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PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS, RESPONSABILIDADE


SOCIAL E CIDADANIA GLOBAL

O Direito Humano ao Trabalho na

perspectiva da Lei de Transição

Energética Justa

Nº 14.299/2022

ROCHELI FLORES

Orientador: Nome do Orientador


2023
2

RESUMO

A transição energética é uma realidade e com ela carrega o ônus da obsolescência


da mão de obra de determinados trabalhadores, tendo em vista a redução da
mineração de carvão no sul do Brasil. A transição energética vem ocorrendo em
diversas frentes jurisdicionais em nosso país. Há ampla abordagem do tema,
principalmente sob a perspectiva do direito ambiental. As principais temáticas trazidas
neste contexto, tratam acerca da busca de redução dos impactos negativos ao meio
ambiente, causados pelos combustíveis fósseis, com ênfase na questão do
aquecimento global, poluição, degradação de biomas, dentre outros. Entretanto, a
transição energética de forma justa, não se encerra apenas na dimensão ambiental e
aborda também a questão do desenvolvimento econômico e social. Após a COP26
ocorrida em Glasgow, que de forma inédita, trouxe um bloco inteiro para tratar da
mitigação do carvão e da COP28, que definiu o pacto para que os países façam a
transição dos combustíveis fósseis até 2050, resta-nos analisar se a obsolescência
da mão de obra trabalhadora no setor da mineração de carvão e os impactos sociais
sobre a comunidade em que estão inseridos está sendo tratada pela transição
energética justa sob o olhar dos direitos humanos ao trabalho? Para isto, a
metodologia utilizada foi a análise hermenêutica acerca do direito humano ao trabalho
como elemento integrante da dignidade da pessoa humana, na maneira em que
constam dos textos e previsões do Programa de Transição Energética Justa, criada
pela lei nº 14.299 de 05 de janeiro de 2022 e seus ramificados Projetos de Lei,
confrontando-o com os princípios previstos na Constituição Federal de 1988,
Declaração Universal dos Direitos Humanos e no Pacto Internacional dos Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais. O resultado mostrou que os conceitos de direito
humano e direito humano ao trabalho integram a lei 14.299/2022 (Lei de Transição
Energética Justa), a partir do programa contido no seu anexo Plano de Transição
Justa. Em termos hermenêuticos, a Lei que cria a Transição Energética Justa em
nosso país resguarda a garantia do direito humano ao trabalho como elemento
integrante da dignidade humana.

Palavras-chave: Direitos Humanos. Trabalhadores. Transição Energética. Mineração


de Carvão
3

ABSTRACT

The energy transition is a reality and with it carries the burden of obsolescence in the
workforce of certain workers, given the reduction in coal mining in southern Brazil. The
energy transition has been occurring on several jurisdictional fronts in our country.
There is a broad approach to the topic, mainly from the perspective of environmental
law. The main themes brought up in this context deal with the search for reducing
negative impacts on the environment caused by fossil fuels, with an emphasis on the
issue of global warming, pollution, degradation of biomes, among others. However, the
energy transition in a fair way does not just end with the environmental dimension and
also addresses the issue of economic and social development. After COP26, which
took place in Glasgow, which, in an unprecedented way, brought an entire bloc to deal
with coal mitigation, and COP28, which defined the pact for countries to transition from
fossil fuels by 2050, we are left to analyze whether obsolescence of the labor force in
the coal mining sector and the social impacts on the community in which they are
located are being addressed by the fair energy transition from the perspective of
human rights to work? For this, the methodology used was the hermeneutic analysis
regarding the human right to work as an integral element of the dignity of the human
person, as stated in the texts and predictions of the Fair Energy Transition Program,
created by law nº 14,299 of January 5th. of 2022 and its branching Bills, comparing it
with the principles set out in the Federal Constitution of 1988, the Universal Declaration
of Human Rights and the International Covenant on Economic, Social and Cultural
Rights. The result showed that the concepts of human right and human right to work
are part of law 14,299/2022 (Fair Energy Transition Law), based on the program
contained in its annex Fair Transition Plan. In hermeneutical terms, the Law that
creates the Just Energy Transition in our country protects the guarantee of the human
right to work as an integral element of human dignity.

Keywords : Human Rights. Workers. Energy Transition. Coal Mining


4

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO .................................................................................................... 5
1.1. Considerações Iniciais ............................................................................... 5
1.2. Objetivo Geral ............................................................................................. 7
1.3. Objetivos Específicos ................................................................................. 7
1.4. Metodologia Utilizada ................................................................................. 7
1.5. Justificativa ................................................................................................. 7
1.6. Estruturação do Artigo ............................................................................... 7
2. REFERENCIAL TEÓRICO .................................................................................. 8
2.1. Transição Energética .................................................................................. 8
2.2. Lei Federal 14.299/2022 e seus Projetos ................................................... 9
2.3. Direitos Humanos ..................................................................................... 10
2.4. Direito Humano ao Trabalho na CF de 1988 ............................................ 11
2.5. Relação entre a Lei 14.299/2022 e a CF de 1988 no âmbito do Direito ao
Trabalho .............................................................................................................. 12
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................. 13
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 14
5

1.

1.1. Considerações Iniciais


O ano de 1795 data a primeira notícia sobre carvão1 no Brasil, atribuída ao
soldado português Vicente Wenceslau Gomes de Carvalho, já o ano de 1853 foi
reconhecido como aquele em que se deu início à mineração 2 no estado do RS. E em
janeiro de 1981, apenas no município de Minas do Leão/RS, trabalhavam em torno de
1000 empregados na mineração de carvão e sob este contexto, conforme José Eron
Nunes, “é importante destacar que sem a participação das empresas daquela época,
toda a infraestrutura construída: vilas operárias, cooperativas, postos de saúde,
escolas, clubes... não teria sido edificada na velocidade necessária, e os benefícios
advindos da melhoria das condições de moradia, dos melhores recursos sanitários,
do pronto atendimento médico-odontológico e hospitalar, das possibilidades de
escolarização, e da convivência em torno do aparato social, não teriam acontecido (...)
os mineiros e suas famílias também não teriam desfrutado de todo o desenvolvimento
social que se multiplicou junto com essas obras incorporadas pelas mineradoras.”
Com este recorte histórico, é imprescindível que consideremos as conquistas e
desenvolvimento alcançados no âmbito social, através do trabalho dos mineradores e
da necessidade da mão de obra trabalhista no setor de extração de carvão mineral,
ao longo destes dois séculos.
Passamos à análise de um segundo momento histórico, o ano de 2021 em que
ocorreu em Glasgow (Escócia) a COP26: a maior e mais importante conferência sobre
o clima do planeta. Nascida a partir do acordo da Convenção-Quadro das Nações
Unidas sobre Mudanças Climáticas em 1994, com o pacto entre as nações para
estabilizar as concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera, as Nações
Unidas reúnem anualmente quase todos os países do planeta (atualmente 197 países
signatários) para as cúpulas globais do clima, ou as “COPs”, que significa

1
Osório, Rui Giacomoni. Carvão no Mundo e na CRM. Porto Alegre: Companhia Riograndense de Artes Gráfica
(CORAG), 2012.p18
2
Nunes, José Eron. Minas do Leão das Entranhas da Terra. Porto Alegre: Metamorfose, 2018.p30 e 134
6

“Conferência das Partes”.3 Nessa edição da COP26, dentre os diversos


compromissos pactuados entre as nações, está o objetivo da mitigação de uso do
carvão no setor energético. Conforme o relatório, 190 países concordaram em reduzir
gradualmente a participação da energia a carvão em suas matrizes, tendo já sido
reduzido em 76% a construção de novas usinas a carvão desde o Acordo de Paris 4.
Ainda, conforme o relatório “O setor energético responde por um quarto das emissões
globais de gases de efeito estufa, sendo o carvão o maior responsável pelas
mudanças climáticas causadas pela ação humana. Para manter viva a meta de 1,5°C,
será necessário cessar imediatamente a construção de novas termelétricas a carvão,
aumentar a oferta de energia limpa, e desativar as usinas a carvão existentes: até
2030 nas economias avançadas e até 2040 no restante do mundo.” Após, com a
realização da COP28 em 2023, restou definido que os países devem fazer a transição
dos combustíveis fósseis até 20505. É um consenso na comunidade científica o fato
de que a matriz energética a partir dos combustíveis fósseis é umas das principais
causas de impactos negativos sobre o meio ambiente.
No Brasil, foi sancionada a Lei Federal 14.299 de 05 de janeiro de 2002 que
criou o Programa de Transição Energética Justa, com vistas a promover uma transição
energética justa para a região carbonífera do estado de Santa Catarina. A lei prevê
em seu art. 4º, §1º que o TEJ (Programa de Transição Energética Justa) tem o objetivo
de preparar a região para o provável encerramento, até 2040, da atividade de geração
termelétrica a geração de carvão mineral nacional sem abatimento da emissão de gás
carbônico (CO2), com consequente finalização da exploração desse minério na região
para esse fim, de forma tempestiva, responsável e sustentável.
Esta pesquisa busca analisar se resta contemplado sob o âmbito hermenêutico,
o direito humano ao trabalho, enquanto elemento formador da dignidade humana, no
referido dispositivo legal, que vem acompanhado do anexo Plano de Transição Justa,
com abordagens e objetivos especificamente voltados à questão trabalhista,

3
Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/156377-gui/a-para-cop26-o-que-%C3%A9-preciso-saber-sobre-o-
/maior-evento-clim%C3%A1tico-do-mundo. Acesso em 08/01/2024.
4
COP26 Pacto Climático de Glasgow. Un Climate Change Conference UK 2021. P10.
5
Disponível em: https://www12.senado.leg.br/radio/1/noticia/2023/12/13/relatorio-final-sugere-transicao-
energetica-e-abandono-de-combustiveis-fosseis-ate-2050-brasil-se-prepara-para-cop-30 Acesso em:
08/01/2024.
7

denominado como “Objetivo Específico nº 07 social, bem-estar, trabalho, emprego e


renda”, além de procedimentos metodológicos, marco legal e quadro final.
1.2. Objetivo Geral
O objetivo geral deste trabalho é analisar se a Lei Federal 14.299/2022 que
criou o Programa de Transição Energética, contempla no âmbito hermenêutico, o
direito humano ao trabalho.
1.3. Objetivos Específicos
 Contextualizar a transição energética;
 Identificar os destinatários da proteção dos direitos sociais previstos pela
Lei Federal 14.299/2022 e seus derivados Projetos de Lei;
 Identificar os conceitos sobre Direitos Humanos;
 Identificar e compreender o conceito de Direito Humano ao Trabalho na
Constituição Federal de 1988, sob o elemento da dignidade humana;
 Relacionar os dispositivos e termos da Lei 14.299/2022 com os princípios
da CF 88 como elementos de direito humano ao trabalho;
 Analisar a observância das garantias à dignidade da pessoa humana pela
lei 14.299/2022.
1.4. Metodologia Utilizada
Análise hermenêutica de artigos e publicações acerca do tema da transição
energética, direitos humanos, direito humano ao trabalho, princípios e dispositivos
constitucionais de 1988, dispositivos da Lei Federal 14.299/2022 e seus projetos de
lei e como estes se relacionam entre si.
1.5. Justificativa
Os dispositivos legais quando criados para amparo de uma parcela específica da
população, e enquanto ferramenta legitimadora de direitos, devem estar impingidos
de conceitos que garantam a efetividade da dignidade humana. O programa de
transição energética justa, criado pela lei 14.299/2022, evidencia dentre tantas
necessidades, a de proteger a manutenção dos direitos sociais aos trabalhadores na
indústria de extração de carvão mineral. Por isto se mostra extremamente relevante a
análise hermenêutica do que está sendo proposto pela referida lei que deve
contemplar as devidas garantias a esta população que vem se tornando obsoleta,
devido a redução de sua mão de obra frente à transição da matriz energética
brasileira.
1.6. Estruturação do Artigo
O artigo apresenta-se da seguinte maneira:
1. Introdução que subdivide-se em
1.1 Considerações Iniciais
1.2 Objetivo Geral
1.3 Objetivos Específicos
1.4 Metodologia Utilizada
1.5 Justificativa
8

1.6 Estruturação do Artigo

2. Referencial Teórico que subdivide-se em


2.1 Transição Energética
2.2 Lei Federal 14.299/2022 e seus Projetos de Lei
2.3. Direitos Humanos
2.4 Direito Humano ao Trabalho na CF de 1988
2.5 Relação entre a Lei 14.299/2022 e a CF de 1988 no âmbito do Direito ao
Trabalho
3. Considerações Finais
4. Referências

2.
2.1. Transição Energética
Conforme o Ministério de Minas e Energia6, a transição energética é um
conjunto de políticas fundamentais para o setor energético e para o desenvolvimento
socioeconômico do país. O grande desafio é conciliar geração de emprego, renda,
inclusão social, combate às desigualdades, melhoria da qualidade de vida do
brasileiro, reindustrialização, preservação da biodiversidade e da qualidade ambiental,
entre outros.
De acordo com o DIEESE7 (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos
Socioeconômicos) o termo transição justa aparece incialmente formulado pelo
movimento trabalhista norte-americano, na década de 1970, em resposta às políticas
ambientais, mas somente após a década de 2000, ganhou projeção internacional e
expressa a ideia de em um processo de transformação produtiva as políticas devem
considerar, ao mesmo tempo e valor, as dimensões econômicas, sociais e ambientais.
A transição energética também consta como uma ação de política pública
positivada pela Lei Federal 14.299/2022 que criou o Programa de Transição
Energética Justa, primeiramente voltada para contemplar a região carbonífera de
Santa Catarina, mas na sequência surgiram os Projetos de Lei propondo a extensão
do Programa para os estados do Rio Grande do Sul e Paraná.

6
Disponível em https://www.gov.br/mme/pt-br/assuntos/noticias/transicao-energetica-a-mudanca-de-
energia-que-o-planeta-precisa. Acesso em 08/01/2024.
7
DIEESE. Crise de Energia e Transição Justa. Nota Técnica nº 263, 05 de outubro de 2021. Disponível em:
https://www.dieese.org.br/notatecnica/2021/notaTec263transicaoJusta.html. Acesso em 09/01/2024.
9

Não podemos nos furtar da relevância da COP26 realizada em Glasgow em


2021, considerando que esta conferência inovou trazendo um boco inteiro acerca da
mitigação de carvão mineral. O documento refere que para manter viva a meta de
1,5°C (referindo-se à meta de esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5°C
acima dos níveis pré-industriais) pactuada no acordo da COP21 em Paris 20158, será
necessário cessar imediatamente a construção de novas termelétricas a carvão,
aumentar a oferta de energia limpa, e desativar as usinas a carvão existentes: até
2030 nas economias avançadas e até 2040 no restante do mundo. Podemos
encontrar alguns termos dos referidos acordos firmados nas COPs 21 e 26 pelo Brasil
contidos na justificativa do Projeto de Lei 712/2019 de onde originou-se a Lei
14.299/2022 que criou o programa de Transição Energética Justa.

2.2. Lei Federal 14.299/2022 e seus Projetos


A Lei Federal 14.299/2022 traz em seu art. 4º “é criado o Programa de
Transição Energética Justa (TEJ), com vistas a promover uma transição energética
justa para a região carbonífera de Santa Catarina, observados os impactos os
impactos ambientais, econômicos e sociais e a valorização dos recursos energéticos
e minerais alinhada à neutralidade de carbono a ser atingida em conformidade com
as metas definidas pelo Governo Federal, que incluirá também a contratação de
energia elétrica gerada pelo Complexo Termelétrico Jorge Lacerda (CTJL), na
modalidade energia de reserva prevista nos arts. 3º e 3º-A da Lei nº 10.848, de 15 de
março de 2004, em quantidade correspondente ao consumo do montante mínimo de
compra de carvão mineral nacional estipulado nos contratos vigentes na data de
publicação desta Lei.” A partir desta lei, foi originado o Projeto de Lei 4.653
adicionando aos dispositivos da Lei 14.299, todas as informações relativas à órgãos
e entidades do Gaúchas para que a TEJ abranja também a transição energética justa
para a região carbonífera do estado do Rio Grande do Sul. A Lei 14.299/2022 é
originária do Projeto de Lei nº 712/2019 como uma emenda aglutinativa assinada pelo
Deputado Ricardo Guidi e a justificativa do referido projeto de lei cita que para realizar
a transição energética conforme a Conferência do Clima de Paris 2015, há de se

8
Disponível em: https://antigo.mma.gov.br/clima/convencao-das-nacoes-unidas/acordo-de-paris.html. Acesso
em 10/01/2024.
10

buscar um mundo de baixo carbono com o desenvolvimento do processo produtivo


neutralizando as emissões de Gases de Efeito Estufa. Na sequência, o documento
refere que esse processo de transição energética justa pode levar mais de duas
décadas para ser efetivado, porém deve ser iniciado imediatamente para que o
compromisso brasileiro firmado na COP 26 em Glasgow de neutralizar as emissões
de gases de efeito estufa em 2050 possa ser efetivado, realizando a mudança de
modelo econômico de uma forma serena, planejada e inclusiva. Com o exposto, temos
que a justificativa do Projeto de Lei 712/2019 que deu origem à criação da Lei
14.299/2022 restou fundamentada no pacto firmado pelo nosso país em sua
participação da COP26 em Glasgow, 2021.

2.3. Direitos Humanos


Tendo em vista que o presenta artigo propõe-se a identificar a existência da
concepção de direitos humanos na lei 14.299/2022, analisemos alguns conceitos.
Os Direitos Humanos podem ser conceituados, de acordo com Joaquin Herrera
Flores9, como processos que abrem, inauguram espaços de luta pela dignidade
humana.
Através da obra da Professora Flávia Piovesan10 verificamos que o conceito de
direitos humanos para Norberto Bobbio, são direitos que não nascem todos de uma
vez, e nem de uma vez por todas”.
Neste contexto, podemos considerar que a criação da Lei Federal 14.299/2022
originou-se a partir deste processo histórico e ainda dinâmico da necessidade de
contemplar uma parcela da população à condução de mudanças de paradigmas e de
seu “status social” de maneira segura, uma vez que a extração de carvão mineral, por
longos anos, foi a principal força de desenvolvimento econômico e social através dos
trabalhadores nas minas de carvão no sul do nosso país.
Como trazido pelo próprio programa de transição energética: “Conforme o processo
de transição energética avança, surgem desafios complexos para as regiões e
comunidades ligadas à cadeia em transformação, tendo em vista as significativas

9
Herrera Flores, Joaquin. A reinvenção dos direitos humanos. Tradução de: Carlos Roberto Diogo Garcia;
Antonio Henrique Graciano Suxberger; Jefferson Aparecido Dias. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2009.p.13.
10
Disponível em: SciELO - Brasil - Direitos sociais, econômicos e culturais e direitos civis e políticos Direitos
sociais, econômicos e culturais e direitos civis e políticos. Acesso em: 08/01/2024.
11

alterações na dinâmica dos arranjos produtivos locais, afetando os principais setores


da sociedade, inclusive negativamente. Nesse ponto, é necessário ponderar
seriamente os potenciais efeitos negativos que a interrupção de atividades e a
desativação de usinas elétricas provocará nessas regiões e comunidades, como a
perda de postos de trabalhos, elevação do desemprego, ampliação de desigualdades
sociais, emigração da população, estagnação econômica, queda na arrecadação
tributária (interferindo na prestação de serviços públicos), perda da identidade cultural,
pobreza energética. Desconsiderar esses fatores pode desencadear uma grave crise
social, criar resistência à transição energética e, ainda, ameaçar a legitimidade e a
efetividade desse processo.”
Assim, sob as lentes de Joaquin Herrera Flores e Norberto Bobbio, podemos
considerar que a criação da Lei de Transição Energética inaugura um espaço de luta
pela manutenção da dignidade destes trabalhadores no setor da mineração de carvão,
bem como, que estes direitos estão nascendo à medida de sua necessidade e
movimentos sociais que os criam.

2.4. Direito Humano ao Trabalho na CF de 1988


De acordo com André Gambier Campos 11, a Carta Magna faz referência ao
direito ao trabalho logo em seu art. 1º que traz os princípios que organizam o Estado
brasileiro. Junto à livre iniciativa, o trabalho é considerado um dos fundamentos deste
último. Ainda conforme o autor, o direito não se refere apenas ao trabalho, pura e
simplesmente, mas sim ao trabalho decente, que dentre outros aspectos, deve ocorrer
mediante remuneração capaz de garantir existência digna aos trabalhadores e suas
famílias. Surgindo, neste momento o atributo da dignidade, próprio dos direitos
humanos.
Conforme Marcelo Novelino12, no âmbito das relações de trabalho, os direitos
fundamentais são voltados à proteção da integridade física, psicológica e moral do
trabalhador, a fim de lhes assegurar uma existência digna. Refere que a dignidade é
considerada o valor constitucional supremo, portanto, não devendo servir apenas

11
Campos, André Gambier. Direito ao Trabalho: considerações gerais e preliminares. Texto para discussão
1587. IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. P.18. Disponível em:
https://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/1427. Acesso em 08/01/2023.
12
Novelino, Marcelo. Curso de Direito Constitucional. Salvador Ed. JusPodivm, 2015. P293 e 527
12

como razão para decisão de casos concretos, mas principalmente, como diretriz para
a elaboração, interpretação e aplicação das normas que compõem a ordem jurídica
em geral, e o sistema de direitos fundamentais, em particular. O autor elucida ainda
que, a dignidade em si não é um direito, mas uma qualidade intrínseca a todo ser
humano e que não pode ser considerada como algo relativo. Refere ainda que, nas
palavras de Béatrice Maurer (2005), “a pessoa não tem mais ou menos dignidade em
relação a outra pessoa. Não se trata, destarte, de uma questão de valor, hierarquia,
de uma dignidade maior ou menor. É por isso que a dignidade do homem é um
absoluto. Ela é total e indestrutível.”
Ao considerarmos o trabalho como um dos fundamentos contidos na
Constituição Federal de 1988 e que o atributo da dignidade nele está presente, logo
concluímos que o direito humano ao trabalho somente existirá quando for levado em
conta a dignidade dos destinatários ao qual a norma ou direito se dirige.

2.5. Relação entre a Lei 14.299/2022 e a CF de 1988 no âmbito do Direito


ao Trabalho
Para superarmos estas diferenças entre a atual necessidade global de
mitigação do uso de carvão mineral na matriz energética e a manutenção da dignidade
dos trabalhadores da indústria extrativista de carvão mineral, é necessário
concluirmos que a lei 14.2299/2022 que traz o Programa de Transição Energética
Justa salvaguarda em seus dispositivos e seu plano de ação a concepção do direito
humano ao trabalho enquanto elemento da dignidade humana, passando então a
relacioná-los, qual seja o art. 4º da Lei 14.299/2022 quando refere a promoção da
transição energética justa observados os impactos sociais com as previsões e os
artigos constitucionais da CF de 1988: Preâmbulo; art. 1ºincisos III e IV; art. 6º e art.
193. Da análise do art. 4º da Lei 14.299/2022, quanto à promover a Transição
Energética Justa, observados os impactos sociais, onde nele se inclui o direto ao
trabalho, é possível relacionar a preocupação na redação do dispositivo legal com a
salvaguarda das disposições contidas na Constituição Federal de 1988 em seu
Preâmbulo, na relação de seus princípios fundamentais trazidos ao art. 1º; no art.6º
em que relaciona o trabalho como um direito social e no art.193 em que explicita a
ordem social como o primado do trabalho. Neste ínterim, percebemos que a
terminologia “trabalho” contida nestes dispositivos constitucionais não encerram
simplesmente a ideia de ocupação ou mão de obra, mas para além disso,
13

contextualiza-os dentro da garantia do bem estar social que deve salvaguardar os


trabalhadores.
Quanto ao art.4º § 5º da Lei 14.299/2022 sobre as competências do Conselho
do TEJ de zelar pelo cumprimento das obrigações trabalhistas, relacionam-se os arts.
7º ao 11 da CF de 1988.
Também, o Plano de Transição Energética Justa, imbuído do caráter
constitucional de garantia do direito ao trabalho como uma condição de dignidade da
pessoa humana, quando refere em seu contexto e justificativa a preocupação com a
continuidade do emprego ou previsão de como transformá-las.
Na página 04 do documento, há a contextualização acerca do desafio da
realização da transição energética, referindo inclusive as alterações com impactos
negativos, em razão dos potenciais efeitos negativos que a interrupção de atividades
e a desativação de usinas elétricas provocará nessas regiões e comunidades, como
a perda de postos de trabalhos, elevação do desemprego. O plano informa também a
transição justa (contida neste plano), considera e valora os aspectos sociais,
ambientais, econômicos e políticos relacionados à transição energética e às pessoas
O plano de transição energética é alicerçado em sete eixos, dentre os quais o
eixo: “(v) Social, Bem-estar, Trabalho, Emprego e Renda: a atenção às pessoas
constitui ponto fundamental da transição energética justa, pois esse processo não
avançará sem a adesão delas. Este eixo é norteado pela proteção aos afetados,
promoção da qualidade de vida e do bem-estar, inclusão social, erradicação da
pobreza, preservação de empregos e geração de empregos de qualidade,
capacitação de habilidades, especialmente as necessárias para uma economia de
baixo carbono;”

3.

A lei 14.299/2022 que criou o Programa de transição energética justa coaduna-


se aos dispositivos constitucionais afetos ao direito social em que está nele contido o
direito ao trabalho e também relaciona-se com a concepção de dignidade da pessoa
humana como um elemento do direito humano ao trabalho. O trabalho avançou na
análise hermenêutica dos dispositivos legais e constitucionais trazidos, comparando-
14

os com conceitos próprios dos direitos humanos e com isso revela que o Programa
de Transição Energética Justa, no âmbito da previsão terminológica e interpretativa,
alcança a sua finalidade de manutenção e/ou promoção do desenvolvimento social,
bem estar e trabalho para concluir com um desfecho digno e justo para esta porção
de indivíduos que há muito contribuíram com o desenvolvimento da região sul do país,
através de sua potência de trabalho, mas agora obsoletos, qual seja os trabalhadores
na mineração de carvão da região sul do nosso país.

Osório, Rui Giacomoni. Carvão no Mundo e na CRM. Porto Alegre: Companhia


Riograndense de Artes Gráfica (CORAG), 2012.p18

Nunes, José Eron. Minas do Leão das Entranhas da Terra. Porto Alegre:
Metamorfose, 2018.p30 e 134

Herrera Flores, Joaquin. A reinvenção dos direitos humanos. Tradução de: Carlos
Roberto Diogo Garcia; Antonio Henrique Graciano Suxberger; Jefferson Aparecido
Dias. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2009.p.13.

Novelino, Marcelo. Curso de Direito Constitucional. Salvador Ed. JusPodivm, 2015.


P293 e 527

Nações Unidas Brasil. Guia para a COP26, 2021.Disponível em:


https://brasil.un.org/pt-br/156377-gui/a-para-cop26-o-que-%C3%A9-preciso-saber-
sobre-o-/maior-evento-clim%C3%A1tico-do-mundo. Acesso em 08/01/2024.

DIEESE. Crise de Energia e Transição Justa. Nota Técnica nº 263, 05 de outubro de


2021. Disponível em:
https://www.dieese.org.br/notatecnica/2021/notaTec263transicaoJusta.html. Acesso
em 09/01/2024.

COP26 Pacto Climático de Glasgow. Un Climate Change Conference UK 2021. P10.


Disponível em:
https://webarchive.nationalarchives.gov.uk/ukgwa/20230401054904/https://ukcop26.
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