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A repartição de receitas e a concessão de benefícios fiscais pela União

Silas Santiago1

SUMÁRIO: Introdução; 1. O Federalismo Fiscal e o Sistema Misto de Arrecadação; 2.


A autonomia da União Federal na seara Tributária e a Desoneração Tributária; 3. O
julgamento do RE 705.423 no Supremo Tribunal Federal; 3.1. A Significância da
Expressão “Produto da Arrecadação”; 3.2 A Distinção entre o Tema 42 e o RE 705.423;
3.3 O importante voto dissidente no RE 705.423; 4. O RE 705.423 e o Princípio da
Autonomia Federativa; 5. As possíveis soluções para a temática de Repartição de
Receitas Tributárias; Considerações finais; Referências.

RESUMO: O artigo analisa alguns problemas e controvérsias sobre a repartição de


receitas tributárias, especificamente do nível federal para os demais entes federados,
notadamente quanto à instituição de benefícios fiscais no imposto sobre a renda e no
IPI. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 assegura a autonomia
dos Municípios de auto-organização, auto legislação, autogoverno. A liberdade de
instituir e conceder benefícios fiscais é uma das formas do exercício dessa autonomia
pelo Governo Federal. Entretanto, o poder constituinte originário delineou algumas
limitações ao legislador por meio princípios sensíveis, estabelecidos e extensíveis com
base em norma de repetição obrigatória. A limitação à criação de benefícios fiscais se
revela tanto na relação entre os Estados-membros, como ocorre na substituição
tributária, na divisão da arrecadação; quanto entre o Estado-membro e seus municípios,
quando concede isenção fiscal sem a reserva da cota parte do ente menor. É nesse ponto
que o presente analisa alguns pontos do RE 705.423 julgado pelo STF. Trata-se de uma
revisão legislativa, jurisprudencial e de literatura, utilizando pesquisa bibliográfica e
eletrônica. Tomou-se como base teórica autores como Ricardo Lobo Torres e Carlos
Renato Cunha. Conclui que há necessidade de apreciação da matéria por parte do

1
Doutorando em Direito no Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa – IDP,
Brasília. Mestre em Administração Tributária e Política Tributária, pela Universidade de
Educação a Distância (UNED), em Madri, Espanha (2015). E-mail: silassantiago1@gmail.com.

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Congresso Nacional, buscando soluções que reforcem a importância do federalismo
fiscal independente.

Palavras-chave: Impostos; Benefícios Fiscais; Repartição de Receitas; Autonomia


Federativa; Congresso Nacional.

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Introdução

Diante da extensão geográfica do nosso país, a dimensão cooperativa desenhada pelo


federalismo fiscal busca alcançar o equilíbrio entre os entes federados e disponibilizar
os recursos necessários para que estes possam fazer frente a todas as obrigações que
lhes foram constitucionalmente impostas.

A autonomia do ente federativo está intimamente ligada à sua independência financeira


por meio de competências de instituir e cobrar tributos ou por meio de repartição de
receitas ou divisão por meio de fundos específicos, a exemplo do Fundo de Participação
dos Municípios de Fundo de Participação dos Estados.

Nesse sentido, a Constituição Federal estatui no seu art. 18, caput, que a organização
político-administrativa da República Federativa do Brasil é compreendida pela União,
Estados, Distrito Federal e municípios.

O sistema misto de arrecadação tributária garante, tanto fonte de recursos próprios por
meio da outorga de competência impositiva, quanto participação dos entes menores no
produto de arrecadação do ente central, estando esse sistema estruturado para garantir a
autonomia financeira dos entes federados e, consequentemente, o respeito as demais
perspectivas da autonomia.

A repartição de receitas é um dos pilares do federalismo e decorre do fato de que os


tributos não são instituídos com base em aspectos geográficos, mas sim em hipóteses de
incidência.

Os impostos sobre a renda e consumo, por exemplo, não permitem aferir se o fatos
sujeitos ao imposto teriam ocorrido em um ou outro local do país – e às vezes até no
exterior. Dessa forma, para essas hipóteses de incidência utilizam-se duas soluções.

A primeira é a instituição de adicionais sobre esses impostos nos níveis federativos


inferiores, como ocorre nos Estados Unidos (EUA). Naquele país, alguns estados
instituem adicionais do imposto de renda com base na apuração federal, ficando
responsáveis pelo lançamento e cobrança. Mas mesmo nos EUA é aplicada a segunda
solução2, que descreveremos a seguir.
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PAES & OLIVEIRA (2015) apontam que nos Estados Unidos o sistema de repartição de receitas também
gera controvérsias. Lá como aqui, uma das razões é a tendência de centralização do sistema tributário.

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A segunda solução, a mais comum e utilizada pelo Brasil, é a centralização da
arrecadação em um nível federativo e sua repartição aos demais. É o que ocorre com os
impostos federais sobre a renda (IR) e sobre os produtos industrializados (IPI), que são
repartidos com estados e municípios, e com os impostos estaduais sobre a propriedade
de veículos automotores (IPVA) e sobre operações relativas à circulação de mercadorias
e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de
comunicação (ICMS), que são repartidos com os municípios.

Nesse artigo, analisaremos alguns problemas e algumas controvérsias sobre essa


repartição de receitas, especificamente do nível federal para os demais entes federados,
notadamente quanto à instituição de benefícios fiscais no imposto sobre a renda e no
IPI.

Na medida em que determinado percentual da arrecadação desses impostos é destinada


aos estados e municípios, a instituição de benefícios fiscais em nível federal afeta essa
repartição.

A pergunta a ser respondida é: a instituição de benefícios fiscais pela União no imposto


sobre a renda e no IPI deverá ou não ser considerada para efeito da repartição de
tributos prevista constitucionalmente? Em outras palavras: a União deverá repartir as
receitas desses impostos com base na situação anterior à instituição desses benefícios,
arcando isoladamente com a perda de arrecadação deles decorrentes?

Na medida em que a resposta – sob os aspectos legais, pode vir a ser negativa, cabe
indagar quais seriam as alternativas para que o federalismo cooperativo opere no campo
da repartição de receitas.

A matéria envolve profundamente a questão federativa, devendo ser consideradas as


questões relativas à autonomia federativa e ao federalismo cooperativo.

1. O Federalismo Fiscal e o Sistema Misto de Arrecadação

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O Federalismo Nacional é a forma de organização do Estado em que os entes federados
são dotados de autonomia administrativa, política, tributária e financeira e se aliam na
criação de um governo central por meio de um pacto federativo. Neste contexto, o
Federalismo surgiu da necessidade, principalmente, de países com grandes extensões
territoriais descentralizar o seu poder. Nesses países, há diversidades culturais,
climáticas, sociais e econômicas, de modo que as necessidades e prioridades diferem
muito de uma região para a outra.

Sendo assim surgiu o Federalismo Fiscal como parte do acordo federativo que atribui
para cada ente da federação a competência para arrecadar um determinado tipo de
tributo, a repartição de receitas tributárias entre esses entes, assim como a
responsabilidade de cada ente na alocação dos recursos públicos e prestação de bens e
serviços públicos para a sociedade.

Trata da divisão das responsabilidades entre os diferentes níveis de governo (Federal,


Estadual e Municipal) ao conferir competências tributárias e obrigações de gasto
público às esferas governamentais, promovendo a descentralização econômica.

O Federalismo Fiscal é então o ramo da ciência econômica dentro do setor público que
estuda a repartição fiscal e de competências entre as diferentes esferas de um governo,
buscando sempre a melhor alocação, maximização da eficiência da arrecadação de
recursos e melhor oferta de bens e serviços públicos à população de uma forma geral.

Portanto, o foco de análise no Federalismo Fiscal é a forma como uma federação se


organiza entre seus entes federados para melhor arrecadação de recursos visando assim
a prover uma melhor oferta de seus bens demandados pela população. Todavia, a teoria
associada ao Federalismo Fiscal não se prende somente à melhor alocação de recursos e
oferta de bens e serviços públicos, mas também à distribuição de renda e ao crescimento
econômico.

O sistema misto de arrecadação acaba por garantir recursos tanto por meio da outorga
de competência impositiva, quanto pela participação dos entes menores no produto da
arrecadação do ente central, estruturando-se de modo a garantir a autonomia dos entes
federados.

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2. A autonomia da União Federal na seara Tributária e a Desoneração
Tributária

O art. 1º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 assevera que a


República é formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito
Federal, ou seja, vedando prima face a secessão. Por sua vez, o artigo 18º, caput, da
Carta Magna assegura que a organização político-administrativa da Federação
compreende os entes políticos, detentores de autonomia.

Alguns tributos são arrecadados diretamente pela União Federal para posteriormente
serem repassados aos Municípios. Alguns, apesarem de terem dupla ou mais
destinações, acabam por arrecadados e consequentemente repassados na proporção da
política fiscal instituída pela União Federal.

O problema surge quando diante de instituição de políticas fiscais pela união


relacionada a desoneração tributária, que corresponde a redução da carga tributária, com
consequente renúncia de arrecadação, gerando redução direta da quota parte que os
municípios fazem jus.

Neste contexto, o Ministro Ricardo Lewandowski do Supremo Tribunal Federal, em


sede de manifestação de preliminar de repercussão geral do processo RE 705.423
definiu a questão constitucional vertida no presente artigo: “A questão constitucional
versada neste recurso consiste em definir, sob o prisma constitucional, até que ponto a
concessão de benefícios e incentivos fiscais relativos ao Imposto de Renda e ao Imposto
Sobre Produtos Industrializados pode impactar nos valores transferidos aos Municípios
a título de participação na arrecadação daqueles tributos”, ou seja, até que ponto as
renúncias de receitas emanadas de tributos de competência da União interferem na
composição do Fundo de Participação dos Municípios (FPM).

3. O julgamento do RE 705.423 no STF

No referenciado processo, ente Municipal argumentava que o Fundo de Participação dos


Municípios – FPM é uma das modalidades de transferência de recursos financeiros da

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União para os Municípios, compondo 23,5% (vinte e três e meio por cento) do produto
de arrecadação do imposto sobre renda de qualquer natureza - IR e sobre produtos
industrializados – IPI e que inexiste previsão constitucional ou infraconstitucional para
se proceder com a dedução dos benefícios fiscais dos benefícios fiscais, das isenções
fiscais e das restituições. Em palavras claras, defendeu o Município que eventuais
benefícios concedidos pela união não poderiam ser deduzidos dos valores recebido pelo
Município.

O Recurso Extraordinário 705.423/SE foi impetrado no Supremo Tribunal Federal –


STF pelo Município de Itabi (SE), sob a sistemática da repercussão geral, interposto em
face de acórdão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região – TRF5, o qual havia
reconhecido que a União tem a prerrogativa de conceder benefícios fiscais dentro da sua
competência tributária. O TRF5 ainda ressaltou que “ao dispor sobre a repartição das
receitas do IR e do IPI, o art. 159, I, CF, refere-se expressamente ao ‘produto da
arrecadação’, sendo ilegítima a pretensão do recebimento de valores que, em face de
incentivos fiscais, não foram recolhidos.”. (BRASIL, 2016).

O STF ao final ratificou a decisão do TRF5, mas cabe-nos discorrer sobre os


fundamentos da decisão, notadamente quanto a um importante voto divergente – e
vencido, do Ministro Luiz Fux, e do círculo hermenêutico que se formou no julgamento
a partir desse voto.

3.1. A Significância da Expressão “Produto da Arrecadação”

O cerne da fundamentação da decisão exarada pelo Tribunal Pleno do STF no RE


705.423 foi a expressão “produto da arrecadação”, constante do inciso I do artigo 159
da Constituição Federal.

Art. 159. A União entregará:

I - do produto da arrecadação dos impostos sobre renda e


proventos de qualquer natureza e sobre produtos industrializados,
50% (cinquenta por cento), da seguinte forma: (Os grifos não
constam do original).

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Conforme bem explanado no voto vencido do Ministro Luiz Fix, o ponto principal da
discussão consistiu em saber se de fato a expressão “produto da arrecadação” pressupõe
que o tributo seja primeiro arrecadado, não havendo que se falar em qualquer direito por
parte dos entes subnacionais antes disso. Sob essa ótica, haveria uma rígida separação
entre os planos: da competência para instituição de tributos e o da arrecadação, o que,
de certa forma, prestigia a posição da dogmática jurídica tradicional que tem defendido
uma rígida segregação entre o Direito Tributário e o Direito Financeiro.

O alcance da expressão “produto da arrecadação” foi consubstanciado no parágrafo


único do art. 1º da Lei Complementar nº 62/1989, que trata das transferências
governamentais por meio dos Fundos de Participação. Esse parágrafo dispõe que
“integrarão a base de cálculo das transferências, além do montante dos impostos nele
referidos, inclusive os extintos por compensação ou dação, os respectivos adicionais,
juros e multa moratória, cobrados administrativa ou judicialmente, com a
correspondente atualização monetária paga.” (BRASIL, 1989).

Segundo o relator, a definição legal é reconhecida pelo STF, considerando que “o


produto da arrecadação abrange a arrecadação tributária bruta, sem a possibilidade de
dedução das despesas administrativas e computando-se as multas moratórias e
punitivas.”

É preciso salientar que a expressão “produto da arrecadação” consta de inúmeros outros


dispositivos constitucionais, a saber: Art. 157, I, II; Art. 158, I a IV; Art. 159, I e III;
Art. 167, IV; Art. 198, § 2º, II e III; ADCT, Art. 34, I; ADCT, Art. 72, I, II, III, IV e V;
ADCT, Art. 74, § 3º; ADCT, Art. 75, § 3º; ADCT, Art. 77, II e III; ADCT, Art. 80, I a
III; e ADCT, Art. 84, § 2º.

Como se vê, todas as repartições de receitas e destinações constitucionais, sejam para


entes federados, saúde, educação, previdência social, fundo social de emergência, fundo
de combate e erradicação da pobreza, baseiam-se no conceito de “produto da
arrecadação”.

Quando se fala em “produto da arrecadação”, estamos tratando de disciplina do Direito


Financeiro, sendo que as repartições de arrecadação representam um “instrumento
financeiro, e não tributário, que cria para os entes políticos menores o direito a uma
parcela da arrecadação do ente maior”. (TORRES, 2005, p. 366). (os grifos não constam
do original).

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3.2 A Distinção entre o Tema 42 e o RE 705.423

O relator, Ministro Edson Fachin, procurou inicialmente fazer o distinguishing do caso


com relação ao Tema 42 da sistemática da repercussão geral, julgado em 2008 cujo
recurso-paradigma é o RE-RG 572.762, de relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski,
Tribunal Pleno, julgado em 18.06.2008. (BRASIL, 2008).

Naquele julgamento o Município de Timbó teve ganho de causa contra o Estado de


Santa Catarina. O município teve deferido o direito de receber o repasse dos valores de
ICMS que estariam sendo indevidamente apropriados por aquele estado desde a criação,
em 1988, do Programa de Desenvolvimento da Empresa Catarinense (PRODEC).

Por esse programa, criado pela Lei Estadual nº 11.345/2000, e regulamentada pelo
Decreto SC nº 1.490/2000, a empresa beneficiária recolhia o ICMS, mas o Estado
devolvia o valor à empresa no prazo de dois dias, descontada a remuneração de 2%
(dois por cento) pela gestão do programa, na forma de financiamento a ser amortizado
em até dez anos.

Como vemos, o valor já havia adentrado no Tesouro Catarinense. A partir desse


fato, parte desse recurso já pertencia ao município, sendo inconstitucional sua retenção
ou devolução à empresa3.

Como o relator evidenciou, a decisão no Tema 42 não permite sua aplicação para casos
gerais de concessão de benefícios e isenções fiscais, os quais fazem parte da
competência tributária do ente tributante.

A desejada conciliação interpretativa dessa competência tributária da União com a


autonomia financeira dos municípios – que é extremamente importante, não pode
subverter a literalidade da redação constitucional.
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O mecanismo adotado por Santa Catarina repetiu-se em vários outros Estados, e em todos os casos
houve declaração de inconstitucionalidade. No voto da Ministra Rosa Weber no RE 444.107/GO ela
corretamente asseverou que esse mecanismo era uma tentativa de burlar a exigência constitucional de
deliberação conjunta dos Estados e Distrito Federal para conceder incentivos fiscais ao ICMS (CF, 155,
2º, XII).

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Ao final, o Ministro Edson Fachin firmou convicção no sentido de que, desde que a
concessão de benefícios tenha ocorrido de forma regular, a competência da União de
instituí-los não se deve enfraquecer em face da (importante) autonomia financeira dos
municípios.

Lá – no tema 42, estava-se a tratar de um mecanismo financeiro, eis que os valores


estavam nos cofres do Estado.

Aqui – no RE 705.423 – Tema 653, constitui-se um mecanismo tributário, no campo


ainda do desenho – ou redesenho, da hipótese de incidência tributária.

O voto do relator foi seguido pelos demais ministros, à exceção dos Ministros Luiz Fux
e Dias Toffoli.

3.3 O importante voto dissidente no RE 705.423

O ministro Luiz Fux exarou um importante e completo voto dissidente, apesar de


vencido. Foi seguido pelo Ministro Dias Toffoli.

Nas questões de análise jurídica não obteve sucesso, haja vista que tentou estabelecer a
conexão entre o julgamento do STF no Tema 42 (já tratado) e o RE 705.423, que
representam situações bastante distintas.

Os pontos de destaque endereçaram-se na defesa da autonomia municipal, e como a


instituição de benefícios fiscais no Imposto de Renda e no IPI vilipendiam essa
autonomia. Além disso, segundo Fux desde 1988 a União tem promovido um aumento
extraordinário da arrecadação mediante contribuições, que via de regra não são
submetidas à repartição de receitas, bem como utiliza-se do mecanismo de
Desvinculação de Receitas da União -DRU, como forma de destinar os recursos dessas
contribuições para outras finalidades.

O Ministro Luiz Fux ainda destacou que o Congresso Nacional já teve inúmeras
oportunidades de resolver a questão, mediante Projetos de Emendas Constitucionais
(PECs nº 09 e 12 de 2009 e 2/2012). Citou a Lei Complementar nº 143, de 2013, que
teve seu artigo 5º vetado, que tinha a seguinte redação: “Eventuais desonerações
concedidas pelo Governo Federal incidirão apenas na cota de arrecadação destinada à

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União, não sendo consideradas para efeito de repasse do FPE e do FPM.” (BRASIL,
2016).

Ao final, proferiu sua indignação. Resumindo suas palavras: se o Congresso Nacional


não resolve a questão do restabelecimento da autonomia financeira dos municípios,
cabe ao STF fazê-lo.

Apesar dos importantes argumentos, a racionalidade jurídica foi restabelecida no círculo


hermenêutico que se formou a partir do voto do Ministro Luiz Fux.

Destacamos a participação do Ministro Gilmar Mendes, o qual ressaltou que o STF


estaria legislando caso pretendesse resolver a questão na forma proposta pelo Ministro
Fux.

O Ministro Barroso também ressaltou que “tal como a reforma política, a gente só pode
apontar problemas, mas a gente não tem condição de fazê-la”.

O Ministro Marco Aurélio ratificou que acompanhar o voto divergente representaria o


afastamento da política fiscal da União e colocar sob suspeita, inclusive, todos os
incentivos até aqui implementados. Segundo ele, seria “reescrever – a Constituição,
porque os artigos 158 e 159 contêm várias referências – cerca de nove – ao valor
arrecadado.” (BRASIL, 2016).

4. O RE 705.423 E O PRINCÍPIO DA AUTONOMIA


FEDERATIVA

O resultado do julgamento do RE 705.423 no STF, ratificando a competência tributária


da União na instituição de benefícios fiscais, manteve a incongruência com a
necessidade de preservação da autonomia financeira dos municípios.

CUNHA & CAMPOS (2021) ratificam a posição exarada no voto divergente do


Ministro Luiz Fux. Segundo eles, a interpretação do inciso I do art. 159 da Carta Magna
não deveria ser literal, mas sim mediante integração com as demais regras
constitucionais, lendo referido comando de forma coerente com o federalismo de
cooperação.

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Com a devida vênia, discordamos. Não são conciliáveis princípios constitucionais com
dispositivos constitucionais literais e claros. Não se pode ler “produto da arrecadação”
de outra forma.

Sendo assim, salvo melhor juízo a situação demanda mesmo reforma constitucional, que
inclusive pode ser levada a cabo no seio de uma reforma tributária mais ampla, na qual
se reveja as competências de todos os entes federados.

5. AS POSSÍVEIS SOLUÇÕES PARA A TEMÁTICA DE


REPARTIÇÃO DE RECEITAS TRIBUTÁRIAS

Como explanado, o importante sistema de repartição das receitas tributárias (e as


transferências intergovernamentais, em geral) têm por objetivo promover um equilíbrio
financeiro adequado nas distintas esferas de governo. Ocorre que os Municípios, ao
contrário da União e, de um modo geral, dos Estados, são totalmente carentes e
dependentes financeiramente no que diz respeito à sua arrecadação própria, ou seja,
quanto às fontes de arrecadação tributária, o que é compensado com sua participação
constitucionalmente definida no produto geral da arrecadação.

Entretanto, apesar de haver diversas regiões que necessitam de recursos pela


impossibilidade ou incapacidade de geração de receitas, há regiões que produzem muita
riqueza. Desta feita, o atual sistema de repartição de competências tributárias deveria ser
modificado de forma que as entidades governamentais que possuem condições de gerar
receitas suficientes para a prestação dos serviços públicos de forma autônoma não mais
dependessem das transferências da União. Assim, aquelas entidades efetivamente
hipossuficientes seriam socorridas em um segundo momento pelas verbas federais, para
evitar as desigualdades regionais, que é o objetivo do sistema de repartição das receitas
tributárias.

Em um outro prisma, importante seria pensarmos em leis que promovessem a divisão da


arrecadação e não apenas do repasse. Assim, eventuais políticas fiscais incidiriam
apenas sobre a quota parte da União.

Todavia, o sistema de repartição das receitas tributárias foi justamente a solução


encontrada pelo legislador diante da impossibilidade de provocar modificações nas

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competências tributárias constitucionalmente previstas. O sistema de repartição das
receitas tributárias e as transferências intergovernamentais, em geral têm por objetivo
promover um equilíbrio financeiro adequado nas distintas esferas de governo. É, pois, a
técnica da repartição das receitas tributárias que com maior ênfase diminui as
desigualdades regionais, tornando menos distante o objetivo nacional estampado no art.
3º da atual Carta Política.

Considerações Finais

A temática relacionada as políticas fiscais Brasileiras está intimamente ligada a


autonomia e ao funcionamento do Federalismo Nacional e emerge e importância social
do tema.

O debate e a busca de soluções se fazem necessários para sanar um desequilíbrio que se


revela muito diante da insolvabilidade dos Estados e Municípios de uma maneira geral.

Conforme acertadamente exposto pelo Ministro Luis Roberto Barroso nos autos do RE
705.423, “é certo que esta crise fiscal decorre, em parte, da crise econômica, que,
evidentemente, reduz a arrecadação. Penso que ela decorre também, e em grande parte,
de uma irresponsabilidade fiscal grande que marcou um pouco a atuação de Estados e
Municípios ao longo dos últimos anos de aparente bonança, inclusive com
inobservância da Lei de Responsabilidade Fiscal. E nós vivemos um momento em que,
para enfrentar a crise fiscal, terá de haver uma inexorável diminuição do tamanho do
Estado, tanto no plano federal quanto no plano estadual, quanto no plano municipal. A
sociedade não é mais capaz de sustentar o Estado brasileiro nas suas três dimensões à
vista da proporção que ele assumiu, em que mais de 4% do PIB são gastos apenas com o
pagamento da folha, fazendo com que não sobre dinheiro suficiente para os
investimentos essenciais que a população, sobretudo a população mais pobre, precisa”.

Neste contexto, diante das dificuldades financeiras e da falta de autonomia


constitucionalmente prevista, é importante que o congresso nacional se debruce sobre o
tema e encontre soluções para as crises econômica, arrecadatória e distributiva,
decorrentes do federalismo fiscal dependente.

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REFERÊNCIAS

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Estados Unidos da América: alguns tópicos relevantes. RDIET, Brasília, V. 10, nº2, p.
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