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Argumentação forense

Artigo inédito.
Como citar: SANTOS, Alberto Marques dos. Argumentação jurídica: os melhores e os
piores argumentos na retórica forense. Disponível em:
<http://albertodossantos.wordpress.com/artigos-juridicos/argumentacao-forense/>.
Acesso em: (colocar a data de hoje).
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ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA:
os melhores e os piores argumentos na retórica forense

Alberto Marques dos Santos

§ 1º. Porque estudar argumentação?

Advogados, juízes e promotores de justiça ganham a vida argumentando. Argumentar é


o que fazem o tempo todo. É nisso, em argumentar, que consiste o seu trabalho. O
argumento é, para esses profissionais do Direito, a ferramenta número um. De modo que
se pode estabelecer a diferença entre o bom e o mau profissional do Direito avaliando a
sua capacidade maior ou menor de argumentar convincentemente. O bom advogado é
aquele que sabe argumentar convincentemente. Advogar consiste, em grande parte, em
convencer os juízes. E convencer depende de argumentar com eficácia. Por outra, nos
dias atuais a advocacia é, cada vez mais, a arte de conseguir bons acordos. E bons
acordos só se conseguem com bons argumentos.

Apesar disso, a argumentação é uma arte perdida, para os juristas. Desde Aristóteles, ou
seja, desde 2.300 anos atrás, a retórica (ciência que estuda a argumentação) é um setor
de estudo amplo, bem examinado, sobre qual muito se escreveu. Na idade clássica e no
período medieval os advogados se formavam estudando, basicamente, a retórica: o
domínio da retórica era o principal tema de estudo dos futuros advogados. Hoje em dia,
contudo, o direito positivo se tornou vasto e intrincado. O amplo domínio do
juspositivismo no pensamento jurídico, durante um largo período, aliado a essa
hipertrofia da lei escrita, levaram à reformulação do ensino jurídico. Hoje formam-se
advogados que estudam, praticamente, só direito positivo. Hoje, só estudam retórica os
filósofos.

Uma das conseqüências desse “aleijamento” do ensino jurídico é a formação de


profissionais do direito intelectualmente “aleijados”: conhecem bem o direito escrito,
mas não conseguem traduzir esse conhecimento de forma a obter o resultado necessário
para o sucesso profissional. E o resultado esperado,no trabalho jurídico, é sempre o
mesmo: convencer alguém de que eu estou com a razão.

Argumentar, portanto, consiste em que? Consiste em expor idéias de forma convincente,


ou seja, de forma a conquistar a adesão do interlocutor – aquele a quem o discurso é
dirigido – para a idéia do orador. Argumentar é obter com palavras a adesão de outro à
minha idéia.
Ao contrário do que pode parecer ao leigo, o interlocutor não adere a uma idéia porque
esta é verdadeira, ou certa, nem a rejeita por ser falsa ou errada. Vamos supor, por
exemplo, dois advogados adversários tentando convencer um juiz. Cada um dos
advogados diz ao juiz que sua tese é a verdadeira, a certa. O juiz só pode escolher uma
delas. E a escolhe, não porque é verdadeira e certa, mas porque foi exposta de maneira
mais convincente. Os estudos de Chaim Perelman, e outros pensadores modernos,
mostram que no universo do Direito não vigora a lógica formal, que é apropriada às
ciências naturais, onde se raciocina com conceitos de certo e errado, verdadeiro e falso.
No mundo jurídico não há argumentação certa nem argumentação errada: há
argumentação que funciona, que convence, e outra que não funciona, que não convence.

§ 2º. Porque a lógica formal não explica o Direito?

Ocorre que a chamada lógica formal é toda idealizada no sentido da demonstração. É


uma lógica demonstrativa. Chamamos demonstração a apresentação de um conceito ou
idéia suscetível de comprovação prática, imutável e exata. Quando digo que a
composição química da água é H2O, posso demonstrar isso: demonstrar é provar, mas
não provar no sentido que em Direito aceitamos, e sim provar de maneira
incontrastável, inflexível, invariável. Água, sempre e em qualquer lugar e tempo, é
H2O, assim como 2 mais 2 serão sempre 4, em qualquer tempo e lugar.

Desde uma primeira vista a lógica que é adequada à matemática, e às demais ciências
suscetíveis de demonstração, não é a adequada para o fenômeno jurídico. Na aplicação
do direito um raciocínio assim exato é impossível. Imagine-se o exemplo do artigo 121
do código penal. Ali vem prevista a pena mínima de seis, e a máxima de vinte anos,
para o crime de homicídio. Mas não há nem nunca haverá dois homicídios iguais.
Sabendo-se que A matou B, qual a pena aplicável? Seis anos? Vinte anos? Se A matou
com dois tiros a pena pode ser uma, e se matou com 22 facadas a pena deve ser outra.
Se a vítima deixou 8 filhos menores na miséria a pena deve ser diferente da que caberia
quando a vítima não deixou filhos. Um homicídio impulsivo, no calor de discussão, não
merece a mesma pena no assassinato longamente premeditado. E assim por diante.
Podemos dizer, simbolicamente, que no Direito nunca há 2 mais 2, nunca há duas
contas iguais. Cada caso é um fragmento da vida humana, e esses fragmentos, por mais
parecidos que sejam, não são nunca exatamente idênticos.

Ou seja, no universo jurídico, o cálculo (A matou B) leva a um resultado variável, em


função de fatores subjetivos, altamente controversíveis, inexatos. É justamente por isso
que a ciência pôde inventar máquinas capazes de realizar cálculos – cujo instrumento é
uma lógica exata e invariável – , mas não pôde inventar máquinas capazes de interpretar
a lei. Confirmação clara de que interpretar a lei pressupõe um tipo de ‘cálculo’ que não
pode ser reproduzido por um sistema mecânico, porque não é mecânico, não é
absolutamente ‘lógico’, nesse sentido de ‘adequado à lógica formal’: um cálculo
envolvendo valores.

Enquanto nas ciências exatas raciocina-se em termos de certo ou errado, no Direito


esses conceitos são inviáveis ou, pelo menos, impróprios. É claro que posso dizer que
matar alguém é errado, e dirigir a 80 km/h. na estrada é certo. Mas, como visto acima,
nenhum homicídio é igual a outro, de forma que há homicídios mais errados, e outros
menos errados, e mesmo alguns homicídios certos – no sentido de autorizados, como no
caso da legítima defesa. Assim como dirigir a 80 km/h. debaixo de neblina e chuva, à
noite, quando há crianças na beira da pista, pode não ser certo, mas errado. Há, pois, no
mundo do Direito, uma infindável escala de matizes entre o certo e o errado, e mesmo o
certo e o errado admitem nuanças, levando a conseqüências jurídicas diversas.

A diferença advém do fato de estar o universo jurídico impregnado de valores. O


Direito, ensinou Reale, é uma estrutura tridimensional: norma, fato e valor são as três
dimensões. A norma, essa sim, é estática: um papel com letras por cima. Os fatos e os
valores, contudo, esses são cambiantes. Os valores variam de pessoa para pessoa, de
lugar para lugar, de época para época. Basta pensar naqueles nossos exemplos surrados,
do ato obsceno e da mulher honesta, para ter uma idéias dessa variação dos valores.
Quanto aos fatos, eles mudam, e o mundo muda com eles. Por isso que o Código Penal
feito para o pacato Brasil rural dos anos 40 não satisfaz esse Brasil urbano e industrial
de 2001, onde traficantes lacram favelas com portões e câmeras de segurança. Ademais,
enquanto os fatos com que lida a ciência físico-natural são estáticos (2 é sempre 2,
hidrogênio é sempre hidrogênio) os fatos no mundo do Direito são sempre fragmentos
únicos do teatro da vida: não há dois absolutamente iguais.

Uma derradeira imagem para demonstrar a ineficiência da lógica formal como


ferramenta para o aplicador do Direito: o caso do urso na estação, uma excelente e
célebre alegoria criada pelo pensador Luis Recasens Siches: na entrada da estação de
trens, uma placa avisa: proibida a entrada de cães. O guarda responsável pela vigilância
da estação, e, pois, pelo cumprimento da norma expressa na placa, vê chegar à estação
dois homens. Um, cego, sendo guiado por seu cão-guia. Outro, artista de circo, trazendo
um urso amestrado numa coleira. Pergunta Siches: fosse você o guarda da estação,
como interpretaria a regra? Deixaria entrar o cão? E o urso? Vamos solucionar o caso
com base num silogismo perfeito do ponto de vista da lógica formal. Ei-lo:

Cachorro não pode entrar

Urso não é cachorro

Logo, urso pode entrar

Todavia, por mais correto que seja o silogismo, sabemos que sua conclusão não satisfaz.
Pode ser perfeita do ponto de vista da lógica formal, mas é absurda do ponto de vista do
Direito.

Enfim, a tentativa juspositivista de transplantar para o mundo do direito os métodos das


ciências naturais e exatas resultou frustrada. A lógica da matemática não serve para o
direito. Assim, de duas uma: ou se reconhece que o Direito é um universo ilógico, ou se
concebe um outro tipo de Lógica para o fenômeno jurídico.

§ 3º. Então o universo jurídico é ilógico?

Por não se submeter aos esquemas e fórmulas da lógica formal o Direito não deixa de
ser um universo lógico. A interpretação e aplicação da norma jurídica são realizadas
através da razão, e, por isso, são também trabalho racional. Logo, é um trabalho regido
pela lógica.
Com base nos ensinamentos de Aristóteles, Chaim Perelman, um dos mais conceituados
estudiosos modernos desse tema, demonstra que a lógica não se esgota na lógica formal:
a lógica formal é uma espécie do gênero lógica, e pode e deve haver outras espécies de
lógica. O fenômeno jurídico é entendido e explicado a partir de uma lógica dialética.

A diferença entre a lógica do Direito e a lógica da física e da química é uma diferença


de método, não de essência. As ciências naturais trabalham com o método da
demonstração: um produto da lógica formal, que labora com um método rígido, um
cálculo realizado por normas pré-estabelecidas, que leva a uma conclusão certa, válida
em qualquer tempo e em qualquer lugar. A demonstração independente de interlocutor:
ela vale por si mesma. É a expressão de uma verdade perene. Já a argumentação é a
forma de raciocínio apropriada para as ciências humanas e sociais, como o Direito, que
lidam com o mundo do provável, do verossímil, do razoável, com o mundo dos valores
e das realidades humanas cambiantes. É produto de uma outra espécie de trabalho
lógico, flexível, que visa conquistar para uma tese ou idéia a adesão de um intelocutor, o
chamado auditório. Leva a um encontro de mentes entre orador e interlocutor, e a uma
adesão sempre provisória à tese exposta, que vale num certo momento e lugar, e pode, à
vista de outra argumentação mais convincente, ser abandonada.

§ 4º. Como funciona essa lógica dialética?

A lógica dialética usa como instrumento a argumentação. Tem dois personagens: o


orador (aquele que apresenta a idéia ou tese) e o auditório (aquele ou aqueles a quem é
dirigido o discurso, e a quem se pretende convencer). Os termos orador e auditório são
usados pelo seu sentido simbólico, porque o discurso pode ser oral ou escrito, e o
auditório pode ser uma pessoa só. Geralmente o auditório do advogado é o juiz, e o
auditório do juiz é composto pelo Tribunal, pelas partes do processo, e pela sociedade
em geral.

O objetivo da lógica dialética é sempre convencer o auditório a aceitar a tese (a idéia)


defendida pelo orador.

O instrumento da lógica dialética é o argumento, ou os argumentos, que são de vários


tipos, como veremos.

As regras básicas da lógica dialética são três, a saber:

I. A lógica dialética imita a forma da lógica formal.

As demonstrações da lógica formal transmitem convicção e fazem parte da experiência


comum. São, por isso, “agradáveis” de ouvir e ler. É por isso que quase sempre a
retórica forense imite a aparência das demonstrações lógico-formais, ou seja, apresenta
suas alegações na forma de silogismos.

Silogismo é o nome que se dá a um argumento composto de duas premissas e uma


conclusão. É a forma clássica da demonstração lógico-formal, e o exemplo mais famoso
é o célebre argumento da mortalidade de Sócrates:

Todo homem é mortal;


Sócrates é homem;

Logo, Sócrates é mortal.

O silogismo é composto de três proposições. As duas primeiras são as premissas, e a


derradeira é a conclusão (identificada pelo termo logo). Das duas premissas, da
combinação delas duas, extrai-se a conclusão. Pois bem, o raciocínio jurídico, que é
dialético, costuma imitar essa “arrumação” de idéias, apresentando argumentos
compostos de premissas e conclusão. Por exemplo:

Quem age em legítima defesa não comete crime;

Sócrates agiu em legítima defesa;

Logo, Sócrates não cometeu crime.

Como foi dito, a mente humana, habituada a pensar logicamente, sente-se “confortável”
com a apresentação de argumentos que seguem a “arrumação” tradicional da lógica.
Logo, apresentar os argumentos (que não são demonstrações) sob a aparência de
demonstrações, como no exemplo acima, é um recurso retórico válido, eficiente e muito
comum.

II. Linguagem comum e recursos aceitos.

A argumentação deve ser compreensível para o auditório, e, portanto, fundada numa


linguagem comum. Não se trata de falar no mesmo idioma. Trata-se de falar no mesmo
jargão que auditório entende e utiliza. Assim, numa retórica judicial, usa-se a linguagem
forense: uma espécie de dialeto que esse auditório específico compreende e utiliza como
língua comum. É contraproducente argumentar, no foro, usando gíria ou linguagem
atécnica.

Por outro lado, a argumentação forense é um “combate com regras”. As normas do


processo, e as do trato social, estabelecem as “armas” que se pode utilizar nessa luta
pelo convencimento. Há argumentos aceitos, e argumentos nao aceitos. Estes últimos
são os sofismas, de que falaremos em breve.

III. O ponto de partida tem que ser firme.

A argumentação deve sempre ser fundada em premissas majoritariamente aceitas pelo


auditório. O orador principia a exposição de sua tese “amarrando-a”em
fatos/teses/verdades que sabe serem unânime ou majoritariamente aceitas pelo auditório,
tornando essas premissas incontroversas o fundamento da sua tese. O orador pode até
propor ao auditório a mudança de seus valores ou pensamentos predominantes, mas não
obterá sucesso sem fundar essa proposta a partir de outros valores/pensamentos também
predominantes no mesmo auditório.

Em termos miúdos, o que se disse é que o ponto de partida de toda argumentação tem
que ser uma premissa que se sabe, de antemão, que o interlocutor aceita. Só é possível
convencer alguém a respeito da nossa tese se pudermos sustentar a nossa tese com base
nas “verdades” que o interlocutor aceita.
Imaginemos, por exemplo, que quero convencer um juiz a absolver meu cliente acusado
de furto. Poderia começar meu argumento dizendo “todo ladrão é uma vítima da
sociedade”. Mas minhas chances de sucesso nessa linha argumentativa seriam
reduzidas, porque a premissa, o ponto de partida que escolhi, é uma afirmação altamente
controvertida, discutível, para não dizer minoritária. Por outro lado, poderá começar
meu argumento dizendo “na dúvida decide-se a favor do réu”. Aqui, minhas chances
aumentam. Porque é sabido que toda a comunidade jurídica aceita essa afirmação (in
dubio pro reo) como uma “verdade”. E estarei, a partir daí, desenvolvendo uma tese que
se apóia num ponto com o qual já sei, previamente, que meu interlocutor concordará.

Voltamos, aqui, às chamadas ‘armas lícitas’ no debate judicial. O advogado pode tentar
convencer o juiz a aceitar uma tese francamente minoritária, assim como o juiz pode, na
sua decisão, adotar um entendimento novo, contrário à jurisprudência dominante e toda
a doutrina. Mas ambos precisam fundamentar esse novo entendimento em premissas
aceitas pelo auditório. Não posso, ao sustentar minha tese minoritária, argumentar que
toda a maioria está errada porque “minha superior intuição do senso do justo indica
isso”, ou porque “o tarô me apontou a solução correta”. Preciso fundamentar essa tese
escoteira em fundamentos aceitos pelo auditório. O silogismo tem que tomar como
premissa uma proposição que se sabe admitida pelo interlocutor

São exemplos de fatos e verdades que podem fundar bons argumentos: (a) o texto literal
da lei, (b) uma interpretação pacífica da norma, (c) as leis das ciências físico-naturais,
(d) as regras da experiência, (e) os fatos notórios e (f) os fatos incontroversos.

§ 5º. Argumentos mais freqüentes na retórica forense

Passamos, agora, a apresentar, de forma resumida, os argumentos usados na retórica


forense. Nesta primeira parte mostramos os argumentos “válidos”: os mais sólidos, os
mais acatados, os que tem maior poder de convencimento. Numa segunda parte, adiante,
falaremos dos sofismas.

I. Argumento de autoridade (ab auctoritatem)

Também chamado de apelo à autoridade ou argumento ad verecundiam. Consiste em


sustentar uma tese com base na adesão ou testemunho de determinada pessoa ou órgão.
O argumento de autoridade consiste em sustentar a validade de uma tese no fato de ter
recebido a adesão de determinada pessoa (ou doutrinador ou autor) ou órgão (um
tribunal). A tese vale porque é apoiada por alguém. P.ex.: “a tese que aqui defendemos é
consagrada pelo douto Damásio de Jesus, e pela Súmula 98 do STF e pela
jurisprudência pacífica”. As insuportáveis ladainhas de acórdãos e excertos de doutrina
que freqüentemente se vê na retórica forense são exemplos de argumentos ad
verecundiam.

O argumento de autoridade funda-se na qualidade ou na quantidade. Na primeira


hipótese, é a respeitabilidade e o prestígio do testemunho invocado que sustenta a
validade da tese. Cita-se, aí, o apoio de um autor de grande renome, ou a opinião do
tribunal mais graduado (STF, STJ, TST, conforme a matéria). Na segunda hipótese a
autoridade invocada é a da maioria: a maioria da doutrina ou a maioria dos precedentes
jurisprudenciais. A enumeração de jurisprudência favorável como forma de argumentar
é uma espécie de argumento de autoridade, e é também conhecida como argumento a
judicato.

O apelo à autoridade é um argumento dos mais criticados, e reconhecido como um


sofisma, em quase todas as áreas do conhecimento. No mundo do Direito, ao contrário,
é ordinariamente aceito, e, provavelmente, o mais usado de todos os argumentos. Tércio
Sampaio Ferraz diz, inclusive, que o argumento de autoridade é o argumento jurídico
por natureza. Há até, infelizmente, quem não conheça nenhum outro e não saiba usar
nenhum outro argumento: esses são os semi-alfabetizados do Direito.

Não há nada de errado com o argumento de autoridade, de per si. O universo jurídico é
construído sobre convenções e tradições, e o jurista, mais que qualquer outro estudioso,
é apegado aos seus dogmas. O problema com o argumento de autoridade está em que
muitos o consideram como um alvará-para-não-pensar, um salvo-conduto para aceitar,
defender e adotar teses com base apenas no prestígio ou número dos seus defensores,
sem indagar se essas teses resistem a uma análise racional. Da jurisprudência já se disse
que é “um travesseiro ilusório e cômodo”, metáfora felicíssima da lavra do eminente
Ministro Carlos Maximiliano. Com efeito, muitas vezes a jurisprudência e a doutrina
ditas “dominantes” têm servido apenas como pretexto para que os aplicadores do
Direito se considerem dispensados do dever de pensar.

II. Argumento a pari

Também chamado de argumento a simile ou a pari ratione. Argumento fundado na


analogia, defende que dois casos merecem a mesma solução porque são similares.
Funda-se no brocardo ubi eadem ratio, ibi eadem dispositio (princípio da semelhança).
É largamente utilizado na retórica forense nos casos em que se sustenta que dois casos
devem ser assimilados porque a ambos se aplica a mesma ratio legis. Tem esteio forte
na regra constitucional da isonomia (duas situações iguais devem receber tratamentos
iguais), e também na interpretação lógica do Direito.

P.ex.: se o casamento entre vítima e agressor extingue a punibilidade do estupro, a pari


ratione a união estável entre ambos deve produzir o mesmo efeito [vide, a respeito,
RSDP 5/38]. Se a instauração de novo processo-crime contra o réu prorroga o prazo do
sursis, a simile deve também prorrogar o prazo da suspensão condicional do processo [a
respeito vide RSDP 10/42]. Se o aborto é lícito na gravidez resultante de estupro, a pari
é também lícito na resultante de atentado violento ao pudor.

III. Argumento a fortiori

Também chamado de argumento a minori ad majus. É um argumento tipicamente


jurídico, de origem latina, e sua melhor expressão talvez esteja no brocardo “quem pode
o mais, pode o menos”. Esse argumento se baseia numa espécie de analogia, semelhante
ao argumento a pari. A diferença está em que não se apontam as duas hipóteses como
simplesmente análogas, mas se afirma que a hipótese proposta é uma forma “maior” da
hipótese paradigma. Assim, o argumento a fortiori trabalha com uma ponderação de
valores, relacionando duas hierarquias: a hipótese-proposta, para a qual se quer a
aceitação do auditório, é dada como uma forma mais “ampla”, “maior”, mais “grave” ou
mais “evidente” da hipótese-paradigma, que se sabe previamente aceita pelo auditório.
Não é, portanto, um argumento puramente lógico, mas sim axiológico (que pondera
valores) [Ferraz].

A fortiori significa “com razão mais forte” [Nunes]. O argumento a fortiori pode sempre
ser resumido numa fórmula como esta: se a solução X é adequada para o caso Y, com
maior razão deve ser também adequada para o caso Z, que é uma forma mais grave (ou
mais evidente, ou mais ampla, ou mais intensa, ou maior) de X.

Do menor se deduz o maior, do menos evidente se deduz o mais evidente. P.ex.: se a


negligência deve ser punida, a fortiori deve ser punido o ato premeditado [Ferraz]. Se a
prova testemunhal foi aceita, a fortiori deve também ser aceita a prova documental
[Nunes]. Se a oferta de contestação na data da audiência do procedimento sumário
afasta a revelia, a fortiori a entrega da contestação em cartório, antes dessa data,
também a afasta [vide, a respeito, nosso artigo em RT 737/127].

Com freqüência se argumenta a fortiori na análise da credibilidade dos testemunhos,


com base na frase bíblica “quem é infiel no pouco, também o é no muito”. P.ex.:
estando demonstrado que a testemunha X mentiu sobre a cor do carro acidentado, a
fortiori também não merece crédito quanto à culpa na causação do acidente.

Para alguns estudiosos o argumento a fortiori seria um gênero, no qual se destacariam


duas espécies: o argumento a minori ad majus (este que acabamos de ver) e o
argumento a majori ad minus (visto a seguir).

IV. Argumento a majori ad minus

Esse argumento parte da premissa de que a solução ou regra aplicável ao todo é também
aplicável às suas partes. Busca, assim, demonstrar que a hipótese-proposta é parte,
fragmento, excerto, fração ou forma menor da hipótese-paradigma, cuja solução se sabe
previamente aceita pelo auditório. Ou, em outras palavras, o argumento a majori ad
minus defende que a regra que impõe ou exige o mais também exige ou impõe o menos.
É, também, um argumento axiológico. Para alguns, é subespécie do gênero a fortiori.
Não há, mesmo, como não reconhecer a similitude entre este argumento e o a minori ad
majus: são como duas faces da mesma moeda, porque usam a mesma forma de
raciocínio, partindo de pontos opostos (o menor ou o maior).

Exemplos de argumentação a majori ad minus: se X foi condenado criminalmente pelo


fato, então também deve responder civilmente pelas conseqüências do fato; se o fiador é
responsável pelo pagamento do principal, então não pode deixar de pagar também os
juros; se o contrato incluía a venda da casa, não há como se excluir do negócio o
equipamento de energia solar que a guarnecia. A regra “o acessório acompanha a sorte
do principal” é boa expressão do argumento em exame.

V. Argumento a contrario sensu

É um argumento tipicamente jurídico. Consiste em concluir que há uma oposição nas


conseqüências com base numa oposição nas hipóteses. Em termos singelos, afirma que,
se a presença da hipótese X leva à conseqüência Y, então a ausência da hipótese X
impede a conseqüência Y. É um aparente truísmo, mas de implicações práticas
importantes.
P.ex.: “se o art. 1º da LCH prevê como hediondo o estupro do art. 213, caput, ou seja, o
estupro com violência real, a contrario sensu não é hediondo o estupro praticado só com
violência presumida”. Outro: “se a posse da cártula pelo devedor faz presumir seu
pagamento, a contrario sensu a posse da promissória pelo credor só pode gerar
presunção de que não foi paga”.

VI. Argumento ab absurdum

O argumento pelo absurdo, também chamado prova pelo absurdo, consiste em


demonstrar a invalidade de uma tese, pressupondo-a verdadeira, e mostrando que sua
aplicação leva a resultados incongruentes, contraditórios, antijurídicos, inadmissíveis:
absurdos, enfim. Trata-se de demonstrar a falsidade de uma afirmação ou a invalidade
de uma idéia mostrando que seus efeitos, desdobramentos ou aplicações práticas
contradizem essa mesma idéia, ou conduzem ao impossível, ao inadmissível ou ao
antinômico. No campo hermenêutico usa-se o argumento pelo absurdo para mostrar que
a aceitação de uma certa interpretação da norma levaria a) a contrariar o fim visado pela
mesma norma, ou b) a contradizer norma hierarquicamente superior, ou c) à antinomia
entre a norma interpretada e o sistema em que está inserida, ou d) a uma
inconstitucionalidade, etc..

Pratica-se a prova pelo absurdo aceitando, provisoriamente – ad argumentandum


tantum, como alguns gostam de dizer –, a tese que se quer combater, e desenvolvendo-a
até demonstrar seus efeitos absurdos.

Alguns exemplos de argumentos ab absurdum: “A prevalecer a tese da Defesa, de que


sem perícia de prestabilidade não se reconhece a qualificadora do art. 157, § 2º, I, a
referida qualificadora jamais será aplicada. É que semelhante entendimento coloca nas
mãos do assaltante a escolha entre querer responder por roubo qualificado ou por roubo
simples. Bastará ao meliante esconder a arma, e jamais a qualificadora será aplicada.
Assim, provada ab absurdum, a tese da Defesa deixa a incidência da qualificadora ao
arbítrio do marginal e faz letra morta do art. 157, § 2º, I”. “Se a eliminação do prejuízo,
pela recuperação da res após a consumação, justificasse a aplicação do privilégio do art.
155, § 1°, então todo furto tentado seria privilegiado, já que nele sempre a res é
recuperada”.

VII. Argumento ex concessis

Argumenta ex concessis quem limita a validade de uma tese aos fatos que reconhece ou
àquilo que está disposto a ceder. Trata-se de conceder parte de razão à tese contrária,
como ponto de partida para sustentar a própria tese.

P.ex.: “é fato que o réu furtou, mas o furto foi de pequeno valor e …”; ou “ainda que
tivesse furtado, o que se admite ex concessis, a qualificadora do rompimento de
obstáculo não está comprovada”; “matou, sim, mas em legítima defesa”; “emitiu, sim, o
cheque de fls., para como garantia de uma dívida inflada por juros abusivos de
agiotagem”.

VIII. Argumento a posteriori


Também chamado per efectum ou ab effectis. Essa argumentação propõe comprovar a
validade de uma tese pelas conseqüências da sua aplicação. Remonta das conseqüências
conhecidas aos princípios ou causas eventualmente desconhecidas. P.ex.: as estatísticas
demonstram que a criminalidade dita hedionda não diminuiu, e, pelo contrário,
aumentou, depois da Lei 8072; logo, per efectum se percebe que a imposição de penas
cruéis não reduz a criminalidade. O réu é acusado de ter praticado um estelionato
milionário contra o erário público, mas hoje, seis anos depois, é um homem pobre, sem
nenhum patrimônio, a ser defendido dativamente: logo, ab effectis se percebe que não
pode ter praticado aquele crime, porque se o tivesse feito seria rico.

IX. Argumento a priori

Também chamado de argumento a causa. É o método oposto ao argumento a posteriori.


Parte das causas para os efeitos, baseado na razão, na razoabilidade. É um raciocínio
dedutivo, que parte do geral (a regra ou hipótese abstrata) para o particular (o caso
concreto, ou os efeitos). P.ex.: X é o mais provável suspeito da morte de Y, porque é o
único que tinha motivos para querê-lo morto.

§ 6º. Sofismas (ou: o que nunca se deve fazer!)

Sofismas ou falácias são raciocínios que pretendem demonstrar como verdadeiros


argumentos que são logicamente inválidos [Bastos]. Um sofisma é, assim, um erro
lógico, um defeito de lógica num argumento. Vamos estudar os mais comuns. Lembre-
se que se um argumento – seu, ou alheio – incide num sofisma, é um argumento
inválido. Por isso, passe pelo “filtro anti-sofismas” também os seus argumentos, antes
de publicá-los.

I. Conclusão irrelevante.

O sofisma de conclusão irrelevante (ou ignoratio elenchi) busca iludir o interlocutor


apresentando uma conclusão que não é, de modo algum, decorrente das premissas
apresentadas. As premissas não sustentam a conclusão, que não decorre logicamente
daquelas, ou não está com elas relacionada. Há uma utilização de “inteligência confusa”
para confundir o auditório. As premissas podem até ser verdadeiras, mas não levam à
conclusão proposta pelo orador.

P.ex.: o latrocínio é um dos crimes mais horrendos e repugnantes que há. Um latrocida é
sempre alguém perigoso e degenerado. Aqui, a pobre vítima deixou na orfandade 16
rebentos. Demais disso, o réu registra extensa folha de antecedentes. Por isso, o réu
deve ser condenado.

II. Petição de princípio.

Ocorre o sofisma de petição de princípio (sin.: petitio principii) quando o orador


pressupõe como certo exatamente aquilo que deveria demonstrar. Faz-se um raciocínio
saindo de um ponto de partida quando o que se quer provar é justamente esse ponto de
partida. Pensando no silogismo como se fosse uma parede, o argumento eivado pela
petição de princípio é como um tijolo assentado sobre mesmo.
P.ex.: o réu agiu em legítima defesa ao ser agredido pela vítima. A lei diz que o
homicídio em legítima defesa não é crime. Quando uma pessoa agride a outra,
injustamente, a lei não obriga o agredido a fugir ou se acovardar. Dá-lhe, ao contrário, o
direito a uma reação. Porque o réu, uma vez agredido, deveria deixar a vítima tirar-lhe a
vida? A lei não o obrigava a isso. Logo, o réu agiu em legítima defesa.

Esse sofisma é muito freqüente na retórica forense. A enunciação da tese começa com
uma afirmação (como a do exemplo, “o réu agiu em legítima defesa”), seguida de
páginas e páginas de citações de doutrina e jurisprudência, e nenhuma referência a
provas que amparem a afirmação inicial. Por isso dizemos sempre: fundamentar não é
citar, copiar e transcrever; é falar do caso, dos fatos e das provas.

III. Círculo vicioso.

O ponto de partida (a premissa) e a conclusão são apoiados um no outro, formando um


círculo entre duas afirmações não demonstradas. A afirmação X é sustentada pela
afirmação Y, que, por sua vez, só é sustentada pela afirmação X.

Voltando à alegoria da “parede”, aqui o tijolo X é sustentado pelo tijolo Y, que por sua
vez é sustentado pelo tijolo X. P.ex.: “porque o réu subtraiu a moto? Para fugir dos seus
perseguidores e salvar-se. Porque estava sendo perseguido? Porque subtraiu a moto”.

IV. Falsa causa.

Consiste em apontar um fenômeno como causa de outro, apenas porque o antecedeu.


Atribui causalidade a aquilo que é mera sucessão. Por isso é chamado em latim de post
hoc ergo propter hoc: depois disso, então, por causa disso. Não se apura o nexo de
causalidade, e se afirma a relação causa-efeito apenas com base na sucessão cronológica
dos fatos.

P.ex.: evidente que o réu foi autor dos furtos de que fala a denúncia. Note-se que o réu
começou a trabalhar na casa da vítima em 23-12-99 (fls. 55). O primeiro furto aconteceu
em 25-12-99. Antes nada tinha sido furtado. Todos os furtos aconteceram depois que o
réu tornou-se empregado da vítima. Portanto, o réu é o ladrão.

V. Causa comum.

Dá-se quando dois fatos relacionados entre si são tomados como sendo um causa do
outro, sem considerar que ambos são efeitos de um terceiro fato. Toma-se um
conseqüente como causa de outro conseqüente, ignorando o antecedente que é causa de
ambos.

Há sofisma de causa comum quando o réu alega, p.ex.: “a causa do acidente foi a
conduta tresloucada da vítima, que lançou seu carro para o acostamento, e perdeu o
controle do conduzido, batendo no barranco”, quando, na verdade, a vítima saiu para o
acostamento para desviar do réu, que forçava uma ultrapassagem na curva. O desvio da
vítima para o acostamento e a colisão no barranco são efeitos da invasão da contramão
pelo réu.

VI. Generalização apressada.


Também chamado de sofisma de enumeração imperfeita ou de indução viciosa.
Consiste em se atribuir ao todo o que é próprio da parte, em considerar como regra o
que é exceção. Acontece quando se estende a conclusão da observação de um caso a
outros casos que não são semelhantes.

Os preconceitos são, em geral, casos de generalização apressada. Os argumentos que se


fundam em idéias como “louras são burras”, “homens são infiéis”, “mulheres falam
demais”, “judeus são sovinas”, “favelado é bandido”, etc., são todos casos de indução
viciosa. Há sofisma de enumeração imperfeita quando se diz, p.ex.: “o réu mora na
favela do Ribamar. Todos os dias há furtos ou mortes nessa favela. Sabe-se que quase
todos os marginais da cidade se escondem lá. Portanto, os moradores daquele local são
pessoas perigosas e de má índole”. Há também generalização apressada quando se faz
uso inconseqüente de estatísticas, como p.ex.: “as pesquisas mostram que 73% dos
acidentes de trânsito acontecem por embriaguez ao volante, de forma que há uma
chance de 73% de que o réu, causador do acidente, estivesse bêbado”.

VII. Acidente.

Consiste em aplicar a um caso particular regras gerais, sem considerar as peculiaridades


que tornam o caso excepcional. Nesse sofisma chega-se a uma conclusão baseada em
regras gerais, sem levar em consideração as exceções a que essa regra não se aplica.

P.ex.: “o princípio in dubio pro reo ampara o acusado. Ele afirmou que um outro carro
lhe deu uma “fechada”, e por isso teve que sair da pista. A Promotoria não conseguiu
provar o contrário. Nenhuma testemunha presencial foi achada. Assim, tem que
prevalecer, na ausência de prova contrária, na dúvida, a afirmação do réu”. Há aqui
aplicação da regra geral – a Acusação tem o ônus da prova – ignorando a exceção: é da
Defesa o ônus de provar as teses defensivas (as afirmações do réu).

VIII. Ad hominem.

A expressão latina significa, literalmente, contra o homem. Incide no sofisma ad


hominem o argumento que repele a tese-idéia-argumento de outro, com base em
qualidades ou condições especiais dessa pessoa, sem considerar as validade ou
invalidade do seu argumento. Ao invés de se enfrentar o argumento do adversário,
ataca-se a pessoa do adversário. Ataca-se o homem e não a idéia. Ou, por outro lado, há
sofisma ad hominem quando se pretende sustentar a própria tese com base nos
predicados e respeitabilidade do orador, e não na razoabilidade da tese mesma. Busca-
se, em suma, convencer o auditório não pela força das idéias, mas pela simpatia ou
antipatia por quem as defende ou representa. Assim, argumenta ad hominem quem
busca desqualificar a tese adversária fazendo ataques pessoais ao caráter do opositor. E
também argumenta ad hominem quem sustenta a validade de sua tese escorando-a na
própria honorabilidade ou respeitabilidade, ou na respeitabilidade de outros seus
defensores (espécie de argumento ab auctoritatem). Esse argumento é o mais freqüente,
lamentavelmente, na retórica política.

Toda vez que se postula a condenação de um réu com base nos seus maus antecedentes,
argumenta-se ad hominem. Da mesma forma, quando se sustenta a inocência de alguém
com base no seu passado imaculado e boa conduta familiar e profissional está-se
recorrendo ao argumento ad hominem. A tese – culpa ou inocência – é deixada em
segundo plano, enquanto se discutem qualidades da pessoa, que não são relacionadas
com a tese.

IX. Ad baculum.

Também chamado argumento baculino ou baculinum, ou recurso à força. Consiste em


utilizar a força, ou a ameaça, velada ou direta, do emprego da força, para fazer
prevalecer seus argumentos. Força, aqui, não significa necessariamente força física ou
violência. Fala-se de argumento ad baculum toda vez que o orador busca intimidar o
interlocutor e obter sua adesão pelo medo. Pode significar o uso da força física, ou
econômica, ou algum tipo de chantagem, p.ex..

Há o emprego do argumento baculino quando o patrão lembra aos empregados que


pleiteiam aumento o fato de que há desempregados que aceitariam de bom grado suas
vagas. Há emprego do argumento baculino quando uma das partes lembra ao juiz que,
tomando esta ou aquela decisão, incorrerá na ira da imprensa e da população.

X. Apelo à ignorância.

Ou argumento ad ignorantiam. Consiste em sustentar a veracidade de uma tese apenas


no fato de que o contrário não foi comprovado. Representa uma falácia grave em quase
todas as ciências. No Direito, contudo, freqüentemente é um argumento legítimo.
Legitima-se em duas situações: uma, quando a tese que se sustenta é amparada por uma
presunção relativa, de sorte que vale até existir prova em contrário. A outra: quando o
ônus da prova pertence a uma das partes, que dela não se desincumbe, é legítimo à outra
parte argumentar ad ignorantiam.

Exemplos de presunções relativas são numerosos, e o maior de todos talvez seja a


presunção constitucional de inocência do réu no processo-crime. À Defesa, no processo-
crime, o mais das vezes é legítimo argumentar ad ignorantiam. Em relação ao ônus da
prova, o argumento ad ignorantiam é falacioso quando empregado por quem tinha o
ônus de provar. Assim, saber se o argumento ad ignorantiam, no caso concreto, é válido
ou falacioso importa em analisar a matéria do ônus da prova.

XI. Apelo à piedade.

Ou argumento ad misericordiam. Sustenta uma tese com base num apelo à caridade do
auditório. Não busca convencer racionalmente, mas chantagear emocionalmente o
interlocutor, para que adira a uma tese não sustentada pela razão. É freqüente no foro.
P.ex.: se este réu foi para a cadeia, seus seis filhos e esposa ficarão na miséria. Condenar
este pobre coitado é condenar uma família a morrer à míngua!

XII. Equívoco.

Consiste em empregar uma expressão que tem mais de um sentido em sentido


impróprio, ou numa frase ambígua, a fim de confundir o interlocutor. P.ex., num caso
em que um preso é acusado de agredir outro: “sabe-se que não há crime sem conduta, e
não há conduta sem liberdade de agir. Ora, o preso é alguém privado de sua liberdade.
Quem não tem liberdade não pratica conduta. Quem não pratica conduta não comete
delito”. Aqui a expressão liberdade é utilizada em sentido ambíguo, misturando-se a
liberdade jurídica, que o preso não tem, com a liberdade física, que tem em alguma
medida. Outro exemplo, adaptado de um caso real: “o Tribunal de Justiça já declarou
que o juiz Fulano não tem competência para julgar a causa X; portanto, como já
dissemos antes, o juiz Fulano é uma pessoa reconhecidamente incompetente, sem
capacidade para exercer a função”. Aqui é a expressão “competência” que é desvirtuada
do seu significado técnico-jurídico para o significado vulgar.

XIII. Ad crumenan.

Chama-se argumento ad crumenam, ou argumento para a bolsa ou com a bolsa à oferta


de suborno, à tentativa de subornar o auditório para conquistar-lhe a adesão. É,
evidentemente, um argumento ilegítimo. Em sentido lato pode-se falar em argumento ad
crumenam quando se sugere uma oferta de qualquer vantagem ao auditório, ainda que
não seja vantagem pecuniária, em troca da aceitação de uma idéia.

§ 7º. Obras citadas

Bastos, Cleverson L. & Keller, Vicente. Aprendendo Lógica, Vozes.

Camargo, Margarida Maria Lacombe. Hermenêutica e Argumentação, Renovar.

Coelho, Fábio Ulhoa. Roteiro de Lógica Jurídica, Max Limonad.

Falcão, Raimundo Bezerra. Hermenêutica, Malheiros.

Ferraz Jr., Tércio Sampaio. Argumento, verbete, in Enciclopédia Saraiva do Direito, v.


7, p.461-468.

França, R. Limongi. Hermenêutica Jurídica, Saraiva.

Maximiliano, Carlos. Hermenêutica Jurídica. Rio de Janeiro, Forense.

Mendonça, Paulo Roberto Soares. A Argumentação nas Decisões Judiciais, Renovar.

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