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Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 1.231.981 - RS (2011/0006794-5)


RECORRENTE : BANCO SANTANDER BRASIL S/A
ADVOGADO : GABRIEL LOPES MOREIRA E OUTRO(S)
RECORRIDO : MARIA DE LOURDES PANAZZOLO PORTO
ADVOGADO : ISAC CHEDID SAUD E OUTRO(S)

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

1. Cuida-se de ação de arrolamento de bens proposta por Olga Scalabrin


Panazzolo e outros (filhas e genros), em razão do falecimento de Giovani Valerio Panazzolo
(fls. 21-24), cuja homologação da partilha ocorreu com a decisão de fl. 114.
Após, sobreveio o requerimento de sobrepartilha formulado por Maria de
Lourdes Panazzolo Porto (fls. 134-135), diante de valores depositados em instituições
bancárias e que não foram regularmente partilhados.
Em decisão prolatada em 5/1/2010 (fl. 146), o Juízo de piso deferiu a expedição
de ofício ao Banco Real S.A. determinando, no prazo de 10 (dez) dias, a apresentação de
extratos em nome do de cujus "relativo ao fundo 157 (cópias das folhas 93/94/96 dos autos
supramencionado em anexo), assim como o extrato das ações da CRT, relativas a telefones
em nome do mesmo" (fl. 150).
De acordo com o ofício de fl. 162, datado de 5/4/2010, o magistrado de primeiro
grau reiterou a requisição dos documentos solicitados.
Em 19/5/2010, o Juízo determinou a intimação do banco ora recorrente para
que "no prazo de 48 horas, sob pena de multa por ato atentatório ao exercício da jurisdição e
desobediência, fixada em 10% sobre o valor do acervo indicado para a sobrepartilha, os
extratos das ações subscritas em nome de Giovani Valério Panazzolo, CPF nº
007.679.480-68, relativo ao fundo 157, bem como extratos das ações da CRT relativas a
telefone em nome do mesmo" (fl. 164). O recebimento deste documento ocorreu em
21/5/2010 (fls. 166-167).
À fl. 168, a secretaria do Juízo informa que não houve manifestação acerca da
intimação.
Em razão disso, o magistrado determinou a remessa de cópias dos autos ao
Ministério Público, para apuração do crime de desobediência (art. 330 do Código Penal), e
aplicou multa por ato atentatório à dignidade da Justiça, nos termos do inciso III do art. 600 do

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Código de Processo Civil (fls. 169-173).
Irresignada, a parte ora recorrente interpôs agravo de instrumento (fls. 1-12),
sendo que o relator negou provimento ao recurso (fl. 177-181), cuja decisão foi mantida pelo
Oitava Câmara Cível do Tribunal de origem, nos termos da ementa abaixo:

AGRAVO. SOBREPARTILHA DE BENS EM INVENTÁRIO. DETERMINAÇÃO


JUDICIAL PARA QUE BANCO PRESTE INFORMAÇÕES. MULTA POR ATO
ATENTATÓRIO À DIGNIDADE DA JUSTIÇA. APLICABILIDADE NO CASO
CONCRETO.
Cabível a aplicação da multa por ato atentatório em decorrência do não
atendimento da ordem de exibição de documentos, tendo em vista o
reiterado descumprimento da ordem pela instituição financeira.
NEGARAM PROVIMENTO.

Sobreveio recurso especial interposto por Banco Santander Brasil S.A., com
base na alínea "a" do permissivo constitucional, no qual se alega violação ao art. 359 do
Código de Processo Civil.
Sustenta, em síntese, que "[...] não há que se falar sequer em incidência de
astreintes para o caso de não serem localizados os documentos em tela", à luz do
entendimento consolidado na Súmula 372 desta Corte Superior.
Assevera que a falta de apresentação dos documentos requisitados somente
pode levar à busca e apreensão, mas nunca à aplicação de multa por ato atentatório à
dignidade da Justiça ou o reconhecimento de crime de desobediência. No ponto, também
pondera ser impossível a incidência da regra da presunção de veracidade.
Aduz a inocorrência de ato atentatório à dignidade da Justiça, ressaltando a
garantia ao exercício do direito de defesa assegurado no inciso LV do art. 5º da Carta Maior.
Não foram apresentadas contrarrazões ao recurso especial, consoante
certidão à fl. 230.
Crivo positivo de admissibilidade na origem (fls. 233-238).
É o relatório.

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.231.981 - RS (2011/0006794-5)
RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
RECORRENTE : BANCO SANTANDER BRASIL S/A
ADVOGADO : GABRIEL LOPES MOREIRA E OUTRO(S)
RECORRIDO : MARIA DE LOURDES PANAZZOLO PORTO
ADVOGADO : ISAC CHEDID SAUD E OUTRO(S)
EMENTA

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXIBIÇÃO DE


DOCUMENTOS FORMULADA CONTRA TERCEIRO NÃO INTEGRANTE
DA LIDE ORIGINÁRIA. RESISTÊNCIA EM CUMPRIR A ORDEM
JUDICIAL. APLICAÇÃO DE MULTA POR ATO ATENTATÓRIO À
DIGNIDADE DA JUSTIÇA PREVISTA NO ART. 600, III, DO CPC.
PUNIÇÃO RESTRITA A ATOS DO EXECUTADO NO BOJO DO
PROCEDIMENTO EXECUTIVO. RECURSO PROVIDO.
1. O ato atentatório à dignidade da Justiça, previsto no art. 600, III, do
Código de Processo Civil, restringe-se ao processo de execução,
caracterizando-se somente a conduta de deslealdade processual
praticada pelo executado.
2. No caso, por se tratar de pedido incidental de exibição de documentos
em autos de ação de sobrepartilha - demanda tratada como de
procedimento especial de jurisdição contenciosa (art. 1.040 do CPC) -,
não cabe falar em multa por ato atentatório à dignidade da Justiça,
aplicada com base no inciso III do art. 600 do CPC.
3. Por outro lado, isso não quer dizer que a resistência da instituição
bancária não pode ser rechaçada pelo Poder Judiciário. Todavia, caberá
ao magistrado de piso se valer, assim como fez, da busca e apreensão
dos documentos requisitados, bem como analisar a possibilidade de
aplicação do parágrafo único do art. 14 do CPC e examinar se a conduta
da parte ora recorrente não configura litigância de má-fé (art. 17 do CPC).
4. Recurso especial provido.

VOTO

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

2. Cinge-se a controvérsia em definir a possibilidade de aplicação de multa por


ato atentatório à dignidade da Justiça, prevista no inciso III do art. 600 do Código de Processo
Civil, na hipótese de recusa injustificada de exibição de documentos por terceiro não

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integrante da lide.
Na parte que interessa, o acórdão recorrido assim dispôs:

Devidamente intimado para fornecer informações, o Banco


Santander Banespa S/A (sucessor do Banco Real) não prestou
esclarecimentos.
Veio decisão que determinou multa ao banco por ato atentatório à
dignidade da jurisdição (artigo 600, III do CPC) e remeteu cópia de
documentos ao Ministério Público para apuração de crime de
desobediência.
O banco/agravante sustenta que a consequencia para o descumprimento
da ordem de prestar informações sobre o correntista falecido é a presunção
de veracidade das informações que o documento a ser exibido iria
esclarecer (artigo 359, I do Código de Processo Civil).
Alega também que já justificou perante o primeiro grau a dificuldade de
prestar informações, dentro do prazo, a respeito das “ações subscritas do
fundo 157 e extratos das ações da CRT”.
Pois bem.
Diferente da tese articulada pelo agravante, entendo que é cabível a
cominação de pena por ato atentatório à jurisdição e crime de
desobediência, decorrente da negativa de prestação de
informações sobre os valores administrados por instituição
bancária.
Para que tal seja possível, é necessário indício da existência da
conta objeto da lide, bem como prévia advertência de que a não
juntada dos extratos, no prazo assinalado, será tomada como ato
atentatório à dignidade da Justiça.
E no caso presente, a parte agravada trouxe um “extrato de
movimentação” junto ao Banco Real, em nome do falecido (fl. 73
verso) e o juízo advertiu da penalidade incidente diante do
descumprimento da ordem (fl. 88 verso).
Logo, correta a decisão que aplicou multa por ato atentatório à
jurisdição e remeteu cópias do processo ao Ministério Público para
apuração de crime de desobediência. [...] [original sem grifos]

É bem verdade que diversos tipos de demandas envolvendo exibição de


documentos já ascenderam a esta Corte Superior, especialmente a questão acerca da
medida cabível para o caso de descumprimento da ordem judicial, sendo algumas delas
julgadas sob o regime de recurso representativo de controvérsia repetitiva (art. 543-C do
CPC).
Assim, é entendimento pacífico sobre o "[...] descabimento de multa
cominatória na exibição, incidental ou autônoma, de documento relativo a direito disponível"
(REsp 1333988/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, SEGUNDA SEÇÃO,
julgado em 09/04/2014, DJe 11/04/2014).
Ademais, "[...] na ação cautelar de exibição, não cabe aplicar a cominação

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prevista no art. 359 do CPC, respeitante à confissão ficta quanto aos fatos afirmados, uma
vez que ainda não há ação principal em curso e não se revela admissível, nesta hipótese,
vincular o respectivo órgão judiciário, a quem compete a avaliação da prova, com o
presumido teor do documento" (REsp 1094846/MS, Rel. Ministro CARLOS FERNANDO
MATHIAS (JUIZ FEDERAL CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO), SEGUNDA SEÇÃO, julgado
em 11/03/2009, DJe 03/06/2009).
Com efeito, a jurisprudência do STJ pode ser resumida nas seguintes teses,
todas aplicáveis aos casos de resistência da parte requerida: i) na ação de exibição de
documentos, autônoma ou incidental, não caberá multa cominatória; ii) se a ação incidental
for proposta contra a parte, poderá ser aplicada a presunção de veracidade estabelecida no
art. 359 do CPC; iii) nos demais casos, somente caberá a determinação de busca e
apreensão.
De outra banda, é conveniente ainda anotar que, quando se tratar de direitos
indisponíveis, ainda que a recusa seja ilegítima, não caberá a presunção de veracidade (art.
359, II, c/c os arts. 363 e 320, II, todos do CPC), restando ao magistrado apenas determinar a
busca e apreensão. Todavia, em casos tais, a jurisprudência desta Casa tem admitido a
aplicação da multa cominatória prevista no art. 461, § 1º, do CPC (REsp 1333988/SP, Rel.
Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 09/04/2014,
DJe 11/04/2014).
Entretanto, nenhuma dessas é a hipótese dos autos, e a solução do presente
caso parece exigir a aplicação técnica de distinções, conhecida no regime da common law
como distinguishing.
Para Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira,
"fala-se em distinguishing (ou dinstinguish) quando houver distinção entre o caso em
concreto (em julgamento) e o paradigma, seja porque não há coincidência entre os fatos
fundamentais discutidos e aqueles que serviram de base à ratio decidendi (tese jurídica)
constante no precedente, seja porque, a despeito de existir uma aproximação entre eles,
alguma peculiaridade no caso em julgamento afasta a aplicação do precedente" (JUNIOR,
Fredie Didier; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria. Curso de direito
processual civil - volume 2. Salvador: Juspodivm, 2014, p. 406).
Assim, deve-se esclarecer que a questão do autos, ao contrário dos
precedentes acima citados, envolve a possibilidade de aplicação de sanção decorrente de ato
atentatório à dignidade da Justiça regulada pelo art. 600, III, do CPC, e não as astreintes
previstas no § 1º do art. 461, para forçar o cumprimento de obrigação de fazer.
3. Nesse passo, o art. 600, III, do CPC, base legal para aplicação da multa pelo
Tribunal de origem, possui a seguinte redação:
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Art. 600. Considera-se atentatório à dignidade da Justiça o ato do


executado que:
I - frauda a execução;
II - se opõe maliciosamente à execução, empregando ardis e meios
artificiosos;
III - resiste injustificadamente às ordens judiciais;
IV - intimado, não indica ao juiz, em 5 (cinco) dias, quais são e onde se
encontram os bens sujeitos à penhora e seus respectivos valores.

No ponto, acrescente-se que o novo Código de Processo Civil, em seu art. 774,
também apresenta redação similar, destacando que a conduta do executado pode ocorrer
por ação ou omissão, além de criar uma hipótese específica para o caso de dificultar ou
embaraçar a realização da penhora, in litteris:

Considera-se atentatória à dignidade da justiça a conduta comissiva


ou omissiva do executado que:
I - frauda a execução;
II - se opõe maliciosamente à execução, empregando ardis e meios
artificiosos;
III - dificulta ou embaraça a realização da penhora;
IV - resiste injustificadamente às ordens judiciais;
V - intimado, não indica ao juiz quais são e onde estão os bens sujeitos à
penhora e os respectivos valores, nem exibe prova de sua propriedade e,
se for o caso, certidão negativa de ônus.
Parágrafo único. Nos casos previstos neste artigo, o juiz fixará multa em
montante não superior a vinte por cento do valor atualizado do débito em
execução, a qual será revertida em proveito do exequente, exigível nos
próprios autos do processo, sem prejuízo de outras sanções de natureza
processual ou material. [original sem grifos]

3.1. Infere-se, pois, dos dispositivos acima transcritos, que o ato atentatório à
dignidade da Justiça se restringe ao processo de execução, caracterizando-se somente a
conduta de deslealdade processual praticada pelo executado.
Isso porque o código se utiliza da expressão "ato do executado", além do fato
de as hipóteses previstas nos incisos I, II e IV se referirem a circunstâncias inerentes ao
procedimento executivo.
Ademais, apesar de o inciso III do art. 600 do CPC tratar da situação de
resistência injustificada às ordens judiciais, podendo levar à conclusão de que seria aplicável
a qualquer "tipo de processo", inclusive o de conhecimento, isso não se revela, a meu juízo,
como possível. A razão é bem simples: a cabeça do dispositivo, conforme já destacado, faz
alusão expressa a "atos do executado", e somente dele.
A doutrina também perfilha essa linha de raciocínio ao lecionar que "visando
preservar a ética e a probidade na execução, impõe o legislador, nesses dispositivos,
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deveres de lealdade e cooperação especificamente para o executado, exigindo que
contribua para a efetividade da prestação jurisdicional" e, por conseguinte, "desrespeitados
esses deveres, incorre o devedor em ato atentatório à dignidade da justiça, ilícito processual
(abuso do seu direito de litigar/atuar em juízo)" (JUNIOR, Fredie Didier; BRAGA, Paula Sarno;
OLIVEIRA, Rafael Alexandria. Curso de direito processual civil - volume 5. Salvador:
Juspodivm, 2013, p. 333) [original sem grifos].
Na mesma linha, Araken de Assis explicita que "comparativamente ao dever do
art. 14, porém, o art. 600, que se restringe ao processo executivo (rectius: às execuções
em geral), caracteriza somente a deslealdade imputável ao executado" (ASSIS, Araken.
Manual da execução. São Paulo: Revista dos Tribunais: 2010, p. 393).
Cândido Rangel Dinamarco acrescenta que "todos esses casos são de
deslealdade processual perpetrada pelo executado, nunca pelo exequente (v. caput);
e isso corresponde à deliberada intenção do legislador, no sentido de agilizar a execução
forçada, combatendo a lentidão da Justiça e reprimindo atos que lhe impeçam o curso
normal, em seu desprestígio" (DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução civil. São Paulo:
Malheiros, 2002, p. 186) [original sem grifos].
Acerca do tema, confira-se precedente da Quarta Turma do STJ, dos idos de
1999, também restringindo a aplicação do art. 600 do CPC ao "processo de execução":

EXECUÇÃO. ATO ATENTATÓRIO À DIGNIDADE DA JUSTIÇA. ÂMBITO DE


INCIDÊNCIA. FUNDAMENTO CONSTANTE DA DECISÃO RECORRIDA QUE
NÃO É OBJETO DE IMPUGNAÇÃO.
- A sanção prevista para a hipótese de prática pelo devedor de ato
atentatório à dignidade da justiça aplica-se às execuções em geral.
- Fundamento expendido pela decisão recorrida que permanece inatacado
nas razões de recurso.
Recurso especial não conhecido.
(REsp 112.347/SP, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA,
julgado em 27/04/1999, DJ 23/08/1999, p. 127)

No julgado acima, o em. Ministro relator Barros Monteiro (DJe 23/8/1999)


destacou que "as sanções, estabelecidas para as hipóteses em que o devedor pratica no
decorrer da execução atos atentatórios à dignidade da justiça, encartam-se no Capítulo V
("Das Disposições Gerais") do Título I ("Da Execução em Geral"), inserto, a sua vez, no Livro
II ("Processo de Execução") do vigente Código de Processo Civil".
Após explicitar a posição topográfica do art. 600 do CPC, pela sua importância
para o caso, concluiu que "a penalidade ali prevista se aplica às execuções em geral,
não se restringido, como pretendem os recorrentes, àquelas cujo objeto for obrigação de
fazer ou não fazer" [original sem grifos].

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A título de reforço, colaciono os seguintes precedentes:
________
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. SUSPENSÃO EM
VIRTUDE DO AJUIZAMENTO DE AÇÃO ANULATÓRIA DO CRÉDITO
FISCAL. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE DEPÓSITO INTEGRAL. ART.
151 E 204 DO CTN. ATO ATENTATÓRIO À DIGNIDADE DA JUSTIÇA.
MULTA. ARTS. 600 E 601, DO CPC. SÚMULA 07/STJ. INCIDÊNCIA.
CONEXÃO. AÇÃO ANULATÓRIA E EXECUÇÃO FISCAL. CONEXÃO. ART.
103 DO CPC. REGRA PROCESSUAL QUE EVITA A PROLAÇÃO DE
DECISÕES INCONCILIÁVEIS.
[...]
5. Consignando o aresto recorrido que "insiste a executada em
renovar pleitos que, anteriormente, já tinham sido rechaçados,
retardando, com essa atitude, a regular continuidade da execução,
pois a cada petição atravessada, que se diga, não lançavam teses
novas à defesa, restava desencadeada uma sucessão de atos que
culminariam com a reapreciação judicial ratificando posicionamento
passado" sendo certo que caracterizado ato atentatório a dignidade
da justiça a justificar a aplicação da multa prevista nos arts. 600 e
601, do CPC, a revisão de referido posicionamento implicaria no
reexame de matéria fático-probatória, insindicável pelo E. STJ, em se
de recurso especial (Precedente: RESP n.º 877431 / SP, Rel.
Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJ de 07.12.2006) 6. In casu,
referidos pleitos cingiam-se à suspensão da execução sem realização de
depósito.
7. Dispõe a lei processual, como regra geral, que é título executivo
extrajudicial a certidão de dívida ativa da Fazenda Pública da União, Estado,
Distrito Federal, Território e Município, correspondente aos créditos
inscritos na forma da lei (art. 585, VI, do CPC).
8. Acrescenta, por oportuno que a propositura de qualquer ação relativa ao
débito constante do título executivo não inibe o credor de promover-lhe a
execução (§ 1º, do 585, VI, do CPC).
9. A finalidade da regra é não impedir a execução calcada em título da
dívida líquida e certa pelo simples fato da propositura da ação de cognição,
cujo escopo temerário pode ser o de obstar o processo satisfativo
desmoralizando a força executória do título executivo.
10. À luz do preceito e na sua exegese teleológica, colhe-se que a recíproca
não é verdadeira; vale dizer: proposta a execução, torna-se despiscienda e,
portanto, falece interesse de agir a propositura de ação declaratória,
porquanto os embargos cumprem os desígnios de eventual ação autônoma.
11. Conciliando-se os preceitos, tem-se que, precedendo a ação anulatória
a execução, aquela passa a exercer perante esta inegável influência
prejudicial a recomendar o simultaneus processus, posto conexas pela
prejudicialidade, forma expressiva de conexão a recomendar a reunião das
ações, como expediente apto a evitar decisões inconciliáveis.
12. In casu, a ação anulatória foi ajuizada em 22.03.2001 (fl. 45)e a
execução foi proposta na data de 20.07.2001(fl. 29) 13. O juízo único é o
que guarda a mais significativa competência funcional para verificar a
verossimilhança do alegado na ação de conhecimento e permitir prossiga o
processo satisfativo ou se suspenda o mesmo.
14. Refoge à razoabilidade permitir que a ação anulatória do débito caminhe

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isoladamente da execução calcada na obrigação que se quer nulificar, por
isso que, exitosa a ação de conhecimento, o seu resultado pode frustrar-se
diante de execução já ultimada.
15. Deveras, na sessão de 21 de março de 2006, a Primeira Turma, nos
autos do AgRg no REsp 802683/RS, assentou o entendimento de que "a
suspensão do processo executivo fiscal depende de garantia do juízo, nos
termos do art. 151 do CTN, o que impede que se entenda como regra a
suspensão do feito executivo em face do trâmite concorrente de demanda
anulatória de débito fiscal. Precedentes: REsp nº 763.413/RS, Rel. Min.
CASTRO MEIRA, DJ de 07/11/2005 e REsp nº 764.612/SP, Rel. Min. JOSÉ
DELGADO, DJ de 12/09/2005". (AgRg no REsp 802683/RS, Relator Ministro
Francisco Falcão, DJ de 10.04.2006).
16. Recurso especial parcialmente conhecido, e, nesta parte, provido para
reconhecer a existência de conexão entre a execução fiscal e a ação
anulatória do débito executado e determinar a reunião das ações no Juízo
Federal.
(REsp 758.270/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em
08/05/2007, DJ 04/06/2007, p. 307)
________
PROCESSUAL CIVIL - EXECUÇÃO DE SENTENÇA - FGTS -
DESCUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL - ATO ATENTATÓRIO À
DIGNIDADE DA JUSTIÇA - IMPOSIÇÃO DE MULTA.
1. Situação fática que demonstra resistência injustificada ao cumprimento de
ordem judicial. Caracterização de atentado à dignidade da Justiça, que
justifica a imposição de multa de que trata o art. 601 do CPC.
2. Valor da multa parcimoniosamente fixado no caso concreto.
3. Recurso especial improvido.
(REsp 673.276/PR, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA,
julgado em 01/03/2005, DJ 18/04/2005, p. 274)
________ [originais sem grifos]

3.2. Com efeito, para as hipóteses acima destacadas, o art. 601 do CPC regula
a sanção no patamar de até 20% (vinte por cento) sobre o valor atualizado da execução, a
ser revertido em proveito do exequente, ipsis litteris:

Art. 601. Nos casos previstos no artigo anterior, o devedor incidirá em multa
fixada pelo juiz, em montante não superior a 20% (vinte por cento) do
valor atualizado do débito em execução, sem prejuízo de outras
sanções de natureza processual ou material, multa essa que reverterá em
proveito do credor, exigível na própria execução. [original sem grifos]

Mais uma vez, fica claro que a norma aqui discutida tem o seu âmbito de
aplicação limitado às execuções, pois, repita-se, até o valor da multa tem como parâmetro o
montante cobrado na execução, a ser revertido em proveito do credor/exequente.
Acerca da multa, o em. Ministro Teori Albino Zavascki explicita que "seu caráter
é eminentemente punitivo, e não indenizatório, razão pela qual, na fixação do valor, o juiz
levará em conta, não necessariamente a existência ou o montante do dano que possa ter
sofrido o credor, mas sim a gravidade da culpa ou do dolo com que agiu o devedor"
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(ZAVASCKI, Teori Albino. Processo de execução - parte geral. São Paulo: Revistas dos
Tribunais, 2004, p. 82) [original sem grifos].
4. Nesse viés, o STJ apresenta entendimento sobre a utilização do método
restritivo de interpretação das normas que estabelecem penalidades. No caso ora invocado,
ficou sufragado que o art. 600 do CPC não poderia ser aplicado a terceiro, pois, como já
amplamente debatido, o dispositivo fala em "ato do executado", in verbis:

PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO


OCORRÊNCIA. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA N. 284/STF.
FRAUDE À EXECUÇÃO. CONFIGURAÇÃO DA MÁ-FÉ. REEXAME. SÚMULA
N. 7/STJ. ATO ATENTATÓRIO À DIGNIDADE DA JUSTIÇA. ART. 600 DO
CPC. INAPLICABILIDADE A TERCEIROS. EXCLUSÃO DA MULTA.
INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DE NORMA DE CARÁTER PUNITIVO.
1. Não há ofensa ao art. 535 do CPC quando o acórdão recorrido, integrado
pelo julgado proferido nos embargos de declaração, dirime, de forma
expressa, congruente e motivada, as questões suscitadas nas razões
recursais.
2. Inexistindo pertinência entre o dispositivo de lei apontado como violado e
a matéria decidida pelo aresto recorrido, evidencia-se a deficiência na
fundamentação recursal, atraindo a incidência da Súmula n. 284/STF.
3. A verificação da ocorrência ou não da violação dos arts. 131 e 333, II, do
CPC demanda reexame do conjunto probatório dos autos, procedimento
vedado em sede de recurso especial, nos termos da Súmula n. 7/STJ.
4. Rever o entendimento das instâncias ordinárias - inexistir má-fé e não ter
o negócio jurídico levado o devedor à insolvência - para acolher a tese de
que não teria ocorrido fraude à execução demanda o reexame de matéria
fática, o que encontra óbice na Súmula n. 7 do STJ.
5. Inexistindo dúvidas acerca da pendência de demanda executiva e sendo
comprovada a má-fé do terceiro adquirente do bem, é desnecessária a
análise da existência ou não de registro da penhora sobre o bem alienado
para reconhecer a fraude à execução (Súmula n.375/STJ).
6. As normas processuais que versam sobre a imposição de
penalidade devem ser interpretadas de forma restritiva, de modo a
não abranger hipóteses que não estejam legalmente previstas,
motivo pelo qual o disposto no art. 600 do CPC, que considera
atentatório à dignidade da justiça o ato praticado pelo executado,
não pode ser aplicado a terceiro que adquiriu, ainda que em fraude
à execução, o bem litigioso.
7. Recurso especial parcialmente conhecido e parcialmente provido.
(REsp 1459154/RJ, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA
TURMA, julgado em 04/09/2014, DJe 11/09/2014) [original sem grifos]

Ora, a aplicação da interpretação restritiva não se refere apenas à parte que


pode praticar o ato (no caso, o executado), mas também à "espécie de processo" no qual há
resistência ao cumprimento da ordem judicial. Não caberia, portanto, ao intérprete querer
estender a incidência do art. 600 do CPC às ações do processo de conhecimento, cautelar e
aos procedimentos especiais. Assim, a regra é taxativa.
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Desse modo, no caso em análise, por se tratar de pedido incidental de exibição
de documentos em autos de ação de sobrepartilha - demanda tratada como de procedimento
especial de jurisdição contenciosa (art. 1.040 do CPC) -, penso que não cabe falar em multa
por ato atentatório à dignidade da Justiça, aplicada com base no inciso III do art. 600 do CPC.
5. Por outro lado, isso não quer dizer que a resistência da instituição bancária
não pode ser rechaçada pelo Poder Judiciário.
Todavia, caberá ao magistrado de piso se valer, assim como fez, da busca e
apreensão dos documentos requisitados, tendo em vista que não caberá a presunção de
veracidade (art. 359 do CPC) na hipótese em que a medida deve ser cumprida por terceiro
não integrante da relação processual.
Ademais, poderá o Juízo analisar a possibilidade de aplicação do parágrafo
único do art. 14 do CPC, assim como examinar se a conduta da parte ora recorrente não
configura litigância de má-fé (art. 17 do CPC).
No entanto, parece mesmo impossível utilizar o art. 600 do CPC para a
hipótese dos autos, por não se tratar de processo executivo e não se referir a atitude imposta
à parte dentro da relação processual, mas tão somente a terceiro que não integra a lide
principal.
Por oportuno, e apenas a título de esclarecimento, anoto que o novo CPC,
buscando implementar a efetividade das medidas jurisdicionais, amplia o rol de medidas
contra o terceiro que não apresenta os documentos requisitados pelo juiz, como se observa
da seguinte redação:

Art. 403. Se o terceiro, sem justo motivo, se recusar a efetuar a exibição, o


juiz ordenar-lhe-á que proceda ao respectivo depósito em cartório ou em
outro lugar designado, no prazo de 5 (cinco) dias, impondo ao requerente
que o ressarça pelas despesas que tiver.
Parágrafo único. Se o terceiro descumprir a ordem, o juiz expedirá
mandado de apreensão, requisitando, se necessário, força policial, sem
prejuízo da responsabilidade por crime de desobediência, pagamento
de multa e outras medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou
sub-rogatórias necessárias para assegurar a efetivação da decisão.

Dessarte, ao contrário da atual legislação processual, que apenas prevê a


busca e apreensão em relação a terceiro e a responsabilidade por crime de desobediência
(art. 362 do CPC), o novo art. 403 também traz a viabilidade de aplicação de multa, além de
dispor sobre a possibilidade de serem utilizadas outras medidas de caráter indutivo,
coercitivo, mandamental e sub-rogatório.
6. Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para afastar a multa por

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ato atentatório à dignidade da Justiça.
É como voto.

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