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Fundação Biblioteca Nacional

ISBN 978-65-5821-048-1

EMPREENDEDORISMO na educação
9 786558 210481

Código Logístico

I000119

Nágila Cristina Hinckel


Empreendedorismo
na Educação

Nágila Cristina Hinckel

IESDE BRASIL
2021
© 2021 – IESDE BRASIL S/A.
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SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
H554e

Hinckel, Nágila Cristina


Empreendedorismo na educação / Nágila Cristina Hinckel. - 1. ed. -
Curitiba [PR] : IESDE, 2021.
132 p. : il.
Inclui bibliografia
ISBN 978-65-5821-048-1

1. Educação. 2. Empreendedorismo. 3. Professores - Formação.


4. Gestão da qualidade total na educação. I. Título.
CDD: 370.11
21-71701
CDU: CDU: 37.017:005.336.3

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Batel – Curitiba – PR
0800 708 88 88 – www.iesde.com.br
Nágila Cristina Doutora em Educação pela Universidade Federal
de Santa Catarina (UFSC). Mestra em Ciências da
Hinckel Linguagem pela Universidade do Sul de Santa Catarina
(Unisul). Especialista em Educação e em Gestão
Educacional pela Unidade de Educação de Santa
Catarina (Uniesc). Licenciada em Pedagogia pela
Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc).
Atuou como palestrante, assessora e consultora
educacional nas redes pública e privada. É autora de
livros na área de educação e empreendedorismo.
Atualmente é servidora pública, atuando como
professora do ensino básico, técnico e tecnológico e
como responsável pelo Centro de Educação a Distância
(CEaD) no Instituto Federal Catarinense (IFC).
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SUMÁRIO
1 Educação e empreendedorismo: desconstruindo paradigmas 9
1.1 Contextualizando o empreendedorismo 10
1.2 Características do comportamento empreendedor (CCE) 13
1.3 Os tipos de empreendedorismo 19
1.4 Tipos e graus de inovação 24
1.5 Educação e empreendedorismo 27

2 Educação, inovação, tecnologia e sociedade 33


2.1 Sujeito e sociedade 34
2.2 A inovação e as tecnologias na sociedade 37
2.3 Criatividade e inovação 39
2.4 Empreendedor: o sujeito que inova 43
2.5 A inovação no sistema educacional brasileiro 46

3 As competências e o empreendedorismo na educação 52


3.1 Os pilares da educação 53
3.2 Educação empreendedora x Empreendedorismo educacional 61
3.3 Empreendedor educacional 66
3.4 O professor como empreendedor 69

4 O papel da mediação no desenvolvimento do perfil empreendedor 76


4.1 Mediação em Vygotsky 77
4.2 Feuerstein e a modificabilidade cognitiva 81
4.3 Mediação como princípio do desenvolvimento de
competências 87

5 Orientação Empreendedora Educacional 95


5.1 Orientação Empreendedora Educacional 96
5.2 Professor como empreendedor educacional na prática 105
5.3 Framework de gestão das práticas pedagógicas 108

6 Resolução das atividades 123

7 anexo 132
APRESENTAÇÃO
Vídeo

Olá, seja bem-vindo ao universo do Empreendedorismo na


Educação. Vamos acompanhar você no desafio de superar alguns
paradigmas vinculados a este tema, que tem se tornando cada
vez mais presente na sociedade e nos espaços educacionais.
Muito embora existam práticas exitosas, ainda há um
preconceito muito grande com relação ao uso do termo
empreendedorismo no contexto educacional. Essa resistência,
talvez, deva-se ao fato de que os discursos sobre o tema
nunca foram abordados de maneira significativa e alinhada ao
universo educacional, ou seja, com um olhar atento ao processo
pedagógico e focado no desenvolvimento da aprendizagem e
dos comportamentos empreendedores na prática e pela prática
docente. A verdade é que o mundo da educação e o mundo do
trabalho não podem mais ser percebidos de modo isolado e
desconectado.
E é justamente isso que propomos nesta obra: uma ampliação
do seu olhar como sujeito, estudante e futuro profissional na
área de educação. Para isso, organizamos esta obra em cinco
capítulos.
No capítulo 1, exploraremos os tipos de empreendedorismo,
seus conceitos e os pontos de conexão entre o empreendedorismo
e a educação, apresentando a inovação como elo entre essas duas
frentes. Além disso, vamos buscar reconhecer as características
do comportamento empreendedor e o modo com que elas
se manifestam em quem empreende, quem inova e quem se
propõe a ensinar.
Com base na desconstrução de alguns mitos e preconceitos,
damos sequência ao assunto no capítulo 2, convidando você a
amplificar seu potencial de observação. Faremos isso explorando
a perspectiva de simbiose entre sociedade e sujeito. Ou seja,
apresentaremos a sociedade como o espaço de interAÇÃO
dos indivíduos e a escola como ambiente de potencialização da
criatividade e do desenvolvimento da aprendizagem nos sujeitos,
que uma vez estimulados e mediados intencionadamente, serão
os responsáveis pela inovação e pelo desenvolvimento de tecnologias na/para
a sociedade. Nesse capítulo, faremos ainda uma breve análise sobre o sistema
educacional brasileiro, seus limites e potencialidades em relação à inovação.
Na sequência, no capítulo 3, debateremos as múltiplas possibilidades do
empreendedorismo na educação, fundamentadas nas teorias educacionais.
Exploraremos o perfil do docente como sujeito que medeia o desenvolvimento
de competência no ambiente educacional. Para que você possa aproximar-
se mais dos conceitos, apresentaremos algumas práticas e iniciativas já
desenvolvidas.
Por ser a mediação a base para o desenvolvimento do sujeito, no
capítulo 4, abordaremos as teorias educacionais que sustentam esta
perspectiva de desenvolvimento das competências e do perfil empreendedor,
tanto no docente quanto no estudante. Esse ponto será a base para a
compreensão e implementação prática da Orientação Empreendedora
Educacional, tema do capítulo de fechamento desta obra.
O capítulo 5 é o que chamaremos de “cereja do bolo”, a parte mais
“desejada”, pois nele você receberá subsídios para compreender as implicações
pedagógicas da OEE na educação e no desenvolvimento dos indivíduos para
a sociedade. Ademais, receberá uma ferramenta para aplicação prática
dessa perspectiva. Buscando tornar este estudo ainda mais significativo,
apresentaremos um framework de gestão das práticas pedagógicas para
potencializar sua jornada.
E aí, preparado para iniciar sua jornada no universo do empreendedorismo
na educação? Esperamos que sim.
1
Educação e
empreendedorismo:
desconstruindo paradigmas
Seja bem-vindo ao primeiro capítulo de sua trilha de aprendizagem.
Certamente, este texto não é um romance, mas o enredo deste capítulo
abordará um pouquinho sobre duas “personalidades”, educação e em-
preendedorismo, que têm muito em comum, mas boa parte da sociedade
enxerga como uma “estranha” união.
Você deve estar ansioso para dar início a essa jornada em busca do
conhecimento, em que exploraremos aspectos importantes sobre o em-
preendedorismo e os pontos de conexão, os quais levaram o tema a ser
abordado no universo da educação. Será que realmente compreendemos
o que é empreender e quais aspectos levam os sujeitos a empreenderem?
Qualquer um pode empreender? Como o empreendedorismo, cuja base
é a administração, pode estar presente no contexto educacional? Se em
algum momento da vida você já se questionou sobre esses aspectos, é
possível que se surpreenda com o quanto o empreendedorismo e as ca-
racterísticas do comportamento empreendedor estão presentes na vida
das pessoas e na sociedade como um todo. Se você nunca parou para
pensar nisso, ficamos felizes de tê-lo aqui, pois juntos vamos desenvolver
o seu potencial de reflexão e ação frente aos diferentes desafios da vida.
Bons estudos!

Objetivos de aprendizagem
Com o estudo deste capítulo, você será capaz de:
• compreender a inserção do empreendedorismo no contexto
educacional, reconhecendo os pontos de conexão entre os con-
ceitos e o papel da inovação nesse processo;
• reconhecer características do comportamento empreendedor;
• diferenciar os tipos de empreendedorismo e de inovação.

Educação e empreendedorismo: desconstruindo paradigmas 9


1.1 Contextualizando o empreendedorismo
Vídeo Como nossa área “mãe” é a educação, vamos iniciar com uma breve
contextualização do empreendedorismo para ficar mais fácil a com-
preensão de como ele se conecta com a educação na sociedade.
Quando você escuta a palavra empreendedorismo, qual é a primeira
coisa que vem à sua cabeça? É comum que a grande maioria das pes-
soas relacione empreender com o fato de o sujeito ter um negócio de
sucesso e lucrativo.
Mas será que empreender é só isso? Certamente não. Embora mui-
tas pessoas relacionem empreendedorismo com enriquecimento rá-
pido, vale a pena refletir e entender que esse não é um axioma, uma
verdade absoluta, pois empreender corresponde a “construir valor
a longo prazo em uma durável de fluxo de caixa” (DOLABELA, 2009,
1 p. 171). Ou seja, empreender, ter um negócio de sucesso e ganhar mui-
Marco Polo foi um merca-
to dinheiro são coisas diferentes, que não necessariamente acontecem
dor veneziano, que viajava rápido nem ao mesmo tempo.
e se aventurava entre
a Europa e a Ásia. Suas O primeiro exemplo de empreendedorismo, segundo Dornelas
1
histórias foram narradas (2001), foi creditado a Marco Polo , pois este realizava contratos de
no livro As viagens de
Marco Polo, escrito por
risco, comprando e vendendo mercadorias, buscando obter lucro.
Rusticiano de Pisa. Diz
Já, o termo empreendedor foi usado pela primeira vez, no século XVII,
a lenda que Marco Polo
teria sido o responsável pelo economista Richard Cantillon (1680-1734), para designar os sujei-
por levar o macarrão, o tos que tinham o hábito de assumir riscos (CHIAVENATO, 2012).
arroz e o sorvete da China
para a Itália. Durante muito tempo, outros estudiosos se comprometeram a defi-
nir esse termo. Confira a seguir algumas dessas definições:

Quadro 1
Conceitos de empreendedorismo/empreendedor

Ano Autor Conceito


Jean-Baptiste Empreendedor é aquele que transfere recursos de um setor de produtivi-
1814
Say dade mais elevado e é importante para o bom funcionamento econômico.
1871 Carl Menger Aquele que antecipa necessidades futuras.
Alguém que faz novas combinações de elementos criando produtos, novos
Joseph Alois métodos de produção, identificando novos mercados de consumo ou fontes
1934
Schumpeter de suprimento, criando novos tipos de organização e sobrepondo aos anti-
gos métodos, menos eficientes e mais caros.
Ludwig von
1949 Empreendedor toma decisões.
Mises
Friedrich von Empreendedorismo envolve o risco e a descoberta de condições produtivas
1959
Hayek e das oportunidades de mercado pelos atores sociais.
Fonte: Chiavenato, 2012 apud Hinckel, 2016, p. 29.

10 Empreendedorismo na Educação
Tendo em mente esses conceitos, fica mais fácil começarmos a com-
Para refletir
preender as diferenças entre os termos.
Agora que você observou
De acordo com Dolabela (2009), o empreendedorismo é uma área, alguns conceitos de em-
preendedor e empreen-
ou um campo de estudo, que não está vinculado a uma ciência ou a dedorismo, já consegue
uma definição única. Pode ser compreendido como uma perceber a diferença
entre os dois?
habilidade/capacidade do indivíduo em empreender, ou seja, de mate-
rializar ideias com criatividade, comprometimento, planejamento e
foco nos objetivos (COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS, 2007).

Segundo Dornelas (2003), o empreendedorismo resulta das ações


Figura 1
do sujeito que empreende: o empreendedor. Este, por sua vez, possui Escala relacional de termos
características que o diferenciam de outras pessoas, na ação de em-
preender (Figura 1). Empreendedorismo

Joseph Schumpeter era economista e foi o primeiro es-


tudioso a relacionar o termo empreendedorismo à figura do Empreendedor
empresário (LENZI, 2010). Na década de 1950 ele retoma as
discussões sobre empreendedorismo, falando sobre o em-
preendedor e o seu papel e a sua influência na economia.
Empreender
De acordo com Hinckel (2016, p. 30), considerando os
conceitos e fundamentados na perspectiva schumpeteriana,
“em um contexto mais amplo, o termo empreendedor é utilizado
para falar dos sujeitos que se dedicam à geração de riquezas em Fonte: Elaborada pela autora.
diferentes perspectivas – produtos, serviços, tecnologia, inovação, mar-
keting e organização.” Ou seja, aqueles que, com habilidades específi-
cas, ocupam-se em gerar lucro financeiro em diferentes contextos de
atuação comercial.

Mais recentemente o termo empreendedor vem ganhando novas di-


mensões. Isso porque os autores passaram a ressignificar o conceito,
entendendo que o empreendedor é aquele que não só pensa, mas que
também consegue materializar esse pensamento em ações concretas,
articulando potencial de criatividade e inovação, buscando gerar valor,
seja este individual ou coletivo (NAKAGAWA, 2013).

Ratificando a percepção de Nakagawa, Hinckel (2016) afirma que é


possível, ao empreendedor, empreender tanto na vida quanto na car-
reira e que para empreender não é preciso necessariamente abrir um

Educação e empreendedorismo: desconstruindo paradigmas 11


negócio promissor, mas é imprescindível que o sujeito possua compor-
tamentos que possam ser validados em seu dia a dia.

Para entender melhor essa questão, analise a figura a seguir.

Figura 2
Empreender na vida e na carreira
Planeja sua vida.

Procura novas formas de ser/agir.

Vida
Assume os riscos de mudar sua
opinião e a sua ação.

Empreendedor Cria um negócio inovador próprio.

É um empreendedor dentro
da empresa que trabalha
Carreira (intraempreendedor ou
empreendedor corporativo).

Em ambos os casos (negócio próprio


ou funcionário), o sujeito busca
criar oportunidades e soluções
inovadoras, que contribuam com
o desenvolvimento da sociedade e
com o sucesso institucional.
Fonte: Hinckel, 2016, p. 31.

Com base na Figura 2 apresentada, é possível perceber que, para


empreender na vida ou na carreira, o sujeito precisa ter um conjunto
de características relacionadas à personalidade que o façam agir de
uma forma específica.

Ao menos em tese, a sociedade espera que o sujeito seja capaz de


empreender em sua vida, muito embora nem sempre as pessoas con-
sigam se perceber como empreendedoras.

Mas qual é a diferença entre um empreendedor e uma pessoa


comum?

Pessoas comuns, diante de dificuldades, de comentários negati-


vos e cenários não promissores, tendem a desistir de suas ideias. Já
os empreendedores são sonhadores. Eles geralmente possuem uma
habilidade muito grande de materialização dos seus ideais. Além disso,
são proativos, antecipam-se e tentam colocar suas ideias em prática

12 Empreendedorismo na Educação
de diferentes formas, mesmo que o cenário não seja promissor. Dificil-
mente se deixam levar pela opinião dos outros. E quando algo dá erra-
do, eles tentam de novo, tentam de outro jeito ou, ainda, tentam outra
coisa. Ou seja, dificilmente desistem ou param de tentar transformar
sonhos em realidade.

Na seção a seguir, vamos explorar quais são as características que


definem um empreendedor. Será que você se encaixa em alguma delas?

1.2 Características do comportamento


Vídeo empreendedor (CCE)
Ao longo desta obra estudaremos muito sobre o empreendedor,
afinal sem ele certamente o empreendedorismo não existiria.

Na década de 1970, quase 20 anos depois de Schumpeter relacionar


o empreendedor ao empresário, David McClelland realizou um estudo
com vários países e desenvolveu um programa de seleção e desenvol-
vimento de empreendedores. Esse programa foi finalizado em 1985 e
trazido para o Brasil, em uma parceria entre
Saiba mais
o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pe-
David Clarence McClelland
quenas Empresas (Sebrae) e a Organização (1917-1998) é um psicó-
das Nações Unidas (ONU). logo norte-americano que
publicou uma série de
A base desse programa é a aplicação de trabalhos entre os anos
1950 e 1990. De todas
um questionário, associado a uma análise
as suas publicações ao
realizada por meio de uma entrevista. Essa longo de sua trajetória, os
principais temas eram a
combinação possibilitava perceber o quão
personalidade e a aplica-
empreendedor o sujeito era e, também, por ção desse conhecimento
para ajudar as pessoas
meio das suas fragilidades, apresentar estra-
a melhorar suas vidas.
tégias para o seu desenvolvimento. Para saber mais sobre
McClelland, acesse o link
A base para a construção do questioná- a seguir.
rio, proposto por McClelland (1961), era a Disponível em: https://
análise de conjuntos de comportamentos, topicosgestao2018.wixsite.com/
inicio/post/hist%C3%B3ria-de-
que se distinguem pela natureza dos resul- david-clarence-mcclelland. Acesso
tados obtidos, os quais estão descritos a em: 10 maio 2021.

seguir.

Educação e empreendedorismo: desconstruindo paradigmas 13


Quadro 2
Conjuntos de comportamento

Realização Poder Planejamento

Busca de oportunidades e iniciativa Busca de informações

Independência e
Persistência
autoconfiança Estabelecimento de
metas
Correr riscos calculados

Exigência de qualidade e eficiência


Persuasão e rede Planejamento e monito-
de contatos ramento sistemáticos
Comprometimento

Fonte: Adaptado de McClelland, 1961 apud Hinckel, 2016.

Veja, no Quadro 2, que McClelland (1961) organiza as características


do comportamento empreendedor de acordo com cada um dos con-
juntos de comportamento. O conjunto das realizações está relaciona-
do com a habilidade do sujeito de fazer as coisas acontecerem. Já o
conjunto do poder agrupa comportamentos que dão ao sujeito a ha-
bilidade de influenciar as pessoas a seguirem seu ponto de vista. E, por
fim, o conjunto do planejamento refere-se a comportamentos que
contribuem para o sujeito visualizar antecipadamente os resultados,
bem como definir estratégias para alcançá-los.

Para ser considerado empreendedor, por meio do instrumento, o


alexdndz/Shutterstock sujeito precisa articular os comportamentos empreendedo-
res com frequência e intensidade adequadas, conside-
rando cada uma das nove características expressas
pelos conjuntos de comportamentos.

Acompanhe essa relação entre os conjuntos


de comportamentos e as características
do comportamento empreendedor.

14 Empreendedorismo na Educação
Quadro 3
Quadro teórico de McClelland (1961)

Conjunto dos Características do


comportamentos comportamento Comportamento empreendedor
empreendedores empreendedor
Faz as coisas antes do solicitado, ou antes de ser forçado pelas
circunstâncias.
Busca de oportuni- Age para expandir o negócio a novas áreas, produtos e ser-
dades e iniciativa viços.
Aproveita oportunidades fora do comum para obter assistên-
cia (financeira, física e de formação).
Avalia alternativas e calcula riscos deliberadamente.
Correr risco Coloca-se em situações que implicam desafios ou riscos mo-
calculados derados.
Age para reduzir riscos e controlar resultados.
Encontra maneiras de fazer as coisas melhor, mais rápido e
mais barato.
Age de maneira a fazer coisas que satisfaçam ou excedam os
Exigência de quali-
padrões de excelência.
dade e eficiência
Realização Desenvolve e utiliza procedimentos para assegurar que o tra-
balho seja terminado a tempo, ou que atenda a padrões de
qualidade previamente combinados.
Age diante de um obstáculo significativo.
Age repetidamente ou muda de estratégia a fim de enfrentar
Persistência um desafio ou superar um obstáculo.
Faz um sacrifício pessoal e despende um esforço extraordiná-
rio para terminar uma tarefa.
Assume responsabilidade pessoal por solucionar problemas
que possam prejudicar a conclusão de um trabalho nas con-
dições estipuladas.
Comprometimento Colabora com seus empregados ou coloca-se no lugar deles,
se necessário, para terminar uma tarefa.
Esforça-se para manter seus clientes satisfeitos e coloca a boa
vontade a longo prazo, acima do lucro a curto prazo.
Dedica-se pessoalmente a obter informações de clientes, for-
necedores e concorrentes.
Busca de Investiga pessoalmente como fabricar ou fornecer um produ-
informações to.
Consulta especialistas para obter assistência técnica ou co-
Planejamento mercial.
Estabelece metas e objetivos que são desafiadores e que têm
Estabelecimento significado pessoal.
de metas Tem visão de longo prazo, clara e específica.
Estabelece objetivos de curto prazo mensuráveis.
(Continua)

Educação e empreendedorismo: desconstruindo paradigmas 15


Conjunto dos Características do com-
comportamentos portamento empreen- Comportamento empreendedor
empreendedores dedor
Planeja dividindo tarefas de grande porte e subtarefas
com prazos definidos.
Planejamento e
Constantemente revisa seus planos levando em conta
Planejamento monitoramento
os resultados obtidos e mudanças circunstanciais.
sistemático
Mantém registros financeiros e utiliza-os para tomar
decisões.
Utiliza estratégias deliberadas para influenciar e per-
suadir os outros.
Persuasão e rede de
Utiliza pessoas-chave como agentes para atingir seus
contatos
objetivos.
Age para desenvolver e manter relações.
Poder Busca autonomia em relação às normas e controles de
outros.
Independência e Mantém seu ponto de vista, mesmo diante da oposição
autoconfiança ou de resultados inicialmente desanimadores.
Expressa confiança na sua própria capacidade de com-
pletar uma tarefa difícil ou de enfrentar um desafio.
Fonte: Adaptado de McClelland, 1961 apud Hinckel, 2016, p. 33-35.

Filme Conforme já mencionado, a frequência e a intensidade com que


Depois de tanta teoria e as CCE aparecem são fatores importantes para identificar o perfil em-
informação, que tal uma preendedor. Assim como na medicina, um remédio pode ser tanto um
pausa para relaxar e ainda
continuar aprendendo? antídoto como um veneno, ou seja, dependendo da dose aplicada e
Selecionamos um filme do motivo pelo qual foi utilizado, pode tanto salvar uma vida quanto
que vai ajudá-lo a visualizar
ainda mais cada uma das acabar com ela.
características do compor-
tamento empreendedor, Com as características do comportamento empreendedor não é di-
trata-se do filme Walt antes ferente. Acompanhe um exemplo.
do Mickey.
Certamente você já ouviu Vamos pensar em pessoas envolvidas com o mundo do crime, por
falar de Walt Disney. Ele,
além de ter criado o exemplo, traficantes ou líderes de assalto a instituições financeiras.
personagem Mickey Mouse, Se você analisar os conjuntos, as características e os comportamentos
foi um exemplo de que as
pessoas não nascem 100% desses indivíduos poderá perceber o quanto eles têm presentes com-
empreendedoras e que portamentos que são considerados “empreendedores”. A questão é
empreender pode levar
tempo e muito esforço até que eles usam essas habilidades para cometer crimes e fazer o mal. Na
os resultados começarem a maior parte das vezes são oportunistas, manipuladores, teimosos, me-
aparecer.
tódicos, persuasivos para atingir seus objetivos e assumem riscos mui-
Direção: Khoa Lê. EUA:
Conglomerate Media, 2014. to altos na busca por resultados. Uma pena, pois, com a dose correta,

16 Empreendedorismo na Educação
poderiam facilmente usar seu potencial de liderança para empreender
em suas vidas e em sua comunidade de modo honesto.
Desafio
McClelland (1961) não foi o único a mapear os comportamentos dos
Assista ao filme Walt antes do
empreendedores. Souza (2006) realizou um estudo de diferentes auto- Mickey e, partindo do que foi
res, buscando identificar características e comportamentos apresenta- estudado até aqui, escolha
três características de com-
dos por eles e que representavam os sujeitos que empreendiam. portamento empreendedor
apresentadas no filme que
O resultado desse estudo foi uma matriz de características do em- você considera relevantes.
preendedor, demonstrada na tabela a seguir. Qual habilidade que ele
precisava desenvolver?
Tabela 1
Matriz de características do empreendedor

Autores

Longenecker et al.
Barros e Prates
Características

Carland et al.
Schumpeter

McClelland

Frese et al.
McDonald

Mintzberg
Drucker

Angelo
Lalkala
Weber

Degen

Dutra
Filion

Total
Leite
Buscar
x x x x x x x x x x x 11
oportunidades
Conhecimento
x x x x x 5
do mercado
Conhecimento
x x x x x 5
do produto
Correr riscos x x x x x x x x x x 10
Criatividade x x x x x x x x x 9
Iniciativa x x x x x x 6
Inovação x x x x x x x x x x x x x x x x 16
Liderança x x x x x x x 7
Necessidade de
x x x x x 5
realização
Proatividade x x x x x 5
Visionário x x x x x 5

Fonte: Souza, 2006, p. 17.

Depois de analisar com atenção a matriz desenvolvida por Souza


(2006), você foi capaz de identificar alguma similaridade?

A inovação é a característica que esteve presente em todas as des-


crições sobre empreendedores, como indicativo de comportamento do
empreendedor, que é representado pela propensão por inovar.

Educação e empreendedorismo: desconstruindo paradigmas 17


De acordo com Schumpeter (1947, apud CHIAVENATO, 2012), o em-
preendedor é a essência da inovação e, por esse motivo, torna obsoletas
as formas antigas de se fazer negócios. Perceba que a inovação, inclusi-
ve, é o elemento que diferencia administrador/empresário/proprietário
de um empreendedor, pois os primeiros administram o negócio, e o
segundo está especialmente motivado a inovar.

Lembre-se de que o empresário, o proprietário e o administrador


também podem ter características do comportamento empreendedor
e as articular de modo a serem considerados empreendedores. Se você
se propuser a fazer uma análise de empresários de sucesso, ficará im-
pressionado em perceber o quanto essas pessoas articulam as caracte-
rísticas do comportamento empreendedor para atingir resultados em
Saiba mais suas vidas e lucro para os seus negócios.

E você? Tem as caracterís- Alguns empreendedores de sucesso no Brasil são:


ticas do comportamento
empreendedor? Existem • Alexandre Tadeu da Costa – Fundador da Cacau Show.
muitos testes on-line que
mensuram seu potencial
• Silvio Santos – Fundador do SBT.
para empreender. Faça o
• Ricardo Nunes – Fundador da Ricardo Eletro.
teste disponível no link a
seguir e conheça qual é o • Miguel Krigsner – Fundador do O Boticário.
seu potencial empreen-
dedor. • Luiza Trajano – Fundadora do Magazine Luiza.
Importante: por mais que
você acredite que não De acordo com Dolabela (2008), crianças que nascem em famílias
possua essas caracte-
cujos integrantes possuem potencial empreendedor têm mais chances
rísticas, todos temos
potencial empreendedor de desenvolver esses comportamentos ao longo da vida.
em maior ou menor grau.
Alguns têm essas carac- O aprofundamento nos estudos sobre as características do com-
terísticas mais desenvol- portamento empreendedor fez com que alguns pesquisadores, e até
vidas e outros menos,
dependendo do meio mesmo pessoas comuns, passassem a refletir e a se questionar sobre
social, cultural e educa- o fato de que empreender tivesse conexão apenas com os negócios
cional em que estiveram
inseridos ao longo de sua e com o lucro capital. Isso se deu porque muitas pessoas tinham es-
trajetória. sas características com frequência e intensidade que as tornavam em-
Disponível em: https:// preendedoras. No entanto, não necessariamente tinham como foco
novonegocio.com.br/teste-perfil-
empreendedor/. Acesso em: 10 inovar para gerar lucro capital para si ou para o seu negócio.
maio 2021.
A partir disso, começaram a ser mapeadas outras formas de em-
preender e inovar. Está curioso? Vamos adiante!

18 Empreendedorismo na Educação
1.3 Os tipos de empreendedorismo
Vídeo Até a década de 1970, o termo empreendedorismo relacionava-se
apenas com a ideia de gerar valor, vinculado ao lucro capital, por meio
da inovação. Com o avanço dos estudos sobre os comportamentos em-
preendedores e suas formas de manifestação nos sujeitos, foi possível
perceber que outras pessoas também faziam parte desse processo,
Lembrete
mas com um foco um pouco diferente. Ou seja, empreendiam sob uma
Não se esqueça de que
o empreendedorismo outra perspectiva.
capital está ligado à figura
do empreendedor/em- A verdade é que essas pessoas já existiam e já empreendiam, no en-
presário de sucesso, que tanto não eram consideradas empreendedoras de fato, por não terem
inova para gerar lucro
financeiro para a empresa como foco principal a inovação na geração de lucro capital.
e para os acionistas.
E quais são os tipos de empreendedorismo reconhecidos? O pri-
meiro tipo de empreendedorismo você já conheceu. Estamos falando
Saiba mais sobre ele desde o princípio deste capítulo: o empreendedorismo ca-
Bill Drayton é o fundador pital. Vale lembrar que essa foi a primeira forma de se compreender e
da Ashoka, uma organiza-
ção americana que apoia de se definir essa modalidade.
líderes sociais no mundo.
Drayton defende o estí- O segundo tipo é o empreendedorismo social, que, ao contrário
mulo ao empreendedo- do capital, tem como principal objetivo gerar lucro/impacto social.
rismo entre adolescentes
e jovens para promover É um negócio com o propósito de melhorar a vida das pessoas, ou
transformações socioe-
conômicas capazes de
ainda dar oportunidades para que as condições de vida dessas pessoas
amenizar o crescimento sejam melhoradas. Vale ressaltar que, na maior parte das vezes, o lucro
do que ele chama de
nova desigualdade. Ele
capital e o desenvolvimento econômico acabam sendo consequências
acredita que “jovens desses empreendimentos sociais.
preparados para criar
soluções para problemas O termo empreendedorismo social foi atribuído às práticas de em-
em suas escolas, famílias
preendedores com foco no desenvolvimento social, durante as dé-
ou comunidades também
saberão disputar um cadas de 1980 e 1990, por Bill Drayton e pelo escritor inglês Charles
lugar ao sol no atual
Leadbeater.
mercado de trabalho,
rompendo barreiras que,
O empreendedorismo social empenha-se em solucionar problemas
na visão dele, são cada
vez maiores” (DRAYTON, por meio de ações, criando empreendimentos sociais voltados para a
2019). Para conhecer
geração de oportunidades e suporte à sociedade, buscando melhorar
mais a respeito de Bill
Drayton e da Ashoka, a qualidade de vida das pessoas (SILVA et al., 2012). Mesmo que os ne-
acesse o link a seguir.
gócios sociais não visem ao lucro, precisam ser sustentáveis.
Disponível em: https://www.
ashoka.org/pt-br/story/historia-da- Existem dois tipos de negócios na perspectiva do empreendedoris-
ashoka. Acesso em: 10 maio 2021. mo social: o negócio de impacto e o negócio social.

Educação e empreendedorismo: desconstruindo paradigmas 19


• Negócio de impacto – gera impacto social, mas prevê distribui-
ção dos lucros entre os acionistas. O foco principal ainda é inovar
para o desenvolvimento social.
• Negócio social – é um negócio que está entre a ação de uma
empresa tradicional e o trabalho de uma organização não gover-
namental (ONG). A empresa social surge para resolver um pro-
blema social e/ou ambiental. Perceba que a empresa gera lucro,
mas esse lucro é reinvestido, com o objetivo de aproximar a em-
presa da sua missão social. Não existe uma divisão de lucros en-
tre acionistas (O QUE..., 2021).

Pode ser que você esteja se perguntado: qual é a diferença entre uma
ONG e um negócio social? Na figura a seguir é possível perceber a rela-
ção do negócio tradicional e das ONGs na criação de um negócio social.

Figura 3
Compreendendo os negócios sociais

Negócios sociais: unem o dinamismo do business tradicional com a


consciência da filantropia.

ONGs/Filantropia Negócios sociais Negócios tradicionais

Maximização do Maximização do Maximização


Objetivo
impacto social impacto social dos lucros

Metas Autossustentável
Doações Autossustentável

Fonte: O que..., 2021.

Uma ONG geralmente depende de doações, já o negócio social é


uma empresa criadora de serviços e de produtos que geram lucro, o
qual é utilizado/reinvestido para atingir os objetivos e a missão social
da empresa. Ou seja, é uma empresa autossustentável.

Dess (2002 apud OLIVEIRA, 2004) indica as possibilidades para uma


empresa se encaixar na perspectiva do empreendedorismo social:

20 Empreendedorismo na Educação
1. Ser exclusivamente associada às ONGs sem fins lucrativos e 2
que iniciam ou incentivam a abertura de empresas com esse Para conhecer um pouco
mesmo fim. melhor esse superem-
preendimento social,
2
Um exemplo dessa modalidade é o Pimp my carroça , um movi- assista ao videocase da
ONG em questão.
mento que atua desde 2012 com outras ONGs e que tem como missão
Disponível em: http://youtu.
“tirar os catadores de lixo da invisibilidade, aumentando sua renda, por be/0d86iIPNb0M. Acesso em: 10
meio de arte, sensibilização, tecnologia e participação coletiva” (PIMP maio 2021.

MY CARROÇA, 2020). Mais de 50 cidades em diversos países se uniram


a esse propósito envolvendo mais de 20 mil pessoas na causa.
2. Qualquer sujeito ou grupo de sujeitos que inicie uma empresa
sem fins lucrativos. Geralmente depende de recursos
públicos, privados ou filantrópicos para garantir que suas
ações sejam operacionalizadas.
3
3
O Instituto Fazendo Acontecer é uma entidade privada, sem fins Para conhecer um pouco
melhor o Instituto, acesse
lucrativos que começou a ser estruturada em 2009, pelo professor dou-
o vídeo com as principais
tor José Dornelas, e que tem como principal objetivo desenvolver o po- ações do Fazendo
Acontecer em 2020. Você
tencial empreendedor de jovens de comunidades menos assistidas no
pode fazer isso por meio
Norte do Brasil. O professor Dornelas é um dos principais especialistas do link a seguir.

em empreendedorismo no Brasil. Disponível em: http://youtu.


be/4jwCJh0x0Jg. Acesso em: 10
Outro exemplo interessante, relacionado com a educação, é o mé- maio 2021
todo criado pela médica italiana Maria Montessori. No período em que
o método montessori foi criado, as crianças com síndrome de Down fi-
cavam à margem dos processos educacionais, pois não havia nenhuma
ação nesse sentido. Diante dessa problemática, ela desenvolveu uma
metodologia de trabalho pedagógico para crianças com deficit cogniti-
vo. Mesmo que o foco de sua ação não tenha sido o lucro, atualmente,
muitas instituições se beneficiam dessa metodologia, gerando, além do
lucro social, lucro capital para escolas que adotaram esse modelo.
Os donos dessas escolas fazem parte do terceiro grupo de pessoas
que podem ser consideradas empreendedoras sociais. Veja, a seguir.
4
3. Empresários que optam por práticas de responsabilidade
Para conhecer um pouco
social, buscando gerar impacto social como parte de sua melhor a história de
missão. Matheus Cardoso e do
Moradigna, assista ao
4
A empresa Moradigna foi criada em 2015, por Matheus Cardoso, depoimento dele para a
Endeavor.
com apenas 19 anos, com base em uma dificuldade vivida por ele e
Disponível em: http://youtu.be/
sua família: a insalubridade na sua residência. Ele morava em uma co-
E8VfAoabYSE. Acesso em: 10
munidade em São Paulo, conhecida como Jardim Pantanal, que sofria maio 2021.

Educação e empreendedorismo: desconstruindo paradigmas 21


pelas cheias do Rio Tietê e os impactos ocasionados por elas. Ao fazer a
faculdade de engenharia civil, Cardoso resolveu empreender tentando
resolver uma problemática percebida em sua história de vida. Dessa
forma, teve a ideia de criar uma empresa cuja missão era gerar impac-
to, melhorar a vida das pessoas (impacto social), por meio de pequenas
reformas, tornando as moradias mais salubres para que as famílias pu-
dessem viver melhor nas comunidades.

Nos cases anteriormente vistos, percebemos que os empreendedo-


res sociais desempenham papel importante, considerando as lacunas
Podcast
deixadas pelos órgãos governamentais e pelas empresas com foco no
Se você estiver sem lucro capital.
tempo para assistir ao
vídeo, mas quer saber Em cada um dos cases apresentados, os empreendedores sociais
um pouco mais sobre
o negócio do Matheus atuaram como agentes de transformação na sociedade, aprimorando
Cardoso, ouça o podcast, contextos, criando soluções e abordagens, de modo a minimizar as
gravado em junho de
2020, com aproximada- problemáticas com as quais se depararam; aprimorando e/ou dando
mente 20 minutos, intitu- oportunidades para melhoria da vida das pessoas na sociedade. Cada
lado #4: Construção civil,
com Matheus Cardoso, do um deles, dentro do seu nicho, propôs soluções para problemas so-
canal Futura. ciais, colocando-as em prática e com potencial de escalabilidade, ou
Disponível em: seja, de multiplicar essas ações em diferentes contextos e regiões.
https://podcasts.google.com/feed/
aHR0cHM6Ly9uZWdvY2lvcXVlZXVx- Acompanhe, no quadro a seguir, as principais características dos
dWVyby5saWJzeW4uY29tL3Jzcw/
episode/YWNmYmQyYmEtZjY1OS- empreendedores sociais.
00MTNlLWFmYTItNjUxYTFlY2ZjO-
WE0?hl=pt-BR&ved=2ahUKEwiH-
Quadro 4
ksaN_r7vAhXrD7kGHWstAWcQjr- Características dos empreendedores sociais
kEegQIBRAL&ep=6. Acesso em: 11 Lidam com questões sociais importantes, com paixão por fazer
maio 2021. a diferença. Podem trabalhar sozinhos ou no interior de uma
Ambiciosos
ampla cadeia de organizações já existentes, incluindo as que
misturam atividades lucrativas e não lucrativas.
Sua principal motivação é a geração de valor social, antes da
Motivados por riqueza, que até pode fazer parte do processo, mas não é um
uma missão fim. Empreendedores sociais são extremamente perseverantes
e incansáveis em sua busca de ideia social.
Como empreendedores de negócios, eles veem e atuam sobre o
Estratégicos que os outros consideram oportunidades para criar sistemas e
soluções e inventam novas abordagens que geram valor social.
São hábeis em recrutar e mobilizar recursos humanos, financei-
Talentosos
ros e políticos.
São motivados pelo desejo de ver as coisas mudarem e produ-
zirem um retorno mensurável. Os resultados que buscam es-
Voltados para
tão essencialmente ligados à ideia de fazer do mundo um lugar
resultados
melhor (qualidade de vida, acesso a recursos básicos, suporte a
grupos desfavorecidos).

Fonte: Adaptado de Bessant e Tidd, 2009.

22 Empreendedorismo na Educação
Observe que as características de empreendedores sociais apresen-
tadas por Bessant e Tidd (2009) se encaixam também nas característi-
cas dos empreendedores vinculados ao empreendedorismo de capital.
O que os diferencia basicamente é o posicionamento e a intencionali-
dade que possuem no momento de empreender.

Quadro 5
Empreendedor empresarial x empreendedor social

Empreendedor empresarial Empreendedor social


• É coletivo.
• É individual.
• Produz bens e serviços para a comunidade.
• Produz bens e serviços.
• Tem foco na busca de soluções para problemas
• Tem foco no mercado.
sociais.
• Bom desempenho = lucro.
• Bom desempenho = impacto social.
• Visa satisfazer às necessidades dos clientes e
• Visa respeitar as pessoas em situação de risco social
ampliar as potencialidades do negócio.
e as promove socialmente.

Fonte: Adaptado de Melo Neto e Froes, 2002, p. 11.

Os mesmos mecanismos que direcionam o empreendedorismo e a


inovação na perspectiva capital aplicam-se no empreendedorismo social
e no sucesso de uma empresa com esse viés. A motivação para inovar,
Importante
nesses casos, surge do desejo de fazer a diferença na/para sociedade.
Os modelos de pedagogia
Muitos empresários encontraram no empreendedorismo social satisfa-
empreendedora definidos
ção pela criação de valor não capital, como foi o caso de Bill Gates, que por Dolabela (2009) e de
educação empreendedo-
migrou da direção da Microsoft, para administrar a Gates Foundation
ra direcionados pelo Se-
(BESSANT; TIDD, 2009 apud HINCKEL, 2016), no ano de 2000. brae têm como principal
característica desenvolver
A terceira forma de empreendedorismo é o educacional, o qual metodologias para formar
refere-se à percepção do empreendedorismo nas/pelas práticas peda- empreendedores capazes
de gerar lucro capital ou
gógicas, partindo do mesmo pressuposto do empreendedorismo so- social, trazendo desen-
cial, no que concerne à geração de impacto social. No entanto, não há volvimento econômico e
sustentabilidade.
vínculo com participação ou composição em empreendimentos sociais,
organizações sem fins lucrativos ou ações de responsabilidade social,
desenvolvidas por empreendedores capitais.

Esse modelo de empreendedorismo, assim como os demais tipos,


apresenta sujeitos com comportamentos empreendedores e com a ha-
bilidade de articulá-los, com a frequência e a intensidade necessárias
para o desenvolvimento de uma cultura empreendedora, pautada no
empoderamento dos sujeitos individual ou coletivamente organizados.

Educação e empreendedorismo: desconstruindo paradigmas 23


1.4 Tipos e graus de inovação
Vídeo Paralelamente aos tipos de empreendedorismo, temos a inovação.
Como já vimos na seção anterior, a inovação é um elemento primordial
no processo de empreender. Assim, para toda forma de empreender,
existem estratégias que promovem a inovação em cada uma das fren-
tes do empreendedorismo.

Figura 4
Frentes do empreendedorismo e estratégias de inovação

Shutterstock/Tokarchuk Andrii
Empreendedorismo Inovação

Empreendedorismo
social Inovação social

Empreendedorismo Inovação
educacional educacional

Fonte: Elaborada pela autora.

Para refletir Assim como o empreendedorismo, o termo inovação traz consigo di-
Qual é a diferença entre ferentes formas de interpretação e é importante conhecer essas diversas
descoberta, invenção e nuances antes de adentrarmos na perspectiva da inovação educacional.
inovação?
Descoberta, invenção e inovação. Pense em cada uma dessas
palavras e tente descrevê-las ou ainda conceituá-las, com base na sua
percepção, nas suas vivências até este momento.

Registre em uma folha de papel e analise quais são as semelhanças


e diferenças entre cada um dos termos.

É incrível como boa parte das pessoas tende a tomar a descoberta, a


invenção e a inovação como sinônimos. Compare os seus registros com
as definições de Bessant e Tidd (2009).
SofiaV/ ONYXprj/ Rvector/Shutterstock

Descoberta: é algo que já Invenção: está relacionada Inovação: é traduzir ideias em


existia no ambiente e que, com o potencial criativo do produtos, processos ou serviços
por meio da observação do ser humano, que manipula ou que sejam úteis, utilizáveis e
ser humano, passou a ser interfere em elementos que já diferentes do convencional,
descoberto. Está na natureza e existem, buscando solucionar gerando valor.
não foi feito pelo ser humano. problemas específicos.

24 Empreendedorismo na Educação
Você conseguiu perceber a diferença entre cada um dos termos?
Vale lembrar que a definição de inovação de Bessant e Tidd (2009) está
vinculada ao lucro capital, ou ainda ao que Schumpeter chamou de
destruição criadora, a qual é considerada uma transformação que des-
trói o antigo e cria sucessivos novos elementos.

Ou seja, alguma vez você precisou criar atrito entre rochas a fim de
produzir fogo para cozinhar, aquecer a água ou ainda para acender
uma vela? A menos que você esteja participando de um programa de
sobrevivência na selva ou esteja de fato perdido, isso não se faz ne-
cessário, pois as inovações criam facilidades para o cotidiano das pes-
soas, mudando significativamente o jeito como nos relacionamos com
as primeiras descobertas. Hoje, por meio da descoberta do fogo pelo
ser humano, temos equipamentos que nos permitem ter fogo de modo
muito mais fácil, por exemplo, por meio de isqueiro, fósforo, fogão etc.
Glossário
Quanto mais uma inovação muda a forma de as pessoas se relacio-
disruptiva: que causa
narem no mundo e com os objetos, mais disruptiva ela é. Schumpeter
ruptura, rompimento
(1985) define os graus da inovação, considerando o impacto que esta gera e, consequentemente,
mudança.
na sociedade. Assim, toda e qualquer inovação que mude completamen-
te a ordem padrão de um comportamento ou uma ação do ser humano
é considerada uma inovação radical. Já as demais inovações, vinculadas
à inovação radical, são consideradas inovações incrementais.

Para facilitar o entendimento, acompanhe o exemplo do telefone. O


primeiro aparelho foi criado por Alexander Graham Bell, em 1876. Ele
facilitou muito o processo de comunicação das pessoas que estavam
distantes e as informações passaram a ser recebidas mais rapidamen-
te. Note que, como mostra a Figura 4, ao longo dos anos, o telefone foi
mudando e as funcionalidades dos aparelhos trouxeram mais conforto
para o usuário.

Figura 4
Evolução do telefone
K3Star/Shutterstock

Educação e empreendedorismo: desconstruindo paradigmas 25


Leitura Mas e o smartphone? Ele é uma inovação radical ou incremental?
Muitas pessoas têm dúvidas em relação a isso.
Para conhecer mais a
fundo a percepção de
Com o acesso à internet por meio de aparelhos celulares, os indi-
inovação, desenvolvida
pleos 30 países mais ricos víduos mudaram completamente a forma como passaram a se comu-
do mundo, consulte o
nicar e a utilizar o próprio aparelho. A mudança foi tamanha e mexeu
Manual de Oslo.
tanto com o comportamento das pessoas, que alguns acreditam que
Disponível em: http://
www.finep.gov.br/images/ não sobreviveriam sem seus celulares. O telefone celular com acesso à
apoio-e-financiamento/manualoslo internet deixou de ser utilizado para fazer chamadas. Hoje, inclusive, é
a coisa que menos se faz com o celular. Por esse motivo, ele foi consi-
derado uma inovação radical. Características atuais como tamanho da
tela, qualidade da imagem e velocidade são melhorias, ou seja, inova-
ções incrementais ao smartphone.

Além da classificação por grau/impacto, é possível classificar a ino-


vação por tipologia. Essa classificação foi definida a partir de 2005,
quando o Manual de Oslo foi editado, apresentando as diretrizes e
definições sobre inovação e dividindo-a em: inovação em produtos e
serviços, inovação em processos, inovação em marketing e inovação
Filme organizacional.

Para que você possa se Por mais que essas tipologias não sejam o foco desta obra, citamos
inspirar e transportar os
a seguir alguns exemplos para que você diferencie cada uma dessas
conceitos de inovação
para a vida, sugerimos formas de inovar.
dois filmes. O primeiro é
Joy: o nome do sucesso, o Inovação em produto ou serviço: qualquer produto ou serviço que
qual aborda a trajetória tenha sido criado e que tenha uma aceitação no mercado. Exemplos: re-
de uma mulher lutadora
e com grande potencial frigerantes, sabão em pó e líquido, computador, serviços de delivery etc.
empreendedor, que em
um processo de reinvestir Inovação em processos: refrigerantes como Coca-cola diet,
em si mesma, criou o Coca-cola zero. Um novo procedimento para criação do produto, que
Magic Mop.
venha a atender às necessidades dos consumidores, reduzir custos ou,
Direção: David O. Russell. EUA: Fox
2000 Pictures, 2015. ainda, aumentar a produtividade.
O outro filme é Steve Jobs, Inovação em marketing: em 2015, a Coca-cola lançou uma cam-
que conta a história do
cofundador da Apple,
panha para inserir nomes nas latas e com isso aumentar o número
falando da sua geniali- de vendas. Ou seja, as pessoas não compravam mais um refrigerante
dade, mas também dos
conflitos pessoais e de
apenas para bebê-lo, passaram a comprá-lo para colecionar as latas ou
comportamento que im- presentear. Outro exemplo de inovação em marketing é das Havaianas:
pactaram sua vida, desde
o início de sua trajetória.
durante muito tempo a marca não era vista com prestígio, no entanto,
depois de todo um investimento em marketing, com estratégias de mu-
Direção: Danny Boyle. EUA:
Universal Pictures, 2015. dança do slogan para “Havaianas: todo mundo usa” e com a utilização
de personalidades nas campanhas publicitárias, houve um reposicio-

26 Empreendedorismo na Educação
namento da marca, melhorando os pontos de venda e ampliando o
portfólio de produtos.

Inovação organizacional: quando se implantam novos meios para


estruturar rotinas e métodos de trabalho. Como exemplos dessa mo-
dalidade temos Netflix, Uber, Cirque du Soleil, Booking etc.

Segundo Dornelas (2003), a inovação implica mudar algo, agir ou


fazer diferente do que já se fazia; criando algo novo ou simplesmente
mudando o ambiente com base no que já existe. O conceito de inova-
ção é muito importante, em especial na conexão entre a educação e o
empreendedorismo, que é o assunto da próxima seção.

1.5 Educação e empreendedorismo


Vídeo Vamos iniciar esta seção com um texto de Paulo Freire (Figura 5),
que reflete de modo muito pontual a forma como essas duas áreas tão
importantes precisam ser encaradas.
Não há possibilidade de um discurso só, sobre os diferentes as-
pectos do tema. Um discurso que agrade em absoluto, a gregos
e a troianos. Em verdade, este não é um tema neutro, cuja inteli-
gência e cujas consequências práticas sejam comuns a todas e a
todos que dele falem. Isso não deve significar, porém, que as di-
ferenças de opiniões que marcam os distintos discursos, devam
afastar do diálogo, os sujeitos que pensam e sonham diversa-
mente. Não há crescimento democrático, fora da tolerância. O
importante é que a pura diferença não seja razão de ser decisiva
para que se rompa ou nem sequer se inicie um longo diálogo
Figura 5 através do qual pensares diversos, sonhos opostos, não possam
Paulo Freire em 1977 concorrer para o crescimento dos diferentes e para o acrescen-
tamento dos saberes. (FREIRE, 1991, p. 47)
wikimedia commons.

É fato que, quando Freire escreveu esse texto, não falava es-
pecificamente de educação e empreendedorismo. Ele se referia
apenas aos temas que aparentemente mostravam-se contradi-
tórios e que inviabilizavam o diálogo e a perspectiva de cone-
xão entre as áreas. Lembre-se: Tudo está conectado! Talvez você
apenas não tenha, ainda, conseguido identificar essa conexão.

Segundo Morin (2008), é necessário mudar o pensamento,


substituindo os termos por aqueles complexos, no sentindo eti-
mológico da palavra, que corresponde a “tecer junto”.

Educação e empreendedorismo: desconstruindo paradigmas 27


Educação e gestão são conceitos próximos em quase tudo o que pro-
duzimos na humanidade. Afinal, tanto a educação quanto a gestão estão
na sociedade e são formadas por pessoas. No entanto, no senso comum
e até no meio acadêmico, é corriqueiro escutar comentários que distan-
ciam as áreas e até mesmo as colocam em campos opostos. Percebemos
isso em afirmações como: a escola não é uma empresa; estudantes e
professores são pessoas e não números etc.

Uma hipótese para esse tipo de comentário e percepção talvez seja


reflexo da característica humana de querer generalizar tudo. O contex-
to e as vivências de cada pessoa, desde a infância, contribuem para que
sua forma de aprender se torne automatizada, em decorrência de me-
canismos biológicos do ser humano. Só que isso pode ser tanto positivo
quanto negativo, pois, ao mesmo tempo que favorece a aprendizagem,
a generalização pode permitir também ao ser humano criar teorias e
antecipar resultados, pela repetição de alguns elementos/situações se-
melhantes, só que, às vezes, de modo incorreto. Para Moran (2011, p.
26), “diante de novas perspectivas, a tendência será enquadrá-las rapi-
damente nos padrões anteriormente fixados” e que não correspondem
à realidade.

Diante disso, fica um pouco mais fácil entendermos que a maior


parte das críticas decorre dos autores da área educacional, princi-
palmente quando o assunto é empreendedorismo e competência.
Isso porque muitos dos estudos e discursos sobre esses temas os re-
lacionam a uma perspectiva ideológica, capitalista e neoliberal, que
responsabiliza/culpa o sujeito pelo seu fracasso (HINCKEL, 2016). Isso
faz com que muitas pessoas da área educacional generalizem o termo
e todo o processo, sentindo “calafrios” só de escutar a palavra empreen-
dedorismo no contexto educacional.

Outro fator que contribui para esse cenário é que boa parte dos
estudos que relacionam esses temas o fazem sob o ponto de vista da
gestão. São empresários, economistas, empreendedores de diferentes
áreas que falam sobre a importância da educação para o desenvolvi-
mento do empreendedorismo. É o caso da pedagogia empreendedora,
proposta por Fernando Dolabela (estudioso da área da administração),
e da educação empreendedora, desenvolvida pelo Sebrae.

Perceba que eles não estão errados, mas, sob o ponto de vista edu-
cacional e da prática pedagógica propriamente dita, ficam algumas

28 Empreendedorismo na Educação
lacunas que não conseguem ser preenchidas e que dão margem ao
processo de generalização. Em outras palavras, como seres humanos
que são, alguns profissionais da educação, em vez de estarem abertos
a testar diferentes possibilidades, agarram-se aos conceitos e expe-
riências anteriormente vivenciadas, para encontrar formas – generali-
zadoras – de fechar as lacunas.

Só que esse tipo de atitude não cabe mais, pois as transformações


que acompanhamos na sociedade, principalmente as relacionadas ao
uso das tecnologias e aos seus impactos nas formas de comunicar, de
ensinar, de aprender, de ser e de conviver, em toda a cadeia social, es-
tão cada vez mais perto da escola. E isso vem acontecendo também de-
vido ao fato de haver uma crítica muito grande sobre o perfil do sujeito
que a sociedade requer e aquele que, de fato, a escola vem ajudando
a desenvolver.

Conforme afirma Hinckel (2016, p. 17), na “ formalidade prática do


Filme
mundo da educação é necessário reconhecer que a maioria dos estu-
Um filme bem inte-
dantes é fruto da modernidade líquida e muitos professores são o pro- ressante e que ilustra
a importância das
duto de uma sociedade marcada pela solidez”. O sociointeracionismo,
práticas do professor
uma corrente pedagógica desenvolvida e fundamentada por Vygotsky, no desenvolvimento do
espírito inovador dos
afirma que a aprendizagem acontece em decorrência das relações que
sujeitos é A sociedade dos
estabelecemos e do meio em que estamos inseridos. Se a aprendiza- poetas mortos, estrelado
gem e as habilidades desenvolvidas pelos estudantes são o reflexo das por Robin Williams, em
1989. Apesar de antigo, o
práticas pedagógicas e se as competências desenvolvidas por eles, ao filme aborda de maneira
sair dos espaços educacionais, estão distantes daquilo que a sociedade bem atual os dogmas e
resistências existentes
almeja e precisa, é sinal de que os processos formativos precisam ser no contexto educacional,
ressignificados. em especial quanto às
práticas inovadoras (que
Infelizmente, a escola tem estado muito atrasada em relação aos fogem ao modelo con-
vencional) e seus impac-
avanços sociais. Se antes o cenário apresentado esperava convite, hoje tos no desenvolvimento
ele vem atropelando os processos educacionais e promovendo um ver- do potencial de inovação
e visão dos estudantes.
dadeiro “arrombamento” dos muros conceituais presentes na escola.
Direção: Peter Weir. EUA: Walt
De acordo com Hinckel (2016), esse tema já permeia todas as ins- Disney Studios, 1989.

tâncias formadoras, criando tensionamentos sobre a atuação e a fun-


ção do professor, bem como as implicações dessa demanda no fazer
pedagógico. Além disso, é possível observar constantes estímulos de 5
5
diversas direções, de que é preciso aprender a aprender sempre. Aprender a aprender é
um dos pilares da educa-
O empreendedorismo fundamenta-se no empoderamento e na li- ção, apresentados pela
Unesco.
bertação do sujeito frente aos mecanismos ideológicos dominantes na

Educação e empreendedorismo: desconstruindo paradigmas 29


sociedade para que, mesmo imerso nessa atmosfera, busque ter visão
amplificada, enxergando não somente o óbvio, mas principalmente
aquilo que poucos veem. E que essa habilidade promova no sujeito o
6 potencial proativo e inovador de buscar soluções e caminhos, indepen-
dentemente do cenário desanimador ou da opinião de massa, assumin-
Vale lembrar que alguns
poucos autores tratam do os riscos conscientes e calculados de suas escolhas na sociedade,
o empreendedorismo
sejam elas quais forem. Quando esses mecanismos e essas habilidades
educacional como a ação
de abrir um negócio forem acionados no ambiente escolar, seja para desenvolvimento do
na área da educação. É
sistema educacional em um contexto mais amplo, ou para o aprimo-
importante que você não
faça confusão. Empreen- ramento intencional dessa cultura empreendedora no/pelo processo
der no ramo de negócios 6
pedagógico, chamamos de empreendedorismo educacional (HINC-
educacionais também é
uma possibilidade, mas KEL, 2016).
não se trata do foco prin-
cipal de desenvolvimento Essa percepção de empreendedorismo vai ao encontro do desen-
desta obra.
volvimento de sujeitos com potencial empreendedor e complementa
o empreendedorismo social, pois tem a intenção de, também, aperfei-
çoar os sujeitos sob essa perspectiva.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Empreendedorismo e educação coexistem na sociedade e mais do
que nunca precisam ser compreendidos isolada e coletivamente, discipli-
nar e transversalmente, no intuito de superar paradigmas que, no cenário
atual, fazem cada vez menos sentido.
Compreender o empreendedorismo sob o viés da administração
e perceber a inovação como elemento de conexão entre as formas de
empreender inicia o tensionamento para o processo de aceitação do
empreendedorismo e da necessidade de desenvolvimento das caracte-
rísticas do comportamento empreendedor, por meio da educação, como
elemento importante para integração dos indivíduos na sociedade.
Esperamos que, ao final dos estudos deste capítulo, você tenha con-
seguido compreender a inserção do empreendedorismo no contexto
educacional, reconhecendo os pontos de conexão entre os conceitos e o
papel da inovação nesse processo, bem como esteja apto a identificar as
características do comportamento empreendedor e diferenciar os tipos
de empreendedorismo e inovação. Caso tenha ficado com dúvidas em
relação a algum desses pontos, retome a leitura do capítulo.

30 Empreendedorismo na Educação
ATIVIDADES
1. O empreendedorismo está presente na sociedade, mas se manifesta
Vídeo
especialmente por meio das práticas dos sujeitos. Reflita sobre o que
é empreender e quais são as possibilidades de se empreender. Na
sequência, faça uma análise sobre a presença do empreendedorismo
na sua vida e na das pessoas que estão próximas a você, descrevendo,
em forma de tópicos, em que períodos isso aconteceu.

2. Bill Gates foi o criador da Microsoft e ganhou muito dinheiro


empreendendo. Em determinado momento, ele cria a Fundação Bill
Gates e passa a investir no empreendedorismo social. O que leva um
empreendedor com foco exclusivo em lucro capital a migrar para o
empreendedorismo social?

3. Tudo o que existe ao nosso redor e que não é a própria natureza


representa uma inovação. Observe o ambiente em que você se
encontra estudando neste momento. Olhe para si próprio, para
suas roupas e acessórios... Tudo é inovação! Tudo foi criado pelo ser
humano e passou a ser consumido/utilizado, facilitando nossa vida.
Como vimos, existem dois graus de inovação quanto ao impacto que
produzem na sociedade. Escolha alguns objetos do ambiente em que
você está e defina se são inovações radicais ou incrementais.

4. Durante muito tempo, o empreendedorismo foi um tema quase que


exclusivo para empresários e acadêmicos da área de gestão. Com o
tempo, a inovação trouxe avanços para os diversos segmentos da
sociedade, que passaram a demandar por novos perfis de sujeito e,
também, a requerer novas competências para atuação no mundo do
trabalho.
Como você pôde perceber ao longo deste capítulo, empreendedorismo
e educação são áreas que se conectam, no entanto, as pessoas têm
certa dificuldade para perceber essas conexões. Considerando os
estudos realizados, aponte duas hipóteses que favorecem essa
dificuldade de conexão.

REFERÊNCIAS
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CHIAVENATO, I. Empreendedorismo: dando asas ao espírito empreendedor. São Paulo:
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comissão – Escolas para o século XXI. Bruxelas: Comissão das Comunidades Europeias,
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dep.17852_tm_anexo1a.pdf.pdf. Acesso em: 19 abr. 2015.

Educação e empreendedorismo: desconstruindo paradigmas 31


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LENZI, C. et al. Ação empreendedora: como desenvolver e administrar o seu negócio com
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MORIN, E. A cabeça bem-feita: repensar a reforma e reformar o pensamento. 14. ed. Rio de
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NAKAGAWA, M. Empreendedorismo: elabore seu plano de negócios e faça a diferença. São
Paulo: Senac, 2013.
OLIVEIRA, E. M. Empreendedorismo social no Brasil: fundamentos e estratégias. 2004. Tese
(Doutorado) – Universidade Estadual Paulista, Unesp, Franca.
O QUE são negócios sociais. Yunus, 2021. Disponível em: https://www.yunusnegociossociais.
com/o-que-so-negcios-sociais. Acesso em: 11 maio 2021
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2006, p. 3-20.

32 Empreendedorismo na Educação
2
Educação, inovação,
tecnologia e sociedade
Todo avanço é uma vitória e toda vitória nos prepara para novos de-
safios! Por esse motivo, convidamos você a rememorar – ou pesquisar
sobre – um dos desenhos mais famosos do final da década de 1980:
ThunderCats. Já ouviu falar?
Os ThunderCats eram um grupo de seres meio gatos e meio humanos
que lutavam contra o mal. Seu líder, Lion, tinha uma espada justiceira que
continha o chamado olho de Thundera acoplado, e que dava a ele visão
além do alcance.
Neste capítulo, vamos ativar a sua “visão além do alcance” e desenvol-
ver sua capacidade de observação. Ou seja, vamos dar a você subsídios
para analisar e compreender as relações entre os sujeitos e a sociedade
e como esse movimento impacta a inovação e é impactado por ela, pela
tecnologia e educação.
Enxergar além do que os olhos podem ver é uma habilidade que pode
ser desenvolvida. Essa habilidade é fundamental para que qualquer su-
jeito na sociedade possa intervir na sua realidade ou no meio onde está
inserido, identificando formas de superar desafios, buscando e propondo
soluções de maneira crítica e fundamentada.
Primeiro, vamos compreender as relações entre sujeito e sociedade
para que você possa reconhecer os sujeitos como agentes de transforma-
ção social. Na sequência, trataremos de inovação; como ela surge, de que
forma faz parte da essência do ser humano e por que, algumas vezes, ela
não acontece. Para isso, abordaremos os conceitos de criatividade e inova-
ção, relacionando essas duas vertentes e identificando suas relações com
as ações de quem empreende.
Por fim, vamos abordar um pouco o sistema educacional brasileiro e
compreender como essa organização contribui para a presença da inova-
ção e da tecnologia na sociedade.
Vamos adiante?

Educação, inovação, tecnologia e sociedade 33


Objetivos de aprendizagem

Com o estudo deste capítulo, você será capaz de:


• reconhecer o sujeito como agente de transformação social;
• relacionar criatividade e inovação;
• compreender o conceito de inovação;
• identificar a inovação como característica de quem empreende;
• identificar a presença da inovação e da tecnologia na organiza-
ção educacional brasileira.

2.1 Sujeito e sociedade


Vídeo Relacionar sujeito e sociedade parece algo óbvio, no entanto o óbvio,
às vezes, é tão evidente e natural que pode passar despercebido. Para
que você compreenda melhor essa afirmação, vamos estabelecer uma
metáfora. Quando não conhecemos algo, ou desconhecemos como fun-
ciona a prática de uma ação que teremos de executar, nossa mente ana-
lisa e problematiza a situação tentando dominá-la. Um exemplo disso é
a prática da direção de um carro. Saber dirigir é uma tarefa complexa,
envolve conhecimento das leis, habilidade prática, psicológica e destreza
para realizar diferentes ações ao mesmo tempo.

Quando começamos a dirigir, é normal nos preocuparmos e pen-


sarmos os mínimos detalhes, como ajustar o retrovisor e o banco do
carro, colocar o cinto, dar a partida, passar a marcha, acelerar, frear,
observar o espaço, parar, dar seta, dar ré, estacionar, manobrar, en-
fim, uma infinidade de ações em um contexto de incertezas, visto que
no trânsito existem outros carros e pedestres que estão fora de nossa
zona de controle.

Com o passar do tempo e o ganho da habilidade na ação de diri-


gir, passamos a automatizar e a naturalizar algumas práticas comuns.
Não precisamos mais pensar antes de fazer, simplesmente realizamos
a ação. Você dirige, dá seta, freia e troca marchas naturalmente e, às
vezes, até sem perceber que fez todas essas coisas.

O mesmo acontece com relação ao ser humano na sociedade.


Quando somos crianças e iniciamos o processo de exploração do mun-
do, por volta dos 2 anos e meio aos 4 anos de idade, passamos por

34 Empreendedorismo na Educação
uma fase de descoberta de tudo que nos cerca. A criança entra em um Saiba mais
período chamado pelo senso comum de fase dos porquês. Entre os 2 e os 7 anos,
a criança está na fase,
A criança tem uma forma peculiar de ver o mundo. Poderíamos definida por Piaget, de
até dizer que nasce com um “olho de Thundera” em desenvolvimen- pré-operacional. Nesse
período, a criança começa
to. Contudo, com o passar do tempo e em decorrência do contex- a desenvolver a habilidade
to em que está inserida, ocorre a acomodação de alguns esquemas de criar esquemas men-
tais, inteligência simbólica
mentais, criando personalidade, padrões de comportamento e hábi- e representativa, desenvol-
tos. Então, com o tempo, ela passa a não questionar mais, por exem- vimento da fala etc.
Nessa fase, a criança
plo, o motivo pelo qual meninos e meninas são diferentes ou por
busca compreender o
que existe dia e noite. Se a criança recebe respostas simplistas, do que a cerca, construindo
seus esquemas mentais e
tipo “porque sim” ou “porque não”, ou ainda se recebe mais respos-
desenvolvendo suas ha-
tas do que perguntas, ficará propensa a esperar pelas coisas prontas bilidades cognitivas pelos
processos de assimilação e
e a não pensar ou refletir sobre elas.
acomodação.
De acordo com Vygotsky (2008), criador da teoria sociointeracio- Para saber mais sobre os es-
tágios do desenvolvimento,
nista, somos o resultado do contexto em que estamos inseridos e das assista ao vídeo Estágios do
relações que estabelecemos ao longo da vida. Nesse sentido, nossa desenvolvimento, publicado
no canal Didatics.
forma de ser e de ver o mundo acaba sendo moldada pela forma de
Disponível em: http://youtu.be/
ser e ver o mundo dos nossos agentes primários de mediação, que são
CRokAZi_RWM. Acesso em: 25
representados quase sempre pela família. Evidentemente, isso pode se maio 2021.
modificar ao longo da existência do sujeito, afinal, à medida que o tem-
po vai passando, temos acesso a outros espaços e vamos estabelecen-
do relações com outras pessoas, que também podem ser escolhidas
por nós como agentes de mediação.

Quando crescemos, esses padrões que criamos quando crianças


nos permitem generalizar e naturalizar algumas situações e fatos, pois,
em tese, já passamos pelo processo de assimilação e entramos na aco-
modação. É muito mais fácil, em algumas situações, não problematizar,
não se questionar e não refletir sobre o que estamos ouvindo, falando
ou fazendo. Afinal, isso já faz parte da nossa vida, já tem um efeito de
sentido construído em nossa mente.

Essa naturalização também acontece com a ideia de sermos sujei-


tos; de que estamos presentes na sociedade e de que agimos sobre
ela, modificando-a e ao mesmo tempo sendo modificados, em um
processo cíclico e contínuo. Por mais evidente que isso seja, entramos
no “piloto automático” e, muitas vezes, esquecemos disso enquanto vi-
vemos em sociedade.

Educação, inovação, tecnologia e sociedade 35


É importante entendermos que quanto mais questionamos a rea-
lidade a respeito daquilo que é evidente, as problemáticas que nos
rodeiam, buscando compreendê-las de diferentes perspectivas, mais
ativamos nossa visão além do alcance e mais perto de minimizar ou
solucionar os problemas estaremos.
Filme Você deve estar se questionando: o que tudo isso que estudamos
até o momento tem realmente a ver com as relações entre sujeito e
sociedade, afinal?

Como já mencionamos, sujeito e sociedade estão intimamente co-


nectados. Pêcheux (2009) entende o sujeito pelas suas relações históri-
cas e aponta a forma-sujeito como o resultado das formações sociais,
discursivas e ideológicas, que representam o pré-construído do sujeito
e que o constituíram em sua forma de ser, agir e pensar.

Para ilustrar a relação Assim, ao mesmo tempo que os sujeitos constituem a sociedade
entre os sujeitos e a e a modificam, acabam sendo modificados por ela, de acordo com a
sociedade, bem como o
impacto do contexto so- historicidade vinculada ao contexto vivenciado por eles. Por esse moti-
cial na forma de pensar, vo, muitos têm a ilusão de que suas ações e palavras são apenas suas,
ser e agir, indicamos o
filme O doador de memó- tendo origem neles mesmos, quando na verdade são o resultado das
rias, de 2014. Com base experiências e vivências compartilhadas por aqueles que fizeram parte
no livro de mesmo título,
trata-se de uma aventura de sua formação.
misturada com suspense
que narra a história Esse pensamento também vai ao encontro do que Freire (2014,
de um garoto que, até p. 93) acreditava: “ninguém nasce feito. Vamos nos fazendo aos pou-
então, vive em um mundo
perfeito. Ao completar 12 cos, na prática social de que tomamos parte”. Isso significa que vamos
anos, ele é escolhido para nos constituindo como sujeitos sociais à medida que vamos nos apro-
ser um receptor de me-
mórias da “comunidade” priando das formas de ser e agir em sociedade.
onde mora e passa a ser
ensinado por um homem Você já parou para pensar em si mesmo como sujeito social? Ou
mais velho: o “Doador”. seja, de que maneira sua forma de ser, agir e pensar foi impactada ao
Com isso, o rapaz passa a
problematizar situações longo de sua vida e de que modo hoje você cria impacto no modo de
que até então naturali- ser e agir das pessoas que estão à sua volta e, consequentemente, na
zava e precisa enfrentar
os desafios diante das sociedade?
escolhas que fará com
relação à sua vida e ao
Às vezes, afastamo-nos dos conceitos e falamos dos sujeitos e da
seu futuro. sociedade como se estivéssemos alheios a eles. Elias (1994) nos incen-
Esperamos que goste!
tiva a perceber sociedade e indivíduo não como distintos e distantes,
Direção: Phillip Noyce. EUA: Walden
Media, 2014.
mas como indissociáveis e determinantes entre si. Para compreender
verdadeiramente essa relação, precisamos mudar a forma de “pensar
em termos de substâncias isoladas, únicas e começar a pensar em ter-

36 Empreendedorismo na Educação
mos de relações e funções” (ELIAS, 1994, p. 23). Justamente o que esta- Importante

mos propondo nesta seção! O professor tem um


papel fundamental no
Morin (2008) afirma que o indivíduo é o resultado de um processo desenvolvimento dos
sujeitos para a sociedade.
reprodutor constante. Assim, a sociedade “com sua cultura, suas nor- Ter consciência disso e
mas, retroage sobre os indivíduos humanos e os produz enquanto in- compreender a relação
entre a ação docente,
divíduos sociais dotados de cultura” (MORIN, 2008, p. 119). Portanto, na suas práticas pedagógicas
condição de sujeitos sociais, somos produto e produtores da sociedade e as modificações que
esperamos na sociedade
na qual vivemos. é fundamental para que
os professores possam
Com base em todas as considerações apresentadas, relacionan- ter sua visão “Thundercat”
do sujeito e sociedade, podemos afirmar que a forma com que os potencializada e, com isso,
criar práticas pedagógicas
sujeitos se posicionam em/na sociedade está diretamente conecta- significativas e intencio-
da com os avanços e retrocessos sociais e com as práticas coletivas nais, que sejam capazes
de transformar os sujeitos
(HINCKEL, 2016) representadas pelas instâncias educacionais, políticas, e, consequentemente, a
econômicas, culturais, religiosas e sociais. sociedade.

2.2 A inovação e as tecnologias na sociedade


Você já parou para pensar na presença da inovação e das tecnolo-
Vídeo
gias na sociedade? Em uma linha do tempo – do ser humano primata
ao contemporâneo –, a inovação e a tecnologia sempre estiveram pre-
sentes na história, com a caça, o cultivo, a criação de utensílios, ferra-
mentas, meios de transporte e medicamentos e com novas formas de
ensinar e aprender técnicas para viver em sociedade.

O ser humano foi do fogo às bombas nucleares motivado pela


curiosidade e seu espírito empreendedor. Isso o levou a alcançar um
desenvolvimento mais especializado e potencializado, considerando
a evolução das demais espécies de animais (LANZER et al., 2012 apud
HINCKEL, 2016, p. 53).

Já vimos que não existe empreendedorismo sem inovação, afinal, a


propensão para inovar é uma característica de comportamento muito
forte nos sujeitos que empreendem.

As tecnologias, por sua vez, são inovações criadas pelos seres hu-
manos com o intuito de facilitar suas vidas em sociedade. É importante
reconhecermos que o avanço tecnológico e científico transforma de
maneira muito rápida a forma como os sujeitos devem atuar.

Educação, inovação, tecnologia e sociedade 37


Ao entender a importância disso, buscando se adequar ao movimen-
to de transformação provocada pelas tecnologias, a própria sociedade
passa a criar leis e a disponibilizar fontes de fomento, que incentivam a
inovação e o desenvolvimento de tecnologias. A seguir, apresentamos
algumas dessas iniciativas.

Quadro 1
Ações de fomento à ciência, inovação e tecnologia

Ação Ano Observações


Trata do desenvolvimento de programas de implantação dos parques de
tecnologia. Atualmente, o Brasil tem sete polos de tecnologia distribuídos
Resolução Executi- pelo seu território. Um parque tecnológico é formado por indústrias, uni-
1984
va 84/CNPQ versidades e poder público. Essa tríade deve trabalhar colaborativamente
na criação de um ambiente inovador e tecnológico, no intuito de melhorar
a vida em sociedade (HENRIE, 2020).
Presta suporte e apoio às incubadoras, aos parques, aos polos tecnológi-
cos e a outras entidades promotoras de empreendimentos inovadores. A
Criação da
1987 Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores
Anprotec
(Anprotec) promove “atividades de capacitação, articulação de políticas pú-
blicas, geração e disseminação de conhecimentos” (ANPROTEC, 2021, p. 1).
Lei de Inovação Tecnológica, criada em 2004 e alterada em 2016. Tem
Lei n. 10.973 e 2004/
como objetivo promover o estímulo ao desenvolvimento científico, à pes-
Lei n. 13.243 2016
quisa, à capacitação científica e tecnológica e à inovação (BRASIL, 2004).
Institui o Ensino Médio Inovador, um programa do Ministério da Educação
Portaria n. 971 2009 (MEC) que tem como objetivo realinhar o currículo das escolas de ensino
médio, de modo mais flexível e alinhado às demandas atuais.
Programa criado com o objetivo de promover a consolidação, expansão e
internacionalização da ciência, da tecnologia, da inovação e da competitivi-
Ciência sem
2011 dade brasileira. Foi uma ação conjunta entre Ministério da Ciência, Tecnolo-
Fronteiras
gia e Inovação (MICTI) e Ministério da Educação, por meio da CAPES, CNPq,
Secretarias de ensino superior e ensino técnico do MEC (O QUE..., 2021).
O Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec)
foi criado para ampliar a oferta de cursos de educação profissional e tec-
Pronatec e
2011/ nológica e facilitar o acesso ao emprego. Em 2013, foi inserido ao Pronatec
Pronatec Empreen-
2013 – por meio de uma parceria com o Sebrae – o Pronatec Empreendedor, que
dedor
prevê a inserção dos conteúdos relacionados ao empreendedorismo nos
cursos já ofertados pelo Pronatec (PRONATEC, 2018).
Atende às modificações realizadas na LDB n. 11.741/2008 no que tange à
Pronatec e educação profissional, científica e tecnológica, propondo a oferta de vagas
2016
Mediotec de cursos técnicos de modo concomitante com a rede de educação e o
setor produtivo (MEDIOTEC, 2019).
Fonte: Elaborado pela autora.

O Quadro 1 apresenta as principais ações realizadas nas últimas dé-


cadas quanto ao fomento de iniciativas relacionadas à ciência, inovação
e tecnologia. Como vimos na seção anterior, o sujeito e a sociedade
estão conectados.

38 Empreendedorismo na Educação
Em uma mesma medida de conexão, a inovação, as tecnologias e a Filme
educação – presentes na sociedade – são direcionadas pelas pessoas,
O filme Os estagiários
mas também são fontes de constituição da sociedade e dos sujeitos. narra a história de dois
vendedores que tiveram
Isso é demonstrado no Quadro 1, considerando o alinhamento de cada
suas carreiras bombar-
um dos marcos expressos com o fomento de ações educacionais e de deadas pelo mundo
digital e precisaram se
capacitação dos sujeitos.
reinventar. Para isso, eles
se tornaram estagiários
Ao sabermos que a cultura influencia a forma de pensar, de ser e
da empresa Google,
agir em sociedade e que a escola é o espaço de socialização dos conhe- tendo que competir com
jovens gênios da tecnolo-
cimentos historicamente construídos pela humanidade, podemos infe-
gia. É uma comédia que
rir que, dependendo das relações e práticas estabelecidas na escola e explora os impactos da
tecnologia e da inovação
nos espaços educacionais, podemos ser mais ou menos estimulados a
na vida das pessoas, em
nos tornar propensos à inovação e, consequentemente, ao desenvolvi- especial daquelas que
nasceram em um período
mento de tecnologias.
anterior à explosão das
tecnologias digitais.
Vamos refletir: toda pessoa tem potencial de inovação? O que é ne-
cessário para que os sujeitos inovem? A seção a seguir nos ajuda a res- Direção: Shawn Levy. EUA: Regency
Enterprises, 2013.
ponder a essas perguntas.

2.3 Criatividade e inovação


Finalizamos a Seção 2.2 com o desafio de refletir sobre dois
Vídeo
questionamentos:

1. Toda pessoa tem potencial de inovação?

Sim Não

2. O que é necessário para que os sujeitos inovem? Registre suas


respostas em um caderno.

A primeira questão fala de potencial, propensão à inovação, e a res-


posta correta é que sim, todos os seres humanos em maior ou menor
grau apresentam propensão para inovar. A resposta para a segunda
questão será trabalhada mais à frente, ainda nesta seção.

Se você analisar o seu dia a dia, verá que inúmeras vezes precisa-
mos criar soluções para problemáticas em nossa vida, nos nossos rela-
cionamentos, no trabalho, em casa etc.

Educação, inovação, tecnologia e sociedade 39


A pandemia global de Covid-19 fez com que muitas pessoas per-
Vídeo
dessem os seus empregos e tivessem que encontrar outras formas de
A reportagem Reinvenção
na pandemia: comida tem adquirir renda para sobreviver.
sido a saída para muitas
pessoas passarem pela Considerando a realidade desses sujeitos, podemos perceber que
crise, publicada no canal
todos tinham um padrão específico e já estavam, muitas vezes, em
Balanço Geral Curitiba,
apresenta alguns exem- uma zona de conforto quanto à profissão ou ao emprego. Com a che-
plos de pessoas com
dificuldades durante o
gada das dificuldades e como forma de sobrevivência do negócio ou da
período da pandemia de renda familiar, eles se viram obrigados a criar esquemas mentais para
Covid-19 e que tiveram
que inovar e se reinventar solucionar as problemáticas que estavam vivendo.
para garantir renda em
um período de crise No campo educacional, isso não foi diferente. As escolas também
financeira. tiveram que se adaptar ao modelo de atividades remotas, enquanto
Disponível em: http://youtu. ainda lutavam com as resistências ao uso das tecnologias no ambiente
be/cGEMoJg7Zuk. Acesso em:
25 maio 2021. educacional.

O “novo normal” acendeu nas pessoas a necessidade de se reinven-


tar, de descobrir novas formas de ser, agir e pensar o mundo. No en-
tanto muitas optaram por esperar as coisas voltarem a ser como antes.
Entretanto, como diz Lulu Santos em sua famosa canção intitulada
Como uma Onda: “Nada do que foi será / De novo do jeito que já foi um
dia”; desse modo, é fato que algumas pessoas sofrem um pouco mais
para aceitar a nova realidade.

Os sujeitos com espírito mais proativo e com maior


s tock
hu
t te r resiliência tiveram maior facilidade de enxergar “fora
/S
ga
ve da caixa”, de serem criativos e criar soluções para
a
lir

tentar minimizar os problemas que estavam en-


frentando por conta da pandemia. E eis que
a palavrinha mágica para inovação aparece:
criatividade.

Você ainda se lembra da nossa se-


gunda pergunta? Então, para inovar é
preciso, antes de tudo, ser criativo. Afi-
nal, não existe inovação sem criatividade!
Esta não é apenas questão de técnica ou
habilidade, que uns têm e outros não. Ela
é uma atitude mental acionada quando
nos deparamos com problemas, questio-
namentos ou ideais (VENTURI, 2010).

40 Empreendedorismo na Educação
Cabe, agora, uma nova pergunta: todos somos criativos? Indepen-
dentemente da sua resposta, peça ajuda a duas pessoas. Uma delas
lerá o texto apresentado no balão de pensamento; e a outra, com você,
ficará de olhos fechados durante toda a leitura. Combinado? Não vale
abrir os olhos antes de a pessoa que estiver lendo lus/Sh
utterstock
torp
vec
pedir, OK? Se você for muito ansioso e não conse-
guir ficar sem abrir os olhos, coloque uma ven-
Texto para a realização da atividade
da ou até mesmo as duas mãos sobre eles.
Imagine uma escada com dez degraus. Suba lentamente
Vamos começar! cada um deles, observando a escada e seus detalhes. Ao
Finalizada essa etapa, reflita so- chegar ao último degrau, você avistará um espaço. Analise
esse ambiente, olhe o que tem nele. No seu lado esquerdo, há
bre como era a escada que você
uma árvore, observe-a. Ao lado do seu pé direito, há um par
subiu, qual a cor, o material e o de óculos. Você vai pegá-lo e colocá-lo no seu rosto. Agora,
formato dela. Ao chegar ao topo da com os óculos, observe tudo à sua volta, perceba se alguma
escada, qual ambiente você visua- coisa mudou. Na sequência, retire os óculos e comece o
caminho de volta, degrau por degrau... Dez, nove, oito, sete,
lizou? Como era a árvore? Ao colar
seis, cinco, quatro, três, dois, um. Pode abrir os olhos.
os óculos, algo mudou? Qual a cor e o
formato dos óculos?

Faça essas mesmas perguntas para a pessoa que ficou


de olhos fechados com você e para a pessoa que leu o texto. Por
mais que em algum momento as respostas sejam parecidas, elas nun-
ca serão iguais. Há uma propensão muito grande de elas serem, in-
clusive, totalmente diferentes. Para construir essas imagens mentais
é preciso muita imaginação e criatividade. Ou seja, respondendo ao
questionamento: sim, todos somos criativos!

Você pode estar exclamando: eu não sou criativo, tenho muita difi-
culdade para ter ideias! Veja que ter poucas ideias ou dificuldades para
“sair da caixa” e encontrar soluções para determinadas problemáticas
não faz de nós pessoas sem criatividade, apenas demonstra o quanto
fomos moldados pelos esquemas socialmente pré-construídos. Vamos
a um exemplo: quando pedimos para que você pensasse na árvore, que
tipo de árvore você imaginou? Aquela com formato de nuvem e maçãs
vermelhas, comum dos desenhos infantis? Se sim, é sinal de que o seu
processo de padronização foi potente no contexto escolar e/ou familiar.

Pessoas que mentalizam árvores coloridas e com formatos diferen-


tes demonstram ter um potencial de criatividade mais desenvolvido.
“Muitas vezes, as barreiras que impomos a nós mesmos geradas pe-
las pressões da sociedade, da cultura ou do grupo que pertencemos,

Educação, inovação, tecnologia e sociedade 41


afetam nosso poder criativo. Elas nos levam a rejeitar o modo de pen-
sar de pessoas e grupos diferentes” (VENTURI, 2010, p. 154). Ou seja, a
ideia de não ser criativo é algo que criamos ou somos levados a pensar,
dependendo do ambiente onde estamos inseridos. É mais fácil dizer-
mos que não somos criativos e permanecermos na zona de conforto,
do que “arregaçar as mangas” e buscar soluções para os problemas.

Sim, ao contrário do que muitos pensam, a criatividade pode ser de-


senvolvida e ninguém é 100% criativo o tempo todo. A combinação de
vários fatores pode tornar o indivíduo mais ou menos criativo, fazendo
com que tenha momentos de maior ou menor criatividade. De acordo
com Bessant e Tidd (2009, p. 63):
a produção criativa não surge ou deixa de surgir simplesmente
como consequência daquilo que está presente (ou ausente) no
indivíduo, ela é influenciada pelo tempo, por outras pessoas, lu-
gares, cenários, conhecimentos de áreas específicas e estratégias
que as pessoas podem utilizar individualmente ou em grupos.

Assim, é importante percebermos que a criatividade pode ser de-


senvolvida e que não é algo estático, ou seja, a sua “presença” depende
de condicionantes externos para ser potencializada.

De acordo com Hinckel (2016), algumas pesquisas direcionam que a


criatividade pode tanto ser amplificada quanto retomada, no caso das
pessoas que reduziram essa habilidade com o passar dos anos. Venturi
(2010) define algumas estratégias para o desenvolvimento do potencial
criativo: brainstorm, questionamento de hipóteses, listagem de atribu-
tos, mapa mental, quadro com diferentes pontos de vista etc.

Hinckel (2016, p. 40) afirma que “a origem familiar e étnica, o perfil


psicológico, a educação formal e a experiência profissional precoce po-
dem favorecer e ampliar o potencial criativo do sujeito”. Dessa forma,
indivíduos que são criados em um ambiente que estimula a crença de
que as ações produzem resultados e geram impacto na sociedade es-
tão mais propensos a serem criativos e a inovarem.

Qual a diferença entre criatividade e inovação?

A criatividade está relacionada ao potencial de imaginação e ao


mundo das ideias. É possível até mesmo criar coisas por meio da criati-
vidade, porém elas não necessariamente geram um impacto social ou
mudam a forma de as pessoas viverem e se relacionarem. A inovação
necessariamente precisa da criatividade, no entanto a ideia/criação só

42 Empreendedorismo na Educação
se transforma em inovação quando atende a uma necessidade de um
grupo significativo de pessoas, que por meio dessa inovação mudam Filme
suas formas de ser e de se relacionar com o mundo. A dica para esta seção de
estudos é desafiadora e
Há algo importante a ser destacado aqui: tudo aquilo que nos cerca instigante. Vamos conec-
hoje – da roupa que vestimos ao livro que estamos lendo, dos apare- tar nossos conhecimen-
com as problemáticas
lhos analógicos aos digitais que temos em casa – tudo, absolutamen- presentes no filme O
te tudo o que foi criado pelo ser humano e que faz parte do nosso sorriso de Monalisa? Esse
é um romance que re-
dia a dia é considerado uma inovação. Foram criações que tiveram a trata o conservadorismo
aceitação das pessoas e passaram a ocupar suas vidas, facilitando-as e na década de 1950 e a
vida das mulheres desse
modificando-as. Podemos citar como exemplos: copo, fogão, medica- período. Aborda também
mentos, relógio, telefone celular, papel, caneta, aparelhos eletrônicos, os aspectos relaciona-
dos à maneira como
tijolo, pasta de dente etc. pensamos, propondo o
desenvolvimento da habi-
A inovação se relaciona diretamente com o potencial criativo do lidade de enxergar além
sujeito em criar soluções para problemas emergentes, implementan- do que a realidade nos
mostra. Fala, ainda, sobre
do antigos ou atuais mecanismos em situações diferenciadas (de dife- criatividade e nos ajuda
rentes formas, em diferentes contextos, com objetivos diversos), para a refletir sobre o quanto
as nossas escolhas são
atingir objetivos preestabelecidos. Ou seja, pensar fora do padrão, en- realmente nossas ou de-
contrando caminhos e soluções compatíveis com as necessidades de terminadas pelo contexto
em que vivemos.
cada grupo, minimizando e/ou superando os desafios pedagógicos e
Direção: Mike Newell. EUA: Colum-
sociais em prol do desenvolvimento da sociedade e do empoderamen- bia Pictures, 2003.
to dos sujeitos (HINCKEL, 2016, p. 51).

2.4 Empreendedor: o sujeito que inova


A criatividade e o pensamento intuitivo constituem-se como
Vídeo
fontes para a inovação, que é a essência do empreendedorismo
(DOLABELA, 2009). Nesse sentido, a propensão para inovar é uma ca-
racterística do sujeito que empreende: o empreendedor.

Nesta seção, vamos analisar um pouco da trajetória de alguns em-


preendedores, para que, com base nessas histórias, você possa perce-
ber o quanto o meio onde estiveram inseridos e as pessoas com quem
tiveram contato foram fundamentais para que eles pudessem criar,
inovar e empreender.

Vamos lá!

Educação, inovação, tecnologia e sociedade 43


Alexandre Costa – fundador da Cacau Show

Alexandre Tadeu Costa é paulista e nasceu em 1971. Sua mãe era ven-
dedora de catálogos em domicílio e, desde criança, ele a acompanhava
nas vendas. Essa experiência fez com que ele entendesse algumas ques-
tões relacionadas ao mundo dos negócios. Durante um período, sua mãe
também entrou no mercado de chocolates, mas devido à dificuldade do
fabricante de atender à sua demanda de vendas, ela acabou encerrando
suas atividades em 1985.
Em 1988, com 17 anos, Alexandre queria ganhar seu próprio dinheiro e
resolveu então revender chocolates. Era período de Páscoa e ele levantou
uma encomenda de 2 mil ovos de 50g. Ao levar o pedido para a fábrica, foi
Vídeo surpreendido com a notícia de que não era possível produzir ovos de 50g.
Para não decepcionar seus clientes e honrar seu compromisso, Alexandre
Se você é mais visual,
talvez esteja mais resolveu fazer os chocolates por conta própria. Comprou matéria-prima e
interessado em ver a his- contou com a ajuda de uma senhora, que já fazia chocolates e ficou sen-
tória do Alexandre Costa sibilizada com o seu problema. Após três dias de muito trabalho, o pedido
contada por ele mesmo. foi entregue. O lucro obtido foi reinvestido no negócio, que no começo era
Assista à Entrevista com
gerenciado de uma sala, na empresa do pai dele.
Alexandre Costa, publicada
no canal The noite com A primeira loja foi aberta em 2001 e seu negócio cresceu rapidamente,
Danilo Gentili. contando com mais de duas mil lojas espalhadas por todo o Brasil e sete
Disponível em: http://youtu. fábricas. O chocolate brasileiro da Cacau Show ganhou diversos prêmios e
be/t_gzm6i34Ls . Acesso em: 25 se tornou reconhecido internacionalmente.
maio 2021.
Fonte: Adaptado de A Trajetória..., 2017.

Silvio Santos – comunicador e empresário

Silvio Santos, cujo verdadeiro nome é Senor Abravanel, é filho de imigrantes


judeus. Nasceu em 1930, e desde muito cedo começou a trabalhar como
camelô, quando aprendeu a fazer negócios e a utilizar sua voz como instru-
mento de comunicação. Nesse período, frequentava os programas de au-
ditório da Rádio Nacional, que anos mais tarde lhe daria uma oportunidade
Vídeo
para se tornar apresentador. Formou-se técnico em Contabilidade, serviu o
Na internet, há muitos exército e para aumentar sua renda, nesse período, passou a vender obje-
vídeos que contam a
tos variados em repartições e escritórios.
história de Silvio Santos.
Escolhemos um que Foram muitos os empreendimentos criados e gerenciados por ele, como
apresenta um resumo de uma revista de corretagem, sistemas de vendas por alto-falante (no período
sua ampla trajetória de
em que foi para Niterói para trabalhar na rádio Tupi), organizou caravanas,
desafios, criação de opor-
tunidades, criatividade,
foi apresentador em circos, reinventou o Baú da Felicidade, criou uma cons-
alegria e inovação! trutora, financeira, concessionária e seu próprio sistema de televisão etc.
Ainda hoje, Silvio Santos é considerado o maior comunicador da televisão
Disponível em: http://youtu.
brasileira.
be/6waii5iT-uU . Acesso em: 23
abr. 2021. Fonte: Adaptado de Frazão, 2019.

44 Empreendedorismo na Educação
Luiza Trajano – presidente da Magazine Luiza

Luiza Helena Trajano está entre as poucas mulheres em posição de coman-


do do varejo no Brasil. Ela é considerada uma das empreendedoras que
causa mais impacto no Brasil e está entre as três mulheres mais poderosas
do nosso país, segundo a Revista Forbes.
Luiza nasceu e foi criada em Franca, no interior do estado de São Paulo. A
convivência com a família foi fundamental para que as habilidades que usa
hoje diante dos negócios fossem desenvolvidas. Era filha e sobrinha única. Vídeo
Suas habilidades e comportamentos empreendedores foram herdados da
Para saber um pouco
própria família, em especial da tia. Somando tudo isso às suas habilidades
mais sobre a história da
pessoais, transformou a loja dos tios na maior loja de varejo do Brasil. empreendedora Luiza
Começou a trabalhar muito cedo, já com 12 anos, apenas no período do Trajano, assista ao vídeo
Day1: Luiza Helena Trajano:
Natal. Com 18, passou a trabalhar de maneira mais efetiva na loja. Formou-
a generosidade transforma
se em Direito e Administração de Empresas e ocupou cargos em todos os negócios, publicado no
setores da empresa. canal Endeavor Brasil, em
que ela conta sua própria
Em 1991, Luiza recebeu de sua tia o comando da empresa e, em 2008, ela
história de modo bastante
se tornou presidente da rede. Atualmente, seu filho é CEO da empresa e descontraído.
representa a terceira geração de herdeiros no comando.
Disponível em: http://youtu.be/
Fonte: Adaptado de Endeavor Brasil, 2014. bew5KzrV-7w. Acesso em: 25
maio 2021.

Poderíamos apresentar a história de inúmeras pessoas que utiliza-


ram da criatividade para inovar e empreender em suas vidas. O mais
interessante é que, se olharmos a trajetória de cada uma delas, pode-
mos perceber o quanto o meio e as pessoas foram fundamentais para
que eles superassem seus desafios e obtivessem sucesso.

Vale lembrarmos que o brasileiro é conhecido mundialmente por


sua alegria, carisma e criatividade. Ou seja, temos um grande potencial
para inovar e empreender. Ao mesmo tempo, vários estudiosos apon-
tam que a dificuldade em empreender por aqui está bastante relaciona-
da aos estímulos nos processos de formação e capacitação dos sujeitos.

Como estamos falando de formação e capacitação, que tal ativarmos


novamente nossa visão “além do alcance” e entendermos de que forma
a inovação está, ou não, presente no sistema educacional brasileiro?

Educação, inovação, tecnologia e sociedade 45


2.5 A inovação no sistema educacional brasileiro
As grandes transformações sociais foram marcadas por invenções e
Vídeo
inovações tecnológicas que facilitaram a vida do ser humano. Segundo
Castells (1999, p. 22), “as redes interativas de computadores crescem
exponencialmente, criando novas formas e canais de comunicação,
moldando a vida e, ao mesmo tempo, sendo moldadas por ela.” Nos
últimos tempos, mais especificamente com a chegada da internet e a
facilidade de acesso à world wide web (www) – que em português signi-
fica rede de alcance mundial –, a interação e a conexão entre os sujeitos
e as informações foram potencializadas.

Será que todos estão preparados para fazer parte dessa socieda-
de tecnológica? Essa é uma pergunta complexa para ser respondida
de maneira específica, sem generalizar. Existe, no entanto, um discur-
so muito forte de que a escola não acompanha os avanços sociais e
tecnológicos.

Observe o quadro a seguir.

Quadro 2
Comparativo entre o século XIX e o século XXI
Domínio público/Wikimediacommons

tratong/Shutterstock
Avião
Domínio público/Wikimediacommons

Gorodenkoff/Shutterstock

Sala de
cirurgia
Rmhermen

Vladimir Kramin/Shutterstock

Carro

(Continua)

46 Empreendedorismo na Educação
Documentário

Michael Coghlan/Wikimedia commons

Ivana Perosevic/Shutterstock
O documentário Quando
sinto que já sei, publi-
Sala de cado no canal Vekante
aula Educação e Cultura,
aborda as práticas
inovadoras em educação
que acontecem no Brasil
e que fogem do modelo
convencional presente
Como é possível percebermos, por mais que a escola tenha tentado no sistema educacional
brasileiro. Trata-se de um
se adaptar às constantes modificações sociais nos últimos tempos, ela
compilado de depoimen-
ainda está muito distante das mudanças e inovações ocorridas em ou- tos, com todos os atores
da escola: pais, alunos,
tros espaços sociais. No documentário Quando sinto que já sei, José Pa-
educadores e profissio-
checo explica essa questão, dizendo que a escola até mudou em alguns nais de diferentes áreas.
Questiona a escola
pontos, mas o problema maior está no fato de ela ter deixado de fazer
convencional quanto aos
sentido, considerando o mundo em que vivemos atualmente. valores essenciais para a
formação humana e que
O perfil dos sujeitos é um ponto importante a ser analisado quando estão sendo deixados
de lado na educação
falamos de alinhamento educacional. Se sociedade e sujeito se cons-
tradicional. Vale muito a
tituem mutuamente e a sociedade vem mudando em uma velocidade pena assistir!
nunca vista, é natural que os jovens de hoje tenham um perfil diferente Disponível em: http://youtu.
das outras gerações e que aprendam a se relacionar com o conheci- be/HX6P6P3x1Qg. Acesso em:
25 maio 2021.
mento de maneira díspar em relação a de seus pais e avós.

Sabendo que a escola é o espaço onde as crianças estarão presen- Para refletir
tes por algum tempo de suas vidas, e tendo o entendimento de que As características que a
somos o resultado dos estímulos que recebemos, do contexto no qual sociedade busca nos su-
jeitos são muito próximas
estamos inseridos e das relações que estabelecemos, é importante re- às do comportamento
fletir de que forma os sujeitos que saem da escola serão capazes de empreendedor, isto é,
de pessoas criativas,
atender às demandas sociais relacionadas ao perfil dos sujeitos. Afi- inovadoras, comunicati-
nal, tradicionalmente, a educação tem se mantido como um espaço vas, colaborativas, com
espírito de liderança, que
de preservação cultural, mais do que de transformação, que oportuni- saibam gerenciar seu
zaria às pessoas a capacidade de viver, atuar e modificar a sociedade tempo e colocar suas
ideias em prática.
conscientemente.
Nós nascemos com
muitas dessas habilida-
A maior parte das universidades e dos cursos na área de licencia-
des, mas com o tempo
tura ainda assumem, muitas vezes, um modelo educacional curricular vamos sendo “podados”
pelos padrões do sistema
fragmentado e com uma perspectiva muito forte de transmissão de co-
educacional, a ponto de,
nhecimento, o que acaba refletindo nas práticas desenvolvidas nas es- às vezes, esquecermos
quem somos, o que
colas, nos diferentes níveis de ensino. De certa forma, isso se torna um
queremos e o nosso
problema, pois cria um descompasso na formação dos sujeitos, que potencial para sonhar e
fazer acontecer!
passam a não atender de modo suficiente às necessidades sociais con-

Educação, inovação, tecnologia e sociedade 47


temporâneas. Quando isso acontece, mesmo sem perceber, a escola
lentamente começa a perder a sua essência.

São poucas as instituições de ensino superior nas áreas de licencia-


tura que abordam em seus currículos temas como inovação, tecnologia
e empreendedorismo, ou que desenvolvem práticas de problematiza-
ção e buscam amplificar o potencial de visão de seus estudantes, para
que estes saibam agir como seres sociais críticos e conscientes do seu
papel de transformação na sociedade e no exercício de suas funções.

Tendemos a reproduzir em nossas práticas as experiências a que


tivemos acesso. Assim, quando esses licenciados estiverem formados,
é natural que busquem em seus esquemas mentais padrões para co-
meçar a desenvolver suas práticas. Na maior parte das vezes, os do-
centes serão sua fonte de inspiração. Por isso, a importância de uma
reforma no sistema educacional, na estrutura da formação docente,
para que, de fato, as práticas possam ser mais alinhadas aos discursos
de mudança, mais significativas e intencionais sob o ponto de vista do
desenvolvimento de competências para a vida.

Um sistema disciplinar que fundamente suas práticas na transmissão de co-


nhecimento promove o desenvolvimento de um perfil muito mais passivo do
que ativo – totalmente o contrário daquilo que a sociedade almeja e precisa.
Observe a contradição: a sociedade quer um aluno crítico, mas não permite que
ele questione, por exemplo, o papel e as práticas da escola. A sociedade quer
pessoas criativas, mas quando o estudante assume um pensamento diferente
no ambiente escolar, tem suas ideias, muitas vezes, invalidadas e desestimula-
das por discursos desencorajadores, como “vai dar muito trabalho”; “você não
tem conhecimento suficiente para isso”; “você não vai conseguir”; “basta fazer
exatamente o que eu pedi” etc.
Se aprendemos com as pessoas que estão ao nosso redor e se as práticas
são mais potentes que os discursos, é necessário que os professores desafiem
seus estudantes a refletir sobre as suas ações e seu impacto no âmbito indivi-
dual e coletivo.
Professores criativos, inovadores, comunicativos e que exploram o potencial
dos seus alunos têm uma propensão maior a desenvolver sujeitos com maior
autonomia e participação social.

Todavia, como já mencionamos, é importante não generalizar. Exis-


tem iniciativas muito boas no nosso país. Ainda assim, considerando as
competências para a vida, por mais que as escolas venham se esforçan-

48 Empreendedorismo na Educação
do para realizar mudanças em sua estrutura – ao adquirir novos meios
e tecnologias, que sejam mais atrativas aos estudantes –, podemos dizer
que as ações têm acontecido de maneira muito lenta e tímida.

Os quatro pilares da educação – saber ser, saber conhecer, saber fa-


zer e saber conviver – sinalizam a formação necessária para o século XXI
(DELORS, 2000). Em 2001, a eles foi agregado o quinto pilar (aprender a
empreender), com o objetivo de promover maior qualidade na educação.

Podemos perceber que a mudança precisa acontecer na estrutura;


na concepção do currículo; na definição intencional dos objetivos e das
competências; na construção democrática e participativa do planeja-
mento; na estrutura da prática pedagógica; e, mais do que isso, a escola
precisa ser um espaço que faça sentido e que seja prazeroso, tanto
para as crianças quanto para os jovens.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como foi até aqui? Esperamos que você tenha conseguido acessar seu
“olho de Thundera” na compreensão deste capítulo, na busca por uma
visão mais amplificada sobre as conexões entre educação, inovação, tec-
nologia e sociedade.
A sinergia entre essas esferas é necessária e emergente, uma vez que
promove o desenvolvimento de sujeitos, que retroagem nesse contexto
por meio de suas práticas.
A existência de práticas inovadoras e do desenvolvimento de tecnolo-
gias resulta do comportamento dos sujeitos. Estes, por sua vez, são o re-
sultado dos estímulos recebidos por meio de suas relações sociais ou com
base nas experiências e práticas vivenciadas nos ambientes educacionais.
Por esse motivo, considerando que muitos estudantes, nas institui-
ções de ensino, compartilham dos modelos sociais e de mediação aplica-
dos pelos professores, justifica-se a necessidade de tecer um olhar sobre
o sistema educacional e a formação dos professores, no que tange ao
desenvolvimento de uma cultura empreendedora de modo intencional e
transversal.
Entender a existência dessas relações e refletir sobre elas é o primeiro
passo para iniciarmos essa mudança, que pode ser fomentada por meio
da formação dos sujeitos nos ambientes educacionais.

Educação, inovação, tecnologia e sociedade 49


ATIVIDADES
Vídeo 1. A música Como uma onda, cantada por Lulu Santos, fala sobre os
movimentos do mar como uma metáfora aos movimentos da vida.
Podemos observar isso no trecho a seguir: “Nada do que foi será / De
novo do jeito que já foi um dia / Tudo passa, tudo sempre passará / A vida
vem em ondas como um mar / Num indo e vindo infinito” (COMO..., 1983).
Todos os dias somos diferentes e, como uma onda no mar, somos
moldados por fatores externos.
Nesse sentido, apresente os fatores que influenciam a constituição
dos sujeitos na sociedade.

2. Você conhece a história de William Kamkwamba? Ela foi a fonte de


inspiração para o livro e o filme de título O menino que descobriu o
vento. Vale a pena conhecer a história de Kamkwamba, que buscou
uma solução para os problemas da sua vila em Malauí, no sudeste da
África. Com apenas 14 anos de idade, motivado pelo seu maior sonho,
que era o de estudar, e pelo desejo de resolver o problema da seca e da
fome, Kamkwamba estudou um livro de física e começou a desenvolver
hipóteses para criar um moinho de vento. Mesmo com a precariedade
material, ele buscou objetos alternativos e conseguiu convencer outras
pessoas a ajudá-lo. Apesar de muitas pessoas duvidarem, ele não
desistiu e livrou a sua família da fome e da seca, que afligiram a região
em 2000 (ITO, 2020). Considerando essas informações e os estudos
deste capítulo, identifique o momento no qual criatividade e inovação
se encontraram e o que foi preciso para que isso acontecesse.

3. “O mundo mudou, e mudou porque as relações sociais, organizacionais,


pessoais, familiares, econômicas, educacionais e tecnológicas
mudaram. Estamos vivendo na Sociedade do conhecimento onde
há a exigência de um indivíduo crítico, criativo, reflexivo, íntegro e
autônomo” (ALVES, 2020). Se esse é o perfil que a sociedade almeja,
o que pode ser feito para alinharmos os sujeitos às demandas da
sociedade?

REFERÊNCIAS
ALVES, C. L. F. A escola hoje não pode mais ser a escola de ontem – nem a escola de
educação profissional! Fundação Roge, 2020. Disponível em: https://www.fundacaoroge.
org.br/blog/a-escola-de-hoje-nao-pode-ser-mais-a-escola-de-ontem-nem-a-escola-
tecnica. Acesso em: 25 maio 2021.
ANPROTEC. Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos
Inovadores, 2021. Página inicial. Disponível em: https://anprotec.org.br/site/. Acesso em:
25 maio 2021.

50 Empreendedorismo na Educação
A TRAJETÓRIA de Alexandre Costa, fundador da Cacau Show. Sua Franquia.com: o portal dos bons
negócios, 2017. Disponível em: https://www.suafranquia.com/noticias/alimentacao/2017/08/
a-trajetoria-de-alexandre-costa-fundador-da-cacau-show/. Acesso em: 25 maio 2021.
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Brasília, DF, 12 jan. 2016. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
2018/2016/lei/l13243.htm. Acesso em: 25 maio 2021.
BRASIL. Ministério da Educação. Portaria n. 971, de 9 de outubro de 2009. Diário Oficial da União,
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PRONATEC. Portal do MEC, 2018. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/pronatec. Acesso
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O QUE é? Ciência sem fronteiras, 2021. Disponível em: http://cienciasemfronteiras.gov.br/
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DELORS, J. Educação: um tesouro a descobrir. Brasília, DF: MEC/UNESCO, 2000.
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VYGOTSKY, L. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

Educação, inovação, tecnologia e sociedade 51


3
As competências e o
empreendedorismo
na educação
Em algum momento de sua vida você já deve ter ouvido a palavra com-
petência. Pois bem, a partir de agora vamos explorar o conceito de compe-
tência; sua presença no mundo da educação; e seus impactos no mundo
do trabalho e do empreendedorismo.
Esse conceito está muito além do mundo empresarial ou do trabalho.
A competência é a essência da ação humana, seja ela individual ou co-
letiva e, por esse motivo, está presente em todas as dimensões sociais.
Nesse sentido, buscaremos compreender as discussões sobre a compe-
tência na educação com base na perspectiva abordada pelo relatório da
Comissão Internacional sobre a Educação para o Século XXI, elaborado
para a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura (Unesco), que define os pilares da educação.
O entendimento dos pilares da educação, na constituição do conceito
das competências, também serve de alicerce para compreender o perfil de
sujeitos que a sociedade espera e de que modo uma educação pautada em
comportamentos empreendedores pode potencializar o desenvolvimento
dos sujeitos e da sociedade.
Atualmente existem algumas vertentes que abordam o empreendedo-
rismo conectado à educação. Neste capítulo, ajudaremos a reconhecer e
a diferenciar as principais correntes existentes no Brasil – empreendedo-
rismo educacional e educação empreendedora –, bem como apresenta-
remos algumas iniciativas e práticas já desenvolvidas.
Por fim, convidamos você a reconhecer o professor como empreen-
dedor educacional, quais são as características dele, como desenvolve a
competência no desenvolvimento de competências e qual seu potencial
de atuação no mundo da educação, do trabalho e dos negócios.
Ficou curioso(a)? Então, vamos adiante!

52 Empreendedorismo na Educação
Objetivos de aprendizagem

Com o estudo deste capítulo, você será capaz de:


• reconhecer os pilares da educação como a base para o desen-
volvimento das competências;
• identificar as aproximações e distanciamentos da Educação
Empreendedora e do Empreendedorismo Educacional;
• compreender a importância do contexto e dos agentes de me-
diação para o desenvolvimento das competências.

3.1 Os pilares da educação


Vídeo Os pilares da educação foram idealizados em 1990, durante a Con-
ferência de Jomtien, e apresentados em 1996, no relatório desenvolvi-
do por Jacques Delors junto à Comissão Internacional sobre a Educação
para o século XXI.

Apesar do tempo decorrido entre a Conferência, a produção do


relatório e a publicação dele no Brasil – no final da década de 1990
– podemos dizer que o material produzido é extremamente contempo-
râneo e retrata de fato os desafios ainda vivenciados para se (con)viver
na sociedade da informação e do conhecimento.

Já naquele período, Delors (2000, p. 11) apontava para a necessidade


de repensar a educação, em especial, o papel do professor como “agen-
te de mudanças, formador do caráter e do espírito das novas gerações”,
com o objetivo de promover uma maior equidade entre o que se espe-
ra e o que se faz para conseguir o que se busca, no intuito de possibili-
tar o que ele e a comissão chamaram de sobrevivência da humanidade.

“A pressão pela competição faz com que muitos responsáveis es-


queçam a missão de dar a cada ser humano os meios de poder realizar
todas as oportunidades” (DELORS, 2000, p. 15), impondo a necessidade
de refletir e reorientar o conceito de educação ao longo da vida e “bus-
cando conciliar a competição que estimula, a cooperação que reforça e
a solidariedade que une” (DELORS, 2000, p. 15).

As competências e o empreendedorismo na educação 53


Um possível caminho para atingir esse equilíbrio estaria na reestru-
turação do que é desenvolvido na escola, ampliando os modelos expo-
sitivos com conteúdos conceituais e abstratos para favorecer também
a percepção de talentos e de afinidades nos campos pessoais, sociais e
profissionais. Ou seja, essas dimensões precisam estar em sinergia e a
escola é o espaço de estímulo e orientação das competências
necessárias aos jovens na busca pelo conhecimento e na
participação social, consciente e ativa.

Os pilares da educação correspondem à base


para que essa perspectiva educacional possa ser
implementada.

Vamos supor que você tenha o sonho de ter uma


casa. Convencionalmente temos tendência de
imaginar a casa pronta; nosso ideal de casa,
Andy
Dean
Photo com várias características e aspectos que se
graph
y/Shu
ttersto
ck encaixam em nossas vontades. No entanto, ao ideali-
zar essa casa, nem sempre pensamos na estrutura necessá-
ria, para que ela fique dentro daquilo que esperamos, e nos desafios
que teremos que superar para ter esse sonho realizado. Planejar, bus-
car profissionais especializados e refletir são fundamentais para que
nossas expectativas possam ser alcançadas. Sem conversarmos com
um engenheiro, como sabemos a melhor forma de organizar a estru-
tura da casa? Sem dialogarmos com o pedreiro, como sabemos de que
modo o pensamento do engenheiro será operacionalizado? Sem refle-
tirmos sobre os custos e os envolvidos, como definimos as prioridades?
Sem acompanharmos a obra, como garantimos alinhamento entre o
que se planejou e o que está sendo executado? Dependendo do com-
prometimento, das habilidades, da proatividade de cada um dos en-
volvidos, temos a chance de alcançar mais ou menos êxito, custos e
aborrecimentos.

Bom, na educação não é diferente. Com base em um ideal dela e


entendendo nosso contexto social, podemos fazer uma leitura sobre o
que seria necessário para a educação do século XXI. No entendimento
da correlação entre sociedade, educação e sujeitos e das possibilida-

54 Empreendedorismo na Educação
des futuras emanadas pelos movimentos e transformações sociais, foi
possível que diversos profissionais da educação reforçassem o entendi-
mento de que precisamos cuidar do futuro da sociedade. Se tornamos
intencional o entendimento de que as crianças de hoje serão 100% dos
adultos amanhã e se queremos uma modificação social, precisamos
alinhar os processos e o modo como as práticas estão se consolidando
1
principalmente nos ambientes educativos .
1

Quando falamos de
De acordo com o relatório produzido para a Unesco, as pessoas ambientes educativos
referimo-nos ao ambiente
precisam desenvolver algumas competências e habilidades para que familiar, escolar, univer-
este “novo mundo” possa se transformar em um ambiente mais har- sitário e até mesmo aos
espaços de trabalho.
monioso e democrático. E para dar conta desse cenário, não adianta
pensarmos somente no resultado, faz-se necessário também pensar-
mos nas etapas desse processo de construção dos futuros sujeitos
sociais dentro de suas singularidades. Analogamente aos pilares que
mantêm uma casa em pé, foram desenvolvidos os pilares da educa-
ção, que darão sustentação aos objetivos e desafios relacionados à
educação no século XXI. E para que tudo isso seja possível acontecer,
reforçamos a importância do acompanhamento constante das práti-
cas, analisando e alinhando as práticas à perspectiva do que se faz e
dos resultados que se almeja.

Assim, temos que os gestores e especialistas que pensam a educa-


ção são os engenheiros que criam os projetos das casas. Os coordena-
dores seriam os mestres de obras. Os professores seriam os pedreiros,
pois operacionalizam o que foi idealizado para atingir os objetivos. E a
educação seria representada pela casa.

Você deve estar se questionando: mas quais são os pilares


da educação?

Segundo Delors (2000), o desenvolvimento humano em suas múl-


tiplas dimensões deve constituir-se por meio de processos educativos
que sejam capazes de criar elos entre as esferas pessoais, sociais e pro-
fissionais. Para atingir essa missão, é necessário que a escola e seus
agentes estejam pautados nos quatro pilares do conhecimento, apre-
sentrados na Figura 1, a seguir.

As competências e o empreendedorismo na educação 55


Figura 1
Pilares da educação

• Para adquirir novos


• Para poder agir.
conhecimentos.

APRENDER A APRENDER A
CONHECER FAZER

APRENDER APRENDER A
A SER VIVER JUNTOS

• Para participar e
• Integra as três cooperar com os
aprendizagens. outros em todas as
atividades humanas.

Fonte: Elaborada pela autora.

Cada um dos pilares existe para constituir a essência do sujeito,


tornando-o apto a e capaz de superar os desafios de se viver em sociedade.

Quadro 1
Os pilares e seus desdobramentos no contexto educacional

Pilares da educação Desdobramento


Refere-se à importância de se exercitar a memória, a reflexão, a
atenção e os pensamentos. Aprender a aprender é um processo
Aprender a conhecer ou
constante e inacabado, pois as pessoas sempre podem aprender
“aprender a aprender”
algo, articulando os saberes já desenvolvidos em outras dimensões
da vida.
Relaciona-se com todos os pilares, mas sob o ponto de vista edu-
Aprender a fazer cativo e profissional, tem conexão direta com o pilar aprender a co-
nhecer, em especial, na relação entre teoria e prática.
Considera-se um grande desafio, já que a sociedade contemporânea
é competitiva e, por vezes, muito individualista. Esse pilar fortalece as
práticas da educação, para que sejam intencionalmente organizadas,
Aprender a viver juntos no sentido de promover a consciência da necessidade de inter-rela-
ção entre os sujeitos. Isso pode ser feito por meio de projetos que
envolvem colaboração, gestão de conflitos e por meio da significação
da diversidade na evolução da sociedade.
Ocupa-se do “ser” humano. Objetiva o desenvolvimento e a reali-
zação completa dos sujeitos. Promove a intencionalidade do auto-
Aprender a ser
conhecimento, na sua relação com o outro, com o que faz e o que
conhece.
Fonte: Elaborado pela autora.

56 Empreendedorismo na Educação
Como pudemos ver, tanto na Figura 1 como no Quadro 1 existe uma
conexão profunda entre todos os pilares do conhecimento.

A educação, durante muito tempo – especialmente até o final do


século XX –, estava fortemente conectada à ideia de “transmissão de co-
nhecimento”, embora, na década de 1980, muitas correntes pedagógi-
cas estivessem se implantando no Brasil com o objetivo de ressignificar
o processo de ensino-aprendizagem, ou seja, tirar o foco do professor
e colocar o estudante como centro do processo educacional e agente
ativo de sua aprendizagem.

Nesse cenário de mundo estruturado durante a Conferência de


Jomtien e materializado pelo Relatório da Comissão Internacional, o
perfil dos sujeitos precisaria ser modificado, a escola seria a base para
essa reforma e os professores e demais agentes educacionais teriam
papel fundamental nesse processo, devendo assumir os pilares do co-
nhecimento na construção dessa nova forma de educação, consideran-
do os desafios emergentes e já visualizados naquele período.

Vale reforçarmos que os membros dessa comissão fizeram uma leitura potente
da realidade em que estavam, a ponto de conseguirem vislumbrar os desafios
que estamos vivendo hoje e suas consequências no contexto educacional.
Cabe a análise de algumas coisas que foram feitas nesses quase 30 anos,
principalmente em termos de leis e diretrizes, mas ainda temos um caminho
muito grande pela frente. Isso porque a principal dificuldade ainda está na
implementação e no acompanhamento dessas ações, ou seja, dependem do
comportamento das pessoas.

E, aqui, entramos na ideia de competência, ou melhor, no entendi-


mento da importância de se desenvolver a competência para o desen-
volvimento de competências. Parece redundante, não é?

Só parece, pois se retomarmos a perspectiva sociointeracionista de


Vygotsky e Luria (1996) – de que somos o resultado do ambiente e das
relações que estabelecemos e que as práticas dos indivíduos presentes
em nosso meio são fundamentais para o desenvolvimento de nosso
papel social –, precisamos sim de professores que tenham as compe-
tências necessárias para se viver na sociedade atual. E talvez aqui es-
teja o cerne de nosso problema: “entre a formalidade dos discursos e
a prática no mundo da educação, faz-se necessário reconhecer que a
maioria dos estudantes é fruto da modernidade líquida, defendida por

As competências e o empreendedorismo na educação 57


Bauman e muitos dos professores são o produto de uma sociedade
marcada pela solidez” (HINCKEL, 2016, p. 17).

Diante disso, cabe pensarmos também no conceito de competência.


Os pilares da educação foram, igualmente, base para o desenvolvimen-
to dos estudos sobre as competências e se desdobram em três pontos,
o famoso “CHA”.

C onhecimentos (saber)

H abilidades (saber fazer)

k
oc
r

st
u tte
Sh
titudes (saber ser/conviver) io/
St ud
ca
Afri

Atualmente o termo competência tornou-se um modismo, sendo


utilizado com muita frequência em diferentes áreas. Na educação, na
mesma linha das oposições ao empreendedorismo, a competência –
em algumas correntes teóricas problematizadoras – é concebida ape-
nas como uma expressão do sujeito que é competitivo na sociedade.

Na maioria das vezes, essa visão corresponde a uma resistência da


modificação das estruturas mentais já construídas, do medo do desco-
nhecido e das ideologias impostas no ambiente de formação dos sujeitos.

Compreendermos essas visões sobre competência é importante,


pois são discursos realizados sob diferentes pontos de vista, mas que,
se analisados com cautela, mostram pontos de conexão entre eles.
No caso da competência, temos o desenvolvimento da capacidade de
reflexão e autocrítica dos sujeitos; percepção crítica e contextual; sig-
nificação; inovação; teoria e prática etc. Ou seja, existe um discurso co-
mum que se diferencia nas práticas simplesmente pela perspectiva de
cada um dos lados da história. A expansão do pensamento nos possibi-
lita novas formas de ver o contexto.

58 Empreendedorismo na Educação
Desse modo, o conceito de competência está em processo de cons-
trução e, ao mesmo tempo, relacionado aos seguintes pontos, segundo
Rué (2009):
• à capacidade de ação por meio dos conhecimentos que já são
adquiridos ou que potencialmente serão necessários desenvol-
ver para tal ação;
• ao envolvimento do aprendiz em seu processo de aprendiza-
gem com base em suas diversas formas de conhecer, ser e agir
no mundo;
• à contextualização e à significação de conhecimentos teóricos
por meio de situações-problema reais, trazendo funcionalida-
de ao aprender;
• à autoavaliação do indivíduo com base nos objetivos estabeleci-
dos para que, no decorrer de seu processo de aprendizagem, ele
possa perceber até que ponto suas ações, seus conhecimentos e
suas atitudes estão condizentes com a competência a ser desen-
volvida para sua formação integral;
• à continuidade e ao domínio das habilidades da competência, ou
seja, a aprendizagem é um processo e, portanto, não pode ser
desenvolvida sem que os processos cognitivos sejam avançados
e superados (desde a identificação, a compreensão, a análise, a
avaliação e o posicionamento).

Tanto a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional


(LDB n. 9.394/1996) quanto as Diretrizes Curriculares Nacionais para
o ensino médio e para a educação profissional técnica de nível médio
apontam para a necessidade do desenvolvimento do educando para
o trabalho, bem como reiteram a necessidade de ressignificação dos
conteúdos tendo como base o alinhamento entre os conhecimentos,
as habilidades e as atitudes a serem desenvolvidas pelos estudantes.

Para Perrenoud (2013), a competência pode ser tanto o produto da


aprendizagem como o fundamento da ação humana. “Competência é
o poder de agir com eficácia em uma situação, mobilizando e combi-
nando, em tempo real e de modo pertinente, os recursos intelectuais
e emocionais” (PERRENOUD, 2013, p. 45). Ou seja, no contexto edu-
cacional, ela pode estar presente na prática pedagógica e também no
desenvolvimento da aprendizagem pelo estudante.

As competências e o empreendedorismo na educação 59


Mas como a competência se relaciona com o empreendedorismo?

As competências para o empreendedorismo, assim como na edu-


cação, assumem o potencial dos sujeitos de relacionar conhecimen-
tos, habilidades e atitudes, seja no âmbito pessoal, do trabalho ou
dos negócios.

Uma das principais críticas relacionadas à ideia de competência no


empreendedorismo na esfera educacional requer atenção no sentido
dos ajustes ideológicos, que permeiam os termos e causam dissonân-
cias entre aquilo que realmente se propõe ao longo deste livro sobre
empreendedorismo na educação.
1. No campo da administração fala-se do desenvolvimento das
competências nos sujeitos para atender ao mercado de trabalho.
Essa afirmação traz consigo alguns pontos criticados pelos
estudiosos da educação, em especial a questão de desenvolver
sujeitos (mão de obra) para preencher vagas nesse mercado sem
considerar o potencial deles e seus anseios. Nesse sentido, o
significado de mercado de trabalho, considerando o ponto de vista
apresentado, pode ser entendido como restrito e até mesmo
discriminatório às potencialidades e aos desejos do sujeito.
2. Na perspectiva educacional, devemos entender o
desenvolvimento de competências como algo positivo para os
sujeitos e a sociedade, uma vez que as pessoas, nesse processo,
tomam consciência de sua importância, reconhecem seus
desejos e objetivos e aprendem a lutar por seu espaço no mundo
do trabalho. Ao contrário do termo mercado de trabalho, o mundo
do trabalho abre um universo de possibilidades aos sujeitos
que, conforme vimos, pelos processos de conscientização, serão
capazes de identificar, escolher e lutar pelo que almejam.

Claramente, trabalhar o desenvolvimento de competências não


é algo tão simples. Para Rué (2009), a educação é uma forma com-
plexa de saber e que, para ser desenvolvida, precisamos direcionar
o indivíduo para vivenciar diversas situações de aprendizagem, das
mais simples às mais complexas, cognitivamente falando. Hinckel
(2016) afirma que para que isso aconteça de fato devem se criar di-
versas situações-problema pelo professor, o qual deve ser proativo,
demonstrar interesse e criatividade. E isso, do ponto de vista práti-
co, não é algo muito fácil.

60 Empreendedorismo na Educação
Lembre-se de que estabelecer esse comportamento não é tão fácil para
nós professores, pois tendemos a reproduzir os modelos aos quais tivemos
acesso. O modelo educacional dos docentes de hoje ainda é frequentemen-
te marcado pela prática de transmissão de conhecimento, mesmo quando
o discurso é de promoção de estímulos intencionais e significativos para o
desenvolvimento da aprendizagem.

Leitura
Os discursos atuais apontam para sujeitos que aproveitam ao máxi-
Para aprofundar ainda
mo suas oportunidades, dinâmicos, otimistas e apaixonados pelo que mais seus conhecimen-
to sobre a origem das
fazem, são organizados, planejam, formam equipes, assumem riscos
competências no campo
calculados e criam valor para a sociedade (DORNELAS, 2003). educacional, sugerimos a
leitura do relatório Educa-
Analisando o parágrafo anterior podemos afirmar que as caracterís- ção: um tesouro a descobrir,
desenvolvido por Jacques
ticas citadas – as quais são competências esperadas do perfil empreen-
Delors, para a Unesco, so-
dedor – poderiam facilmente ser as características que esperamos bre a educação no século
XXI. Sem dúvidas, essa é
tanto dos docentes na prática pedagógica como dos estudantes no
uma leitura imprescindível
processo de aprendizagem. para todo profissional da
educação.
Mas, se as competências e as características são comuns, isso quer
dizer que existe uma conexão entre empreendedorismo e educação? Disponível em: http://dhnet.org.br/
dados/relatorios/a_pdf/r_unesco_
Sim. E é por esse motivo que na próxima sessão exploraremos a educ_tesouro_descobrir.pdf. Acesso
em: 14 jun. 2021.
presença do empreendedorismo no mundo da educação.

3.2 Educação empreendedora x


Vídeo
Empreendedorismo educacional
Os modelos de Pedagogia Empreendedora e Educação Empreen-
dedora, desenvolvidos por Dolabela (2009) e pelo Serviço Brasileiro de
Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), já estão em evidência
em algumas instituições de ensino.

Você já ouviu falar sobre elas?

Essas vertentes teóricas abordam metodologias que têm como


principal intencionalidade formar empreendedores. A essa formação
precede a ação do professor e, este, segundo Dolabela (2008, p. 148), é
um sujeito “capaz de criar um ambiente favorável ao desenvolvimento
de empreendedores”.

As competências e o empreendedorismo na educação 61


Vídeo Os discursos da educação empreendedora exploram a importância
No vídeo Canguru do desenvolvimento do potencial empreendedor dos sujeitos, mais es-
entrevista – educação
empreendedora com pecificamente dos estudantes, seja na educação básica seja na educação
Fernando Dolabela, superior. Isso é algo muito bom. No entanto, é importante compreen-
publicado no canal TV
Canguru, o administrador dermos que, em sua maioria, esses métodos são criados por pessoas da
e fundador da Pedagogia área da gestão e desenvolvidos para serem replicados em massa, sem o
Empreendedora, Fernan-
do Dolabela, aborda os devido acompanhamento e a análise efetiva dos resultados alcançados.
aspectos relacionados a
essa educação.
Números são importantes, mas precisamos analisar qualitativa-

Disponível em: https://


mente os elementos e as informações relacionadas a esses dados, bus-
www.youtube.com/ cando avaliar os processos no intuito de melhorá-los.
watch?v=S9H3VYDjzcs. Acesso em:
14 jun. 2021. Vejamos que a ideia não é descaracterizar um ou outro modelo de
educação voltada ao empreendedorismo, afinal, de certa forma, a exis-
tência desses modelos tornou possível iniciar a aproximação entre o
mundo da educação e do empreendedorismo. No entanto, cabe a nós,
educadores, refletirmos sobre essas práticas e analisarmos criticamen-
te essas iniciativas para identificarmos de que forma é possível poten-
cializar ainda mais o que já vem sendo feito.

A seguir, apresentaremos o exemplo de práticas de educação em-


preendedora desenvolvidas no Brasil pelo Sebrae.
Saiba mais
Exemplo
Outro exemplo é o
da organização Junior O Sebrae tem um programa de formação de jovens empreendedores. Para ingres-
Achievement, uma das
sar nesse programa, a escola ou a Secretaria de Educação interessada precisa en-
primeiras a trabalhar
com programas de trar em contato para realizar a parceria e agendar a capacitação dos professores
empreendedorismo para para a aplicação do método.
jovens e crianças. Hoje, a
JA dedica-se a preparar
O Jovem Empreendedor Primeiros Passos (JEPP) é dividido em nove cursos, um
os jovens para o futuro para cada ano do ensino fundamental:
do trabalho por meio de
Tabela 1
programas de empreen-
Cursos do programa JEPP
dedorismo, educação
financeira e preparação
para o mercado de Horas de
trabalho. Para saber um aplicação
Ano Curso
pouco mais sobre essa com os
inciativa de educação em- estudantes
preendedora, assista ao
vídeo Junior Achievement 1º ano do ensino fundamental O mundo das ervas aromáticas 26
– Institucional, do canal 2º ano do ensino fundamental Temperos naturais 24
JuniorAchievementPR.
3º ano do ensino fundamental Oficina de brinquedos ecológicos 26
Disponível em: https://
4º ano do ensino fundamental Locadora de produtos 22
www.youtube.com/
watch?v=kEejlyTeRFs&t=4s. Acesso 5º ano do ensino fundamental Sabores de cores 22
em: 14 jun. 2021.
6º ano do ensino fundamental Ecopapelaria 30

(Continua)

62 Empreendedorismo na Educação
Horas de
aplicação
Ano Curso
com os
estudantes
7º ano do ensino fundamental Artesanato sustentável 30
8º ano do ensino fundamental Empreendedorismo social 30
9º ano do ensino fundamental Novas ideias, grandes negócios 25

Fonte: Elaborada pela autora com base nos dados do EDUCAÇÃO..., 2014.

De acordo com o site do Sebrae (2014), o JEPP está alinhado com


os pilares da educação propostos pela Unesco e “busca sensibilizar os
estudantes a assumirem riscos calculados, a tomarem decisões e a te-
rem um olhar observador para que possam identificar, ao seu redor,
oportunidades de inovações, mesmo em situações desafiadoras”.

Segundo Teixeira (2012) – pesquisadora portuguesa que organizou


sua dissertação de doutorado abordando as questões relacionadas à
linha de educação para o empreendedorismo, a qual pode ser compa-
rada à educação empreendedora no Brasil –, as mudanças precisam
acontecer já com os professores, os quais precisam se envolver e se
sentir engajados nesse processo de mudança.

Ao contrário disso, percebemos que os modelos desenvolvidos de


educação empreendedora já trazem um método pronto para ser repli-
cado, sem a efetiva participação do professor no processo de planeja-
mento e sem um acompanhamento efetivo das práticas desenvolvidas
para identificar se elas estão, de fato, alinhadas às propostas. Já vimos
que, ao construir uma casa, o acompanhamento é fundamental para
garantirmos os resultados. No entanto, o que se vê, no caso da edu-
cação empreendedora, é que a escalabilidade da oferta desses pro-
gramas surge em detrimento da análise qualitativa do processo e dos
resultados obtidos.

Mas os resultados obtidos não são bons? Sim, em alguns casos são
excepcionais. E isso se fez possível muito mais pelo potencial empreen-
dedor já presente no professor.

Delors (2000) afirma que a participação do professor é crucial para


a preparação dos jovens em suas capacidades de percepção de mundo
“encarando o futuro com confiança” e com a certeza de que precisam
ser responsáveis e determinados.

As competências e o empreendedorismo na educação 63


Outro documento que fala do papel do professor para a educação
empreendedora refere-se ao trabalho desenvolvido pela Comissão
Europeia, em 2007, que versa sobre “As escolas para o século XXI” e
apresenta a importância do professor para o êxito da escola, uma
vez que representa o eixo que une os estudantes com o mundo em
transformação (HINCKEL, 2016).

Diante desse cenário, sobre as formas de empreendedorismo dis-


ponibilizadas mais comumente no contexto da educação, a presente
obra se propõe a trabalhar o empreendedorismo educacional, cujo
objetivo central não é a formação de empreendedores com foco no
lucro, mas sim o desenvolvimento de práticas pedagógicas intencionais
que articulem comportamentos empreendedores imprescindíveis para
a sociedade da informação, empoderando os sujeitos (mediadores e
mediados) para que façam escolhas conscientes diante de discursos e
situações polissêmicas.

Cabe, neste momento, um parêntese para marcar as aproximações


e os distanciamentos entre o empreendedorismo educacional e a edu-
cação empreendedora, também chamada de Pedagogia Empreendedora
e educação para o empreendedorismo. Lembrando que todos esses ter-
mos se relacionam à formação de empreendedores.

As vertentes empreendedorismo educacional e educação empreen-


dedora buscam desenvolver comportamentos diferenciados para a
atuação na sociedade, apresentam modificação dos métodos e das es-
tratégias pedagógicas, da formação dos professores, da criatividade, da
inovação e do aprender fazendo, de transformação e desenvolvimento.

Com relação ao distanciamento entre empreendedorismo educa-


cional e educação empreendedora, confira o quadro a seguir.
Quadro 2
Empreendedorismo educacional x educação empreendedora

Empreendedorismo educacional Educação empreendedora

Aborda o desenvolvimento de compor- Busca trabalhar os comportamentos


tamentos empreendedores para po- empreendedores para a formação de
tencializar intencionalmente as práticas empreendedores, com foco indireto e,
pedagógicas, estimulando o potencial de por vezes, velado no desenvolvimento
empoderamento dos sujeitos. desses futuros profissionais de negócios.

(Continua)

64 Empreendedorismo na Educação
Empreendedorismo educacional Educação empreendedora

Preocupa-se com o desenvolvimento da


Defende a modificação dos métodos e
criatividade e da inovação; com o poten-
das estratégias para criar mediações pe-
cial de negócio; com o mercado, se este
dagógicas mais assertivas para o desen-
for o objetivo. Trabalha o empreendedo-
volvimento do potencial crítico-reflexivo
rismo sob o viés do lucro financeiro, mes-
dos mediados para sua conscientização.
mo que de modo transversal e indireto.

Os professores precisam ser formados/


Estabelece a relevância da formação
capacitados para aprenderem a desen-
docente sob os mesmos critérios de
volver o empreendedorismo. Na prática,
mediação que estabelecem as relações
isso não envolve acompanhamento do
intencionais e significativas para o empo-
processo ou da análise qualitativa dos
deramento dos estudantes.
resultados dessa formação.

Explora o aprender fazendo, acompa-


Trata do aprender fazendo, pautado nos
nhado e mediado pelo docente, de ma-
princípios do empreendedorismo de ne-
neira a emponderá-lo e conscientizá-lo
gócio e lucro capital ou social (abrir e fe-
sobre o reflexo de sua atitude (seja como
char uma empresa).
docente, seja como estudante).

Busca transformar a sociedade pela lógi-


Luta pelo desenvolvimento educacional
ca do desenvolvimento de competências
e pela transformação social, partindo do
empreendedoras, com foco especial-
empoderamento e da conscientização
mente no desenvolvimento econômico e
dos sujeitos.
na sustentabilidade.

Fonte: Elaborado pela autora com base em Hinckel, 2016.

Considerando as relações de aproximação e distanciamento apre-


sentadas, podemos perceber que enquanto o empreendedorismo
educacional tem como foco primordial o empoderamento dos sujei-
tos e o desenvolvimento educacional, a educação empreendedora
objetiva direta e indiretamente o desenvolvimento de empreende-
dores que geram crescimento social/econômico para a sociedade.

Vale enfatizarmos que o desenvolvimento educacional é a base


para qualquer modificação, inclusive a capital, e que o docente é
a força motriz para a implementação dessas ações, principalmen-
te por meio de suas práticas e pela percepção da necessidade de
construir competências em si para, então, promover a construção
de competências nos demais sujeitos.

A seguir, falaremos da figura do professor como empreendedor


educacional. E você, já se percebe como empreendedor educacional?

As competências e o empreendedorismo na educação 65


3.3 Empreendedor educacional
Vídeo Agora que você já sabe o que é o empreendedorismo educacional,
será que já é capaz de definir quem é o empreendedor educacional? Es-
creva suas definições em um caderno para retomar ao fim desse estudo.

De acordo com Hinckel (2016), o empreendedor educacional é o


professor que no exercício de sua função articula os comportamentos
empreendedores, em especial aqueles relacionados à inovação, à proa-
tividade e à tomada de risco, buscando incentivar o empoderamento e
a conscientização dos sujeitos, e tem como objetivo e consequência o
desenvolvimento educacional.
Vídeo No entanto, ser um empreendedor educacional nem sempre é fá-
Sugerimos o vídeo Análise cil, pois a estrutura da escola e as relações interpessoais advindas da
comportamental – expe-
riência com macacos, o cultura estabelecida acabam por bloquear e isolar algumas iniciativas
qual aborda justamente a a ponto de os empreendedores educacionais sentirem-se obrigados a
dificuldade de quebrar pa-
radigmas já consolidados, deixar a escola ou aceitar o comportamento dominante, trabalhando
principalmente quando
sob pressão e descontentes com o tolhimento de seu potencial.
o potencial crítico-refle-
xivo das pessoas está
Vygotsky e Luria (1996) reiteram que os sujeitos são culturais, ou
adormecido.
seja, são resultado das interações e dos modelos sociais a que tiveram
Disponível em: https://
www.youtube.com/ acesso ao longo da vida. Dessa forma, não é possível apontar culpados,
watch?v=_8zA18LkPR4. Acesso
até porque esse tipo de atitude não resolve a situação. A escola e as
em: 14 jun. 2021.
pessoas que fazem parte dela simplesmente se adaptaram à realidade
com práticas que em algum momento fizeram sentido. A questão mais
importante aqui é que o modelo educacional – constituído de práticas e
comportamentos historicamente reproduzidos dentro da escola – não
mais se enquadra à estrutura e aos avanços sociais que vivenciamos.

Pensar em programas de formação de professores que possam fo-


mentar uma quebra de paradigma educacional, acender a chama do
potencial crítico-reflexivo e desenvolver as competências necessárias
para o exercício da docência na sociedade atual são fundamentais para
que a cultura da inovação, da proatividade e da tomada de risco sejam
desenvolvidas em nossos estudantes.

Realizando uma analogia com as afirmações de Vygostky e Luria


(1996), o professor que tem um perfil empreendedor representa um
mediador capaz de auxiliar o estudante na modificabilidade de suas

66 Empreendedorismo na Educação
estruturas cognitivas. Isto é, um perfil de professor com potencial de
perceber comportamentos considerados empreendedores em sua
prática (inovatividade, proatividade e tendência a assumir riscos calcu-
lados) e também de mediar intencionalmente a aprendizagem, visando
desenvolver as competências estabelecidas no planejamento educacio-
nal e a cultura do empreendedorismo educacional, que se funda no
potencial crítico-reflexivo e no empoderamento dos sujeitos.

O comportamento dos professores e dos estudantes, os quais já


estão imersos nesse processo de reprodução dos modelos historica-
mente construídos e consolidados na escola, pode ser modificado?

Segundo Feuerstein (1994), por meio de mediações intencionadas,


todo homem com seus comportamentos, mesmo os moldados pelo
desenvolvimento histórico, pode modificar-se em sua estrutura cogni-
tiva, fazendo com que sua natureza também se modifique e alterando
sua realidade e a daqueles que o cercam. É claro que para que isso
aconteça faz-se necessária a presença de um agente de mediação.

Dolabela (2009) realizou um estudo com a intenção de descobrir


qual a influência dos pais no desenvolvimento de comportamentos
empreendedores de seus filhos. A pesquisa contou com a participa-
ção de professores universitários que aplicaram os questionários a
empreendedores e a empregados em 11 países. Foram respondidos
1.309 questionários, e o resultado demonstrou que os entrevistados
receberam fortes estímulos no contexto familiar de elementos re-
lacionados ao potencial empreendedor, quais sejam: “tolerância à
incerteza; capacidade de assumir riscos e aprender com erros, cren-
ça de que os atos podem gerar consequências, autonomia, autoes-
tima, desenvolvimento da intuição, protagonismo, criatividade”
(DOLABELA, 2009, p. 10).

Os pais ou membros próximos da família, assim como os professo-


res e até mesmo os amigos, podem ser considerados agentes de me- Para refletir
diação direta e fonte de cultura para o desenvolvimento dos sujeitos É possível ensinar alguém
a ser empreendedor? Sim
sociais. As pesquisas apontam que mediadores com características do ou não? Anote sua justifi-
comportamento empreendedor ampliam os estímulos nos sujeitos por cativa em um caderno.

meio de suas práticas e suas atitudes.

O empreendedor educacional, mediador do processo pedagógi-


co, articula intencionalmente esses comportamentos no intuito de

As competências e o empreendedorismo na educação 67


prover estímulos que possam desenvolver o potencial crítico dos
mediados para posicionarem-se na sociedade, sendo que o em-
preendedorismo (na vida, na carreira ou nos negócios) torna-se uma
consequência possível.

O questionamento sobre a possibilidade de se ensinar alguém a


ser empreendedor é muito comum. Muitos dos estudos voltados ao
empreendedorismo apontam que não é possível ensinar alguém a ser
empreendedor, uma vez que trazem o entendimento de que o termo
ensino é específico de processos de transmissão, ou seja, é unilateral
(DOLABELA, 2009). No entanto, esses mesmos estudos afirmam que
sim, é possível aprender a ser empreendedor por meio de estímulos
assertivos e intencionados durante o processo pedagógico.

Se as pessoas são capazes de se desenvolverem como empreen-


dedoras, entendemos que esse processo de aprendizagem deva ser
o resultado de estímulos, com o propósito de estabelecer
inter-relações com os comportamentos empreendedores, a inten-
cionalidade de desenvolvimento educacional e o empoderamento
dos sujeitos, seja para tomada de decisão, seja para atuação inova-
dora e proativa em sociedade.

Nesse sentido, além de ser um empreendedor educacional, que


fomenta o empreendedorismo, o professor pode também empreen-
der em sua vida ou em sua carreira profissional, trans-
formando-a em um negócio de sucesso, se esse for

e/hutterstock
seu desejo.
MicroOn

Na seção seguinte, exploraremos outras


possibilidades de atuação do professor
como empreendedor.

É possível aprender a ser


empreendedor por meio
de estímulos assertivos e
intencionados.

68 Empreendedorismo na Educação
3.4 O professor como empreendedor
Vídeo A história do professor como empreendedor começa com a es-
colha de seu curso. Muitos podem pensar que isso é uma bobagem,
mas os motivos que o fazem optar pela licenciatura falam muito
sobre o quanto os comportamentos empreendedores estão ou não
desenvolvidos em você. Vamos começar com uma reflexão:

O empreendedor é o sujeito que cria es-


tratégias para atingir seus sonhos e as
coloca em prática. A única alternati- Por que você escolheu cursar uma licenciatura?
va alinhada com essa perspectiva A seguir apresentaremos as resposta mais co-
e que demonstra proatividade muns entre os estudantes no início e, por vezes,
no final do curso. Anote em um caderno a(s)
e planejamento é a alterna- alternativa(s) que representa(m) o(s) motivo(s)
tiva “g”. de sua escolha:
a. Era o curso mais fácil de passar.
Mas e a alternativa b. Entrei porque havia vagas sobrando.
“c. Adoro trabalhar com c. Adoro trabalhar com crianças.
crianças”? Ora, gostar de d. Era o curso mais barato.
e. Não era o que eu queria, entrei para depois transferir.
crianças ajuda, mas não
f. É mais fácil conseguir emprego.
nos habilita automatica- g. Meu sonho é ajudar a desenvolver as pessoas e
melhorar a sociedade. ck
mente a sermos bons pro- tter
sto
vectorplus/Shu
fessores. Até porque a ideia
de criança que temos antes de estar
em uma sala de aula é bem diferente de quando
estamos diante de 15 crianças que brigam, choram, mordem uns aos
outros e falam ao mesmo tempo. Apesar de o fato de gostar de crianças
ser algo importante, antes da escolha, precisamos refletir sobre como
será o processo, quais são os pontos positivos e os negativos a curto,
médio e longo prazo e, por fim, como nos vemos ao longo desse período.
Se depois de tudo você se enxergar feliz e realizado, vá em frente. Caso
contrário, repense as estratégias e defina novas possibilidades.

Isso não quer dizer que se você escolheu outra opção, você não é
empreendedor. Apenas representa que sua atitude no momento da
escolha de sua faculdade não foi uma escolha pensada de maneira crí-
tico-reflexiva e que, talvez, o comodismo e o medo de arriscar tenham
falado mais alto do que seu sonho.

As competências e o empreendedorismo na educação 69


É muito comum pessoas sonharem com uma profissão e desistirem
antes mesmo de tentar, pois o primeiro pensamento que vem é: “eu
até queria fazer tal curso, mas é muito disputado. Não vou conseguir!”.

Somos capazes de qualquer coisa. Quando sonhamos com algo,


o “não” nós já temos. Então o que custa tentar? Essa proatividade,
essa necessidade de criar oportunidades e assumir riscos é o que nos
torna mais próximos de sermos empreendedores em qualquer ramo
de nossa vida.

Escolhas impensadas, por vezes, acabam se tornando fardos com o


passar do tempo. Essa é uma reflexão muito importante e que impacta
diretamente a forma como a educação é percebida hoje.

Por que temos tantos professores infelizes em suas carreiras?


Um dos motivos é o fato de não terem pensado criticamente nas
escolhas que fizeram.

Não é difícil encontrar professores que reclamam do salário, da


escola, dos alunos, do “fazer” pedagógico. Isso se dá, na maior parte
das vezes, por conta das escolhas impensadas no momento de defi-
nição da profissão.

Aquela escolha da graduação que não é motivada por seus sonhos


e objetivos tem grande potencial de se transformar em um fardo ao
longo de sua vida. E, então, esses pequenos momentos de infelici-
dade transformam-se em desgosto, amargura e acabam refletindo e
impactando as práticas pedagógicas e, consequentemente, a aprendi-
zagem dos estudantes que não têm culpa alguma das escolhas que
você fez ao longo da vida.

Os empreendedores têm como característica gostar de falar sobre o


que fazem, vender sua ideia e mobilizar pessoas para participarem de
seus projetos. Como vender algo em que você não acredita? Como criar
sentido para a escola, se você mesmo não consegue ver sentido no que
você faz dentro dela?

Se isso caiu como um banho de água fria, talvez você nunca tenha
parado de fato para refletir sobre sua escolha. Não se preocupe, nem
tudo está perdido. Mudar de ideia, mudar o caminho ou a estratégia
fazem parte da vida. Dá medo, mas é bom e nos deixa mais próximos
de nossa essência.

70 Empreendedorismo na Educação
Quando pensamos no professor como empreendedor educacio-
nal, ou seja, aquele que desenvolve práticas intencionais e significa-
tivas com vistas ao desenvolvimento do potencial crítico-reflexivo e
do empoderamento dos sujeitos, quase sempre estamos falando de
professores que fazem parte de uma escola, como servidores públicos
ou colaboradores contratados em escolas privadas.

No campo conceitual da administração, esse professor (empreen-


dedor educacional da rede pública ou privada) seria considerado
um intraempreendedor. Isto é, aquele que age com competência e
entusiasmo; que é racional e tolerante; flexível e persistente; com-
prometido; ou seja, é capaz de inovar, assumir riscos e identificar
oportunidades em uma organização que não é de sua propriedade.
(MORIANO et al., 2009).

Mas nem só de aula vive um professor.

Empreender vai além de montar um negócio, porém não pode-


mos esquecer e negar o fato de que abrir um negócio e lucrar com
base em seu conhecimento e em suas habilidades é, também, uma
forma de empreender.

Muitos professores acreditam que para serem empreendedores na


educação precisam investir muito dinheiro, já que nessa área seria ba-
sicamente ser dono de uma escola. Isso não é uma verdade pois:
• Comprar uma escola não o faz empreendedor. A forma com que
você inova, organiza a escola, escolhe seus pares, define a me-
todologia e estabelece relações é que o fará empreendedor ou
apenas um administrador.
• Comprar ou abrir uma escola não é a única forma de empreender
no campo educacional.
• O investimento é algo muito relativo. A maior parte dos empreen-
dedores de sucesso não tinham muito dinheiro para iniciar seus
negócios, mas souberam articular as características do compor-
tamento empreendedor para atingirem seus objetivos.

Essa visão, muitas vezes equivocada sobre o que é empreender


no campo educacional, pode estar relacionada ao fato de que boa
parte das licenciaturas não trata a questão da carreira do docen-
te de maneira intencional e significativa. Poucos são os cursos que
abordam temáticas relacionadas ao empreendedorismo e ao desen-
volvimento de carreira.

As competências e o empreendedorismo na educação 71


O lado positivo é que esse cenário está se modificando e este livro
é a prova disso.

O principal ponto já tratamos, o fato de estar cursando uma licencia-


tura não o torna fadado a ser somente professor, nem que você precise
ser funcionário de alguém, ou que está “condenado” a ganhar pouco.

Existem muitas opções, mas para isso é necessário ativar sua “vi-
são além do alcance”, enxergar ou até mesmo criar oportunidades para
que seus objetivos possam ser atingidos.

O primeiro passo é identificar aquilo que o motiva na área que você


escolheu. Em seguida, pense nas problemáticas e de que forma você
poderia solucioná-las ou minimizá-las com base em suas habilidades e
suas competências. Lembre-se de que por traz de um problema sempre
existe uma oportunidade de negócio (educacional, social ou capital).

Quando isso estiver delimitado, converse com diferentes pessoas,


fale sobre sua ideia, escute o que as pessoas envolvidas no problema
têm a dizer. Comece a desenhar possibilidades de empreender consi-
derando o cenário mapeado.
Vídeo
Isso nada mais é do que um planejamento. Saber quem você é,
No vídeo Pensadores na
educação: Montessori e a
o que você quer, o que você sabe e quais são as problemáticas que
criança no centro, Mitsuko poderiam ser minimizadas ou solucionadas pelo seu conhecimento
Antunes, professora da
são os primeiros passos para fazer seu negócio começar a acontecer.
PUC-SP (Pontifícia Uni-
versidade Católica de São Lembre-se de que os pilares da educação se fazem fundamentais ao
Paulo), fala sobre Maria empreendedor. Estudar, capacitar-se para melhorar suas práticas e
Montessori e seu método.
Ela foi uma mulher
seus comportamentos é um grande diferencial e demonstra o quanto
empreendedora, muito você está comprometido com seus objetivos.
à frente de seu tempo,
que superou obstáculos Sou professor: onde posso atuar, como posso empreender?
e preconceitos na família
e na sociedade. Criou Os caminhos são muitos e dependerão bastante da leitura de con-
um método capaz de texto e do planejamento realizados. O universo é o limite quando se
solucionar os problemas
educacionais identifica- é empreendedor. A seguir apresentaremos algumas opções que não
dos por ela. Tornou-se devem ser vistas como fechadas:
uma agente de mediação
potente, influenciando e • Consultoria e assessoria educacional.
estimulando a implemen-
tação do seu método, que • Formação de professores: palestras, oficinas.
é conhecido mundialmen- • Desenvolvimento de cursos e programas de curta, média e longa
te e utilizado até hoje.
duração.
Disponível em: https:// • Produção e desenvolvimento de livros.
www.youtube.com/
watch?v=LnLt24ypGDc. Acesso em:
• Criação de escolas ou programas de aprendizagem.
14 jun. 2021. • Desenvolvimento de produtos, processos e serviços educacionais.

72 Empreendedorismo na Educação
• Gerenciamento de plataformas de aprendizagem.
• Acompanhamento pedagógico especializado.

Se fizermos uma pesquisa na internet, os professores mais bem re-


munerados encontraram formas de criar soluções dentro de sua área
de atuação. E, ainda, veremos que pessoas de outras áreas estão se
beneficiando e cobrindo as lacunas deixadas por alguns de nós.

Dentro da sala de aula ou fora dela, empreenda! Busque estratégias


para potencializar seu perfil para se tornar sua melhor versão, inde-
pendentemente das escolhas que fizer.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Fomos, metaforicamente, da construção de uma casa até a formação
do professor como empreendedor, por meio dos pilares da educação e do
entendimento da competência como o alicerce para a formação de media-
dores que tenham a competência no desenvolvimento de competências.
As possibilidades de empreender por parte do professor são muitas e,
às vezes, ficam restritas às limitações impostas pelo próprio movimento
social. Se o “normal” historicamente construído é o professor dar aula e
se ninguém medeia esse processo de desenvolvimento do potencial da
carreira docente, muito dificilmente se consegue chegar a outras formas
de ser e agir empreendendo no campo da educação.
Se o universo é o limite e somos parte fundamental para o alinha-
mento entre sociedade e sujeitos, cabe a cada um de nós, professores,
buscarmos a reflexão sobre nosso papel, nossos desejos e de que forma
estamos alinhados em nossas práticas com essa transformação que, ver-
balmente, vislumbramos como necessária.
Lembre-se: a mudança começa em cada um de nós!

ATIVIDADES
Vídeo 1. Na década de 1990, durante o governo Fernando Henrique Cardoso,
o Brasil se tornou signatário junto à Unesco no compromisso de
fomentar a educação para o século XXI. Nesse período, introduziu-se
aqui o ensino com base no desenvolvimento de competências, por
meio de algumas ações ministeriais, como a LDB n. 9.394/1996. Qual é
a principal orientação que essa lei trouxe quanto ao desenvolvimento

As competências e o empreendedorismo na educação 73


de competências e que acarretou em desdobramentos em outros
dispositivos legais?

2. Fernando Dolabela foi considerado o pai da Pedagogia Empreende-


dora. Com base em seus estudos e suas pesquisas, ele conseguiu
identificar o quanto a família é importante no incentivo do potencial
empreendedor dos sujeitos. Faça uma análise de seu contexto familiar
e busque identificar se, diante das situações, seus estímulos familiares
favoreceram ou dificultaram seu potencial de inovação, sua tomada de
risco e sua proatividade.

3. O empreendedor educacional é um professor que articula competências


empreendedoras em sua prática pedagógica no intuito de desenvolver
seus estudantes intencional e significativamente a ponto de estimular
o potencial deles, empoderando-os diante dos desafios da vida em
sociedade. Você já atuou como professor? Caso sua resposta seja
sim, pense em alguma prática que você tenha desenvolvido e que
se aproxime da perspectiva anterior e disserte sobre ela. Se você
nunca foi professor, consegue se lembrar de algum docente em sua
trajetória de estudante que o estimulou a ver e a encarar os desafios
da vida por meio do jeito de falar, ajudar e dar aula? Discorra sobre
essa lembrança.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional Técnica de
Nível Médio. 2012. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_
docman&view=download&alias=11663-rceb006-12-pdf&category_slug=setembro-2012-
pdf&Itemid=30192. Acesso em: 25 mai. 2021.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretrizes Curriculares
Nacionais da Educação Básica. Brasília, DF: MEC, SEB, DICEI, 2013. Disponível em: http://
portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=15548-d-c-n-
educacao-basica-nova-pdf&Itemid=30192. Acesso em: 11 jun. 2021.
BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, Poder Legislativo,
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DELORS, J. Educação: um tesouro a descobrir. Brasília: MEC: Unesco, 2000.
COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS. Documento de trabalho dos serviços da
comissão. Escolas para o século XXI. Bruxelas: Comissão das Comunidades Europeias, 2007.
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DOLABELA, F. Quero construir a minha história. São Paulo: Editora Sextante, 2009.
DOLABELA, F. Oficina do empreendedor. São Paulo: Editora Sextante, 2008.
DORNELAS, J. C. Empreendedorismo corporativo: como ser empreendedor, inovar e se
diferenciar na sua empresa. Rio de Janeiro: Editora Campus/Elsevier, 2003.

74 Empreendedorismo na Educação
EDUCAÇÃO Empreendedora no Ensino Fundamental. SEBRAE, 26 maio 2014. Disponível
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no-ensino-fundamental,0c54be061f736410VgnVCM2000003c74010aRCRD. Acesso em: 11
jun. 2021.
EMPREENDEDORISMO. JA Brasil, 2021. Disponível em: https://www.jabrasil.org.br/
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FEUERSTEIN, R. A mediated learning experience. Theoretical, psychosocial and learning
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HINCKEL, N. C. Educação, inovação e empreendedorismo: implicações pedagógicas da
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de Ciências da Educação, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis. Disponível
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MORIANO, J. A. et al. Identificácion organizacional y conducta “intraemprendedora”. Anales
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PERRENOUD, P. Desenvolver competências ou ensinar saberes? A escola que prepara para a
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TEIXEIRA, C. M. M. Educação para o empreendedorismo: um estudo sobre o projeto nacional
de educação para o Empreendedorismo. 2012. Dissertação (Mestrado em Intervenção Social,
Inovação e Empreendedorismo) – Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação e à
Faculdade de Economia, Universidade de Coimbra, Coimbra (Portugal). Disponível em: https://
estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/21484/1/Educa%c3%a7%c3%a3o%20para%20o%20
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VYGOTSKY, L. S.; LURIA, A. R. Estudos sobre a história do comportamento: o macaco, o
primitivo e a criança. Porto Alegre: Artmed, 1996.

As competências e o empreendedorismo na educação 75


4
O papel da mediação
no desenvolvimento do
perfil empreendedor
Muitos estudos se debruçam sobre abordagens do ensino do em-
preendedorismo e sobre a importância de se desenvolver uma cultura
empreendedora para a sociedade, mas poucos analisam profundamente
as práticas pedagógicas ou as teorias educacionais que se preocupam em
compreender a maneira como as pessoas aprendem.
Neste capítulo, você será capaz de entender de que forma as teorias
educacionais, principalmente aquelas relacionadas à mediação da apren-
dizagem, em Vygotsky e Feuerstein, podem contribuir de modo significa-
tivo no desenvolvimento das competências empreendedoras, tanto em
professores quanto em estudantes.
Se somos o resultado do contexto social e das experiências que tive-
mos ao longo da vida, faz-se necessário reconhecer a mediação como fa-
tor elementar para a modificabilidade cognitiva e para o desenvolvimento
dos conhecimentos, habilidades e atitudes que compõem a competência
para empreender na vida, nos estudos, na carreira, nos relacionamentos
ou nos negócios.

Objetivos de aprendizagem
Com o estudo deste capítulo, você será capaz de:
• compreender a contribuição das teorias de Feuerstein e
Vygostsky nos processo de mediação da aprendizagem e no de-
senvolvimento do perfil empreendedor;
• reconhecer a mediação como fator elementar para a modifica-
bilidade cognitiva.

76 Empreendedorismo na Educação
4.1 Mediação em Vygotsky
Vídeo Se você está inserido no mundo da educação ou já faz parte dele, já
deve ter ouvido falar de Lev Vygotsky.

Ele foi um psicólogo que se ocupou em pesquisar o processo de de-


senvolvimento intelectual das crianças, propondo que esse desenvolvi-
mento se dá pelo contexto e pelas relações sociais que ela estabelece
durante a sua vida.
Biografia
Como acontece o processo de desenvolvimento para Vygotsky?

O desenvolvimento da criança pequena é percebido basicamente


pela sua forma de se expressar e de se comunicar que a princípio se dá
pela emoção.

À medida que a linguagem e o pensamento se desenvolvem no de-


correr da existência da criança, criam-se outros modos de comunicar.
Porém, a emoção é sempre um dos primeiros processos na comunica-
ção, criando empatia ou antipatia por sujeitos ou situações. Ao longo
Lev Semionovitch Vygotsky
(1896-1934), con- desse desenvolvimento, o sujeito vai constituindo sua visão de mundo,
temporâneo de Jean por meio das interações e mediações realizadas.
Piaget, criou a perspec-
tiva sociointeracionista Assim como Vygotsky, outros autores também compreendem a
de desenvolvimento da
aprendizagem. Em seus afetividade como elemento essencial no processo de desenvolvimento
estudou, Vygotsky per- das crianças. Para Wallon (1989), o estímulo afetivo de uma mãe, ou de
cebeu a importância da
mediação no desenvol- pessoas próximas, pode ser fundamental para o desenvolvimento cog-
vimento dos processos nitivo e psicomotor, da mesma forma que a ausência desse estímulo
mentais superiores.
pode gerar deficiências e atrasos significativos.

Segundo Franco et al. (2003), que analisou as dimensões de aprendi-


zagem de Marzano, a afetividade é o primeiro elemento para a constitui-
Leitura
ção de uma aprendizagem significativa, pois está diretamente ligada ao
Para que você possa co-
nhecer as dimensões da cognitivo.
aprendizagem propostas
pela nova taxonomia Nesse sentido, o estudante precisa sentir-se seguro, amparado e
de Robert Marzano, respeitado para então “abrir-se” à aprendizagem. Dessa forma, pode-
leia a primeira parte do
texto As dimensões da -se dizer que a afetividade, no contexto educacional, proporciona aos
aprendizagem. estudantes, em qualquer nível ou modalidade de ensino, segurança e
Disponível em: https:// estímulo para expressarem suas experiências, dúvidas, saberes, desejos,
www.passeidireto.com/
arquivo/74123639/ dificuldades, emoções, sentimentos e imaginação.
as-dimensoes-da-aprendizagem.
Acesso em: 14 jun. 2021. Pense em sua trajetória de estudante. Quais são os professores que
você lembra? Todo mundo teve um professor que de tão legal motivou

O papel da mediação no desenvolvimento do perfil empreendedor 77


a gostar de sua matéria. Como, imaginamos, também houve profes-
sores que fizeram criar antipatia por alguma disciplina, devido ao jeito
que interagiam com você e sua turma.

Considerando o sociointeracionismo vygostskyano, a interação do


homem com o mundo não é uma relação direta, mas mediada. A me-
diação se caracteriza como o processo de intervenção de um elemento
intermediário em uma relação. Existem dois tipos de elementos media-
dores: os instrumentos e os signos.
Os instrumentos estão relacionados, sobretudo, ao trabalho
como atividade coletiva, pois, o instrumento é um elemento
interposto entre o trabalhador e o objeto de seu trabalho, am-
pliando as possibilidades de transformação da natureza […].
Corresponde a um objeto social e mediador da relação entre o
indivíduo e o mundo. (OLIVEIRA, 2000, p. 29)
Vídeo Os instrumentos são preservados para uso futuro, ou seja, são con-
Para entender melhor quistas humanas a serem transmitidas a outros membros do grupo
a relação entre as
ferramentas internas e social (memória).
externas, assista ao vídeo,
elaborado e publicado Os signos se caracterizam como uma marca interna, que auxilia o
pela Didatics, em que o homem em tarefas que exigem memória ou atenção; já os instrumentos
conceito de “ferramentas
psicológicas”, desen- são elementos externos ao indivíduo, sua função é provocar mudanças
volvido por Vygotsky, é nos objetos e controlar processos da natureza (OLIVEIRA, 2000).
explicado.

Disponível em: https://youtu.be/


A mediação realizada pelo homem com o mundo também está re-
ZvY8qbIuLvQ. Acesso em: 23 jun. lacionada com as funções psicológicas superiores, que são os meca-
2021.
nismos sofisticados e complexos típicos dos seres humanos: memória
seletiva, pensamento abstrato, atenção concentrada, vivência emocio-
nal e intencionalidade da ação (VYGOTSKY; LURIA, 1996).

No quadro a seguir ilustramos a diferença entre as funções psicoló-


gicas elementares (inferiores), que são consideradas naturais (psicofi-
siológicas), e as funções psicológicas superiores, que são consideradas
culturais (neuropsicológicas):

Quadro 1
Ações/comportamentos humanos direcionados pelas funções psicológicas elementares e superiores

Funções psicológicas elementares Funções psicológicas superiores


(naturais – psicofisiológicas) (culturais – neuropsicológicas)
- Sensação. - Consciência.
- Atenção. - Imaginação.
- Percepção. - Cognição.
- Audição, visão, olfato. - Memória seletiva mediada.
(Continua)

78 Empreendedorismo na Educação
Funções psicológicas elementares Funções psicológicas superiores Glossário
(naturais – psicofisiológicas) (culturais – neuropsicológicas) Interocepção: relaciona-
-se aos estímulos visce-
- Memória. rais, como dor e prazer,
- Atenção voluntária.
- Emoção. por exemplo.
- Atividade mediada (uso de instrumentos).
- Linguagem emotiva (instintiva). Propriocepção: percep-
- Linguagem social (racional). ção quanto aos estímulos
- Interocepção. musculares.
- Pensamento abstrato.
- Propriocepção. Exterocepção: estímulos
- Leitura.
- Exterocepção. recebidos pelos órgãos
dos sentidos.
Fonte: Moraes, 2010.

No contexto escolar, a partir da mediação e interação com os ou-


tros a criança vai desenvolvendo suas funções psicológicas superiores.
Nesta relação ocorre o processo de apropriação, isto é, o modo como
damos sentido ao mundo e às coisas ao nosso redor, constituindo nos-
sa subjetividade.

Segundo Vygotsky e Luria (1996), quando crianças, precisamos de


recursos mediadores para regular a atenção, a memória e, também,
para desenvolver habilidades e comportamentos. No entanto, com o
passar do tempo, o uso destes mecanismos acaba sendo transformado
em “autocomandos interiorizados”. Mas o que é interiorização?

A interiorização é a capacidade de o indivíduo, com base nas relações sociais,


desenvolver as suas funções mentais superiores. Nesse sentido, podemos dizer
que existe uma relação de reciprocidade entre aprendizagem e desenvolvimento
mental.

A mediação tem papel fundamental na interiorização das represen-


tações do mundo. No contexto educacional, o professor é o principal
mediador no processo de aprendizagem e desenvolvimento dos estu-
dantes. O desafio é realizar o trabalho com base nos conceitos coti-
dianos e transformá-lo em conceitos científicos. Nessa perspectiva, os
saberes e as experiências de cada um são importantes, pois constituem
o processo de aprendizagem do grupo.

Paulo Freire defendia postura similar e apostava no processo dialó-


gico entre professor e estudante, considerando que ambos são parte
do processo de construção do conhecimento. Em uma de suas mui-
tas frases célebres, Freire (1996, p. 36) dizia: “quem ensina aprende
ao ensinar, e quem aprende ensina ao aprender”, ou seja, o processo

O papel da mediação no desenvolvimento do perfil empreendedor 79


ensino-aprendizagem é uma interação contínua, dialógica e não neces-
sariamente formal.
Diante disso, a aprendizagem e o desenvolvimento dos sujeitos são
entendidos como únicos. Há que se perceber que todos têm habilida-
des e deficiências, por isso cabe ao mediador (professor) do processo
de ensino-aprendizagem definir estratégias para que, dentro de suas
singularidades, os estudantes consigam avançar individual e coletiva-
mente em seus processos de aprendizagem.
Devido a essas características especificamente humanas, torna-
-se impossível considerar o desenvolvimento do sujeito como um
processo previsível, universal, linear ou gradual. O desenvolvimen-
to está intimamente relacionado ao contexto sociocultural em que
a pessoa se insere e se processa de forma dinâmica (e dialética)
por meio de rupturas e desequilíbrios provocadores de contínuas
reorganizações por parte do indivíduo. (VYGOTSKY, 2008, p. 57-58)

1 Para compreender melhor o processo de aprendizagem, Vygotsky


Pessoa que ajuda a (1989) criou uma proposta de níveis de desenvolvimento humano,
criança a concretizar
seu conhecimento. Na
como apresentamos no Quadro 2.
escola, pode ser o pro-
fessor ou um colega mais
Quadro 2
Níveis de desenvolvimento em Vygotsky
experiente.

Nível de É o nível psicológico já estabelecido, por meio de aprendizagens


desenvolvimento anteriores, ou seja, é o nível que revela o que o sujeito já sabe
Vídeo
real de maneira autônoma.
O conceito de mediação e
zona de desenvolvimento
proximal é bem apresen- É o nível a que o sujeito só poderá chegar com a ajuda de outro
Nível de desenvol-
tado pela professora Edna mais experiente, ou seja, precisa da mediação e intervenção
vimento potencial
Martins. Assista ao vídeo do outro para realizar as elaborações.
a seguir, produzido pelo
Instituto Claro, em 2018.

Disponível em: https://youtu.be/ É a distância entre o nível real e o potencial. É onde pode e deve
BS8o_B5M9Zs. Acesso em: 23 haver o compartilhamento das atividades a serem aprendidas.
Nível de desenvol- 1
jun. 2021. O olhar e a ação do mediador são fundamentais para que a
vimento proximal
criança ou o estudante possa atingir e superar elementos que
antes estavam na zona de desenvolvimento potencial.
Saiba mais sobre as
teorias de Vygotsky,
assistindo ao vídeo Lev Fonte: Elaborado pela autora com base em Vygotsky, 1989.
Vigotski - desenvolvimento
da linguagem, produzido Estas reflexões nos apontam, mais uma vez, para a relevância da
pela Univesp. atitude do professor, na medida em que deve trabalhar não mais com
Disponível em: https://youtu. formulações mentais prontas e estabelecidas, mas com aquelas que
be/_BZtQf5NcvE. Acesso em: 23
jun. 2021. estão em processo de constituição, entendendo que o que é proximal
no presente, irá se tornar real no futuro.

80 Empreendedorismo na Educação
Em diversos estudos é realizada uma aproximação entre as teorias
de Vygotsky e Feuerstein e, mesmo que eles estejam ideológica e ter-
ritorialmente distantes, vamos unir ambos os teóricos para ampliar
ainda mais a sua compreensão sobre a mediação como forma de inte-
ração entre os sujeitos e um dado objeto.

4.2 Feuerstein e a modificabilidade cognitiva


Vídeo Mesmo não sendo tão conhecido quanto Vygostsky, Reuven
Feuerstein (1921-2014) tem uma importante contribuição nos estudos
recentes sobre mediação da aprendizagem.

Como acreditava em “produções coletivas do pensamento”,


Feuerstein não tinha crença nas inspirações individuais. Nesse sen-
tido, as aprendizagens ocorriam/ocorrem por meio da mediação em
determinada cultura e com determinados valores (DA ROS, 2002).

Por ser um pesquisador ocupado em “recuperar” indivíduos com


dificuldade cognitiva, ele dividiu seu trabalho em duas dimensões
(VARELA, 2007):

• Teórico-conceitual: Teoria da Modificabilidade Cognitiva Estrutural


(TMCE) e Experiência da Aprendizagem Mediada (EAM).

• Pedagógico instrumental: Programa de Enriquecimento Instrumen-


tal (PEI) e Avaliação Dinâmica e Potencial de Aprendizagem (LPDA, do
inglês Learning Potential Dynamic Assesment).
Vídeo
Antes de dar continuidade aos conceitos relacionados à dimensão
Gardner foi um psicólogo
teórico-conceitual, mais especificamente à TMCE, é importante enten-
que atuou na análise do
potencial cognitivo dos dermos que o conceito de modificabilidade, em Feuerstein, parte do
indivíduos e ficou conheci-
conceito de inteligência de Howard Gardner (1943) (VARELA, 2007).
do pelo desenvolvimento
da teoria das múltiplas No entanto, Feuerstein não se utilizou desse termo, pois compreen-
inteligências. Para conhe-
cer um pouco melhor a dia a inteligência como algo que ou o sujeito tem ou não tem. A ideia
teoria das inteligências da modificabilidade parte, então, da crença de que todos os indivíduos
múltiplas e a forma como
ela tem sido aplicada em podem modificar-se cognitivamente. No entanto, para que isso aconte-
todo o mundo, assista ao ça é preciso, necessariamente, de um mediador próximo ao indivíduo
vídeo em que Gardner a
apresenta. – que pode ser um amigo, um irmão ou um professor, por exemplo.
Disponível em: https://youtu.be/ De acordo com Varela (2007), a TMCE se tornou aceitável por conta
tLHrC1ISPXE. Acesso em: 23 jun.
2021. de três pressupostos:

O papel da mediação no desenvolvimento do perfil empreendedor 81


2 1. Concepção de ontogenia
2
dupla: ontogenia biológica (ser
A ontogenia é o período humano formado de células que interligadas ao ambiente
de desenvolvimento do
indivíduo, do momento
constituem o indivíduo); ontogenia sociocultural (a interação
que nasce até atingir a cultural e social exerce sobre o indivíduo, papel significativo).
maturidade.
Vale frisar que ambas as ontogenias coexistem de modo não har-
mônico. Ao mesmo tempo em que a ontogenia biológica exige limi-
tes, a sócio-histórica tenta libertá-lo, modificando-o e criando novos
caminhos.
2. Concepção de comportamento: como um estado, ou seja, não
é algo fixo e imutável.
3. Concepção neurocientífica: compreende o cérebro como um
órgão flexível elástico.

A base da existência e adaptabilidade humana está correlacionada


à TMCE, pelo fato de que a teoria concebe a inteligência como flexível
e modificável.

Assim, para Feuerstein (1993, p. 3), a modificabilidade cognitiva


representa:
a capacidade privativa de os seres humanos trocarem ou modifi-
carem a estrutura de seu funcionamento cognitivo, com a finali-
dade de adaptar-se às demandas de modificações das situações
da vida. A Modificabilidade Estrutural Cognitiva é não somente
um reflexo da resposta de uma pessoa aos estímulos externos e
às mudanças produzidas nas condições internas, mas também o
produto de uma série de atos volitivos.

A modificabilidade cognitiva precisa também ser compreendida


como um processo ímpar em cada sujeito, pois muito embora qualquer
indivíduo possa modificar-se cognitivamente, segundo Feuerstein, cada
um tem seu tempo. Ademais, a modificabilidade cognitiva é analisada
na relação do sujeito com ele mesmo, ou seja, qual é a sua modificabili-
dade em um determinado período, considerando seu ponto de partida
e o seu estado atual.
3 Para Feuerstein (1980), as diferenças no desenvolvimento cognitivo
3
Ramo que se ocupa em dos sujeitos relacionam-se a duas etiologias diferenciadas: distal e
identificar as causas e
origens de um fenômeno.
proximal.

Os fatores distais não estão necessariamente relacionados a defa-


sagens cognitivas (hereditariedade e condição orgânica). Já os fatores
de etiologia proximal agem de maneira mais direta sobre determinada

82 Empreendedorismo na Educação
situação e estão relacionados à presença ou à ausência de mediação.
Para Feuerstein, a mediação é determinante para o desenvolvimento
cognitivo. Sua ausência pode acarretar deficit cognitivo.

Quanto maior a experiência de aprendizagem mediada, maior é o


potencial de modificabilidade cognitiva do sujeito (FEURSTEIN, 1980).

Esse é um dos motivos pelo qual a TMCE não pode ser comparada
às mudanças biológicas (maturação) que afetam o sujeito nem às mu-
danças transitórias. Isto é,
a modificabilidade é estrutural quando as mudanças parciais
afetam o todo; quando existe uma transformação do próprio
processo de mudança, de seu ritmo, sua amplitude, sua direção.
Quando a mudança é autoperpetuante, reflete sua natureza au-
tônoma e autorreguladora. A Modificabilidade Cognitiva Estru-
tural caracteriza-se pela permanência, caráter impregnante do
todo e centralidade das mudanças que têm lugar. (FEUERSTEIN,
1993, p. 03)

Para facilitar seu entendimento, vamos trazer um exemplo que


aproxima a constatação realizada por Feuerstein, com a verificação
realizada por Vygotsky e Luria (1996), em um experimento com ma-
cacos. Nessa experimentação, os primatas foram colocados num pri-
meiro momento em uma situação generalizante, muito similar àquela
que vivenciavam na floresta. Em condições naturais, quando tinham
fome, instintivamente pegavam uma vara para retirar um fruto e se
alimentar.

Em cativeiro foram fornecidos os mesmos elementos, e os macacos


conseguiram correlacionar os contextos e suprir sua necessidade. Em
um segundo momento, os mesmos macacos, separadamente, foram
desafiados a perceber, por instrumentos fragmentados (três varas pe-
quenas) ou não relacionados ao contexto (três caixotes), uma forma
diferenciada de suprir seus instintos de alimentação. Apenas um dos
macacos conseguiu realizar a junção de três pequenas varas para al-
cançar o alimento, sendo que, posteriormente, depois de solucionado
o primeiro problema, ele também foi o único a conseguir empilhar as
três caixas. “Tendo encontrado a solução verdadeira, o macaco adquire
imediatamente a capacidade de transferi-la generalizadamente a ou-
tras situações” (VYGOTSKY, 1996, p. 83).

O papel da mediação no desenvolvimento do perfil empreendedor 83


Quando o desafio está próximo às suas experiências anteriores, o
macaco logo faz a transposição. Quando está mais distante de expe-
riências prévias, nem todos conseguem.

Outra verificação importante é que, ao colocarem todos os macacos


juntos, aqueles que não haviam sido capazes de sozinhos solucionar o
desafio, ao verem o macaco unindo os galhos e pegando o alimento,
foram capazes de realizar a mesma ação, assumindo-a como um com-
portamento. O macaco, que representa um ser comum aos demais,
agiu como “mediador” do processo, apresentando na prática as pos-
síveis utilidades de um instrumento, cujo estímulo direto parecia não
servir para a finalidade maior (pegar o alimento). Em outras palavras,
por meio desse experimento e das conclusões de Vygotsky e Luria, po-
demos dizer que os macacos modificaram sua estrutura cognitiva.

Nesse mesmo viés, Souza et al. (2004, p. 35) apontam que a modifi-
cabilidade cognitiva em Feuerstein “ultrapassa o conhecimento formal
transmitido pelos sistemas de ensino”, uma vez que está relacionada
ao uso que a pessoa faz com base em seus recursos mentais para an-
tecipar situações, solucionar problemas e tomar decisões autonoma-
mente, ou seja, modificar-se estruturalmente não quer dizer adquirir
habilidades de modo cumulativo e quantitativo. Ao ressaltar a mo-
dificação estrutural, falamos de uma relação do todo com as partes,
tendência de transformação, conservação e expansão dos novos ele-
mentos em situações diferenciadas.

A modificabilidade no sujeito define o modo que ele lida com o


mundo, com a sociedade, com os indivíduos e com ele mesmo, expan-
dindo-se e determinando sua identidade.

Beyer (1996) afirma que o desenvolvimento cognitivo para Feuerstein


acontece de duas formas: pela interação direta e pela mediação. Assim,
embora o cerne da teoria de Feuerstein esteja na experiência da apren-
dizagem mediada, ele não exclui a importância do estímulo direto do
objeto em um determinado meio. Porém, Feuerstein (1986) aponta que
a presença de uma mediação durante a aprendizagem autônoma da
criança pode amplificar fortemente o seu potencial de aprendizagem.

Para construir seu modelo, Feuerstein (1994) se aproxima muito de


Piaget no que se refere ao conceito de autonomia e abstração reflexio-
nante. Para Piaget (1995), a cada desafio o sujeito ressignifica suas es-
truturas cognitivas em outra dimensão, em outro nível de abstração. A

84 Empreendedorismo na Educação
“abstração reflexionante” tem como mediação não só a interação com
outro sujeito, mas também com o objeto e consigo mesmo – reflexio-
nar é pensar sobre o seu próprio pensamento. Feuerstein ressignifica
a construção autônoma da aprendizagem, definindo-a como “aprendi-
zagem direta” e confere a ela a função do mediador, representado pelo
elemento humano.

No entanto, de acordo com Souza et al. (2004, p. 56):


(o)s indivíduos diferem muito quanto à capacidade de modi-
ficar-se, de mudar de estrutura cognitiva, além de mudar seu
conhecimento, suas funções e operações quando são expostos
diretamente aos estímulos. Algumas pessoas são expostas a cer-
tas experiências ao longo da vida sem que sejam afetadas por
elas e sem sofrerem modificação em seus graus de adaptação.

Na aprendizagem mediada, o processo de aprendizagem não se


dá somente pela exposição ao estímulo, mas por intermédio de um
mediador (humano), que medeia a sua relação com o meio e/ou com
os objetos. A aprendizagem, nesse caso, é intencional, planejada. No
processo de mediação, é preciso dar à criança/aprendiz a possibilidade
de refletir sobre a situação, dar subsídios para a construção de uma
postura metacognitiva, ou seja, que consista em fazer a criança pensar
sobre a sua forma de pensar.

Feuerstein (1980, p. 15-16) afirma que, pela experiência da aprendi-


zagem mediada,
os estímulos emitidos pelo meio são transformados por um
agente mediador. […] Esse agente mediador, motivado por suas
intenções, cultura e envolvimento emocional, seleciona e orga-
niza o mundo dos estímulos para a criança. O mediador sele-
ciona os estímulos que são mais apropriados e então os filtra e
os organiza. Por meio desse processo de mediação, a estrutura
cognitiva da criança é afetada.

Vygotsky (1989) também entende que o conhecimento é construído


socialmente. Como a criança já nasce em um mundo social, a cons-
trução do real é mediada pela dimensão interpessoal (com os outros)
antes de ser internalizada pela criança, na dimensão intrapessoal. Nes-
se mesmo sentido, para Feuerstein (apud DA ROS, 2002, p. 20), o “pro-
cesso de desenvolvimento e aprendizagem compreende a presença do
outro como representante da cultura e mediador de sua apropriação”.

O papel da mediação no desenvolvimento do perfil empreendedor 85


Assim, o trabalho do professor pode se organizar de modo que os
sujeitos avancem em seus processos de aprendizagem, tornando o am-
biente propício para desenvolvimento integral de seus estudantes e ar-
ticulando diferentes situações e ações pedagógicas para potencializar
a sua aprendizagem, seja sob o ponto de vista dos conhecimentos, das
habilidades ou, ainda, das atitudes.

Figura 1
Modelo da experiência de aprendizagem mediada

Fonte: Feuerstein, 1994, p. 7.

Livro Considerando a Figura 1, o organismo (O), representado por quem


está em processo de aprendizagem, recebe estímulos (S) e constrói
uma resposta (R). No entanto, o estímulo direto, segundo Feuerstein,
não garante uma aprendizagem mais efetiva. O fator humano (H) não
é somente o mediador, mas também o processo de interlocução reali-
zado por ele. “O mediador entrega para ao mediado componentes que
serão responsáveis por sua habilidade de entender fenômenos, procu-
rar entre eles associações e conexões e assim se beneficiar deles e ser
modificado” (FEUERSTEIN; FEUERSTEIN; FALIK, 2014, p. 65).
A obra de Feuerstein é
Mas existe uma diferença entre mediação e facilitação. Antecipar-se
muito rica, mas se você
quiser explorar ainda à resposta da criança diante de uma situação-problema, por exemplo,
mais esses conceitos
não propicia a modificabilidade cognitiva, sendo que a pessoa, ao invés
fantásticos, sugerimos a
leitura do livro Além da de mediar a aprendizagem, passa a facilitar o processo para o outro
inteligência: aprendizagem
indivíduo, que não estabelece relação estrutural de aprendizagem nes-
mediada e a capacidade
de mudança do cérebro. ses casos.
Esse livro foi publicado
em português em 2014, É muito comum, em sala de aula, o professor questionar os alunos
e foi escrito por Reuven
diante de algumas situações para verificar o quanto estão alinhados com
Feurstein, Refael Feurstein
e Louis Falik. Vale muito a os objetivos de aprendizagem. Muitos docentes, ao escutar uma resposta
pena a leitura!
incorreta, simplesmente recorrem a outro estudante ou, ainda, dão a res-
FEUERSTEIN, R.; FEUERSTEIN, R.; posta que gostariam de escutar. Esse tipo de atitude, sob o ponto de vista
FALIK, L. H. São Paulo: Vozes, 2014.
da modificabilidade cognitiva, não ajuda o estudante nem o professor.

86 Empreendedorismo na Educação
Ao escutar uma resposta incorreta, o professor deve questionar ao
aluno o porquê de sua resposta. Dessa forma, com base no feedback do
estudante, o docente pode pensar em mecanismos e estratégias para
alinhar o estudante em seu processo de aprendizagem, oferecendo
estímulos mais assertivos, para que possa, com autonomia mediada,
desenvolver a habilidade de abstração.

Para Feuerstein, quando a mediação não é exitosa, a responsabili-


dade nunca é só da criança/aprendiz, mas também do sujeito que atua
como mediador.

Para suprimir estas falhas, Feuerstein (1994) cria 12 critérios de me-


diação, que serão a base para entendermos o potencial da mediação
no desenvolvimento das competências.

4.3 Mediação como princípio do


desenvolvimento de competências
Vídeo
Segundo Feuerstein (1994), a mediação era fator fundamental para
o desenvolvimento da aprendizagem. Para explicar essa relação, ele
apresentou 12 critérios de mediação.

Figura 2
Critérios de mediação INTENCIONALIDADE E
1 RECIPROCIDADE

TRANSCENDÊNCIA 2

3 MEDIAÇÃO DO SIGNIFICADO

MEDIAÇÃO DO SENTIMENTO
4
DE COMPETÊNCIA

MEDIAÇÃO DA REGULAÇÃO
5 E CONTROLE DE
COMPORTAMENTO
MEDIAÇÃO DO
COMPORTAMENTO DE 6
COMPARTILHAR

MEDIAÇÃO DA
7 INDIVIDUALIZAÇÃO E
DIFERENCIAÇÃO PSICOLÓGICA
(Continua)

O papel da mediação no desenvolvimento do perfil empreendedor 87


MEDIAÇÃO NA BUSCA,
8 COLOCAÇÃO E ALCANCE DE
OBJETIVOS
MEDIAÇÃO DA BUSCA POR
DESAFIO, NOVIDADE E 9
COMPLEXIDADE
MEDIAÇÃO DA CONSCIÊNCIA
10 DA MODIFICABILIDADE

MEDIAÇÃO DA ALTERNATIVA
11
OTIMISTA

12 MEDIAÇÃO DO SENTIMENTO
DE PERTENÇA

Importante Fonte: Feuerstein, 1994 apud Hinckel, 2016, p. 80.

Até 1994, somente os três Os critérios universais de mediação da aprendizagem foram assim
primeiros critérios eram
considerados universais. A definidos por Feuerstein por serem decisivos para o processo de me-
partir de 2004, o décimo diação, necessitando, dessa forma, estarem presentes em todo ato
critério foi incluído por
Feuerstein, pois ele enten- mediado. Na Figura 2, você pode ver os critérios universais em des-
deu que, se mediadores e taque. A seguir, vamos explorar cada um dos critérios universais de
mediados não acredita-
rem na sua capacidade mediação e sua relação com o desenvolvimento de competências para
de modificação, ela não o empreendedorismo.
acontece.
a. Intencionalidade e reciprocidade: a intencionalidade refere-se
à obviedade, ou seja, ter em mente os objetivos e os porquês
daquele conteúdo ou ação pedagógica, tornando-os explícitos
aos estudantes. Por exemplo, em uma aula do primeiro ano
do ensino fundamental, o professor fará a intencionalização
do conteúdo planejado: “com esse conteúdo você aprenderá
as letras e como elas se juntam para formar palavras e frases.
Você já conhece as letrinhas? Onde podemos encontrá-las? Você
sabia que as letras servem para que você possa se comunicar,
fazer a leitura de livros, rótulos e placas, além de escrever e-mails
e cartas? As palavras são como códigos, que são utilizados em
todas as situações da nossa vida. Estão em todos os lugares,
na nossa casa, na escola, nas ruas, nos parques, hospitais, pois
facilitam a comunicação dos seres humanos entre si e com os
objetos e situações.

Quanto maior a intencionalidade e quanto mais evidente ela for,


maior será a possibilidade de reciprocidade do mediado que,

88 Empreendedorismo na Educação
pela mediação intencional, sente-se mais motivado a aprender.
Quando o estudante é recíproco ao ensino, percebemos que ele
se torna consciente de sua aprendizagem. No contexto do em-
preendedorismo educacional, ou de uma educação para o em-
preendedorismo, a intencionalidade nos processos pedagógicos
para o desenvolvimento de comportamentos e competências
empreendedoras poderá ser também determinante para que a
reciprocidade seja percebida nos estudantes. A intencionalidade
tem a ver também com outras características do sujeito que em-
preende, como a visão sistêmica do processo, a identificação de
objetivos, a significação de processos para obtenção de resulta-
dos e a maneira de se assumir riscos. Assim, a intencionalida-
de pode ser prevista no planejamento e implementada tanto na
mediação quanto na avaliação da aprendizagem do estudante –
momento em que o professor pode verificar se a reciprocidade
ocorreu.

b. Transcendência: é a superação dos objetivos previstos em


um currículo fechado, ou seja, é muito mais do que resolver
problemas e situações imediatas. É possibilitar que estudante
e professor, em uma postura de metacognição, encontrem
outras possibilidades de intervenção prática e de utilização
de um determinado conceito dentro de sua realidade. Ao
transcender no processo de mediação, o professor auxilia o
estudante a ter visão, a correlacionar contextos e a transcender
em seu desenvolvimento cognitivo, por meio da modificabilidade
de seus padrões de comportamento. A transcendência no
empreendedorismo pode ser comparada à inovação e à postura
proativa do sujeito de encontrar outras soluções diante de uma
mesma realidade ou objeto e implementá-las.
c. Mediação do significado: busca relacionar os conteúdos ou o
que precisa ser apreendido em uma situação que faça parte da
realidade dos mediados, ou seja, que estes sejam capazes de
perceber uma aplicabilidade prática para tal aprendizagem. Para
Souza et al. (2004, p. 24), “o significado diz respeito ao valor, à
energia atribuída à atividade, aos objetos e aos eventos, tornando-
os relevantes para o mundo. Devido a esse critério, o mediador
não assume uma atitude neutra”. Assim, o mediador engaja-se e
encoraja seus estudantes a realizarem uma atividade, explicando
o porquê de sua realização e percebendo se os estímulos e as

O papel da mediação no desenvolvimento do perfil empreendedor 89


estratégias selecionadas estão sensibilizando os mediados. Esse
critério de mediação tem relação com o perfil (comportamento)
de liderança, em que os sujeitos, por meio da significação e
contextualização de situações, fazem-se entender e motivam os
demais sujeitos na realização de tarefas.
d. Mediação da consciência da modificabilidade: representa
a necessidade de o mediador não somente acreditar na
modificabilidade do seu mediado, mas também conscientizá-lo
de que todos são modificáveis, inclusive ele. O mediador só será
capaz de mediar a modificabilidade cognitiva do mediado quando
ele mesmo perceber que pode ser modificado. Considerando
a perspectiva empreendedora, o critério da consciência da
modificabilidade corresponde à ação em situações de incerteza,
na crença e na habilidade de desenvolver essa mesma confiança
em outras pessoas envolvidas no processo. Pode ser estabelecida
uma relação com a tomada de riscos calculados, uma vez que
mediador e mediados precisam assumir os riscos de sua
modificação.

Vinculado aos critérios, Feuerstein (1994, p. 5) trabalha cinco axio-


mas que devem ser considerados no ato de mediar:
1. Todos os seres humanos são modificáveis.
2. Esta pessoa específica que estou educando (qualquer uma que
poderíamos talvez duvidar da modificabilidade) pode ser ajuda-
da a modificar-se.
3. Eu próprio sou um mediador capaz de, efetivamente, ajudar
essa criança a modificar-se.
4. Eu mesmo sou modificável.
5. A sociedade, e a opinião pública, na qual estou inserido pode
ser modificada por mim ou por qualquer outro indivíduo inseri-
do nela.

Levando em consideração os postulados apresentados e as teorias


expostas, tanto de Vygotsky quanto de Feuerstein, podemos afirmar
que, ao se perceber como agente de modificabilidade do outro, o me-
diador do processo de ensino-aprendizagem poderá, mais do que “en-
sinar” conteúdos teóricos, tornar-se referencial para os seus mediados,
desenvolvendo intencionalmente as competências e comportamentos
para atuação integral do sujeito em sua vida e em sociedade. Isto é,
o mediador torna-se o sinônimo de um professor profissionalmente

90 Empreendedorismo na Educação
capaz de dar sustentação à prática pedagógica, com o objetivo de de-
senvolver a aprendizagem dos estudantes (ALMEIDA, 2009).

Para que essa competência do professor seja desenvolvida, ou seja,


para que ele tenha subsídios para desenvolver as bases que sustentam
suas práticas, faz-se necessário um processo de formação continuada
que lhe assegure autonomia no exercício de sua função, a qual, assim
como outras, requer conhecimentos, habilidades e atitudes específicas.

Como vivemos em um mundo marcado pela transformação e volati-


lidade, esse deverá ser um processo contínuo, em que, na/pela prática,
o professor aprenda e reaprenda processos relacionados à mediação
e ao ensino-aprendizagem como elementos indissociáveis do fazer pe-
dagógico. Para que o docente seja um mediador, faz-se necessário que
ele mesmo se reconheça como tal.
A formação docente tem como objetivo propiciar um domínio
adequado da ciência, da técnica e da arte da profissão docente,
além de permitir o desenvolvimento de sua competência profis-
sional. Para que os professores se constituam como sujeitos res-
ponsáveis pela organização do processo de ensino, é essencial
a apropriação de componentes do trabalho educativo, como os
objetivos, as técnicas, os saberes, os resultados do próprio traba-
lho, a situação profissional vivida e o seu papel social (ALMEIDA,
2009, p. 112).

É nessa complexa trama entre os saberes teóricos, os saberes práti-


cos e as atitudes conscientes e intencionais do professor que a tomada
de decisão, nas ações pedagógicas, torna-se assertiva e fundamentada,
agregando valor não só ao processo educacional, mas, principalmente,
à potencialização da aprendizagem dos estudantes e ao desenvolvi-
mento de suas competências para a vida em sociedade.

Mesmo que o estudante tenha uma parcela muito grande de res-


ponsabilidade com relação à sua aprendizagem, a mediação do profes-
sor possui, na maioria das vezes, caráter decisivo nesse processo.

Como ser social, o indivíduo busca modelos para consolidar conhe-


cimentos e apreender o mundo com base em suas convicções. Nesse
sentido, se o objetivo é que os estudantes desenvolvam comporta-
mentos proativos, inovadores e crítico-reflexivos em suas escolas, o
mediador deve ser e demonstrar, pela ação, todo o seu potencial de
autonomia, criatividade, empreendedorismo e inovação, no intuito de

O papel da mediação no desenvolvimento do perfil empreendedor 91


que seus mediados possam, pelos critérios universais de mediação de
Feuerstein, “aprender a ser” pela percepção do outro.

Nem sempre uma mediação cuja estratégia seja verbalizada será a


que surtirá mais efeito no processo de aprendizagem. O dito popular
“uma imagem vale mais do que mil palavras” pode ser utilizado para

Vídeo essa situação e, também, ser facilmente alterado para “uma ação vale
mais do que mil palavras”, afinal uma ação é transformada em imagem
Para ilustrar a importân-
cia da mediação para mental na cabeça do mediado, como se fosse múltiplas fotografias.
o desenvolvimento de
competências para a Mas o que isso tudo quer dizer?
vida, indicamos assistir
ao vídeo A Escola Ideal - o Se um professor (mediador) pretende desenvolver em seus estu-
papel do professor, em que dantes (mediados) competências ou comportamentos empreende-
Rubem Alves fala sobre
a mediação assertiva e dores, não adianta somente falar sobre, ele precisará ter em si esses
o papel dos professores comportamentos desenvolvidos, ao ponto de serem percebidos em
nesse processo.
sua forma de ser, agir e pensar o mundo.
Disponível em: https://youtu.
be/qjyNv42g2XU. Acesso em: 23 Portanto, muito mais do que cobrar comportamentos e competên-
jun. 2021.
cias, o professor mediador deve, também, tê-los desenvolvidos, signifi-
cando-os e demonstrando isso na/pela prática.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este foi um capítulo um pouco mais teórico, mas extremamente im-
portante para a compreensão de como os processos de aprendizagem
se dão e do quão importante é a mediação para o desenvolvimento dos
sujeitos em/na sociedade.
Por meio deste capítulo, foi possível compreendermos o quanto os cri-
térios universais de mediação são essenciais para a aprendizagem e para
o desenvolvimento dos comportamentos e das competências empreen-
dedoras, tanto pelos estudantes quanto pelos professores; afinal, como
mediar e ser exemplo se não disponibilizarmos os estímulos adequados
aos mediados?
Se o contexto social influencia o desenvolvimento e a aprendizagem
dos sujeitos, e se os processos de mediação são determinantes para que
isso aconteça, compreender o papel da escola e buscar estratégias para
realinhar as práticas pedagógicas são questões fundamentais.
Nesse sentido, se somos o resultado de nossas experiências, a escola
precisa oportunizar aos estudantes, na prática e pela prática, a possibi-
lidade de desenvolvimento das competências para viver em sociedade.

92 Empreendedorismo na Educação
E você, que tipo de professor quer ser? Com certeza aquele que acre-
dita, medeia o processo de aprendizagem e cria estímulos que sejam ca-
pazes de motivar os estudantes, de modo intencional e significativo, em
sua jornada de aprendizagem para a vida.

ATIVIDADES
Vídeo 1. Analise a imagem a seguir:

Considerando os estudos realizados acerca das zonas de


desenvolvimento da aprendizagem, estabeleça uma relação entre a
imagem e a teoria vygotskyana de aprendizagem.

2. Durante os estudos deste capítulo, você pôde perceber o quão


importante é a mediação para o desenvolvimento da aprendizagem
dos sujeitos. No entanto, é muito comum encontrarmos práticas
disfarçadas de mediação, quando na verdade correspondem a práticas
facilitadoras. Qual é a diferença entre mediação e facilitação, e qual
é o impacto da facilitação no desenvolvimento da aprendizagem do
estudante?

REFERÊNCIAS
ALMEIDA, M. I. Professores e competência: revelando a qualidade do trabalho docente. São
Paulo: Summus, 2009.
BEYER, H. O. O fazer psicopedagógico: a abordagem de Reuven Feuerstein a partir de Piaget
e Vygotsky. Porto Alegre: Mediação, 1996.
DA ROS, S. Z. Pedagogia e mediação em Reuven Feuerstein: o processo de mudança em
adultos com história de deficiência. São Paulo: Plexus, 2002.
FEUERSTEIN, R.; FEUERSTEIN, R.; FALIK, L. Além da inteligência: aprendizagem mediada e a
capacidade de mudança do cérebro. Rio de Janeiro: Vozes, 2014.

O papel da mediação no desenvolvimento do perfil empreendedor 93


FEUERSTEIN, R. et al. A Mediated Learning Experience (MLE). Theoretical, Psychosocial and
Learning Implications. 2. ed. London, England: Freund Publishing House Ltd., 1994.
FEUERSTEIN, R. et al. Instrumental enrichment. Illinois, USA: Scott, Foresman and Company,
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FEUERSTEIN, R. et al. Learning to learn: mediated learning experiences and instrumental
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FEUERSTEIN, R. et al. L.P.A.D. Evaluación dinámica del potencial de aprendizaje. Trad. de Juan
Santisteban e José Maria Martinez. Madrid: Ediciones BRUÑO, 1993.
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MORAES. A gênese da linguagem na teoria sócio-cultural de L. S. Vygotsky, 2010. Disponível
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OLIVEIRA, M. K. Vygotsky: aprendizagem e desenvolvimento - um processo sócio-histórico.
São Paulo: Scipione, 2000.
PIAGET, J. Abstração reflexionante. Porto Alegre: Artes Médicas. 1995.
SOUZA, A. M. M. et al. A mediação como princípio educacional: bases teóricas das abordagens
de Reuven Feuerstein, São Paulo: SENAC, 2004.
VARELA, A. Informação e autonomia: a mediação segundo Feuerstein. São Paulo: SENAC,
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VYGOTSKY, L. S.; LURIA A. R. Estudos sobre a história do comportamento: o macaco, o
primitivo e a criança. Porto Alegre: ARTMED, 1996.
VYGOTSKY. L. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
WALLON, H. Origem do pensamento da criança. São Paulo: Manole, 1989.

94 Empreendedorismo na Educação
5
Orientação Empreendedora
Educacional
Uma frase célebre que foi reproduzida por Paulo Freire em muitas de
suas entrevistas fala que devemos buscar ao máximo reduzir a distância
entre o que falamos e o que fazemos até o ponto em que nossas falas se
transformem em nossas práticas.
Fala-se muito sobre empreendedorismo e sobre sua aplicação no
contexto educacional, mas poucos de fato conseguem compreender os
mecanismos para a implementação desses conceitos e teorias. Mas o que
falta para que essa compreensão ocorra? Na dúvida, podemos dizer que,
quando algo não faz sentido para os sujeitos, não estará claro o suficiente
para que seja implementado de maneira intencional. Criar esse ponto de
conexão entre o que precisa ser realizado e aquilo que já é feito pode ser
complexo e desafiador, principalmente quando o objetivo é ressignificar
práticas e comportamentos na educação.
Durante muito tempo o empreendedorismo não conseguiu se efeti-
var de modo satisfatório na educação devido à falta de elementos capa-
zes de conectar a estrutura do processo pedagógico às dimensões que
constituem o empreendedorismo e que são delineadas pela Orientação
Empreendedora Educacional (OEE).
Neste capítulo você compreenderá as implicações pedagógicas da
OEE tanto na educação quanto na perspectiva de desenvolvimento dos
sujeitos para que eles vivam na/em sociedade.

Objetivos de aprendizagem
Com o estudo deste capítulo, você será capaz de:
• conhecer a OEE (Orientação Empreendedora Eduacional);
• refletir sobre os processos educativos, reconhecendo o papel
dos sujeitos e do contexto para uma “educação de qualidade”;
• reconhecer o espelhamento no processo de mediação;
• compreender o funcionamento e a conexão entre as partes do
Framework de gestão das práticas pedagógicas.

Orientação Empreendedora Educacional 95


5.1 Orientação Empreendedora Educacional
Vídeo Você já ouviu falar em OEE?

Se você não é um estudioso da área do empreendedorismo na edu-


cação, possivelmente não, pois esse é um conceito bastante recente e
que foi desenvolvido em 2016, por Nágila Hinckel.

Assim como o Empreendedorismo Educacional é um desdobra-


mento dos conceitos do empreendedorismo – sendo idealizado por
Joseph Schumpeter –, a OEE também é uma aproximação metafórica
da Orientação Empreendedora (OE) de Danny Miller (1983) e Jeffrey
Covin e Dennis Slevin (1989).

Para esses autores, a OE emerge do empreendedorismo e corres-


ponde a uma ferramenta que, por meio da análise dos indicadores
preestabelecidos, fornece à empresa ou ao gestor a percepção quan-
to ao seu nível/capacidade para empreender, considerando as três di-
mensões por eles definidas: inovação, proatividade e tomada de risco.

Como estudante de licenciatura, como professor ou como parte


de uma equipe de gestão educacional, você sabe que pensar a edu-
cação e os processos que permeiam essa estrutura é algo complexo
e multifatorial. Isso envolve refletir e explorar diferentes atores, fato-
res e práticas que impactam a eficácia do ensino e da aprendizagem.
Isso também acontece quando buscamos aproximar o empreende-
dorismo da educação ou, ainda, o mundo do trabalho do mundo da
educação.
Adotar uma pedagogia diferenciada significa desaprender, des-
construir, ultrapassar as práticas antigas para mudar. Isso não
pode ser feito de forma inconsciente, com rejeição ou esqueci-
mento, mas com a integração do passado com as novas perspec-
tivas. (PERRENOUD, 2001, p. 44)

Em outras palavras, Perrenoud (2001) fala sobre a importância do


que Freire (1996) chamava de tríade ação-reflexão-ação, entendendo
que é fundamental que os sujeitos envolvidos no processo estejam
dispostos para avaliar as práticas, bem como para compartilhar seus
conhecimentos e limitações, buscando entender as dificuldades, des-
construindo resistências e aprendendo a desenvolver mecanismos e
práticas significativas ao contexto. Não é simplesmente apagar o que

96 Empreendedorismo na Educação
já foi desenvolvido, mas ressignificar as ações alinhando-as às neces-
sidades tencionadas pelo contexto.

Considerando a estrutura educacional e o perfil dos atores histo-


ricamente construídos, professores e estudantes nem sempre conse-
guem identificar ou obter dados que lhes forneçam informações mais
concretas sobre, por exemplo, os limites no fluxo de ensino e aprendi-
zagem. Essas informações são fundamentais para que se possa rede-
senhar e potencializar as ações em prol da realização dos objetivos de
uma disciplina ou de um ciclo letivo.

A OEE surge da necessidade de arquitetar a aprendizagem por meio


de práticas intencionais e mediadas, sendo organizada como ferramen-
ta para diagnosticar atitudes e comportamentos inerentes à prática do-
cente, propiciando a todos os envolvidos um panorama do processo
pedagógico e favorecendo, dessa forma, uma intervenção mais efetiva.
Esse cenário serve como plano de fundo para a autoanálise do proces-
so educacional, bem como para implementação de um realinhamen-
to pedagógico por meio da abordagem utilizada na modificabilidade
cognitiva estrutural de Feuerstein e que será apresentada ainda neste
capítulo.

Em um movimento análogo entre a educação (processos pedagó-


gicos) e as dimensões da OE de Miller (1983), representada pela proa-
tividade, inovação e tomada de risco, Hinckel (2016) propõe que, ao
considerar a OEE, a proatividade representa os objetivos traçados e
a capacidade de tomar iniciativa e estabelecer estratégias em ambien-
tes de incerteza; a inovação/inovatividade é percebida na utilização
significativa de recursos, ferramentas e tecnologias, em um conjunto
intencional e sistematizado de intervenções, decisões e processos que
se propõe a modificar atitudes, ideias, culturas, conteúdos e práticas
educativas (CARBONELL, 2002); e a tomada de risco configura-se pela
implementação das estratégias e dos recursos previstos para/durante
o processo educacional, do planejamento à avaliação.

Para que você possa visualizar melhor essa perspectiva, analise o


quadro a seguir, que apresenta as dimensões da Orientação Empreen-
dedora (inovação, proatividade e tomada de risco) sob a perspectiva
educacional da gestão das práticas pedagógicas.

Orientação Empreendedora Educacional 97


Quadro 1
Gestão das práticas pedagógicas

Dimensões da Orientação Empreendedora Educacional


Orientação
­Empreendedora (Gestão da prática pedagógica)

Consiste na capacidade de ação antecipada mediante a per-


cepção do todo e a prospecção de necessidades ou mudanças
Proatividade
que tenham um reflexo direto nas formas de ensinar e apren-
der em cenários educacionais.

Configura-se pela utilização, no ambiente educacional, de


Inovação ideias, recursos e tecnologias originais ou pela utilização origi-
nal de recursos, tecnologias e métodos já existentes.

O ato de assumir o risco na educação pode ser percebido ao


longo de todo o processo educacional, ou seja, desde o plane-
Tomada de jamento, passando pela prática, até a fase de avaliação. Sendo
risco assim, em ambientes educacionais, a tomada de risco implica
a implementação das estratégias e dos recursos previstos du-
rante/para o processo.
*Os conceitos elaborados para cada uma das dimensões da OE, na prática pedagógica, partem da
confluência entre as teorias de Paulo Freire (1996) e Edgar Morin (2008).
Fonte: Hinckel, 2016, p. 88.

Conforme você pode identificar no quadro, a OEE, por meio de cada


uma das suas dimensões, manifesta-se pela ação dos professores (em-
preendedores educacionais) durante o desenvolvimento das suas prá-
ticas, seja na organização do planejamento, na estrutura da avaliação
ou na mediação pedagógica.

Para mensurar o potencial de OEE, Hinckel (2016) organizou um ins-


trumento que busca relacionar cada uma das suas dimensões com as
categorias da prática pedagógica.

A estrutura do instrumento adota a seguinte lógica: a OEE é com-


posta de três dimensões, sendo que cada uma delas é subdivida em
categorias relacionadas com o processo pedagógico (planejamento,
mediação e avaliação). Cada categoria possui indicadores associados
tanto às dimensões da OEE quanto às práticas consideradas asserti-
vas em todo o contexto da ação pedagógica, conforme o quadro que
segue:

98 Empreendedorismo na Educação
Quadro 2
Organização das dimensões conceituais, categorias e indicadores para análise da OEE

Dimensões
Cate-
da OEE Indicadores Observações
gorias
(conceitual)

1. Analisa e compreende o contexto educa-


cional antes de planejar.
2. Identifica o planejamento, a mediação e
a avaliação como elementos do processo
pedagógico.
3. Está sempre disposto a aprender.
4. Constrói planos de aula com antecedên-
cia, mesmo que a instituição não cobre 1. O contexto educacional é ca-
um planejamento formal. racterizado pela legislação edu-
5. Encaminha seu planejamento para aná- cacional vigente, pelo projeto
lise da coordenação pedagógica ou do político pedagógico institucional,
organização curricular, infraes-
Planejamento

técnico pedagógico da instituição de en-


sino (mesmo que isso não seja uma obri- trutura física e tecnológica.
gação). 3. Formação continuada (cursos
6. Identifica antecipadamente e transcre- livres, de extensão, especializa-
ve nos planos o que o estudante deve ção, pós-graduação stricto e lato
aprender com os conteúdos que serão sensu).
abordados. 7. Os recursos aos quais este in-
7. Organiza o processo pedagógico con- dicador se refere são didáticos,
siderando a infraestrutura escolar e os tecnológicos e estruturais.
Proatividade

recursos.
8. Prevê, no momento do planejamento,
outras linhas de atuação para o caso de
o planejamento desenvolvido tornar-se
falho
9. Sente-se motivado para planejar suas
aulas.
13. A intencionalidade é marcada
10. Acredita no potencial de desenvolvimen-
durante a mediação quando o
to da aprendizagem de todos os estu-
professor verbaliza para o es-
dantes.
tudante o porquê de se ensinar
11. Dispõe-se a ensinar de diferentes formas um conteúdo, para que esse
para que os estudantes aprendam. conteúdo serve, como ele pode
12. Realiza um diagnóstico do perfil do estu- ser aplicado na vida real e os
Mediação

dante (afinidades, forma de pensar) antes seus impactos na vida das pes-
de mediar a aprendizagem. soas e na sociedade.
13. Tem intencionalidade nas suas práticas, 14. A contextualização é situar o es-
visando à reciprocidade. tudante no tempo e espaço com
relação a determinado conteú-
14. Contextualiza os conteúdos.
do.
15. Transcende os conteúdos curriculares,
15. Transcender é o mesmo que ul-
relacionando a teoria com situações
trapassar os limites curriculares
reais.
do conteúdo.
(Continua)

Orientação Empreendedora Educacional 99


Dimensões
Cate-
da OEE Indicadores Observações
gorias
(conceitual)

16. Medeia o conhecimento, considerando o que o es- 18. Os objetivos de apren-


tudante já sabe e o que ele deve aprender. dizagem são apresen-
tados no plano de aula

Mediação
17. Analisa o contexto da turma antes e durante o pro-
do professor e cor-
cesso de mediação.
respondem às ações
18. Altera suas práticas de acordo com as necessida- dos estudantes que
des dos seus estudantes, sem perder o foco dos demonstram ter apren-
objetivos de aprendizagem. dido.
Proatividade

19. Constrói instrumentos de avaliação que favoreçam


a análise da aprendizagem do estudante e das
suas práticas como professor.
20. Identifica os indicadores de aprendizagem. 21. Feedback é o retorno ao
estudante quanto à sua
21. 2Apresenta feedback claro, direcionando e median-
Avaliação

aprendizagem. O pro-
do o processo de aprendizagem do estudante.
fessor deve orientar o
22. Percebe a avaliação do estudante também como estudante em suas di-
um instrumento de reflexão sobre as suas práticas ficuldades para que ele
como docente. possa superá-las.
23. Desenvolve instrumentos de avaliação consideran-
do e apresentando os indicadores de aprendiza-
gem do estudante.
24. Estabelece o uso criativo de antigas técnicas de
aprendizagem.
25. Define diferentes recursos e métodos de ensino.
26. Planeja articulando situações reais e contextuali-
Planejamento

zando-as com a teoria.


27. Planeja e replaneja suas aulas considerando as es-
pecificidades da turma.
28. Aceita sugestões que possam incrementar o pla-
nejamento pedagógico.
29. Organiza seu planejamento de modo interdiscipli-
Inovação

nar com outros professores, buscando mais asser-


ção no fazer pedagógico.

30. Utiliza um mesmo recurso de diferentes formas e


em situações distintas.
Mediação

31. Aplica diferentes estratégias para potencializar a


aprendizagem do estudante.
32. Explora e instiga a participação do estudante na
análise de diferentes pontos de vista.
33. Transcende o contexto curricular.

(Continua)

100 Empreendedorismo na Educação


Dimensões
Cate-
da OEE Indicadores Observações
gorias
(conceitual)

34. Aplica diferentes modelos avaliativos.

Avaliação 35. Auxilia o estudante na construção de trilhas de


Inovação

aprendizagem durante o feedback das avaliações.


36. Reorganiza suas práticas, criando soluções para os
deficit de aprendizagem detectados nos momen-
tos de avaliação para a aprendizagem.
Planejamento

37. Assume os riscos do planejamento pedagógico


(escolha de estratégias, métodos, recursos e ativi-
dades avaliativas) e reorganiza o processo sempre
que sente necessidade.
Tomada de risco

Mediação

38. Reconhece os impactos das suas escolhas (no mo-


mento do planejamento) durante a prática peda-
gógica.
Avaliação

39. Define instrumentos de avaliação para mensurar


o desenvolvimento do estudante e a assertividade
das suas escolhas.

Fonte: Hinckel, 2016, p. 117.


Podcast
Na coluna de observações são apresentados alguns comentá-
Para compreender como
rios, com a numeração do indicador, com o objetivo de facilitar o en- funcionou o processo de
tendimento – tanto de quem aplica quanto de quem preencherá o concepção da estrutura
que deu origem ao instru-
questionário. mento de análise da OEE,
sugerimos o podcast,
E como o instrumento final está organizado?
desenvolvido por Hinckel
(2021), disponibilizado por
O Quadro 2 foi a base para composição do instrumento de OEE, que
meio do YouTube.
contempla 38 indicadores (subdivididos entre as dimensões da OEE),
Disponível em: https://youtu.be/
sendo que 12 se referem à inovação; 23, à proatividade; e 3, à tomada L04rq-3nnm8. Acesso em: 24
de riscos, conforme demonstra a tabela a seguir. jun. 2021.

Orientação Empreendedora Educacional 101


Tabela 1
Relação quantidade de indicadores, pontuação e percentual

Total de Pontuação % de pontua-


OEE
indicadores máxima ção máxima
Inovação 13 1300 31,58%
Proatividade 23 2300 60,53%
Tomada de risco 3 300 7,89%
Total 39 3900 100,00%

Fonte: Hinckel, 2016, p. 122.

As opções de escolha do professor no instrumento são definidas


por meio de uma escala conceitual:
Atenção
Os valores referenciais • Nunca = 0 pontos;
não representam a
• Poucas vezes = 40 pontos;
prática propriamente dita,
mas facilitam a percepção • Na maioria das vezes = 80 pontos;
quanto à frequência com
que os dados aparecem. • Sempre = 100 pontos.

O empreendedor educacional com alto potencial de OEE – ou seja,


que inova, é proativo e assume os riscos de sua escolha no processo
educacional – deve ter uma pontuação acima de 80%.

Vale lembrar que o instrumento de OEE objetiva levantar dados


relacionados à autoanálise do professor em relação à sua orientação
empreendedora educacional, que tem potencial para se configurar em
subsídio para observação, análise e elaboração de um modelo de ges-
tão do processo educacional.

Você deve estar se perguntando: quem responde a esse instrumen-


to? Basicamente, quem responde ao instrumento é o próprio professor,
em um processo de reflexão sobre a suas práticas. No entanto, esse
instrumento não pode e não deve ser analisado isoladamente, uma vez
que muitos professores, por não conhecerem a fundo a legislação e os
métodos pedagógicos da instituição em que atuam, acabam tendo a
falsa impressão de que suas práticas atendem quase que plenamente
aos aspectos apontados no instrumento.

Só que, na maioria das vezes, essa é uma visão limitada. Por isso,
faz-se necessário que a coordenação pedagógica também realize esse
olhar tendo como base a observação das práticas dos docentes e a per-
cepção dos estudantes, que pode ser extraída por meio de um ques-
tionário simples.

102 Empreendedorismo na Educação


Por meio da inter-relação entre esses diferentes olhares é que se
torna possível completar a tríade freireana de ação-reflexão-ação,
transformando-a em um processo de ressignificação cíclica. As lacunas
referentes ao entendimento da metodologia institucional, com base
na análise da autoavaliação docente e nas práticas em sala de aula –
observadas pela coordenação ou pelos especialistas pedagógicos –,
­associadas à visão do estudante sobre a prática docente, favorecem o
realinhamento do processo educacional.

A soma desses diferentes olhares para a ressignificação do proces-


so dá subsídios à observação, análise e elaboração de um modelo de
gestão do processo educacional que considera a intencionalidade, a
significação e a transcendência das práticas.

Figura 1
Diferentes percepções das práticas pedagógicas

AUTOANÁLISE ESTUDANTES
DOCENTE

PRÁTICAS
PEDAGÓGICAS
INSTITUIÇÃO
(COORDENADOR,
PEDAGOGA)

Fonte: Hinckel, 2016, p. 123.

Note que a análise não é sobre a pessoa, mas sim sobre as práticas
desenvolvidas pelos sujeitos e que interferem sobremaneira no resul-
tado esperado.

Se os estudantes não estão desenvolvendo as competências neces-


sárias para o século XXI, há uma possibilidade muito grande de que as
práticas e os processos educativos estejam sendo insuficientes. Nesse
mesmo sentido, se um gestor ou docente não demonstra ter aperfei-
çoado a competência para o desenvolvimento da aprendizagem dos
seus mediados, isso pode ser um sinal de que talvez os processos de

Orientação Empreendedora Educacional 103


mediação da instituição não estejam sendo significativos e intencionais
ao ponto de se transformarem em práticas por meio da ação docente.

Somos seres sociais. Em uma perspectiva vygotskyana, somos o


resultado dos estímulos que recebemos e das relações que estabele-
Para refletir cemos em nossa trajetória. Independentemente da posição que ocu-
A mesma estrutura me- pamos na sociedade, em determinados momentos somos mediados e,
diadora que se busca na
em outros, somos mediadores. Quase sempre, nossa forma de mediar
relação professor-aluno
precisa ser identificada na está conectada com a forma com que fomos mediados.
relação gestão-educacio-
nal-professor. A perspectiva apontada para reflexão foi definida por Hinckel (2016)
como um espelhamento que ocasiona corresponsabilidade nos pro-
cessos mediadores da educação, conforme você pode visualizar na fi-
gura 2.

As diversas esferas mediadoras apresentadas na Figura 2 operam


como um espelhamento, uma se refletindo na outra. Essa é a função
Figura 2
Espelhamento e correspon- principal do modelo expresso no framework (que será apresentado na
sabilidade no processo de
seção 5.3) para que as proposições possam se consolidar.
mediação

MEDIAÇÃO Da mesma maneira que o professor não poderia avaliar


seu estudante por uma competência na qual ele não
estabeleceu relações de mediação compatíveis,
o professor também não poderia ser avaliado
pelo não desenvolvimento de competências
em que o processo de mediação direta não
DIREÇÃO
ESCOLAR tenha sido intencional e significativo ao
ponto de possibilitar a transcendência e
a consciência da sua modificabilidade.
COORDENADOR
PEDAGÓGICO O processo de mediação, como
modificabilidade cognitiva estrutural,
PROFESSORES necessita considerar todos os níveis de
interlocução, entendendo que, mesmo
que cada um ocupe um espaço diferen-
ESTUDANTES
te, todos fazem parte do mesmo processo,
corresponsabilizando-se pelos resultados
obtidos. Observe que quanto mais distante é o
nível de interlocução, maior é a responsabilidade
Fonte: Hinckel, 2016, p. 217.
sobre os resultados.

104 Empreendedorismo na Educação


5.2 Professor como empreendedor
educacional na prática
Vídeo
Todo professor e gestor pedagógico que desenvolve práticas peda-
gógicas com foco na formação de pessoas tem potencial de ser um em-
preendedor educacional, alguns com mais habilidades desenvolvidas,
outros com menos, uma vez que as essências das práticas na educação
por si só já fazem do professor e dos gestores pedagógicos empreen-
dedores educacionais.

A questão principal para que um empreendedor educacional possa


mediar o desenvolvimento das competências demandadas pela socie-
dade é que ele precisa manifestar minimamente essas competências
por meio de suas práticas, na mesma lógica do processo de espelha-
mento apresentado anteriormente.

De acordo com Perrenoud (2001), o professor profissional (compe-


tente) – que chamamos neste livro de empreendedor educacional – deve
saber agir em diferentes situações, com capacidade de refletir durante
sua ação e adaptar-se a uma nova realidade ao mesmo tempo em que
ela acontece. Em outras palavras, o empreendedor educacional, que
tem plena consciência sobre sua prática (teórica e metodologicamen-
te), é reconhecido por sua versatilidade, “sua eficácia, sua experiência,
sua capacidade de resposta e de ajuste a cada demanda, ao contexto
ou a problemas variados”, bem como por sua autonomia e responsabi-
lidade (PERRENOUD, 2001, p. 25).

1 Há muitos professores e gestores pedagógicos que, por estarem


1
O conceito de habitus sustentados em um habitus instituído pelas concepções e práticas de-
foi criado pelo sociólogo senvolvidas, podem não perceber os desafios inovadores que se apre-
Pierre Bourdie e está rela-
cionado à capacidade de sentam, não estabelecendo ações proativas que assumem os riscos de
incorporação de estrutu- inovar e qualificar a educação.
ras sociais que mudam as
formas de sentir, pensar e E aqui podemos evocar vários questionamentos: o que é qualidade
agir dos sujeitos.
na educação? De que modo o empreendedor educacional pode se re-
conhecer como corresponsável por essa qualidade? Ou, ainda, como
um empreendedor educacional pode perceber processos viciosos e
que o impedem de qualificar suas práticas?

Você e muitas outras pessoas, em algum momento, nas escolas, nos


noticiários, nas rodas de conversa, já falaram ou ouviram falar sobre

Orientação Empreendedora Educacional 105


qualidade na educação. Ela é percebida como característica de um pro-
cesso pedagógico efetivo em que haja desenvolvimento educacional e
a formação integral dos sujeitos. Ao longo dos seus estudos e do seu
trabalho como professora e consultora educacional, Hinckel (2016) per-
cebeu que muito se fala, mas pouco se faz – intencional e significativa-
mente – para tentar diminuir a distância entre aquilo que se espera em
termos de qualidade e aquilo que se faz para atingir esse fim.

Assim como propõe Freire (2014), o ato de analisar um cenário ou


uma situação de maneira crítica, ampliando a visão dos processos, dos
mais simples aos mais complexos, garante desocultar algumas “verda-
des absolutas” ou alguns ciclos viciosos que o professor acaba reprodu-
zindo, mesmo que de modo inconsciente. E aqui cabe como destaque a
frase célebre de Juan de Mairena: “a finalidade de nossa escola é ensi-
nar a repensar o pensamento, a ‘des-saber’ o sabido e a duvidar de sua
própria dúvida” (MAIRENA apud MORIN, 2008, p. 21).

Essas observações demonstram a necessidade e a importância do


processo pedagógico didático e reflexivo, capaz de promover situações
que estimulem a autonomia do espírito e o desenvolvimento da habili-
dade de contextualizar e globalizar saberes ao ponto de conectá-los e
contestá-los na busca pela qualidade.

Esse entendimento pode ser demonstrado por meio da ideia de


uma grande roda (qualidade) movimentada por três eixos (leis, proces-
sos e pessoas), os quais funcionam como uma engrenagem que favo-
rece o movimento da qualidade na educação.

Figura 3
Qualidade na educação

Piter Kidanchuk/Shutterstock

QUALIDADE
1
EIXO
LEGAL

EIXO
EIXO PESSOAS
PROCESSOS
2
3
Fonte: Hinckel, 2016, p. 190.

106 Empreendedorismo na Educação


Considerando a analogia realizada pela Figura 3, o princípio funda- Para refletir
mental para que a engrenagem relacionada à qualidade comece a girar Mesmo havendo leis
aplicáveis, processos bem
é a existência das leis. É por meio das bases legais que os processos,
descritos e estruturados,
expressos na figura pela engrenagem de número 2, são organizados e se não houver pessoas
com intencionalidade
adaptados ao contexto de cada realidade escolar, pelos projetos peda-
alinhada a esses eixos, a
gógicos escolares. Vale lembrar que nem sempre estes documentos es- qualidade não acontece.
Por isso, é importante
tão disponíveis ou descritos de maneira inteligível para os professores.
valorizar os profissionais
O terceiro eixo é representado pelas pessoas, empreendedores edu- da educação e dar-lhes
consciência do seu poder
cacionais em potencial. Essa é uma peça-chave para a movimentação e potencial na qualificação
da qualidade, pois é por meio das ações das pessoas que as leis e os da educação em qualquer
esfera, nível ou modalida-
processos são implementados. É importante considerar que as ações de de ensino.
humanas, por mais científicas que sejam, são também intencionais.
2
Sabe-se que legal e teoricamente as leis, os processos e as pessoas 2
existem e ocupam as instituições de ensino, direta e indiretamente, in- Diz-se legalmente para
referenciar que as leis
fluenciando a qualidade dos processos em maior ou menor grau. É per-
educacionais precisam
ceptível que a falta de um projeto pedagógico coletivo como mediador existir e, uma vez que
existem em nosso país,
intencional pode descontextualizar e desfigurar a prática mais signi-
determinam a existência
ficativa do docente, privando-o de uma visão mais ampla e proativa de alguns documentos na
instituição escolar, como
no reconhecimento do contexto, na sua inserção como professor e/ou
é o caso do PPP, que
gestor. Para que a engrenagem que corresponde ao eixo de pessoas passou a ser obrigatório
em todas as instituições
movimente-se na intencionalidade de um projeto, faz-se necessária
de ensino a partir da LDB
uma construção coletiva (mediada) considerando todas as pessoas en- (Lei n. 9.394/1996).

volvidas e a diversidade que uma comunidade comporta e projeta para


a dimensão nacional e universal.

Para agir intencionalmente pela qualidade da educação, é neces-


sário conhecer as políticas, as regulamentações, os sistemas e progra-
mas, os métodos, as bases científicas do objeto de ensino e os projetos
pedagógicos da unidade em que se atua. Em muitos casos, observa-se
que esses documentos não estão disponíveis facilmente, ou são de-
satualizados, ou configuram-se como documentos pro-forma. Esses
casos geralmente geram reatividade, passividade e inoperância e se
propagam como espelhamento no comportamento dos estudantes.
Em outros casos, permitem que um indivíduo se utilize do espaço peda-
gógico para vender uma ideia ou uma escolha como verdade absoluta,
deixando de gerar, de fato, um espírito reflexivo-crítico entre educador
e educando (FREIRE, 1987).

Orientação Empreendedora Educacional 107


Filme
Para compreender melhor essa complexidade, é necessário per-
guntar ainda: quem são os agentes de mediação no ambiente escolar?
A mesma premissa utilizada nos esportes ou nas organizações pode
ser replicada para a educação. O time, a equipe e os estudantes são o
reflexo dos estímulos que recebem dos seus líderes.

Como desenvolver, então, agentes proativos, criativos, inovadores,


críticos, com potencial para gerar um processo educativo capaz de pro-
mover sujeitos também proativos, criativos, inovadores, responsáveis
O filme Entre os muros socialmente quanto aos anseios de uma comunidade e não apenas aos
da escola recria uma
experiência real e mostra individuais?
o potencial de empreen-
dedor educacional e me- Quando se trata de empreendedorismo, paira-se na definição tradi-
diador que o professor cional que remete à competitividade, ao mercado e ao capital. No en-
possui. Apresenta seus
desafios, seus conflitos tanto, as práticas empreendedoras, assim como os comportamentos,
e suas limitações dentro podem ser transpostas para diferentes situações e proposições sociais.
das estruturas da escola,
buscando desenvolver Ser inovador, propositivo, reativo, como pessoa e como grupo, também
seus estudantes para a é necessário para enfrentar os desafios cotidianos.
vida. Vale assistir e, de-
pois, em um processo de Eis que temos aqui a perspectiva defendida pela OEE: subsidiar às
ação-reflexão-ação, rever
a sua postura como em-
pessoas, presentes na engrenagem da qualidade na educação, uma
preendedor educacional. percepção sobre seu potencial de empreendedor educacional, consi-
Direção: Lurent Cantet. França: derando as dimensões da OE e as categorias do processo pedagógico
Imovision, 2008.
– planejamento, mediação e avaliação.

5.3 Framework de gestão das


práticas pedagógicas
Vídeo
Com base em seus estudos, Hinckel (2016) cria um modelo de ges-
tão das práticas pedagógicas que possibilita potencializar os processos
de mediação, depois de mensurado o potencial de OEE, em qualquer
uma das escalas formativas.

Uma vez que materializa o processo pedagógico, o framework auxi-


lia os mediadores/empreendedores educacionais na percepção global
das suas ações. Entretanto, para efetivá-las, é importante reconhecer o
detalhamento de cada uma delas, experienciando-as na/pela prática e
atendendo aos princípios para efetividade do framework, expresso em
sua forma completa nos anexos desta obra.

108 Empreendedorismo na Educação


Para que você tenha uma melhor compreensão sobre o framework
detalhado, vamos apresentá-lo em partes.

Figura 4
Framework detalhado – Parte 1: Reconhecimento do contexto

1. RECONHECIMENTO CONTEXTO

Legislação
educacional

• Leis • Princípios e fundamentos teóricos


• Diretrizes Projeto Político-
• Planos Pedagógico • Currículo
• Resoluções

• Organização didático-pedagógica

Elementos Planejamento
do processo Mediação
pedagógico
Avaliação

• Infraestrutura

Pessoas

Espaços

Materiais (recursos didáticos)


Fonte: Hinckel, 2016, p. 198.

O reconhecimento do contexto é o primeiro item que aparece no


­frame, mas isso não quer dizer que ele acontece apenas uma vez. Como
essa parte trata das bases legais e dos documentos que norteiam os pro-
cessos nas instituições educacionais, é importante que seja revisitado e
(re)significado perante o contexto de atuação sempre que necessário.
Todo agente de mediação educacional/empreendedor educacional
que busque potencializar os processos pedagógicos precisa articular
as dimensões da OEE e, nesse sentido, mobilizar a proatividade para
buscar informações que o auxiliem a significar o contexto educacional
em que está inserido. Veja que utilizamos a palavra buscar, pois nem
sempre essas informações chegam até o professor sozinhas. Aqui, es-
pecificamente, falamos de dois contextos: o da legislação educacional
e o da estrutura do PPP, ambos expressos na Figura 4.
O reconhecimento do contexto parte do entendimento da forma
como os processos cognitivos são estruturados.

Orientação Empreendedora Educacional 109


Figura 5 Todo processo cognitivo tem como base a identificação. Quando
Processo cognitivo de entra em contato com um objeto desconhecido pela primeira vez, o in-
aprendizagem divíduo irá identificá-lo, conceituá-lo e defini-lo. Ao entender o uso so-
utterstock
cial desse objeto, pode-se dizer que o sujeito iniciou seu
gn/Sh
Desi
axn
or processo de compreensão, sendo capaz de classifi-
e/M
On
ic ro cá-lo e caracterizá-lo. Em um processo
M
POSICIONAMENTO
cognitivo mais complexo, o sujei-
ANÁLISE
to poderá analisar o contexto,
ou seja, começar a relacionar
COMPREENSÃO esse objeto com outros já
existentes, comparando-os
IDENTIFICAÇÃO
e diferenciando-os. Por fim,
considerando o processo
de análise já estabelecido,
poderá, então, fazer escolhas
pautadas em uma perspectiva
crítico-reflexiva, posicionando-
-se diante do objeto.
Fonte: Hinckel, 2016, p. 199.
Isso também acontece com a teoria e reforça a importância de
se reconhecer o contexto antes de agir. Exemplificando: esse processo
de identificação e compreensão dá subsídios para que, posteriormen-
te, durante o planejamento, o mediador possa estabelecer conexões
analíticas com relação aos seus objetivos para aplicá-los de maneira
­consciente, intencionada e significada.
Muitos dos grandes impasses práticos e teóricos fundam-se na ação
sem reflexão, considerando o processo cognitivo. Em outras palavras,
muitas pessoas posicionam-se diante de situações sem compreender
seu uso social, sem analisá-las e compará-las com a realidade atual e/
ou passada. A falta de consciência relacionada ao posicionamento sem
identificação, compreensão e análise infere fragilidade à ação e um bai-
xo potencial à personificação do empreendedor educacional.
Reconhecer que cada um dos elementos do processo pedagógico é
fruto de um contexto maior que o determina é muito importante, pois,
dependendo dos princípios teóricos e metodológicos assumidos por
uma instituição, as práticas pedagógicas precisarão ser fundamenta-
das de acordo com essas premissas; caso contrário, tornam-se contra-
producentes aos objetivos institucionais.
Outra questão relevante é a compreensão do encadeamento da
legislação educacional. Muito embora a Constituição Federal de 1988
já verse sobre a educação (artigo 5), a lei maior da educação é a Lei

110 Empreendedorismo na Educação


n. 9394, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(BRASIL, 1996). É com base nessa lei que são construídos outros do- 3
3
cumentos, como as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) e o Plano Que tem impacto nas
4
Nacional de Educação (PNE ), que interferem diretamente na organi- diretrizes estaduais e
municipais.
zação dos PPPs.
É importante que o mediador/empreendedor educacional entenda 4
que o PPP dentro da escola é o documento de maior importância, pois
Que tem impacto nos
ele direciona todos os processos e as práticas dentro dela. Por este planos estaduais e muni-
motivo é que a legislação prevê que a elaboração ou o realinhamento cipais de educação.

desse documento deve ser feito de modo democrático e participati-


vo, considerando toda a comunidade escolar. Nesse sentido, engajar
as pessoas nesse movimento de maneira intencional e significativa Importante
possibilita reciprocidade desses agentes na implementação efetiva do Considerando as cons-
tantes modificações na
documento.
sociedade e nas leis, é
Uma vez consolidado o PPP da escola/instituição de ensino, o pro- pertinente que o PPP seja
revisitado e realinhado
fessor pode tê-lo como diário de bordo, reconhecendo os principais sempre que necessário.
elementos que impactam o processo pedagógico. Isto é, para planejar
e mediar um trabalho, é preciso saber quais teorias sustentarão suas
práticas, qual será a estrutura física, de pessoas e materiais que poderá
utilizar e de que modo o sistema de avaliação é concebido para que,
conforme a lei, permita a análise processual e formativa da aprendiza-
gem do sujeito mediado.
A segunda parte do framework é o planejamento.
Embora o planejamento esteja presente em diversos momentos da
vida das pessoas, seja com relação à roupa que utilizará no dia seguinte
até a criação de metas para comprar uma casa, quando esse processo
se relaciona à educação, a necessidade do planejamento parece dar
lugar à experiência implícita no discurso “já sei na cabeça como vou
fazer”. Isso contribui para a aquilo que Perrenoud (1999) chamou de a
comédia do domínio, que cega os professores quanto à real imagem das
suas práticas e às suas capacidades e competências.
No entanto, quando isso acontece, é possível que o professor e
­ steja
negligenciando os princípios do framework, principalmente aqueles re-
lacionados à necessidade de reconhecer os condicionantes que dire-
cionam o processo pedagógico e a visão global para identificar o que
precisa ser ajustado em cada contexto.
Durante a aplicação da sua pesquisa, Hinckel (2016) percebeu que
o planejamento é, muitas vezes, percebido como uma burocracia nas
escolas. Porém, pode tornar-se diferente dependendo da intencionali-

Orientação Empreendedora Educacional 111


dade que o professor inferir sobre essa ação. O planejamento que se
entende necessário vai muito além do processo mecânico de preen-
cher lacunas para formalizar um procedimento, pois envolve a articu-
lação das dimensões da OEE e os critérios universais da mediação da
aprendizagem.

O planejamento deve considerar todas as sete etapas apresentadas


com detalhes na figura a seguir.

Figura 6
Framework detalhado – Parte 2: Planejamento

2. PLANEJAMENTO

Plano de curso*

Planejamento Plano de ensino

Plano de aula + “Plano B”

1) Retomada

2) Temática • Objetivos
Resgate • Perfil de conclusão*
3) Atividades de aprendizagem
• Marcas formativas
Estratégias

* Para cursos Recursos


Envio do plano para a
superiores
4) Acompanhamento e avaliação coordenação pedagógica
ou técnicos
(subsequentes 5) Outras referências
integrados) Acompanhamento
6) Situações de aprendizagem
Solicitação de materiais
7) Fechamento

Fonte: Hinckel, 2016, p. 202.


Ao buscar compreender e analisar os planos de curso/planos de
ensino para elaborar o planejamento, o professor utiliza o seu poten-
cial de proatividade para iniciar a investigação e reconhecimento de
contexto que precede o ato de planejar. Uma vez feito isso, inicia-se a
mobilização da capacidade inovativa, já que, considerando os agentes
mediados, o contexto e os objetivos estabelecidos pelo plano de ensi-
no, o professor precisa pensar e criar estratégias que, significadas, pos-
sam potencializar o desenvolvimento da competência/aprendizagem
nos estudantes.

Morin (2008) afirma que as estratégias são fundamentais para que


se possa atuar em ambiente incerto e que planos/programas estabe-

112 Empreendedorismo na Educação


lecidos e replicados ano a ano só poderiam ser eficazes em condições
externas estáveis, o que não é o caso da educação.

Considerando o cenário de incerteza, é recomendado que o profes-


sor tenha mais de um plano. Recomenda-se, geralmente, refletir sobre
a seguinte questão: e se tudo der errado? A partir dessa pergunta, o
docente consegue pensar em estratégias para estabelecer outras ati-
vidades de aprendizagem; reorganizar a metodologia escolhida para
a aula, ou seja, redirecionar o processo pedagógico sem perder o foco
dos objetivos traçados – ser inventivo, criativo e inovador.
Uma estratégia traz em si a consciência da incerteza que vai en-
frentar e, por isso mesmo, encerra uma aposta. Deve estar ple-
namente consciente da aposta, de modo a não cair em uma falsa
certeza. (MORIN, 2008, p. 62)

Para não cair nessa falsa certeza, o professor precisa ter clareza dos
objetivos estabelecidos e organizar conexões que possam ser acionadas
no momento da mediação e em diferentes situações de aprendizagem.

Quando organiza o planejamento intencionalmente, o professor


mobiliza mais uma das dimensões da OEE: a tomada de riscos calcu-
lados. Ao definir as estratégias considerando o cenário de incerteza, o
docente assume os riscos das suas escolhas para atingir os objetivos re-
lacionados ao desenvolvimento contextualizado dos seus estudantes. Importante

O fluxo do framework prevê a entrega do planejamento para que seja O plano de aula integrado
ao PPP favorece a
compartilhado e socializado como outros agentes da instituição, faci- prática do professor para
litando o exercício da mediação. Assim, é imprescindível lembrar que, elaborar situações de
aprendizagem com todos
sendo um plano, ele poderá sofrer modificações ao longo da sua imple- os recursos necessá-
mentação. Esses direcionamentos, no decorrer da aula, podem objetivar rios, mobilizando, dessa
forma, todas as instâncias
a efetividade do processo e considerar o desenvolvimento da aprendi- envolvidas para organizar
zagem tendo como base os objetivos traçados, que não se modificam. os ambientes e materiais
necessários.
A terceira parte do framework é a mediação.

A mediação pedagógica necessariamente articula os critérios uni- 5


5
versais de mediação da aprendizagem . É por meio da mediação que a Intencionalidade e
inovação, estabelecida como potencial no planejamento, efetiva-se na/ reciprocidade, trans-
cendência, mediação do
pela prática e resulta no desenvolvimento educacional. significado e mediação
da consciência da
Durante todo o movimento de mediação da aprendizagem, o pro-
modificabilidade.
fessor/empreendedor educacional precisa incorporar a tríade freireana
(ação-reflexão-ação) no intuito de direcionar e de tornar significativas
as práticas pedagógicas.

Orientação Empreendedora Educacional 113


Figura 7
Framework detalhado – Parte 3: Mediação

3. MEDIAÇÃO

Retomada (contextualização)
Implementação do
Temática (significação
planejamento
Desenvolvimento de atividades de aprendizagem

AÇÃO
Acompanhamento / coordenação (mediação)

Reflexão Avaliação

Apresentação de outras referências


AÇÃO

Avaliação prática (situação de aprendizagem)

REAL SIMULAÇÃO

Conteúdo

Fecha- Resgate objetivos Perfil do egresso


mento Marcas formativas
Relação teoria x prática

Fonte: Hinckel, 2016, p. 205.

Em uma perspectiva fundamentada no desenvolvimento de com-


petências, o simples saber teórico e o ensino transmissivo são supe-
rados. Ao seguir esse framework, o papel dos professores deixa de ser
improvisado, passando a ser articulado pelo planejamento, observan-
do a regulação dos processos e levando os estudantes a operar com
problemas de complexidade crescentes.

No geral, sabe-se o que fazer no discurso, no mundo das ideias e


dos livros, mas não se tem articulado os demais elementos da compe-
tência para aplicar essas questões de maneira significativa.

Hinckel (2016) supõe que os professores têm internalizados em si


modelos mentais que são o resultado do inconsciente coletivo relacio-
nado ao fazer pedagógico, advindo de técnicas e modelos construídos
socialmente ao longo da história da educação. E isso torna o processo
de modificabilidade mais difícil de ser alcançado – mais difícil, mas não
impossível.

114 Empreendedorismo na Educação


A questão está justamente na experiência da aprendizagem media-
da a que o docente teve acesso. Sem uma mediação intencional, que
busque transcender o simples aparato descritivo e teórico do fazer pe-
dagógico, não é possível significar e permitir que o docente desenvolva
autonomia sobre o seu potencial de modificabilidade cognitiva estrutu-
ral, alterando, dessa forma, sua prática docente.

Mas qual é o impacto disso na aprendizagem dos agentes mediados?

Entenda que a mediação com o estudante só será efetiva se o pro-


cesso de espelhamento com relação à modificabilidade cognitiva tam-
bém for expandida para as outras esferas. Não é possível desenvolver
a competência simplesmente aplicando diferentes atividades de apren-
dizagem sem intencionalidade, sem coordenar, acompanhar, mediar
o processo e refletir sobre ele ao ponto de que o sujeito mediado seja
capaz de atingir suas zonas de desenvolvimento proximal e potencial
ou, ainda, de modificar sua estrutura cognitiva.

Para que o processo pedagógico seja efetivo no âmbito da media-


ção, o empreendedor educacional vivenciará na/pela prática os de-
safios e as complexidades referentes ao fazer pedagógico. Isso será
assegurado se o professor tiver clareza sobre a intencionalidade e o
fluxo das suas práticas.

A quarta parte do framework é expressa pela avaliação.

Nessa proposta de OEE, a avaliação no processo pedagógico de-


sempenha papel muito importante, pois representa mais do que uma
simples avaliação da aprendizagem do estudante. Configura-se em um
processo de avaliação para a aprendizagem, que perpassa todos os
elementos do processo pedagógico, em suas diferentes instâncias. Ou
seja, a OEE move-se pelo foco potencial de acerto, não pelo foco classi-
ficatório do erro.

Nesse sentido, a avaliação é uma ação contínua que se efetiva ao


longo do processo:
a. na leitura de contexto que antecede a prática pedagógica, a qual
se consolida no momento do planejamento (diagnóstica);
b. na percepção do caminho percorrido pelo mediador e pelo
mediado no decorrer da mediação (processual e formativa), por
meio de atividades de aprendizagem;

Orientação Empreendedora Educacional 115


c. na percepção final do caminho percorrido pelo estudante,
considerando o processo (somativa), por meio de situações
de aprendizagem que articulem o objetivo geral da disciplina/
unidade curricular ou, ainda, a competência a ser desenvolvida.

A compreensão desse processo favorece a ação docente, tornando-


-a mais assertiva e justa no momento de avaliar os estudantes.

A elaboração de instrumentos avaliativos demanda tempo, planeja-


mento e reflexão por parte do professor para que, de fato, a atividade
ou situação de aprendizagem sirva-lhe para avaliar os objetivos lança-
dos inicialmente.

Figura 8
Framework detalhado – Parte 4: Avaliação

4. AVALIAÇÃO

Atividades de aprendizagem /
Situações de aprendizagem

Foco nos objetivos

Alinhamento ao planejamento e à mediação

Fonte: Hinckel, 2016, p. 207.

O ponto central na elaboração de uma atividade ou situação de


aprendizagem é que ela precisa ter foco nos objetivos traçados e estar
alinhada ao planejamento e à mediação realizados. Caso não esteja, é
sinal de que a atividade precisa ser reestruturada para atender a esses
critérios.
Em concordância com o processo cognitivo de aprendizagem – iden-
tificação, compreensão, análise e aplicação, apresentadas na Figura 5
–, os instrumentos avaliativos precisam seguir esse mesmo padrão. Em
outras palavras, devem estabelecer relação direta entre os objetivos
traçados inicialmente no planejamento e seu desenvolvimento nas
mediações pedagógicas, isso por meio de atividades ou situações de
aprendizagem de cunho avaliativo, que se articulem com os elementos
da competência ou com a competência. É importante não perder o foco
da abordagem da aprendizagem e dos indicadores estabelecidos no
planejamento.
Para que isso não aconteça, o ideal é que o professor reflita: o que
meu mediado precisa demonstrar que sabe?

116 Empreendedorismo na Educação


A resposta lhe trará um verbo corresponde ao indicador de aprendi-
zagem. Tendo como base esse indicador, a atividade avaliativa poderá
ser intencionalmente desenvolvida.
De uma forma mais didática, a Figura 9 apresenta um quadro,
fundamentado em Marzano (1998) e meramente ilustrativo, para re-
presentar o movimento que o professor pode fazer ao definir o que
o estudante deve mostrar que sabe. Sendo ilustrativo, não pode ser
tomado como um fim, mas apenas como exemplo e possibilidade.

Figura 9
Relação processo cognitivo de aprendizagem e indicador de aprendizagem

APLICAR

• Posicionar-se
ANALISAR • Defender ideias
• Argumentar
• Diferenciar
• Elaborar
COMPREENDER • Comparar
• Relacionar
• Interpretar
• Exemplificar
IDENTIFICAR • Classificar
• Sintetizar
• Definir
• Conceituar
• Descrever

Fonte: Hinckel, 2016, p. 208.

Ao definir que o estudante precisa “identificar”, é sinal de que o pro-


fessor organizou estratégias e atividades para que essa habilidade fos-
se desenvolvida. Nesse sentido, não se pode estabelecer atividades em
que o estudante será avaliado por sua capacidade de comparar, uma
vez que os objetivos da avaliação devem ser coerentes com aqueles
estabelecidos no planejamento e na mediação.
Se analisarmos o quadro, os processos cognitivos “identificar” e
“analisar” correspondem às complexidades diferentes de aprendiza-
gem. Não acompanhar esse processo no momento da elaboração dos
instrumentos avaliativos é, por vezes, inviabilizar o verdadeiro poten-
cial da avaliação. Algumas vezes, os instrumentos elaborados são mais
complexos do que os objetivos estabelecidos no planejamento e na
avaliação; em outras, são simplistas ao ponto de não possibilitarem ao
6
estudante demonstrar o desenvolvimento da sua competência. Justificada pelos docentes
como decorrência da falta
O que se tem percebido é que muitas das atividades avaliativas são de tempo.
6
construídas sem muita reflexão , pecando na intencionalidade e na

Orientação Empreendedora Educacional 117


potencialidade do instrumento em representar, também, um momen-
to de aprendizagem para os estudantes.
Apresentamos, a seguir, algumas dicas que, segundo Hinckel (2016),
podem ser úteis no momento da elaboração de uma situação ou ativi-
dade de aprendizagem.
• Uma atividade avaliativa bem elaborada evita retrabalhos. Às ve-
zes, o resultado ruim do estudante pode ser reflexo de avaliações
inconsistentes e não de sua aprendizagem efetiva.
• O estudante precisar saber sob quais critérios será avaliado –
lembrando que a intencionalidade gera reciprocidade.
• Certifique-se de que o objetivo da atividade está alinhado aos ob-
jetivos previstos no planejamento e aos articulados na mediação.
• Veja se o contexto apresentado para o desenvolvimento da ativi-
dade/situação de aprendizagem é significativo. É válido lembrar
que a avaliação também é um momento de aprendizagem.
• Observe se os comandos utilizados estão claros e compatíveis
com o que você pretende avaliar no estudante.
• Certifique-se de que a linguagem utilizada é clara e compreensí-
vel para o grupo em que se está trabalhando.
• Ao trazer imagens, estudos de caso, vídeos, busque sempre re-
ferenciá-los, pois, além de ser o correto, o estudante que tiver
interesse poderá acessá-los na íntegra posteriormente.
• Ao identificar problemas que impossibilitam que o estudante de-
monstre sua aprendizagem, seja durante a execução ou na refle-
xão sobre ela, não hesite em oportunizar outras atividades que
possam substituir a anterior.

Assim, ao elaborar atividades/situações de aprendizagem, o profes-


sor/empreendedor educacional precisa articular todo o seu potencial
de OEE, bem como os critérios universais de mediação, para que o ins-
trumento sirva de fato ao desenvolvimento da aprendizagem do estu-
dante e à consequente autoavaliação das suas práticas.

Em uma visão mais simplificada, o framework segue o seguinte fluxo:

118 Empreendedorismo na Educação


Figura 10
Framework simplificado

RECONHECIMENTO
CONTEXTO

Elementos PLANEJAMENTO

do processo MEDIAÇÃO
PLANEJAMENTO MEDIAÇÃO AVALIAÇÃO
pedagógico
AVALIAÇÃO

Critérios universais de mediação: Intencionalidade e Reciprocidade |


Transcendência | Mediação do significado | Consciência da modificabilidade

Dimensões da orientação empreendedora educacional: Inovação | Proatividade | Tomada de risco


Fonte: Hinckel, 2016, p. 197.

Esse modelo de frame só pode ser utilizado pelos mediadores que


já tenham apreendido os processos em sua integralidade ao ponto de
transcendê-los. Representa a ação dos critérios universais de media-
ção, articulados com as dimensões da OEE para o desenvolvimento
do processo pedagógico, do planejamento até a avaliação. O plano de
fundo desse cenário refere-se à potencialização da personificação do
empreendedor educacional por meio das suas práticas.

A mediação pedagógica que promova a modificabilidade cognitiva


por meio da implementação do framework é sustentada por algumas
premissas (HINCKEL, 2016, p. 187):
• Compreender que o modelo de gestão é um caminho e não
um fim nele mesmo: não existe um método infalível para que
o processo pedagógico se efetive, mas existem estratégias que
podem ser articuladas, com base em critérios mínimos, para que,
mesmo em cenários diferenciados e não otimistas, seja possível
estabelecer estímulos assertivos, capazes de mudar o potencial
de modificabilidade dos sujeitos e das estruturas pedagógicas.
• Reconhecer as complexidades do processo educativo: a es-
truturação das mediações pedagógicas precisa considerar seus
múltiplos determinantes, como: os parâmetros legais e orga-
nizacionais; os modelos e as metodologias presentes no leque
de práticas conhecidas pelo docente; a formação dos docentes;
o acompanhamento do processo; a motivação dos estudan-
tes; suas expectativas; a infraestrutura física e de recursos pe-
dagógicos. São muitos os elementos que influenciam a prática

Orientação Empreendedora Educacional 119


pedagógica e que precisam ser considerados.
• Considerar os elementos fundamentais para o desenvolvi-
mento das práticas: é preciso reconhecer que o conhecimento,
os métodos, as condições físicas e tecnológicas são necessários,
mas não limitantes. Usar o potencial de criatividade, sempre é
uma excelente estratégia; processos criativos podem dar início às
práticas inovadoras. Lembrando que, nesse caso, fazer diferente
em um cenário inóspito exige protagonismo, segurança, inova-
ção e tomada de riscos calculados.
• Reconhecer que o processo de mediação pedagógica envolve
reflexão: refletir antes, durante e após o processo pedagógico
é fator primordial para redirecionar as práticas sempre que o
contexto demonstrar sinais de necessidade de mudança. Sem
empatia não há mediação; sem mediação, as possibilidades de
modificabilidade cognitiva estrutural se esgotam. Empatia e mo-
dificabilidade são dois requisitos que se complementam, um não
acontece sem o outro. A empatia requer colocar-se no lugar do
outro para estabelecer a interação; compreender os sentimen-
tos e as emoções do outro faz parte do movimento da modifi-
cabilidade. Isso implica transformações conjuntas, na aposta da
modificabilidade em que todos os sujeitos têm um potencial de
aprendizagem, que pode ser desenvolvido ou transformado e re-
configurado. Não há sobreposição de um sobre o outro.
• Significar os axiomas de Feuerstein em toda a ação pedagógi-
ca: só é possível mediar a modificabilidade do outro se o media-
dor entender e acreditar na possibilidade da modificação ou em
sua própria capacidade de modificabilidade para tornar-se capaz
de modificar. Um não modifica o outro, mas ambos se modificam
na interação que se estabelece entre eles, que pode ser organi-
zada intencionalmente.
Podcast
• Relacionar as dimensões da OEE com os critérios de media-
Para saber um pouco ção: essa relação entre as dimensões da OEE com os critérios de
mais sobre a aplicação
mediação promove o empoderamento dos sujeitos por meio da
prática do modelo de
gestão das práticas autoanálise ou do seu autoconhecimento e transcendência.
pedagógicas, referentes • Compreender o objetivo do Empreendedorismo Educacional
à OEE, ouça o podcast (EE): o EE objetiva o desenvolvimento educacional pelo empode-
Aplicação do Framework
- Orientação Empreende-
ramento dos sujeitos, e este pode ser desenvolvido como funda-
dora Educacional, que mento de consolidação à articulação entre o OEE e os critérios
apresenta os resultados universais de mediação no processo pedagógico.
da aplicação do framework
• Ter visão global: essa forma de percepção viabiliza reconhecer
em duas das unidades do
Senac/SC. as múltiplas determinações apresentadas no item anterior e pro-
Disponível em: https://youtu.
move a articulação significativa entre diretrizes, processos e pes-
be/-uHxeP6uk5w. Acesso em: 24 soas. É necessário ter objetivo, ou seja, saber para onde se quer
jun. 2021. ir – planejar. Somente assim o sujeito será capaz de identificar

120 Empreendedorismo na Educação


quais são os melhores caminhos e estratégias para atingir as
metas estabelecidas.
• Entender que os elementos apresentados no framework ar-
ticulam-se e complementam-se continuamente: seguir um
framework no qual todos os elementos se articulam e se com-
plementam pode ser uma direção para assegurar a OEE e a
modificabilidade cognitiva necessária para uma aprendizagem
significativa e socialmente relevante.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Empreendedorismo Educacional coloca-se como o movimento que
busca desenvolver a educação e empoderar os sujeitos por meio de prá-
ticas pedagógicas intencionais, fundamentadas na OEE e nos critérios
universais de mediação. Para que esse processo de projeção contínuo
de desenvolvimento ocorra, a Orientação Empreendedora Educacional
representa o potencial inovador, proativo e de tomada de riscos das prá-
ticas pedagógicas, frente ao processo educacional, em seus termos de
planejamento, mediação e avaliação.
A prática empreendedora educacional, fruto da ação do empreende-
dor educacional, por sua vez, ocupa um espaço de mediação crítica e re-
flexiva, que articula as dimensões da OEE no processo educacional com
os fatores contextuais e institucionais de um grupo social (professores,
gestores, estudantes) para o desenvolvimento intencional dos mediados
e, consequentemente, da educação.
A aplicação do modelo de gestão das práticas pedagógicas, represen-
tado pelo framework, possibilita a promoção da modificabilidade cognitiva
estrutural da OEE do empreendedor educacional, favorecendo os proces-
sos de aprendizagem dos mediados e empoderando todos os sujeitos
envolvidos no processo.

ATIVIDADES
Vídeo 1. A base do instrumento de Orientação Empreendedora Educacional
surge da necessidade de tornar presente a ação-reflexão-ação
durante o processo pedagógico, com vistas a desenvolver o potencial
crítico-reflexivo dos sujeitos envolvidos. Considerando o Quadro 2,
que apresenta as dimensões, as categorias e os indicadores da OEE, e
a Tabela 1, que mensura o potencial quantitativo dos indicadores em
cada uma das dimensões, faça uma autoavaliação do seu potencial de

Orientação Empreendedora Educacional 121


OEE. Se você ainda não atua na educação, escolha algum conhecido
para realizar essa aplicação. Ao final, indique se você se considera mais
inovador, mais proativo ou mais tomador de riscos calculados.

2. Considerando os aspectos abordados neste capítulo, quem pode ser


considerado um empreendedor educacional? Você se considera um
empreendedor educacional em potencial? Justifique.

3. A música Wake Me Up, de Avicii e Aloe Blacc (WAKE..., 2013), que em


português significa “Acorde-me”, traz trechos muito representativos.
Leia os trechos traduzidos a seguir, reflita sobre eles e relacione-os
com o potencial de OEE presente nos empreendedores educacionais.

“Dizem que sou muito jovem para entender


Dizem que estou preso em um sonho
Bem, a vida vai passar por mim se eu não abrir meus olhos
[...]
Todo este tempo eu estava procurando por mim mesmo
E não sabia que eu estava perdido”

REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, Poder Legislativo,
Brasília, DF, 23 dez. 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.
htm. Acesso em: 24 jun. 2021.
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benignenvironments. Strategic Management Journal, v. 10, n. 1, p. 75-87, 1989.
FREIRE, P. et al. O processo educativo segundo Paulo Freire e Pichon-Riviere. Rio de Janeiro:
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WAKE me up. Compositores: Tim Bergling, Aloe Blacc, Mike Einziger. Intérprete: Avicii, Aloe
Blacc (vocal). Estados Unidos: PRMD, Universal Island, 2013.

122 Empreendedorismo na Educação


Resolução das atividades

1 Educação e empreendedorismo: desconstruindo


paradigmas
1. O empreendedorismo está presente na sociedade, mas se
manifesta especialmente por meio das práticas dos sujeitos.
Reflita sobre o que é empreender e quais são as possibilidades
de se empreender. Na sequência, faça uma análise sobre a
presença do empreendedorismo na sua vida e nas das pessoas
que estão próximas a você, descrevendo, em forma de tópicos,
em que períodos isso aconteceu
Após refletir sobre os conceitos do empreendedorismo, devem ser
identificadas as diferentes possibilidades de se empreender: na vida, na
carreira e nos negócios. Na sequência, fazer uma análise introspectiva
de modo a rememorar situações em que o empreendedorismo esteve
presente na sua vida. Por exemplo: assumir riscos para investir em
um relacionamento; abrir um negócio; pesquisar sobre faculdades que
tenham conexão com seus propósitos de vida; buscar soluções para
problemas no emprego ou na vida etc.

2. Bill Gates foi o criador da Microsoft e ganhou muito dinheiro


empreendendo. Em determinado momento, ele cria a Fundação
Bill Gates e passa a investir no empreendedorismo social. O que
leva um empreendedor com foco exclusivo em lucro capital a
migrar para o empreendedorismo social?
Não há nenhum fato registrado sobre os motivos que levaram Bill Gates
a alterar sua estratégia de empreender, voltando-se à perspectiva do
impacto social, mas existem hipóteses que favorecem a escolha dos
empreendedores.

Hipótese 1: O empreendedor já conquistou tudo ou mais que


imaginava em seu empreendimento e passa a querer compartilhar
isso com outras pessoas, apenas por satisfação em ajudar a melhorar
a vida das pessoas e desenvolver a sociedade.

Hipótese 2: O empreendedor já conquistou tudo ou mais que


imaginava em seu empreendimento, mas quer aumentar as suas
perspectivas de lucros utilizando o empreendedorismo social
como proposta para agregar valor aos seus negócios. Nesse caso, o
empresário altera o seu discurso para negócios de impacto social e,

Resolução das atividades 123


de fato, proporciona melhorias nesse eixo, mas seu principal objetivo
ainda continua sendo o lucro capital. Assim, o empreendedor está
usando sua característica do comportamento empreendedor, de
busca por oportunidades e iniciativa, para o lado negativo, ou seja,
transforma-se em um oportunista.

No caso de Bill Gates, a hipótese 1 é a mais plausível, considerando o


histórico de projetos desenvolvidos e apoiados por ele.

3. Tudo o que existe ao nosso redor e que não é a própria natureza


representa uma inovação. Observe o ambiente em que você se
encontra estudando neste momento. Olhe para si próprio, para
suas roupas e acessórios... Tudo é inovação! Tudo foi criado pelo
ser humano e passou a ser consumido/utilizado, facilitando
nossa vida. Como vimos, existem dois graus de inovação quanto
ao impacto que produzem na sociedade. Escolha alguns objetos
do ambiente em que você está e defina se são inovações radicais
ou incrementais.
Você deve escolher objetos em sua casa e se perguntar: ao
ser criado, era para esse objeto ser uma inovação radical ou
incremental? E agora? Esse objeto continua sendo uma inovação
radical ou incremental? O mais importante é perceber que a inovação
radical muda completamente a vida das pessoas e a maneira
com que se relacionam consigo e com a sociedade; e a inovação
incremental melhora algo que já existe, facilita a vida, mas não muda
completamente a vida do sujeito. Por exemplo: sabão em pedra,
sabão em pó e sabão líquido. A criação do sabão foi uma inovação
radical. Todas as melhorias de aroma, forma e aspecto aprimoraram
o processo-alvo, mas não mudaram o objetivo final, que era lavar
roupa, então são inovações incrementais.

4. Durante muito tempo, o empreendedorismo foi um tema quase


que exclusivo para empresários e acadêmicos da área de gestão.
Com o tempo, a inovação trouxe avanços para os diversos
segmentos da sociedade, que passaram a demandar por novos
perfis de sujeito e, também, a requerer novas competências
para atuação no mundo do trabalho.
Como você pôde perceber ao longo deste capítulo,
empreendedorismo e educação são áreas que se conectam, no
entanto, as pessoas têm certa dificuldade para perceber essas
conexões. Considerando os estudos realizados, aponte duas
hipóteses que favorecem essa dificuldade de conexão.

124 Empreendedorismo na Educação


Você deve relacionar as seguintes possibilidades:
1 O fato de autores da área educacional fomentarem que o
empreendedorismo carrega consigo uma perspectiva ideológica,
mercantilista e neoliberal que culpabiliza os sujeitos pelo seu
fracasso na sociedade.
2 O fato de os autores que abordam o empreendedorismo serem
de outras áreas que não a pedagogia, favorecendo a presença
de lacunas sobre a atuação do docente no processo educacional
(planejamento, mediação e avaliação), o que dificulta a significação
e favorece as resistências.

2 Educação, inovação, tecnologia e sociedade


1. A música Como uma onda, cantada por Lulu Santos, fala sobre
os movimentos do mar como uma metáfora aos movimentos
da vida. Podemos observar isso no trecho a seguir: “Nada do
que foi será / De novo do jeito que já foi um dia / Tudo passa, tudo
sempre passará / A vida vem em ondas como um mar / Num indo e
vindo infinito” (COMO..., 1983).Todos os dias somos diferentes e,
como uma onda no mar, somos moldados por fatores externos.
Nesse sentido, apresente os fatores que influenciam a
constituição dos sujeitos na sociedade.

Podem ser mencionados diferentes fatores, pois, na verdade, tudo o


que está presente na sociedade exerce influência (mesmo que indireta)
sobre os sujeitos. Assim como o vento, os movimentos da Terra e as
fases da Lua influenciam o movimento do mar, o contexto familiar e
cultural a que se teve acesso, as relações interpessoais não familiares,
a escola, o direcionamento político, a religião etc. influenciam a
constituição do sujeito social.

2. Você conhece a história de William Kamkwamba? Ela foi a fonte


de inspiração para o livro e o filme de título O menino que descobriu
o vento. Vale a pena conhecer a história de Kamkwamba, que
buscou uma solução para os problemas da sua vila em Malauí,
no sudeste da África. Com apenas 14 anos de idade, motivado
pelo seu maior sonho, que era o de estudar, e pelo desejo de
resolver o problema da seca e da fome, Kamkwamba estudou
um livro de física e começou a desenvolver hipóteses para criar
um moinho de vento. Mesmo com a precariedade material,
ele buscou objetos alternativos e conseguiu convencer outras
pessoas a ajudá-lo. Apesar de muitas pessoas duvidarem, ele não

Resolução das atividades 125


desistiu e livrou a sua família da fome e da seca, que afligiram
a região em 2000 (ITO, 2020). Considerando essas informações
e os estudos deste capítulo, identifique o momento no qual
criatividade e inovação se encontraram e o que foi preciso para
que isso acontecesse.
A dificuldade encontrada pela comunidade onde William Kamkwamba
vivia, a vontade de estudar e sua personalidade criativa e inovadora
fizeram com que ele superasse as dificuldades e olhasse “fora da
caixa”, para que então fosse possível identificar formas de vencer os
desafios e atingir seus objetivos. Ainda, podemos apontar o fato de ele
ter tido uma ideia e ter buscado materiais que pudessem substituir o
que era necessário para montar o moinho.

3. “O mundo mudou, e mudou porque as relações sociais,


organizacionais, pessoais, familiares, econômicas, educacionais
e tecnológicas mudaram. Estamos vivendo na Sociedade do
conhecimento onde há a exigência de um indivíduo crítico,
criativo, reflexivo, íntegro e autônomo” (ALVES, 2020). Se esse
é o perfil que a sociedade almeja, o que pode ser feito para
alinharmos os sujeitos às demandas da sociedade?
Existem algumas possibilidades de resposta, mas considerando as
temáticas abordadas neste capítulo, é preciso indicarmos a importância
do realinhamento dos sistemas educacionais, da formação docente,
das práticas e dos processos pedagógicos planejados de modo
intencional ao desenvolvimento de competências.

3As competências e o empreendedorismo na educação


1. Na década de 1990, durante o governo Fernando Henrique
Cardoso, o Brasil se tornou signatário junto à Unesco no
compromisso de fomentar a educação para o século XXI.
Nesse período, introduziu-se aqui o ensino com base no
desenvolvimento de competências, por meio de algumas ações
ministeriais, como a LDB n. 9.394/1996. Qual é a principal
orientação que essa lei trouxe quanto ao desenvolvimento
de competências e que acarretou desdobramentos em outros
dispositivos legais?
Caminho de resposta: a LDB n. 9.394/1996 aponta para a necessidade
do preparo dos educandos para a cidadania e a qualificação para o
trabalho. Essa lei trouxe desdobramentos para cada um dos níveis de
ensino, de modo que se tornou necessário um alinhamento em todos
os outros documentos legais relacionados à educação.

126 Empreendedorismo na Educação


2. Fernando Dolabela foi considerado o pai da Pedagogia
Empreendedora. Com base em seus estudos e suas pesquisas,
ele conseguiu identificar o quanto a família é importante
no incentivo do potencial empreendedor dos sujeitos. Faça
uma análise de seu contexto familiar e busque identificar se,
diante das situações, seus estímulos familiares favoreceram ou
dificultaram seu potencial de inovação, sua tomada de risco e
sua proatividade.
Caminho de resposta: esta é uma resposta bem pessoal e dependerá
das vivências de cada estudante. O importante é que reflitam sobre
a forma com que sua família se posicionava quando, por exemplo,
tinham uma percepção diferente sobre um assunto ou quando
optavam por um caminho que não era considerado o mais seguro
ou o socialmente mais aceito. Sua família o apoiava ou o colocava
pra baixo e desestimulava a assumir os riscos de manifestar suas
ideias e/ou colocá-las em prática? Famílias que apoiam mesmo não
concordando e que usam o diálogo para refletir sobre as situações,
sem serem impositivas no direcionamento do caminho do filho
ou familiar, têm uma maior possibilidade de ampliar o potencial
empreendedor do sujeito.

3. O empreendedor educacional é um professor que articula


competências empreendedoras em sua prática pedagógica
no intuito de desenvolver seus estudantes intencional e
significativamente a ponto de estimular o potencial deles,
emponderando-os diante dos desafios da vida em sociedade.
Você já atuou como professor?
Caso sua resposta seja sim, pense em alguma prática que você
tenha desenvolvido e que se aproxime da perspectiva anterior
e disserte sobre ela.

Se você nunca foi professor, consegue se lembrar de algum


docente em sua trajetória de estudante que o estimulou a ver
e a encarar os desafios da vida por meio do jeito de falar, de
ajudar e de dar aula? Discorra sobre essa lembrança.

Caminho de resposta: não há resposta certa ou errada. Porém,


é interessante observar que a maior parte das pessoas que hoje
atuam como docentes teve algum professor que serviu de base
para sua constituição na qualidade desse profissional. As pessoas
que não tiveram professores com esse perfil costumam apresentar
mais dificuldade ao relacionar as suas práticas às do empreendedor

Resolução das atividades 127


educacional. Lembrando que nem sempre os professores são agentes
de mediação com competências consideradas empreendedoras.
Temos mediadores em várias dimensões da vida. Nesse sentido,
mesmo que nenhum professor tenha marcado positivamente o
estudante ou tenha sido um empreendedor educacional, ele pode
conhecer outros agentes de mediação que tenham sido fundamentais
no desenvolvimento de seu potencial empreendedor, em sua vida e
também em sua educação.

4 O papel da mediação no desenvolvimento do


perfil do empreendedor
1. Analise a imagem a seguir:

Fagreia/Shutterstock
Considerando os estudos realizados acerca das zonas de
desenvolvimento da aprendizagem, estabeleça uma relação
entre a imagem e a teoria vygotskyana de aprendizagem.

Caminho de resposta: o estudante poderá falar sobre a importância


e o papel da mediação no desenvolvimento da aprendizagem, bem
como poderá explorar a perspectiva da zona de desenvolvimento real,
potencial e proximal, considerando a aprendizagem e a necessidade
de mediação para esse fim.

2. Durante os estudos deste capítulo, você pôde perceber o


quão importante é a mediação para o desenvolvimento da
aprendizagem dos sujeitos. No entanto, é muito comum
encontrarmos práticas disfarçadas de mediação, quando
na verdade correspondem a práticas facilitadoras. Qual é a
diferença entre mediação e facilitação, e qual é o impacto da
facilitação no desenvolvimento da aprendizagem do estudante?

128 Empreendedorismo na Educação


Caminho de resposta: a mediação é uma prática intencional,
significativa e que provê estímulos adequados para que o aluno
desenvolva a autonomia, transcendendo os conceitos e aplicando-os
em diferentes situações da sua vida. Já a facilitação prevê dar respostas
prontas e dar exemplos antes mesmo que o aluno consiga, por si,
encontrar as respostas ou desenvolver sua habilidade de abstração.
Esse tipo de conduta torna o cérebro e o estudante preguiçosos,
limita o potencial que o estudante poderia desenvolver, criando um
mecanismo quase vicioso, pois ele se acostuma a receber as coisas
prontas e minimamente esmiuçadas.

5 Orientação Empreendedora Educacional


1. A base do instrumento de Orientação Empreendedora
Educacional surge da necessidade de tornar presente a ação-
reflexão-ação durante o processo pedagógico, com vistas a
desenvolver o potencial crítico-reflexivo dos sujeitos envolvidos.
Considerando o Quadro 2, que apresenta as dimensões, as
categorias e os indicadores da OEE, e a Tabela 1, que mensura
o potencial quantitativo dos indicadores em cada uma das
dimensões, faça uma autoavaliação do seu potencial de OEE.
Se você ainda não atua na educação, escolha algum conhecido
para realizar essa aplicação. Ao final, indique se você se
considera mais inovador, mais proativo ou mais tomador de
riscos calculados.
Não há certo e errado nessa questão. O importante é o exercício
da ação-reflexão-ação. Pensar sobre as práticas de maneira crítica
auxilia o profissional da educação/empreendedor educacional em
potencial a encontrar caminhos diferenciados (proatividade/inovação),
que ajudem a potencializar as práticas, por meio da aplicação de
estratégias (inovação e tomada de risco) visando alcançar os objetivos
estabelecidos. Vale frisar que nenhum instrumento é um fim nele
mesmo. O que isso quer dizer? Que o instrumento em si não aponta
o resultado, apenas indícios, pois a ação pedagógica é multifatorial e
impactada por diferentes elementos e pontos de vista (leis, documentos
institucionais, professores, equipes gestoras e estudantes).

Assim, fique atento. Existem algumas formas de se autoavaliar:

1) sem critério (responde por responder, sem de fato pensar nos


indicadores e sem tentar se visualizar em cada um deles);

Resolução das atividades 129


2) com critério, mas não aqueles fundamentados nas leis ou nas
premissas educacionais da instituição de que se faz parte;
3) com critério e se cobrando de maneira exagerada, crítico ao
ponto de não refletir sobre a prática de modo a melhorar o
processo;
4) com critério, tendo fundamentação nas leis e nos métodos e
com espírito de reflexão sobre as práticas.
A autoavaliação que se espera de um empreendedor educacional é o 4.

2. Considerando os aspectos abordados neste capítulo, quem


pode ser considerado um empreendedor educacional? Você
se considera um empreendedor educacional em potencial?
Justifique.
O empreendedor educacional corresponde a qualquer pessoa que
esteja vinculada à mediação e ao desenvolvimento de processos
formativos para agentes mediados. A essência da ação docente, por si
só, já se configura como um ato de empreendedorismo.

Mesmo que você não se considere um empreendedor


educacional, entenda que todos nós que estamos na educação
atuando no desenvolvimento de práticas educacionais somos
empreendedores educacionais, em maior ou menor grau. Se você
ainda não se reconhece como um empreendedor educacional, é
sinal de que precisa acionar a ação-reflexão-ação e internalizar
práticas mais concernentes à realidade e ao contexto em que está
inserido. Feuerstein já dizia que todos somos modificáveis cognitiva e
estruturalmente. Comece já o seu caminho de (re)conexão com a sua
essência de professor.

3. A música Wake Me Up, de Avicii e Aloe Blacc, que em português


significa “Acorde-me”, traz trechos muito representativos. Leia os
trechos traduzidos a seguir, reflita sobre eles e relacione-os com
o potencial de OEE presente nos empreendedores educacionais.

“Dizem que sou muito jovem para entender


Dizem que estou preso em um sonho
Bem, a vida vai passar por mim se eu não abrir meus olhos
[...]
Todo este tempo eu estava procurando por mim mesmo
E não sabia que eu estava perdido”

Uma possível resposta deve considerar que todos temos potencial


de orientação empreendedora como empreendedores educacionais.

130 Empreendedorismo na Educação


Logo que nos formamos nos cursos de licenciatura, em especial na
Pedagogia, estamos com toda a vontade de colocar em prática o que
aprendemos, temos vontade de fazer acontecer. Quando chegamos
às escolas, nem sempre os espaços educativos fornecem subsídios e
abertura suficiente para isso e, aos poucos, a criatividade, a inovação,
a proatividade do empreendedor educacional vão diminuindo junto
com o seu potencial de OEE. Às vezes, somos vistos como diferentes
e com maus olhos. A aplicação do instrumento de OEE – associada ao
framework de gestão das práticas pedagógicas – favorece não somente
a possibilidade de reconectar-se com essa essência, mas também de
ressignificar-se, de reconhecer os deslizes na trajetória e de buscar
formas para superar e recuperar o tempo que passou.

Resolução das atividades 131


ANEXO
RECONHECIMENTO CONTEXTO
PLANEJAMENTO
Legislação
educacional
Plano de curso*

Planejamento Plano de ensino


• Leis • Princípios e fundamentos teóricos
• Diretrizes Projeto Político- Plano de aula + “Plano B”
• Planos Pedagógico • Currículo
• Resoluções
1) Retomada
• Organização didático-pedagógica • Objetivos
2) Temática
Planejamento Resgate • Perfil de conclusão*
Elementos 3) Atividades de aprendizagem
do processo • Marcas formativas
Mediação
pedagógico Estratégias
Avaliação
Recursos
Envio do plano para a
• Infraestrutura 4) Acompanhamento e avaliação coordenação pedagógica

5) Outras referências Acompanhamento


Pessoas

Espaços 6) Situações de aprendizagem


Solicitação de materiais
Materiais (recursos didáticos) 7) Fechamento

* Para cursos superiores ou técnicos (subsequentes integrados)

MEDIAÇÃO AVALIAÇÃO

Retomada (contextualização) Atividades de aprendizagem /


Implementação do Situações de aprendizagem
Temática (significação
planejamento
Desenvolvimento de atividades de aprendizagem Foco nos objetivos
AÇÃO

Acompanhamento / coordenação (mediação) Alinhamento ao planejamento e à mediação

Reflexão Avaliação

Apresentação de outras referências


AÇÃO

Avaliação prática (situação de aprendizagem)

REAL SIMULAÇÃO

Conteúdo

Fecha- Resgate objetivos Perfil do egresso


mento Marcas formativas
Relação teoria x prática

Critérios universais de mediação: intencionalidade e reciprocidade | transcendência | mediação do significado | consciência de modificabilidade

Dimensões da orientação empreendedora educacional: inovação | proatividade | tomada de risco

132 Empreendedorismo na Educação


ISBN 978-65-5821-048-1

EMPREENDEDORISMO na educação
9 786558 210481

Código Logístico

I000119

Nágila Cristina Hinckel

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