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Fundamentos Históricos

de Enfermagem
Autora: Profa. Tais Masotti Lorenzetti Fortes
Colaboradoras: Profa. Renata Guzzo Souza Belinelo
Profa. Raquel Machado Cavalca Coutinho
Profa. Laura Cristina da Cruz Dominciano
Professora conteudista: Tais Masotti Lorenzetti Fortes

Formada em Enfermagem em 1986, trabalhou como enfermeira em unidade de clínica médica e clínica de
doenças infectocontagiosas, bem como no controle de infecções hospitalares, enquanto terminava a especialização
em Enfermagem médico-cirúrgica. Iniciou a carreira docente em 1994, ministrando disciplinas de saúde do adulto e
doenças transmissíveis. Acreditando na responsabilidade de a enfermagem apresentar as possibilidades terapêuticas e
estimular o paciente na participação de seu tratamento, cursou pós-graduação em Marketing. Com a prática repetida
na atenção de idosos, realizou mestrado em Gerontologia Social. As mudanças pedagógicas levaram-na a estudar
metodologias participativas e que levem em consideração a vivência anterior do aluno, e por esse motivo fez outra
especialização, agora em métodos de aprendizagem participativa. O doutorado foi realizado em Patologia Clínica,
estudando o processo de envelhecimento da pele e propondo métodos de prevenção de lesões pertinentes ao processo
de alterações cutâneas.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

F738f Fortes, Taís Masotti Lorenzetti.

Fundamentos históricos de Enfermagem. / Taís Masotti


Lorenzetti Fortes. – São Paulo: Editora Sol, 2017.

112 p., il.

Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e


Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XXII, 2-028/17, ISSN 1517-9230.

1. Teorias de enfermagem. 2. Prática assistencial. 3. Demanda


Administrativa. I. Título.

CDU 616-083

A-XIX

© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
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Vice-Reitora de Graduação

Unip Interativa – EaD

Profa. Elisabete Brihy


Prof. Marcelo Souza
Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar
Prof. Ivan Daliberto Frugoli

Material Didático – EaD

Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dra. Divane Alves da Silva (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)
Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)

Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos

Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto

Revisão:
Lucas Ricardi
Ana Fazzio
Sumário
Fundamentos Históricos de Enfermagem
APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................7

Unidade I
1 O CUIDAR...............................................................................................................................................................9
1.1 Dimensão histórica no mundo: evolução e prática contemporânea..................................9
1.2 Dimensão histórica brasileira: evolução e prática contemporânea brasileira.............. 28
2 O DESENVOLVIMENTO DO CONHECIMENTO DE ENFERMAGEM................................................... 34
3 PADRÕES DE CONHECIMENTO E SUA IMPORTÂNCIA PARA O CUIDAR..................................... 35
4 DESENVOLVIMENTO DO ENSINO DE ENFERMAGEM.......................................................................... 38

Unidade II
5 AS TEORIAS DE ENFERMAGEM................................................................................................................... 52
5.1 As teorias de Enfermagem e sua influência nos processos cuidativos........................... 52
5.1.1 Teorias orientadas para a tese das necessidades/problemas................................................. 56
5.1.2 Teorias orientadas para a interação................................................................................................. 59
5.1.3 Teorias orientadas por campos de energia.................................................................................... 61
5.1.4 Teorias orientadas para os sistemas................................................................................................. 64
6 A PRÁTICA ASSISTENCIAL E A DEMANDA ADMINISTRATIVA, ÓRGÃOS DE CLASSE E
DE REPRESENTAÇÃO PROFISSIONAL, MERCADO DE TRABALHO...................................................... 67
6.1 Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) ................................................................................ 68
6.2 Conselho Regional de Enfermagem (Coren).............................................................................. 68
6.3 Conselho Internacional de Enfermagem (ICN).......................................................................... 69
6.4 Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn)........................................................................... 70
6.5 Sindicato de Enfermagem................................................................................................................. 72
6.6 Sociedades de especialistas ............................................................................................................. 73
6.7 Símbolos e juramento......................................................................................................................... 75
6.8 Mercado de trabalho............................................................................................................................ 76

Unidade III
7 O PROCESSO DE ENFERMAGEM (PE)....................................................................................................... 84
7.1 Evolução histórica................................................................................................................................. 84
8 FASES DO PROCESSO...................................................................................................................................... 90
8.1 Coleta de dados ou investigação ................................................................................................... 91
8.2 Planejamento de Enfermagem ...................................................................................................... 93
8.3 Implementação ..................................................................................................................................... 95
8.4 Avaliação ................................................................................................................................................. 96
APRESENTAÇÃO

A disciplina Fundamentos Históricos de Enfermagem busca fornecer elementos para a construção da


identidade profissional mediante as discussões sobre a prática e o contexto profissional da Enfermagem.
Nessa trajetória, traz conteúdos relativos ao processo de enfermagem, enfocando as diferentes teorias
e metodologias de trabalho existentes.

Será apresentada sustentação legal para discussão e reflexão de forma que se vê o cuidar como
prática profissional, oferecendo informações sobre o contexto histórico da criação e do desenvolvimento
do processo de enfermagem para identificar conceitos relacionados à operacionalização desse processo:
filosofia, base conceitual e as construções teóricas em Enfermagem.

Através desta apresentação, pretende-se identificar os projetos pessoais que caracterizam a


escolha profissional, descrever o panorama da Enfermagem no Brasil, identificar a formação e
competência dos componentes da equipe de enfermagem, apontar os campos de atuação do
enfermeiro na sociedade, fornecer dados e situações que possibilitem o reconhecimento da
prática profissional institucionalizada, conhecer o processo de enfermagem – origem, objetivos
e aplicabilidades – e desenvolver a compreensão sobre os significados dos referenciais teóricos e
metodológicos para o exercício profissional.

INTRODUÇÃO

Estudando a história, nos deparamos com o que fomos e fizemos através de nossos antepassados, e
isso nos ajuda a compreender o que podemos ser e fazer. Assim, a história é a ciência do passado e do
presente, mas o estudo do passado e a compreensão do presente não acontecem de uma forma perfeita,
pois nos baseamos em relatos pessoais, carregados de suas emoções e percepções.

A história não se resume à simples repetição dos conhecimentos acumulados. Ela deve servir como
instrumento de mudança e reflexão para que possamos aprimorar nosso fazer, saber e ser.

Desta maneira, não se pode ser um profissional sem conhecer a caminhada que nos antecedeu,
para partirmos daqui, e não de trás, para não termos que refazer caminhos já trilhados,
experimentados e melhorados.

Inicialmente, nos propomos a revisitar fatos descritos e relatados, experiências pessoais e


seus resultados e daqui olharmos para nossos caminhos conscientes de nossas possibilidades e
responsabilidades.

Vamos buscar em nós o resultado dessa evolução humana, social e tecnológica. Visitaremos costumes
e crenças que nos antecederam e nos influenciam até hoje, nos hábitos e fazeres.

“Acho que os sentimentos se perdem nas palavras. Todos deveriam ser transformados em ações, em
ações que tragam resultados” (NIGHTINGALE apud SANTOS, 2010, p. 53).

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Essa frase de Florence representa o sentido da Enfermagem. Por vezes ouvimos que alguém se dispõe
a estudar Enfermagem por motivos variados, ora pelo prazer de servir, ora pela emoção da urgência e
ora pelo prazer de colocar em prática seus conhecimentos em busca dos melhores resultados.

Para sabermos sobre a Enfermagem, temos que conhecer quem a trouxe para nós e como ela foi
trazida, de que modo foi construída ao longo dos anos e que perspectivas há. Conheceremos aqui
personalidades que participaram ativamente desse caminho, suas ideias e ideais.

Bem-vindo, aluno ou profissional de Enfermagem, à história da saúde, da Enfermagem e, portanto,


à sua própria história.

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FUNDAMENTOS HISTÓRICOS DE ENFERMAGEM

Unidade I
1 O CUIDAR

1.1 Dimensão histórica no mundo: evolução e prática contemporânea

Quando buscamos a origem do cuidado em saúde e quem teria sido o primeiro profissional de saúde,
cuidador ou responsável por questões de saúde, vamos voltar por muito tempo, até chegar ao homem
da caverna. Obviamente, os relatos não têm a mesma característica atual, não há escritos, mas desenhos
e a reconstituição através de escavações.

Acredita-se que os homens eram responsáveis pela caça e proteção da comunidade em que viviam,
normalmente em cavernas, enquanto as mulheres cuidavam das crianças e da moradia. Nesse aspecto,
era a mulher também que cuidava dos ferimentos do homem e familiares, baseando-se na observação
de resultados de procedimentos realizados empiricamente. Outra fonte de observação eram os animais,
ou seja, se um deles ingerisse alguma fruta, erva ou raiz, era sinal de que ela não era maligna. Animais
que se esfregavam em plantas para cicatrizar feridas também demostravam os efeitos daquela planta,
caso da copaíba, usada até os dias atuais.

Já nesse breve relato, podemos observar que o cuidado de saúde está diretamente ligado às
organizações sociais, políticas, econômicas, suas leis e crenças (GIOVANINI et al., 2005).

É bastante aceita a divisão dessa história por períodos associados às organizações sociais e
conquistas intelectuais relacionadas à saúde.

O primeiro período é o das práticas de saúde instintivas, que se referem ao momento em


que os grupos sociais não tinham uma residência fixa por muito tempo, ou seja, são nômades. Os
homens buscavam locais que lhes oferecessem melhores condições de sobrevida, como proteção física,
alimentação e água limpa. Essas condições permitiam o cultivo da terra, com a plantação de alimentos
que servissem para a manutenção daquele grupo familiar. Como todos buscavam condições semelhantes,
acabavam migrando para locais próximos, vizinhos, e não demorou para que percebessem as vantagens
de viver em comunidade.

Nessas novas comunidades, o homem já tinha o poder patriarcal da força, caça e proteção, e a
mulher já apresentava o cuidado instintivo.

Como se sabe, conhecimento é poder, e as práticas de cuidado, tratamento e cura foram chamando
a atenção e provocando a necessidade de concentrar tal conhecimento nas esferas do poder.

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Unidade I

Observação

Nesse momento, não há ganho científico algum, uma vez que o


conhecimento é muito primitivo e faz o cuidado afetivo e instintivo.

O homem se apodera de tal conhecimento e o reveste de misticismo no chamado período de práticas


mágico-sacerdotais.

Nesse momento, o conhecimento sobre o mundo e tudo o que o cerca era restrito aos sacerdotes
em seus templos – portanto, baseado exclusivamente na crença da relação de tudo com a religião
ou manifestação espiritual. Esse período é de cerca do século V a.C. O Egito tinha uma economia
desenvolvida, o mar impulsionava a vocação marítima e facilitava o transporte e a comunicação entre as
cidades. A transmissão de poder se baseava em hereditariedade e na complexa relação de pais polígamos
e filhos com várias mulheres.

A religião tinha papel muito importante, interferindo na vida de toda a comunidade. Há vários
deuses, responsáveis por atividades diversas, como agricultura, fartura, chuva e saúde. As cidades são
protegidas por deuses diferentes, a quem competia a proteção do povo e de suas necessidades.

Na mitologia grega, várias divindades estavam vinculadas à saúde. Os gregos cultuavam, além da
divindade da medicina, Asclepius, ou Aesculapius, duas outras deusas: Higieia, que representa uma
valorização das práticas higiênicas, a Saúde, e Panacea, a Cura, a deusa da razão. Esculápio é o deus da
arte da cura e da cirurgia.

A concepção mágico-religiosa partia do princípio de que a doença resultava da ação de maldição


ou forças alheias ao organismo causadas pelo pecado. Para os antigos hebreus, a doença não era
necessariamente devida à ação de demônios ou de maus espíritos, mas representava, de qualquer modo,
um sinal da cólera divina diante dos pecados humanos (SCILIAR, 2007).

O sacerdote tinha papel de mediador entre os deuses e o doente ou necessitado. A população não
se sentia atendida por tais práticas e realizava cultos de magia e superstição, na busca de melhora das
condições de vida, liberdade ou igualdade de direitos.

O sacrifício de animais era comum. Com ele, acreditava-se satisfazer os deuses e, assim, conseguir
a graça aguardada. Os enfermos tratados nos templos de Esculápio eram colocados sobre a pele desses
animais e sedados, para participarem dos rituais de tratamento e cura.

Os templos de Esculápio, construídos em locais tranquilos e bonitos, primavam pelo ambiente


favorável à cura dos doentes e eram construídos nas colinas ou montanhas abrigadas contra os ventos
maléficos. Eram localizados ao lado das florestas e de uma fonte de águas minerais, de termas ou, pelo
menos, de água puríssima. Cada um desses santuários tinha um altar para oferendas, e os serviços
eram ministrados por sacerdotes. O enfermo era submetido a dietas com restrições de vinhos e iguarias,

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FUNDAMENTOS HISTÓRICOS DE ENFERMAGEM

atividades físicas e banhos de ervas, massagens e unções antes de adentrar no templo. Para tanto,
pagava-se em ouro, prata ou oferendas.

Sacrificava-se um animal, geralmente cabra ou galo, oferecido pelo enfermo para tornar favorável
o espírito da divindade. Seguiam-se preces fervorosas e cânticos. Quando a cura era atingida, o mérito
era do sacerdote e de suas técnicas. Quando o paciente morria, a responsabilidade era do próprio, por
não ser merecedor da cura.

A prática de cuidados de saúde gratuita era diferente das pagas. Iniciam-se escolas de cura na Itália,
com conhecimento empírico e poucas informações acerca do funcionamento do organismo humano.

Poucas referências a um princípio de Enfermagem remetem a parteiras domiciliares e algumas


mulheres de casta auxiliando nos templos.

Observação

Há algumas referências de arquitetura dos templos onde se faziam os


sacrifícios de animais, e estes tinham canais de condução para o sangue
dos animais não ficar dentro dos templos.

No final do século V e início do século IV a.C., começavam as insatisfações quanto à crença de deuses
responsáveis por cada vez mais privilégios aos ricos e menos aos pobres e escravos. Inicia-se o período
de práticas de saúde no alvorecer da ciência.

A filosofia abre espaço para uma observação mais criteriosa da relação entre a natureza e as
manifestações humanas. Não há ainda conhecimentos anatomofisiológicos.

Surge, nesse momento, Hipócrates (460-377 a.C.). Influenciado por Sócrates e outros filósofos,
Hipócrates, considerado o pai da Medicina moderna, procura separar as doenças dos aspectos místicos
e religiosos. Seus trabalhos e pesquisas são relatados por outros autores, como Platão e, apesar de não
haver registros, acredita-se que tenham contado com a participação de outros pesquisadores da época.
O texto atribuído a Hipócrates (apud RODRIGUES, 2013, p. 23) intitulado “A Doença Sagrada” começa
com a seguinte afirmação: “A doença chamada sagrada não é, em minha opinião, mais divina ou mais
sagrada que qualquer outra doença; tem uma causa natural e sua origem supostamente divina reflete
a ignorância humana”.

Para Hipócrates, a doença era o resultado de desequilíbrios ou desorganização dos quatro humores
do corpo, que são a bile amarela, a bile negra, a fleuma e o sangue.

Seu texto conhecido como “Ares, Águas, Lugares” (apud FRIAS, 2004, p. 63) discute os fatores
ambientais ligados à doença, defendendo um conceito ecológico de saúde-enfermidade. Com esses
estudos, pôde-se refletir sobre epidemiologia e meio ambiente.

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Unidade I

Seguindo os princípios hipocráticos de humores e fluidos, Galeno (129-199) propõe que a causa das
doenças seja endógena, ou seja, estaria dentro do próprio homem, sendo a resposta à sua constituição
física ou a hábitos de vida que evoluíssem para o desequilíbrio.

Ao mesmo tempo, no Oriente aborda-se a saúde e a doença com base em forças vitais que, quando
agem de forma desarmoniosa, evoluem para doença. As terapias são à base de acupuntura e ioga e
buscam restaurar o fluxo de energias no organismo.

As práticas de saúde na tradição romana trouxeram muitas influências na área de higiene e


saneamento. Por exemplo, um animal não poderia ser abatido por pessoa que tivesse doença de pele, o
que faz sentido: lesões de pele podem conter micróbios. Moluscos eram proibidos – dessa forma, certas
doenças, transmitidas por ostras, podiam ser evitadas. Havia também hábitos de higiene das mãos e pés
antes de se alimentar, lembrando que as pessoas se sentavam no chão para comer, portanto, o alimento
ficava próximo aos pés.

A dissecção de cadáveres era proibida, o que atrasou a evolução de conhecimentos e desenvolvimento


de técnicas.

Saiba mais

Leia o artigo a seguir:

BACKES, M. T. S. et al. Conceitos de saúde e doença ao longo da história


sob o olhar epidemiológico e antropológico. Revista Enfermagem UERJ, Rio
de Janeiro, v. 17, n. 1, p. 111-117, jan./mar., 2009.

O momento com o poder militar, os grandes latifundiários, os patrões ameaçando colonos e o


feudalismo é chamado de práticas de saúde monástico-medievais. São os primeiros séculos do
período cristão, e as práticas de saúde são influenciadas pelas questões econômicas, sociais e políticas
do medievo e da sociedade feudal. Há as guerras bárbaras e disputas por terras do início da queda do
império romano; ao mesmo tempo, a devastação das terras, com a morte de soldados e muitos feridos,
leva à disseminação de doenças relacionadas à falta de higiene e promiscuidade sexual. Epidemias de
sífilis, lepra e malária e manifestações geográficas de terremotos e inundações propiciam retrocesso de
crendices em manifestações e superstições.

Com o pensamento e práticas cristãs, há alterações sociais e políticas. O clero tem laços estreitos com a
nobreza e assume posição financeira de destaque, além de respeito e credibilidade. Como conhecimento
é poder, os conhecimentos acerca das questões de saúde ficam restritos ao clero.

O misticismo volta a ser o foco de tratamentos de saúde, desvinculando-se o conhecimento científico.

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FUNDAMENTOS HISTÓRICOS DE ENFERMAGEM

Simultaneamente, os cristãos são movimentados pelos sentimentos de amor ao próximo,


bondade e abnegação, e reúnem-se em congregações e ordens religiosas, propagando a assistência
religiosa à saúde.

Os exércitos romanos exigiam cuidados médicos. Cada legião e cada navio de guerra possuía um
profissional. Os hospitais militares romanos constavam de enfermarias, que se comunicavam por
corredores com um pátio central quadrangular. Possuíam cozinha e farmácia. Ruínas dessas instituições
romanas foram encontradas nas margens do Danúbio, em Viena, Baden e Boon.

O decreto de Constantino em 335 d.C. fechou as asclepieia, primeiras instituições religiosas da


península Itálica, e estimulou a criação dos hospitais cristãos durante o IV e V séculos. Surgiram tais
organizações cristãs no Oriente, de onde se transportaram para Roma.

Concílios católicos impuseram aos bispos a obrigação de recolherem os doentes em suas dioceses. O
Quarto Concílio de Cartagena ordenava que os hospitais fossem construídos ao lado da igreja, como no
islamismo surgiam junto às mesquitas.

A origem do hospital é anterior à Igreja Católica. O príncipe Siddhartha Gautama, fundador


do budismo, cuja época vivida estima-se entre 563 e 483 a.C., foi responsável pela construção de
instituições hospitalares e, junto a elas, nomeava a cada dez cidades um médico responsável por
atendê-las (ARAUJO, 2013).

O problema da lepra acelerou a construção hospitalar pela necessidade de defesa pública sanitária.
Hospitais para leprosos foram mencionados por Gregório de Tours, no ano 560. Ao tempo de Luiz XIII
eles existiam na França em número de 2.000. Na Inglaterra e Escócia eram em número de 220.

As várias denominações dadas aos hospitais eram derivadas do grego e designavam o objetivo
principal de cada instituição. Alguns dos termos mais frequentemente usados eram o nosocomium
para os doentes, o brephotrophium para enjeitados, o orphanotrophium para os órfãos, os ptochium
para os pobres que eram incapazes de trabalhar, o gerontochium para idosos e o xenodochium para
peregrinos pobres ou doentes. Um dos nosocômios fundado por São Basílio (330 a 372) na Capadócia,
voltado integralmente à missão religiosa, é referência nas construções hospitalares. Suas basílicas, como
eram chamadas, tinham as dimensões de uma pequena cidade, com suas ruas regulares, edifícios para
diferentes tipos de pacientes, residências para médicos e enfermeiros, oficinas e escolas industriais.
Fundou também um hospital especialmente para cuidar dos leprosos. São Gregório de Nazianzo
ficou profundamente impressionado com a extensão e a eficiência dessa instituição, que descreveu
com entusiasmo (AQUINO, 2008). Outro hospital foi construído por Fabiola (380 a 400), que, segundo
historiadores, dedicou-se ao cuidado de pobres e doentes, fundando em Óstia, junto a Roma, um grande
hospital para doentes abandonados com atendimento gratuito.

Em Paris, o Hôtel-Dieu foi fundado em 651 pelo Bispo Saint-Landry. Ainda em atividade, é o hospital
mais antigo da capital francesa, conservando algumas características da época, apesar de ter sofrido
várias reformas após alguns incêndios (MEULENBERG,1998).

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Unidade I

Acredita-se que as estruturas físicas e assistenciais eram precárias, e, mesmo com o início da
medicina moderna, a influência religiosa e a falta de mão de obra qualificada para dar continuidade
à assistência fazia desses hospitais locais muitas vezes impróprios ao doente. Há relatos de divisões
por salas ou edificações para homens e mulheres separadamente; doenças contagiosas, como a lepra
e varíola, também tinham espaços específicos; relatos sobre acidentes de guerra, problemas de olhos e
outros esparsos também foram obtidos.

Nos séculos XII e XIII, os frades aprendiam noções de medicina dentro dos monastérios e passaram a
atender os chamados nos domicílios. Os Concílios de Clermont, em 1130, e de Letrau, em 1139, proibiram
aos monges e canônicos regulares o exercício da prática médica. Em 1219, foi proibida a saída dos
religiosos para tais assistências. Honório III (1216-1227) proibiu aos clérigos seculares o exercício da
medicina (BRASIL, 1965). O Concílio de Viena, reunido em 1312, decidiu que o tratamento dos enfermos
seria feito pelos leigos. Aos religiosos competia o direito de assistência espiritual. Era o início do período
das práticas de saúde pós-monásticas.

Um retrato político da época apresenta o feudalismo em decadência. Grandes cidades foram se


desenvolvendo, e o contato e o comércio entre elas estimularam o crescimento financeiro comercial.
Agricultores e escravos conquistavam sua liberdade, impedindo a sobrevivência do sistema feudal
alicerçado no trabalho servil e escravo. Até o início do século XV, o feudalismo dá lugar, paulatinamente,
a Estados nacionais de governo, mudanças políticas e centralização do poder.

Até esse momento, o comércio se detinha no eixo do Mediterrâneo, e as conquistas marítimas


levavam ao continente americano esperança, ganância e novo eixo comercial.

Um marco importante na divulgação das informações e conhecimento está na tipografia e na


facilidade de copiar e multiplicar os escritos em maior escala. Isso, somado ao acesso à informação,
à queda do catolicismo e de seus vínculos políticos e a guerras religiosas, resulta na multiplicação
de crenças.

Lembrete

Até o momento, as comunicações, registros e relatos eram manuscritos


e demoravam muito para serem produzidos. A tipografia que deu
possibilidade de produção de livros foi um grande avanço.

Em Bolonha, a universidade abrigava tantos alunos que a cidade foi dividida em duas partes, uma
frequentada pelos legistas e a outra, pelos artistas. Os legistas eram os alunos de direito e os artistas
eram compostos pelos docentes e discentes de Filosofia, Medicina, Cirurgia, Astrologia, Matemática.
Com o crescimento dos cursos da área artística, houve necessidade de construir um edifício próprio para
o ensino. Surgiu, destarte, a escola nova ou archiginnasio, terminada em 1563.

As aulas de Medicina, especialmente as de anatomia, eram grandes eventos sociais. Já cabia então
a dissecação de cadáveres para estudo de anatomia, porém na primeira aula, quando seriam iniciados
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FUNDAMENTOS HISTÓRICOS DE ENFERMAGEM

os procedimentos no cadáver, era realizado um ritual com missa em benefício à alma do cadáver. Este
era colocado sobre uma mesa de mármore, no meio da sala, com duas velas acesas; eram ofertados oito
círios de cera branca de Veneza, dois pães de açúcar e um par de luvas de Roma, todos colocados em
um prato de porcelana.

A Renascença, movimento artístico, cultural e intelectual nascido na Itália, foi decisivo para a busca
científica do cuidado em saúde.

O progresso da ciência foi, naturalmente, determinando o aperfeiçoamento gradual dessas casas de


assistência. Principalmente a cirurgia tomou bom impulso não só pelo melhoramento dos conhecimentos
anatômicos, como também pelo abandono da obediência à Igreja. Em 1528 era possível ver os cirurgiões
de longas vestes, que eram um pequeno grupo, educado nas universidades e autorizado a praticar todos
os processos operatórios; os de curtas vestes eram os barbeiros encarregados de fazer a barba e outras
atividades médico-cirúrgicas.

Era dada grande importância à circulação de ar nas enfermarias e em como se organizavam. Em um


levantamento da quantidade de leitos hospitalares disponíveis e dos necessários, o Hôtel-Dieu, de Paris,
relata ter 1.100 leitos para um doente, cada um, e 600 leitos grandes, para mais de uma pessoa, cada um,
podendo assim a instituição abrigar cerca de 2.500 doentes, no total. Também comum era a estrutura
de enfermarias contínuas, sem divisões de paredes entre 20 leitos cada.

Nesse momento já há alguma formação em enfermagem. Em 1634, constituiu-se a ordem das irmãs
de caridade de São Vicente de Paulo, originada no Hôtel-Dieu por um pequeno grupo de moças que
aprenderam enfermagem.

As produções intelectuais trouxeram grandes nomes como Paracelsus, Leonardo da Vinci e


Andréa Vesalius.

A Espanha formou a Academia de Córdoba (em 960) e teve uma biblioteca de trezentos mil volumes.
Em outros pontos, como Toledo, Sevilha e Múrcia, instituições de ensino se organizaram.

A quantidade de universidades, escolas ou espaços preparatórios multiplicava-se na Europa. Os


alunos tinham benefícios oferecidos pelo governo, os cursos não tinham divisão por disciplinas, mas por
temas, e os alunos e professores gozavam de autonomia e escolhiam o próprio reitor.

Fora da Europa, Damasco, Bagdá (em 1160) e Cairo (em 1283) tiveram grande expressão na construção
de hospitais e formação de equipes de saúde. O hospital tinha enfermarias separadas para mulheres,
convalescentes e especialidades médicas, ambulatórios, cozinhas dietéticas, biblioteca, capela e asilo de
órfãos. A equipe de enfermagem é a primeira que se tem relato de ter enfermeiros dos dois sexos. Bagdá
era o principal centro de oftalmologia e psiquiatria.

A fundação das universidades, a descoberta da imprensa e do microscópio e a intensificação do


tráfego foram ações que contribuíram no desenvolvimento da ciência médica.

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Unidade I

O caráter inovador do movimento humanista associado ao Renascimento gerava oposição


no interior das universidades – o saber convencional dos filósofos e teólogos escolásticos, quase
todos ligados ao clero, era refratário às mudanças. As universidades deveriam concentrar-
se na transmissão do conhecimento, e não em sua descoberta. Diante desse impedimento,
os humanistas fundaram as academias – instituições próprias para a discussão de ideias
(FONSECA, 2007).

Foram desenvolvidos estudos de anatomia, fisiologia e individualização da descrição das


doenças, fundada na observação clínica e epidemiológica. A experiência prática acumulada pelos
médicos até então forneceu elementos para estudos sobre a origem das epidemias e o fenômeno
do adoecimento humano.

Segundo Foucault (1982b), é possível distinguir três etapas na formação da medicina social:

• A medicina de Estado, surgida na Alemanha do século XVIII com a organização de um sistema


de observação da morbidade, a normalização do saber e práticas médicas, a subordinação dos
médicos a uma administração central e a integração de vários médicos em uma organização
médica estatal.

• A medicina urbana, que com seus métodos de vigilância e hospitalização não é mais do que
um aperfeiçoamento, na segunda metade do século XVIII, do esquema político-médico da
quarentena. Surgida na França, a higiene urbana tinha como preocupação central a análise
das regiões de amontoamento que significassem ameaça à saúde humana, como os cemitérios
e os matadouros, propondo sua realocação e o controle da circulação do ar e da água. Era a
medicalização das cidades.

• Por fim, com o desenvolvimento do proletariado industrial na Inglaterra, a medicina


inglesa começa a se tornar social através da “lei dos pobres”. Caracterizada pela assistência
e controle autoritário dos pobres, a implantação de um cordão sanitário que impunha o
controle do corpo da classe trabalhadora por meio da vacinação, do registro de doenças e
do controle dos lugares insalubres visava torná-la mais apta ao trabalho e menos perigosa
para as classes ricas.

Ainda há divisão social da assistência de saúde oferecida, agora relativa à formação dos profissionais
envolvidos. A assistência aos nobres e ricos é prestada por médicos graduados, remunerados regiamente;
a assistência a burgueses e artesãos, pertencentes a uma classe média, competia aos médicos e cirurgiões
de formação técnica; a assistência aos pobres, que dependia de doações e gratuidade, era realizada por
curandeiros e barbeiros.

A Enfermagem permaneceu, ao longo do Renascimento, presa aos monastérios e antigos


hospitais. Sem desenvolvimento ou ganho científico e articulações profissionais, só foi usufruir
das mudanças com a Reforma Protestante que, iniciada em solo alemão, se espalhou pelos
estados alemães e, posteriormente, pelo norte da França, Grã-Bretanha, Países Baixos, Bélgica e
Escandinávia. Com um novo rompimento entre a cristandade, começava a ganhar corpo. Foi a voz
16
FUNDAMENTOS HISTÓRICOS DE ENFERMAGEM

de Martinho Lutero (1483-1546) que levou adiante essa reforma, incidindo não apenas sobre o
dogmatismo católico, mas na sociedade, na cultura e no próprio pensamento moderno.

Com a cisão da Igreja, os hospitais que eram administrados pela Igreja Católica passaram para
a administração luterana. O aporte financeiro que a Igreja Católica dava aos hospitais não foi
substituído prontamente pela nova Igreja. Assim como aqueles profissionais antes ligados ao
catolicismo, esses, muitas vezes despreparados, não possuíam conhecimento técnico científico ou
eram em número insuficiente.

Para dar continuidade à assistência nos hospitais que resistiram à crise financeira, foram contratadas,
a salários muito baixos, pessoas que se dispunham a realizar o trabalho complexo e exaustivo nos
hospitais. Muitas eram de má índole e totalmente despreparadas. Muitos doentes preferiam permanecer
em casa para não ser atendidos por essas pessoas.

Convocado pelo papa Paulo III para assegurar a unidade da fé e a disciplina eclesiástica, o Concílio
de Trento, realizado de 1545 a 1563, foi o 19º concílio ecumênico da Igreja Católica. Foi a reação à
divisão então vivida na Europa devido à Reforma Protestante, por isso é conhecido também como
Concílio da Contrarreforma. A Reforma Católico-romana foi reforçada pela criação, em 1540, da
Companhia de Jesus – ordem religiosa fundada pelo espanhol Inácio de Loyola – que transformou-se
num verdadeiro exército em defesa da manutenção dos princípios católicos e da evangelização na
Europa, na Ásia e nas Américas.

Nas atas do Concílio constam recomendações de organização, manutenção e fiscalização dos


hospitais por parte da Igreja Católica. Surgem então movimentos religiosos, como os Irmãos de São João
de Deus, que se dedicavam aos cuidados de doentes mentais, os Irmãos de São Camilo de Lellis, que se
empenhavam a auxílio espiritual e profissional a doentes, e São Vicente de Paula, obras bem planejadas
que são precursoras de enfermagem moderna (PAIXÃO,1979).

Observação

A mudança da Igreja Católica para Protestante nos hospitais foi


demorada e muito violenta. Há relatos históricos de massacres e abandonos
de pacientes sem tratamento.

A Revolução Industrial, iniciada em 1760, ao lado de grandes descobertas, impulsionou a expansão


econômica e científica na Europa, Ásia e América. É o início do período das práticas de saúde no
mundo moderno.

O trabalho artesanal, no qual o homem era detentor de todo o processo, dá lugar a um processo
industrial com profundas modificações sociais.

Mostra-se um período de grandes descobertas, de descortinar o conhecimento e dar


possibilidade de avanço de várias áreas do conhecimento e, consequentemente, da saúde. No
17
Unidade I

laboratório de Louis Pasteur e em outros, o microscópio, descoberto no século XVII, mas até
então não muito valorizado, trazia a existência de micro-organismos causadores de doença,
possibilitando a introdução de soros e vacinas.

Enquanto isso, com a Revolução Industrial surge uma nova situação; o trabalho em ambientes
fechados, às vezes confinados, a que se chamou de fábricas. O êxodo rural, assim como as questões
urbanas de saneamento precárias e sobrecarregadas, soma-se às péssimas condições de trabalho (e
ambiente), alterando o perfil de adoecimento dos trabalhadores que passaram a sofrer acidentes e a
desenvolver doenças nas áreas fabris, como o tifo europeu (na época chamada febre das fábricas). A
maioria da mão de obra era composta de mulheres e crianças que sofriam com péssimas condições de
trabalho, em jornadas de até 20 horas diárias sem condições de higiene e alimentação.

Poderia se pensar agora na prevenção e cura das doenças. As descobertas marítimas que trouxeram
e levaram doenças de contágio puderam ser estudadas e exploradas através das descobertas de vacinas,
medicações e avaliações clínicas.

Nessa época nascia também a epidemiologia, baseada no estudo pioneiro do cólera em Londres,
feito pelo médico inglês John Snow (1813-1858), e que se enquadrava num contexto de “contabilidade
da doença”. Se a saúde do corpo individual podia ser expressa por números – os sinais vitais –, o mesmo
deveria acontecer com a saúde do corpo social: ela teria seus indicadores, resultado desse olhar contábil
sobre a população e expresso em uma ciência que então começava a emergir, a estatística. A busca
matemática de dados sobre uma população já havia acontecido em cerca de 1650, pelo médico inglês
William Petty (1623-1687), que fez o estudo Anatomia Política, coletando dados sobre população,
educação, produção e também doenças. John Graunt (1620-1674), comerciante de profissão, com
base nos dados de obituários, realizou os primeiros estudos analíticos de estatística vital, identificando
diferenças na mortalidade de diferentes grupos populacionais e correlacionando sexo e lugar de
residência. Esse processo ganhou impulso no século XIX (FRIAS JUNIOR, 1999).

Em 1826, Louis René Villermé (1782-1863), médico, publicou um relatório analisando a mortalidade
nos diferentes bairros de Paris, concluindo que era condicionada, sobretudo, pelo nível de renda.

Na Inglaterra, Chadwick, que não era médico nem sanitarista, mas advogado, impressionou o
Parlamento, que em 1848 promulgou uma lei (Public Health Act) criando uma Diretoria Geral de Saúde,
encarregada, principalmente, de propor medidas de saúde pública e recrutar médicos sanitaristas. Dessa
forma, teve início oficial o trabalho de saúde pública na Grã-Bretanha.

Tais conhecimentos influenciam na arquitetura hospitalar, que conta com conhecimentos sobre
transmissão de doenças, fluxo de ar, organização de enfermarias e modelos de construção em forma de
cruz, estrela ou blocos, separando áreas de cozinha, lavanderia e farmácia das enfermarias.

Complementar ao estudo das práticas de saúde e seus períodos históricos, o conhecimento da


evolução de tais práticas em algumas culturas também auxilia a compreensão das características atuais
do cuidado em saúde.

18
FUNDAMENTOS HISTÓRICOS DE ENFERMAGEM

Observação

As práticas em saúde apresentadas são referências de períodos


relacionados a momentos históricos. Mudam de acordo com civilizações e
sua cultura, como se verá a seguir.

Egito

O costume de mumificar contribuiu para os progressos da medicina no Egito, pois familiarizou os


egípcios com a constituição e a disposição dos órgãos internos. Esse costume permitiu a observação
através de anatomia comparada, pois tornava possível reconhecer as semelhanças e diferenças entre as
vísceras do corpo humano sadio e de outro doente e ainda dos animais.

Estudos sobre a medicina egípcia apontam que realizavam cirurgias e praticavam a circuncisão
e a amputação. Através das múmias e do estudo de esqueletos encontrados, revela-se a técnica dos
ortopedistas egípcios no tratamento das fraturas. Plínio cita em seus escritos que os antigos egípcios
empregavam o grande mármore do Cairo chamado Memphitis; seu pó, diz ele, misturado com vinagre,
adormece de tal modo as partes em que é aplicado que pode-se cortá-las ou cauterizá-las sem que o
doente sinta. A farmacopeia egípcia era riquíssima. Os papiros médicos enumeram mais de quinhentas
substâncias empregadas na preparação de medicamentos. Essas substâncias eram extraídas dos três
reinos da natureza e usavam como veículo a água, o vinho, a cerveja, o leite e o óleo. Os médicos eram
bem numerosos, estudavam em escolas especiais e tinham muito prestígio (GIORDANI, 1969).

A magia desempenhava importante papel na vida cotidiana dos egípcios; era costume recorrer-se a
processos mágicos para prevenir e curar doenças. As enfermidades são personificadas e a elas se dirigem
preces e fórmulas mágicas. Magia e medicina se completavam para a terapêutica.

Índia

A medicina indiana é tão antiga que se confunde com a história da própria Índia. Teve origem nos Vedas, a
mais antiga literatura do mundo, nos quais eram registrados todos os conhecimentos que pudessem ser úteis
à humanidade: engenharia, física, astrologia, biologia, toxicologia, filosofia, teologia etc. Os Vedas – Rig-Veda,
Yajur-Veda, Sama-Veda e Atharva-Veda – eram coleções de hinos ou canções escritos por videntes (rishis). Essas
canções eram de dois tipos: Magia Branca, com rituais de cura de doença, promovendo paz e prosperidade,
e Magia Negra, com rituais de destruição por meio de feitiçaria – antigamente era muito comum o uso de
encantamentos, de essência de plantas e animais, das forças naturais, como o Sol, e até da energia criativa
do homem para fins terapêuticos. As substâncias medicamentosas em geral eram usadas como amuletos. Em
cerca de 1500 a.C., o mais recente dos Vedas, o Atharva-Veda, desenvolveu o Ayurveda; este, por sua vez, gerou
seis grandes tratados médicos, em épocas diversas, entre eles o Charaka Samhita (tratado de medicina interna)
e o Sushruta Samhita (tratado de cirurgia), escritos inicialmente para treinar médicos para tratarem de reis
e princesas. O Ayurveda já estava bastante desenvolvido no tempo de Buda (563-483 a.C.), mas a medicina
ayurvédica viveu uma fase grandiosa, pois o próprio Buda era um grande estimulador de sua prática e estudo.

19
Unidade I

A Era de Ouro acabou entre os séculos X e XII, quando o norte da Índia sofreu repetidas e violentas
invasões dos muçulmanos, assassinando monges budistas, destruindo universidades e queimando
bibliotecas. Aqueles que conseguiram escapar fugiram para o Nepal e para o Tibete levando poucos
textos ayurvédicos; alguns destes são preservados hoje apenas na tradução tibetana. Os conquistadores
muçulmanos trouxeram para a Índia seu próprio sistema médico, mas o Ayurveda mesmo assim
sobreviveu. No século XVI, Akbar, o maior imperador mongol notavelmente esclarecido, ordenou que
todo o conhecimento médico indiano fosse compilado, contribuindo ainda mais para a preservação do
Ayurveda (DAMIÃO NETO, 2013).

Tratam as doenças através da correção do desequilíbrio entre os três humores do corpo: o vaya,
representado pelo ar; o kapha, representado pela água; e o pitta, representado pelo fogo. O surgimento
das doenças depende do desequilíbrio desses três elementos, e a cura, do seu equilíbrio. É provável que
a Teoria Grega dos Quatro Humores se tenha inspirado na medicina ayurveda. Os médicos usavam uma
combinação de cânticos, medicamentos e operações.

A medicina indiana defendia que a saúde dependia do equilíbrio entre os sete chakras-centros de
poder espiritual localizado ao longo da coluna vertebral e associados a glândulas e órgãos. Podiam ser
equilibrados por meio de medicamentos, yoga, massagens e cânticos.

Mesopotâmia palestina

As civilizações mesopotâmicas, como o próprio nome indica, desenvolveram-se na região conhecida


como Mesopotâmia, que compreende o atual Iraque, no Oriente Médio. O nome mesopotâmia significa
“região entre rios”, ou “terra entre rios”, isso porque se trata de uma região situada entre os rios Tigre
e Eufrates. Progressivamente, muitas das práticas médicas desenvolvidas na Mesopotâmia viriam
a extinguir-se antes do fim do primeiro milênio a.C. Embora existam algumas semelhanças entre os
conhecimentos médicos do período final da Babilônia-Assíria com os da Grécia Antiga, tanto a medicina
racional hipocrática como, depois, a greco-romana foram essencialmente determinadas pelo Antigo
Egito. Em contrapartida, a medicina mesopotâmica influenciou profundamente, através do Talmud (livro
sagrado dos judeus) e dos muitos judeus que residiam no território e na Palestina, os costumes médicos,
em particular até ao século VI d.C. (VIEIRA, 2012).

Moisés, o grande legislador do povo hebreu, prescreveu preceitos de higiene e exame do doente
com diagnóstico, desinfecção, afastamento de objetos contaminados e leis sobre o sepultamento de
cadáveres para que não contaminassem a terra. Moisés ensinou, em seus pontos essenciais, quase todos
os princípios de higiene praticados hoje. Entre eles encontramos a prevenção de doenças, desinfecção
pelo fogo e pela água, controle epidêmico mediante denúncia e isolamento dos portadores de doenças
contagiosas, seguida de completa desinfecção de todos os objetos possivelmente contaminados.
A higiene pessoal era imposta e o sistema de esgoto, obrigatório. Ele ordenou que todas as pessoas
portadoras de doenças contagiosas fossem isoladas e proibiu que se comessem vários animais impuros,
como o porco, o coelho e os mariscos. Todas as determinações tinham uma base mística para que o povo
a cumprisse, mas sabe-se, hoje, que tinham princípio científico.

20
FUNDAMENTOS HISTÓRICOS DE ENFERMAGEM

Assíria e Babilônia

Alguns relatos são encontrados no Alcorão por volta do ano 600, anteriores à unificação pelo profeta
Maomé (570-632). Povos que em função de guerras, unificações e cisões, hoje são conhecidos por outros
nomes. As contribuições mais evidentes são relativas aos semitas: assírios (Iraque), fenícios (Líbano) e de
alguns povos da região da Mesopotâmia associados aos persas, sumérios e acádios. Entre estas podemos
citar a interferência do Estado no código do imperador semita Hamurabi (1728-1686 a.C.), o legislador
da Babilônia que relata remunerações a médicos de acordo com sua graduação e feito. Nos relatos há
menção a matérias em bronze utilizadas nos procedimentos de algumas doenças. Encontra-se também
a relação de moscas e mosquitos com epidemias, bem como ratos. Acreditava-se em demônios e sua
relação com doenças.

Pérsia

Avicene, como era conhecido Ibn S na, foi um persa que escreveu tratados (cerca de 1.020) sobre
vários assuntos, dos quais aproximadamente 240 chegaram aos nossos dias. Em particular, 150 desses
tratados se concentram em Filosofia e 40 em Medicina.

As suas obras mais famosas são o Livro da Cura, uma vasta enciclopédia filosófica e científica, e o
Cânone da Medicina, utilizado como principal livro em muitas universidades medievais, entre elas a
Universidade de Montpellier e a Universidade Católica de Leuven, ainda em 1650. Ela apresenta um
sistema completo de Medicina em acordo com os princípios de Galeno e Hipócrates.

O persa Zaratustra ou Zoroastro, médico, teólogo e filósofo, acreditava no dualismo entre Deus/
Diabo, existência/morte, saúde/doença. Criou uma religião, o masdeísmo, que foi a principal da Pérsia
por anos. Classificava os médicos/sacerdotes, de acordo com suas tarefas, em médicos que curam com
a palavra sagrada, médicos que curam com ervas e médicos que curam com a faca. Todos os sacerdotes
médicos tiveram que ser preparados na escola, que era a Zaratrustotema.

Grécia

Na Grécia Antiga, até o surgimento do pensamento filosófico-médico, quase nada era conhecido
sobre a anatomia e a fisiologia humanas. O cuidado dos doentes era feito com métodos religiosos, com
o objetivo de manutenção da energia vital, indispensável à vida. O novo pensamento passou a pregar
a necessidade de se conhecer a essência natural do homem. A partir de então, textos foram escritos e,
posteriormente, reunidos no Corpus Hipocraticum, que tem como principais valores os relacionados à
ética médica (BARBOSA, 2007).

Hipócrates de Cós desenvolveu entre os séculos V e IV a.C. uma criteriosa análise das patologias
que afetavam os seres humanos. Quando abordamos as práticas de saúde, temos aqui os principais
acontecimentos das práticas no Alvorecer da Ciência, principalmente pelo pensamento médico de
Hipócrates, considerado uma ruptura com o tipo de pensamento mágico sobre as doenças. Para
Hipócrates, o corpo humano estava em conexão com a phisis, a natureza, que quando era harmoniosa,
resultava em saúde, e quando em desequilíbrio, doença. Deu especial atenção à observação dos sinais e
21
Unidade I

sintomas. Além disso, Hipócrates também avançou em direção à prescrição de cura e de prevenção de
doenças por meio de propostas de dietas prescritas pela observação de quais alimentos combinavam ou
não com o tipo de humor do indivíduo.

Entende-se por humor, na medicina grega, o que definia a composição alquímica de uma pessoa. Os
quatro humores principais eram: o colérico, o melancólico, o sanguíneo e o fleumático.

Sendo assim, Hipócrates, seguido por outros, como Galeno, e por medievais, como Avicena e Pedro
Hispano, construiu as bases para a medicina ocidental.

Roma

Os romanos faziam uso de ervas e de várias misturas supersticiosas. Alexandria, que mais tarde foi
incendiada, perdendo-se a maior biblioteca da época e escritos preciosos, era o centro formador de
medicina e atribuía prestígio aos ex-alunos. Era permitida a dessecação de cadáveres, para indignação
de Tertúlio e Santo Agostinho.

Havia incertezas sobre as práticas curativas ou de intervenção agressiva e imediata. As escolas


eram práticas de acompanhamento dos mestres nas consultas e visitas aos enfermos. Com o crescente
interesse político pelas práticas e educação em saúde, houve a construção de auditórios, que mais tarde
seriam as salas de aula.

China

Mestre Lao Tsé, um contemporâneo de Confúcio que teria vivido no século IV a.C., pregava a filosofia
do tao (caminho, em chinês), segundo a qual a natureza é harmônica e organizada, mas está em constante
mutação. Ele influenciou fortemente o budismo e o confucionismo. Na visão dos orientais, tudo o que
existe no Universo é feito de energia, inclusive o ser humano. Para que haja saúde física e mental, a
energia deve fluir e circular pelo corpo em equilíbrio e harmonia – os dois estados responsáveis pela
ordem das coisas na natureza. Sob essa perspectiva, nenhuma parte do corpo ou da psique pode ser
levada em conta individualmente.

A China também desenvolveu conhecimentos em sua medicina tradicional. Muito da filosofia da


medicina tradicional chinesa é derivado da filosofia do taoísmo e mostra a clássica crença chinesa
que as experiências humanas individuais refletem os princípios da causalidade que regem o ambiente
em todas as escalas. Esses princípios causais, seja essência material, seja espiritual, correspondem à
expressão dos destinos decretados pelo céu (tao).

Durante a idade de ouro de seu reino, entre 2696 a 2598 a.C., em forma de um diálogo com seu
ministro Ch’i Pai, o imperador Amarelo registrou seu conhecimento médico, segundo a tradição chinesa.
Na dinastia Chin, o médico generalista e defensor da acupuntura e moxabustão, Huangfu Mi, cita
também o imperador Amarelo em seu Chia I Ching. O resultado é o exemplar das raízes fundamentais
da medicina chinesa tradicional.

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FUNDAMENTOS HISTÓRICOS DE ENFERMAGEM

Exemplo de aplicação

Ainda hoje muitas pessoas atribuem a doença, sua manifestação e cura a efeitos religiosos, abrindo
mão de tratamentos técnicos de saúde por práticas religiosas.

Reflita sobre como agir para auxiliar as pessoas com tal comportamento.

Enfermagem moderna

Ao longo da descrição histórica da evolução das práticas de saúde, pouco se aborda a Enfermagem.
Há poucos relatos de cuidadores sem habilidades específicas ou conhecimento técnico. Geralmente,
a figura de alguém realizando cuidados com doentes está relacionada a escravos, serviçais, mulheres
religiosas ou leigos.

Em meados de 1500, os hospitais têm administração religiosa, mudando de acordo com as crenças.
No mesmo serviço há formação de mão de obra, entre ela a Enfermagem.

Fundada em 1633 e mantendo seu trabalho até os dias atuais, a Companhia das Irmãs de Caridade,
na França, por padre Vicente de Paulo (1576 - 1660) e Luísa de Marillac (1591-1660) foi criada em
um momento em que a miséria e as doenças causadas pelas contínuas guerras estavam aniquilando
a França. Padre Vicente de Paulo era francês, um sacerdote católico que se preocupava com a situação
de abandono dos pobres franceses. Luísa de Marillac era de família abastada e, após enviuvar, resolveu
dedicar sua vida aos pobres e aos doentes.

O trabalho da Companhia era o de alimentar os pobres, cuidar dos doentes nos hospitais, ir aos
domicílios daqueles que necessitassem e realizar o trabalho paroquial. Foi uma das primeiras associações
a realizar cuidados de enfermagem no domicílio, inaugurando um serviço importante de assistência
social. Nos hospitais, implantaram a higiene no ambiente, individualizando os leitos dos enfermos,
anteriormente compartilhado.

Luísa de Marillac devia receber as jovens aldeãs que quisessem consagrar-se a Deus para tratarem
dos doentes, formá-las na piedade, ensinar-lhes a curar as feridas e fazer o serviço dos pobres. A razão
pela qual padre Vicente de Paulo e Luísa de Marillac chamaram aldeãs está expressa no discurso de que
ambos, durante suas andanças, haviam encontrado “donzelas sem inclinação para o casamento nem
recursos para abraçar a vida religiosa, mas dispostas a se dedicarem às obras de caridade”.

As atividades tinham como objetivo o de auxiliar as Senhoras das Confrarias no cuidado aos pobres e
doentes, principalmente àqueles dos hospitais e domicílios. O treinamento devia ser de poucas palavras,
nenhuma explicação e o máximo de silêncio, interrompido por exercícios de catequese e cuidados
domésticos e caridade. Um simples olhar, gestos, palmas deviam significar em sua brevidade a técnica de
comando e a moral da obediência. Durante os primeiros dez anos, a Companhia não tinha regulamento
definitivo, e pouco a pouco o que era prática tornava-se tradição; o ritual do cuidado era passado de uma

23
Unidade I

a outra, conforme iam aprendendo a arte de ser enfermeira. Tinham como primeiro princípio o de que
Deus lhes entregou “[...] nas pessoas dos pobres velhos, crianças, doentes, prisioneiros e outras mulheres,
todos os serviços, sejam corporais, sejam espirituais, [...] e ainda que não sejam religiosas” (PADILHA,
2005, p. 724). O plano de conduta das Irmãs de Caridade prescrevia sempre o serviço espiritual aliado
aos cuidados corporais de enfermagem. Todas as candidatas a irmãs de caridade deveriam aprender as
três virtudes formadoras da alma das irmãs: a humildade, a simplicidade e a caridade.

Luísa de Marillac e padre Vicente de Paulo levaram a confraria da alta nobreza de Paris aos leitos
dos doentes do Hôtel-Dieu. Esse grande hospital estava sob a coordenação dos cônegos da Catedral, e o
serviço interno era dirigido pelas irmãs agostinianas. Trabalhavam ali aproximadamente 150 religiosas,
das quais 50 eram noviças. Era um lugar infecto, sem leitos brancos e limpos, sem uma disciplina
minuciosa, com alimentação insuficiente e assistência religiosa quase nula. Entretanto, o número de
doentes era enorme, sempre acima de 1.200, chegando a 2.000. As camas eram quase encostadas umas
às outras e comuns a vários doentes, chegando a conter cada uma seis pessoas. A confraria da caridade
contava com mais de 200 senhoras, inclusive a rainha da França, Maria de Médicis. Padre Vicente de
Paulo foi nomeado diretor de todo serviço espiritual do hospital.

O regulamento a ser seguido pelas Irmãs de Caridade enfermeiras foi elaborado quando elas passaram
a atuar em outros hospitais da França. No correr do dia, havia uma vigilância contínua sobre os doentes
para atenderem aos seus menores reclamos, o alimento nas horas marcadas, as poções quando tiverem
sede, com algumas pastilhas que lhes adoçassem a boca. Ao anoitecer, às 19 horas, deitavam-se todos os
doentes, que eram servidos com um pouco de vinho e algumas doçuras para os que pudessem necessitar
delas à noite. Das 20 horas em diante, uma irmã vigiava todas as salas, pronta a acudir ao menor gemido
ou chamado. Os rituais de cuidado iam se construindo numa base voltada para a prática do cuidar
vivenciada pelas irmãs no cotidiano dos hospitais e dos domicílios, orientadas inicialmente por Luísa de
Marillac e Vicente de Paulo, através de cartas, regulamento e transmissão verbal umas às outras, dando
origem ao que seria, posteriormente, denominado de técnicas de enfermagem organizada numa base
científica de cuidar, preconizadas por Florence Nightingale.

Quase dois séculos depois, no dia 12 de maio de 1820, durante uma viagem que Edward e Francis
Nightingale fizeram pela Europa, nasceu uma de suas filhas, que recebeu o nome de Florence em
virtude de o seu nascimento ter acontecido na cidade de Florença – sua irmã mais velha Parthenope era
nascida em Nápoles (Parthenope). Por ter nascido em uma família rica e educada, viveu a adolescência
participando de uma sociedade aristocrática e estudou diversos idiomas, matemática, religião e filosofia.
Tinha o hábito de fazer anotações variadas, em suas viagens e do cotidiano. Extremamente religiosa,
desejava fazer trabalho de Deus ajudando os pobres e doentes. Moça brilhante e impetuosa, recusou
o papel convencional para as mulheres de seu estatuto, que seria tornar-se esposa submissa, e decidiu
dedicar-se à caridade, encontrando seu caminho na enfermagem. Ela anunciou sua decisão para a
família em 1845, com restrições impostas pela mãe, que tinha objeções a uma moça de boa formação
dedicar-se ao auxílio a pobres e doentes.

Tradicionalmente, o papel de enfermeira era exercido por mulheres ajudantes em hospitais ou


acompanhando exércitos; muitas cozinheiras e prostitutas acabavam tornando-se “enfermeiras”, sendo
que estas últimas eram obrigadas como castigo.
24
FUNDAMENTOS HISTÓRICOS DE ENFERMAGEM

Saiba mais

Assista ao filme a seguir, que retrata parte da vida de Florence:

FLORENCE Nightingale. Dir. Norman Stone. Reino Unido: BBC One,


2008. 60 minutos.

Em dezembro de 1846, em resposta à morte de um mendigo numa enfermaria em Londres, que


acabou evoluindo para um escândalo público, ela se tornou a principal defensora de melhorias no
tratamento médico. Imediatamente, ela obteve o apoio de Charles Villiers, presidente do Comitê de Lei
para os Pobres. Isso a levou a ter papel ativo na reforma das Leis dos Pobres, estendendo o papel do
Estado para muito além do fornecimento de tratamento médico.

Exemplo de aplicação

Para as guerras, iam soldados preparados, mas também cidadãos comuns, sem preparo ou
equipamentos adequados. Ao final da guerra, muitos já não tinham mais calçados e roupas em
condições apropriadas.

Para lutar, manter-se saudável e sobreviver às condições de tempo de estresse, era preciso muita
disposição. Reflita sobre como era possível a participação da enfermagem nessas condições.

Figura 1 – Florence Nightingale

No mesmo ano, Florence visitou Kaiserwerth, um hospital pioneiro fundado e dirigido por uma
ordem de freiras na Alemanha, ficando impressionada pela qualidade do tratamento médico e pelo
comprometimento e prática das religiosas. Fez um estágio de três meses no Instituto de Diaconisas de
Kaiserswerth, na Alemanha, onde aprendeu os primeiros passos da disciplina na enfermagem (regras
25
Unidade I

e horários rígidos, religiosidade, divisão do ensino por classes sociais). A organização do Instituto de
Diaconisas instituída pelo pastor luterano Theodor Fliedner e sua esposa Frederika muito se assemelhava
àquela preconizada pelas Irmãs de Caridade de São Vicente de Paulo, estando mais preocupados em
formar o caráter de suas alunas do que em ministrar-lhes conhecimentos específicos de enfermagem.

Florence Nightingale conheceu e apreendeu o trabalho desenvolvido pelas Irmãs de Caridade


de São Vicente de Paulo em Paris, no Hôtel-Dieu, onde acompanhou o tipo de trabalho assistencial
e administrativo que realizavam, suas regras, sua forma de cuidar dos doentes, fazendo anotações,
gráficos e listas das atividades desenvolvidas, e aplicou o mesmo questionário que já havia distribuído
nos hospitais da Alemanha e Inglaterra, tendo aprofundado seus estudos.

Num segundo momento, Florence Nightingale retornou a esse hospital por mais um mês, vestindo
o hábito das irmãs, para sentir mais próximo o seu carisma, apenas residindo em casa separada.
Possivelmente, o convívio com as regras de conduta das Irmãs de Caridade e as Senhoras da Confraria a
influenciaram intimamente na construção do seu modelo de enfermagem.

Em 1854, com a Guerra na Crimeia, a Grã-Bretanha lutava junto com a França ao lado dos aliados
turcos em sua guerra contra a Rússia. Mais uma vez, as contingências aproximam Florence Nightingale
das irmãs de caridade, só que agora de forma indireta. As irmãs já estavam em Constantinopla desde
1839, desenvolvendo seu trabalho nos hospitais, e por ocasião da guerra foram enviadas por solicitação
do governo francês para os hospitais militares e da marinha a fim de prestar cuidados aos enfermos.
Enquanto isso, os hospitais militares ingleses estavam vivendo o caos. O exército britânico estava prestes
a ser derrotado em decorrência da doença, do frio e da fome. O cólera reduziu o exército e as primeiras
batalhas da Crimeia foram feitas por homens exauridos pela doença e sedentos. De acordo com Padilha
(1999), os jornais ingleses criticavam a administração dos hospitais militares e alguém que conhecia o
excelente trabalho das irmãs de caridade nos hospitais militares franceses escreveu no Times: “Por que
não temos irmãs de caridade?”. O ótimo tratamento que dispensavam aos soldados franceses constituía,
sem dúvida, uma novidade para os ingleses.

Nesse período, o governo convida Florence para convocar e capacitar um grupo de enfermagem para
ir à guerra, e ela é instruída a não questionar as ordens de seus superiores de guerra. A contribuição mais
famosa de Florence foi durante a Guerra da Crimeia, que se tornou seu principal foco quando relatos
de guerra começaram a chegar à Inglaterra contando sobre as condições horríveis para os feridos. Em
outubro de 1854, Florence e uma equipe de 38 enfermeiras voluntárias treinadas por ela, inclusive sua
tia Mai Smith, partem para os Campos de Scutari localizados no Império Otomano.

Como as voluntárias não tinham nenhuma experiência e algumas eram muito pouco esclarecidas,
Florence estabelece regras de conduta, como não andar sozinhas, vestir-se com o corpo todo coberto,
manter os cabelos presos, não usar nenhum tipo de adereço, adorno ou maquiagem, falar baixo e não
discutir as ordens recebidas.

Necessárias à época, essas regras perduraram muito tempo e influenciaram no perfil da enfermagem
moderna, desestimulando o questionamento, a pesquisa e a possibilidade de autonomia para a
Enfermagem como se vê atualmente.
26
FUNDAMENTOS HISTÓRICOS DE ENFERMAGEM

Ao chegar aos hospitais de guerra, percebeu a falta de higiene, alimentação inadequada e o consumo
de álcool por todos, em função do frio e da falta de atividades de lazer. Ela implantou hábitos de higiene
pessoal e local e propôs a entrada de ar e luz nas enfermarias. Também montou uma biblioteca para os
soldados terem lazer nas horas vagas e determinou critérios para as refeições.

Por se tratar de local de temperaturas muito baixas, chegando a nevar, os doentes ficavam com as
extremidades frias e muito desconfortáveis. Florence tinha o hábito de passar à noite nas enfermarias
avaliando os pacientes e fazendo massagens, aquecendo seus pés para que dormissem melhor. Para tais
rondas, utilizava uma lâmpada comum à época, alimentada por líquido combustível, daí a referência à
“dama da lâmpada” quando se tratava de Florence. A lâmpada é considerada símbolo da Enfermagem,
representando a iluminação dos caminhos de doentes e dos próximos profissionais.

Organizou um hospital de 4 mil soldados internados, baixando a mortalidade local de 40% para 2%.
Florence Nightingale voltou para a Inglaterra como heroína, em agosto de 1857, e, de acordo com a
BBC, era provavelmente a pessoa mais famosa da Era Vitoriana, além da própria rainha Vitória. Depois de
contrair febre tifoide, ficou com sérias restrições físicas, o que a obrigou a retornar da Crimeia em 1856.

Impossibilitada de fazer seus trabalhos físicos, dedicou-se à formação da Escola de Enfermagem,


em 1859, na Inglaterra, onde já era reconhecida por seu valor profissional e técnico, recebendo prêmio
concedido através do governo inglês. Fundou a Escola de Enfermagem no Hospital Saint Thomas, com
curso de um ano, que era ministrado por médicos com aulas teóricas e práticas.

Em 1883, a rainha Vitória concedeu-lhe a Cruz Vermelha Real, e em 1907 ela se tornou a primeira
mulher a receber a Ordem do Mérito.

Florence Nightingale deve ter utilizado muito do que havia aprendido com as irmãs de caridade,
como as vastas exigências de caráter moral e espírito religioso feito às candidatas, a distribuição e
o controle do tempo destinado ao trabalho hospitalar, o curso e as folgas e também a admissão de
alunas de classes sociais diferenciadas. As de classe elevada (lady nurses) podem ser comparadas às
senhoras da confraria, que eram preparadas para as atividades de supervisão, direção e organização do
trabalho em geral, e as de nível socioeconômico inferior (nurses) podem ser comparadas às irmãs de
caridade provenientes das aldeias, que eram mais preparadas para o trabalho manual, o cuidado direto,
a obediência e a submissão.

As ideias de Florence Nightingale acerca da enfermagem como profissão divergiam da ideologia


da era vitoriana, correspondente à prática da enfermagem, ou seja, uma forma de ocupação manual
desempenhada por empregadas domésticas. Não obstante, a escola iniciou seu funcionamento tendo
por base:

• o preparo de enfermeiras para o serviço hospitalar e visitas domiciliárias a doentes pobres;

• o preparo de profissionais para o ensino de enfermagem. Na seleção das candidatas, as qualidades


morais tinham prioridade durante o curso e a disciplina era rigorosa.

27
Unidade I

O rigor da escola justificava-se considerando o que era corrente na época, isto é, quem cuidava dos
doentes na Inglaterra eram pessoas imorais e, portanto, o modelo preconizado deveria ser o oposto, o
mais próximo possível do que realizavam as associações religiosas, porém laicas.

Observação

Na época retratada aqui, a espuma não era conhecida; portanto, os


colchões eram de palha, o que dificultava a manutenção da higiene dos
pacientes, especialmente quando havia sangue e pus.

Com o prêmio recebido do governo inglês por esse trabalho, fundou a primeira escola de enfermagem
no Hospital St. Thomas, Londres, em 24 de junho de 1860. Os fundamentos que nortearam a criação da
Escola de Enfermagem foram originados também de suas experiências anteriores à guerra, ou seja, sua
educação aristocrática que lhe permitiu ter acesso a vários idiomas, à matemática, à religião e à filosofia.

Florence Nightingale faleceu em 13 de agosto de 1910, deixando um legado de persistência,


capacidade, compaixão e dedicação ao próximo e estabelecendo as diretrizes e caminhos para
a enfermagem moderna. Também contribuiu no campo da Estatística, sendo pioneira na utilização
de métodos de representação visual de informações – por exemplo, gráfico setorial (habitualmente
conhecido como gráfico do tipo “pizza”), criado por William Playfair.

Saiba mais

Leia a obra a seguir:

COSTA, R. et al. O legado de Florence Nightingale: uma viagem no


tempo. Texto & Contexto Enfermagem, Florianópolis, v. 18, n. 4, p. 661-
669, out./dez. 2009.

Nightingale lançou as bases da enfermagem profissional com a criação, em 1860, de sua escola de
enfermagem no Hospital St. Thomas, em Londres, a primeira escola secular de enfermagem do mundo,
agora parte do King’s College de Londres. O Juramento Nightingale feito pelos novos enfermeiros foi
nomeado em sua honra, e o Dia Internacional da Enfermagem é comemorado no mundo inteiro no seu
aniversário de nascimento.

1.2 Dimensão histórica brasileira: evolução e prática contemporânea brasileira

A saúde no Brasil praticamente inexistiu nos tempos de colônia. O modelo exploratório nem
pensava em assistência de saúde. O pajé, com suas ervas e cantos, e os boticários, que viajavam pelo
Brasil Colônia, eram as únicas formas de assistência à saúde. Para se ter uma ideia, em 1789, havia no
Rio de Janeiro apenas quatro médicos.
28
FUNDAMENTOS HISTÓRICOS DE ENFERMAGEM

O primeiro hospital do Brasil é a Santa Casa de Santos, do Estado de São Paulo, que foi inaugurado
em 1° de novembro de 1543. A construção teve início em 1542, por iniciativa do português Braz Cubas,
líder do povoado do porto de São Vicente, posteriormente Vila de Santos, com o auxílio dos próprios
moradores da região.

A assistência hospitalar à população brasileira, desde o início da colonização, era oferecida


basicamente pelas Santas Casas e pela filantropia em geral. Os hospitais militares surgiram
no Brasil a partir do século XVIII, ocupando os edifícios dos jesuítas recém-expulsos do País e
oferecendo assistência somente aos soldados e componentes das tropas.

Lembrete
Os hospitais mantêm as estruturas físicas, o que muda é somente a
equipe profissional, que deixa de ser religiosa para ser leiga.

Até o final do século XIX, o principal problema de saúde eram as pestes, principalmente varíola e
febre amarela. A organização dos serviços era precária e os conhecimentos científicos estavam baseados
nas concepções miasmáticas das doenças. Para combater as doenças e proteger a população, as ações
públicas se preocupavam com o espaço urbano e com a circulação do ar e da água. Até esse momento,
tais questões eram de responsabilidade de autoridades locais, que tomavam medidas contra a sujeira
das ruas e das casas. Os indigentes e os pobres eram assistidos em instituições filantrópicas ligadas à
Igreja Católica ou em entidades ligadas às colônias de imigrantes (árabes, italianos, judeus, alemães,
franceses). O restante da população procurava, ou um médico particular, ou outros profissionais, como
cirurgiões, barbeiros, sangradores, curandeiros, parteiros e curiosos.

Com a chegada da família real portuguesa em 1808, as necessidades da corte forçaram a criação das
duas primeiras escolas de medicina do País: o Colégio Médico-Cirúrgico no Real Hospital Militar da Cidade
de Salvador e a Escola de Cirurgia do Rio de Janeiro. E foram estas as únicas medidas governamentais
até a República.

Em 1860, as rivalidades entre Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai, causadas pelos desentendimentos
quanto às fronteiras entre os países, a liberdade de navegação dos rios platinos, as disputas pelo poder
por parte das facções locais e as rivalidades históricas de mais de três séculos, foram motivos do começo
do maior conflito armado ocorrido na América do Sul, a Guerra do Paraguai (1864-1870), que serve
como fim das lutas durante quase dois séculos entre Portugal e Espanha e, depois, entre Brasil e as
repúblicas hispano-americanas pela hegemonia na região do rio da Prata.

Saiba mais
Sobre a parte romanceada da vida de Ana Neri, assista ao filme:
BRAVA gente, a história de Ana Neri. Dir. Roberto Farias. Brasil: 2002.
45 minutos.
29
Unidade I

É na Guerra do Paraguai que surge Ana Justina Ferreira Neri, nascida na Vila Nossa Senhora do
Rosário do Porto de Cachoeira do Paraguaçu (Cachoeira, Bahia), em 13 de dezembro de 1814. Viúva
do capitão-de-fragata Isidoro Antônio Neri, viu seus familiares mais próximos serem convocados para
a Guerra do Paraguai e solicitou ao presidente da Província da Bahia poder acompanhar os filhos e
o irmão, ou pelo menos prestar serviços voluntários nos hospitais do Rio Grande do Sul, no que foi
atendida. Ana Neri tinha conhecimentos sobre ervas e tratamentos de saúde empíricos. Embarcou,
em Salvador, com a tropa do 10º Batalhão de Voluntários da Pátria em agosto de 1865, na qualidade
de enfermeira.

Serviu como voluntária na Guerra do Paraguai (1864-1870), como auxiliar do corpo de saúde do
Exército brasileiro. Durante toda a guerra, prestou serviços nos hospitais militares de Salto, Corrientes
(Argentina), Humaitá e Assunção (Paraguai), bem como nos hospitais da frente de operações. Viu morrer
na luta um de seus filhos e um sobrinho. Ana era rica, estudada, culta e poliglota, severa e disciplinadora.

Durante a Guerra do Paraguai, Ana Neri enfrentou o caos da saúde no país com doenças comuns
da época, como o cólera, febre tifoide, disenteria, malária e varíola. Transformou a realidade sanitária
local, impondo condições mínimas de higiene para que doenças não se alastrassem e feridas fossem
tratadas. É considerada a primeira pessoa não religiosa a dedicar-se aos cuidados com a saúde de uma
comunidade ou população e a primeira enfermeira do Brasil. O governo imperial conferiu-lhe a Medalha
Geral de Campanha e a Medalha Humanitária de primeira classe.

Observação

Mesmo tendo vivido na mesma época, Ana Nery (1814-1880) e Florence


Nightingale (1820-1910) nunca se conheceram e, provavelmente, não
sabiam da existência uma da outra.

Naquelas condições difíceis, organizou os hospitais de campanha, e a primeira enfermaria foi


montada em sua própria casa, em Assunção, e às suas expensas. Faleceu no Rio de Janeiro, em 1880,
aos 66 anos de idade.

No Brasil, em 1892, foram criados os primeiros laboratórios bacteriológicos, que tinham o intuito
de gerar melhores condições sanitárias para as cidades urbanas. Com o surgimento de epidemia de
várias doenças, o então presidente da República Rodrigues Alves nomeia como diretor do Departamento
Federal de Saúde Pública o Dr. Oswaldo Cruz, que implantou medidas de desinfecção sanitária. Convocou
1.500 pessoas para ações que invadiam as casas e queimavam roupas e colchões. Sem nenhum tipo de
ação educativa, a população foi ficando cada vez mais indignada. E o auge do conflito foi a instituição
de uma vacinação antivaríola. A população saiu às ruas e iniciou a Revolta da Vacina. Oswaldo Cruz
acabou afastado. Apesar do fim conflituoso, o sanitarista conseguiu resolver parte dos problemas e
colher informações que ajudaram seu sucessor, Carlos Chagas, a estruturar uma campanha rotineira de
ação e educação sanitária.

30
FUNDAMENTOS HISTÓRICOS DE ENFERMAGEM

No ano de 1920, foram criados órgãos especializados no combate a doenças, como tuberculose,
lepra e DST.

As enfermeiras visitadoras não recebiam capacitação específica e eram muito mal recebidas pela
população. Ao longo dos quatro anos do projeto, muitas desistiram, inclusive, da procura pela formação
de Enfermagem.

A atuação do Estado na oferta de assistência médica à população, principalmente a hospitalar,


até a década de 1920, era quase inexistente. A exceção foram os estabelecimentos de assistência aos
“alienados”, que do total de 32 existentes no País em 1912, 16 eram mantidos pelo governo federal,
estadual ou municipal. A assistência médica no Distrito Federal, então Rio de Janeiro, e nas outras
cidades do Brasil era praticamente privada, seja filantrópica, com alguns subsídios do estado, seja
lucrativa. Esta última surgiu na capital do império na segunda metade do século XIX e tentava oferecer
à população abastada atendimento diferenciado, vista a precariedade dos leitos filantrópicos e escassez
de leitos e enfermarias particulares nas Santas Casas. A população da cidade do Rio de Janeiro no final
do século XIX contava com menos de 25 estabelecimentos gratuitos e quase 40 casas de saúde com
fins lucrativos, que eventualmente praticavam gratuidade. Entre o final do século XIX e início do XX,
multiplicaram-se essas casas de saúde e seriam criados novos hospitais, muitos deles relacionados às
colônias de imigrantes, mas a carência dessas instituições continuava persistindo (MORAES, 2005).

Nilo Peçanha, então governador do estado do Rio de Janeiro, com o objetivo de diagnosticar, prevenir
e combater as endemias, organizou a primeira Comissão da Fundação Rockefeller (FR), que chegou ao
Brasil em 1915, com a presença de Wickliffe Rose, diretor da International Health Commission, que, a
partir de 1916, passou a se chamar International Health Board (IHB) e desempenhou papel de destaque
na condução das atividades da Rockefeller no Brasil, para coletar informações e identificar áreas de
atuação, fato este que estreitou relações e abriu caminho para a entrada de médicos e sanitaristas
norte-americanos da Rockefeller no País. A Missão Médica da Rockefeller chegou ao Rio de Janeiro em
setembro de 1916 (FREIRE, 2008).

Ainda na década de 1920, inicia-se a Missão Técnica de Cooperação para o Desenvolvimento da


Enfermagem no Brasil, chefiada pela Sra. Ethel O. Parson.

A Fundação Rockefeller atuou no Brasil de 1916 a 1942, registrando, em relatórios periódicos,


diagnósticos, ações e tendências do quadro sanitário local. Em 1916, em um relatório sobre os países da
América Latina, diagnosticou na região uma carência de sólida base científica para suporte de políticas
públicas consistentes e a ausência de treinamento médico quanto a questões de saúde pública e carreiras
especializadas e de organizações sanitárias estáveis e abrangentes.

Em 1923, surge a Lei Elói Chaves, criando as Caixas de Aposentadoria e Pensão. Essas instituições
eram mantidas pelas empresas que passaram a oferecer esses serviços aos seus funcionários. A União não
participava das caixas. A primeira delas foi a dos ferroviários. Elas tinham entre suas atribuições, além da
assistência médica ao funcionário e a sua família, concessão de preços especiais para os medicamentos,
aposentadorias e pensões aos herdeiros. Essas caixas só valiam para os funcionários urbanos.

31
Unidade I

Carlos Chagas, que passou a acumular a direção do Instituto Oswaldo Cruz (IOC) com a do DNSP,
incentivaria a criação de cursos e escolas, entre elas a Escola de Enfermeiras Visitadoras, em 1923, em
cooperação com a Fundação Rockefeller.

Esse modelo começa a mudar a partir da Revolução de 1930, quando Getúlio Vargas toma o poder. É
criado o Ministério da Educação e Saúde, e as Caixas são substituídas pelos Institutos de Aposentadoria
e Pensões (IAPs), que, por causa do modelo sindicalista de Vargas, passam a ser dirigidos por entidades
sindicais, e não mais por empresas, como as antigas Caixas. Suas atribuições preveem assistência
médica, sendo o primeiro IAP aquele dos trabalhadores marítimos. A União continuou se eximindo do
financiamento do modelo, que era gerido pela contribuição sindical, instituída no período getulista,
mesmo porque o Estado dizia-se falido e sem recursos financeiros.

Os hospitais do Rio de Janeiro, capital da República, eram, em sua maioria, bem construídos e
localizados, mas mal ocupados, com excesso de população, segundo avaliação de Parsons, da Fundação
Rockfeller (apud MOREIRA, 1999). Os médicos prestavam a assistência, mas a enfermagem era realizada
por atendentes, homens e mulheres ignorantes e sem treinamento adequado. Pouco melhores eram
as condições no Departamento Nacional de Saúde, composto pelas divisões de Tuberculose, Doenças
Venéreas e Higiene Infantil, nas quais trabalhavam 44 mulheres jovens capacitadas como enfermeiras
visitadoras por curso de 12 leituras teóricas. Todo o esforço de observação da enfermeira norte-americana
é no sentido de enfatizar a precariedade das práticas de enfermagem no Brasil, se comparadas com os
padrões anglo-saxônicos. Os rituais de seleção deveriam englobar critérios de classe, gênero e moralidade
destinados a fabricar os novos emblemas da profissão.

Os desafios a serem enfrentados naquele momento não eram poucos, considerando-se que o sucesso
do projeto dependia tanto de uma atuação competente quanto do reconhecimento da profissão pelo
público, a partir do momento em que as ações redundassem na elevação da qualidade dos cuidados e
estivessem de acordo com os padrões morais imperantes na nação brasileira.

Da década de 1940 a 1964, início da ditadura militar no Brasil, uma das discussões sobre saúde
pública brasileira se baseou na unificação dos IAPs como forma de tornar o sistema mais abrangente. É
de 1960 a Lei Orgânica da Previdência Social, que unificava os IAPs em um regime único para todos os
trabalhadores regidos pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), o que excluía trabalhadores rurais,
empregados domésticos e funcionários públicos. Em 1967, ocorreu a unificação de IAPs e a consequente
criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). Surgiu então uma demanda muito maior que a
oferta. A solução encontrada pelo governo foi pagar a rede privada pelos serviços prestados à população.
Mais complexa, a estrutura foi se modificando e acabou por criar o Instituto Nacional de Assistência
Médica da Previdência Social (Inamps) em 1978, que ajudou nesse trabalho de intermediação dos repasses
para iniciativa privada. Em 1981, ainda sob a égide dos militares, foi criado o Conselho Consultivo de
Administração da Saúde Previdenciária (Conasp). Com o fim do regime militar, surgiram outros órgãos que
incluíram a participação da sociedade civil, como o Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Saúde
(Conass) e o Conselho Nacional dos Secretários Municipais de Saúde (Conasems).

Se de um lado, a sociedade civil começou a ser mais ouvida, do outro, o sistema privado de saúde,
que havia se beneficiado da política anterior, teve que buscar alternativas. É nesse período que se cria
32
FUNDAMENTOS HISTÓRICOS DE ENFERMAGEM

e se fortalece o subsistema de atenção médico-suplementar. Em outras palavras, começa a era dos


convênios médicos. Surgem cinco modalidades diferentes de assistência médica suplementar: medicina
de grupo, cooperativas médicas, autogestão, seguro-saúde e plano de administração.

A classe média, principal alvo desses grupos, aderiu rapidamente, respondendo contra as falhas
da saúde pública. O crescimento dos planos é vertiginoso. Em 1989, já contabilizava mais de 31 mil
brasileiros, ou 22% da população, faturando US$ 2,4 bilhões.

Ao lado dessas mudanças, os constituintes da transição democrática começaram a criar um novo


sistema de saúde, que mudou os parâmetros da saúde pública no Brasil: o Sistema Único de Saúde (SUS).

Para se chegar ao momento atual da saúde pública brasileira, tendo o SUS para as políticas públicas
na área da saúde, vários fatos históricos foram essenciais. Segue uma ordem cronológica de alguns dos
principais fatos selecionados para compreensão didática do tema:

• Século XIX: vinda da família Real para o Brasil. Havia carência de profissionais e medo da
população e ocorreu a proliferação de curandeiros e boticários.

• 1892: criação dos primeiros laboratórios bacteriológicos.

• Gestão do presidente Rodrigues Alves: nomeação do diretor de Saúde Pública Oswaldo Cruz,
que implementou desinfecção sanitária e obrigação da vacinação antivaríola (Revolta da Vacina).

• 1920: criação de órgãos especializados no combate a doenças.

• 1923: criação da Lei Elói Chaves, que instituiu as Caixas de Aposentadorias e Pensões.

• 1934: governo de Getúlio Vargas, que implementou programas de assistência médica aos
trabalhadores para garantir o processo de industrialização.

• 1943: criação da CLT, agregando benefícios, como indenização a acidentados e tratamento


médico aos doentes portadores de carteira assinada.

• 1953: criação do Ministério da Saúde.

• 1956: criação do DNERU para a população rural.

• 1960: criação da Lei Orgânica da Previdência Social, unificando os serviços de saúde aos
trabalhadores do regime CLT.

• 1966: criação do INPS.

• 1974: criação do Ministério da Previdência e Assistência Social. O INPS se transforma em Inamps.

33
Unidade I

• Fim da década de 70: surge o movimento pela reforma sanitarista.

• Década de 80: são criados programas de assistência básica de saúde.

• 1988: a Constituição estabelece a saúde como relevância pública e direito básico de todos os
cidadãos. É criado o SUS.

2 O DESENVOLVIMENTO DO CONHECIMENTO DE ENFERMAGEM

No período de colonização do Brasil foram abertas Santas Casas com o objetivo de prestar caridade
aos pobres e órfãos, sendo a primeira Santa Casa aberta em Santos, litoral de São Paulo, em 1543, por
Braz Cubas.

Seguiram-se a abertura de outras Santas Casas, ainda no século XVI, no Rio de Janeiro, Vitória,
Olinda e Ilhéus. Acredita-se que as instituições contavam com um corpo de enfermagem, mas não há
relatos concretos de sua formação, atuação e perfil.

Os religiosos aceitavam serviços de escravos e voluntários, eram poucas as exigências quanto a


conhecimento e preparo técnico-científico. Eram consideradas atividades domésticas ou religiosas.

Enquanto no Brasil a Enfermagem esperava pelo momento de reconhecimento e atenção, na Europa


e nos Estados Unidos já temos profissionais pensando sobre o objetivo da Enfermagem, o perfil dos
profissionais e as habilidades potencialmente desenvolvidas.

Iniciaremos pensando na origem da palavra que nomeia a profissão. Enfermo está na origem
do termo enfermeiro e provém da palavra latina infirmum > infirmu-, que significa “aquele que
não está firme”.

Na língua grega clássica, doença ou enfermidade dizia-se nósos. Desse ramo, existem, na língua
portuguesa, várias palavras com o elemento antepositivo noso-, por exemplo: nosologia, parte da
medicina que trata das doenças em geral, e nosomaníaco, aquele que se julga doente, ainda que tenha
saúde. Portanto, em grego não há relação direta com a palavra enfermeiro.

No processo de formação e capacitação de profissionais de enfermagem, vamos nos deparar com


valores e importâncias diferentes dadas aos enfermeiros ao longo da faculdade, que são preparados para
valorizar a assistência individualizada, centrada no paciente, enquanto as empresas hospitalares exigem
do enfermeiro a responsabilidade pela assistência a grandes grupos de pacientes. O mercado de trabalho
precisa de enfermeiros qualificados no sentido não de estarem voltados para o cuidado individualizado
somente, mas de executar atividades administrativas de organização do trabalho e delegação de tarefas.
Espera-se que o enfermeiro faça supervisão e controle para a coordenação de tarefas específicas de cada
grupo sob a sua responsabilidade. Então, na verdade, ele deve prestar assistência qualificada a pacientes
e ao mesmo tempo controlar o cuidado complexo que é prestado a um grande grupo de pacientes.
Dessa forma é que surgem os conflitos entre formação e atuação.

34
FUNDAMENTOS HISTÓRICOS DE ENFERMAGEM

3 PADRÕES DE CONHECIMENTO E SUA IMPORTÂNCIA PARA O CUIDAR

A Enfermagem tem uma herança cultural, advinda de sua história, bem como da história dos
conceitos e práticas de saúde. Inicialmente organizada sob a supervisão e ordens de grupos militares
e religiosos, os modelos da enfermeira de ontem refletiam o caráter rígido e autoritário da disciplina
militar e o conceito de sacrifício e de serviço à base da generosidade. O modelo de hoje é refletido por
homens e mulheres que, no seu emprego em instituições ou agências de saúde, esperam um salário
competitivo, valorização, sentimento de dignidade e uma filosofia democrática operante. Muitas vezes
o faz com constrangimento herdado do perfil caritativo de seu passado.

Para entendermos como o profissional se percebe e quer ser percebido na e pela sociedade,
precisamos entender o significado de papel. Alguns pesquisadores sugerem definições para o papel
representado na sociedade como segue, conforme Trevizan, Mendes e Nogueira (1987):

• Linton (1970): o papel representa o aspecto dinâmico do status; então, o desempenho do papel
é determinado pelo status. Papéis e status provêm de padrões sociais e são partes integrantes
desses padrões. São modelos para a organização das atitudes e dos comportamentos individuais,
tornando-os coerentes com as atitudes e comportamentos dos outros indivíduos que integram a
manifestação de um padrão.

• Berlo (1979): papel é um conjunto de comportamentos e uma determinada posição dentro do


sistema social. Quando duas pessoas têm um objetivo interdependente, os seus comportamentos
tendem à especialização para que não haja duplicação. Assim, dividem o trabalho, especializando-
se nas funções que desempenham. A especialização produz os comportamentos-papéis, que são
os elementos do sistema social. O papel é acompanhado de um conjunto de comportamentos deve
e um conjunto de comportamentos pode, que dentro de um sistema constituem as estruturas
impostas ao comportamento.

• King (1981): papel é um conjunto de comportamentos esperados de pessoas que ocupam


uma posição num sistema social; regras que definem direitos e obrigações numa posição; um
relacionamento com um ou mais indivíduos interagindo em situações específicas com um
propósito. O papel de um enfermeiro é definido pelas funções que dele são esperadas, segundo os
conhecimentos, habilidades e valores da profissão.

Com base no marco conceitual, chegamos à seguinte definição teórica do papel do enfermeiro visto
pela formação: é um conjunto de comportamentos que dele se espera quando investido da posição de
enfermeiro num sistema social; tal conjunto de comportamentos é fundamentado nos conhecimentos,
habilidades e valores da profissão. Desse modo, o papel em questão representa o aspecto dinâmico
do status do enfermeiro. O desempenho do papel do enfermeiro envolve um processo combinado de
estruturas impostas ao comportamento e à participação interativa do enfermeiro com outros sujeitos da
profissão, ou seja, regras que abrangem os direitos e deveres do enfermeiro, visando a sua modelagem
para a organização de suas atitudes e do seu comportamento, e o propósito de alcançar as expectativas
ligadas ao seu papel (TREVIZAN, 1987).

35
Unidade I

A importância de se refletir sobre o papel social, político, técnico e até mesmo pessoal de uma
profissão – neste caso, da Enfermagem – traz a discussão de sua origem e perspectivas, possibilitando
apresentar novos objetivos e qual caminho percorrer. É na perspectiva histórica que se compreende
como foram desenvolvidos os conhecimentos e práticas vividas na atualidade.

Declarar o que sabem e o que fazem é especialmente importante para as enfermeiras que, antes
de Nightingale, foram deliberadamente silenciadas e tiveram seu saber amortecido e desvalorizado
(CESTARI, 2003).

O saber desenvolvido por Florence, que corresponde ao domínio de uma atividade obtido através de
longos períodos de trabalho nos hospitais, não era articulado ou comunicado de forma sistemática. A
partir da década de 1950, nos Estados Unidos, algumas enfermeiras iniciaram o processo de teorização
do saber originado da prática, refletindo o momento de imersão clínica.

As primeiras questões levantadas foram: o que é Enfermagem, o que a Enfermagem faz e o que é o
conhecimento da Enfermagem? Essas indagações perseguiram a Enfermagem por décadas e devem ser
sempre revisitadas.

No Brasil, a formação de Enfermagem que herdamos e usamos até hoje foi trazida pelas enfermeiras
americanas através da Fundação Rockfeller, em meados de 1920, baseada na proposta de Nightingale,
que privilegiava o treinamento por meio da prática hospitalar.

No início da década de 1970, Wanda de Aguiar Horta começou a divulgar seu trabalho, publicando, em
1979, a Teoria das Necessidades Humanas Básicas, o que influenciou de modo marcante a Enfermagem.

Nos Estados Unidos, no fim da década de 1970, Barbara Carper publicou um artigo, baseado em sua
tese de doutorado, apresentando quatro padrões de conhecimento de enfermagem que são aceitos até
hoje: o empírico, o pessoal, o estético e o ético.

O padrão de conhecimento empírico, ou a ciência da Enfermagem, é fatual, descritivo, discursivamente


formulado e publicamente verificável. Seu objetivo é desenvolver um conhecimento abstrato e
explicações teóricas.

O padrão de conhecimento pessoal em Enfermagem compreende a experiência interior de tornar-se


um todo. Respeita as experiências vividas, criando um significado pessoal, expresso pela sua existência,
e não pela linguagem. Considera o outro indivíduo, por exemplo, o enfermeiro com/e o paciente. O
encontro caracteriza-se por ser um cuidado, no qual ambos se ajudam a crescer.

O padrão de conhecimento estético pode ser relacionado com o saber e permite trabalhar tanto
com os fenômenos não quantificáveis quanto com aquilo que não pode ser explicado por leis e teorias.
A intuição, a interpretação, a compreensão e o valor constituem os componentes centrais da estética.
Este tipo de conhecimento é conhecido como a arte da Enfermagem. Se expressa através das ações,
comportamentos, atitudes, condutas e interações da Enfermagem com as pessoas.

36
FUNDAMENTOS HISTÓRICOS DE ENFERMAGEM

O padrão ético envolve mais do que conhecer o código de ética profissional. Na sua prática cotidiana,
as profissionais de Enfermagem precisam estabelecer objetivos e realizar intervenções que sejam
adequadas aos clientes, o que implica realizar uma escolha, decidir o que é apropriado à situação, o que
é bom. Envolve julgamentos éticos constantes e implica confrontar valores, normas, interesses. Também
compreende o exame e a avaliação do que é certo e errado, do que é bom, valioso e desejável nos objetivos
finais. Devido aos avanços tecnológicos existentes e às condições concretas dos serviços de saúde, cada
vez mais as profissionais se veem confrontadas com escolhas que têm um caráter profundamente ético
e que não podem ser tomadas simplesmente recorrendo às determinações do código de ética.

É importante ressaltar que, embora descritos separadamente, os quatro padrões de conhecimento


ocorrem de forma inter-relacionada, sendo que cada um deles contribui como componente essencial
para a prática de Enfermagem.

Johnson (1994) apresenta ainda cinco habilidades em enfermagem: habilidade em extrair


significado nos encontros com os pacientes, habilidade em estabelecer uma conexão significativa com
o paciente, habilidade em realizar atividades de enfermagem com competência, habilidade em usar
a lógica ao prescrever o curso de uma ação de enfermagem e habilidade em conduzir moralmente a
sua prática de enfermagem.

A experiência tem sido proposta como valor, para além da percepção e da intuição. É através dela
que o enfermeiro aprende a focalizar de imediato aquilo que é relevante na situação e extrair o seu
significado.

Nenhum dos padrões sozinho pode caracterizar o cuidar/cuidado, pois este inclui em suas ações
e comportamentos, além do espírito científico, a emoção, a sensibilidade, a destreza e a habilidade. O
objetivo do processo de cuidar interativo é o de conduzir à transformação da profissão, do profissional
ou do cliente.

O cuidar é contextual, relacional, existencial e, dessa forma, é construído entre o ser que cuida e o
ser que é cuidado. O foco no cuidado em nenhuma hipótese rejeita alguns aspectos da ciência, apenas
pretende desmistificar o fato de que o que contém emoção, sensibilidade e intuição não é conhecimento.

Sendo a enfermagem uma profissão em que as pessoas (enfermeiros) prestam cuidados a outras
pessoas (cliente/paciente), é importante a qualidade da relação interpessoal e intencional entre o
enfermeiro e o doente, inerente ao ato de cuidar (SILVA, 2003).

Há, na literatura, um quinto padrão de conhecimento a ser reconhecido na Enfermagem: o


desconhecido. Propõe a abertura para continuar observando e buscando, sem respostas prontas, e de
acordo com o qual a arte de desconhecer é um processo de descentralização dos princípios próprios,
organizadores do mundo de uma pessoa, essencial para que se compreenda a subjetividade e a perspectiva
de outrem (MADUREIRA, 2004).

Além desses conhecimentos, há referências também a outras dimensões: histórico, técnico,


humanístico e político.
37
Unidade I

• O conhecimento histórico refere-se ao processo evolutivo da Enfermagem ao longo do tempo, o


que se dá em íntima articulação com o contexto no qual ela se insere, influenciando-o e sendo
por ele influenciada.

• O conhecimento técnico é desenvolvido com a associação das técnicas ao conhecimento


científico, perdendo sua importância à medida que é realizado sem fundamentação. A técnica
requer conhecimentos científicos para sua aplicação adequada.

• O conhecimento humanístico permite uma compreensão ampla do ser humano, do que ele é, do
seu sentido e do seu lugar na vida, conduzindo à redefinição do ser humano.

• O conhecimento político coloca a questão dos fins, dos conteúdos, da intencionalidade. Envolve
habilidade de comunicação, de mobilização e de participação em movimentos coletivos. A política
é vista como uma atitude que marca as ações e destinações humanas.

Seguindo caminhos semelhantes, Wanda Horta (1979, p. 3) apresenta, baseando-se na Teoria de


Necessidades Humanas Básicas de Maslow, duas questões fundamentais:

• A quem serve a Enfermagem? Essa questão é finalmente respondida em sua teoria como uma
afirmação: “a enfermagem é um serviço prestado ao ser humano”.

• Com que se ocupa a Enfermagem? Ela responde então que: “a enfermagem é parte integrante da
equipe de saúde e como tal se ocupa em manter o equilíbrio dinâmico, prevenir desequilíbrios e
reverter desequilíbrios em equilíbrio do ser humano”.

Wanda Horta elaborou seu conceito de Enfermagem:

Enfermagem é ciência e a arte de assistir o ser humano no atendimento de


suas necessidades básicas, de torná-lo independente dessa assistência através
da educação; de recuperar, manter e promover sua saúde, contando para isso
com a colaboração de outros grupos profissionais (HORTA, 1979, p. 3).

As reflexões que acabamos de apresentar não são um fim, mas um princípio. Contando-se que
há menos de um século a Enfermagem tomou corpo profissional e científico, essas propostas de
definições ou identificações de objetos de pesquisa ou focos de ação são mutáveis e estão em
constante transformação.

4 DESENVOLVIMENTO DO ENSINO DE ENFERMAGEM

No Brasil, especialmente nas últimas décadas, o ensino de Enfermagem tem passado por muitas
modificações em meio aos movimentos sociais.

A Enfermagem, exercida desde a fundação das primeiras Santas Casas, tinha um cunho essencialmente
prático; daí por que eram excessivamente simplificados os requisitos para o exercício das funções de
38
FUNDAMENTOS HISTÓRICOS DE ENFERMAGEM

enfermeiro, não havendo exigência de qualquer nível de escolarização para aqueles que a exercia. Essa
situação perdurou desde a colonização até o início do século XX, ou seja, uma Enfermagem exercida em
bases puramente empíricas.

Na época do descobrimento do Brasil, os índios, nas pessoas dos pajés, foram os primeiros a se
ocuparem dos cuidados daqueles que adoeciam em suas tribos. Com a colonização, outros elementos
assumiram também essas responsabilidades, dentre eles os jesuítas e posteriormente os religiosos,
voluntários leigos e escravos selecionados para tal tarefa. Dessa forma, gradativamente surge a
Enfermagem, com fins mais curativos que preventivos. O ensino formal e sistematizado da Enfermagem
data de pouco mais de um século. Antes disso não havia propriamente escolas de Enfermagem,
mas instituições religiosas cujo ensino e orientação da prática não obedeciam a nenhum programa
formal. O aprendizado dava-se empiricamente, pela imitação dos superiores e dos já iniciados na arte
(CARVALHO, 1972).

Para Carvalho (1972), o ensino teórico e o desenvolvimento intelectual da aluna mereciam pouca
atenção e eram considerados secundários, sendo prioridade o cumprimento das tarefas diárias
relacionadas com a assistência ao doente e os trabalhos de limpeza e higiene do ambiente.

Além disso, as escolas de Enfermagem estabeleceram por muitos anos práticas, como o internato
obrigatório para as alunas, disciplina rígida – quase militar –, obediência cega aos superiores e longas
horas de trabalho com redução do tempo de lazer e de descanso ao mínimo necessário, que hoje são
consideradas, até certo ponto, ultrapassadas.

Saiba mais

Leia o seguinte texto:

STUTZ, B. L. As primeiras escolas de enfermagem e o desenvolvimento


desta profissão no Brasil. Cadernos de História da Educação, v. 9, n. 2,
p. 347-362, jul./dez. 2010.

O modelo de ensino implantado por Florence Nightingale, na Inglaterra, sistematizou o ensino teórico
e prático. A seleção dos candidatos era rigorosa e a exigência principal era que fossem disciplinados
e dotados de qualidades morais, como ser de boa índole, leal, digno de confiança, pontual, calmo e
ordeiro, correto e elegante, requisitos esses que atendiam aos interesses e valores da sociedade inglesa
daquele momento histórico-social. A escola formava duas categorias distintas de enfermeiros: as ladies,
mulheres de classe social mais elevada, as quais desempenhavam função administrativa de supervisão,
deveres e controle dos serviços de enfermagem; e as nurses, que pertenciam aos níveis sociais mais
baixos e ficavam sob a direção das ladies, desenvolvendo o trabalho manual de enfermagem.

No Brasil, a profissionalização e o ensino de enfermagem iniciaram-se com o Decreto nº 791/1890,


assinado pelo chefe de governo provisório da República, Marechal Deodoro da Fonseca. Esse decreto
39
Unidade I

fixava os objetivos da escola, currículo, duração do curso, condições de inscrição e matrícula, título
conferido, garantia de preferência de emprego e aposentadoria aos 25 anos. Dos candidatos exigia-se no
mínimo saber ler e escrever, conhecer aritmética e apresentar atestado de bons costumes. No entanto,
não contemplava recursos para a viabilização do curso, assim como as normas para sua concretização
(BRASIL, 1890; GUSSI, 1987).

O curso teve implementado em seu currículo desde noções práticas de propedêuticas até administração
interna das enfermarias, surgindo assim a primeira escola de Enfermagem brasileira, denominada de
Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras do Hospício Nacional de Alienados (EPEE). Essa escola
foi criada anexa ao Hospício Pedro II, até então dirigido pela Irmandade da Santa Casa de Misericórdia, e
logo passou à administração federal, com atendimento direcionado à psiquiatria, com o corpo docente
formado apenas por médicos psiquiatras.

A EPEE surgiu diante da necessidade de formar profissionais qualificados para o atendimento aos
enfermos de ambos os sexos quanto à preparação de futuros profissionais de Enfermagem, após a
destituição das Irmãs de Caridade, com a nova direção do hospital pelo Dr. João Carlos Teixeira Brandão,
pelo Decreto nº 508/1890. Esse decreto suspendia o atendimento das Irmãs em enfermarias masculinas,
havendo assim falta de profissionais de Enfermagem, fato esse que favoreceu a criação da escola nas
dependências do hospício. Nessa mesma década, o Dr. João Carlos Teixeira Brandão, solicitando a vinda
das enfermeiras da França, foi prontamente atendido em fevereiro de 1893, quando foi firmado um
contrato de 1893 a fevereiro de 1895 entre os ministros da França e do Brasil. Esse fato se tornou o
segundo grande marco na história da Enfermagem no Brasil.

Com a proclamação da República, as relações entre a Igreja e o Estado ficaram estremecidas,


chegando ao rompimento. Houve a desvinculação do Hospício Nacional de Alienados da Santa Casa de
Misericórdia, que repercutiu na estatização da assistência aos doentes mentais e fez com que os médicos
assumissem o poder. As relações com as irmãs de caridade, responsáveis pela administração interna do
hospital, se tornaram insustentáveis nesse novo sistema, a ponto de elas abandonarem repentinamente
o serviço (FERNANDES, 1982; GUSSI, 1987).

Segundo Gussi (1987), um incêndio destruiu os arquivos da Divisão Nacional de Saúde Mental na
década de 1960, o que impossibilita detalhes oficiais quanto ao funcionamento da EPEE até 1905 e
também com relação à vinda das enfermeiras francesas ao Brasil para assumir o Hospício Nacional com
a saída das religiosas.

Essa escola, posteriormente denominada Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, hoje uma unidade da
Unirio, inspirou-se na Escola de Salpetière, na França, embora a direção por uma enfermeira somente
tenha ocorrido com mais de 50 anos de sua existência – precisamente, em 1943.

Pelos países de colonização americana, o Sistema Nightingale espalhou-se rapidamente. Em 1892,


foi instalado em São Paulo o Hospital Evangélico, para estrangeiros, hoje Hospital Samaritano, com
um corpo de enfermeiras inglesas oriundas de escolas orientadas por Florence Nightingale. O curso de
Enfermagem iniciado nesse hospital por volta de 1901-02 trazia todas as características do sistema
inglês, sendo, inclusive, ministrado nesse idioma, para estudantes recrutadas nas famílias estrangeiras
40
FUNDAMENTOS HISTÓRICOS DE ENFERMAGEM

do sul do País, tendo como objetivo precípuo preparar pessoal para a instituição. Essa escola nunca
chegou a ser reconhecida por tratar-se de iniciativa privada que visava unicamente preparar pessoal
para o próprio hospital (CARVALHO, 1972).

Durante a Segunda Guerra Mundial, houve maior mobilização do País e das forças militares que,
por conseguinte, mobilizaram também a participação de mulheres, representadas por enfermeiras, para
prestar assistência aos soldados brasileiros que foram enviados ao combate. Com o envio da Força
Expedicionária Brasileira (FEB) para a Itália em 1944, foram designados 186 profissionais da área de
saúde, dentre os quais 67 eram enfermeiras.

Em 1916, como repercussão do movimento mundial de melhoria nas condições de assistência aos
feridos da Primeira Grande Guerra, a Cruz Vermelha Brasileira criou uma escola no Rio de Janeiro,
subordinada ao Ministério da Guerra, preparando enfermeiras em curso de dois anos de duração
(CARVALHO, 1972).

A mobilização nacional espontânea, desenvolvida por pressão popular para a participação do Brasil
na Segunda Guerra, gerou a demanda por cursos de Enfermagem e a inserção de profissionais dessa área
no serviço militar. A Escola de Enfermagem da Cruz Vermelha, que possuía os cursos para enfermeiras
profissionais (duração de três anos), samaritanas (duração de um ano) e voluntárias socorristas (duração
de três meses), intensificou, entre 1942 e 1943, seus cursos, cujos regulamentos e programas deveriam
ser aprovados pela Diretoria de Saúde do Exército do Ministério da Guerra.

Embora profissionais formadas pela Escola Ana Neri tenham participado da equipe de voluntárias
no campo de operações, a maioria expressiva foi de alunas preparadas pela Cruz Vermelha Brasileira. O
recrutamento de voluntárias para compor a Força Expedicionária Brasileira tinha como exigência que elas
passassem por treinamento dentro do Exército antes de serem enviadas para a Itália; ao integrarem-se
na FEB, passaram a enfermeiras da reserva do Exército Brasileiro. Os cursos para enfermeiras socorristas
da Cruz Vermelha Brasileira mobilizaram um contingente expressivo de mulheres na sociedade brasileira
não apenas nos grandes centros, como São Paulo e Rio de Janeiro, mas também em cidades do interior
de vários estados como parte dessa campanha de mobilização nacional em torno da construção do
Brasil como grande nação. Discursos inflamados, valorizando e estimulando a participação da mulher
brasileira, podiam ser encontrados com facilidade nos meios de comunicação impressos (STUTZ, 2010).

Saiba mais

Assista ao filme a seguir, que retrata a psiquiatria da época:

NISE – O Coração da Loucura. Dir. Roberto Berliner. Brasil: TVZero, 2016.


109 minutos.

Um detalhe curioso quanto a essa escola é que o Decreto nº 21.141/32, que aprovava o regulamento
para a organização do quadro de enfermeiras do Exército, determinava a fiscalização da Escola de
41
Unidade I

Enfermagem da Cruz Vermelha Brasileira pela Diretoria de Saúde da Guerra, desvinculando o exercício
profissional dos enfermeiros por ela formados das determinações do Decreto nº 20.109/31, que regulava o
exercício de Enfermagem no Brasil e fixava as condições para a equiparação das escolas de Enfermagem.
Posteriormente, o programa foi ampliado para três anos e a escola foi subordinada ao Ministério da
Educação e Cultura, como as demais. Foi equiparada à Escola de Enfermeiras Ana Neri, conforme o
Decreto nº 20.209/31, pelo Decreto nº 24.768/48 (CARVALHO, 1972).

A criação da Escola de Enfermeiras do Departamento Nacional de Saúde Pública (Decreto nº 15.799,


de 10 de dezembro de 1922) constituiu de fato o início de uma nova era para a Enfermagem brasileira; o
mérito do acontecimento deve-se, principalmente, a seu diretor, Carlos Chagas, e ao grupo de enfermeiras
norte-americanas trazidas pela Fundação Rockefeller, a pedido daquele, para prestarem serviço no
departamento. Lideradas por Ethel Parsons e Clara Louise Kienninver, algumas dessas enfermeiras
assumiram a responsabilidade pela direção e pelo ensino da escola, tendo influenciado grandemente
no conteúdo da legislação que determinava o currículo a ser adotado e no Decreto nº 20.109/31, que
instituiu a Escola Ana Neri como escola padrão para efeito de equiparação.

A Escola Ana Neri surgia num momento em que o Estado brasileiro emergente instituía políticas de
saúde voltadas ao controle das grandes endemias e epidemias que colocavam o Brasil numa posição
ameaçadora ao desenvolvimento do comércio internacional, porém contava com escassos equipamentos
de saúde e mão de obra qualificada para a viabilização das ações coletivas propostas.

Carlos Chagas, ao tomar contato com o trabalho no padrão nightingaleano das enfermeiras norte-
-americanas, acreditou ser esse o profissional necessário para a estratégia sanitarista do governo
brasileiro e solicitou auxílio à International Health Board para criar serviço semelhante no Brasil. Assim
foi criada a Escola de Enfermeiras do Departamento Nacional de Saúde Pública nos moldes das escolas
americanas que utilizavam o Sistema Nightingale, mesmo mantendo a contradição de preparar as
enfermeiras dentro das enfermarias do Asilo São Francisco de Assis, adaptado para ser o hospital-ensino
da Enfermagem, para o trabalho em saúde pública.

A educação da mulher se limitava aos programas de ensino ministrados em colégios femininos


religiosos, que não se enquadravam no sistema educacional do País. Frequentavam a Escola Normal,
geralmente, as mulheres que precisavam trabalhar, pois o magistério primário era considerado como a
única carreira digna para jovens de boas famílias. A Escola de Enfermagem exigia da candidata o diploma
de Escola Normal ou documento comprovando que ela possuísse instrução secundária suficiente. Se
não houvesse documentos comprobatórios, era realizado um exame de admissão. Deve-se salientar que
só eram admitidas candidatas do sexo feminino, exigência esta que perdurou por várias décadas.

O termo escola padrão nightgaliano deu origem ao termo, agora em desuso, de enfermagem padrão,
ou enfermeiro padrão, para diferenciar a formação primária, a média e a superior. Portanto, o enfermeiro
formado em escolas padrão Nightingale era o enfermeiro padrão.

Em maio de 1921, Carlos Chagas, diretor do DNSP, formalizou com o IHB a cooperação com vistas ao
desenvolvimento do serviço de enfermagem no País. O veto do presidente Epitácio Pessoa ao orçamento
para 1922 acarretou, no entanto, um corte geral das despesas em todos os órgãos governamentais.
42
FUNDAMENTOS HISTÓRICOS DE ENFERMAGEM

Tendo recebido do presidente uma confirmação pessoal de apoio ao programa, L. W. Hackett decidiu
cobrir, com recursos do IHB, as despesas com salários e treinamento das enfermeiras de saúde pública
até que novo orçamento fosse reapresentado pelo Congresso e, sendo ele aprovado, se materializassem
as verbas prometidas pelo governo brasileiro.

No entanto, vale apontar que a partir de 1930, com a ampliação do sistema previdenciário, a produção
de serviços privados foi privilegiada e favoreceu a assistência hospitalar curativa em detrimento da
saúde pública, ampliando dessa forma a oferta de trabalho às enfermeiras no âmbito do hospital. Ou
seja, o diagnóstico das enfermeiras americanas, sobre as necessidades de atuação na saúde preventiva e
preparo para tal, muda, sendo a prioridade a formação de profissionais para o trabalho hospitalar.

De acordo com Carvalho (1972), o curso possuía as seguintes características:

• Duração de dois anos e quatro meses, divididos em cinco fases, a última das quais reservada para
a especialização Enfermagem Clínica – Enfermagem de Saúde Pública.

• Exigência de diploma de Escola Normal como requisito de entrada, facilitando, porém, a admissão
dos candidatos que, na falta desse diploma, provassem capacitação para o curso.

• Os quatro primeiros meses correspondiam ao período probatório das escolas norte-americanas,


sendo essencialmente teóricos;

• A prestação de oito horas diárias de serviços ao hospital era obrigatória, com direito a residência,
pequena remuneração mensal e duas meias folgas por semana.

Embora a Escola Anna Nery tivesse um programa de ensino estabelecido por decreto do governo
brasileiro, em 1923, as disciplinas ministradas assumiram praticamente os mesmos nomes e
compunham a mesma divisão do currículo americano. As poucas alterações que tinham sido feitas
não foram seguidas na prática. O conjunto das disciplinas que compunham o ensino teórico, ao
qual correspondia uma carga horária prática, indica o direcionamento na formação das enfermeiras
para o campo hospitalar. Das 35 disciplinas que constavam do programa teórico, pode-se dizer que
apenas 4 (11%) eram voltadas para a saúde pública; as demais se concentravam no estudo das
doenças e na forma de tratamento vinculada à assistência de nível terciário que se desenvolvia
dentro dos hospitais.

A década de 1920 se encerra com apenas uma escola de Enfermagem oficial no País.

Em 1930, é criado o Ministério da Educação e Saúde. A Constituição de 1934 estabeleceu a necessidade


de elaboração de um Plano Nacional de Educação que coordenasse e supervisionasse as atividades de
ensino em todos os níveis do País, e na Constituição de 1937 é introduzido o ensino profissionalizante
(CUNHA, 1977).

Outro aspecto a considerar, no que se refere à opção pela formação centrada no espaço hospitalar,
é a relação entre a carga horária teórico/prática e a distribuição nos campos de estágio. Para um total
43
Unidade I

de 562 horas/aula teóricas, correspondiam mais de 6.000 horas/aula de estágio, estabelecendo uma
relação superior de 1 para 10. Dos 30 meses de estágio, 28 meses eram realizados em enfermarias
e ambulatórios hospitalares, e somente dois meses eram cursados na saúde pública, portanto, mais
de 90% do ensino prático ocorria dentro dos hospitais. Se de um lado, essa formação, voltada
predominantemente para o conhecimento das doenças e realizada no interior dos hospitais, era
justificada pelas enfermeiras da época como uma necessidade para o trabalho na saúde pública, por
outro lado, contraditoriamente, o ensino orientado pelo modelo biomédico era reconhecido como
um ponto fraco das alunas, que iniciavam o serviço na zona prática, que correspondia ao campo de
prática em saúde pública.

Para dar conta da nova prática de saúde, que começava a deixar de lado a saúde pública e priorizava
o atendimento às necessidades individuais, foi criado, em 1940, o Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo, o primeiro do gênero no País. Seu objetivo básico era servir de
campo prático para estudantes de Medicina, mas também foram abertas suas portas para a aprendizagem
de outras categorias profissionais da saúde, principalmente enfermeiras. As enfermeiras Ana Neri foram
então chamadas para organizar o serviço de enfermagem do hospital, e a Escola de Enfermagem foi
anexa à Faculdade de Medicina.

A complexidade do Hospital de Clínicas e a influência dos modelos administrativos preponderantes


trouxeram a divisão de trabalho para dentro do hospital. Essa divisão de trabalho se estendeu também
à Enfermagem, devido ao grande número de leitos e o pequeno número de enfermeiras. As ações
administrativas e de educação ficaram com as enfermeiras, cabendo ao pessoal auxiliar as ações
assistenciais e o cuidado direto do paciente. Para que pudesse desempenhar melhor sua função, o
pessoal auxiliar passou a receber treinamento específico para a área hospitalar. A divisão de trabalho na
Enfermagem brasileira, iniciada naquela época, se mantém até os dias de hoje.

Exemplo de Aplicação

Há uma relação de grandes epidemias com mudanças culturais e desenvolvimentos das sociedades
após o término ou solução delas. Com a peste, houve a melhora da higiene na Europa; com o cólera, o
controle de água; com a Aids, revisão da promiscuidade; com o ebola e gripes, a certeza de que o planeta
está interligado e que todos somos responsáveis pelo acontece.

Reflita sobre como essas manifestações de saúde influenciam nas nossas vidas.

Espelhadas no exemplo da Universidade de São Paulo, as demais Universidades Federais começaram


a criar também os seus respectivos Hospitais de Clínicas, de modo que eles começaram a surgir nas
capitais dos estados, exigindo um maior número de profissionais de enfermagem preparados.

Por conseguinte, através do Decreto-lei nº 4.725/42, foi reformulado o curso da Escola de Enfermagem
Alfredo Pinto, que, a partir daquela data, passou a exigir a 2ª série ginasial dos seus candidatos. Outra
consequência foi a criação da Escola de Enfermagem Haddock Lobo, no Distrito Federal, que cobrava
a licença ginasial como pré-requisito dos candidatos. Concomitantemente, foi estimulada a criação de

44
FUNDAMENTOS HISTÓRICOS DE ENFERMAGEM

cursos de auxiliar de enfermagem e o treinamento em serviço. Em 1946, a Escola Ana Neri já realizava
o curso de Enfermagem.

O artigo 429 do Decreto nº 16.300/23 não continha o número de horas destinadas à parte teórica
e ao estudo; entretanto, o artigo 418 do mesmo decreto estabelecia claramente a obrigatoriedade
do serviço diário de 8 horas no Hospital Geral de Assistência, o que leva à conclusão de que
as horas destinadas ao ensino teórico e ao estudo fossem em acréscimo às 48 horas semanais de
prática hospitalar.

Assim, através do Decreto nº 17.268/1926, do presidente Getúlio Vargas, é institucionalizado o


ensino de Enfermagem no Brasil e, em 1931, pelo Decreto nº 20.109 da Presidência da República, a
Escola Ana Neri foi considerada oficial, um padrão para todo o país. Em 1937, é considerada instituição
complementar da Universidade do Brasil, e em 1946, é definitivamente incorporada a essa universidade,
hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Observação

O nome Ana Neri pode ser encontrado como Anna e Nery, não
havendo consenso quanto à grafia original. Nos documentos da Escola de
Enfermagem era grafado Anna Nery.

O enfoque sanitário da década de 1920, caracterizado pela ênfase no saneamento dos portos, entra
em declínio, e cresce a importância da Previdência Social. Ocorre um aumento do número de hospitais
em decorrência da expansão da medicina privada voltada para a assistência curativa individual.

Por 18 anos, a Escola Ana Neri foi considerada padrão legalmente, à qual outras escolas deveriam ser
equiparadas. Esse modelo foi utilizado até o ano de 1949, quando foi criada a primeira lei específica para
o ensino de Enfermagem, a Lei nº 775/49, sendo as escolas reconhecidas pelo presidente da República. O
Projeto de Lei nº 755 conteve a expansão das escolas e exigiu que o ensino em enfermagem acontecesse
nos centros universitários. Após a aprovação da Lei 2.995/56, no ano de 1961, todas as escolas iniciaram
a exigência do curso secundário dos candidatos, porém só em 1962 a Enfermagem passou a ser ensino
de nível superior.

As enfermeiras americanas acreditavam em estudo constante para o progresso da profissão.


Como não havia cursos de pós-graduação ou outros com caráter complementar, a estratégia
proposta foi a formação de grupos de estudos nos quais poderiam se trocar informações sobre
suas práticas e de outros países. Para tanto, a Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn),
fundada em 12 de agosto de 1926 sob o nome de Associação Nacional de Enfermeiras Diplomadas,
preocupou‑se com a educação desde sua criação, e assim permaneceram ao longo de sua existência,
o que pode ser comprovado nos seus diversos estatutos, congressos, documentos das comissões e
principalmente no seu veículo de maior divulgação, a Revista Brasileira de Enfermagem. Em 1945,
foi criada a Divisão de Ensino de Enfermagem, posteriormente designada Divisão de Educação,
com os objetivos de organizar o ensino quanto ao currículo teórico mínimo e à duração dos
45
Unidade I

estágios para a formação da enfermeira e estabelecer normas para a formação de auxiliares de


Enfermagem (CARVALHO, 1976).

O ensino da Enfermagem tem sido marcado, ao longo dos anos, pela constante implementação de
mudanças curriculares nos cursos de graduação e por discussões de propostas pedagógicas, sendo ainda
influenciado pela evolução do contexto histórico e social da sociedade brasileira. Por sua vez, o perfil dos
enfermeiros sofreu significativas alterações nos aspectos político, econômico e social, o que influencia
na mudança da educação e da saúde no Brasil e no mundo. As novas diretrizes curriculares para o curso
de Enfermagem têm adotado perspectivas mais humanistas. É esperado que a instituição universitária,
comprometida com o destino dos homens, associe o máximo de qualificação acadêmica com o máximo
de compromisso social, com vista a superar a fragmentação do conhecimento até hoje presente.

O perfil do formando egresso descrito nas diretrizes curriculares é de um profissional com formação
generalista, humanista, crítica e reflexiva, qualificado para o exercício de Enfermagem, com base no
rigor científico e intelectual, pautado nos princípios éticos. Deve ser capaz de reconhecer e intervir
sobre os problemas/situações de saúde-doença mais prevalentes no perfil epidemiológico nacional, com
ênfase na sua região de atuação, e ser capaz de identificar as dimensões biopsicossociais dos seus
determinantes. Também é necessário que esteja capacitado para atuar, com senso de responsabilidade
social e compromisso com a cidadania, como promotor da saúde integral do ser humano.

Na década de 1980, a crise econômica e política que atingiu de forma expressiva a área da saúde
fez parte dos debates para proposição do SUS, com a responsabilidade de planejar e executar a política
nacional de saúde. A definição de novas diretrizes educacionais para a Enfermagem demandava a
incorporação de conteúdos que proporcionassem o exercício de novas atribuições para atender às
necessidades sociais. Intensificaram-se as críticas ao currículo vigente, destacando-se a exclusão do
ensino da saúde pública do tronco profissional comum.

Concomitantemente aos debates da criação do SUS, a ABEn, as Escolas de Enfermagem e a Comissão


de Especialistas de Enfermagem da Secretaria de Educação Superior (SESu) do MEC buscaram reorientar
a estrutura da formação do enfermeiro. Realizam-se seminários regionais, oficinas de trabalho e
comitês específicos e finalmente o Seminário Nacional sobre Currículo Mínimo para a Formação do
Enfermeiro, no Rio de Janeiro, em 1989. Em 1991, foi encaminhada uma proposta de reformulação do
currículo mínimo fundamentada em discussões sobre o perfil sanitário e epidemiológico da população,
a organização dos serviços de saúde, o processo de trabalho em enfermagem e a articulação entre o
ensino e os serviços (CHRISTÓFARO, 1991). As reformulações incluíam a extinção das habilitações, o
aumento de carga horária, o redimensionamento dos conteúdos das ciências humanas e biológicas, a
valorização do compromisso com a sociedade e a reflexão sobre a prática profissional. Considerava perfil
sanitário e epidemiológico da população, a organização dos serviços de saúde, o processo de trabalho em
enfermagem e a articulação entre o ensino e os serviços (CHRISTÓFARO, 1991). Essa proposta resultou
no Parecer nº 314/94, de 6 de abril de 1994.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, trouxe
novas responsabilidades para as Instituições de Ensino Superior (IES), docentes, discentes e sociedade,
pois permite a formação de diferentes perfis profissionais a partir da vocação de cada curso/escola,
46
FUNDAMENTOS HISTÓRICOS DE ENFERMAGEM

esperando melhor adaptação ao mundo do trabalho, já que as instituições terão liberdade para definir
parte considerável de seus currículos plenos (GALLEGUILLOS, 2001).

A compreensão mais crítica da articulação entre educação e saúde é enfatizada predominantemente


no âmbito da saúde coletiva, que, dentro das suas perspectivas, procura situar o indivíduo em um
contexto sociocultural específico, bem como compreender a determinação social do processo saúde-
-doença (MEYER, 1998). A produção dos serviços de saúde é também determinada pela formação em
saúde; o objeto da saúde coletiva necessita de um olhar interdisciplinar, da articulação disciplinar para
uma efetiva integração dos diferentes campos de saber, que se complementam pelas diferentes formas
de recortar o objeto. A formação dentro desse novo paradigma de saúde e educação poderá gerar
condições capazes de transformar a realidade, visando atender às necessidades da população, dentro
das proposições do SUS.

Importante salientar que as mudanças ocorridas no cenário da saúde na década de 1980 a 1990,
influenciadas pelo momento político e social, acarretou o desenvolvimento de uma tecnologia de alta
complexidade e avanços no diagnóstico e no tratamento precoces das doenças; entretanto, geraram
uma crise na rede pública, devido ao aumento da demanda da população, que passou a ter direito de
assistência à saúde sem que os serviços públicos de saúde estivessem eficazmente dotados de recursos
humanos na quantidade e com a capacitação necessárias e de recursos físicos e materiais suficientes
para prestar a essa população uma assistência adequada.

A proposta curricular oficializada em 1994 pela Portaria nº 1.721/1994, que teve intensa participação
de diversas entidades, como a ABEn, escolas de Enfermagem, instituições de saúde e entidades da classe,
enfocava a formação do enfermeiro em quatro áreas: assistência, gerência, ensino e pesquisa, a partir
do pressuposto da educação como possibilidade de transformação, centrada no desenvolvimento da
consciência crítica do compromisso com a sociedade. Outro fato importante para o desenvolvimento
da Enfermagem foi a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que introduziu inovações e
mudanças na educação nacional, prevendo a reestruturação dos cursos de graduação, com a extinção
dos currículos mínimos e a adoção de diretrizes curriculares específicas para cada curso. Em função disso,
a publicação das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para os cursos de graduação em Enfermagem,
através da Resolução nº 3, de 7 de novembro de 2001, definiu os princípios, fundamentos, condições
e procedimentos da formação de enfermeiros para aplicação em âmbito nacional na organização,
desenvolvimento e avaliação dos projetos pedagógicos dos cursos de graduação em Enfermagem das
instituições de Ensino Superior.

As DCNs estabeleceram o perfil de formação do egresso como enfermeiro generalista, humanista,


crítico e reflexivo, qualificado para o exercício de enfermagem com base no rigor científico e intelectual
e pautado em princípios éticos, com capacidade de conhecer e atuar sobre os problemas/situações de
saúde-doença mais prevalentes no perfil epidemiológico nacional. Busca-se a ênfase na sua região de
atuação, identificando as dimensões biopsicossociais dos seus determinantes e estabelecendo como
foco da assistência de enfermagem a humanização, a integralidade e a competência técnico-científica.
As DCNs reforçam a necessidade de mudanças na formação do enfermeiro e incentivam os movimentos
de inovação no ensino-aprendizagem. Produto de uma construção social, coletiva e histórica, essas
diretrizes para os cursos de graduação trazem no seu conteúdo os posicionamentos da enfermagem
47
Unidade I

brasileira, propondo um perfil profissional coerente com a realidade de saúde e a articulação dos
projetos políticos, da organização curricular e das práticas de ensino com os conceitos, as diretrizes e
os objetivos do SUS. Recentemente, a Resolução CNE/CES nº 4, de 6 de abril de 2009, instituiu a carga
horária mínima para diversos cursos de graduação na área da Saúde, entre eles o de Enfermagem. A
carga horária mínima, uma antiga luta da ABEn, foi definida em 4.000 horas e 10 semestres letivos, não
se alterando os outros dispositivos da DCN.

Veja a seguir uma cronologia das escolas de Enfermagem no Brasil:

• Em 1822, graças à atuação de José Bonifácio, eram tomadas as primeiras medidas de proteção à
maternidade. A primeira sala de partos funcionava na Casa dos Expostos.

• Em 1832, foi criada a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro.

• Em 1833, a Escola de Parteiras da Faculdade de Medicina diplomou a primeira parteira formada


no Brasil: madame Durocher.

• As escolas de Enfermagem começam a se espalhar pelo mundo a partir da Inglaterra. Nos Estados
Unidos, a primeira escola foi criada em 1873.

• As primeiras enfermeiras diplomadas em 1877 começavam a prestar serviços em domicílio


em Nova York.

• A Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, a mais antiga do Brasil, foi fundada em 1890. Reformada
a partir de um decreto de 23 de maio de 1939, apresentava curso com duração de três anos e era
dirigida por enfermeiras diplomadas. Foi reorganizada por Maria Pamphiro.

• A Escola da Cruz Vermelha do Rio de Janeiro iniciou atividades em 1916, com o curso de Socorrista
e a finalidade de atender às necessidades da Primeira Guerra Mundial. Os diplomas oficiais eram
expedidos pelo Ministério da Guerra.

• A Escola Ana Neri teve como primeira diretora a miss Clara Klenninger, iniciando seus cursos em
19 de fevereiro de 1923, com 14 alunas. As primeiras instalações se localizavam em um anexo ao
Hospital São Francisco de Assis, onde seriam os primeiros estágios. Em 1923, houve um surto de
varíola; em epidemias anteriores, o índice de mortalidade era de 50%, mas baixou para 15%. As
primeiras diplomadas datam de 19 de julho de 1925. Foram alunas de destaques dessa turma: Lais
Netto dos Reys (dirigiu a Escola Carlos Chagas), Olga Salinas Lacôrte, Maria de Castro Pamphiro
(dirigiu a Alfredo Pinto) e Zulema Castro. Essas alunas obtiveram bolsa de estudo para os Estados
Unidos. A primeira diretora brasileira foi Raquel Haddock Lobo, pioneira de Enfermagem Moderna.
Ela esteve na Europa durante a Primeira Grande Guerra, incorporando-se à Cruz Vermelha Francesa.

• A Escola de Enfermagem Carlos Chagas foi criada pelo Estado em 7 de junho de 1933 por iniciativa
do então diretor de Saúde de Minas Gerais, Dr. Ernani Agrícola. Foi a primeira escola a funcionar
fora da capital e teve como diretora Lais Netto dos Reys, formada pela escola Ana Neri. Além de
pioneira entre as escolas estaduais, foi a primeira a diplomar religiosas no Brasil.

48
FUNDAMENTOS HISTÓRICOS DE ENFERMAGEM

• A Escola de Enfermagem Luísa de Marillac, dirigida pela Irmã Matilde Nina, foi fundada em 1930.
Representou grande avanço na Enfermagem nacional e atendia não só às jovens estudantes, mas
também a todas as religiosas de qualquer congregação. É a mais antiga escola de religiosas no
Brasil. Hoje faz parte da União Social Camiliana.

• A Escola Paulista de Enfermagem foi fundada em 1939 pelas Franciscanas Missionárias de


Maria. É a pioneira na renovação da Enfermagem paulista. Iniciou cursos de pós-graduação em
Enfermagem Obstétrica.

• A Escola de Enfermagem da USP foi fundada em 1944, com a colaboração da Fundação de Serviços
de Saúde Pública (FSESP). Integra a Universidade de São Paulo (USP). Teve como primeira diretora
a enfermeira Edith Franckel e em 1946 forma-se a primeira turma.

Resumo

A evolução do cuidado em saúde é estudada mais intensamente na era


Cristã. Por meio de desenhos e achados arqueológicos, pode-se conhecer
os hábitos de cuidados desde o homem primitivo, quando esse cuidado
se realizava apenas instintivamente, passando por práticas místicas e
religiosas, influências políticas monárquicas e políticas religiosas. Na questão
político-religiosa, passamos por um importante momento na divisão da
Igreja Católica, propiciando o surgimento das práticas de Lutero e a saída
dos católicos de vários hospitais. A importância se dá pela necessidade de
aprender, estudar e se desenvolver para poder atender os doentes.

Os cuidados em saúde são diretamente relacionados às culturas, políticas


e crenças. Encontramos nomes relevantes para o desenvolvimento das
ciências, e nos detemos em Florence Nightingale, inglesa de família nobre
que se dedicou à Enfermagem, estudando e participando na assistência a
feridos na Guerra da Crimeia. Ao retornar à Inglaterra, iniciou o projeto de
formação de enfermeiros baseada em metodologia aceita até os dias atuais.

No Brasil, temos a figura de Ana Neri, baiana que se habilitou a cuidar de


enfermos na Guerra do Paraguai, onde foi reconhecida pelos trabalhos realizados.

Percebemos a mesma influência político-religiosa e social no


desenvolvimento das escolas de formação de enfermeiros, que no Brasil
estiveram sempre ligadas à necessidade de mão de obra para os hospitais,
iniciando com serviços de psiquiatria e, posteriormente, recebendo influência
americana da Fundação Rockfeller na Escola Ana Neri. Impulsionada por
epidemias de doenças e pela necessidade de implantar controles sobre as
doenças, as escolas têm intensa proposta preventiva, apesar de o ensino
prático se dar exclusivamente em hospitais.
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Unidade I

Exercícios

Questão 1. (INSTITUTO AOCP, 2015) Foi fundada em 12 de agosto de 1926, é uma sociedade civil
com personalidade jurídica que congrega enfermeiro, obstetrizes, técnicos e auxiliares de enfermagem
e estudantes dos cursos de graduação e de educação profissional de nível técnico a que ela se associa
individual e livremente. O enunciado refere-se:

A) à ABEn.

B) ao Conselho Federal de Enfermagem (Cofen).

C) ao Conselho Regional de Enfermagem (Coren).

D) à Lei Orgânica número 8.080.

E) ao Conselho de Ética de Enfermagem.

Resposta correta: alternativa A.

Análise das alternativas

A) Alternativa correta.

Justificativa: em 1926, as primeiras enfermeiras formadas pela Escola de Enfermeiras do


Departamento Nacional de Saúde Pública, atual Escola de Enfermagem Anna Nery, no Rio de
Janeiro, criaram a Associação Nacional de Enfermeiras Diplomadas. Manteve esse nome até 1928,
quando passou a ser dominada de Associação Nacional de Enfermeiras Diplomadas, quando, então,
foi registrada juridicamente. Em 1954, Associação passou a denominar-se Associação Brasileira de
Enfermagem (ABEn), mantendo-se com esse nome até a atualidade.

B) Alternativa incorreta.

Justificativa: o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) e os seus respectivos Conselhos Regionais


(Corens) foram criados em 12 de julho de 1973, por meio da Lei nº 5.905. Juntos, formam o Sistema
Cofen/Conselhos Regionais.

C) Alternativa incorreta.

Justificativa: em 1973 foi sancionada a Lei nº 5.905, dispondo sobre a criação dos Conselhos Federal
e Regionais de Enfermagem (Cofen e Corens) e conceituando-os como autarquias de fiscalização
profissional, vinculados ao Ministério do Trabalho, por força das normas dos Decretos nº 60.900/69
e 74.000/74.

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FUNDAMENTOS HISTÓRICOS DE ENFERMAGEM

D) Alternativa incorreta.

Justificativa: a Lei Orgânica da Saúde, sancionada em 1990, regula as ações e serviços de saúde em
todo o território nacional e estabelece, entre outras coisas, os princípios, as diretrizes e os objetivos do
Sistema Único de Saúde (SUS).

E) Alternativa incorreta.

Justificativa: o Conselho Regional de Enfermagem entra em vigor a partir de 12 de maio de 2007,


correspondendo a 90 (noventa) dias após sua publicação, revogando a Resolução Cofen nº 240/2000.

Questão 2. (IDHTEC, 2016) Quanto à história da enfermagem no Brasil, é incorreto afirmar:

A) No Brasil, a organização da enfermagem começou no período colonial estendendo-se até o século


XIX, quando os cuidados aos doentes eram exercidos principalmente pelos escravos auxiliados
pelos jesuítas.

B) As ervas medicinais eram a base do tratamento terapêutico.

C) A primeira casa de misericórdia foi inaugurada, dentro dos padrões de Portugal, em 1543.

D) Wanda Horta foi nome de destaque no período do império.

E) A primeira escola de enfermagem no Brasil foi implantada no Hospital Nacional de Alienados.

Resolução desta questão na plataforma.

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