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Preâmbulo

A presente sebenta foi elaborada pelos estudantes André Mota e Mafalda Peixoto, sob a
coordenação de Filipa Teixeira, tendo por base as aulas lecionadas pela docente Ana Rita Babo, com
o complemento de bibliografia considerada obrigatória para esta unidade curricular.

A equipa de Direito Administrativo deu o seu melhor para garantir a qualidade dos
apontamentos semanais e, agora, desta sebenta.

Relembramos que a presente sebenta constitui somente um complemento ao estudo, não


dispensando, por isso, a devida presença às aulas teóricas e práticas e a leitura das obras obrigatórias
e complementares da cadeira.

De estudantes para estudantes,

Bom Estudo!

1
Índice
Introdução...................................................................................................................................... 3
Caso prático nº1.............................................................................................................................. 3
Caso prático nº 2............................................................................................................................. 7
Caso prático nº 3............................................................................................................................. 8
Caso prático nº 4........................................................................................................................... 10
Análise de acórdãos do Tribunal de Conflitos (TC)..........................................................................12
Competências dos Tribunais Administrativos e Fiscais (TAF)......................................... 12
Acórdão TC nº 045/18......................................................................................................12
Acórdão TC nº 064/17.................................................................................................................... 12
Acórdão TC nº 026/2022............................................................................................................... 14
Acórdão TRG (Tribunal da Relação de Guimarães) nº 4475/15.5................................................... 15
Acórdão TC nº 046/17.................................................................................................................... 16
Acórdão TC nº 012/22................................................................................................................... 17
Acórdão TC nº 038/21.................................................................................................................... 18
Fontes do Direito Administrativo................................................................................................... 18
Análise de acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE)............................................ 18
Caso prático nº 5........................................................................................................................... 23
Caso prático nº 6........................................................................................................................... 28
Caso prático nº 7........................................................................................................................... 31
Caso prático nº 8........................................................................................................................... 32
Caso prático nº 9*......................................................................................................................... 35
Caso prático nº 10......................................................................................................................... 39
Caso prático nº 11......................................................................................................................... 42
Caso prático nº 12......................................................................................................................... 43
Caso prático nº 13......................................................................................................................... 44
Caso prático nº 14......................................................................................................................... 48
Caso prático nº 15......................................................................................................................... 49
Caso prático nº 16......................................................................................................................... 50
Caso prático nº 17......................................................................................................................... 53

2
Introdução

“O Direito administrativo está em todo o lado.”

De facto, o Direito Administrativo tem um campo muito vasto de aplicação prática, intervindo
em vários eventos que ocorrem ao longo do decurso da nossa vida. Abaixo encontram-se listados
alguns exemplos da sua presença ao longo da vida e do quotidiano:

- Nascimento: o registo civil, e tudo o que é registo, implica o cumprimento de normas


administrativas.
- Pedido de identificação civil: na renovação ou criação de documentos de identificação - ex.
Cartão de Cidadão
- Ingresso nas escolas: concurso.
- Ingresso no ensino superior: a nossa candidatura é feita seguindo regras que surgem de
normas administrativas.
- Carta de condução: quando nos inscrevemos em escolas de condução e frequentamos as
aulas, temos de o fazer junto de uma entidade pública.
- Casamento: registo civil.
- Compra de imóvel, licenças para construir terrenos, de construção, reabilitação: são todos
procedimentos administrativos, junto de órgãos e entidades públicas.
- Criação de empresas: feita através de contratos públicos com o Estado.
- Morte.
- Inumação: aspetos fúnebres como o funeral e o enterro - ex. medidas dos caixões, materiais,
carro de transporte, cemitério enquanto bem de domínio público.

Caso prático nº1

Noções fundamentais: Noções de Administração Pública e Direito Administrativo; Os vários sentidos


de Administração Pública; Âmbito de aplicação do Direito Administrativo

1. As normas de Direito Administrativo regulam as:

a) relações jurídicas que se estabelecem entre a Administração e os particulares;

b) relações jurídicas que se criam entre as várias entidades públicas no exercício das suas
funções;

c) relações jurídicas que se estabelecem entre particulares;

d) todas as hipóteses anteriores estão corretas;

e) nenhuma hipótese anterior está correta.

3
Explicação:

Acerca da alínea a) - tudo o que envolve um particular dirigir-se a entidades ou pessoas


coletivas públicas obriga a aplicação do Direito Administrativo. Ex: no caso do registo civil, do cartão
de cidadão, pagamento de impostos, licença para construir.

Acerca da alínea b) - entre as várias entidades públicas, ou seja, numa relação intra-orgânica,
também se aplica o Direito Administrativo1.

Acerca da alínea c) - retrata situações onde, apesar de estarmos perante pessoas coletivas
privadas, a essas são aplicadas normas de Direito Administrativo, ou seja, situações em que
particulares estão munidos de poderes de autoridade ou em que estão a atuar por conta do Estado2.

2. A Administração Pública pode, no âmbito da sua missão concretizadora de serviço público:

a) pode celebrar contratos de compra e venda, arrendamento e outros negócios, regulados pelo
Código Civil e Código Comercial;

b) pode praticar atos de expropriação, de lançamento e cobrança de impostos, de demolição,


por motivos de interesse público, regulados pelo Direito Administrativo e Direito Fiscal;

c) pode praticar quaisquer atos e celebrar qualquer tipo de contrato, regulados pelo direito
privado e direito público, com vista à prossecução do interesse público;

d) todas as hipóteses anteriores estão corretas;

e) nenhuma hipótese anterior está correta;

Explicação:

A Administração Pública pode aplicar atos de gestão pública e atos de gestão privada.
Contudo, mesmo quando a Administração está a atuar como se de um privado se tratasse, não pode
deixar de ter em conta que é uma pessoa coletiva pública, respeitando os princípios gerais do direito
administrativo - art.2º, nº3 CPA.

A Administração também pratica os atos não jurídicos, como os atos de demolição e


expropriação, que são concretizações dos atos de gestão privada ou de gestão pública, ou seja,
operações materiais que a Administração leva a cabo para poder efetivar as decisões que toma.

Acerca da alínea a) - Pode atuar também como se de um privado se tratasse, e, portanto,


poderá celebrar um tratado de arrendamento como um senhorio, ficando sujeito a regras do código
civil.

1
Ex. Art.6º do CPA - relações entre pessoas coletivas públicas regidas pelo Direito Administrativo.
2
Ex. Contratos de Concessões: nestes, o Estado assume que não tem capacidade para poder desenvolver
determinado tipo de atividade e, portanto, celebra um contrato com uma pessoa coletiva privada com o
objetivo de prosseguir o interesse público. Um outro exemplo é o das Federações Desportivas, já que estas
ainda que tenham natureza privada, foi-lhes entregue a tarefa de prosseguir o interesse público.

4
Acerca da alínea b) - São todas situações reguladas por normas jurídicas do Direito
Administrativo, onde a administração aqui já atua em nome do interesse público com os seus
poderes de autoridade.

Acerca da alínea c) - é, no fundo, a soma das duas outras hipóteses.

3. A Administração Pública, na sua relação, com os particulares:

a) aparece sempre numa posição de supremacia, dotada de poderes de autoridade e de


especiais prerrogativas;

b) surge necessariamente em posição de paridade, sujeitando-se aos mesmos direitos e


deveres, visto que a Constituição da República Portuguesa no artigo 13, impõe o princípio da
igualdade;

c) conforme as situações, poderá tanto aparecer munida dos seus poderes de autoridade, como
poderá surgir desprovida do seu imperium;

d) todas as hipóteses anteriores estão corretas;

e) nenhuma hipótese anterior está correta.

Explicação:

A alínea c) é a resposta correta pois, consoante o ato em questão, a Administração poderá


ter de atuar provida de ius imperium, ou seja, dotada de poderes públicos de autoridade, ou poderá
agir desprovida do ius imperium, como se de um particular se tratasse.

4. O âmbito de aplicação do Direito Administrativo é definido em função:

a) da atividade desempenhada;

b) da natureza jurídica do sujeito;

c) do tipo de poderes exercidos;

d) todas as hipóteses anteriores estão corretas;

e) nenhuma hipótese anterior está correta.

Explicação:

O Direito Administrativo já foi anteriormente definido com base na natureza dos sujeitos,
porque tinha uma definição orgânica. Dizia-se que o Código de Procedimento Administrativo (CPA) e
as normas de Direito Administrativo só se aplicavam à Administração Pública. Contudo, atualmente,
não é só às pessoas coletivas públicas que o Direito Administrativo se aplica, visto que o Direito

5
Administrativo se pode aplicar a todas as entidades. Daí que o Código Civil tenha alterado este
âmbito de aplicação.

Aquilo que se faz atualmente é definir com base na atividade desempenhada3 deixando de
haver um critério orgânico, e passamos a ter um sistema misto, onde o Direito Administrativo tanto
atua em entidades públicas como entidades privadas. A função materialmente administrativa que é
exercida é que tem relevância.

Os princípios gerais de Direito Administrativo, as normas sobre o procedimento


administrativo e as normas sobre a atividade administrativa4 aplicam-se a qualquer entidade que
exerça função materialmente administrativa, mas há um determinado conjunto de normas que só se
aplica à Administração Pública, que são as normas de carácter funcional ou orgânico.

Tudo o que tem a ver com o modo como funciona a Administração5 (por exemplo, as normas
que ditam quem pode reunir, quantos votos são precisos, etc.) aplica-se apenas à Administração
Pública.

As normas compreendidas entre o art. 20º e o art. 52º do CPA aplicam-se exclusivamente à
Administração Pública, sendo que esta se encontra definida no art. 2º, nº 4 CPA.

5. A finalidade do Direito Administrativo consiste em:

a) criar um sistema de regras jurídicas e de princípios que regulam a atividade da Administração


Pública, a relação desta com particulares e outras entidades;

b) estabelecer um conjunto de regras legais e de princípios que regulamentam os atos de gestão


pública, as relações com outras pessoas públicas ou privadas, reconhecer poderes de autoridade
e prever garantias de defesa do particular;

c) estatuir um corpo normativo e axiológico que visa disciplinar a atuação administrativa, as


relações jurídicas tecidas entre o Estado e as demais entidades públicas, reconhecendo os
deveres e direitos das partes envolvidas;

d) todas as hipóteses anteriores estão corretas;

e) nenhuma hipótese anterior está correta.

Explicação:

A alínea a) está correta, mas a alínea b) é a mais completa, pois acrescenta à anterior a
regulamentação das relações com outras pessoas públicas ou privadas, reconhecendo poderes de
autoridade e a previsão de garantias de defesa dos particulares. A alínea c) não poderia ser porque
se restringe às entidades públicas.

3
Como releva a expressão “qualquer entidade” no artigo 2 nº1 do CPA.
4
Todos estes regulados pelo CPA
5
Artigo 2 nº2 do CPA

6
6. Os “traços característicos” do Direito Administrativo são, essencialmente, os seguintes:

a) pertence ao ramo de direito público ou ao ramo de direito privado, consoante os atos e


negócios praticados pela Administração Pública, sejam regulados pelo direito privado ou pelo
direito público;

b) pertence ao ramo de direito público e é composto por um conjunto de normas jurídicas sobre
a organização, o funcionamento da Administração e as relações estabelecidas com outros entes,
regulando toda a atividade administrativa;

c) pertence ao ramo de direito público e é composto por um conjunto de normas jurídicas sobre
a organização, o funcionamento da Administração e as relações estabelecidas com outros
sujeitos de direito, estando excluída parte da atividade administrativa (gestão privada);

d) todas as hipóteses anteriores estão corretas;

e) nenhuma hipótese anterior está correta.

Explicação:

Não poderia ser a alínea a) porque o Direito Administrativo pertence ao Direito Público, e a
alínea b) também não poderia ser porque há atos de gestão privada que, ainda que tenham de
respeitar os princípios gerais do Direito Administrativo, não são regulados por este.

Caso prático nº 2

Noções fundamentais: A função administrativa e as outras funções do Estado

A função administrativa visa a prossecução de fins de interesse público. É esta a principal


característica que a distingue de outras funções. Os fins de interesse público vêm previstos e
definidos pelo legislador constituinte, na CRP, e pelo legislador constituído, em lei ordinária, e visam
satisfazer necessidades coletivas6.

Para além da função administrativa, o Estado desempenha também a função política, a


função legislativa e a função jurisdicional. Acontece que, perante todas as funções desempenhadas
pelo Estado, pode acontecer estarmos perante fins de interesse público conflituantes. Por exemplo,
quando se prossegue o fim da segurança rodoviária, ao construir novas redes de estradas, por outro
lado, colocamos em causa o ecossistema ambiental, cuja boa conservação é um fim de interesse
público.

Imagine que, em 1990, foi celebrado um tratado internacional (entre Portugal e outros
países de língua oficial portuguesa) que consistia na adoção de um Acordo Ortográfico, aprovado
pela Resolução da Assembleia da República nº 26/91 e, por sua vez, ratificado pelo Decreto do
Presidente da República nº 43/91, o qual entrou em vigor em Portugal em 13 de maio de 2009.

6
Artigo 9º CRP - Tarefas Fundamentais do Estado.

7
Sucede, porém, que o Governo, através de uma Resolução do Conselho de Ministros, veio exigir a
aplicação deste Acordo Ortográfico a toda a Administração Pública.

Anacleta, funcionária pública, entende que este ato administrativo, correspondente ao


exercício da função administrativa, é ilegal – por um conjunto evidente de motivos, entendendo,
por exemplo, estar em causa a liberdade de aprender e de ensinar e, bem como, ser uma restrição
ilegítima do direito ao ensino e à educação. Concorda?

Resposta: A função administrativa visa prosseguir fins de interesse público, estes estão
definidos na CRP (artigo 9º) , e em consequência, nas leis ordinárias.

Importa perceber se este tratado consiste no exercício de uma função administrativa ou no


exercício da função política. A função administrativa distingue-se das outras funções (política,
legislativa e jurisdicional).

O tratado internacional foi exercido no âmbito da função política, que tem a seu cargo a
definição dos fins gerais da comunidade, com a preocupação de satisfazer as necessidades coletivas
de uma determinada sociedade. Assim, ao assinar um tratado internacional, que tem como objetivo
aproximar os países de língua portuguesa, estamos claramente perante uma alteração política, tendo
em vista a harmonização da língua portuguesa, em conjunto com uma série de outros países.

Caso Anacleta se dirigisse a um tribunal administrativo, este diria que não seria competente
para analisar tal situação, pois trata-se de um ato político, sobre o qual o tribunal administrativo não
tem competência para julgar. Dúvida diferente é se Anacleta poderia impugnar no Tribunal
Administrativo a ilegalidade da Resolução do Conselho de Ministros (que, em termos formais, pode
corresponder a um ato ou regulamento administrativo) que antecipou a aplicação total do acordo
ortográfico à administração pública.

Contudo, o Tribunal entendeu que esta resolução não tinha conteúdo administrativo,
constituindo um ato da função política do Governo. O Tribunal não entendeu que com a resolução o
Governo estivesse a executar o Tratado Internacional, mas sim que estivesse a tomar a opção de se
aplicar mais cedo o Acordo Ortográfico entre a Administração Pública.

Como o Tribunal considerou todos estes atos de natureza política, declarou-se incompetente
para se pronunciar sobre a ilegalidade do tratado, e também da resolução.

Nota: Na função administrativa, executam-se orientações políticas, isto é, há uma ideia de


concretização das políticas adotadas. Pode-se concluir que há uma natureza executiva
complementar, onde a Administração executa e completa aquilo que foi previamente definido.

Caso prático nº 3

A relação entre a função administrativa e a função legislativa

A Lei nº 22/2012, de 30 de maio estabelecia os objetivos, os princípios e os parâmetros da


reorganização administrativa territorial autárquica e definia e enquadrava os termos da
participação das autarquias locais na concretização desse processo (Artº 1º, 1).

8
Nessa mesma lei foi criada a Unidade Técnica para a Reorganização Administrativa do
Território, que funcionava junto da Assembleia da República (Artº 13º, nº 1). Competia à Unidade
Técnica acompanhar e apoiar a Assembleia da República no processo de reorganização
administrativa territorial autárquica; apresentar à Assembleia da República propostas concretas
de reorganização administrativa do território das freguesias, em caso de ausência de pronúncia
das assembleias municipais; elaborar pareceres sobre a conformidade ou desconformidade das
pronúncias das assembleias municipais na matéria, apresentando-os à Assembleia da República;
propor às assembleias municipais, no caso de desconformidade da respetiva pronúncia, projetos
de reorganização administrativa do território das freguesias (Artº 14º).

Em consequência a Unidade Técnica para a Reorganização Administrativa do Território


apresentou, junto da Assembleia da República, uma proposta de reorganização administrativa.
Inconformada com o teor da proposta, a Junta de Freguesia de Ninho do Açor veio pedir, junto do
Tribunal Administrativo, a suspensão da eficácia desta proposta. Quid iuris?

Encontramo-nos perante uma lei que visava a concretização de uma reorganização


administrativa autárquica, que previa a criação de uma unidade técnica, que realizava as
competências enumeradas. Daqui surge que uma junta de freguesia resolveu impugnar esta
proposta junto de um tribunal administrativo.

Esta proposta, para a junta de freguesia, tratava-se de um ato administrativo, daí ter
impugnado esta proposta contra o tribunal administrativo. Contudo, esta proposta tratava-se de um
procedimento legislativo que era da competência da Assembleia da República, até porque diz
respeito a matéria de reserva absoluta da Assembleia da República, segundo o artº 164º/ n).

Assim, a proposta da unidade técnica não passa de uma proposta, e está encaixada dentro de
um processo legislativo, que pode ou não seguir em frente. Como tal, o tribunal declarou-se
incompetente, por não poder julgar atos de teor legislativo, que nem sequer estavam formalmente
concluídos7.

Em acrescento, importa ter em conta que a função legislativa tem a função de inovação
jurídica (cria regimes jurídicos), que depois faz com que os regimes jurídicos sejam executados,
através da função administrativa.

A função legislativa e a função administrativa podem confundir-se, por exemplo, há


regulamentos autónomos, onde parece que é a função administrativa a legislar, na atribuição de
competências, porque há órgãos que são legislativos e administrativos ao mesmo tempo (como é o
caso do Governo).

Também há situações em que as leis mais parecem regulamentos, como quando as leis
perdem a característica da generalidade ou abstração - como exemplo disto temos as leis-medidas.

Relação entre as diferentes funções:

A Função Política define fins -> A Função Legislativa legisla sobre os regimes jurídicos -> A
Função Administrativa concretiza os regimes jurídicos.

Princípios a ter em conta:

7
ETAF - lei 13/2002, art. 4 nº3 alínea a).

9
● Imediação constitucional: a função política define os fins gerais da coletividade, sendo esses
fins posteriormente legislados. Depois de as leis serem criadas, vão ser executadas;
● Princípio da primazia da lei: a lei é sempre hierarquicamente superior a todos os atos
praticados no exercício de funções administrativas;
● Princípio da reserva de lei: a competência legislativa de determinadas matérias está
constitucionalmente reservada à lei, quer isto dizer que certas matérias só podem ser
abordadas através de uma lei.
● Princípio da precedência de lei: a cada regulamento tem de corresponder uma lei anterior
que lhe corresponda, caso contrário, o regulamento é ilegal. Discute-se muito se este
princípio faz sentido, dada a admissão e a existência de regulamentos autónomos e
independentes.

Caso prático nº 4

A relação entre a função administrativa e a função jurisdicional

Imagine que a empresa “Vamos trabalhar!”:

A) apresentou uma proposta num concurso público onde, entre outros, era avaliada a
Qualidade Técnica da mesma, e, nesse caso, a pontuação total era obtida pela soma ponderada
das pontuações parcelares de 1 ou 2 pontos, consoante a empresa “Cumprisse” com os requisitos
ou os “Excedesse”, respetivamente. Após o júri ter disponibilizado o Relatório com a avaliação da
sua proposta, a empresa reparou que, em muitos dos requisitos, o júri só lhe tinha atribuído a
pontuação de 1 valor; contudo, face ao disposto na sua proposta, a empresa entendia que a sua
proposta superava as exigências e, por isso, lhe deviam ter sido atribuídos 2 valores. Poderá a
empresa reagir, pedindo ao Tribunal que avalie corretamente a sua proposta?

Estamos perante um júri que está a avaliar uma ponderação técnica, que surge no âmbito da
discricionariedade da Administração Pública, nas quais os tribunais não podem entrar visto que a
especificidade técnica diz respeito à esfera da administração. Neste caso, a discricionariedade estava
na margem de atribuir um ponto ou dois, consoante as formalidades exigidas.

No entanto, podemos estar perante um erro grosseiro ou manifesto, em que o erro é de tal
forma evidente que o tribunal consegue aperceber-se dele, e julgá-lo. Podem, igualmente, ser
invocados princípios de direito administrativo, que são normas legais que não podem ser
desrespeitadas pela administração pública, quer atuem numa zona de discricionariedade técnica
quer não.

Neste caso, poderia ser invocado o desrespeito pelo princípio da igualdade: a empresa em
causa não foi sujeita ao critério universalmente aplicado, uma vez que cumpriu com as formalidades
necessárias para exceder os requisitos, e não foi reconhecida por tal.

B) candidatou-se à atribuição de um subsídio com vista à retoma económica na sequência


da grave crise que atravessou no contexto proporcionado pela pandemia. A obtenção deste
subsídio encontrava-se configurada, nos termos legais, da seguinte forma:

Subsídio Covid19

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“1. Todas as sociedades comerciais que se encontrem numa situação de fragilidade
económica podem obter um subsídio que oscila, consoante a gravidade, entre os 50.000€ e os
100.000€.

2. Podem integrar o conceito de fragilidade económica as sociedades que tenham mais de


100 trabalhadores, desde que demonstrem ter tido perdas substanciais;

3. Em situações não abrangidas pelas anteriores, a decisão pode ser tomada dentro dos
limites dos valores mínimos e máximos do subsídio de acordo com a importância estratégica da
sociedade comercial”.

A empresa apresentou perdas de 15%, tem 100 trabalhadores e emprega 90% da


população do local onde se sedia. Como deve a administração decidir neste caso e pode essa
decisão ser alterada pelos Tribunais?

Neste caso, a discricionariedade é maior, pois é necessário preencher valorativamente os


conceitos indeterminados de fragilidade económica e de perdas substanciais. A empresa não
cumpria os requisitos exigidos no número 2, pois não possuía 200 trabalhadores.

O tribunal, nesta situação, poderia intervir de forma a tentar preencher valorativamente


esses conceitos, mas apenas à luz dos princípios de Direito Administrativo. Aqui, parece haver
indícios de que a empresa não teria acesso aos subsídios, por não estar numa situação de fragilidade
económica, mas a empresa poderia tentar impugnar esta decisão, e provar que tal não corresponde
à realidade. Quando estamos perante conceitos indeterminados, onde o âmbito da
discricionariedade é grande, a Administração pode responder sozinha.

A discricionariedade administrativa é uma característica muito relevante na atividade


administrativa, assim como a existência de conceitos indeterminados. Os tribunais têm a capacidade
de se pronunciar dentro do âmbito da discricionariedade da administração, porque
discricionariedade não significa arbitrariedade, pelo que a administração tem de atuar sempre
mediante princípios legais e, nesse âmbito, o tribunal pode fiscalizar a atividade.

As funções jurisdicional e administrativa cruzam-se pois a Administração tem a função de


interpretar e aplicar normas, o que se assemelha à atividade jurisdicional. A Administração tem
também como função a resolução de litígios, modelando os atos que pratica, tendo em vista a
prossecução do interesse público. A Administração pode aplicar sanções, coimas, sanções
pecuniárias às empresas8 e tem poder sobre os seus funcionários.

Atualmente, crescem as arbitragens da Administração Pública. A Administração também atua


ao nível do recurso a arbitragens, quando a lei permite, pois há a possibilidade de um determinado
litígio ser solucionado por esta. Nestes casos, a Administração Pública exerce um poder jurisdicional,
que acontece de forma mais simples e célere.

A Lei da Arbitragem Voluntária (Lei nº 63/2011) permite que as partes, em determinadas


matérias, e mediante determinados litígios, os possam submeter a tribunais arbitrais.

8
Poderes para-jurisdicionais

11
Por outro lado, os órgãos jurisdicionais podem adotar medidas administrativas, como por
exemplo, os Presidentes dos Tribunais, para gerir a própria instituição dos tribunais, adotam medidas
em termos de horários, de faltas de funcionários, de pagamentos etc.

Análise de acórdãos do Tribunal de Conflitos (TC)

Competências dos Tribunais Administrativos e Fiscais (TAF)

Acórdão TC nº 045/18

O autor apresenta uma ação administrativa contra uma freguesia, querendo que fosse
reconhecido um contrato de trabalho entre o trabalhador e a junta de freguesia. O trabalhador da
junta de freguesia alegava que o despedimento tinha sido feito sem justa causa, pedindo para voltar
a exercer o seu posto de trabalho e ser compensado pelos danos. Quer os tribunais administrativos,
quer os tribunais judiciais, declararam-se incompetentes.

1 – Os tribunais administrativos têm competência para julgar que tipo de relações jurídicas?

O art. 212º, nº 3 da CRP define que os TAF têm competência para julgar relações
jurídico-administrativas. No entanto, há um espaço de reserva de jurisdição, onde tudo o que não for
entregue aos tribunais administrativos e fiscais, será analisado pelos tribunais judiciais.

2 – Todos os litígios que tenham “vestígios de administratividade” estão submetidos à jurisdição


dos tribunais administrativos?

Pode acontecer que, ainda que o litígio constitua uma relação jurídica administrativa, este
não esteja submetido à jurisdição dos TAF e, por alguma razão, esteja entregue à jurisdição dos
tribunais judiciais - Art. 4º, nº 4 ETAF.

3 – Os litígios emergentes de contratos de trabalho estão submetidos à jurisdição dos TAF? Com
base em que norma se funda a sua (in)competência?

É importante notar que podemos ter contratos de trabalho individuais privados e contratos
de trabalho em funções públicas. À partida, diríamos que os contratos de trabalho estariam
submetidos à jurisdição dos tribunais fiscais, no entanto, o legislador quis distinguir claramente entre
estes dois tipos de contratos.

Não obstante de ambos serem contratos de trabalho, se o contrato de trabalho for para o
exercício de funções públicas, então o tribunal competente é o TAF. Pelo contrário, se o contrato de
trabalho for celebrado de forma individual e for privado, são competentes os tribunais judiciais.

O Tribunal entendeu que havia um contrato individual privado de trabalho e, portanto,


seriam competentes os tribunais judiciais para dirimir esta situação.

Acórdão TC nº 064/17

Neste caso, temos uma entidade que tinha lançado um concurso público, para ser feita uma
empreitada de obra pública, mais concretamente, para remodelar as instalações do centro hospitalar

12
de Vila Nova de Gaia. Sendo uma entidade sujeita à contratação pública, para realizar essas obras,
teve de se realizar um concurso público, onde as empresas poderiam concorrer.

Fruto deste concurso, a empresa vencedora foi a Y, mas sendo que apenas uma empresa não
consegue realizar a totalidade da obra9, foi necessário subcontratar uma outra empresa, X. Daqui
surge um litígio entre as duas empresas, já que a empresa X alegava que prestou serviços, mas que
estes não foram pagos. Levanta-se a questão de saber qual é o tribunal competente para resolver
este litígio. Esta ação foi alegada no TAF e no Tribunal Judicial que se declararam incompetentes,
obrigando o Tribunal de Conflitos a intervir.

1 – Que argumentos fundamentam as posições díspares dos tribunais de 1ª instância?

A questão, neste caso, prendia-se em saber qual o tribunal, judicial ou administrativo,


competente para dirimir um litígio emergente de um contrato de subempreitada celebrado entre a
autora e a ré.

A este respeito, o Tribunal Judicial da Comarca do Porto argumenta que a competência


pertence aos Tribunais Administrativos, fundamentando as suas palavras com recurso à norma que
consta do art. 4º, nº 1/ e) ETAF, que diz que “Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e
fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a: e) a validade de atos
pré-contratuais e interpretação e validade de contratos administrativos ou de quaisquer outros
contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas coletivas de
direito público ou outras entidades adjudicantes”. Este tribunal entendeu que o contrato de
subempreitada, ainda que celebrado entre duas entidades privadas, se referente a obra pública, é da
competência da jurisdição administrativa.

Já o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto avança que as partes que celebram o contrato
são pessoas coletivas (sociedades) de Direito Privado, não são pessoas coletivas públicas ou outras
entidades adjudicantes. Assim sendo, o contrato aqui em causa encaixa-se no domínio do Direito
Privado, não lhe sendo transmitida qualquer natureza administrativa. O litígio não emerge de uma
relação jurídica administrativa, mas sim de uma questão de natureza privada.

2 - Qual foi a posição do Tribunal de Conflitos, ou seja, em que situações é que considerou os
Tribunais Administrativos competentes para conhecer de litígios relativos ao incumprimento de
obrigações contratuais? Com base em que norma se funda essa sua competência?

O Tribunal de Conflitos diz que não se trata de um contrato administrativo, porque este não
estava sujeito a nenhuma lei de Direito Público, nem lhe era aplicado o Código dos Contratos
Públicos. Esta relação jurídico-contratual não tinha como parte um contraente público.

Assim, o contrato celebrado entre a empresa Y e a empresa X enquadra-se nas competências


dos tribunais judiciais, cabendo a estes dirimir qualquer litígio decorrente deste contrato.

Importa ter em conta que os contratos realizados foram contratos


autónomos/independentes, sendo que o contrato celebrado entre o hospital de Vila Nova de Gaia e

9
por motivos logísticos, por falta de materiais, mão de obra etc.

13
a empresa Y, não tem nada a ver com o contrato celebrado entre a empresa Y e a empresa X10 pelo
que a natureza do primeiro, não influencia nem implica a natureza do outro.

Assim, no âmbito de normas de direito privado, cabe aos Tribunais Judiciais resolver este
litígio.

3- Neste caso, porque foi excluída a competência dos TAF?

Só compete aos TAF apreciar a validade de atos pré-contratuais e a interpretação, validade e


execução de contratos administrativos ou de termos da legislação sobre contratação pública, por
pessoas coletivas de direito público ou outras entidades - art.4º nº1/ e) ETAF.

Imaginando que o litígio fosse entre o hospital e a empresa Y, então neste caso já seria da
competência do TAF.

Acórdão TC nº 026/2022

Aqui estava em causa a relação que existia entre o administrador de uma empresa local e
essa própria empresa, nomeadamente se seria uma relação que corresponderia a um contrato de
trabalho, eventualmente no exercício de funções públicas. É apresentada uma ação por danos
causados pelo administrador ter incumprido com as suas responsabilidades contratuais.

1 – Que pressupostos têm de estar preenchidos para estarmos perante uma relação jurídica
administrativa?

O Tribunal de Conflitos começa por definir uma relação jurídica administrativa e, perante
essa definição, chega à conclusão de que, para estarmos perante uma relação jurídica administrativa,
um dos sujeitos tem de atuar com poderes públicos de autoridade.

2 – A relação jurídica estabelecida entre a empresa local e o seu administrador é uma relação
jurídico-administrativa?

A relação jurídica estabelecida não é uma relação jurídica administrativa. É, sim, um contrato
derivado.

3 – O tribunal de conflitos considerou o TAF competente para conhecer do litígio emergente


daquele contrato de mandato celebrado entre o administrador e a empresa local? Porquê e com
base em que norma?

Os pressupostos não se verificaram, pois não havia nenhuma relação de ius imperium entre o
administrador e a empresa local, pelo que esta relação deveria ser regulada pelo direito privado,
tendo o tribunal encarado esta relação como um mandato, ou seja, um contrato privado, para
prestação de serviços, que devia estar sujeito às regras de direito privado, e em consequência, ser
redimido pelos tribunais judiciais.

10
Trata-se de um contrato de subcontratação realizado entre duas pessoas coletivas de direito privado

14
Acórdão TRG (Tribunal da Relação de Guimarães) nº 4475/15.5

Para a construção de uma autoestrada, tinham sido concedidos poderes a uma


concessionária para expropriações. E, uma vez expropriado o terreno da autora da ação, esta, mais
tarde, vem a sofrer danos com essa expropriação (com prerrogativas de direito público). A questão
que se colocava era se seriam ou não os tribunais judiciais ou administrativos competentes uma vez
que a concessionária era uma empresa privada?

Ou seja, a questão que se coloca é se esta situação está sujeita a normas de direito privado,
nomeadamente ao regime da responsabilidade civil11 ou, por ser uma concessionária, está sujeita ao
regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e das demais pessoas coletivas públicas.

1 - Os TAF são competentes para apreciar todos os litígios de responsabilidade civil extracontratual
emergentes da conduta de pessoas coletivas públicas? Com base em que norma?

Quando está em causa a responsabilidade civil extracontratual emergente de condutas de


pessoas coletivas públicas (ações ou omissões), não há grandes questões, pois, segundo o art. 4º
nº1/ f) e g) do ETAF, os TAF são competentes.

Quando temos uma pessoa coletiva pública, tudo o que tenha a ver com a aplicação deste
regime, é dirimido por este artigo - estando as situações sujeitas à Lei 67/2007. A exceção está
presente na alínea a) do art.4º nº1 do ETAF, que dita que os TAF só apreciam a responsabilidade civil
extracontratual por erro no exercício da função jurisdicional em erros cometidos pelos TAF. O
problema é quando estamos perante uma pessoa coletiva privada que celebrou um contrato com o
Estado.

2 – Os TAF são competentes para apreciar todos os litígios de responsabilidade civil


extracontratual emergentes da conduta de pessoas coletivas privadas? Com base em que norma?

Neste caso trata-se de uma pessoa coletiva privada que está no exercício de prerrogativas de
direito público, por ser uma concessionária com poderes de expropriação da autoestrada. Estamos,
então, perante um contrato de concessão, que por sua vez é regulado por normas de direito
administrativo, e assim sendo, aplica-se o art.4 nº1/ h) do ETAF, em conjugação com o art.1º nº5 do
PRECP.

Pode-se concluir que, quando estamos perante ações de responsabilidade civil contra
pessoas coletivas privadas, essas ações serão da competência dos TAF se essas pessoas coletivas
privadas tiverem prerrogativas de autoridade. E, neste caso, a concessionária, quando expropriou o
terreno à autora da ação, estava a exercer prerrogativas de poder público.

3 – O critério de distinção da “atuação de gestão pública” da “atuação de gestão privada” de


pessoas coletivas privadas ainda tem, atualmente, aplicação prática?

Sim. O Tribunal distingue e diz que, relativamente às ações de responsabilidade civil


extracontratual, é necessário perceber se as pessoas coletivas privadas tinham uma atuação de

11
Presente no Código Civil

15
gestão pública, e nesse caso os TAF seriam competente, ou de gestão privada12, e nesse caso os
tribunais judiciais seriam competentes.

Estipula o art.4º nº1/ h) do ETAF que há a aplicação do regime de responsabilidade civil


extracontratual a entidades privadas, desde que estas estejam no exercício de prerrogativas de
direito público. No caso em concreto temos a expropriação, ou seja, temos uma atuação de gestão
pública, logo, seriam os TAF os tribunais competentes.

Acórdão TC nº 046/17

Trata-se de uma situação em que um conjunto de pessoas tinham sido expropriadas e


queriam discutir a indemnização que, no âmbito daquele processo de expropriação, lhes tinha sido
atribuída. O processo de expropriação tem 2 fases:

1º Fase- administrativa- onde a entidade pública toma a decisão de expropriar. Emite uma
declaração de utilidade pública, dizendo que há um interesse público no terreno ou imóvel,
justificando, e depois de emitir essa declaração conseguirá a posse administrativa daquele terreno.

2º Fase- indemnizatória- estando já definitiva a decisão de expropriação, fixa-se uma


indemnização, idealmente acordada entre as partes. Quando isso não acontece, a decisão sobre o
valor da mesma fica a cargo do tribunal.

A dúvida, neste caso, era se a indemnização teria de ser fixada pelos Tribunais Judiciais ou
pelos TAF. Perante esta dúvida, o Tribunal de Conflitos volta a refletir sobre o critério de gestão
privada ou de gestão pública.

Concretizando, se o litígio acontecer na fase administrativa, então os tribunais competentes


são os TAF, mas se ocorrer na 2ª fase, onde já houve expropriação, a entidade pública está a atuar
como um privado, passando assim a ser os tribunais judiciais os tribunais competentes.

1- Os litígios decorrentes de processos de expropriação são dirimidos pelos TAF ou pelos tribunais
judiciais?

Dependendo da fase em que estivermos, vão ser competentes tribunais diferentes, porque
entende-se que no próprio processo de expropriação há uma fase (1ª fase) onde todos os litígios de
expropriação fazem parte dos TAF. Quando só resta discutir a indemnização (2ª fase), não havendo
acordo entre as partes, recorre-se aos tribunais judiciais.

2 e 3 - Que critério é fixado para determinar a competência dos TAF ou dos tribunais judiciais em
litígios deste tipo?

Depende da fase em que estejamos no processo de expropriação. O critério adotado é


baseado na atuação sobre prerrogativas de gestão pública (1ª fase) ou de prerrogativas de gestão
privada (2ª fase). Este critério tem ainda relevância de aplicação prática.

12
Neste caso, a pessoa coletiva privada não estaria a exercer prerrogativas de Direito Público.

16
Acórdão TC nº 012/22

Está em causa uma contraordenação relativa à matéria do urbanismo, sendo que a pessoa
que tinha sofrido a contraordenação tinha vindo a impugná-la.

1- Atualmente, a apreciação das impugnações judiciais de atos que aplicam coimas por ofensa de
normas em matéria de urbanismo é da competência dos TAF ou dos tribunais judiciais?

Atualmente, a competência para apreciar as impugnações judiciais de atos que aplicam


coimas por ofensa de normas em matéria de urbanismo é dos TAF. Isto porque atualmente vigora no
ordenamento jurídico português a nova redação dada pelo DL nº 214-G/2015, de 2 de outubro, que
vem alterar a alínea l) do nº 1 do art. 4º do ETAF, atribuindo aos tribunais da jurisdição
administrativa e fiscal a competência para apreciação das impugnações judiciais de decisões da
Administração Pública que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por
violação de normas de DA em matéria de urbanismo, tal como refere o acórdão em análise.

2– A sua resposta seria a mesma se estivéssemos a falar de uma coima urbanística aplicada em
2014?

Na redação à época desta alínea l) do nº1 do artigo 4º do ETAF, as contraordenações seriam


apreciadas pelos tribunais judiciais. Esta nova redação apenas passou a ser aplicada a partir de
09/2016, e daí em diante essa matéria passou a fazer parte da jurisdição dos TAF.

Os tribunais judiciais julgavam as contraordenações, mesmo em matérias de teor mais


administrativo, porque os TAF não tinham membros suficientes para abordar essas situações-
tratava-se então de uma questão de logística e prática.

O Tribunal de Conflitos entende, na sua jurisprudência, que o elemento de conexão relevante


para determinar, no tempo, esta competência em razão da matéria, consiste na lei que vigorava à
data de apresentação em juízo, pelo MP, dos autos de contraordenação e do respectivo recurso.

Neste caso, se a coima foi aplicada em 2014, ainda vigorava no ordenamento jurídico
português a alínea l) do nº 1 do art. 4º ETAF inalterada, que atribuía a competência para apreciar as
impugnações judiciais dos atos que aplicam coimas por ofensa de normas em matéria de urbanismo
aos tribunais judiciais.

3– Em que momento se fixa a competência dos tribunais?

Decorrendo do entendimento firmado pela jurisprudência deste tribunal de conflitos, o


elemento de conexão relevante para se determinar os tribunais competentes para apreciar as
impugnações judiciais de atos que aplicam coimas por ofensa de normas em matéria de urbanismo,
reside na data da apresentação em juízo, pelo Ministério Público, dos autos de contraordenação e do
respectivo recurso. Se a ação deu entrada a 2/09/2016, então os TAF teriam competência.

Acórdão TC nº 038/21

Neste acórdão trata-se uma contraordenação ambiental.

17
1– A apreciação da impugnação de contraordenações ambientais é da competência de que
Tribunais?

Como o legislador na alínea l) (do art.4º nº1 do ETAF) só se refere a ilícitos em matéria
urbanística e fiscal, o Tribunal de Conflitos decidiu que cabe aos tribunais judiciais a competência de
decisão relativamente a esta contraordenação ambiental, já que o direito ambiental não se pode
encaixar no direito do urbanismo.

2– Entendeu o Tribunal de Conflitos que o “direito ambiental” se enquadrava no conceito de


“direito do urbanismo”?

Não, como explicitado na resposta anterior - Art. 4º nº 1 alínea l) ETAF.

3– Para além do previsto no artigo 4.º/1/l) do ETAF, que outras impugnações judiciais de
contraordenações poderão ficar a cargo da jurisdição dos TAF?

O Tribunal de Conflitos disse que a única hipótese de estas contraordenações ficarem na


jurisdição dos TAF seria se interviesse um regime jurídico em concreto que previsse essa situação.
Nesse caso, prevalece a lei especial sobre a lei geral.

Fontes do Direito Administrativo

Enquadramento teórico prévio

As fontes do Direito Administrativo relacionam-se com o modo de criação e revelação de


regras jurídicas administrativas. Estas fontes subdividem-se em:

● Externas: Direito Internacional Público, Direito da União Europeia.


● Internas: Constituição da República Portuguesa, Leis, Regulamentos.

Há cada vez mais uma maior influência do Direito da União Europeia nos ordenamentos
jurídicos dos Estados-membros, através das normas comunitárias, que se aplicam de igual forma
entre estes.

Análise de acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE)

A. Indique quais os princípios de Direito da União Europeia que são desenvolvidos em cada um
dos acórdãos infra-citados.

A - Acórdão Van Gend & Loos - desenvolve-se sobretudo o princípio do efeito direto. Esta é
uma ação onde tínhamos uma sociedade com a qual tinha sido aplicada uma taxa aduaneira,
tendo-se recusado a pagar essa taxa invocando uma norma do Tratado da CEE. Invocou diretamente
uma norma de Direito da União Europeia (DUE) contra o Estado que a tinha obrigado a pagar uma
taxa aduaneira. O princípio do efeito direto pode definir-se precisamente pela possibilidade de
invocação de normas de DUE por particulares, nomeadamente contra o Estado. Claro que o princípio
do efeito direto tem por base o primado do DUE. Não está em causa discutir a posição hierárquica do

18
DUE, pois tal já é assumido. Aqui no caso, o efeito direto vai para além da ideia do primado, no
sentido de se poder invocar diretamente uma norma de DUE contra um Estado, nomeadamente nos
próprios tribunais nacionais, algo que depois foi desenvolvido no acórdão. Aquele caso foi julgado
num tribunal nacional com a aplicação de normas de Direito Europeu.

B – Acórdão Francovich – esta situação levou ao desenvolvimento pelo Tribunal de Justiça do


princípio da responsabilidade civil dos Estados-membros por violação do DUE. Surgiu pela primeira
vez, de forma mais desenvolvida, no âmbito de uma não transposição de uma diretiva, o que gerou
prejuízos para alguns particulares em concreto. A diretiva previa a proteção de trabalhadores em
empresas que acabam por se declarar insolventes, acontecendo isso em Itália, contudo, como a
diretiva não tinha sido transposta a tempo, não pode ser invocada pelos particulares. Mediante isso
surgiu a ideia da responsabilidade civil dos Estados por violação do DUE, nomeadamente por
obrigação de transposição de diretivas a tempo. Caso tivesse sido transposta a tempo, os particulares
estariam protegidos nesta situação. Ficou a ideia de que até por violação do DUE podem os Estados
ser responsabilizados.

C – Acórdão Costa c. ENEL – desenvolve-se o princípio do primado. Discute-se a existência de


normas nacionais contrárias ao DUE, relativamente às quais o TJUE depois teve de se pronunciar. O
DUE deve prevalecer sobre os ordenamentos jurídicos nacionais. A dada altura já se admitia o
primado do DUE, mas por receção das Constituições nacionais. No entanto, com este acórdão, a
justificação do primado do Direito Comunitário altera-se – existe primado, porque os Estados, ao
aderirem, obrigam-se a respeitar as normas que daí vêm. Baseia-se numa UE autónoma, que
consegue através dos seus tratados criar uma ordem jurídica nova, que é fundamento suficiente para
as normas europeias prevalecerem sobre o Direito Nacional.

D – Acórdão Marleasing – desenvolvem-se dois princípios: o princípio da interpretação


conforme e o princípio da cooperação leal (ainda que este último se manifeste de forma muito
subtil). A empresa Marleasing era inválida, no entanto, a sociedade disse que, segundo uma diretiva
europeia, que continha as possíveis causas de anulação de uma empresa, não referia a causa de
anulação que existia apenas no ordenamento jurídico nacional espanhol – este tinha criado mais
causas para além daquelas previstas na diretiva. Desenvolve-se o princípio da interpretação
conforme – o TJUE diz que os próprios ordenamentos jurídicos nacionais têm de interpretar as suas
normas de acordo com normas de DUE, numa perspetiva global (de acordo com fins e resultados
europeus). Resulta daqui também o princípio da cooperação leal, que constitui a base de todos os
princípios. Com a reforma de 2015 do CPA, o princípio passou a ser também previsto expressamente
no ordenamento jurídico português (art. 19º). Este obriga os Estados a adotar todas as medidas
relevantes para assegurar o cumprimento de todos os fins europeus.

E – Acórdão Simmenthal – neste acórdão o Tribunal de Justiça vai desenvolver a sua


jurisprudência sobre o princípio do primado e o princípio do efeito direto. Houve, neste caso, a
aplicação de uma lei nacional contrária ao DUE, posterior à norma europeia. Portanto, o Estado
nacional, no fundo, defendia-se com base nesse preciso aspeto, dizendo que a norma jurídica
nacional devia ser respeitada, porque foi posterior à norma de DUE. Contudo, o TJUE entendeu que
ainda que a norma seja posterior, se for contrária ao DUE, tem de ser desaplicada, quer seja pelos
tribunais nacionais, quer seja pela administração nacional. Ainda se tinha lançado o argumento de
que para a norma ser desaplicada teria de ser classificada inconstitucional, ou tinha de vir nova lei

19
que a revogasse, contudo, o TJUE entendia que devia apenas ser desaplicada no caso em concreto.
Esta situação já aconteceu também em Portugal. Os tribunais portugueses decidiram desaplicar as
normas do CPA contrárias ao DUE, e durante determinado lapso temporal, essas normas
continuavam previstas, mas não eram aplicadas. Quando surgiu momento oportuno legislativo em
2015, o artigo foi alterado, mas houve um papel prévio importante de desaplicação da norma pelos
tribunais portugueses em virtude de ser contrária ao DUE.

F – Acórdão Van Duyn – desenvolve sobretudo sobre o princípio do efeito direto. Desenvolve
um bocado mais os pressupostos para se verificar o efeito direto (a saber, que as normas invocadas
têm de ter caráter prescritivo, incondicional e suficiente, não necessitando da verificação de
nenhuma condição nem de um outro ato de modo a serem executadas.

B. Após análise dos Acórdãos indique se as seguintes afirmações são verdadeiras ou falsas.

I - Os tribunais nacionais são considerados tribunais comuns da União.

Verdadeira. Relativamente ao princípio do efeito direto e do princípio do primado, tem o


TJUE entendido que também compete aos tribunais nacionais aplicar normas de DUE e interpretar o
próprio DUE. Muitas vezes, podem nas ações nacionais ser invocadas normas de DUE, o que obriga
os tribunais nacionais a interpretar e a aplicar normas europeias, o que leva muitas vezes a que os
tribunais recorram ao mecanismo do reenvio prejudicial, que deve ser acionado sobretudo quando o
tribunal nacional tem dúvidas na forma como deve interpretar uma determinada norma de DUE. O
TJUE pronuncia-se e, mediante essa pronúncia, o juiz nacional já consegue decidir o caso em
concreto.

II – O Princípio da Responsabilidade Civil obriga o Estado-membro a adotar todas as medidas


gerais ou especiais capazes de assegurar o cumprimento das obrigações decorrentes do Tratado ou
resultantes de atos das instituições da União.

Falsa. O princípio que obriga o Estado-membro a adotar todas as medidas gerais ou especiais
capazes de assegurar o cumprimento das obrigações decorrentes do Tratado ou resultantes de atos
das instituições da União é o princípio da cooperação leal.

III – Segundo a teoria do efeito direto vertical, no caso de incumprimento da obrigação de


transposição de uma diretiva, os particulares podem invocar as suas disposições, contra o
Estado-membro infrator, num tribunal nacional, se as disposições forem incondicionais e
suficientemente precisas da diretiva contra o Estado infrator e já tiver expirado o prazo de
transposição da diretiva.

Verdadeira. O efeito direto foi construído em duas perspetivas (vertical e horizontal). Na


primeira, a norma europeia é invocada por um particular contra o Estado, na segunda é invocada por
um particular contra outro particular. Tem a ver com os sujeitos da relação. No caso de
incumprimento da obrigação de transposição de uma diretiva, os particulares podem invocar as suas
disposições contra o Estado-membro infrator, num tribunal nacional, se as disposições forem
incondicionais e suficientemente precisas da diretiva contra o Estado infrator e já tiver expirado o
prazo de transposição da diretiva. O princípio do efeito direto vertical tem sido aplicado de forma
cada vez mais ampla. Da mesma forma que já se reconheceu que este efeito direto não é aplicável

20
apenas perante os tribunais nacionais, mas também junto das próprias administrações nacionais. Já é
possível invocar-se normas europeias e anular normas administrativas com base em normas de DUE.

IV – Se o prazo de transposição da diretiva terminou e o Estado cumpriu essa obrigação de


forma correta, o particular não precisa de invocar o efeito direto da diretiva: nesses casos, será
aplicada a lei nacional que transpôs a diretiva.

Verdadeira. Pretende-se que uma diretiva seja transposta para um ordenamento jurídico
nacional. O TJUE afirma que a eficácia das diretivas comunitárias aumenta quando há uma
transposição do seu conteúdo para o ordenamento jurídico nacional. Argumentos a favor: as
diretivas dirigem-se aos Estados e não aos particulares (art. 298º TFUE) – há um caráter obrigatório
da diretiva na relação entre a UE e o Estado-membro; as diretivas não são publicadas de forma tão
acessível aos particulares (atualmente já não tem aplicação, porque as diretivas não eram aplicadas
até ao TUE como são hoje em dia).

V – Antes de expirar o período de transposição da diretiva, o Estado pode adotar medidas


nacionais que comprometam o resultado visado por esse ato.

Falsa. Decorre esta obrigação do princípio da cooperação leal. Ao abrigo deste princípio foi
desenvolvida pelo TJUE esta ideia de que durante o período de transposição da diretiva, ainda que
não tenham transposto têm os Estados de respeitar as obrigações desta diretiva.

VI – Segundo a jurisprudência atual da União, as diretivas podem ter efeito direto horizontal,
isto é, podem ser invocadas enquanto tais por um particular num litígio que o oponha a outro
particular.

Falsa. Não é verdade que as diretivas possam ter efeito direto horizontal, e o TJUE também já
discutiu esta questão no Acórdão Marshall. Considerou que não, nomeadamente pelos argumentos
anteriormente referidos. Deixaria de fazer sentido distinguir diretivas de regulamentos. No entanto,
cada vez há mais doutrina que defende o reconhecimento deste efeito direto horizontal das diretivas.

VII – A criação da nova ordem jurídica europeia também se ficou a dever à transferência de
competências por parte dos Estados-membros para as instituições da União, competências essas que
implicaram uma limitação de soberania.

Verdadeira. Esta é a definição do princípio do primado do Direito da União.

VIII – A criação da nova ordem jurídica europeia também se ficou a dever à transferência de
competências por parte dos Estados-membros para as instituições da União, competências essas que
implicaram uma limitação de soberania.

Verdadeira. O TJUE já reconheceu a ideia de que os tratados criaram uma entidade jurídica
nova que implicou a transferência de algumas competências para os órgãos da UE, havendo a
limitação da soberania.

IX – Questionar o primado do Direito da União sobre os direitos nacionais seria ameaçar a


própria sobrevivência das Comunidades (hoje, da União).

21
Verdadeira. Não havendo este princípio, os estados não teriam a obrigação de o aplicar, e
poderiam optar, num conflito entre normas internas e normas de DUE, por aplicar normas nacionais,
ainda que fossem contrárias ao DUE.

X – Os Estados (incluindo este conceito não só o legislador, mas a administração e os


tribunais nacionais) devem atingir os objetivos fixados nas diretivas, garantindo assim o seu efeito
útil, tendo em todo o caso o Estado-legislador liberdade quanto à forma e aos meios de realizar esses
mesmos objetivos.

Verdadeira. De facto, apenas os objetivos fixados nas diretivas têm de ser transpostos e
depois há liberdade na forma como os Estados promovem esses objetivos.

XI – O Acórdão Francovich afirmou um princípio da responsabilidade do Estado-membro por


violação de Direito da União como princípio estruturante da própria, por forma a garantir uma plena
eficácia da aplicação das normas comunitárias, a proteção dos particulares e a uniformidade do
Direito.

Verdadeira. Existindo aqui um regime de responsabilidade, gera-se uma responsabilização


maior, e em consequência, uma eficácia na aplicação das normas. Não acontecendo isso,
protegem-se os particulares.

XII – Cabe aos órgãos jurisdicionais europeus julgar as ações de indemnização contra o
Estado por violação de uma norma europeia.

Falsa. São os próprios órgãos jurisdicionais nacionais que devem julgar as ações de
indemnização contra o Estado por violação de uma norma europeia. Segundo a Lei nº 67/2007, esta
competência pertence aos Estados-membros, tendo estes nas suas mãos o papel de aplicar o DUE.

XIII – As legislações nacionais podem ser mais exigentes quando se trata de uma ação de
reparação cuja origem está na violação do Direito da União do que quando o facto que está na sua
origem é de natureza interna.

Falsa. No fundo, os pressupostos da responsabilidade devem ser iguais consoante a natureza


da norma jurídica em causa, seja nacional ou europeia. Também é dito no acórdão Francovich.

XIV – Pode afirmar-se que as condições gerais de admissibilidade da responsabilidade


patrimonial dos Estados por violação do Direito Comunitário são, em qualquer situação, três: que a
regra de direito violada tenha por objetivo conferir direitos aos particulares, a exigência de uma
violação suficientemente caracterizada e o nexo de causalidade entre a violação da obrigação que
incumbe aos Estados-membros de acordo com o Direito Comunitário e o prejuízo sofrido pelas
pessoas lesadas.

Verdadeira. São estes os pressupostos de responsabilidade civil que o TJUE tem vindo a
desenvolver. Quando a norma que é violada (tem de haver violação de uma norma, neste caso de
due) confere direito aos particulares, deve existir um nexo de causalidade entre a violação da norma
em questão e o prejuízo sofrido pelos lesados. Não está mencionado, mas falta também mencionar
que estas regras de direito violadas remetem para a culpa do Estado quando viola estas regras.

22
Caso prático nº 5

Noções fundamentais: Direito da Organização Administrativa

Distinga os seguintes conceitos:

1 – Descentralização/desconcentração.

Um dos conceitos apresentados leva à constituição de novas pessoas coletivas e o outro não.
Na desconcentração, o Estado atribui poderes a outros órgãos, mas que pertencem à pessoa coletiva
Estado, ou seja, não há criação de novas pessoas coletivas públicas. Visa distribuir competências,
com a função de não concentrar tudo no mesmo órgão. Tudo isto se passa dentro da mesma pessoa
coletiva.

Já a descentralização é uma distribuição de competências com lugar à criação de novas


pessoas coletivas públicas.

Podemos distinguir duas modalidades de desconcentração:

-Desconcentração originária – é a lei que prevê a distribuição de competências de


determinada forma. Ex: Decreto-lei que aprova a organização e funcionamento do Governo.

-Desconcentração derivada – a lei não prevê, mas dá-se por outro fenómeno,
nomeadamente a delegação de poderes. Não acontece quando se criam e distribuem as
competências, mas acontece em momento posterior, através de outro ato. Art. 44º e seguintes do
CPA- delegação de poderes.

Este fenómeno da desconcentração está associado à administração direta do Estado, logo,


tudo o que são serviços do Estado são criados com este intuito de distribuição de competências
dentro da mesma pessoa coletiva.

Por sua vez, a descentralização obriga à distribuição de competências por novas pessoas
coletivas. Pode ser:

-Descentralização administrativa- visa o exercício da função administrativa e distingue-se a


descentralização em sentido próprio, que leva a uma descentralização autónoma – constituição de
pessoas coletivas públicas que normalmente têm uma base territorial e que têm fins múltiplos, como
as autarquias locais e as regiões autónomas, sendo que dentro desta divisão há diferenças, as
autarquias locais estão previstas na CRP, no art. 236º, artigo este que prevê a tipicidade das
autarquias locais, ou seja, podemos ter apenas municípios, freguesias ou até regiões administrativas
– da descentralização em sentido impróprio, que leva a uma administração indireta – há uma
constituição de uma nova pessoa coletiva, no entanto, essa pessoa coletiva tem um caráter
funcional, porque é criada para prosseguir determinados fins específicos, e as pessoas coletivas
criadas prosseguem fins em nome de outras pessoas coletivas.

Subdivide-se em:

23
Descentralização territorial vs. descentralização institucional- a descentralização territorial- tem a
ver com as autarquias locais, que têm por base um certo território; por sua vez, a descentralização
institucional relaciona-se com os fins prosseguidos pelas novas pessoas coletivas públicas, que por
norma correspondem a fins do Estado, mas que este entende que são melhor prosseguidos por uma
determinada pessoa coletiva.

Descentralização em sentido próprio vs. descentralização em sentido impróprio: a descentralização


em sentido próprio refere-se a pessoas coletivas que visam a prossecução de interesses próprios,
podendo incluir as autarquias locais e as regiões autónomas; leva a uma administração autónoma. Já
na descentralização em sentido impróprio, ainda que tenhamos pessoas coletivas novas, estas não
vão prosseguir interesses próprios, passando a prosseguir em nome próprio, interesses de outra
pessoa coletiva; leva a uma administração indireta.

-Descentralização política- ex.: as regiões autónomas, que têm poderes


jurídico-administrativos, mas também poderes jurídico-legislativos e órgãos próprios, sendo que o
que acontece é que a descentralização é mais intensa, porque também são distribuídos poderes
legislativos. Implica a criação de regiões políticas.

NOTA- regiões autónomas têm órgãos de governo próprio e têm poder legislativo- ao
contrário das autarquias locais.

A ideia de distribuir competências é a de não estar tudo centralizado nas mesmas pessoas
coletivas.

2 – Administração autónoma/administração indireta.

No caso das administrações autónomas, foram criadas novas pessoas coletivas que têm por
base a ideia de base territorial (corresponde-se às necessidades de uma determinada população) e
têm interesses próprios que prosseguem, podendo também criar novas pessoas coletivas. Isto não
acontece com a administração indireta. As pessoas coletivas criadas não podem criar novas pessoas
coletivas.

A administração autónoma, como tem interesses próprios e visa prossegui-los num


determinado território para determinada população, o Estado apenas poderá averiguar se a atuação
destas entidades cumpre ou não a legalidade. Exemplos: administração regional e local, mas também
outras formas (ex.: eventuais associações públicas).

No caso da administração indireta, são novas pessoas coletivas que, ainda que não integrem
a estrutura do Estado, são criadas com base na atribuição de certas finalidades especiais, acabando
por prosseguir estes fins na dependência do Estado. Apesar de serem novas pessoas coletivas
públicas e de não integrarem a estrutura do Estado, prosseguem os fins deste.

3 – Órgão singular/órgão colegial.

A definição de órgãos está prevista no CPA, no art. 20º. Existem milhares de classificações
em relação aos órgãos. O CPA prevê esta distinção entre órgãos singulares e órgãos colegiais.

24
Órgãos singulares - possuem apenas 1 titular.

Órgãos colegiais - possuem mais do que 1 titular.

As pessoas coletivas podem criar órgãos e exercer as competências que lhes forem
atribuídas, que visam assegurar as atribuições das pessoas coletivas. Os órgãos são titulares de
competências, enquanto as pessoas coletivas prosseguem atribuições. A distinção entre atribuições e
competências é relevante porque pode dar origem a invalidades diferentes. Quando uma pessoa
coletiva prossegue uma atribuição conferida a outra pessoa coletiva, será um ato administrativo nulo
- art. 161º, nº1/ d) CPA. Quando os órgãos praticam atos para os quais não têm competências, a
sanção é a anulabilidade - art. 163º CPA. Neste caso, pode haver a sanação, através da figura da
ratificação.

O CPA preocupou-se bastante com os órgãos colegiais, aos quais se refere toda a Parte II
(organização e funcionamento dos órgãos) deste Código- art. 20º e seguintes. A Parte II do CPA é
apenas aplicável ao funcionamento dos órgãos da Administração Pública, segundo o art. 2º, nº 2 e o
art. 4º CPA. Os restantes podem ter as suas próprias regras, dependendo da sua vontade.

4- Superintendência/tutela.

A superintendência aplica-se no âmbito da administração estadual indireta. Nos termos do


art. 199º/ d) CPA, temos 3 palavras que caracterizam as relações interorgânicas ou
interadministrativas: dirigir, superintender e tutela. O poder de dirigir relaciona-se com a
administração estadual direta- estamos dentro da mesma pessoa coletiva- Estado, onde a relação é
de hierarquia. No caso da administração estadual indireta, o Estado exerce poderes de
superintendência e tutela.

Assim, temos que:

-Superintendência - o Estado pode fixar diretivas, sobre o modo como as pessoas coletivas
devem exercer as suas atribuições. Ex: podem ser definidos objetivos, pode-se guiar a atuação das
próprias pessoas coletivas. Tem de vir expressamente prevista na lei e é uma modalidade de uma
relação administrativa típica entre o estado e a administração estadual indireta.

-Tutela - tem a ver com o exercício de poderes de controlo e de fiscalização e que pode ser
subdividida na tutela de legalidade (e o Estado vai verificar se uma entidade vai atuar em
conformidade com o que está previsto na lei) e na tutela de mérito (vai fiscalizar a conveniência das
decisões tomadas por determinada entidade para prossecução das atribuições- o Estado vai perceber
se os interesses estão a ser cumpridos da melhor forma). No caso da administração estadual indireta-
o estado exerce os 2 tipos de tutela. No caso da administração autónoma, apenas se vai exercer a
tutela de legalidade.

No caso da administração independente, onde falamos das entidades reguladoras


independentes, em relação às quais não há o exercício destes poderes, elas têm de ir dando nota da
atividade que vão exercendo.

5- Hierarquia/independência.

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Existem relações de subordinação jurídica e hierárquica onde nascem um conjunto de
poderes e faculdades de quem é hierarquicamente superior. Tal é especialmente visível no caso da
administração estadual direta.

Nesta relação de hierarquia há um dever de obediência, embora este tenha limites impostos
pela própria Constituição, no art. 271º, nº3 CRP, face à prática de crime. Nos termos do art. 271º,
nº2 da CRP é possível reclamar a ordem ou exigir a transmissão ou confirmação da ordem por
escrito, permitindo assim a exclusão de responsabilidade do inferior hierárquico.

No caso da independência, utilizamos este conceito sobretudo nas autoridades


independentes de regulação e supervisão que pertencem ao setor da administração independente,
tendo grande autonomia em relação ao Estado e Governo devido à própria atividade de fiscalização e
regulação que prosseguem, necessitando deste distanciamento. Portanto, esta ideia de
independência ao nível do Direito Administrativo é vista numa relação de total autonomia na
nomeação de membros dos cargos, na atividade administrativa independente nos seus poderes
normativos, sancionatórios, etc.

6- Poder de direção/poder de supervisão.

Dentro da hierarquia temos superiores hierárquicos aos quais são concedidos determinado
tipo de faculdades e poderes, nomeadamente de direção e de supervisão.

O poder de direção confere ao superior hierárquico a possibilidade de emissão de ordens ao


inferior hierárquico/subalterno. Para além de ordens em concreto, o poder de direção abrange o
poder de dar ordens assim como de diretivas e instruções: no caso das diretivas, o inferior tem
determinado objetivo, de modo autónomo de como o alcançar; as instruções destinam-se a
situações futuras, incitando a forma como deve o inferior reagir. Há um dever de obediência,
constitucionalmente previsto no art. 271º CRP. Porém, nos termos do art. 271º, nº 3 CRP - há
limites: quando o cumprimento de ordens ou instruções implique a prática de crimes, o dever de
obediência cessa. Tem se entendido que há dever de obediência da prática de ordens ou instruções
ilegais, apenas cessa em casos de crime, porém, o subalterno pode-se proteger destas situações
através do art. 271º, nº2 CRP.

Já o poder de supervisão confere a possibilidade de suspensão, anulação ou revogação dos


atos praticados pelo inferior hierárquico. Pode acontecer pela sua iniciativa ou pode também
acontecer no âmbito dos recursos hierárquicos, quando proferida uma direção, os lesados podem
reclamar dela numa fase inicial administrativa - recurso hierárquico (pode acontecer oficiosamente -
obrigando o superior hierárquico a apreciar se o ato foi ou não ilegal, podendo anulá-lo).

O superior hierárquico tem também:

-Poder de inspeção sobre o comportamento dos subalternos, assim como verificar se os


serviços administrativos estão a funcionar corretamente.

-Poder disciplinar em relação ao subalterno, instaurando procedimentos administrativos,


podendo acabar na instalação de uma sanção, tendo o poder sancionatório (desde a repreensão ao
despedimento).

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-Poder de decisão sobre os recursos hierárquicos.

-Poder de resolver conflitos de competência- por vezes, temos dois ou mais subalternos
competentes para executar a ordem, sendo que no final o superior hierárquico decide quem irá
praticar o ato - art. 51º CPA.

7- Tutela revogatória/tutela inspetiva.

A tutela consiste na fiscalização de cumprimento de determinadas normas legais ou do


cumprimento de determinados interesses públicos quando falamos de interesses de mérito, e
quanto ao conteúdo e ao modo como a tutela é exercida, podemos classificá-la de diversos modos:

A tutela inspetiva consiste na possibilidade de a entidade tutelar fiscalizar a organização e o


funcionamento dos órgãos de justiça administrativos, assim como as contas da entidade tutelada.

A tutela revogatória tem a ver com a possibilidade de anular ou revogar os atos praticados
pela entidade tutelada.

Pode ainda existir: tutela integrativa – poder de aprovar ou autorizar os atos da entidade
tutelada; tutela sancionatória – pode a entidade tutelar aplicar sanções por irregularidades
detetadas no funcionamento da entidade tutelada; e tutela substitutiva – a entidade tutelar tem o
poder de suprir as omissões das entidades tuteladas.

Relativamente à administração autónoma, só se pode exercer a tutela inspetiva e integrativa,


visto que a relação estabelecida com o Estado é uma tutela de mera legalidade.

NOTA- quando temos administração estadual direta, a relação é de hierarquia, logo, não há
tutela.

Administração estadual direta:

-Central: Governo, Ministério, inspeções gerais.

-Periférica: repartição de finanças, comanda da GNR, PSP, Direção Regional.

Administração estadual indireta:

-Institutos públicos, empresas públicas, fundações públicas.

Administração autónoma:

-Autarquias locais, regiões autónomas, associações de municípios, áreas metropolitanas,


concelhos intermunicipais, associações públicas profissionais, IPSS, universidades.

Administração independente:

-Entidade reguladora da saúde.

27
Caso prático nº 6

Elementos da organização administrativa: pessoas coletivas públicas, órgãos e serviços públicos;


atribuições, competências e legitimação

1. Quais são os critérios que permitem qualificar uma pessoa coletiva como pública?

A caracterização das pessoa coletivas públicas e a sua distinção face às pessoas coletivas
privadas é feita com base em vários critérios: entidade e iniciativa, assim como natureza do ato
jurídico que a criou; regime jurídico que lhes é aplicável; se são, ou não, titulares de poderes de
autoridade; fins e interesses prosseguidos por essa pessoa coletiva, assim como os interesses que
prosseguem; o tipo de função que desempenham (se desempenham funções administrativas
materialmente); se estão sujeitas a algum tipo de regime de ingerência ou de controlo, por parte de
alguma autoridade pública.
Uma pessoa coletiva pública será uma pessoa criada por lei ou por ato fundamentado numa
lei, e que será criada para desempenhar tarefas materialmente correspondentes ao exercício da
função administrativa e, como tal, será dotada de poderes e deveres públicos de autoridade.

2. Quando é que esses critérios são relevantes?

Estes critérios demonstram-se relevantes porque, à falta de uma disposição legal expressa
que o indique, permitem enquadrar uma pessoa coletiva na vertente pública ou privada, e em
consequência disso, é possível saber que tipo de direito se deve aplicar.

Dentro das pessoas coletivas públicas, ainda podemos ter outras classificações:

- Pessoas coletivas públicas territoriais (cingem-se à prossecução de interesses de uma


determinada região e população - ex.: Estado e Autarquias Locais);
- Pessoas coletivas públicas institucionais (prosseguem fins determinados e específicos);
- Pessoas coletivas públicas de fins múltiplos (prosseguem diferentes tipos de interesses
públicos; ex.: Estado, regiões autónomas, autarquias locais);
- Pessoas coletivas públicas fins específicos.

Também, dentro das pessoas coletivas públicas, importa fazer distinções entre si, uma vez
que disso vai depender a aplicação do CPA.

3. Os institutos públicos constituem sempre formas de administração indireta?

Os institutos públicos são pessoas coletivas de direito público, de tipo institucional


(prosseguem fins concretos), que têm personalidade jurídica própria, uma estrutura interna
hierarquizada e são criados por outras pessoas coletivas públicas, como o Estado, autarquias locais
ou regiões autónomas, para prosseguir interesses que, em princípio, caberia às entidades que os
criou prosseguir, pelo que estamos perante uma decisão de descentralização administrativa em
sentido impróprio (ou devolução de poderes), pois estes vão sempre prosseguir interesses que
pertencem a outra pessoa coletiva pública (nomeadamente a que os criou).

Existem dois tipos de institutos públicos:

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-Serviços personalizados ou estabelecimentos públicos: são serviços públicos
administrativos, têm personalidade jurídica, têm autonomia administrativa e financeira, mas
possuem ainda uma grande dependência sobre a entidade que os criou, quando se tratam de
transferências financeiras. Quando desempenham funções de natureza social ou cultural, e a sua
atividade prestada é relativa aos cidadãos, estes são designados de estabelecimentos públicos.

-Fundações: resultam da existência de substratos patrimoniais, que criam fundos, e que


visam a prossecução de fins de interesse público. Apesar de serem uma figura que se autonomizou
dos institutos públicos, resulta da sua definição segundo o Artº 3º, e para além da lei-quadro dos
institutos públicos existe a lei quadro das fundações (Lei nº 24/2012). Às fundações está associado
um determinado substrato patrimonial, estas também têm personalidade jurídica, mas a sua
particularidade reside no facto de corresponderem a fundos patrimoniais de entes públicos e
também se dirigirem à prossecução de diferentes interesses públicos estaduais. Foram-se
autonomizando porque as suas atividades são financiadas através de receitas próprias (maior
autonomia financeira), o que muitas vezes não acontece nos institutos públicos (dependem do
financiamento estadual).

Em ambos os casos estamos a falar de pessoas coletivas de natureza jurídica pública. Quando
são de direito público, são criadas por pessoas coletivas públicas. No caso das fundações de direito
privado, podem ter sido criadas por pessoas coletivas públicas, mas à partida também em conjunto
com pessoas coletivas de direito privado.

Em consequência disto, há situações em que se considera que as fundações estão integradas


não na administração pública do estado, mas na administração autónoma, como é o exemplo das
universidades. As instituições de ensino superior públicas estão sujeitas a um regime especial,
porque tendo em conta a relação de autonomia que têm com o Estado, acabam por ser enquadradas
na administração autónoma.

4. As Universidades Públicas são sempre fundações públicas de Direito privado?

As universidades públicas podem ser de qualquer um dos tipos, pois podemos ter
universidades que são fundações públicas de Direito Público, mas também outras universidades que
sejam sempre fundações públicas de Direito Privado, ainda que o legislador tenha, atualmente,
proibido a criação de novas fundações públicas de direito privado (Art. 57º da Lei-Quadro das
Fundações - Lei nº 24/2012).
Também podem as próprias universidades corresponder a estabelecimentos públicos, que
prosseguem determinado fim social que se aplica à generalidade dos cidadãos.
As universidades têm um regime jurídico próprio, que é o regime jurídico das instituições de
ensino superior, previsto na Lei nº 62/2007, de 10 de setembro, que prevê no seu Art. 9º, que,
quando a lei especial não dá a resposta, deve subsidiariamente ser aplicada a lei-quadro dos
institutos públicos.

5. Às Universidades Públicas é aplicável a Lei-Quadro das Fundações?

29
As Universidades Públicas têm um regime jurídico próprio, consagrado na Lei nº 62/2007 de
10 de setembro- Regime jurídico das instituições de ensino superior. Este regime jurídico diz-nos
ainda, no art. 2º que as instituições de ensino superior públicas estão sujeitas ao regime aplicável às
demais pessoas coletivas públicas, designadamente à aplicação de um Direito subsidiário -
Lei-quadro dos institutos públicos, em tudo o que não contrariar o regime especial.

Quando as universidades assumem a forma de fundações públicas de Direito Privado, estão


excluídas do âmbito da aplicação da Lei-quadro das fundações, segundo o seu art. 6º, nº 8. No caso
das fundações públicas de direito público, na prática, essa exclusão não resulta da lei, mas segundo o
art. 2º da Lei 62/2007, o que se deve aplicar em primeiro lugar é a lei quadro dos institutos públicos.

6. As empresas públicas são pessoas coletivas públicas?

Nos termos do Decreto-lei nº 133/2013, de 3 de outubro, o art. 56º estabelece que as


entidades públicas empresariais são pessoas coletivas públicas. Para além das EPE’s (Entidades
Públicas Empresariais), podem existir as empresas públicas, que podem assumir a forma de pessoa
coletiva privada, sob a forma de sociedade comercial, ainda que sujeitas a uma influência pública
dominante. Temos de distinguir consoante o tipo de empresas em causa. O nº1 do art. 5º do DL nº
133/2013 vem dizer que “São empresas públicas as organizações empresariais constituídas sob a
forma de sociedade de responsabilidade limitada nos termos da lei comercial, nas quais o Estado ou
outras entidades públicas possam exercer, isolada ou conjuntamente, de forma direta ou indireta,
influência dominante”; porém, o nº2 do mesmo artigo vem dizer que também se consideram
empresas públicas as entidades públicas empresariais. As EPE, sendo pessoas coletivas públicas,
correspondem também à administração indireta do Estado.

7. As áreas metropolitanas podem qualificar-se como autarquias locais?

Não podem, tal como decorre da CRP, no disposto no Art. 236º, nº 1, que consagra o
princípio da tipicidade das autarquias locais, estabelecendo que só podemos ter freguesias,
municípios ou (eventualmente) regiões administrativas, não sendo as áreas metropolitanas
consideradas autarquias locais, sob pena de incorrer num vício de inconstitucionalidade.
São, portanto, associações públicas criadas por entidades públicas, que são da
responsabilidade da administração autónoma do Estado (Lei nº 75/2013, de 12 de setembro). Para
além das áreas metropolitanas, a Lei nº 75/2013, de 12 de setembro também prevê as entidades
intermunicipais, as comunidades intermunicipais e as associações de freguesias e municípios.
Podemos também ter associações públicas criadas por entidades privadas (Ex: ordens profissionais).

8. Os Ministérios, apesar de serem órgãos, têm atribuições. Qual é a relevância?

As pessoas coletivas públicas são criadas para prosseguir determinados fins ou interesses
públicos, pelo que possuem atribuições; os órgãos das pessoas coletivas executam competências,
tendo em vista atingir os fins de interesse público. Mas o caso dos ministérios é uma exceção a esta
distinção, pois são órgãos do Estado que têm atribuições (Artº 4 da Lei nº 4/2004), e isto resultou da

30
complexidade e diversidade das competências estaduais, fazendo com que os ministérios tenham um
conjunto de competências e atribuições a prosseguir.
Esta distribuição tem consequências, ao nível do regime da invalidade dos atos
administrativos, pois um ato administrativo praticado em desrespeito das atribuições, é nulo nos
termos do art. 161º, nº 2/ b) CPA. Por sua vez, um ato que seja praticado por uma entidade que não
tem competência para tal é apenas anulável (art. 163º CPA), podendo inclusive, nos termos do art.
164º, nº 3 CPA, ser sanado ou retificado o vício.

Caso prático nº 7

Organização do CPA e disposições mais relevantes

I. Procurar na Constituição da República Portuguesa (CRP) e no Código do Procedimento


Administrativo (CPA) e escrever na tabela os artigos referentes a cada uma das matérias.

O CPA tem 4 partes:

● 1ª Parte – Disposições gerais e princípios gerais de Direito Administrativo – artigos 1º a 19º.


● 2ª Parte – Organização e funcionamento dos órgãos da administração pública, definidos no
art. 2º, nº4 do CPA (o CPA deu muito mais relevo aos órgãos colegiais do que aos órgãos
singulares) – artigos 20º a 52º.
● 3ª Parte – Procedimento administrativo – regras comuns ao procedimento administrativo. Há
formalidades especiais para o regulamento administrativo e para o ato administrativo –
artigos 53º a 134º:
○ Art. 53º - 95º - regras comuns;
○ Art. 97º - 101º - regras especiais para o procedimento ao regulamento
administrativo;
○ Art. 102º - 134º - regras especiais para o procedimento ao ato administrativo;
● 4ª Parte – atividade administrativa – artigos 135º a 203º.

1. Âmbito de aplicação do CPA - Art. 2º CPA - diz quando e a quem é que o CPA se aplica;
2. Princípios gerais da atividade administrativa - Art. 3º a Art. 19º CPA; Art. 6º e Art. 266º
CRP;
3. Princípios e deveres procedimentais - Art. 13º a Art. 19º CPA (construção doutrinal - dentro
dos princípios gerais da atividade administrativa subdivide-se entre os que têm a ver com a
Administração e aqueles que têm mais a ver com o procedimento administrativo);
4. Órgãos administrativos - Art. 20º CPA - definição de órgãos administrativos (no limite,
podemos considerar os artigos 20º e seguintes);
5. Reuniões ordinárias/extraordinárias - Art. 23º e Art. 24º CPA;
6. Quórum de votação - Art. 29º CPA;
7. Maioria de votação - Art. 32º CPA;
8. Atas das reuniões - Art. 34º CPA (também se pode considerar o art. 35º);

31
9. Irrenunciabilidade e inalienabilidade da competência - Art. 36º CPA;
10. Delegação de poderes - Art. 44º a Art. 50º CPA;
11. Interessados do procedimento administrativo - Art. 65º, Art. 67º e Art. 68º CPA;
12. Garantias de imparcialidade - Art. 69º a Art. 76º CPA;
13. Direito à informação administrativa - Art. 82º a Art. 85º CPA; Art. 268º, nº 1 e nº 2 CRP
14. Prazos procedimentais - Art. 86º a Art. 88º e Art. 128 CPA;
15. Pareceres - Art. 91º e art. 92º CPA;
16. Conceito de ato administrativo - Art. 148º CPA;
17. Conceito de regulamento administrativo - Art. 135º CPA;
18. Contrato administrativo - Art. 200º CPA;
19. Causas de extinção do procedimento - Art. 93º a Art. 95º CPA e art. 131º a 133º;
20. Procedimento do regulamento administrativo- regime comum - Art. 53º a 96º; regime
especial- Art. 97º a Art. 101º CPA;
21. Procedimento do ato administrativo primário - Art. 102º a Art. 134º CPA + regime comum;
22. Invalidade do ato administrativo - Art. 161º a Art. 164º CPA;
23. Ilegalidade de normas regulamentares - Art. 143º e Art. 144º CPA;
24. Reclamação administrativa - Art. 191º e Art. 192º CPA + regime comum - Art. 184º a 190º;
25. Recurso hierárquico - Art. 193º a Art. 198º CPA + regime comum;
26. Recursos administrativos especiais - Art. 199º CPA + regime comum.

Caso prático nº 8

Delegação de poderes

Francelino Macedo é Presidente da Câmara Municipal de Lagoa e em virtude da relação de


confiança depositada no seu “Vereador do Urbanismo”, Eduardo, decide “transmitir-lhe os
legalmente devidos poderes”, com a indicação expressa dos mesmos, com as seguintes finalidades:
”– Construção de uma autoestrada na zona Y – Atos expropriativos dos terrenos rústicos com vista
a viabilizar o objetivo”. Existe uma norma habilitante para esta transferência de poderes.
Responda, de forma juridicamente fundamentada, às seguintes hipóteses teórico-práticas:

O caso prático em questão trata da matéria de delegação de poderes, onde observamos o


presidente da câmara municipal, a tomar a decisão de delegar poderes ao vereador do urbanismo,
tendo em vista a construção de uma autoestrada e a prática de atos expropriativos dos terrenos
rústicos.
O regime da delegação de poderes encontra-se nos Artigos 44º e seguintes do CPA, e
decorre do ato administrativo de desconcentração, onde se dá apenas a transferência/ delegação de
competências a pessoas coletivas já existentes, não havendo criação de novas pessoas coletivas nem
a criação de novas atribuições.
A desconcentração pode ser originária ou derivada, sendo neste caso derivada, visto que não
é a lei que atribui poderes ao vereador, mas acontece posteriormente através da delegação de
poderes.
Esta relação obedece a uma hierarquia, pelo que o Presidente, no âmbito da relação de
hierarquia ocupa o papel de delegante e de superior hierárquico, e o Vereador, o papel de delegado e
inferior hierárquico ou subalterno. No âmbito da relação de hierarquia entre o presidente e o
vereador, o superior hierárquico pode exercer poderes, por exemplo, sancionatórios.

32
1. Como qualifica juridicamente o “ato” pelo qual Francelino transmite parte dos seus poderes a
Eduardo? Ficará Francelino vinculado, para os devidos efeitos, aos atos praticados por Eduardo?

Este é um ato de delegação de poderes. Nos termos do art. 44º, nº 1 CPA, “os órgãos
administrativos normalmente competentes para decidir em determinada matéria podem, sempre
que para tal estejam habilitados por lei, permitir, através de um ato de delegação de poderes, que
outro órgão ou agente da mesma pessoa coletiva ou outro órgão de diferente pessoa coletiva
pratique atos administrativos sobre a mesma matéria”.

Francelino ficará vinculado, uma vez que os atos praticados ao abrigo da delegação de
poderes, valem como se tivessem sido praticados pelo delegante, segundo o previsto no art. 44º, nº
5 CPA. É uma relação que implica especial confiança, porque os atos praticados pelo delegado valem
como se tivessem sido praticados pelo delegante. Tudo aquilo que o vereador do urbanismo praticar
vai ser assumido e da responsabilidade do Presidente da Câmara.

2. Sabendo que a transmissão de competências não foi devidamente publicitada, pronuncie-se


sobre os atos entretanto praticados por Eduardo.

A transmissão de competências tem de ser publicada, nos termos do art. 47º, nº 2 CPA (“os
atos de delegação ou subdelegação de poderes estão sujeitos a publicação, nos termos do art.
159º”). Assim, este artigo estabelece uma remissão para o art. 159º CPA (“quando a lei impuser a
publicação do ato, mas não regular os respetivos termos, deve a mesma ser feita no Diário da
República ou na publicação oficial da entidade pública, e na Internet, no sítio institucional da
entidade em causa, no prazo de 30 dias, e conter todos os elementos referidos no art.151º nº1”), que
por sua vez também estabelece uma remissão para o art. 151º, nº 1 CPA (“salvo em estado de
necessidade, os órgãos da Administração Pública não podem praticar nenhum ato ou operação
material de que resulte limitação de direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos dos
particulares, sem terem praticado previamente o ato administrativo que legitime tal atuação”), pelo
que estamos perante um caso de dupla remissão.
No nosso caso, a publicação era obrigatória, mas não aconteceu. Quando não há publicação,
sendo esta legalmente exigida, aplica-se como solução o regime estabelecido no Art. 158º, nº 2 CPA
(“a falta de publicação do ato, quando legalmente exigida, implica a sua ineficácia”). Assim, os atos
que o Eduardo praticou eram válidos, mas não eram eficazes, e enquanto a delegação de poderes
não for publicada, esta não produz efeitos jurídicos, não sendo os seus efeitos oponíveis na esfera de
terceiros.

3. Francelino decide ir inspecionar o exercício das competências delegadas por parte de Eduardo e
“descobre” que este expropriou indevidamente o terreno da Filipa e ainda que a autoestrada, que
deveria ficar na zona Y, está a ser construída na zona Z. Como deverá Francelino reagir e em que
termos? Ou que poderes deverá exercer?

Francelino, mediante a relação existente de delegante e delegado, pode anular, revogar ou


substituir o ato praticado pelo delegado. Assim, perante este vício ilegal, o delegante deverá reagir
ao abrigo do exercício do poder de supervisão e, nos termos do Art. 49º, nº 2 CPA (“o órgão
delegante ou subdelegante tem o poder de avocar, bem como de anular, revogar ou substituir o ato

33
praticado pelo delegado ou subdelegado ao abrigo da delegação ou subdelegação”), deve anular
este ato.
Da mesma forma que o delegante fica vinculado ao exercício das competências e aos atos do
delegado, faz sentido que possua a competência, por sua vez, de corrigir possíveis vícios desses atos.
Em relação ao próprio ato de delegação de poderes, pode sempre o delegante anular ou
revogar o ato de delegação ou subdelegação de poderes, segundo o previsto no Art. 50º/ a) do CPA.

4. Eduardo subdelegou em Carlos a prática dos atos em questão, mesmo sabendo que tal iria
contrariar a vontade “expressamente declarada” de Francelino. Como poderá este atuar?

Podemos ter um ato de delegação de poderes (Art. 44º e seguintes), seguido de um ato de
subdelegação de poderes, que foi o que aconteceu neste caso, segundo o qual Eduardo subdelegou
poderes a Carlos.
No entanto, segundo o Art. 46º, nº 1 CPA, estabelece-se a possibilidade de o delegante
autorizar a subdelegação de poderes, mas neste caso este não autorizou, pelo que, segundo a
reserva específica prevista no Artº 46 nº 2, não há lugar à subdelegação.
A prática de atos sem competência resulta numa situação de incompetência, pelo que se
aplica o vício da anulabilidade, segundo o Art. 163º do CPA. O vício da anulabilidade pode ser
sanável, através da ratificação, podendo o vício ser sanado nos termos do Art. 164º do CPA.

5. Sabendo que Francelino transmitiu por “tempo indeterminado e incondicionalmente” todos os


seus poderes para Eduardo, que lhe apraz dizer sob o ponto de vista da legalidade?

Nos termos do Art. 45º/a) do CPA, assim como segundo o previsto no Art. 36º do CPA,
Francelino estaria a renunciar todas as suas competências e a transmiti-las globalmente ao delegado,
o que, nos termos destes artigos não é legalmente aceitável. Tal implica a nulidade deste ato de
delegação de poderes, uma vez que todos os atos que impliquem a renúncia e a alienabilidade são
nulos, segundo o Art. 36º, nº 2.
Para além do mais, os atos de delegação de poderes nunca podem ser praticados por tempo
indeterminado, nos termos do Art. 50º/ b) do CPA pois, quer por força do facto de os fins para os
quais foram criados se esgotarem, ou até mesmo pelo facto de os titulares dos órgãos do poder
serem alterados, pelo que, em algum momento, estes atos acabam sempre por caducar (relação de
estrita confiança - intuito personae).

Caso prático nº 9*

Regime Jurídico das Autarquias Locais: atos de delegação de poderes

Nos termos da alínea y) do nº 1 do artigo 33º da Lei nº 75/2013, de 12 de setembro é da


competência da Câmara Municipal “exercer o controlo prévio, designadamente nos domínios da
construção, reconstrução, conservação ou demolição de edifícios, assim como relativamente aos
estabelecimentos insalubres, incómodos, perigosos ou tóxicos”.

34
Por deliberação da Câmara Municipal foi decidida a atribuição de duas licenças de
construção que permitem aos seus requerentes construir, respetivamente, um imóvel com quinze
andares e outro com dez. A deliberação foi aprovada pela maioria exigida e da mesma foi lavrada
ata, aprovada e publicitada nos termos legais.
O Ministro da Saúde, no âmbito de uma inspeção à atividade daquele município, veio
revogar tal deliberação “por ser altamente inconveniente para os interesses do município”.
Indignados, os membros da câmara municipal alegam que as licenças não podem ser
revogadas porque são conformes com os planos urbanísticos em vigor**, sendo irrelevante a sua
conveniência para os interesses do município.

* Sobre a autonomia local, cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 494/2015, disponível em


www.tribunalconstitucional.pt.

** Veja-se o disposto no Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (RJUE), aprovado pelo


Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de dezembro, sucessivamente alterado, com a última alteração
introduzida pelo Decreto-Lei nº 66/2019, de 21 de maio:

- Artigo 67º: “A validade das licenças ou das autorizações de utilização depende da sua
conformidade com as normas legais e regulamentares aplicáveis em vigor à data da sua prática,
sem prejuízo do disposto no artigo 60.o”.

- Artigo 68º: “Sem prejuízo da possibilidade de atribuição de efeitos jurídicos a situações de facto
decorrentes de atos nulos nos termos gerais de direito, bem como do disposto no artigo 70º, são
nulas as licenças, as autorizações de utilização e as decisões relativas a pedidos de informação
prévia previstos no presente diploma que:

a) Violem o disposto em plano municipal ou intermunicipal de ordenamento do território, plano


especial de ordenamento do território, medidas preventivas ou licença ou comunicação prévia de
loteamento em vigor;

b) [Revogada];

c) Não tenham sido precedidas de consulta das entidades cujos pareceres, autorizações ou
aprovações sejam legalmente exigíveis, bem como quando não estejam em conformidade com
esses pareceres, autorizações ou aprovações”.

1. - Identifique as figuras organizatórias referidas supra, enquadrando-as na organização


administrativa portuguesa.

A primeira figura mencionada é a Câmara Municipal, enquanto órgão de um município. A


Câmara Municipal é um órgão executivo da pessoa coletiva “município”. Os municípios
enquadram-se nas autarquias locais tipificadas no art. 236º CRP, que pertencem, por sua vez, à
administração autónoma. As autarquias locais resultam da descentralização administrativa, e falamos
do surgimento de novas pessoas coletivas para além do Estado.

35
O Ministro da Saúde é um órgão do Estado (pessoa coletiva). Emerge do Governo, e pertence
à administração estadual direta. Os ministérios são os únicos órgãos com atribuições (normalmente,
os órgãos apenas têm competências, as pessoas coletivas têm atribuições). Foi criado no âmbito da
desconcentração originária de poderes: prevê o legislador que o estado seja composto por vários
órgãos, entre os quais o Ministério da Saúde.

2. - Analise a deliberação da Câmara Municipal, não esquecendo de se pronunciar quanto ao


quórum e maioria de aprovação.

A parte do CPA que trata a organização e funcionamento dos órgãos colegiais é a parte II
(Art. 2º, nº 2 e nº 4 CPA), e quanto à deliberação, para a mesma existir, é necessário que se verifique
o quórum de funcionamento (Art. 29º CPA - número legal de membros que têm de estar no início da
reunião para ela poder acontecer) e o quórum deliberativo ou de maioria de aprovação (Art. 32º CPA
- deliberações só serão aprovadas mediante a maioria dos membros presentes na reunião). Nos
termos do Art. 34º do CPA e art. 57º da Lei 75/2013, cada reunião deve ser lavrada em ata, que
contenha um resumo do que tenha ocorrido, que seja relevante para o conhecimento e apreciação
legal. As atas só são eficazes depois de aprovadas e assinadas- art.57 nº4 da Lei 75/2013 e art.34 nº6
do CPA. Art.56º Lei 75/2013- é necessário que haja uma publicação em Diário da República, se a lei o
previr, e também a sua publicação na Internet. No caso de não atingirmos o número de membros
necessários para iniciar a reunião, deve ser convocada uma nova reunião com um intervalo mínimo
de 24 horas. A deliberação, neste caso, ocorreu de acordo com o previsto na lei.

Podemos também ter situações onde teremos de verificar se há regras especiais- Lei
75/2013 de 12 de setembro- regime jurídico das autarquias locais- arts.54º e 55º. Quanto ao
quórum de funcionamento- aplica-se o mesmo que está previsto no CPA (os órgãos só podem reunir
quando estiver presente a maioria do número legal de membros- art.29º CPA). Quanto à maioria de
aprovação- a maioria exigida é uma maioria relativa (menos exigente do que no CPA), bastando a
pluralidade de votos (ter mais um voto a favor do que contra)- art.54 nº2 da Lei 75/2013 de 12 de
setembro.

3. - Aprecie a validade do ato ministerial e os argumentos apresentados pela Câmara Municipal.

Enquanto a autarquia local faz parte da administração autónoma, a relação que existe entre
o Estado e a Autarquia local é uma relação de tutela, mas uma mera tutela de legalidade, que se
resume apenas ao controlo da legalidade, pelo que estes atos só poderiam ser revogados se fossem
ilegais. Não poderiam ser revogados por questões de mérito ou pertinência, pois trata-se apenas de
uma relação de tutela de mera legalidade, pelo que a revogação não é legal neste caso.
Por outro lado, não parece que seja adequado, numa questão relacionada com o urbanismo,
ser o ministério da saúde a pronunciar-se sobre esta questão, e sempre que sejam praticados atos
estranhos às atribuições dos ministérios, segundo o Art. 161º, nº 2/ b) CPA, estes anos são nulos. Os
ministérios são a única exceção que, apesar de serem órgãos, também têm atribuições, tendo em
conta a complexidade das funções que exercem.
Acerca dos argumentos apresentados pela Câmara Municipal, as licenças podiam então ser
revogadas, mas os membros da Câmara Municipal acrescentam que é irrelevante a conveniência das
licenças de construção para os interesses do município. Isto é falso, pois não podem as autarquias
locais deixar de atender aos interesses do município quando tomam uma dada decisão. Poderia estar

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em causa uma violação do princípio do interesse público, presente no art.4º CPA. Quando se toma
uma decisão em que se não se ponderem todos os interesses, poderá pôr-se em causa o princípio da
imparcialidade consagrado no art. 9º CPA.

4. - Imagine que a Câmara Municipal tinha delegado a competência para decidir licenças de
construção no seu presidente e que este, por sua vez, optara por delegar esta mesma competência
no Vereador responsável pelo pelouro do urbanismo. Identifique as normas de habilitação e os
requisitos de que depende a validade e a eficácia destes atos.

Temos normas do CPA que correspondem a normas habilitantes. Basta existirem estas
normas para que depois possam ser praticados atos de delegação de poderes.

Para os atos de delegação de poderes poderem ser efetuados, tem, em primeiro lugar, de
existir uma norma habilitante (primeiro pressuposto de validade e eficácia dos atos)- art. 44º, nº 1
CPA. Quando não há norma habilitante, a consequência é a nulidade, porque consiste numa renúncia
às competências (art. 36º). Segundo o art.34 nº1 da Lei 75/2013 de 12 de setembro, a Câmara pode
delegar as suas competências ao Presidente. Há também normas habilitantes presentes no CPA, no
art.34º nº 3 e 4. A norma habilitante do Presidente para o Vereador está presente no art.36 nº2 da
Lei 75/2013 (norma habilitante especial) e também no art.44 nº3 do CPA (norma habilitante
genérica). Quando um ato é praticado sem a existência de uma norma habilitante, a consequência é
a nulidade, porque consiste numa renúncia às competências (art. 36º CPA).

O segundo pressuposto é existirem sempre dois sujeitos jurídicos: o delegante e o delegado.


Isso também resulta do art. 44 nº 1 CPA e art.163º CPA, sob pena de haver uma consequência de
anulabilidade (aplica-se a regra geral).

O terceiro pressuposto está relacionado com o conteúdo do ato de delegação de poderes,


tendo de existir um ato de delegação de poderes com menção específica, expressa e concreta das
competências que são delegadas, mencionando também onde é que esses poderes estão presentes
na lei e, ainda, a norma habilitante. Aqui, a consequência jurídica pode ser a nulidade (se constituir
uma renúncia de competências) ou a anulabilidade (se não constituir uma renúncia das
competências), dependendo da amplitude com que se delegam os poderes. Caso não haja o
esvaziamento de competências, vai haver a anulabilidade (art. 163º - nulidade: artigos 36º e 45º CPA
- para declarar a nulidade, temos de averiguar se há esvaziamento total de competências).

Por fim, o último pressuposto é o da publicação. É um pressuposto de eficácia - art. 47 nº 2;


art.151º e 159º CPA. Logo, quando não há publicação- ineficácia (não produzindo efeitos jurídicos)-
art.158º nº2 CPA.

Cumpridos estes requisitos, temos um ato de delegação válido.

EM SUMA:

Atos de delegação de poderes - requisitos:

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1 - Existir norma habilitante (Art. 41º, nº 1) -> quando não há norma habilitante, a
consequência é a nulidade, pois, no fundo, o que se verifica é uma recusa das competências (Art.
36º)

2 - Existir dois sujeitos (delegante e delegado - Art. 44º, nº 1) -> quando isto não existe, a
consequência é a anulabilidade

3 - existir um ato de delegação de poderes com menção expressa das competências que são
delegadas (Artº 47º, nº 1) -> nulidade (verificar se há um esvaziamento total das competências) ou
anulabilidade

4 - publicação do ato de delegação de poderes (Art. 47 nº 2, Art. 159º e Art. 151º) ->
ineficácia (Art. 158º, nº 2)

-> cumpridos estes requisitos, temos uma norma de habilitação válida.

Requisitos/ pressupostos de validade: Consequências legais da sua violação:

1º- Existência da norma habilitante- art. 44 nº1 Nulidade- art. 36º CPA.
CPA.

2º- Existência de dois sujeitos jurídicos- Anulabilidade- art. 163º CPA.


delegante e delegado.

3º- Conteúdo do ato de delegação de poderes- Nulidade ou anulabilidade- depende da


poderes específicos e concretos, mencionar amplitude da delegação de poderes.
normas de atribuição de competência
habilitante- art. 44º CPA.

5. - Se quisesse reagir de um ato de indeferimento do Vereador a um pedido seu, que meio de


garantia administrativa utilizaria?

Imaginando que o Vereador tinha praticado um ato de indeferimento, poder-se-ia reclamar


junto deste ou apresentar recurso hierárquico junto do Presidente; contudo, é mais fácil a segunda
opção. Dificilmente quem pratica um ato muda de opinião.

Caso prático nº 10

Discricionariedade de competências e delegação de poderes

Em consonância com o previsto no nº 8 do artigo 33º da CRP, o artigo 3º da Lei nº 27/2008, de 30


de junho (alterada pela Lei nº 26/2014, de 5 de maio), vem estabelecer, para efeitos de concessão
do direito de asilo, cuja competência assiste (nos termos do artigo 20º do mesmo diploma) ao
Diretor Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), o seguinte:

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1 – É garantido o direito de asilo aos estrangeiros e aos apátridas perseguidos ou gravemente
ameaçados de perseguição, em consequência de atividade exerci­ da no Estado da sua
nacionalidade ou da sua residência habitual em favor da democracia, da libertação social e
nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana.

2 – Têm ainda direito à concessão de asilo os estrangeiros e os apátridas que, receando com
fundamento ser perseguidos em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou
integração em certo grupo social, não possam ou, por esse receio, não queiram voltar ao Estado da
sua nacionalidade ou da sua residência habitual.

Fundado nesta lei, Antoine requereu a concessão de direito de asilo ao órgão competente,
alegando e provando que é militante de um partido de oposição à maioria governamental do
Estado X e que tinha participado numa grande manifestação contra o Governo, na sequência da
qual viria a ser preso. Sucede que, aquando da transferência para outra prisão, conseguiu fugir.

O Diretor Nacional do SEF recusou a concessão do asilo por entender não estar verificado um
pressuposto da lei: o receio, com fundamento, de ser perseguido em virtude de opiniões políticas.

1. - Avalie, fundamentadamente, se se pode entender que as disposições transcritas concedem


uma competência discricionária ao diretor nacional do SEF.

A propósito deste caso concreto, por oposição às decisões discricionárias, falamos de


decisões legalmente vinculadas, que se encontram previamente determinadas pelo legislador. No
âmbito da discricionariedade, temos situações que carecem de avaliação por parte da administração,
que tem de formar juízos à luz dos critérios de oportunidade, mérito ou conveniência. Nos casos que
levam a que haja decisões arbitrárias, não há nenhuma solução previamente definida pelo legislador,
pois é a administração que tem a responsabilidade de solucionar o caso. Contudo, é importante
percebermos que as decisões discricionárias não deixam de estar sujeitas a limites legais, pelo que
não são arbitrárias.
Neste caso, apesar de, por um lado, termos indícios de alguma discricionariedade, uma vez
que estamos perante alguns conceitos mais imprecisos (como é o receio de ser perseguido), que
devem ser ponderados e verificados, perante esta indeterminação conceitual, tal não parece ser
suficiente para estarmos perante uma atividade discricionária. Pelo contrário, preenchidos estes
conceitos, o legislador diz-nos o que devemos fazer: havendo um receio ou uma ameaça, tem de ser
concedido o direito de asilo, sendo ele concedido pelo legislador, e não pela administração.
Uma vez que em causa temos um direito fundamental, importa referir que estes direitos e,
nomeadamente, a sua densificação, vem associada a uma reserva de lei da Assembleia da República
(o art. 165º, nº 1, b) CRP) atribui a competência para legislar sobre direitos, liberdades e garantias à
Assembleia da República ou ao Governo, mediante autorização concedida por esta). Logo, em
matérias como estas, é suposto haver um mínimo de atividade discricionária por parte da
administração, pois esta deve apenas aplicar a lei, uma vez que a maior parte da regulamentação, em
matéria de direitos fundamentais, vem prevista pelo legislador.

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2. e 3. - Imagine que, em consequência da recusa de asilo, Antoine foi notificado de uma decisão de
expulsão do território nacional, adotada pelo diretor nacional-adjunto do SEF, ao abrigo de uma
delegação de competências do diretor nacional.
Sob o prisma das relações jurídicas no interior da Administração, poderia o diretor nacional-
adjunto ter adotado esta decisão? Tenha em atenção que a competência para proferir decisões de
expulsão administrativa se encontra conferida ao diretor nacional do SEF na alínea h) do nº 2 do
artigo 13º do Decreto-Lei nº 252/2000, de 16 de outubro (alterado, por último, pelo Decreto-Lei nº
240/2012, de 6 de novembro) e que os nº 3 e nº 4 deste artigo dispõem o seguinte:

“ 3 – O diretor nacional pode delegar em qualquer dos diretores nacionais-adjuntos as


competências previstas no número anterior.

4 – A competência prevista na alínea h) do nº 2 é própria reservada, cabendo, dos


respetivos atos, recurso hierárquico facultativo, sem prejuízo dos atos poderem ser praticados em
substituição nos termos do nº 2 do artigo 14º ”.

Por sua vez, o nº 2 do artigo 14º dispõe que “o diretor nacional designará o diretor nacional
adjunto, que o substituirá nas suas faltas e impedimentos”.

Estamos perante uma decisão de expulsão administrativa tomada pelo Diretor


Nacional-adjunto do SEF. O que se questiona neste caso é se ele poderia ou não adotar esta decisão
em virtude de o diretor nacional ter nele delegado a competência administrativa prevista no art. 13
nº 2/ h) do Decreto-Lei nº 252/2000, de 16 de outubro.
Ora, uma coisa é quando o titular efetivo do órgão se vê impedido de efetuar as suas
funções, e as delega no seu substituto. Outra questão, que foi o que ocorreu no caso, é o facto de o
Diretor Nacional, sem estar confrontado com nenhum impedimento, delegou no seu adjunto um
conjunto de competências.
O Diretor Nacional Adjunto efetua a decisão em questão com base no disposto no art. 13 nº
3 do referido Decreto-Lei, mas esta competência ele não poderia concretizar, uma vez que o art. 13
nº 4 vem estabelecer que esta competência é reservada e própria do Diretor Nacional. Sendo ela
reservada ao Diretor Nacional, não pode este delegá-la no seu subalterno. A única forma de isto
poder acontecer legalmente, seria se, perante uma situação de ausência do delegante, o delegado se
encontrasse numa situação de substituição, onde tivesse a autorização de praticar atos que fossem
da autoria do seu delegante.

Tendo o ato de delegação de poderes sido efetuado sem norma habilitante, e equiparando-o
a uma renúncia das competências, a consequência jurídica associada a este vício é a nulidade, nos
termos do art. 36 nº 2 CPA. Está em causa uma competência própria e reservada ao Diretor Nacional,
logo, só aquele Diretor Nacional em concreto é que pode convocar aquele tipo de atos. A norma do
nº 4 do art. 13º derroga então a norma do art. 13 nº 3.

Uma coisa é o ato de delegação de poderes (no qual se pode exercer determinada
competência e decidir delegá-la a outro membro), que tem um regime jurídico próprio. Outra coisa é
a suplência, que, neste caso, tem uma norma concreta, no art. 14 nº2, mas também existe no CPA no
art. 42º. A suplência prevê um substituto para o exercício destas competências - neste caso, o Diretor
Nacional Adjunto.

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4. Suponha agora que, ao abrigo de uma delegação de competências válida, o diretor nacional
adjunto proferiu uma decisão de inscrição de Antoine na lista nacional de pessoas não admissíveis.
Poderia Antoine impugnar esta decisão junto do diretor nacional do SEF? E do diretor
nacional-adjunto?

Sendo o ato praticado pelo Diretor Nacional-adjunto, Antoine poderia dirigir-se junto do
Diretor Nacional, segundo os arts. 191º e 192º do CPA, apresentando uma reclamação. Quando os
atos são aplicados ao abrigo de delegações de competências, a relação hierárquica não se aplica,
porque ficam os dois sujeitos jurídicos equiparados (ambos podem praticar esse ato). Logo, não é
possível o recurso hierárquico, mas existe a possibilidade de haver recursos administrativos especiais
(art. 199º CPA), tendo a lei de os prever expressamente. Em suma, no caso da prática de atos no
âmbito da delegação de competências, ou se recorre à reclamação ou aos recursos administrativos
especiais, que têm de estar expressamente previstos.

Uma vez que esta decisão é feita com base numa delegação de competências válida, a maior
parte da doutrina entende que é como se o delegado e o delegante estivessem equiparados em
relação ao exercício daquela competência específica, pelo que deixa de haver uma relação de
hierarquia quanto ao exercício daquela competência em específico, assim deixa de ser possível
utilizar a figura do recurso hierárquico, e devemos servir-nos, antes, dos recursos administrativos
especiais previstos no Art. 199º CPA.
Importa acrescentar que os recursos administrativos especiais devem vir expressamente
previstos na lei e, caso não venham, então não há possibilidade de recorrer.

Caso prático nº 11
Ato de delegação de poderes: exemplos

Elabore um ato de delegação de poderes que cumpra com todos os requisitos legalmente previstos.

Exemplo 1 de um Ato de Delegação de Poderes:

“Segundo a habilitação prevista no Artigo 36º, nº 2 da Lei nº 75/2013, X, Presidente da


Câmara Municipal de Leiria, delega as suas competências quanto à aprovação das licenças de
construção, previstas no Art. 35º, nº 2 h da) Lei nº 75/2013 e Art. 5º, nº 1 DL nº 555/99, a Y,
vereador do urbanismo.
Esta disposição, pelo disposto no Art. 47º, nº 2 CPA e Art. 159º CPA, é publicada para o efeito
no Diário da República, sob pena de incorrer no vício de ineficácia.

* Devem ser referidos os nomes completos dos dois sujeitos, uma vez que se trata de uma relação
intuito personae, pois é para esta relação, com estas pessoas em específico;
* O documento deve ser datado e assinado.

Exemplo 2 de um Ato de Delegação de Poderes:

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A ministra da justiça quer delegar num secretário de estado adjunto a competência para nomear
os membros do júri que integrarão o curso de formação de magistrados.

Em conformidade com o art. 44º do CPA, em especial o art. 44º, nº 3 do CPA, a Ministra da
Justiça, (nome da Ministra) delega as suas competências ao Secretário de Estado adjunto (nome do
Secretário), no âmbito da nomeação dos membros do júri que integrarão o curso de formação de
magistrados. Esta competência pertence à Ministra da Justiça, segundo o art. 2º, nº 1 / h) do DL nº
123/2011 de 29 de dezembro (por norma, basta invocar a própria lei orgânica do Governo).
Este ato deverá ser publicado, no prazo de 30 dias, no Diário da República, nos termos do art.
159º e do art. 47º, nº2 do CPA, sob pena de ineficácia (art. 158º, nº2 CPA).
(Local, data e assinatura da Ministra de Justiça)

NOTA 1: exemplo de atos de delegação de poderes- despacho nº 3111/2019.


NOTA 2: Muitas vezes, os atos são praticados por quem não tem competência para tal e, de modo a
sanar esse vício, procede-se a uma ratificação.

Caso prático nº 12

Órgãos colegiais: reuniões e deliberações - exigências legais

O Presidente do órgão colegial “ABC”, constituído por 7 membros com direito de voto, procedeu à
convocação de uma reunião, de periodicidade semanal, para o dia 7 de fevereiro de 2020, às 9h30,
na “sala de reuniões” e da ordem do dia constavam os seguintes pontos:

a) Aquisição de dois veículos;


b) Contratação de um jurista, para o cargo de técnico superior para o departamento de
contencioso;
c) Abertura de procedimento disciplinar contra Benilde, membro do órgão colegial, por suspeitas
fundadas de desvio de verbas da tesouraria.

Que lhe apraz dizer sobre a validade e eficácia desta deliberação, sabendo que:

a) Compareceram e deliberaram apenas 2 membros: A regra no CPA relativamente ao


quórum de funcionamento é do art. 29º, nº1, que nos diz que os órgãos colegiais só podem deliberar
quando a maioria estiver fisicamente presente ou participar através de meios telemáticos. Neste
caso, não tínhamos a maioria legal do número de membros, não podendo sequer haver reunião, nos
termos do art. 29º, nº1 CPA. Ao invés de se ter realizado a reunião, quando não se verifica o quórum
de funcionamento, deve ser convocada nova reunião com intervalo mínimo de 24h - há nova
convocatória.
Na segunda convocatória, o legislador torna-se menos exigente, sob pena de nunca se
conseguirem maiorias: assim sendo, exige apenas 1⁄3 dos membros. Neste caso, também não se
encontrava preenchida esta maioria. Da mesma forma, as deliberações nunca seriam aprovadas
porque, segundo o art 32º, o quórum deliberativo corresponde à maioria absoluta. Tendo em conta

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que os quóruns não foram cumpridos, a consequência legal é a nulidade, com regime expressamente
previsto na lei, no art. 161º nº2/ h), segunda parte, do CPA. A nulidade é invocada a todo o tempo
por qualquer interessado (art. 162º, nº 2 CPA), não produzindo o ato nulo os seus efeitos jurídicos
(art. 162º, nº 1 CPA).

b) A votação foi nominal. As votações são nominais, ou seja, feitas de forma pública, e o art.
27º, nº 1 do CPA consagra a regra de que as reuniões não são públicas, mas os membros que reúnem
expressam a sua vontade publicamente. Contudo, segundo o art. 31º, nº 2 do CPA, há uma exceção
em relação à deliberação de forma nominal, devendo as votações proceder de forma secreta. Na
dúvida, segundo o CPA, deve ser feita a votação secreta.
Assim, no caso concreto, as deliberações enunciadas nas alíneas a) e b) podiam estar sujeitas
a votação nominal, mas a deliberação constante da alínea c) já deveria ser votada por “escrutínio
secreto” (como refere o art. 31º, nº 2 do CPA), na medida em que se relacionava com
comportamentos adotados por um membro do órgão colegial “ABC” - Benilde.

c) Benilde participou e votou. Nos termos do art. 31º, nº 4 do CPA, Benilde poderia votar
relativamente às duas primeiras deliberações, mas não poderia votar na última deliberação, pois esta
era efetuada acerca de um comportamento seu. Benilde encontrava-se, então, impedido de votar na
última deliberação, à luz das garantias de imparcialidade do procedimento administrativo (estes
impedimentos constam dos artigos 69º e seguintes do CPA, e neste caso aplica-se o art. 69º, nº1/ a)
).

d) Da reunião não foi lavrada ata. Nos termos do art. 163º do CPA, resulta em
anulabilidade. Em cada reunião deve ser elaborada uma ata que deve conter o resumo de tudo o que
tiver ocorrido na reunião e que seja relevante- tal regra consta do art. 34º do CPA. As atas da reunião
são, então, um espelho de cada reunião. Enquanto não temos ata aprovada, nos termos do art. 34º,
nº6 do CPA, as deliberações aprovadas na reunião não são eficazes (só havendo atas é que as
deliberações podem produzir os seus efeitos jurídicos).

Caso prático nº 13

Reuniões e deliberações - autarquias locais

A Câmara Municipal de Lisboa reúne todas as semanas, com vista à discussão e deliberação sobre
medidas concretas a ser implementadas e relacionadas com o quotidiano do município. O
Presidente agendou uma reunião para o dia 30 de novembro de 2018, às 9h30, na C.M. (na sala
especificamente utilizada para este tipo de reuniões), cuja ordem do dia era composta pelos
seguintes pontos:
“Ponto 1 – obras de manutenção a fazer nas estradas municipais;
Ponto 2 – corte de despesas, designadamente nos apoios de deslocação dos vereadores;
Ponto 3 – reconsideração do n.º de alojamentos locais na Baixa da cidade;
Ponto 4 – ordenar a demolição de prédios em ruínas que coloquem em risco a segurança
das pessoas”.
Importa ainda ter em consideração o seguinte facto: Anacleto é o vogal mais antigo.

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Responda às seguintes questões:

1. De que tipo de reunião se trata? Fundamente.


Trata-se aqui de uma reunião da Câmara Municipal. No âmbito das competências e
funcionamento das Câmaras Municipais, na Lei nº 75/2013, de 12 de setembro (que, recorde-se,
estabelece o Regime Jurídico das Autarquias Locais), preveem-se reuniões ordinárias e
extraordinárias.
Segundo o art. 40º, nº 2 da referida lei, as reuniões ordinárias devem ter lugar em hora e dia
certos, cuja marcação é objeto de deliberação na sua primeira reunião. Já as reuniões extraordinárias
são marcadas sempre que necessário (art. 40º, nº 1, 2ª parte da referida lei) e podem ser invocadas
pelo presidente da câmara municipal (art. 41º da referida lei). Neste caso, poderíamos considerar
esta reunião ordinária ou extraordinária, tendo de justificar com os devidos artigos mencionados.

2. O Presidente encontra-se impossibilitado, por motivo de doença, de estar presente na reunião


supra identificada, quem o poderá substituir?
O art. 42º do CPA estabelece um regime geral de suplência. Quando há uma situação de
ausência, impossibilidade, impedimento ou falta, a regra é aplicar este regime. Contudo, nos casos
em que o presidente de um órgão colegial não pode comparecer, o seu substituto será o vogal mais
antigo, nos termos do art. 22º, nº 1 do CPA.
Assim, segundo este art. 22º, nº1 do CPA, o suplente do presidente seria Anacleto, sendo
este o vogal mais antigo da Câmara Municipal de Lisboa. Convém referir que a expressão “mais
antigo” não remete para a idade, mas sim para o tempo de exercício de funções. A idade só conta
para os casos previstos no art. 22º, nº 2 CPA, casos de igual antiguidade entre vogais.
Uma última nota impera sobre este assunto: o regime da suplência não se confunde com
atos de delegação de poderes, previstos nos artigos 44º do CPA e 36º da Lei nº 75/2013. Só assume
o suplente as funções do seu normal executor quando este se encontra impedido de as exercer por
algum motivo. Difere também das substituições, que tem a ver com um órgão suceder a outro (art.
43º CPA).

3. O Presidente recusou-se a convocar uma reunião havida como urgente devido a motivos
imperiosos de interesse público (como a segurança pública na circulação dos munícipes numa
estrada em risco de colapso), como deverão proceder os membros do órgão colegial? Em que
termos e em que prazo?
É-nos dito, neste caso, que o Presidente se recusou a convocar uma reunião tida como
urgente, não estando essa reunião prevista. Tem de se aplicar aqui o regime das sessões
extraordinárias da Câmara Municipal, previsto no art. 41º da Lei nº 75/2013.
As reuniões extraordinárias podem ser invocadas pelo Presidente ou por requerimento de
pelo menos um terço dos respectivos membros (resulta isto do art. 41º, nº 1 da referida lei).
Portanto, os membros do órgão teriam de apresentar requerimento para marcar a tal reunião dada
como urgente.
Segundo o art. 41º, nº4 da Lei 75/2013 de 12 de setembro, quando o Presidente não efetuar
a convocação da reunião que lhe foi solicitada, podem os requerentes (os membros do órgão
colegial) convocar diretamente a reunião no prazo de 8 dias, sendo a convocação publicitada nos
locais habituais.

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Esta mesma ideia resulta do CPA, mais concretamente do seu artigo 24º, nº 4 e 5.

4. A ordem do dia da reunião foi entregue aos membros do órgão colegial no dia 29 de novembro.
Quid iuris?
Na Lei nº 75/2013 de 12 de setembro está previsto que a ordem do dia deve ser entregue a
todos os membros do órgão com antecedência mínima de dois dias, enviando-lhes, em simultâneo, a
respetiva documentação (art. 53º, nº 2 da respetiva lei).
Quando há situações deste tipo, relativas à convocação ilegal de sessões, gera-se a sua
ilegalidade (art. 51º Lei 75/2013). Por norma, o incumprimento destas normas leva à anulabilidade,
havendo apenas duas exceções: quando as deliberações são tomadas de modo tumultuoso ou
quando não são observados os quóruns (nestes casos, há nulidade).
Há forma de sanar estas situações: se todos os membros do órgão comparecerem na reunião
e se ninguém suscitar oposição à sua realização (art. 51º Lei 75/2013).
A mesma coisa existe no art. 25º do CPA - a ordem do dia deve ser entregue, com a mesma
antecedência de 48 horas (o mesmo que os dois dias referidos na Lei 75/2013). A sanação também
está prevista no art. 28º do CPA.

5. Se, em 27 de novembro, Gastão (vogal) tiver solicitado oralmente ao Presidente que incluísse
mais um ponto da ordem do dia, poderia este ser discutido e votado pelo órgão colegial?
A ordem do dia tem de incluir os assuntos indicados pelos membros do respetivo órgão,
desde que sejam da competência deste, e o pedido que tem de ser apresentado por escrito, até 5
dias úteis sobre a data da sessão ou reunião no caso das reuniões ordinárias e até oito dias úteis obre
a data da sessão ou reunião no caso de reuniões extraordinárias (art. 53º nº 1 da Lei 75/2013 de 12
de setembro).
No entanto, há uma exceção presente no art. 50º nº2 da Lei 75/2013 de 12 de setembro-
quando estivermos perante sessões ordinárias, e no caso de urgência reconhecida por dois terços do
órgão, então poderão ser votados assuntos não incluídos na ordem do dia.

6. Miguel (vogal) participou na reunião mas por via telemática. Podia tê-lo feito dessa forma?
O legislador antecipou a possibilidade de se realizarem reuniões telematicamente, desde que
as condições técnicas o permitam e devendo também constar da ata que a reunião foi realizada
dessa forma (art. 24º-A CPA). Da mesma forma, também devem, segundo os artigos 23º, nº 1 e 24º,
nº 4, estar indicados os meios telemáticos disponibilizados para a participação dos membros na
reunião.
Esta possibilidade resultou da situação pandémica que se viveu no início desta década, na
sequência da qual se fez um aditamento ao CPA, através da Lei nº 72/2020.

7. Sabendo que são dez os membros deste órgão colegial, com direito a voto e, que a deliberação
relativa ao ponto 3 foi adotada apenas por três membros que tinham chegado a “horas” à reunião
e que estavam presentes, que lhe apraz dizer sobre a deliberação tomada?
Se a reunião tinha de acontecer às 9h30 da manhã, não estava preenchido o quórum de
funcionamento (art. 54º, nº 1 Lei nº 75/2013), de maioria do número de pessoas, tendo de estar
pelo menos 6 pessoas. Isto está também previsto no art. 29º do CPA. O que se devia ter feito ao
invés de realizar a reunião, o presidente designa outro dia para nova sessão (art. 54º, nº 3 Lei

45
75/2013). Nesse caso, na segunda convocatória a maioria passaria a ⅓ dos membros (menos
exigente) - art. 29º, nº 3 CPA.
Seria ilegal convocar a reunião, tendo como consequência a nulidade, visto que consiste
numa das exceções, presente no art. 61º, nº 2/ h) da segunda parte do CPA.

8. Os membros do órgão colegial aproveitaram a presente reunião e decidiram aprovar mais dois
assuntos que não constavam da “ordem do dia”, sendo que um deles era relativo à reconstrução
urgente de um troço de estrada que havia colapsado junto de uma mina. Podem?
Se cumprirem os requisitos do art. 50º, nº 2 da Lei nº 75/2013, podem. De acordo com o
referido artigo, tratando-se de uma sessão ordinária de órgão deliberativo e no caso de urgência
reconhecida por dois terços dos seus membros, pode o mesmo deliberar sobre assuntos não
incluídos na ordem do dia.

9. Um dos vogais e outro membro do órgão colegial discutiram sobre o ponto 4 da ordem de
trabalhos e a dada altura envolveram-se em agressões físicas, às quais os outros membros se 14
juntaram, tendo sido chamada a PSP ao local. Pronuncie-se sobre a validade da deliberação
adotada nestes termos e ainda sobre a validade das deliberações que tinham sido entretanto
tomadas, relativas aos “pontos 1, 2 e 3” da ordem de trabalhos.
Uma das exceções implica a nulidade quando as decisões tiverem sido tomadas
tumultuosamente - art. 161º, nº 2/ h) do CPA. Se apenas se geraram os tumultos no momento em
que se começou a discutir o ponto 4, tudo o que aconteceu antes era válido, havendo apenas
problema quanto à deliberação do ponto 4. No entanto, se esses tumultos já existiam previamente,
isso também afetaria a validade das outras decisões.

10. A ata da reunião não chegou a ser aprovada pelos respetivos membros, quais as implicações
jurídicas desse facto nas respetivas deliberações?
Diz o art. 57º, nº 4 da Lei nº 75/2013 que as deliberações dos órgãos só adquirem eficácia
depois de aprovadas e assinadas as respetivas atas ou depois de assinadas as minutas, nos termos
dos números anteriores. Até lá, as deliberações são ineficazes, nos termos do art. 57º, nº 4 e do art.
34º, nº 6 do CPA.

11. Nenhum membro presente aprovou o “ponto 4.” da ordem do dia e um dos prédios em risco de
derrocada colapsou e caiu em cima de doze turistas (cinco dos quais morreram, outros sete em
risco de vida), destruiu o prédio adjacente que tinha uma loja instalada no r/c que era explorada
por uma família que obtinha dessa atividade o seu sustento, bem como, dois automóveis que ali
passavam. Que lhe apraz dizer sobre esta situação?
Temos uma situação de responsabilidade civil extracontratual por omissão, porque havia
prédios em risco de derrocada e, apesar de isto ter sido identificado, os membros dos órgãos não
aprovaram resolver esta situação. Os factos podem constituir uma ação ou uma omissão, e neste
caso há uma omissão ilícita do órgão da autarquia local da Câmara municipal.
Estão verificados os pressupostos: existir um ato voluntário (omissão), uma ilicitude, danos
(patrimoniais e danos não patrimoniais), nexo de causalidade (foi por causa do prédio ter colapsado
que se geraram estes danos), e culpa. Tinha de se olhar para a Lei nº 67/2007 de 31 de dezembro,
em especial o art. 7º e seguintes da mesma.

46
Dentro dos danos temos os danos patrimoniais e os danos não patrimoniais. Dentro dos
danos patrimoniais têm-se os danos emergentes (como a destruição da loja, a destruição das
viaturas, as despesas médias tidas no hospital) e os lucros cessantes (rendimentos que os
comerciantes deixaram de ter). Dentro dos danos não patrimoniais tem-se a indemnização pela
morte das vítimas e para as pessoas que, apesar de ainda não terem falecido, tiveram a sua
integridade física colocada em causa.

12. O membro do órgão colegial, Miguel, absteve-se na tomada de posição sobre o “ponto 4.”.
Quid iuris?
Tendo em conta o art. 30º do CPA, é proibida a abstenção aos membros dos órgãos
consultivos e aos dos órgãos deliberativos, quando no exercício de funções consultivas.
O Miguel, para ser excluído de responsabilidade, tinha de ter votado a favor da demolição
dos prédios em segurança e registado o seu voto vencido na ata - art. 58º da Lei 75/2013. A mesma
coisa também é dita do art. 35º do CPA.

13. Perante a existência de “empate” na votação sobre o “ponto 1.” da ordem do dia, como deverá
o órgão colegial proceder?
Segundo o art. 54º, nº 2 da Lei nº 75/2013, com remissão para o art. 55º, nº2, a regra é de
que as deliberações são tomadas à pluralidade de votos, tendo o presidente voto de qualidade em
caso de empate, para apuramento da maioria (sendo o último a votar).
NOTA: O CPA prevê o voto de qualidade e o voto de desempate, sendo estes diferentes. No
voto de qualidade temos uma votação inicial, onde todos os membros do órgão votam, incluindo o
presidente, sendo o presidente também chamado a votar em caso de empate. No voto de
desempate, na votação inicial o presidente não vota, e só é chamado a votar em caso de empate -
isto está presente no art. 33º, nº1 CPA.

14. Sabendo que o Presidente – que se encontrava doente – regressa e toma conhecimento de que
a reunião foi realizada no café em frente da Câmara Municipal, às 16h00, como deverá ele reagir e
em que termos?
O Presidente, tendo tomado conhecimento, pode reagir judicialmente contra deliberações
tomadas pelo órgão a que preside, impugnando as deliberações que o seu próprio órgão adotou, se
as considerar ilegais - art. 21º, nº4 CPA.

Caso prático nº 14

Princípios gerais da atividade administrativa: princípio da responsabilidade. Em especial, a


responsabilidade civil extracontratual pelo exercício da função administrativa

Considere o seguinte: a transportadora de cargas pesadas Lda. deseja propor uma ação contra o
Município de Penafiel, com vista a obter uma indemnização por danos causados a um veículo
automóvel pesado de mercadorias, de que é proprietária. Para tal, invoca que o dano que ocorreu
quando o veículo passava na ponte sobre a Ribeira da Camba (rede viária municipal) se ficou a
dever à falta de obras de manutenção e à ausência de sinalização proibitiva de circulação naquela

47
via. Em consequência do acidente, o veículo ficou parcialmente destruído, resultando a sua
imobilização por 10 dias. Quid iuris?

Trata-se de uma responsabilidade civil extracontratual por omissão. No âmbito da


responsabilidade civil, decorre dos artigos 22º e 266º da CRP e do art. 1º da Lei nº 67/2007, de 31
de dezembro13, que o Estado é responsável por atos ou omissões pelos seus funcionários. A ideia é
colocar o lesado na posição em que estaria se não tivesse havido ilicitude. Neste caso, estamos
perante uma responsabilidade civil por factos ilícitos. Têm de estar preenchidos os seguintes
requisitos: o facto tem de ser voluntário e ilícito, tem de ter havido culpa do agente na sua ação
(vista numa perspetiva funcional, tendo de ser provada pelo lesado; exceto nos casos de culpa leve,
onde há uma presunção - art. 10º da Lei nº 67/2007) e tem de ter havido dano (danos patrimoniais:
danos emergentes- a destruição do veículo; e lucros cessantes- o tempo que a empresa não obteve
por deixar de poder exercer a sua atividade).

NOTA: Numa situação deste género temos de identificar a responsabilidade presente, e


dentro das funções administrativas, entender se é uma responsabilidade por factos ilícitos ou
objetiva e verificar os pressupostos.

Caso prático nº 15

Princípio da responsabilidade civil extracontratual: funcionamento anormal do sistema;


responsabilidade pelo risco

António e Maria, em representação da sua filha menor, Beatriz, pretendem instaurar uma ação
administrativa, pedindo a condenação do Ministério da Saúde, da Administração Regional de
Saúde do Norte (ARS Norte), do Centro Hospital do Tâmega e Sousa, E.P.E., do Centro de Saúde
Penafiel e do Instituto Nacional Dr. Ricardo Jorge ao pagamento da quantia de 100.00.00 euros, a
título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora. Para tal, invocam o
seguinte:

a. Beatriz nasceu no dia 10 de janeiro de 2020, no Centro Hospital do Tâmega e Sousa, E.P.E., tendo
realizado o “teste do pezinho” no Centro de Saúde Penafiel/Termas de São Vicente. No entanto,
como não receberam nenhuma comunicação nos 30 dias seguintes, pressupuseram não existir
qualquer problema genético com Beatriz.

b. A 20 de março de 2020, Beatriz foi hospitalizada no Hospital de São João, no Porto, aí sendo-lhe
diagnosticado hipotiroidismo congénito, que deveria ter sido detetado pelo Instituto Dr. Ricardo
Jorge através da análise do “teste do pezinho”, permitindo, assim, um tratamento antecipado
eficaz, evitando sofrimento e mazelas.

c. Toda a situação se deve a uma violação legal, por omissão, já que o “teste do pezinho” de
Beatriz ou não foi entregue ou nem sequer foi enviado para o Instituto Dr. Ricardo Jorge.

13
A Lei nº 67/2007, de 31 de dezembro, estabelece o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e
Demais Entidades Públicas.

48
d. Consideram que tanto o Ministério da Saúde, como a ARS Norte e o Centro Hospitalar do
Tâmega e Sousa são os responsáveis pela emanação de diretivas e ordens para o Centro de Saúde,
sendo que este, por sua vez, tinha a obrigação funcional de enviar a recolhe de sangue para o
Instituto Dr. Ricardo Jorge. Se o Instituto recebeu a recolha de sangue de Beatriz, deveria ter
comunicado os seus resultados aos pais no prazo de 48h, o que não sucedeu.

Por seu turno, o Instituto Nacional Dr. Ricardo Jorge entende que, se não há registo da entrada do
“teste do pezinho” de Beatriz, é porque o ofício, mesmo que tenha sido enviado pelo Centro de
Saúde, nunca chegou ao Instituto, pelo que este não tem qualquer responsabilidade pela perda de
correspondência pelos CTT, nem sequer pelo facto de o Centro de Saúde não ter procedimentos
internos para aferir se os resultados dos testes são efetivamente recebidos pelo Instituto.

Analise a situação descrita à luz do atual Regime Jurídico da Responsabilidade Civil do Estado e
demais entidades públicas.

No âmbito dos hospitais públicos, tem-se entendido que não há contrato, mas sim uma
prestação de bens públicos. Logo, a situação deve ser vista à luz da responsabilidade civil
extracontratual pelo exercício da função administrativa (os hospitais públicos são pessoas coletivas
públicas).

Estamos perante um caso de responsabilidade por factos ilícitos, neste caso, devido a um
funcionamento anormal do serviço – art. 7º, nº 3 e 4 do Regime Jurídico da Responsabilidade Civil
do Estado (Lei nº 67/2007, de 31 de dezembro). Entendeu-se que se trata de uma violação por
omissão de atos regulamentares. O funcionamento anormal ficou a dever-se à fragilidade do
procedimento de envio do teste, pelo que podemos concluir que houve má administração. Temos, na
mesma, de verificar os pressupostos. Por força do art. 9º da Lei nº 67/2007, a ofensa de direitos ou
de interesses legalmente protegidos provocada pelo funcionamento anormal do serviço leva a que se
considere que a responsabilidade gerada advenha de factos ilícitos.

No âmbito deste caso, tendo em conta que há entidades que intervêm, dedicadas ao
exercício de atividades especialmente perigosas (a medicina mal praticada é capaz de provocar
grandes danos ao bem-estar físico e mental do indivíduo), também convém considerar a
responsabilidade pelo risco, prevista no art. 11º do regime referido acima. A única diferença entre
esta e a responsabilidade por factos ilícitos é que na responsabilidade pelo risco não existe aferição
da culpa. A indemnização pelo sacrifício ainda é mais específica. Nestes casos, a atuação em si pode
ser lícita, mas gerar demasiados danos aos lesados. Ou seja, não está aqui em causa a licitude ou
ilicitude da atuação.

Caso prático nº 16

Princípios gerais da atividade administrativa - artigos 3º a 19º CPA + artigos 22º e 266º CRP:
definições

António Silva, particular, foi notificado por parte da Câmara Municipal Y da área da sua residência,
da decisão de expropriar 85% do seu imóvel rústico, do qual obtinha o seu sustento económico

49
(produção de culturas hortícolas e uma vacaria), ficando apenas com uma parcela de terreno onde
está instalada a sua moradia de habitação. A notificação tinha o seguinte conteúdo:

“António Silva fica, a partir desta data, para os devidos efeitos legais, informado que a Câmara
Municipal Y irá proceder no próximo dia 5 de fevereiro de 2019 à expropriação do seu terreno para
fins de utilidade pública, em 2 hectares, com vista à construção de uma autoestrada necessária ao
desenvolvimento do município. Queira colaborar com os funcionários neste sentido. Data.
Assinatura”.

Indique, de forma direta, nas hipóteses práticas, os princípios gerais estruturantes da atividade
administrativa, que são desrespeitados com a concreta atuação da Administração Pública:

1. Mais nenhum vizinho de António, cujos terrenos estavam inutilizados e “abandonados”, sem
qualquer cultura agrícola ou exploração animal, foram objeto de semelhante decisão.

Poderia estar em causa uma situação relacionada com o princípio da igualdade, art. 6º CPA,
artigo esse que acaba por reproduzir o que se encontra previsto no art. 13º CRP, segundo o qual a
administração não pode proceder a decisões arbitrárias que, no âmbito das suas relações com os
particulares, os beneficiem ou prejudiquem com base em fatores que não sejam objetivos. Torna-se,
assim, proibido que a administração adote medidas com base em fatores discriminatórios14, dos
quais resulte a privação de um particular de algum direito ou a sua isenção de qualquer dever.

Estamos perante um caso de expropriação – uma grande parte do terreno de António Silva é
expropriado pela Câmara Municipal Y da área de onde era residente, com vista à construção de uma
autoestrada tida como necessária ao desenvolvimento daquele município. Daqui advém prejuízo
para António, pois era desse terreno que obtinha o seu sustento económico: o terreno incluía uma
vacaria e era usado para a produção de culturas hortícolas, sendo que, com a expropriação, António
perde tudo isso e fica apenas com uma parcela do mesmo terreno, parcela essa onde se localiza a
sua moradia de habitação.

Ora, o facto de os vizinhos de António não serem alvo de uma decisão semelhante, apesar de
também serem titulares de terrenos de que nem sequer usufruem para qualquer tipo de fim, poderá
suscitar dúvidas quanto ao respeito pelo princípio da igualdade no âmbito da decisão de
expropriação do terreno de António.

2. A autoestrada não necessitava de passar pelo terreno de António e, ainda que passasse, era
suficiente expropriar 5% da propriedade deste particular.

Em especial, está em causa o princípio da proporcionalidade, consagrado no art. 7º CPA,


segundo o qual a atuação administrativa tem sempre de se limitar aos fins que é necessário
prosseguir, adotando os comportamentos adequados para o efeito.

14
Constituem fatores discriminatórios os enumerados no art. 6º CPA, a saber: ascendência, sexo, raça, língua, território de
origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.

50
O princípio da proporcionalidade tem, então, 3 vertentes: a adequação, a necessidade e a
proporcionalidade em sentido estrito. Na situação descrita, acontece que não há nem necessidade
nem adequação da atuação administrativa na sua decisão de expropriar aquela parcela do terreno de
António, dado que, por um lado, não era realmente essencial que aquela autoestrada atravessasse o
terreno de António e, por outro, apenas seria necessário, se a autoestrada atravessasse o terreno,
expropriar 5% do mesmo.

Também se poderia equacionar se a decisão de expropriação efetuada nestas circunstâncias


não poderia violar o princípio da justiça e da razoabilidade, consagrado no art. 8º CPA, na medida em
que a atuação da Câmara constitui uma solução manifestamente desrazoável para o problema da
autoestrada, uma vez que para a construir se acaba por provar que a mesma não necessita de passar
pelo terreno de António (e se passar, pouca será a parcela que terá de ser expropriada).

Por fim, estamos também perante uma violação do princípio da legalidade, pois os regimes
das expropriações estão previstos na lei em concreto – DL nº 555/99, de 16 de dezembro15 -, que
não permite que as expropriações possam ir para além daquilo que é considerado proporcional.

3. O Presidente da Câmara Municipal Y era inimigo de longa data do particular expropriado


António Silva, tendo ambos, inclusive, um processo judicial litigioso de cobrança de dívidas.

Neste caso, estará em causa o princípio da imparcialidade, consagrado no art. 9º CPA, bem
como no art. 262º, nº 2 CRP. Este princípio é concretizado através das garantias da imparcialidade,
previstas nos artigos 69º a 76º CPA.

Surgem, então, 3 situações diferentes: os impedimentos (art. 69º CPA) e as suspeições ou


escusas (art. 73º CPA). A partir do momento em que se verifique uma das situações elencadas no
art. 69º, o titular de um órgão que, à partida, participaria no procedimento, fica automaticamente
interdito de participar naquele procedimento. No caso das escusas, perante cada situação em
concreto, é necessário avaliar se as circunstâncias em que o titular se encontra no âmbito do
exercício da sua atividade naquele procedimento levam a que se duvide da sua imparcialidade.

Por outro lado, quando é o próprio titular a pedir dispensa de intervir no procedimento,
considera-se que há escusa; quando é terceiro, o terceiro deduziu suspeição contra aquele
funcionário/agente administrativo.

Neste caso tínhamos uma situação de suspeição. De facto, a alínea b) do art. 73º, nº 1 CPA
considera como fundamento da suspeição a existência de uma relação de credor e devedor entre o
titular do órgão da Administração Pública e qualquer pessoa singular com interesse direto no
procedimento (é o que se crê que acontece no caso, dado que o Presidente da Câmara e António
estavam ambos envolvidos num “processo judicial litigioso de cobrança de dívidas”). A isto acresce a
alínea d), que também prevê como possível fundamento da suspeição a existência de inimizade
grave entre o titular do órgão e a pessoa com interesse direto no procedimento, e a alínea e) do
mesmo artigo, segundo a qual constitui fundamento de suspeição a existência de ação em juízo
pendente que oponha as duas partes.

15
Estabelece o Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação.

51
Por isso, no caso em apreço, havia razões para duvidar da imparcialidade do Presidente da
Câmara Municipal, quando atua no âmbito da expropriação do terreno de António.

Se considerarmos que o Presidente da Câmara Municipal não tenha respeitado o princípio da


imparcialidade, ele terá violado normas do procedimento administrativo.

4. Através da expropriação do seu terreno, realizada de forma abusiva, o particular António viu-se
privado da sua principal fonte de rendimentos, o que lhe causou prejuízos patrimoniais avultados.
António pretende ser ressarcido pela Administração Pública, mediante uma justa indemnização.

Aqui está em causa o princípio da responsabilidade, que se encontra consagrado nos artigos
16º CPA e 22º CRP), sendo também densificado na Lei nº 67/2007, de 31 de dezembro. Diz-nos este
princípio que o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis por atos e
omissões praticados no exercício e por causa das suas funções, desde que daí resultem prejuízos e
também uma violação de direitos para os particulares. Sempre que um direito subjetivo ou um
interesse legalmente protegido seja desrespeitado e daí resulte um prejuízo patrimonial ou não
patrimonial, isso gera na esfera jurídica do interessado o direito a ser ressarcido, com o objetivo de o
mesmo ser colocado na posição em que se encontraria se aquela lesão não tivesse eventualmente
ocorrido.

Naturalmente, havendo uma situação de responsabilidade extracontratual, esta seria uma


responsabilidade por factos ilícitos, o que levaria à violação de certas normas jurídicas. Poderíamos
invocar que o particular sofre prejuízo causado por uma expropriação ilegal, por violar princípios
como o da imparcialidade, podendo também ser invocado o princípio da legalidade.

É de notar que, nos últimos tempos, a doutrina tem dado enfoque, não tanto ao princípio da
legalidade, mas mais ao princípio da juridicidade, pois não só a administração tem de cumprir com as
normas constantes de atos legislativos, mas também de normas que não constem de atos
legislativos. O princípio da juridicidade vê o direito numa perspetiva mais global, não apenas
centrada nos atos legislativos previstos no art. 112º CRP.

Caso prático nº 17

Princípios gerais da atividade administrativa: o princípio da imparcialidade. Garantias de


imparcialidade e situações de dúvida da imparcialidade dos titulares dos órgãos ou agentes - casos
de impedimento, suspeição e escusa

No procedimento administrativo de concurso público destinado a preencher uma vaga para


o posto de técnico superior (jurista) para a Câmara Municipal X, apresentaram-se a concurso três
candidatos, sendo um deles enteado (Alberto) de um dos membros do júri (José Silva).

52
1. Poderá o membro do júri, José Silva, ter intervenção neste concreto procedimento
administrativo? Fundamente a sua resposta, dando o esclarecimento explícito dos seguintes
aspetos pertinentes:

– Como deveria José Silva atuar neste caso concreto?

– Caso não cumpra as regras constantes do CPA, sobre esta matéria, que consequências
poderão advir para si e para a decisão final do procedimento?

Por força do princípio da imparcialidade, não poderia José Silva ter intervenção neste
concreto procedimento administrativo, conforme decorre do art. 9º CPA e dos artigos referentes às
garantias da imparcialidade. A situação referida encaixa no art. 69º, nº 1, b) CPA, pelo que estamos
perante um caso de impedimento. O impedimento é um dos casos mais graves previstos pelo
legislador, o que leva a que se proíba automaticamente por lei a intervenção do titular do órgão
administrativo no procedimento.

Neste caso, José, tendo consciência de que Alberto tinha concorrido àquela vaga, deveria
retirar-se do caso. Logo que tenha noção de que está perante uma situação deste tipo, o que tem de
fazer é comunicar o facto ao seu superior hierárquico ou ao presidente do órgão colegial. Neste caso,
sendo o órgão o júri, José deveria comunicar a situação ao presidente do júri.

Mal comunica, fica logo suspenso de intervir no procedimento, nos termos do art. 71º, nº 1
CPA (a não ser que haja necessidade de tomar medidas inadiáveis em caso de urgência ou perigo).

Apesar de os impedimentos decorrerem automaticamente da lei e não podermos ilidir esta


presunção, tem sempre o superior hierárquico de conhecer da existência do impedimento, nos
termos do art. 70º, nº 4 CPA. Vai ter sempre o superior hierárquico de conhecer a existência do
incumprimento e de o declarar. Não obstante, mal comunique o impedimento, o titular do órgão fica
suspenso de intervir no procedimento. Poderá, ao reconhecer a existência de um impedimento, o
superior hierárquico, declarando o incumprimento, imediatamente declarar como substituto do
titular do órgão o seu suplente (art. 72º CPA).

Caso José não cumprisse com estas regras, poderia estar sujeito a responsabilidade
disciplinar, nos termos do art. 76º, nº 2 CPA. Cumpre, finalmente, dizer que o art. 76º, nº 1 CPA
estabelece, como consequência para atos ou contratos em que tenham intervindo titulares
impedidos, a anulabilidade.

2. Tendo em consideração que: a) José Silva manteve-se como membro do júri do citado
“procedimento administrativo de recrutamento e de seleção”; b) Francisco é excluído e toma
conhecimento que o candidato escolhido é Alberto, enteado de José Silva. Como deverá o
interessado Francisco proceder e junto de que “entidade administrativa”, atendendo ao regime
previsto nos artigos 69.º 76.º do CPA?

Francisco poderia recorrer junto do Presidente do órgão. Neste caso, pode-se aplicar o art.
199º, nº 1, b) CPA. Francisco recorreria, invocando a situação, e poderia fazê-lo nesta fase
administrativa, anulando administrativamente o ato. No limite, se a apresentação do recurso não
funcionasse, Francisco poderia alegar esta situação em termos contenciosos junto dos tribunais.

53
3. O candidato Eduardo ofereceu uma caneta de ouro ao presidente do júri e é facto conhecido por
toda a comunidade, que este é devedor daquele. Perante este circunstancialismo, como deverá o
júri proceder.

O caso enquadra-se no âmbito do art. 73º CPA (alínea c) – houve dádivas recebidas pelo
titular do órgão), sendo, por isso, um caso de suspeição. Aqui aplica-se também a alínea b), dado
estarmos perante uma relação entre credor e devedor. Estas circunstâncias poderiam levar a que
recaísse sobre o presidente do júri uma situação em que este estivesse obrigado a pedir dispensa de
intervir no procedimento (ou podiam também terceiros fazê-lo). Da mesma forma, estes pedidos de
escusa ou deduções de suspeição também têm de ser sempre formulados logo que haja
conhecimento destas circunstâncias, devendo ser comunicada a situação ao órgão competente.

Neste caso, já há uma margem de discricionariedade para quem é competente decidir se as


circunstâncias podem ou não pôr em causa as imparcialidades do sujeito, ao contrário do que
acontece com as situações de impedimento, nas quais o agente fica automaticamente impedido de
intervir no procedimento por força da lei. Por remissão do art. 75º, nº 1 CPA, diz o art. 70º, nº 5 CPA
que, tratando-se do impedimento do presidente do órgão colegial, a decisão do incidente compete
ao próprio órgão, sem intervenção do presidente (também isto está presente no art. 31º, nº 4 CPA).

Esta decisão sobre se recai ou não uma situação de escusa teria de ser proferida no prazo de
8 dias, aplicando-se na mesma o que está previsto no art. 71º e 72º CPA. Nos casos de suspeição, o
órgão colegial poderia concluir que não havia razão para duvidar da imparcialidade. Contudo, se
concluir que há razão para essa dúvida, o art. 72º CPA prevê a substituição imediata do titular do
órgão pelo seu suplente. Quando essa substituição não é possível, o órgão funciona sem o membro
afastado do procedimento – art. 72º, nº 2 do CPA.

4. Caso não tenha existido decisão de “afastamento” do presidente do júri do procedimento


administrativo e perante os concretos factos mencionados na questão anterior, que direitos são
reconhecidos ao interessado?

Se um interessado souber de todas estas circunstâncias, pode deduzir um incidente de


suspeição, nos termos do art. 73º, nº 2 do CPA. Caso, ainda assim, o presidente não fosse suspenso e
depois substituído, o interessado poderá sempre recorrer daquela decisão e invocar a anulabilidade,
nos termos dos artigos 76º, nº 1 e 163º CPA.

De notar que, nos termos do art. 76º, nº 4 CPA, “a falta ou decisão negativa sobre a dedução
da suspeição não prejudica a invocação da anulabilidade dos atos praticados ou dos contratos
celebrados, quando do conjunto das circunstâncias do caso concreto resulte a razoabilidade de
dúvida séria sobre a imparcialidade da atuação do órgão, revelada na direção do procedimento, na
prática de atos preparatórios relevantes para o sentido da decisão ou na própria tomada da decisão”.
Quer isto dizer que o terceiro particular interessado até poderia deduzir uma suspeição contra o
presidente do júri, mas poderia o órgão colegial entender que não haveria qualquer situação que
colocasse em causa a imparcialidade. No entanto, não é pelo facto de haver uma decisão negativa ou
de não existir decisão que um interessado fica proibido de alegar outra vez esta situação.

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