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[...] Depois de rever os Beatles no «Ed Sullivan Show», graças ao YouTube, continuei a recor-
dar e a retraçar, através da internet, a estonteante carreira dessa banda. No espaço de três ou
quatro anos tornou-se noutra coisa completamente diferente. Os músicos tinham ido à Índia, e não
apenas na imaginação, como Pessoa. Foram à Índia, ficaram num ashram1, tiveram um guru2, leram
5 filosofia, tornaram-se psicadélicos e usaram as suas canções para protestar contra umas coisas e
celebrar outras. A sua música evoluiu a passos largos. Os Beatles não paravam. Estavam sempre
inquietos, sempre em viagem, sempre entre duas coisas, eram instáveis. O seu génio dependia
dessa permanente efervescência. E era também isso que acontecia com Fernando Pessoa, que
estava sempre a mudar – de voz, de opinião, de estilo literário. Os heterónimos3, entre as suas
10 outras funções, permitiram que Pessoa suportasse e aproveitasse todas as contradições inerentes
ao seu ser. A sua inteligência era altamente flexível, dinâmica. Os Beatles, ao contrário de Pessoa,
tiveram um excelente manager, que os obrigava a canalizar e a concentrar as suas energias criati-
vas. [...]
Fernando Pessoa, com toda a energia e desassossego dos Beatles, mas sem um manager
15 que o ajudasse a organizar-se, deixou uma obra que se relaciona connosco de um modo bem
diferente, e não apenas por ser escrita.
ZENITH, Richard, 2013. «Hino à vida» (Discurso de aceitação do Prémio Pessoa). Atual, 1 de junho de 2013 (p. 35)
1. ashram: comunidade cujos membros se dedicam à sua própria evolução espiritual; 2. guru: mestre espiritual hindu; 3. heterónimos: figura
criada por um autor, com personalidade e estilo próprios, distintos dos desse autor.
2 Os processos de formação das palavras «internet» (l. 2) e «manager» (l. 12) são
(A) truncação e empréstimo, respetivamente.
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