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2. O regime penal consta dos artigos 195.º a 198.º do Código Penal e o regime do processo penal
consta dos artigos 135.º, 181.º e 182.º, do CPP.
3. Da conjugação destas disposições resulta que o artigo 79.º do Decreto-Lei 298/92, ao consagrar
uma enumeração taxativa das excepções ao dever de segredo bancário, de que resulta que, para
além dos casos previstos na lei, apenas é possível quebrar o segredo mediante incidente, em que se
afira do interesse preponderante.
4. O caso dos autos, dizendo respeito a documentação bancária, e sendo subsumido ao crime de
abuso de confiança, não se encontra coberto por lei especial e, não tendo obtido consentimento dos
titulares do interesse protegido, enquadra-se nesta última hipótese.
5. O acórdão recorrido fez uma interpretação dos artigos 135.º, n.ºs 2 e 182.º, n.º 1, do CPP, que se
traduz em permitir ao juiz de instrução aferir do interesse preponderante na obtenção de prova, em
matéria sujeita a segredo profissional, do tipo bancário, quando tal se encontra previsto sob a forma
de incidente a conhecer pelo tribunal superior, nos termos do artigo 135.º, n.º 3, do CPP, e também,
quanto a documentação bancária, por remissão feita para aquele dispositivo, no artigo 182.º, n.º 2,
do mesmo.
6. Com o acórdão recorrido foram, pois, violados os artigos 135.º, n.º 3, e 182.º, n.ºs 1 e 2, do CPP;
e bem assim o artigo 79.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31/12.
7. Face a estes dispositivos é de julgar que só o tribunal superior àquele onde o incidente foi
suscitado pode pronunciar-se directamente sobre a existência ou não de fundamento de quebra de
sigilo.
Termina pedindo, no provimento do recurso, a anulação do acórdão recorrido, o qual deve ser
mandado substituir por outro que determine que o tribunal da Relação conheça do interesse
preponderante entre o crime em investigação e a obtenção para os autos da matéria sujeita a sigilo.
Subidos os autos, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta nada requereu.
2. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
A razão em que assenta o decidido no tribunal a quo reside, em suma, em que na 1.ª instância não
teria sido observado o «necessário formalismo» para desencadear a intervenção daquele tribunal
superior, nomeadamente, «as diligências necessárias a averiguar da ilegalidade da recusa» pelo
banco das informações pretendidas.
Salvo o devido respeito, e sem necessidade de grandes desenvolvimentos, adianta-se que a razão
não está com a decisão recorrida.
Com efeito (1), quando seja invocado o direito de escusa, a autoridade judiciária poderá tomar uma
das seguintes atitudes:
- ou aceita como legítima a escusa e aí o respondente deve silenciar sobre os factos sigilosos de que
tiver conhecimento, sob pena de se sujeitar às penas correspondentes ao crime de violação de
segredo do artigo 195.º do Código Penal;
- ou entende que a escusa é ilegítima e então ordena, após as necessárias averiguações, que o
respondente deponha sobre o que lhe é perguntado (art.º 135.º, n.ºs 2 e 5), cometendo o crime de
recusa de depoimento se o não fizer (art.º 360.º, n.º 2, do Código Penal).
- ou suscita ao tribunal competente que ordene a prestação de depoimento, se tiver que se quebrado
o segredo profissional (art.º 135.º, n.ºs 2 e 5).
E daqui - ainda segundo os autores citados - saltamos logo para o n.º 3 do preceito, que se debruça
sobre uma segunda fase do incidente de prestação de depoimento em casos de segredo profissional
e que surge num momento posterior, ou seja, quando a autoridade judiciária, aceitando que a escusa
de depor é legítima, pretende, contudo, que, dado o interesse da investigação, se quebre o segredo
profissional obrigando-se o escusante a depor.
A decisão sobre o rompimento do segredo é da exclusiva competência de um tribunal superior ou
do plenário do STJ se o incidente se tiver suscitado perante este tribunal.
Ora, como consta dos autos, os escusantes (CPP e BCP), assentando em que «nos termos dos
artigos 78.º e 79.º do diploma que regulamenta o regime geral das instituições de crédito, os
elementos solicitados encontram-se no âmbito do segredo bancário, não sendo susceptíveis de
serem revelados sem autorização do cliente», negaram-se a prestar as informações bancárias que
lhe foram solicitadas relativamente a tal cliente.
E como tal cliente não dera autorização, a M.ma juiz de instrução, aceitando implicitamente a
legitimidade da recusa, outro caminho não teve que socorrer-se do incidente perante o tribunal
superior, até porque, ante o quadro traçado, a questão de saber se a recusa era ou não legítima se
resumia a mera questão-de-direito, de que os juízes conhecem ou devem conhecer oficiosamente -
jura novit curia.
E, na verdade, não se vê que outras diligências haveria a fazer com utilidade esperada, conhecido
que é o regime legal do sigilo bancário que os bancos escusantes invocaram.
Ante a invocação de tal sigilo e o reconhecimento forçoso de que a recusa tinha cobertura legal,
qualquer diligência posterior que não fosse a imediata abertura do incidente perante o tribunal
competente - no caso a relação - seria acto inútil, por votado ao insucesso.
Assim sendo, ressalvado mais uma vez o devido respeito, não se tem como boa a afirmação do
tribunal a quo segundo o qual não foi observado o «necessário formalismo», para abertura do
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24/02/23, 11:50 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
incidente.
E, se assim, não tem fundamento legal a recusa em conhecer dele.
3. Termos em que, sem necessidade de mais longos considerandos, embora por razões nem sempre
coincidentes, dão provimento ao recurso e revogam o acórdão recorrido, para que, no tribunal a
quo, outro seja proferido a conhecer do incidente suscitado.
Sem tributação.
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