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Brasília/DF, 13/07/23.

Retenção Ampla do IR: aspectos jurídicos.


Plano da Apresentação

• Autonomia Municipal
• Solução de Consulta 166/2015
• RE 129.345-4 RS (Tema 1.130)
• Retenção de Tributos
• Imposto sobre a renda
- Fato Gerador
- Contribuinte
• Ato Normativo Local
• Do Interesse Municipal
• Da Responsabilização do Gestor pela não retenção
Autonomia Municipal
Autonomia Municipal

TÍTULO III
DA ORGANIZAÇÃO DO ESTADO
CAPÍTULO I
DA ORGANIZAÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA

Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os


Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.
Autonomia Municipal

União/Estados-membros/Distrito Federal/municípios
Autonomia Municipal

A Constituição Federal de 1988 rompeu com o paradigma anterior e implementou a descentralização de


competências e receitas aos entes subnacionais, a fim de garantir-lhes a autonomia necessária para cumprir
suas atribuições.

Por consequência, a Carta elevou estados, Distrito Federal e municípios a parte integrante da Federação,
conforme definição do “caput” do seu artigo 18.

Assim, com a Constituição Cidadã, ganha força e notoriedade a autonomia política, administrativa e financeira
desses entes federativos. Foi conferido aos estados, Distrito Federal e municípios competência para legislar e
arrecadar tributos próprios e para orçar, gerir, despender e fiscalizar seus recursos.
Autonomia Municipal

O Estado federal exige uma distribuição de competências e de recursos que atendam às necessidades de cada ente
federativo, o que implica em fontes de arrecadação que independem da interferência do poder central, sendo a autonomia
financeira desses entes uma característica fundamental desta forma de organização do Estado.

Em geral, pode-se dizer que há duas formas de assegurar a autonomia financeira dos entes federativos: a atribuição de
competência para a instituição de tributos (competência tributária própria) e as transferências intergovernamentais.

No que se refere à atribuição de competência tributária própria, a Constituição de 1988 relaciona exaustivamente os
tributos passíveis de ser instituídos por cada pessoa política, com o objetivo de arrecadar os recursos necessários à
consecução das finalidades públicas.
Autonomia Municipal

De outro lado, o relacionamento das esferas de governo do ponto de vista da obtenção de recursos (portanto, do ponto de
vista financeiro) pode ser denominado de federalismo fiscal. Esse conceito engloba a forma de organização do Estado, o
tipo de federação adotado, o grau de autonomia dos membros, as incumbências que lhe são atribuídas, bem como a forma
pela qual tais atribuições serão financiadas.

Dentro desse contexto se inserem as transferências intergovernamentais, como, por exemplo, aquelas previstas nos
artigos 157 e 158 da Constituição Federal de 1988 (espécies de transferências intergovernamentais diretas e automáticas).
Autonomia Municipal

Assim, mostra-se evidente a necessidade da autonomia financeira dos entes federados para manutenção do próprio
sistema federalista. Por consequência, salta aos olhos, desde o advento da Constituição de 1988, os motivos de existirem
cada vez mais diferenças regionais, o fenômeno da guerra fiscal, a instituição desenfreada das contribuições pela União
Federal (cujo produto de arrecadação não é repartido com os demais entes federados) e principalmente um enorme volume
de municípios sem qualquer autonomia financeira, dependentes de repasses de receita e sem qualquer perspectiva de
desenvolvimento.
Solução de Consulta 166/2015
Solução de Consulta 166/2015

Em 2015, a Coordenação-Geral de Tributação (Cosit) da Receita Federal editou a Solução de Consulta nº 166, a qual
versava sobre a retenção e apropriação do imposto de renda incidente na fonte (IRRF) por municípios e suas
respectivas autarquias e fundações, por ocasião dos pagamentos por eles realizados a pessoas jurídicas, decorrentes de
contratos de fornecimento de bens e/ou serviços (previsão constante do artigo 158, I, da CF/88).

Para a Cosit, o artigo 158, inciso I, da CF/88 permitiria que os municípios incorporassem diretamente ao seu patrimônio o
produto da retenção na fonte do Imposto de Renda (IR) incidente sobre rendimentos do trabalho que pagassem a seus
servidores e empregados. Por outro lado, deveria ser recolhido à Secretaria da Receita Federal (portanto, aos cofres
da União) o Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) pelas municipalidades, incidente sobre rendimentos pagos por
estas a pessoas jurídicas, decorrentes de contratos de fornecimento de bens e/ou serviços.
RE 129.345-4 RS (Tema 1.130)
RE 129.345-4 RS (Tema 1.130)

A discussão que culminou no julgamento do Recurso Extraordinário RE 129.345-3 principiou na Justiça Federal no Rio
Grande do Sul, em especial, em um Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) instaurado perante o
Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF 4), pelo Município de Sapiranga/RS.

O Município sustentou, no caso, que desde a publicação da Solução de Consulta 166/2015 e da IN 1.599/2015, a União
passou a compreender que deveria o município ser excluído da participação nos impostos pagos a pessoas jurídicas, em
razão de contratos de fornecimento de bens e/ou serviços.

IRDR 5008835-44.2017.4.04.0000
(Processo Eletrônico - E-Proc V2 - TRF)
RE 129.345-4 RS (Tema 1.130)

A questão, como não poderia deixar de ser, chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF) e foi relatada pelo ministro
Alexandre de Moraes que delimitou o escopo sob análise: “Temos para exame, sob a sistemática da repercussão geral,
recurso extraordinário em que se debate a quem pertence o produto da arrecadação do imposto de renda retido na fonte
(IRRF), incidente sobre rendimentos pagos, a qualquer título, pelo município, por suas autarquias e fundações,
incluindo-se o pagamento de rendimentos a pessoas físicas e jurídicas, em razão do fornecimento de bens ou serviços, à
luz dos artigos 153, III, e 158, I, da Constituição Federal”.
RE 129.345-4 RS (Tema 1.130)

Todos os demais ministros seguiram o ministro relator que, ao analisar a inteligência do artigo 158, inciso I, da
Constituição de 1988, assim se manifestou:

“Assim, considerando que o imposto de renda (IR) deve incidir tanto na prestação de serviços quanto no fornecimento de
bens por pessoas físicas e jurídicas à administração pública, independentemente de ser ela municipal, estadual ou federal,
não se deve discriminar os entes subnacionais relativamente à possibilidade de reter, na fonte, o montante correspondente
ao referido imposto, a exemplo do que é feito pela União com amparo no artigo 64 da Lei 9.430/1996, razão pela qual
mantenho a interpretação conforme adotada pela Corte de origem relativamente ao aludido dispositivo legal”.
RE 129.345-4 RS (Tema 1.130)

Assim, o tribunal, por unanimidade, apreciando o tema 1.130 da repercussão geral, fixou a seguinte tese: “Pertence ao
município, aos estados e ao Distrito Federal a titularidade das receitas arrecadadas a título de imposto de renda
retido na fonte (IRRF) incidente sobre valores pagos por eles, suas autarquias e fundações a pessoas físicas ou
jurídicas contratadas para a prestação de bens ou serviços, conforme disposto nos artigos 158, I, e 157, I, da
Constituição Federal” (RE 1293453, sessão virtual de 01/10/2021).
RE 129.345-4 RS (Tema 1.130)

Na verdade, o pano de fundo do quanto decidido no RE 129.345-3, é a higidez do próprio sistema federativo, visto que
essa receita de IR, à luz dos artigos 157 e 158 da Constituição Federal de 1998, sempre foi dos estados e municípios, os
quais necessitam desses recursos para cumprir as suas atribuições. A interpretação da Cosit, devidamente rechaçada pelo
STF, amesquinhava o sistema constitucional de repartição de receitas.

Diante de todo o exposto, temos que a análise dos dispositivos constitucionais que versam sobre a repartição de receitas
entre os entes federados, considerando o contexto histórico em que elaborados, deve ter em vista a tendência de
descentralização dos recursos e os valores do federalismo de cooperação, com vistas ao fortalecimento e autonomia dos
entes subnacionais.

Isso porque a partilha das receitas, especialmente dos impostos, é uma questão fundamental do pacto federativo
brasileiro, assim como de qualquer Estado fiscal que se estruture na forma de federação.
Retenção de Tributos
Retenção de Tributos

A retenção de tributos — ou retenção na fonte — é uma situação em que, diante de um pagamento de produtos ou
serviços, o Ente transfere a obrigação do recolhimento dos tributos.

Um exemplo é o caso de um funcionário que recebe mensalmente R$ 5.000, possui carteira assinada e a empresa já envia
mensalmente o percentual referente ao Imposto de Renda para a União.

Perceba que, ao invés do funcionário pagar o valor do IR diretamente à Receita, a empresa já faz esse recolhimento,
descontando do salário do colaborador o percentual e repassando ao Governo.

Os principais objetivos da retenção de imposto são reduzir a sonegação fiscal e melhorar a arrecadação dos tributos.

No caso do IR retido na fonte agregamos a finalidade de repartição de receitas entre os entes federados.
Retenção de Tributos

Estão isentos da retenção:

∙ Microempreendedores Individuais (MEI);


∙ Microempresas (ME);
∙ Empresas de pequeno porte optantes pelo Simples Nacional.

“Então, essas empresas não pagam impostos?”

Sim, todas elas pagam impostos, mas o recolhimento é feito através do Documento de Arrecadação do Simples Nacional
(DAS). Nele, constam todos os impostos em nível municipal, estadual e federal que essas empresas precisam pagar para
estarem em dia com o Fisco.
Imposto sobre a Renda (IR)
Imposto sobre a Renda (IR)

Estabelece o art. 153, III, da CF que compete à União instituir Imposto sobre a Renda e proventos de qualquer natureza.
Atualmente, o IR rege-se pelas Leis n. 8.034/90, 8.166/91, 8.848/94, 8.849/94, 8.981/95, 9.316/96, 9.430/96, 9.532/97 e
especialmente pelo Decreto n. 3.000/99 (Regulamento do Imposto de Renda – RIR).

A função do Imposto sobre a Renda é fiscal, isto é, meramente arrecadatória, na medida em que a finalidade precípua que
justifica sua cobrança consiste na pura obtenção de recursos para custeio dos gastos gerais da União.
Imposto sobre a Renda (IR)

Constata-se, todavia, que a obrigatoriedade constitucional de aplicação do sistema de alíquotas progressivas aponta
também para uma difusa função de redistribuição de renda associada à redução de desigualdades sociais.

O Imposto sobre a Renda sujeita-se ao regime geral da legalidade tributária, de modo que o tributo só pode ser criado,
majorado, reduzido ou extinto mediante lei ordinária da União. No entanto, é uma das exceções à anterioridade
nonagesimal. Assim, sendo criado ou majorado em um exercício, os novos valores podem ser exigidos no ano seguinte,
não havendo necessidade de aguardar o intervalo mínimo de noventa dias. Esse é o modo geral de compreender a relação
entre o IR e a anterioridade tributária.
Fato Gerador do IR

O fato gerador do IR é “a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica”. Assim, pode-se dizer, em síntese, que o
fato gerador do IR é qualquer acréscimo patrimonial observado em determinado período de tempo. Importante verificar
que o imposto incide tanto no caso de aquisição da disponibilidade econômica quanto jurídica.

Disponibilidade econômica consiste no recebimento efetivo do valor a ser acrescentado no patrimônio do


contribuinte.

Já a disponibilidade jurídica, que também é fato gerador do IR, se dá quando ocorre o crédito do valor, ficando
disponível ao contribuinte, embora não esteja ainda incorporado efetivamente ao seu patrimônio. Exemplo: remessa de
dólar proveniente do exterior feita ao contribuinte (valor já creditado em conta), mas que ainda não foi convertido em
moeda nacional pela instituição financeira para poder ser sacado (não se incorporou ao seu patrimônio).
Contribuinte do IR

São contribuintes do Imposto de Renda todas as pessoas físicas ou jurídicas sujeitas a acréscimo patrimonial.

Nesse sentido, estabelece o art. 45 do CTN: “contribuinte do imposto é o titular da disponibilidade, sem prejuízo de
atribuir a lei essa condição ao possuidor, a qualquer título, dos bens produtores de renda ou dos proventos tributáveis”.

A legislação pode conferir a condição de responsável tributário a quem possui obrigação de reter o imposto na fonte. (art.
45, parágrafo único, do CTN).
Ato Normativo Local
Ato Normativo Local

Com o objetivo de padronizar o procedimento para que a retenção e o recolhimento do tributo seja realizado em
conformidade ao que determina a legislação, sem deixar de cumprir com as obrigações acessórias de prestação de
informações à Receita Federal do Brasil (RFB), faz-se fundamental que ato normativo local estabeleça que a
Administração Direta, Autárquica e Fundacional do Município efetuará as retenções na fonte do Imposto de Renda
(IR) sobre os pagamentos destinados às pessoas físicas e jurídicas, pelo fornecimento ou disponibilização de bens,
ou pela prestação de serviços em geral, inclusive obras, com base nas disposições constantes na Instrução
Normativa RFB 1234, de 11 de janeiro de 2012, atualizada, recentemente pela Instrução Normativa RFB 2145, de
26 de junho de 2023.
Ato Normativo Local

Diz a IN 2145/2023 em seu artigo 2°:

"Art. 2º-A. Os órgãos da administração pública direta dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, inclusive suas
autarquias e fundações, ficam obrigados a efetuar a retenção, na fonte, do imposto sobre a renda incidente sobre os
pagamentos que efetuarem a pessoas jurídicas pelo fornecimento de bens ou prestação de serviços em geral, inclusive
obras de construção civil." (NR)
Ato Normativo Local

Aqui importa deixar claro que o tributo em comento, no caso, o imposto de renda, continua sendo de competência
tributária federal de forma que descabe qualquer iniciativa legislativa municipal no sentido de adentrar esse espaço de
atuação constitucional da União que aliás é indelegável. Ou seja, é proibido a modulação das características tributárias
da retenção tais como fato gerador, alíquota, base de cálculo, incidência, imunidade ou isenções.
Ato Normativo Local

Para melhor entendimento, trazemos abaixo essas características do tributo :

Incidência: Pagamento efectuados sobre bens e serviços.


Fato Gerador: Crédito ou Pagamento.
Base de cálculo: Valor do serviço ou fornecimento de bens.
Alíquotas: Aplicadas segundo a fonte utilizada RIR 2018/Anexo I da IN 1234/2012)
Do Interesse Municipal
Do Interesse Municipal

O interesse da municipalidade cinge na manutenção do direito dos Municípios sobre as receitas financeiras
constitucionalmente estabelecidas que é de suma importância tendo em conta que os recursos são inteiramente utilizados
pelos governantes locais e representam investimento em políticas públicas, constituindo inclusive parcela vinculada a
limites constitucionais em saúde e educação.

Ao ser examinada a composição das receitas correntes tributárias dos Municípios chama a atenção a representatividade
no quadro de receitas municipais do valor proveniente das retenções na rubrica específica do Imposto de Renda Retido
(IRRF).

Em virtude do aumento natural da arrecadação por conta da adoção de novos procedimento com a retenção mais expansiva
do imposto, é conveniente que os municípios procedam com os procedimentos de ajustes nas peças de planejamento
dessa rubrica de receita e projetam também esse incremento para as aplicações devidas nos limites constitucionais e legais
dos quais as receitas são base de cálculo.
Da Responsabilização do Gestor pela não retenção
Da Responsabilidade do Gestor pela não retenção

O gestor não é dono da coisa pública. Ele exerce função. Atua em nome do verdadeiro titular do interesse público que é a
sociedade. Logo, ele não tem opção de não arrecadar um recurso que constitucionalmente está à sua disposição, SOB
PENA DE CAUSAR DANO AO ERÁRIO.
Da Responsabilidade do Gestor pela não retenção

A Lei de Improbidade (Lei 8.492/92) prevê como ato de improbidade agir ilicitamente na arrecadação de tributo ou renda:

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que
enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens
ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente:

X - agir ilicitamente na arrecadação de tributo ou de renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio
público;

Essa omissão dolosa pode acarretar suspensão dos direitos políticos por até 12 anos; o pagamento de multa civil
equivalente ao valor do dano e ainda a proibição de contratar com o Estado ou receber benefícios dele por prazo não
superior a 12 anos.
Da Responsabilidade do Gestor pela não retenção

No Decreto-Lei 201/1967 existe também a caracterização de infração político-administrativa quando o Prefeito:

VIII - Omitir-se ou negligenciar na defesa de bens, rendas, direitos ou interesses do Município sujeito à administração
da Prefeitura;

A penalidade prevista, nesse caso, é a cassação do mandato pela Câmara de Vereadores.


Obrigado!

Rodrigo Garrido Dias


rodrigo.dias@cnm.org.br
61 2101 6029

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