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Artigo inédito.
Como citar: SANTOS, Alberto Marques dos. Argumentação jurídica: os melhores e os
piores argumentos na retórica forense. Disponível em:
<http://albertodossantos.wordpress.com/artigos-juridicos/argumentacao-forense/>.
Acesso em: (colocar a data de hoje).
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ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA:
os melhores e os piores argumentos na retórica forense
Apesar disso, a argumentação é uma arte perdida, para os juristas. Desde Aristóteles, ou
seja, desde 2.300 anos atrás, a retórica (ciência que estuda a argumentação) é um setor
de estudo amplo, bem examinado, sobre qual muito se escreveu. Na idade clássica e no
período medieval os advogados se formavam estudando, basicamente, a retórica: o
domínio da retórica era o principal tema de estudo dos futuros advogados. Hoje em dia,
contudo, o direito positivo se tornou vasto e intrincado. O amplo domínio do
juspositivismo no pensamento jurídico, durante um largo período, aliado a essa
hipertrofia da lei escrita, levaram à reformulação do ensino jurídico. Hoje formam-se
advogados que estudam, praticamente, só direito positivo. Hoje, só estudam retórica os
filósofos.
Desde uma primeira vista a lógica que é adequada à matemática, e às demais ciências
suscetíveis de demonstração, não é a adequada para o fenômeno jurídico. Na aplicação
do direito um raciocínio assim exato é impossível. Imagine-se o exemplo do artigo 121
do código penal. Ali vem prevista a pena mínima de seis, e a máxima de vinte anos,
para o crime de homicídio. Mas não há nem nunca haverá dois homicídios iguais.
Sabendo-se que A matou B, qual a pena aplicável? Seis anos? Vinte anos? Se A matou
com dois tiros a pena pode ser uma, e se matou com 22 facadas a pena deve ser outra.
Se a vítima deixou 8 filhos menores na miséria a pena deve ser diferente da que caberia
quando a vítima não deixou filhos. Um homicídio impulsivo, no calor de discussão, não
merece a mesma pena no assassinato longamente premeditado. E assim por diante.
Podemos dizer, simbolicamente, que no Direito nunca há 2 mais 2, nunca há duas
contas iguais. Cada caso é um fragmento da vida humana, e esses fragmentos, por mais
parecidos que sejam, não são nunca exatamente idênticos.
Todavia, por mais correto que seja o silogismo, sabemos que sua conclusão não satisfaz.
Pode ser perfeita do ponto de vista da lógica formal, mas é absurda do ponto de vista do
Direito.
Por não se submeter aos esquemas e fórmulas da lógica formal o Direito não deixa de
ser um universo lógico. A interpretação e aplicação da norma jurídica são realizadas
através da razão, e, por isso, são também trabalho racional. Logo, é um trabalho regido
pela lógica.
Com base nos ensinamentos de Aristóteles, Chaim Perelman, um dos mais conceituados
estudiosos modernos desse tema, demonstra que a lógica não se esgota na lógica formal:
a lógica formal é uma espécie do gênero lógica, e pode e deve haver outras espécies de
lógica. O fenômeno jurídico é entendido e explicado a partir de uma lógica dialética.
Como foi dito, a mente humana, habituada a pensar logicamente, sente-se “confortável”
com a apresentação de argumentos que seguem a “arrumação” tradicional da lógica.
Logo, apresentar os argumentos (que não são demonstrações) sob a aparência de
demonstrações, como no exemplo acima, é um recurso retórico válido, eficiente e muito
comum.
Em termos miúdos, o que se disse é que o ponto de partida de toda argumentação tem
que ser uma premissa que se sabe, de antemão, que o interlocutor aceita. Só é possível
convencer alguém a respeito da nossa tese se pudermos sustentar a nossa tese com base
nas “verdades” que o interlocutor aceita.
Imaginemos, por exemplo, que quero convencer um juiz a absolver meu cliente acusado
de furto. Poderia começar meu argumento dizendo “todo ladrão é uma vítima da
sociedade”. Mas minhas chances de sucesso nessa linha argumentativa seriam
reduzidas, porque a premissa, o ponto de partida que escolhi, é uma afirmação altamente
controvertida, discutível, para não dizer minoritária. Por outro lado, poderá começar
meu argumento dizendo “na dúvida decide-se a favor do réu”. Aqui, minhas chances
aumentam. Porque é sabido que toda a comunidade jurídica aceita essa afirmação (in
dubio pro reo) como uma “verdade”. E estarei, a partir daí, desenvolvendo uma tese que
se apóia num ponto com o qual já sei, previamente, que meu interlocutor concordará.
Voltamos, aqui, às chamadas ‘armas lícitas’ no debate judicial. O advogado pode tentar
convencer o juiz a aceitar uma tese francamente minoritária, assim como o juiz pode, na
sua decisão, adotar um entendimento novo, contrário à jurisprudência dominante e toda
a doutrina. Mas ambos precisam fundamentar esse novo entendimento em premissas
aceitas pelo auditório. Não posso, ao sustentar minha tese minoritária, argumentar que
toda a maioria está errada porque “minha superior intuição do senso do justo indica
isso”, ou porque “o tarô me apontou a solução correta”. Preciso fundamentar essa tese
escoteira em fundamentos aceitos pelo auditório. O silogismo tem que tomar como
premissa uma proposição que se sabe admitida pelo interlocutor
São exemplos de fatos e verdades que podem fundar bons argumentos: (a) o texto literal
da lei, (b) uma interpretação pacífica da norma, (c) as leis das ciências físico-naturais,
(d) as regras da experiência, (e) os fatos notórios e (f) os fatos incontroversos.
Não há nada de errado com o argumento de autoridade, de per si. O universo jurídico é
construído sobre convenções e tradições, e o jurista, mais que qualquer outro estudioso,
é apegado aos seus dogmas. O problema com o argumento de autoridade está em que
muitos o consideram como um alvará-para-não-pensar, um salvo-conduto para aceitar,
defender e adotar teses com base apenas no prestígio ou número dos seus defensores,
sem indagar se essas teses resistem a uma análise racional. Da jurisprudência já se disse
que é “um travesseiro ilusório e cômodo”, metáfora felicíssima da lavra do eminente
Ministro Carlos Maximiliano. Com efeito, muitas vezes a jurisprudência e a doutrina
ditas “dominantes” têm servido apenas como pretexto para que os aplicadores do
Direito se considerem dispensados do dever de pensar.
A fortiori significa “com razão mais forte” [Nunes]. O argumento a fortiori pode sempre
ser resumido numa fórmula como esta: se a solução X é adequada para o caso Y, com
maior razão deve ser também adequada para o caso Z, que é uma forma mais grave (ou
mais evidente, ou mais ampla, ou mais intensa, ou maior) de X.
Esse argumento parte da premissa de que a solução ou regra aplicável ao todo é também
aplicável às suas partes. Busca, assim, demonstrar que a hipótese-proposta é parte,
fragmento, excerto, fração ou forma menor da hipótese-paradigma, cuja solução se sabe
previamente aceita pelo auditório. Ou, em outras palavras, o argumento a majori ad
minus defende que a regra que impõe ou exige o mais também exige ou impõe o menos.
É, também, um argumento axiológico. Para alguns, é subespécie do gênero a fortiori.
Não há, mesmo, como não reconhecer a similitude entre este argumento e o a minori ad
majus: são como duas faces da mesma moeda, porque usam a mesma forma de
raciocínio, partindo de pontos opostos (o menor ou o maior).
Argumenta ex concessis quem limita a validade de uma tese aos fatos que reconhece ou
àquilo que está disposto a ceder. Trata-se de conceder parte de razão à tese contrária,
como ponto de partida para sustentar a própria tese.
P.ex.: “é fato que o réu furtou, mas o furto foi de pequeno valor e …”; ou “ainda que
tivesse furtado, o que se admite ex concessis, a qualificadora do rompimento de
obstáculo não está comprovada”; “matou, sim, mas em legítima defesa”; “emitiu, sim, o
cheque de fls., para como garantia de uma dívida inflada por juros abusivos de
agiotagem”.
I. Conclusão irrelevante.
P.ex.: o latrocínio é um dos crimes mais horrendos e repugnantes que há. Um latrocida é
sempre alguém perigoso e degenerado. Aqui, a pobre vítima deixou na orfandade 16
rebentos. Demais disso, o réu registra extensa folha de antecedentes. Por isso, o réu
deve ser condenado.
Esse sofisma é muito freqüente na retórica forense. A enunciação da tese começa com
uma afirmação (como a do exemplo, “o réu agiu em legítima defesa”), seguida de
páginas e páginas de citações de doutrina e jurisprudência, e nenhuma referência a
provas que amparem a afirmação inicial. Por isso dizemos sempre: fundamentar não é
citar, copiar e transcrever; é falar do caso, dos fatos e das provas.
Voltando à alegoria da “parede”, aqui o tijolo X é sustentado pelo tijolo Y, que por sua
vez é sustentado pelo tijolo X. P.ex.: “porque o réu subtraiu a moto? Para fugir dos seus
perseguidores e salvar-se. Porque estava sendo perseguido? Porque subtraiu a moto”.
P.ex.: evidente que o réu foi autor dos furtos de que fala a denúncia. Note-se que o réu
começou a trabalhar na casa da vítima em 23-12-99 (fls. 55). O primeiro furto aconteceu
em 25-12-99. Antes nada tinha sido furtado. Todos os furtos aconteceram depois que o
réu tornou-se empregado da vítima. Portanto, o réu é o ladrão.
V. Causa comum.
Dá-se quando dois fatos relacionados entre si são tomados como sendo um causa do
outro, sem considerar que ambos são efeitos de um terceiro fato. Toma-se um
conseqüente como causa de outro conseqüente, ignorando o antecedente que é causa de
ambos.
Há sofisma de causa comum quando o réu alega, p.ex.: “a causa do acidente foi a
conduta tresloucada da vítima, que lançou seu carro para o acostamento, e perdeu o
controle do conduzido, batendo no barranco”, quando, na verdade, a vítima saiu para o
acostamento para desviar do réu, que forçava uma ultrapassagem na curva. O desvio da
vítima para o acostamento e a colisão no barranco são efeitos da invasão da contramão
pelo réu.
VII. Acidente.
P.ex.: “o princípio in dubio pro reo ampara o acusado. Ele afirmou que um outro carro
lhe deu uma “fechada”, e por isso teve que sair da pista. A Promotoria não conseguiu
provar o contrário. Nenhuma testemunha presencial foi achada. Assim, tem que
prevalecer, na ausência de prova contrária, na dúvida, a afirmação do réu”. Há aqui
aplicação da regra geral – a Acusação tem o ônus da prova – ignorando a exceção: é da
Defesa o ônus de provar as teses defensivas (as afirmações do réu).
VIII. Ad hominem.
Toda vez que se postula a condenação de um réu com base nos seus maus antecedentes,
argumenta-se ad hominem. Da mesma forma, quando se sustenta a inocência de alguém
com base no seu passado imaculado e boa conduta familiar e profissional está-se
recorrendo ao argumento ad hominem. A tese – culpa ou inocência – é deixada em
segundo plano, enquanto se discutem qualidades da pessoa, que não são relacionadas
com a tese.
IX. Ad baculum.
X. Apelo à ignorância.
Ou argumento ad misericordiam. Sustenta uma tese com base num apelo à caridade do
auditório. Não busca convencer racionalmente, mas chantagear emocionalmente o
interlocutor, para que adira a uma tese não sustentada pela razão. É freqüente no foro.
P.ex.: se este réu foi para a cadeia, seus seis filhos e esposa ficarão na miséria. Condenar
este pobre coitado é condenar uma família a morrer à míngua!
XII. Equívoco.
XIII. Ad crumenan.