de problemas podem dar origem às monografias do curso de
Especialização em Estudos Avançados em Lazer?
Pelo que foi exposto, já devem ter ficado claras, para você, algumas das razões pelas
quais a monografia é um tipo de pesquisa científica que envolve o estudo de um
problema. Toda pesquisa científica – e, portanto, toda monografia – deve delimitar
um objeto de estudo, um problema, por meio de um processo de problematização.
Não há pesquisa sem problema, e, dependendo do tipo de questão a ser investigada,
dos propósitos e do contexto da investigação, teremos uma ou outra modalidade de
pesquisa monográfica, como você verá a seguir.
1.5 Os objetivos
Ao tratar do problema de pesquisa, inevitavelmente nós estaremos nos referindo
aos objetivos da investigação. Por serem aquilo que se pretende conhecer com a
pesquisa, seus objetivos articulam-se estreitamente com as questões de estudo ou
com o problema a ser investigado. Em geral, só variam as formas de escrever um
e outro: geralmente, o problema é apresentado na forma de indagações, e o(s)
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O Problema
Gomes (2003) destacou que a obra Lazer operário, de Ferreira (1959), é considerada
o primeiro livro brasileiro sobre o lazer, mas esse reconhecimento precisava ser
repensado. Na introdução, o próprio Ferreira esclarecia: “Trabalho pioneiro, pois
não encontrei outro com o enfoque [sociológico e urbanístico] em que o situamos”
(p.10). Citou, em nota de rodapé alguns trabalhos nacionais “sobre o lazer e suas
atividades”: “Exceção dos trabalhos de Inezil Marinho, Arnaldo Sussekind, Ethel
Bauzer Medeiros e de mais alguns poucos estudiosos, nada conseguimos encontrar
sobre o assunto” (Ferreira, 1959, p.13).
Os Objetivos
Objetivo geral: Analisar as trajetórias percorridas pela recreação e pelo lazer no
Brasil, focalizando os significados incorporados por ambos, neste contexto, a partir
da produção de conhecimentos sobre o assunto.
Objetivos específicos:
1.6 As hipóteses
Da mesma maneira que os objetivos estão diretamente relacionados ao problema
de pesquisa, as hipóteses também são parte da problematização do tema. Contudo,
uma pesquisa pode conter ou não uma hipótese, isto é, pode haver pesquisa sem
hipótese (por exemplo, os chamados estudos exploratórios, como você verá mais
adiante na Unidade 2).
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A hipótese não é uma opinião ou idéia isolada do pesquisador, mas sim uma
afirmação a partir de bases sólidas, fundamentadas nas teorias existentes.
Vale destacar que a natureza ou o tipo de “problema de pesquisa” irá orientar nossas
escolhas quanto aos procedimentos metodológicos a serem utilizados na investigação:
quem será investigado, por meio de que recursos os dados serão coletados, dentre
outras decisões a serem tomadas. Essas questões, no entanto, serão tratadas
posteriormente. Antes de explorarmos os aspectos metodológicos, consideramos
essencial discutir a base teórico-conceitual que fundamentará a pesquisa.
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As teorias têm seus conceitos, mas o mesmo conceito pode relacionar-se a mais
de uma teoria, caso em que adquire significados parcial ou totalmente diversos em
cada teoria. O conceito de lazer, por exemplo, pode ter diferentes significações,
dependendo do autor referenciado e da teoria considerada. O importante é
manter a coerência e a consistência teórica dos conceitos e dos pressupostos
desenvolvidos no estudo.
Minayo (1996) observa que os conceitos são as vigas mestras de uma construção
teórica, isto é, são as unidades de significação que definem a forma e o conteúdo
de uma teoria. Podemos considerá-los como operações mentais que refletem
certo ponto de vista a respeito da realidade, pois focalizam determinados
aspectos dos fenômenos, hierarquizando-os. Dessa forma, eles se tornam um
caminho de ordenação da realidade, de olhar os fatos e as relações e, ao mesmo
tempo, um caminho de criação.
Ainda sobre as teorias e seus conceitos, devemos lembrar que eles não são válidos
para sempre. Podem e devem ser questionados, problematizados e reformulados
pelas pesquisas que os tomam como referencial. Nesse sentido, é pertinente a
seguinte afirmação:
É fundamental que se tenha em mente que não existe pesquisa sem teoria. A teoria
é a base sobre a qual desenvolvemos o modelo de explicação que testamos com a
pesquisa. É a partir da teoria que definimos nosso objeto, formulamos nossas hipóteses
e escolhemos os modelos e os métodos apropriados de análise (Denker, 2003, p.69).
deverá ter, desse modo, uma base teórico-conceitual para dar sustentação ao
estudo. Caso contrário, ficará limitada aos conhecimentos da experiência, do senso
comum ou das nossas pré-noções, que não têm cientificidade, não têm rigor nem a
profundidade exigida de um conhecimento científico. Em contrapartida, vale lembrar
que toda pesquisa busca discutir, confirmar, ampliar ou refutar, total ou parcialmente,
as teorias e os conceitos que constituem seu referencial.
Revisão de literatura
Esta é a primeira etapa de qualquer processo de pesquisa. Consiste em realizar
um estudo a respeito de um tema referente ao problema de pesquisa escolhido.
Essa busca deve contemplar um referencial teórico e a análise de outras pesquisas
que seguiram a mesma linha proposta pelo pesquisador. A revisão da literatura
é essencial para qualquer tipo de pesquisa realizada, pois ela permite uma
reflexão a respeito dos objetivos propostos para a concretização do trabalho. O
objetivo de analisar as pesquisas que já foram concluídas não é o de “reproduzir”
o que foi feito, e sim o de gerar um senso crítico a respeito do assunto. Isso
contribui para que o pesquisador seja capaz de avaliar o próprio trabalho que
está desenvolvendo. Além disso, análises de experiências já realizadas podem
evitar que a pesquisa trate de questões já investigadas em outros estudos.
Além de ajudar-nos a não perder tempo, estudando o que foi pesquisado, a revisão
da literatura auxilia-nos a construir a base teórico-conceitual de que necessitamos
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para dar suporte à análise do problema que iremos investigar. Essa atividade é
fundamental para que possamos reelaborar e especificar melhor o problema de
pesquisa e situá-lo no tempo e no espaço, se for o caso.
A revisão da literatura não deve ser confundida com pesquisa bibliográfica, pois
ela tem como finalidade um domínio dos termos utilizados para o tema proposto.
Em uma pesquisa bibliográfica, a literatura referente ao tema possui conotação
diferenciada, uma vez que constitui o próprio objeto de estudo. Essa questão
será retomada na Unidade 2.
Como você pode perceber, o processo de pesquisa não é linear: precisamos ter
algumas referências de um campo de estudo para escolher um tema de pesquisa
e nele recortar um problema relacionado com a nossa prática ou com os nossos
interesses. Precisamos ter um problema para selecionar a bibliografia pertinente,
mas temos de estudar essa bibliografia para aprofundar conhecimentos, chegar a
uma formulação mais precisa do problema e, se for o caso, formular hipóteses que
orientarão o estudo.
À medida que esses aspectos forem definidos, você poderá estruturar o arcabouço
teórico-metodológico de sua pesquisa. Esse será o assunto tratado na Unidade 2.
A dimensão metodológica da pesquisa constitui mais uma viga sobre a qual ela se
sustenta, podendo ser discutida a partir de diferentes perspectivas, como indicam os
diversos livros dedicados ao assunto. Quando falamos de metodologia de pesquisa
estamos tratando de um conjunto de procedimentos que inclui vários aspectos, que
se referem a “como” fazer sua pesquisa monográfica.
Outros livros de metodologia de pesquisa podem ser consultados para que você
aprofunde conhecimentos sobre a questão. Seguem algumas sugestões: Kipnis,
(2003); Laville e Dionne (1996); Alves-Mazzotti (1998); Bogdan e Biklen
(1994).
O conceito de paradigma foi proposto por Thomas Kuhn no livro A estrutura das
revoluções científicas (1982).
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Não podemos abordar esse desafio sem pensar nas trajetórias da pesquisa
contemporânea, que se têm caracterizado por uma multiplicidade de correntes
científicas e filosóficas. Essa característica, expressão do esgotamento do modelo
lógico-formal de fazer ciência, torna difícil, senão impossível, enquadrar o
pensamento contemporâneo em um modelo de conhecimento. Num primeiro
momento, isto é o que se denomina crise dos paradigmas. Essa crise, que ainda tem
como referência a noção de modelo, manifesta-se na pergunta: Qual o modelo,
o paradigma científico, mais adequado para se conhecer a realidade? Kuhn (1982)
defendia a idéia de que um modelo ou paradigma se refere a um conjunto de
crenças e argumentos defendidos por um grupo de cientistas, não sendo a “verdade”
absoluta ou o sinônimo de “ciência”.
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Uma das dificuldades dos pesquisadores é abordar essa crise em seus aspectos
epistemológicos e fazer escolhas coerentes (Amaral, 2001). E quando se trata
da escolha de metodologia de pesquisa, é necessário examinar as posições dos
pesquisadores diante do tipo de relação que pode existir entre as metodologias
qualitativas e as quantitativas, verificando a possibilidade de compatibilizá-las
ou não. A maior parte dos autores considera essa acomodação insustentável
– afirmam que existe uma descontinuidade e um conflito entre os dois “tipos” de
abordagem, persistindo a rivalidade de paradigmas, e um não é jamais convocado
a substituir o outro.
Em resumo, a tese de uma distinção entre qualitativo e quantitativo está cada vez
mais difícil de ser sustentada, pois tanto a abordagem de base positivista como
a abordagem interpretativa de base fenomenológica não são necessariamente
excludentes. Existem possibilidades de uso qualitativo da pesquisa quantitativa e vice-
versa. Se for preciso conhecer o panorama da situação atual de um determinado
segmento da população, posso buscar respostas quantitativas, ou seja, uma amostra
representativa dessa população, com controle de variáveis interpretando os dados.
Por exemplo, sobre o lazer na terceira idade, posso obter dados concretos sobre
essa população e fazer posteriormente uma leitura qualitativa.
Enfim, como diz a Mafalda, a complexidade é muito maior (Quino, 1997, p.104):
Sua ênfase maior está ligada ao positivismo, que, como ressaltado anteriormente,
se caracteriza como uma teoria do conhecimento de inspiração empirista que
limita o conhecimento à observação dos fatos e das relações estabelecidas entre
eles, admitindo unicamente a certeza do tipo experimental, por ser esta capaz de
produzir leis. Esses princípios orientaram a origem da pesquisa em vários segmentos
e, inevitavelmente, no campo das ciências humanas e sociais.
• O fenomenismo, que significa que somente o mundo dos fatos pode ser analisado
cientificamente.
O resultado dessa proposição é postular a uniformidade da vida social por meio dos
comportamentos e de suas significações. Enfim, a pesquisa marcadamente positivista
50
50
Consulte um banco de dados (tais como IBGE, Inep, etc.) que desenvolva
pesquisas quantitativas que possam ser úteis para a área do lazer. Procure
interpretar criticamente essas informações.
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de fidedignidade e com a sua aplicação. Por uma questão didática, esses critérios
podem ser apontados separadamente para efeito de análise, porém no processo da
pesquisa eles aparecerão como indicadores do rigor metodológico. Você sabe em
que consiste cada um desses critérios?
Critério de validade
Van der Maren (1996) utiliza a expressão coerência programática para designar
a validade interna de uma pesquisa. Essa coerência define-se como uma resposta
ao problema da lógica do argumento ou da demonstração, ligando entre elas os
diferentes componentes de uma pesquisa, indo da formulação de intenções e de
metas da pesquisa, passando pela constituição, pela análise e pelo tratamento
dos dados até a interpretação e a verificação dos resultados.
Critério de triangulação
Critério de objetividade
Critério de fidedignidade
O registro que será retido como dado deve ser uma aproximação do real que
resulte da comparação, do cruzamento ou da triangulação de vários registros parciais
apreendidos de pontos de vista diferentes ou com registradores diferentes.
Por último, resta comentar os critérios que estão na ordem das opções ético-
filosóficas do pesquisador, mas que fazem parte do quadro da validade de uma boa
pesquisa, como você verá a seguir.
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Nos critérios de ordem social, a relação entre a validade de uma pesquisa qualitativa
e o respeito de certos princípios éticos reveste-se de uma grande importância: a
responsabilidade ética e a preocupação científica devem andar juntas numa pesquisa
de campo. Desde o início, o pesquisador deve explicitar aos sujeitos os propósitos
da pesquisa, as atividades que pretende realizar e mesmo as tarefas ou os riscos que
podem implicar sua participação na pesquisa.
Todos esses critérios precisam ser observados a partir das regras estabelecidas para a
metodologia da pesquisa científica, como veremos no próximo tópico.
A partir dessas considerações básicas, mais uma questão se impõe: qual o tipo de
pesquisa mais adequado para o campo do lazer?
Justamente por falta de modelos estratégicos para a realização de pesquisas
sobre este tema é que temos sempre muitas dúvidas sobre qual opção seguir,
como coletar os dados, como interpretá-los, de que forma garantir critérios
para construir um conhecimento a partir de uma situação em que eu sou parte
integrante do processo.
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A escolha metodológica é complexa, pois cada tipo de pesquisa tem seus limites e
toda opção implicará sempre renúncias. As escolhas são limitadas e uma alternativa
é sempre uma das possibilidades, um dos olhares, e nunca detentora da validade
absoluta, pois são várias as opções de pesquisa.
Pesquisa documental
dados, que é o primeiro passo de qualquer pesquisa científica, geralmente é feito por
meio da pesquisa bibliográfica e/ou da pesquisa documental.
A pesquisa documental tem como característica básica o fato de que a fonte de
coleta de dados está restrita a documentos, escritos ou não, constituindo o que
se denomina “fonte primária”. Dados secundários (obtidos de livros, revistas,
jornais, etc.) não se confundem com documentos, pois já foram trabalhados. O
documento é a “matéria-prima” de que o pesquisador dispõe para fazer suas análises
e interpretações.
Dessa forma, a pesquisa documental utiliza, como fonte de dados, materiais que
ainda não receberam tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados,
tais como documentos conservados em arquivos de instituições públicas, privadas
ou particulares (atas, leis, ofícios, relatórios, correspondências, diários, programas,
registros, etc.) e até mesmo dados estatísticos; objetos, fotografias e documentação
por imagem (compreendendo gravuras, estampas, desenhos, pinturas, etc.).
Pesquisa de campo
relações entre eles. Requer um intenso trabalho de pesquisa bibliográfica e não deve
ser confundida com uma simples coleta de dados, que corresponde a uma etapa de
suas fases específicas. Assim, a pesquisa de campo demanda a busca de informações
e dados necessários ao alcance de objetivos preestabelecidos, que discriminam
adequadamente o que deverá ser coletado, registrado e analisado (Marconi e
Lakatos, 2002).
Pesquisa exploratória
Esse tipo de pesquisa também vem sendo desenvolvido na área do lazer. Gomes
(2004) realizou uma pesquisa exploratório-descritiva que objetivou identificar e
analisar as dissertações e as teses sobre lazer defendidas no Brasil no período de
1970 a 1995. A autora procurou configurar a produção científica desenvolvida no
âmbito do lazer a partir de sua caracterização geral, disciplinar e temática; descrever
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Estudo de caso
Pesquisa etnográfica
Existem polêmicas sobre essa adaptação: uma das questões para a qual os
etnometodólogos sensibilizaram os investigadores não constitui exclusivamente um
empreendimento científico; pode ser mais bem entendido como “uma realização
prática” (Bogdan e Biklen, 1997).
70
70
Seu objetivo é obter conhecimento mais profundo do grupo, que tem ciência da
finalidade, dos objetivos e da identidade do pesquisador. Permite a observação das
ações no momento em que ocorrem e oferece uma visão dinâmica dos processos
de interação no grupo, devendo-se cuidar para não perder a objetividade, um dos
critérios que deve ser almejado.
Além disso, devemos considerar que a pesquisa-ação não é apenas uma orientação
de ação emancipatória e voltada para grupos sociais das classes populares. É uma
estratégia de pesquisa em situação real, na qual os pesquisadores intervêm de
forma consciente e intencional e os participantes desempenham um papel ativo
no processo.
Caso você tenha interesse em conhecer os passos (ou momentos) propostos para
a pesquisa-ação, consulte Thiollent (1986) e Kurt Lewin (1990).
Mesmo que nos exemplos apontados no tópico anterior você já possa ter
identificado algumas estratégias para a coleta de dados, trataremos dessa questão
para facilitar sua compreensão e ajudá-lo nas suas escolhas, considerando os
tópicos a seguir.
Observação
No entanto, a observação direta feita pelo pesquisador tem seus limites. O mundo
social que ele examina por um determinado período de tempo tem continuidade,
seus registros e memórias podem apresentar lacunas e, muitas vezes, seus valores
e paradigmas se conformam à interpretação dos registros efetuados. A realização de
uma boa observação e a interpretação dos registros efetuados deve observar alguns
princípios da pesquisa sociológica, quais sejam: as pessoas não são necessariamente
o que elas dizem ou fazem nem fazem ou dizem o que elas necessariamente são;
a interpretação dos registros coletados durante uma observação iniciou-se desde
o momento da elaboração do roteiro de itens, ou melhor, a partir do referencial
teórico do pesquisador. Outra característica de uma boa observação é a apresentação
criteriosa de situações ou acontecimentos novos, inesperados ao referencial teórico
do pesquisador.
Entrevista
conversa para estimular a(s) pessoa(s) a falarem a respeito do tema de seu interesse.
O entrevistado contribui com o relato de suas experiências, opiniões a respeito do
assunto proposto ou em relação a algum acontecimento específico.
qualitativa justamente para não se correr o risco de um receituário que possa cercear
a liberdade do pesquisador.
O que importa é que o resultado seja aceito como um avanço, que possa servir de
meta para uma contestação posterior, que se constituirá em um outro avanço e não
somente um retorno ao ponto de partida. Essas regras da pesquisa são as normas
que asseguram o rigor metodológico do estudo e, assim como a ética da atividade
científica, independe da abordagem adotada (qualitativa ou quantitativa).
pode complementar o título com uma segunda frase (subtítulo) que delimite
mais o que você pretende estudar.
• Questões problematizadoras: enuncie os desafios do estudo, da investigação
ou da experiência proposta na forma de perguntas, hipóteses a serem
confirmadas ou características particulares que a diferenciam. A escolha
depende do conteúdo de seu estudo.
• Objetivo: redigir duas ou três frases apresentando o que você espera conseguir ao
final desta atividade. Podem ser objetivos relacionados a novos conhecimentos,
ações profissionais ou experiências inovadoras. Lembre-se de que os objetivos
propostos indicam quais os resultados esperados de seu trabalho.
• Justificativa/relevância: você deve buscar responder pelo menos duas das questões
propostas a seguir, além de outras que você julgue pertinentes a partir da leitura
deste livro: Qual a importância desse estudo para sua prática profissional? Que
situações-problema o estudo pode contribuir para solucionar? Que modificações
e que inovações você considera possíveis a partir de seu estudo?
• Pressupostos teóricos: Como seu tema de estudos e/ou questões são tratados
na bibliografia consultada? Como você situa essa discussão na sua prática
profissional? O que você considera pertinente para sua maior compreensão do
problema abordado?
• Procedimentos metodológicos: apresente, de forma sistematizada, quais as
ações necessárias à realização da pesquisa. Informe de modo sucinto quais os
procedimentos de coleta/análise dos dados que você pensa em utilizar.
• Cronograma de atividades: a forma mais usual de cronograma especifica quais
ações serão realizadas em um determinado período. Verifique quanto tempo
você dispõe para concluir seu estudo, que é um pré-requisito para que você
obtenha o título de especialista.
• Referências: registre as referências bibliográficas que você utilizar em sua
pesquisa, listando-as sempre seguindo as normas da ABNT.
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Plano Plano
- progressivo, flexível, geral - intuição relativa ao modo - estruturado, predeterminado, - plano detalhado
de avançar formal, específico de trabalho
Dados Dados
- descritivos - fotografias - quantitativos - variáveis
- documentos pessoais - o discurso dos sujeitos - codificação quantificável operacionalizadas
- notas de campo - documentos oficiais e - contagens, medidas - estatísticas
outros
Amostra Amostra
- pequena - amostragem teórica - ampla - seleção aleatória
- não representativa - estratificada - controle
- grupos de controle de variáveis
- precisa extrínsecas
Instrumentos Instrumentos
- gravador (freqüentemente a pessoa - inventários - computadores
- transcrição do investigador é o único - questionários - escalas
instrumento) - índices - resultado de
testes
Análise de dados Análise de dados
- contínua - indução analítica - dedutiva - estatística
- modelos, temas, conceitos - método comparativo - verifica-se após a conclusão
- indutivo constante dos dados
Problemas com o uso da abordagem Problemas com o uso da abordagem
- demorada - os procedimentos não são - controle de outras variáveis - intrusão
- difícil a síntese dos dados estandardizados - reificação - validade
- garantia - dificuldade em estudar
populações de grandes
dimensões
BOGDAN, R.; BIKLEN, S. Investigação qualitativa em educação:, uma introdução à teoria e aos métodos. Porto: Editora Porto, 1994, p. 72-74.
REFERÊNCIAS
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Unidade 2
ALMEIDA, Marco Antonio B. Lazer e presídio: a relação que não se busca. Revista
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FONSECA, Ingrid F. Jogos jogados com a bola de gude: a atração e o fascínio que
marcam os seus atuais e ex-jogadores. Revista Licere, Belo Horizonte, v. 7, n. 2,
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HOBSBAWM. Era das revoluções 1789-1848. São Paulo: Paz e Terra, 1982.
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MORIN, Edgard. A religação dos saberes: o desafio do século XXI. Rio de Janeiro:
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__________ (org). Conhecimento prudente para uma vida decente, “um discurso da
ciência” revisitado. São Paulo: Cortez, 2004.
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SILVA, Silvio Ricardo. Tua imensa torcida é bem feliz... Da relação do torcedor com
o clube. Revista Licere, Belo Horizonte, v. 5, n. 1, p. 139-140, 2002.
SESI/DN - UniSESI
Coordenação UFMG
Marmenha Rosário
Normalização
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