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FGV DIREITO SP Law School Legal Studies Research Paper

Series

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GUERRA FISCAL DO ICMS: UMA OPORTUNIDADE DE PLANEJAMENTO


TRIBUTÁRIO?

ICMS TAX WAR: AN OPPORTUNITY FOR TAX PLANNING?

Vanessa Pereira Rodrigues Domene


Elidie Palma Bifano

RESUMO

O presente artigo aborda o tema da guerra fiscal do ICMS como instrumento de oportunidade
tributária para as empresas, considerando o cenário jurídico e político que se instaurou no
país. O estudo aborda os problemas gerados aos contribuintes pela concessão exacerbada de
incentivos fiscais unilaterais pelos Estados, os impactos das declarações de
inconstitucionalidade proferidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), bem como os efeitos
da Lei Complementar 160/2017, regulamentada pelo Convênio ICMS 190/2017, no que tange
ao passado e ao futuro da guerra fiscal.
Palavras-chave: ICMS. Guerra fiscal. Planejamento Tributário. Incentivos fiscais.

ABSTRACT

This article refers to the so called ICMS tax war, as being an instrument of tax opportunity
for the companies, considering the current juditial and political environment in the country.
This study embrances the problems imposed to the taxpayers due to the overwhelming tax
incentives granted by the states, the impact caused by the decisions issued by the Brazilian
Supreme Court (STF), regarding constitutional matters and, also, the effects of the
Complementary Law nr.160/2017, ruled by ICMS ruling nr. 190/2017 that are related to both
the past and the future of the tax war.
Keywords: ICMS. Tax war. Tax planning. Tax incentives.

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1 INTRODUÇÃO

A concessão de incentivos fiscais é garantida pela nossa Constituição Federal e deve


ser implementada com o objetivo de promover o equilíbrio, para incentivar regiões mais
desfavorecidas, visto que vivemos num país extenso e com inúmeras diferenças regionais.
Entretanto, o que temos visto nos últimos trinta anos é que os Estados têm se utilizado
excessivamente desse instrumento, concedendo incentivos fiscais sem a aprovação do
Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), com o intuito de atrair empresas, gerar
empregos, aumentar a arrecadação e até como medida protecionista, para se defender de
outros Estados que também se utilizam de práticas excessivas na concessão de incentivos
fiscais.
Este cenário agressivo acaba por afrontar a neutralidade tributária, resultando em
prejuízos para todos. O que deveria favorecer o desenvolvimento econômico do país, acaba
por aumentar as desigualdades e provocar a concorrência desleal entre as empresas.
Os Estados vivem num verdadeiro ringue, na briga por atrair empresas de diversos
setores da economia, e, os empresários, por outro lado, se veem numa encruzilhada ao ter de
decidir entre aceitar as benesses dos incentivos fiscais, melhorar seus resultados e aguardar o
desfecho judicial ou político do tema, ou ser conservadores e não aderir àqueles, porém,
correndo o risco de ver seus negócios desabarem em razão dos preços mais competitivos de
seus concorrentes. Ou seja, apesar de a briga ocorrer entre os Estados, ao final, os
contribuintes é que estão arcando com as consequências negativas.
Com isso, até que ponto a edição da Lei Complementar 160/2017, regulamentada pelo
Convênio ICMS n. 190/2018, trouxe uma solução política para o tema da guerra fiscal do
ICMS? A guerra fiscal pode ser implementada pelas empresas como uma forma de
planejamento tributário?
Essas são as perguntas que tentaremos destrinchar e responder ao longo deste artigo.

2 ASPECTOS GERAIS DA GUERRA FISCAL DO ICMS

A Constituição Federal atribuiu, em seu art. 155, inciso II, a competência aos Estados
e ao Distrito Federal para instituir o “Imposto sobre Operações relativas à Circulação de

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Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de


Comunicação”, o ICMS.
O imposto em comento é tido como uma das maiores fontes de recursos financeiros
dos Estados e, via de regra, é caracterizado por sua função fiscal.
Entretanto, embora a princípio a função do ICMS seja fiscal, ao longo dos anos a
função da extrafiscalidade foi se descortinando. Tal característica é percebida na atual política
fiscal brasileira, na qual o imposto se tornou um instrumento de atrativo econômico.
Isso porque o que se vislumbra é uma gama de concessões unilaterais de benefícios
pelos Estados, em desobediência às normas previstas no art. 155, § 2º, inciso XII, alínea “g”
da Constituição Federal, bem como nos artigos da Lei Complementar 24/1975, recepcionada
pela Lei Maior por se coadunar aos preceitos descritos.
Os mencionados dispositivos legais estão transcritos, respectivamente, da seguinte
forma:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
[...]
II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços
de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as
operações e as prestações se iniciem no exterior;
[...]
§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
[...]
XII – cabe à lei complementar:
[...]
g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito
Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.
(grifo nosso)

Art. 1º – As isenções do imposto sobre operações relativas à circulação de


mercadorias serão concedidas ou revogadas nos termos de convênios celebrados e
ratificados pelos Estados e pelo Distrito Federal, segundo esta Lei.
Parágrafo único – O disposto neste artigo também se aplica:
I – à redução da base de cálculo;
II – à devolução total ou parcial, direta ou indireta, condicionada ou não, do tributo,
ao contribuinte, a responsável ou a terceiros;
III – à concessão de créditos presumidos;
IV – à quaisquer outros incentivos ou favores fiscais ou financeiro-fiscais,
concedidos com base no Imposto de Circulação de Mercadorias, dos quais resulte
redução ou eliminação, direta ou indireta, do respectivo ônus;
V – às prorrogações e às extensões das isenções vigentes nesta data.

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Art. 2º – Os convênios a que alude o art. 1º, serão celebrados em reuniões para as
quais tenham sido convocados representantes de todos os Estados e do Distrito
Federal, sob a presidência de representantes do Governo federal.
[...]
§ 2º – A concessão de benefícios dependerá sempre de decisão unânime dos Estados
representados; a sua revogação total ou parcial dependerá de aprovação de quatro
quintos, pelo menos, dos representantes presentes.

As aludidas normas dispõem no sentido de que os benefícios fiscais relativos ao ICMS


somente podem ser concedidos com a devida aprovação do Conselho Fazendário (Confaz) e,
portanto, as isenções e outros benefícios fiscais devem ser permitidos ou revogados por meio
de convênios celebrados e ratificados de forma unânime pelos Estados e pelo Distrito Federal.
Ocorre que, como já dito, o que se observou ao longo dos últimos anos foi uma
crescente tendência à concessão de benefícios de forma unilateral, que, consequentemente,
deu origem à chamada “guerra fiscal”.
Em outras palavras, com o propósito de atrair investimentos para seus territórios, há
uma concorrência entre os Estados ao editarem normas, sem a observância dos preceitos
legais, que proporcionam incentivos fiscais e/ou financeiros, na busca pela atração de
empreendimentos que contribuam para o desenvolvimento regional.
Vale destacar que os incentivos fiscais concedidos são de várias espécies, destacando-
se o crédito financeiro e o crédito presumido. Neste último, por exemplo, a sistemática
consiste em reduzir o imposto efetivamente recolhido ao Estado concedente do benefício;
porém, o destaque do ICMS no documento fiscal se dá pela alíquota interestadual cheia.
Com isso, a redução é efetuada no momento do pagamento do imposto, enquanto o
adquirente recebe o crédito integral destacado no documento fiscal.
Inegável que as causas, os pontos positivos e negativos, bem como as soluções para a
guerra fiscal são inúmeros. Contudo, em breve síntese, é possível afirmar que esse tipo de
concorrência entre os Estados brasileiros é decorrente de um pacto federativo falho.
Não há uma política de desenvolvimento regional patrocinada pelo governo federal, o
que enseja, por conseguinte, concentração das atividades econômicas no Sudeste do país.
O resultado disso é a tentativa, por parte dos Estados, de atrair investimentos e
proporcionar o desenvolvimento regional por meio de incentivos fiscais no âmbito do ICMS.
A discussão do tema já foi objeto de análise pelo Supremo Tribunal Federal (STF),
que se manifestou claramente pela intolerância à concessão de benefícios fiscais em
desconformidade com as disposições constitucionais, por meio das inúmeras decisões

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judiciais em que foram e continuam sendo declaradas inconstitucionais diversas legislações


estaduais.
Apesar das maciças e constantes declarações de inconstitucionalidade pelo STF,
tivemos no início de 2015 o primeiro julgamento que modulou os efeitos do julgado ex nunc,
a fim de que a decisão só produza efeitos a partir da data da sessão de julgamento (STF, ADI
4.481/PR, Tribunal Pleno, Relator Ministro Roberto Barroso, julgado em 11 de março de
2015). Essa posição se justificou em razão da ponderação do dispositivo constitucional
violado e os princípios da boa-fé e da segurança jurídica.
Esta modulação de efeitos foi inovadora, pois até o fim do ano de 2014 só haviam sido
proferidas decisões de modulação de efeitos ex tunc, em se tratando da discussão de
benefícios fiscais concedidos unilateralmente, sem aprovação do Confaz, por entenderem os
ministros do STF, em situações anteriores, que a modulação seria um incentivo à própria
guerra fiscal.
Diante dessas inúmeras decisões que declaram a inconstitucionalidade das leis que
concedem incentivos fiscais sem aprovação do Confaz, também há uma Proposta de Súmula
Vinculante – PSV n. 69 –, pendente de apreciação no STF, que diz: “qualquer isenção,
incentivo, redução de alíquota ou base de cálculo, crédito presumido, dispensa de pagamento
ou outro benefício fiscal relativo ao ICMS, concedido sem prévia aprovação em convênio
celebrado no âmbito do CONFAZ, é inconstitucional”.
Considerando a complexidade da matéria e os prejuízos gerados com o fim abrupto
dos incentivos fiscais, há muitos pedidos de modulação dos efeitos da Proposta de Súmula
Vinculante, visando a garantir, também, a segurança jurídica.

3 CONSEQUÊNCIAS DA GUERRA FISCAL: SANÇÃO AOS CONTRIBUINTES NA


TOMADA DOS CRÉDITOS DO ICMS ORIUNDOS DOS BENEFÍCIOS FISCAIS
CONCEDIDOS UNILATERALMENTE

Como vimos, a declaração de inconstitucionalidade das leis que concedem benefícios


fiscais de ICMS sem autorização prévia do Confaz já é um entendimento pacificado no
mundo jurídico, e decisões nesse sentido vêm sendo proferidas reiteradamente pelo STF.
Porém, no mundo real, ainda não se têm os efeitos desejados a ponto de dizermos que
chegamos em uma solução definitiva para o tema da guerra fiscal.

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Desde o início da guerra fiscal até os dias de hoje, os contribuintes que se creditaram
do ICMS “contaminado” com referidos benefícios fiscais vêm sendo autuados pelos Estados
destinatários para a cobrança das diferenças do imposto não pago na etapa anterior, acrescidas
de juros e multa.
O fato é que embora a briga ocorra entre os entes políticos, a sanção é dada aos
contribuintes que recebem a mercadoria incentivada, mesmo nos casos de mera aquisição, em
que o destinatário tem relação comercial e não prescinde do conhecimento da situação fiscal e
tributária de seu fornecedor.
Essa sanção aos contribuintes destinatários vem da Lei Complementar n. 24/1975,
que, ao regulamentar a concessão dos benefícios fiscais, dispôs em seus artigos 1º e 8º:
Art. 1º – As isenções do imposto sobre operações relativas à circulação de
mercadorias serão concedidas ou revogadas nos termos de convênios celebrados
e ratificados pelos Estados e pelo Distrito Federal, segundo esta Lei.

Art. 8º – A inobservância dos dispositivos desta Lei acarretará, cumulativamente:


I – a nulidade do ato e a ineficácia do crédito fiscal atribuído ao estabelecimento
recebedor da mercadoria;
II – a exigibilidade do imposto não pago ou devolvido e a ineficácia da lei ou ato
que conceda remissão do débito correspondente [...]. (grifo nosso).
Da leitura dos artigos acima reproduzidos se observa que o legislador impôs uma
sanção quando os Estados não observam os requisitos para a concessão dos benefícios fiscais,
ou seja, quando concedem tais benefícios sem a ratificação do Confaz.
Veja-se que a sanção é direcionada ao contribuinte, que terá declarada a nulidade e a
ineficácia do crédito fiscal atribuído ao estabelecimento recebedor da mercadoria, e não ao
Estado que descumpriu a previsão legal.
Entretanto, o disposto no art. 8º da LC 24/1975 acima reproduzido não se mostra apto
a mitigar o princípio da não cumulatividade, uma vez que se admite apenas duas exceções ao
referido princípio, quais sejam, a isenção e a não incidência, de modo que não se podem
admitir outras limitações provenientes de legislação infraconstitucional.
Assim, podemos afirmar que o direito ao crédito do ICMS surge com a aplicação da
alíquota sobre a base de cálculo e com a importância calculada e destacada em documento
fiscal hábil.
Partindo deste raciocínio, é inevitável constatar que, se o Estado de origem concedeu
determinado benefício, mesmo que unilateralmente, não cabe ao Estado de destino glosar
o crédito do contribuinte, na medida em que o crédito foi devidamente destacado na nota
fiscal. Afinal, glosar o crédito do contribuinte não é a forma adequada de questionar a

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concessão de benefícios fiscais unilaterais. Seria corrigir uma inconstitucionalidade com outra
inconstitucionalidade.
Isso porque os Estados gozam de instrumento constitucional adequado para questionar
os Estados, mediante Ação Direta de Inconstitucionalidade, conforme disposto no artigo 102,
inciso I, alínea “a” da Constituição Federal, e não via glosa de créditos do contribuinte, com
aplicação de juros e multa.
Neste sentido, vale reproduzir a ementa do acórdão proferido na Apelação nº
529.218.5/0-00, julgada pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo1:
ICMS. Pretensão objetivando o reconhecimento do direito ao aproveitamento e
utilização integral dos créditos de ICMS oriundos de operações interestaduais de
compra e venda de gado bovino em pé e de carne bovina junto a contribuintes de
outras unidades da Federação, sem as restrições impostas pela Fazenda Estadual,
constantes do Comunicado CAT nº 36/2004 e do art. 36, § 3º da Lei 6.374/89 –
Procedência do pedido decretada corretamente em 1º grau – contribuinte que,
fundado em documentos formalmente em ordem, adquire mercadorias ou toma
serviços em outros Estados, não pode ter negado o direito ao crédito de ICMS
pela pessoa política que se julgue prejudicada, pois restrições normativas locais
não podem sobrepor-se ao princípio da não-cumulatividade insculpido no art.
155, § 2º, inciso I da CF – Reexame necessário e apelo da Fazenda Estadual não
providos. (grifo nosso).
O direito de crédito nasce, em verdade, com a incidência do ICMS na operação de
saída das mercadorias do estabelecimento dos fornecedores. Trata-se de fenômeno de teor
jurídico, que se consuma precisamente naquela operação anterior.
Até porque, em que pese a concessão ou não do benefício fiscal, o remetente das
mercadorias pode simplesmente deixar de recolher o imposto ao seu Estado, em
inadimplência total, cabendo a este Estado efetuar a cobrança do tributo devido. Todavia, tal
fato não tem o condão de impedir o direito ao crédito destacado na nota fiscal pelo
destinatário das mercadorias.
Caso contrário, o princípio da não cumulatividade restaria completamente prejudicado,
de modo que, a cada operação, antes de se apropriar dos créditos, o adquirente teria de se
certificar de que o vendedor não gozava de benefício que importasse em crédito presumido do
imposto, por exemplo.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 03/05/2011, enfrentou a questão em um
processo que envolve a empresa Novo Mundo Móveis e Utilidades Ltda. e o Estado do Mato

1
Apelação nº 529.218.5/0-00 – Relator: Paulo Dimas Mascaretti – Data do julgamento: 10 de outubro de 2007 –
8ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

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Grosso2, de modo que vale transcrever os trechos mais relevantes da ementa e do voto do
Exmo. Sr. Ministro Castro Meira:
TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ICMS. OPERAÇÃO
INTERESTADUAL. CONCESSÃO DE CRÉDITO PRESUMIDO AO
FORNECEDOR NA ORIGEM. PRETENSÃO DO ESTADO DE DESTINO
DE LIMITAR O CREDITAMENTO DO IMPOSTO AO VALOR
EFETIVAMENTE PAGO NA ORIGEM. DESCONSIDERAÇÃO DO
BENEFÍCIO FISCAL CONCEDIDO. IMPOSSIBILIDADE.
COMPENSAÇÃO. LEI. AUTORIZAÇÃO. AUSÊNCIA.
1. O mandamus foi impetrado contra ato do Secretário de Estado da Fazenda, com
o objetivo de afastar a exigência do Fisco de, com base no Decreto Estadual
4.504/04, limitar o creditamento de ICMS, em decorrência de incentivos ou
benefícios fiscais concedidos pelo Estado de origem da mercadoria. Deve-se
destacar que a discussão travada na lide não diz respeito à regularidade do crédito
concedido na origem, mas à possibilidade de o ente estatal de destino obstar
diretamente esse creditamento, autuando o contribuinte que agiu de acordo com a
legislação do outro ente federativo.
[...]
5. Se outro Estado da Federação concede benefícios fiscais de ICMS sem a
observância das regras da LC 24/75 e sem autorização do CONFAZ, cabe ao
Estado lesado obter junto ao Supremo, por meio de ADIn, a declaração de
inconstitucionalidade da lei ou ato normativo de outro Estado – como aliás foi
feito pelos Estados de São Paulo e Amazonas nos precedentes citados pela
Ministra Eliana Calmon – e não simplesmente autuar os contribuintes sediados
em seu território. Vide ainda: ADI 3312, Rel. Min. Eros Grau. DJ 09.03.07 e ADI
3389/MC, Rel. Min. Joaquim Barbosa. DJ 23.06.06.
Do voto, extrai-se:
[...] Assim, basta que o imposto tenha incidido na etapa anterior, ainda que não
tenha sido efetivamente recolhido, para que surja o direito ao crédito na etapa
seguinte, que somente não será creditado, ou será estornado, se houver isenção
ou não-incidência na entrada ou na saída da mercadoria do estabelecimento
comercial.
No caso, houve a incidência do imposto na etapa anterior, que não foi integralmente
recolhido por força de um crédito presumido concedido pelo Estado de origem ao
vendedor situado em seu território.
A hipótese de crédito presumido difere substancialmente dos casos de isenção
ou não-incidência, pois nessas situações não há, de fato, “imposto devido”, já que
não há incidência tributária.
Assim, constatado que o benefício fiscal concedido pelo Estado de origem não
altera o cálculo do imposto devido, mas, apenas, resulta em recolhimento a
menor em face da concessão de crédito presumido, deve ser autorizado o
creditamento do percentual de 12% do ICMS devido ao Estado destinatário.
[...]
Se outro Estado da Federação concede benefícios fiscais de ICMS sem a
observância das regras da LC 24/75 e sem autorização do CONFAZ, cabe ao Estado
lesado obter junto ao Supremo, por meio de ADIn, a declaração de
inconstitucionalidade da lei ou ato normativo do Estado de onde se originam as
mercadorias – como aliás foi feito pelos Estados de São Paulo e Amazonas

2
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 31.714-MT (2010/0044507-3) – RELATOR: MINISTRO
CASTRO MEIRA – RECORRENTE: NOVO MUNDO MÓVEIS E UTILIDADES LTDA e RECORRIDO:
ESTADO DE MATO GROSSO – Data do julgamento: 07/10/2010.

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nos precedentes citados pela Ministra Eliana Calmon – e não simplesmente autuar os
contribuintes sediados em seu território.
Os seguintes precedentes da Suprema Corte apontam para a ADIn como o único
meio judicial de que deve valer-se o Estado lesado para obter a declaração de
inconstitucionalidade da lei de outro Estado que concede benefício fiscal do ICMS
sem autorização do CONFAZ:
ADIn proposta pelo Estado do Amazonas contra o Estado do Paraná
EMENTA: Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade. 2. Caráter
normativo autônomo e abstrato dos dispositivos impugnados. Possibilidade de sua
submissão ao controle abstrato de constitucionalidade. Precedentes. 3. ICMS.
Guerra fiscal. Artigo 2º da Lei nº 10.689/1993 do Estado do Paraná. Dispositivo que
traduz permissão legal para que o Estado do Paraná, por meio de seu Poder
Executivo, desencadeie a denominada “guerra fiscal”, repelida por larga
jurisprudência deste Tribunal.
Precedentes. 4. Artigo 50, XXXII e XXXIII, e §§ 36, 37 e 38 do Decreto Estadual nº
5.141/2001. Ausência de convênio interestadual para a concessão de benefícios
fiscais.
Violação ao art. 155, § 2º, XII, g, da CF/88. A ausência de convênio interestadual
viola o art. 155, § 2º, incisos IV, V e VI, da CF. A Constituição é clara ao vedar aos
Estados e ao Distrito Federal a fixação de alíquotas internas em patamares inferiores
àquele instituído pelo Senado para a alíquota interestadual. Violação ao art. 152 da
CF/88, que constitui o princípio da não-diferenciação ou da uniformidade tributária,
que veda aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer diferença
tributária entre bens e serviços, de qualquer natureza, em razão de sua procedência
ou destino. 5. Medida cautelar deferida. (ADI 3936 MC, Rel. Min. Gilmar Mendes,
Tribunal Pleno, DJe de 09.11.2007)
[...]
Para consolidar ainda mais o entendimento sobre o assunto, transcrevemos trecho da
decisão monocrática da Ministra Ellen Gracie, do STF, na ação cautelar nº 2.611 MC/MG:
[...] 6. O que está em discussão, porém, não é propriamente a higidez do benefício
concedido pelo Estado de Goiás, mas a possibilidade de o Estado de Minas Gerais,
manu propria, anular os seus efeitos mediante glosa à apropriação de créditos
relativa a operações estaduais efetuadas a partir daquele Estado. Pode, o Estado de
Minas Gerais, indiscutivelmente, argüir a inconstitucionalidade do benefício fiscal
concedido pelo Estado de Goiás em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade,
sendo certo que este Supremo Tribunal tem conhecido e julgado diversas ações
envolvendo tais conflitos entre Estados, do que é exemplo a ADI-2548. Mas a
possibilidade de estabelecer a glosa, pura e simples, dos créditos apropriados em
operação interestadual em que efetivamente tenha sido calculada e destacada a
alíquota interestadual apresenta-se questionável em face da sistemática de tributação
interestadual e da não-cumulatividade constitucionalmente consagradas, atentando-
se para a orientação desta Corte, bem lembrada pela Requerente, no sentido de que
inconstitucionalidades não se compensação, conforme a ADIMC 2.377, cujo relator
foi o Min. Sepúlveda Pertence: “O propósito de retaliar preceito de outro Estado,
inquinado da mesma balda, não valida a retaliação: inconstitucionalidades não se
compensam” [...].
E ainda, transcrevemos ensinamento do Ilustre Professor Paulo de Barros Carvalho,
extraído do artigo “Guerra Fiscal e o princípio da Não-Cumulatividade no ICMS”, publicado
na Revista de Direito Tributário, v. 95, p. 7-22:
[...] o constituinte disciplinou a competência legislativa tributária, fazendo-o de
forma rígida e pormenorizada. Desenhou os exatos limites do campo tributável
atribuído a cada pessoa jurídica de direito público interno, determinando os fatos

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que estão autorizados a tributar, bem como os princípios norteadores da imposição


tributária. Tudo isso, para erigir um sistema harmônico, compatível com uma
República Federativa como a nossa, que prestigia a tripartição dos poderes e
assegura direitos fundamentais a todos os indivíduos.
Inadmissível, por conseguinte, que os Estados-membros e o Distrito Federal
pretendam, eles próprios, examinar a constitucionalidade das legislações dos
demais entes tributantes, proibindo o creditamento e exigindo o imposto
que considerem indevidamente dispensado. Observadas as regras
constitucionais, cumpriria a essas pessoas políticas, sentindo-se desfavorecidas
por qualquer medida legislativa ou administrativa de outra entidade tributante
do ICMS, bater às portas do Poder Judiciário, invocando a prestação
jurisdicional para ver satisfeitos os direitos porventura violados.
As unidades federadas devem exercitar sua autonomia dentro dos parâmetros
fixados pela Lei Maior. Exatamente porque a inconstitucionalidade não se
pressupõe, cabe sempre ao Poder Judiciário, por manifestação de sua mais elevada
Corte de Justiça, o Supremo Tribunal Federal, declarar a inconstitucionalidade. Por
isso, é inconcebível dispositivo legal ou infralegal que determine a glosa de
créditos. Ao agir desse modo, o Estado ou Distrito Federal estará invocando a si
mesmo uma função que a Constituição determinou que fosse desempenhada
especificamente pelo Poder Judiciário, arranhando, grosseiramente, o princípio da
separação dos poderes.
Em tal hipótese, havendo preceito que determine a desconsideração de créditos de
ICMS, também estará configurada violação a diversos outros preceitos do Texto
Maior: (i) afronta o princípio federativo, tendo em vista que a pessoa política
destinatária das mercadorias ou serviços, ao exigir o ICMS que seria devido pelo
Estado de origem caso o benefício fiscal fosse julgado indevido, invade competência
tributária alheia; (ii) ao proibir o aproveitamento de créditos decorrentes de
operações que não caracterizam casos de isenção ou não-incidência, aniquila o
princípio da não-cumulatividade; (iii) são atingidos os princípios da isonomia e da
proibição de discriminação de bens e serviços em razão de sua procedência ou
destino. (grifo nosso).
Portanto, o contribuinte não pode ser penalizado pelo Estado de destino da mercadoria
em razão de o Estado remetente oferecer benefício fiscal às empresas lá estabelecidas, por
existirem meios adequados para tanto. O Estado que se sentir lesado deve valer-se dos meios
que possui para questionar a norma perante o STF, e não simplesmente autuar os
contribuintes sediados em seu território que só fizeram cumprir a lei.
Quanto à inconstitucionalidade de benefícios concedidos unilateralmente pelos
Estados, o STJ mantém-se em harmonia com o entendimento do Supremo Tribunal Federal,
no sentido de que a validade do crédito de ICMS em decorrência de operações interestaduais
está indissociavelmente vinculada à celebração de convênio junto ao Confaz; contudo, tal
fato, por si só, não autoriza os Estados a glosarem os créditos de ICMS
que se enquadrem nessa hipótese.
Se houve incidência do imposto com o devido destaque no documento fiscal, não há
como suspender o direito ao aproveitamento do crédito sem que isso represente violação
direta e frontal à Constituição Federal que garante a não cumulatividade do ICMS, nos termos
do art. 155 § 2º, inciso I.

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Desta forma, mesmo com o reconhecimento da inconstitucionalidade declarada na


Suprema Corte, os Estados não estão legitimados para glosarem créditos de seus
contribuintes, pois se estaria diante de uma nova inconstitucionalidade.
Isso porque a declaração de inconstitucionalidade/ilegalidade na concessão de
benefícios fiscais é de competência privativa do Poder Judiciário, não sendo lícita a glosa de
créditos aplicada pelo Estado recebedor da mercadoria.
Permitir tal exigência coloca o contribuinte numa situação de vulnerabilidade, pelo
simples fato de cumprir a legislação nacional e constitucional do ICMS, que determina a
aplicação da não cumulatividade.
Assim, vivenciamos um cenário caótico em que as soluções jurídicas propostas para o
fim da guerra fiscal não têm sido suficientes para minimizar o impacto negativo no mundo
empresarial.

4 TENTATIVA DE SOLUÇÃO LEGISLATIVA: A LEI COMPLEMENTAR Nº


160/2017

Considerando a declaração de inconstitucionalidade das leis que concederam


incentivos fiscais unilateralmente, e que os contribuintes, mesmo os de boa-fé, continuam
arcando com os prejuízos da guerra fiscal do ICMS, passou-se a vislumbrar uma alternativa
no âmbito político.
Assim, em 07 de agosto de 2017 foi sancionada a Lei Complementar nº 160/2017, que
dispõe sobre a remissão de créditos tributários, constituídos ou não, decorrentes de incentivos
fiscais instituídos sem aprovação do Confaz, por legislação estadual publicada até a data dessa
Lei Complementar, bem como a reinstituição desses incentivos fiscais por legislação estadual
que ainda esteja em vigor.
Para regulamentar a referida Lei Complementar, os Estados e o Distrito Federal
celebraram o Convênio ICMS 190/2017, aprovado por mais de 2/3 dos votos favoráveis dos
Estados. Tal Convênio trouxe uma série de esclarecimentos; dentre eles, elenca os benefícios
fiscais abarcados pela norma (devolução de imposto, crédito outorgado, crédito presumido,
financiamento, anistia, moratória, dilação de prazo para pagamento, crédito para investimento,
entre outros), bem como a definição e distinção de termos trazidos pela Lei Complementar
160/17, tais como atos normativos e atos concessivos.

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A publicação da referida norma chegou com a esperança de solucionar a guerra fiscal


que se instaurou no país, para convalidar os incentivos fiscais concedidos irregularmente no
passado e para tratar das regras futuras, de forma a inibir os Estados à concessão de novos
incentivos fiscais inconstitucionais, como feito até então. A questão é saber se a lei, de fato,
viabilizou tal objetivo.
Para fazer valer as regras propostas, os Estados devem publicar nos respectivos
Diários Oficiais, a relação de todos os atos normativos que tratam de isenção, incentivos e
benefícios fiscais ou financeiro-fiscais, e efetuar o registro e depósito de toda a documentação
probatória dos atos concessivos dos incentivos fiscais.
Um dos grandes pontos de discussão entre os Estados foi o artigo que ficou conhecido
como “regra da cola” 3 , em que se permite a extensão dos benefícios fiscais a outros
contribuintes estabelecidos na mesma região, desde que respeitadas as mesmas condições de
fruição, bem como aderir a benefícios fiscais concedidos para outra unidade federada da
mesma região. Nesta hipótese, porém, não é permitida a mudança do estabelecimento do
contribuinte para outra unidade da federação, apenas por conta da adesão ao benefício fiscal
pretendido.
Se de um lado a “regra da cola” visa a prestigiar o princípio da isonomia local, para
que contribuintes na mesma situação e na mesma região possam se beneficiar dos mesmos
incentivos fiscais, por outro lado, estimula a competitividade e a continuidade da guerra fiscal
por pelo menos mais 15 anos (prazo máximo para reinstituição de incentivos fiscais) de forma
a pulverizar os malefícios da guerra fiscal.
Com essa legislação, confirmou-se, ainda, a hipótese de não aplicação das sanções
previstas no artigo 8º da LC 24/1975 desde o ato concessivo do benefício fiscal, em que os
créditos de ICMS tomados pelo estabelecimento adquirente da mercadoria incentivada não
serão glosados e o imposto complementar devido ao Estado concedente do incentivo não será
exigido. Este ponto é importante e certamente influenciará as futuras decisões dos tribunais

3
Lei Complementar 160/2017
Art. 3º – O convênio de que trata o art. 1º desta Lei Complementar atenderá, no mínimo, às seguintes
condicionantes, a serem observadas pelas unidades federadas:
[...]
§ 7o As unidades federadas poderão estender a concessão das isenções, dos incentivos e dos benefícios fiscais ou
financeiro-fiscais referidos no § 2o deste artigo a outros contribuintes estabelecidos em seu território, sob as
mesmas condições e nos prazos-limites de fruição.
§ 8o As unidades federadas poderão aderir às isenções, aos incentivos e aos benefícios fiscais ou financeiro-
fiscais concedidos ou prorrogados por outra unidade federada da mesma região na forma do § 2 o, enquanto
vigentes.

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administrativos e judiciais, que deverão caminhar para o cancelamento das inúmeras


autuações fiscais que ainda pendem de julgamento.
Obviamente que será necessária a publicação de lei ou decreto pelos Estados de
origem quanto à remissão dos valores, de forma a produzir efeitos nos Estados de destino, e,
consequentemente, ter efeitos nas discussões que se instauraram nos âmbitos administrativo e
judicial. Porém, a possibilidade de convalidação desse passivo que se gerou nas empresas do
nosso país, certamente, foi um grande passo na solução do passado da guerra fiscal.
De outro lado, agora há previsão legal expressa aplicando sanções diretamente aos
Estados que concedem os incentivos fiscais unilateralmente. Essas sanções baseiam-se na Lei
de Responsabilidade Fiscal – Lei Complementar n. 101/2000, e implicam o não recebimento
de transferências voluntárias, a não obtenção de garantia de outro ente, e a proibição de
contratação de operações de créditos.
Apesar de haver dúvidas quanto à efetiva aplicabilidade dessas sanções, é certo que já
se trata de um cenário melhor que o que tínhamos anteriormente, em que só se penalizava o
contribuinte. Corrigiu-se, aqui, uma grande injustiça!
Outro grande ponto de destaque na Lei Complementar 160/2017 foi a classificação
dos incentivos fiscais do ICMS como subvenção para investimento, em que se pressupõem
transferências de recursos destinados à instalação, manutenção e expansão de empresas.
Para que as subvenções para investimento não sejam computadas na base de cálculo
do Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o
Lucro Líquido (CSLL) devem ser contabilizadas na conta de reserva de capital e não podem
ser repassadas para os acionistas a título de distribuição de lucros.
De acordo com o artigo 443 do Regulamento do Imposto de Renda, de 1999
(RIR/1999), as subvenções para investimento somente poderão ser utilizadas para absorver
prejuízos ou serem incorporadas ao capital social:
Art. 443. Não serão computadas na determinação do lucro real as subvenções para
investimento, inclusive mediante isenção ou redução de impostos concedidas como
estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos, e as doações,
feitas pelo Poder Público, desde que (Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 38, § 2º, e
Decreto-Lei nº 1.730, de 1979, art. 1º, inciso VIII):
I – registradas como reserva de capital que somente poderá ser utilizada para
absorver prejuízos ou ser incorporada ao capital social, observado o disposto no art.
545 e seus parágrafos; ou
II – feitas em cumprimento de obrigação de garantir a exatidão do balanço do
contribuinte e utilizadas para absorver superveniências passivas ou insuficiências
ativas.

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Tal previsão legal acaba por solucionar outro tema que há muito se discute perante o
Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), eis que a Receita Federal do Brasil,
por meio de Soluções de Consulta, entende que os incentivos fiscais do ICMS deveriam ser
classificados como subvenção para o custeio, o que não excluiria a tributação pelo IRPJ e
CSLL, por se destinarem a despesas ordinárias.
Por fim, é prevista ainda a possibilidade de reinstituição dos benefícios fiscais pelo
período de até 15 anos, a depender do seu tipo, desde que haja publicação dos respectivos atos
concessivos.
Como se vê, a presente solução legislativa foi bastante produtiva e de certa forma
cumpriu com a função a que foi proposta, especialmente do ponto de vista de convalidação do
passado. Porém, o futuro da guerra fiscal ainda permanece incerto, na medida em que se perde
a oportunidade de enfrentar pontos que seriam essenciais para a diminuição do impacto da
guerra fiscal ao longo do tempo, como se pretendia com a redução gradativa das alíquotas,
mas que foi rechaçada pela maioria dos Estados.

5 A GUERRA FISCAL COMO OPORTUNIDADE TRIBUTÁRIA

Após todo o histórico da guerra fiscal de ICMS, que envolve desde questões legais,
jurídicas e até políticas, cabe agora avaliar se de fato estamos diante de uma grande
oportunidade tributária para o mundo empresarial.
Como dito inicialmente, o empresário se vê numa encruzilhada ao tratar do tema
“guerra fiscal”: (i) se adere aos incentivos fiscais concedidos pelos Estados e aguarda por um
desfecho favorável no âmbito jurídico e/ou uma solução política, ou se (ii) se mantém na
operação sem incentivos fiscais e perde competitividade em relação aos seus concorrentes.
É fato que aqueles que aderiram aos incentivos fiscais, hoje se veem em situação de
vantagem em relação àqueles que não o fizeram. Primeiro, porque conseguiram preços mais
competitivos no mercado; segundo, porque entre a instituição da lei concessiva e a declaração
de inconstitucionalidade pelo STF levam-se anos a se ter uma decisão; e, terceiro, porque o
efeito da declaração da inconstitucionalidade da lei se dá apenas a partir da data do
julgamento da ADI – efeitos ex nunc.
Ainda que assim não fosse, o assunto ganhou uma proporção e importância tão grande
no mundo empresarial, que a saída por uma solução política era o meio mais acertado e
eficiente de minimizar os impactos para todos os atores da guerra fiscal.

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Hoje, com a vigência da Lei Complementar 160/2017, que prevê a convalidação dos
créditos de ICMS tomados no passado pelo estabelecimento destinatário e a remissão da
diferença do ICMS devida pelo estabelecimento do remetente, vê-se que a discussão jurídica e
política de anos valeu a pena.
Aqueles que optaram por ser mais conservadores e não se utilizaram dos benefícios
fiscais do ICMS hoje se sentem prejudicados por não terem praticado preços melhores e
correm atrás de uma nova oportunidade nos termos da Lei Complementar 160/2017.
Este cenário, infelizmente, contribui para estimular a guerra fiscal.
O tema da guerra fiscal, por pior que seja, é uma realidade no nosso país e gera
prejuízos para todos, inclusive nós, cidadãos que pagamos tributos e não temos como nos
manifestar quanto ao direcionamento desses valores.
Portanto, é de se concluir que passados cerca de trinta anos de discussão da guerra
fiscal, não temos como ignorar o fato de que a briga instaurada favoreceu aqueles empresários
que foram mais arrojados e decidiram enfrentar o nosso complexo arcabouço jurídico, na
tentativa de serem mais competitivos e buscarem uma economia tributária.
Infelizmente, se constata uma reversão de valores: o que era para ser visto como um
estímulo a novos empreendimentos e atrair investimentos no desenvolvimento das regiões
menos favorecidas, para se buscar um equilíbrio econômico, passou a ser uma saída de
economia tributária para os empresários.
Entretanto, apesar de ser uma forma de economia tributária, acaba por aumentar as
desigualdades e provoca a concorrência desleal entre as empresas, retardando o
desenvolvimento do país.

6 PRINCIPAIS CONSIDERAÇÕES E CONCLUSÃO

De tudo o que fora exposto neste artigo, podemos extrair as seguintes considerações:
1. A concessão de incentivos fiscais pelos Estados é uma garantia constitucional que
tem como objetivo incentivar os investimentos nas regiões menos favorecidas e
promover o equilíbrio no país.
2. Nos últimos trinta anos os Estados passaram a conceder excessivamente incentivos
fiscais sem aprovação do Confaz, resultando em inúmeras desigualdades e
promovendo a concorrência desleal entre as empresas, de forma a afrontar a
neutralidade tributária.

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3. O resultado dessas concessões unilaterais de incentivos fiscais foi a declaração de


inconstitucionalidade de inúmeras legislações tributárias estaduais, com modulação de
efeitos ex nunc, em observância aos princípios da boa-fé e da segurança jurídica.
4. Aguarda-se ainda pendente de apreciação perante o STF a Proposta de Súmula
Vinculante n. 69, sobre a inconstitucionalidade das leis que concederam incentivos
fiscais unilateralmente, com pedido de modulação de efeitos ex nunc.
5. A Lei Complementar n. 24/1975, em seus artigos 1º e 8º prevê sanção aos
contribuintes que se creditarem do ICMS “contaminado” com benefícios fiscais, que
são autuados pelos Estados destinatários para cobrança das diferenças do imposto não
pago na etapa anterior, acrescidas de juros e multa.
6. Entretanto, não cabe ao Estado de destino glosar o crédito do contribuinte, na
medida em que o crédito foi devidamente destacado na nota fiscal e não é a forma
adequada de se questionar a concessão de benefícios fiscais unilaterais, devendo fazê-
lo por meio do ingresso da respectiva ADIn, nos termos do artigo 102, inciso I, alínea
“a” da Constituição Federal. Seria corrigir uma inconstitucionalidade com outra
inconstitucionalidade.
7. Com o viés de achar uma solução política para o tema, surge a Lei Complementar nº
160/2017, que chegou trazendo a esperança de solucionar a guerra fiscal para
convalidar os incentivos fiscais concedidos irregularmente no passado e para tratar das
regras futuras, de forma a inibir os Estados à concessão de novos incentivos fiscais
inconstitucionais, como feito até então.
8. O Convênio 190/2017 foi celebrado por maioria de votos favoráveis dos Estados
perante o Confaz, para regulamentar a referida Lei Complementar 160/2017.
9. Definiu-se o que ficou conhecido como a “regra da cola”, que visa a prestigiar o
princípio da isonomia local, para que contribuintes na mesma situação e na mesma
região possam se beneficiar dos mesmos incentivos fiscais. Apesar de esta regra trazer
a isonomia local, por outro lado, estimula a competitividade e a continuidade da guerra
fiscal por pelo menos mais 15 anos (prazo máximo para reinstituição de incentivos
fiscais), pulverizando os malefícios da guerra fiscal.
10. Passa-se a ter previsão legal expressa para aplicação de sanções diretamente aos
Estados que concedem os incentivos fiscais unilateralmente, baseadas na Lei de
Responsabilidade Fiscal – Lei Complementar n. 101/2000 –, e que implicam o não
recebimento de transferências voluntárias, a não obtenção de garantia de outro ente, e

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a proibição de contratação de operações de créditos. Por outro lado, exclui as sanções


aos contribuintes nos termos do artigo 8º da Lei Complementar 24/1975.
11. Com a nova Lei, fica definido que os incentivos fiscais do ICMS serão
classificados como subvenção para o investimento.
12. A Lei Complementar atinge o seu propósito com a convalidação do passivo
pretérito, mas ainda peca na falta de regras para o futuro da guerra fiscal.

Diante deste cenário e do imbróglio jurídico/político em que se tornou o tema da


Guerra Fiscal, fica evidente que os empresários que se utilizaram das suas benesses estão em
situação de vantagem em relação àqueles que não o fizeram. Os cerca de trinta anos de
discussão jurídica sobre o tema sem que houvesse uma solução efetiva, acabou forçando um
“acordo político”, especialmente para a convalidação do passado, e se mostrou uma excelente
oportunidade tributária do ponto de vista negocial.
Porém, se analisarmos do ponto de vista de desenvolvimento do país como um todo,
demos muitos passos para trás, desde o início do tema, quando os Estados passaram a
conceder excessivamente incentivos fiscais sem aprovação do Confaz, aumentando a
desigualdade e desencadeando a concorrência desleal entre as empresas.
O futuro da guerra fiscal ainda é incerto. A Lei Complementar pouco aprofundou o
assunto e não avança na apresentação de uma solução efetiva. Ainda teremos de caminhar
mais alguns anos para que, de fato, possamos avaliar se a guerra fiscal ainda será uma
oportunidade tributária para as empresas.

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17

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