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Resumo
A sabedoria do povo hebreu é constituída mítica e religiosamente
na obediência aos seus escritos sagrados em especial aos chamados
livros sapienciais. Acima de tudo é uma crença de que a sabedoria é
dada e dependente de Deus. Já a sabedoria helênica é uma sabedoria
que se constitui através da independência humana. Assim as duas
concepções entram em oposição causando consequências até hoje.
Esse trabalho pretende tecer algumas considerações sobre como
essas culturas se encontraram e quais as consequências para os povo
envolvidos, especialmente o hebreu.
Palavras-chave: antiguidade; povo hebreu; sabedoria; filosofia;
helenismo.
Abstract
The wisdom of the Jewish people consists of mythical and reli-
giously obedience to his sacred writings, especially to so-called
wisdom books. Above all it is a belief that the wisdom is given,
and dependent upon God. On the contrary, the Hellenic wisdom is a
wisdom that consists of human independence. Accordingly, the two
I NTRODUÇÃO
O tema proposto neste artigo é demasiado difícil, isto porque os
conceitos ou são difíceis ou são abertos, com margem a diversas interpre-
tações. Em primeiro lugar teríamos que definir o que é sabedoria, cousa
por demais trabalhosa a qual os filósofos não obtiveram sucesso total em
conseguir. Não temos a pretensão de conseguir tal façanha. Depois teríamos
que definir o que é sabedoria para o antigo testamento, cousa igualmente
difícil e controvérsia já trabalhadas pelos filósofos e teólogos há milênios
e que igualmente não há consenso.
Tentar-se vencer essa dificultosa tarefa, em primeiro tentando achar
uma noção de sabedoria bíblica do antigo testamento, depois apontar-se-á
sobre a sabedoria em surgimento da cultura helênica e qual o impacto dessa
cultura sobre uma comunidade agropastoril e patriarcal como a caanita ou
seus descendentes culturais, semitas, hebreus e israelense.
O QUE É SaBEDORIa ?
A análise filosófica do conceito de sabedoria inicia-se nos princípios
da fase antropológica grega com as ideias de Sócrates. Daí se conclui que
sabedoria seria uma prática para a vida, uma pratica para agir sobre o mun-
do de modo comedido e virtuoso. A própria noção de virtude, nas ideias
socráticas, confunde-se com a noção de suma verdade. Ele acreditava que
os erros são consequências da ignorância humana e que o contrario dessa
seria a sabedoria, embora nunca proclamasse ser sábio (WOLFF, 2000).
Porém. essa ignorância não se confunde com a falta de erudição e sim
falta de uma Virtú no trato com as pessoas e com o mundo.
Já para Platão, discípulo de Sócrates, a sabedoria era de certo modo
apenas intelectual, pertencente ao mundo ideal e não ao mundo sensivel.
Não era uma pratica no mundo e com as pessoas, como pensava seu mes-
tre, mas sim uma aspiração da Anima imortal a ser conseguida apenas
pelo filosofo. É no mundo das ideias, onde tudo era eternamente Bom,
Belo e Verdadeiro (GUTHRIE, 1975. p. 13). AAnima aspira a libertar-se
do corpo corruptível, no qual está aprisionada, e voltar para a contem-
plação ideal, portanto não era uma pratica, mas algo a ser contemplado
(PLATÃO, 2006).
Com Aristóteles as ideias de conhecimento e o que fazer com esse
conhecimento passaram a confundir-se com a ideia de sabedoria. Portanto
a sabedoria era antes uma atividade intelectual e lógica do que uma prática
para a vida. Aristóteles pensa que virtude é encontrar uma justa medida
entre o excesso e a falta das paixões. Agir corretamente é um treino cons-
tante de dosar corretamente as paixões. A sabedoria é uma contemplação
adequada da maneira em que certos bens tais como a amizade, o prazer,
a virtude, a honra e a riqueza se encaixam como um todo. Para aplicar
esse entendimento geral para casos particulares, devemos adquirir, através
de educação adequada e hábitos, a capacidade de ver, em cada ocasião,
qual curso de ação é mais bem fundamentado (MCLEISH, 2000 p. 47).
Portanto, a sabedoria prática, como ele a concebe, não pode ser adquirida
apenas ao aprender regras gerais. Deve, também. ser adquirida, através da
prática dessas habilidades deliberativas, emocionais e sociais. São essas que
nos permitem colocar nossa compreensão geral de bem-estar em prática,
de formas que sejam adequadas para cada ocasião. Para adquirir a plena
sabedoria se precisaria de educação e treinamento e, e assim a pratica da
contemplação já que é na realização desta operação que ele alcança a sua
felicidade perfeita e, consequentemente, a atualização plena das potencia-
lidades da sua natureza. A filosofia medieval cristã propõe que ser sábio,
grosso modo, é dominar as paixões e vontades e submetê-las à vontade
de Deus (DILMAN, 1999. p. 108). Portanto, é uma pratica de domínio
sobre si mesmo e submissão à vontade divina se assim desejar usar seu
livre arbítrio para escolher dominar as paixões.
Com o advento da razão na modernidade, sabedoria e conhecimento
racional se confundem, porém. deixa de ser uma pratica e passa a ter o
significado de erudição.
O que nos interessa é que, em algum momento, a sabedoria foi vista
pela filosofia como uma prática sobre o mundo e não apenas como acúmulo
A CULTURa aNTIGa
Filha da cultura rica da filosofia grega, a cultura helênica impôs-se
após o império alexandrino. Felipe II. da Macedônia, fez de seu reino uma
monarquia centralizada, cujo general militar e rei político (hegemon) era
centrado numa só figura, a saber, ele mesmo. Com a morte de Felipe (336),
seu filho Alexandre se impõe como Hegemon, dando inicio ao império cuja
base foi a civilização grega e sua noção de sabedoria (vale lembrar que
Aristóteles foi professor de Alexandre), muito bem consolidada (AQUINO;
FRANCO; LOPES,.1980). Essa cultura helênica é o que conhecemos como
inicio da civilização ocidental.
Essa hegemonia de cultura apesar de espalhada no mundo pela
civilização Greco-Romana já é uma tradição meso-oriental que coaduna
com a possibilidade de Sócrates e seus discípulos terem sido influenciados
pelas ideias vigentes e trocadas no intenso comercio mediterrâneo grego
(HERRICK, 1966). Na verdade, a noção de sabedoria grega, como filha
do comércio e das cidades, é mais herdeira das civilizações mesopotâmi-
cas e nilóticas do que autóctone grega surgiu lá no crescente fértil e foi
recuperada nas conquistas alexandrinas (MICHULIN, 1960).
Bom lembrar que, em questão de domínio por guerra, a atribuição
de cultura passa pelo domínio educacional e tecnológico, as tecnologias de
guerras vencedoras impõem também uma cultura (AQUINO; FRANCO;
LOPES, 1980) e, portanto valores que serão considerados como sábios.
Morin conclui que entre sujeitos pensantes e seus estados de ser-no-mundo,
a sociedade se estrutura a partir de uma cultura que é ao mesmo tempo
organizadora e organizada a partir de um capital cognitivo que emerge
das interações a partir de um saber coletivo acumulado em memória so-
cial e histórica que vem muda dos indivíduos já existentes e das novas
configurações(MORIN, 2002) que muda ao ser confrontada com uma
configuração nova imposta por guerra ou infiltrada através da historia. A
de Davi, unifica Hebron( que são povos de mesma língua e crença) sob o
único reinado de Israel (DONNER, 1997 p. 185). Hebron e Israel eram dois
reinos diferentes que foram unificados pelo Rei Davi. Tal crença inclusive é
usada para infelizmente justificar conflitos sangrentos até os dias de hoje2.
O termo Judeu (em hebraico: יִדּוהְי, Yehudi) é o conjunto das doze
tribos que miticamente se referem as doze tribos dos filhos de Jacó eteve
seu nome mudado para Israel, são remetidos à herança de seus doze filhos
que geraram doze tribos descritos no final de Genesis, e em Números,
capítulos 22 a 36. É um termo étnico de descendência de diversas tribos
(doze?) que partilhavam heranças linguísticas e culturais comuns e que em
certo momento foram unificados no suposto reinado de Saul3.
Diz Cazelles “a sabedoria israelita nasce em contato com culturas
antigas e antepassadas” (CAZELLES, 1986. p. 09) tais como os povos se-
míticos povo seminômade e multi-étnico4 que lhe daria origem, e perpassa
por diversas transformações e influencias até ser positivada na compilação
do seus escritos sagrados.
A expressão do texto de leis e códigos morais 5 conhecido como
Antigo Testamento é, de certo modo, além de um código jurídico, um
escrito teológico e a expressão cultural de um povo, bem como encerra
seu entendimento e sabedoria. O Pentateuco, inclusive, o Êxodo, foi tre-
mendamente influenciado pela cultura babilônica (WELLHAUSEN, 2004).
Isso porque essa parte da Bíblia (Pentateuco) cujo texto atual resultaria de
uma história literária anterior, a que chamam “fontes” ou “documentos”
(DOZEMAN, & SCHMID, ,2006), ou “Tradições” (SKA, 2012). Todavia,
2
Este artigo está sendo escrito na semana do dia 07/07/2014 até 11/07/2014 que ocorre
um dos mais tristes massacres em guerras entre palestina e Israel, infelizmente a crença
religioso tem sido usada na história como justificativa para os piores massacres. Como
o povo de Israel se auto acredita possuidor legitimo e cultural dessa terra, fazem guerras
com os palestinos, um povo que não divide sua crença. Como não acreditam na religião
judaica, os palestinos são massacrados pelos herdeiros da suposta terra prometida.REVER
REDAÇÃO DA NOTA
3
Suposto porque ainda não há provas cabais na arqueologia que tenham existido os reis
Saul e Davi, o que existe são registros que por volta do Sec. XI a.c houve um reinado
(DONNER, 1997).
4
Segundo CAZELLES, (1986) muitas línguas compõem a família semítica, incluindo as
seguintes: acadiano, ugarítico, fenício, hebraico, aramaico, árabe, etíope, egípcio, cop-
ta gala, afarsaho, assírio e caldeu
5
Leis aqui entendidas como expressão de conduta social aparente.
social e não uma redução do ser humano a carga de coisa. Toda mudança
social gera crise aquela situação que se estava acostumado..A crises de
valore percebida pelos sacerdotes e escribas a que estavam sujeitos a
permeações da cultura babilônica, é claro que isso gerou muitas crises
sociais, para não falar das teológicas.
Para superar essa crise se criou um rígido código de leis com o qual
culminaram na compilação dos 10 mandamentos. Uma teoria largamente
usada nos estudos jurídicos no que se refere à criação das leis é a teoria
da necessidade social: a lei é criada quando dada situação exige que ela
seja criada pela comunidade (FERRARA, 1921) de modo nem sempre
repentino ou sincrônico e sim de modo que respeite sua historicidade e o
aproveitamento do arcabouço cultural de um povo (idem) tal como o judeu.
Assim a sabedoria surge, ou melhor, é positivada num momento
de superação da crise. A sabedoria vem como meio de suplantar a crise e
aparece como resposta à situação. Sabedoria nesse contexto é seguir a Lei.
A SaBEDORIa E RELIGIÃO
A religião não é uma das características apenas dos israelitas, mas,
pode ser indicada a característica social que dá alicerce a toda sociedade.
Durkheim (1989, p._) afirmou que a religião era a “ossatura” de uma
sociedade. É isso mesmo?
Toda vez que aconteciam problemas sociais, econômicos e políticos,
Israel relacionava esses acontecimentos a alguma causa religiosa. Eles,
obviamente, explicavam tais “coincidências” como uma vingança ou de-
saprovação de Jeová; usavam também a característica vingativa de Jeová
ou a manipulavam contra quem desobedecesse as leis divinas.
Embora a tradição indicasse Moisés como autor do Pentateuco, a
maioria indica como uma obra posterior ao surgimento de Moisés (se ele
8
É pouco provável que a historia de êxodo tenha sido escrita conforme a Bíblia relata,
não é aceito pela comunidade de historiadores e cientifica sendo uma opinião religiosa.
Refazer frase
SPARKS,2002, anexo 1.
O ESPRaIaMENTO Da SaBEDORIa
Segundo Lindez (1999) é possível ver em varias partes do mundo
antigo uma forte influencia da sabedoria Egípcia, Mesopotâmica e mais
tarde no exílio Babilônico. Aponta ele, algumas importantes semelhanças
de textos anteriores e de outras culturas como: A influenciada literatura
sapencial do Egito, como as máximas de Ptah-hotep, os ensinamentos de
Merika-ré, de Amenemopet, e as instruções de Ank-sesonqy, influenciando
os livros dos provébios; as instruções de Duaf-Jeti e de Ani influenciado a
Siracida. todos esses anteriores e muitos parecidos com os livrso sapien-
ciais do antigo testamento: são: Salmos, Provérbios, Eclesiastes, Cântico
dos Cânticos, Sabedoria e Ben Sirac ou Eclesiástico.
D EFINIÇÃO DE SaBEDORIa
A sabedoria antiga, segundo Lindez (1999), constitui-se em um
sistema de valores, em uma compreensão total do mundo e do cosmo, em
uma referencia de relações do homem com o divino e sua pratica sobre o
mundo. É bem diferente da pratica de sabedoria colocada com o advento
do helenismo. A cultura essencialmente grega, em especial influenciada
pelos expoentes do circulo antropológico, com um papel importante de
Aristóteles como difusor cultural de Alexandre o grande, torna-se domi-
S aBEDORIa BÍBLICa .
Para a herança judaico-cristã, a sabedoria é diferente, ela é de al-
gum modo vinda de Deus. A sabedoria no antigo testamento era o temor
a Deus, (Pv. 1:7, 9:10 e 16:6; Sl 25:12 e 111.10; Jó 28.28). Era também o
cumprimento da Lei de Moisés (Eclesiástico 19: 18-21). Enquanto ação, e
não apenas conhecimento, a sabedoria é a mesma coisa para todos, Gregos,
helênicos, Judeus10: Sabedoria é um agir no mundo levado por uma crença
de se estar fazendo o bem; é uma práxis, um agir sobre o mundo segundo
valores aprendidos e direcionados para o bem comum social. Tal agir para
o bem é considerado sabedoria e é um pensamento partilhado por diversas
sabedorias do mundo antigo. Seria o discernimento que permite tomar o
melhor caminho a seguir. Segundo Horne (2005) o sábio, na tradição hebreia,
e o que escolhe viver pelo caminho do respeito a Deus testemunhado cons-
cientemente ou não de que este é o fator primordial da realização humana.
Porém, isso é perpassado por uma crença, ou seja, existe o proble-
ma do relativismo:O que é bem para uns, pode não ser para outro. Assim
cairá nas diferenças de sabedoria que não está na ação para o bem e sim
nas fontes: enquanto a fonte de sabedoria para o Hebreu é Jeová ou as
escrituras atribuídas divinamente, já para o grego - helênico, a sabedoria
é humana ou o espírito humano em ascensão, possivelmente envolvido em
uma ética para o bem viver, porémporém de fonte humana e não divina.
Ai está a diferença entre as duas. Não diferem enquanto modo – am-
bas são agir no mundo – porém diferem quantos as fontes, uma é humana,
a outra, divina.
Assim a sabedoria do hebreu é seguir a palavra de Deus, e sem entrar
no mérito histórico de como isso se deu, e passa isso para o cristão. Para o
cristão também é seguir o livro sagrado, mas com ênfase ao amor ao próxi-
mo, além de amar a Deus, deve-se amar ao próximo. Não se fará aqui nesse
10
As vezes me referirei como hebreu, judeu, não cairei aqui na problemática das origens
dos povos já descrita anteriormente, que envolvem ser descendentes dos povos de Canaã,
sem nenhum preconceito pois não os tenho me refiro aqui aos povos de língua hebraica
ou que são crentes na Torah ainda que não sigam corretamente. Os que estão unidos
pela disporá de Israel.
S aBEDORIa G REGa
A sabedora Grega é totalmente diferente da sabedoria bíblica, é as-
sim como a helênica de fonte humana, porém, talvez não seja um agir o
mundo mas um conhecer-o-mundo. Sabedoria grega se constitui em meio
ao espraiamento da cultura helênica. que é a propagação de um conjunto
de fenômenos sociais e é também o resultado de uma série de eventos
marcantes no mundo ocidental e meso oriental.
11
13 “Porque está escrito: Destruirei a sabedoria dos sábios, E aniquilarei a inteligência
dos inteligentes.
Onde está o sábio? Onde está o escriba? Onde está o inquiridor deste século? Porven-
tura não tornou Deus louca a sabedoria deste mundo?
Visto como na sabedoria de Deus o mundo não conheceu a Deus pela sua sabedoria,
aprouve a Deus salvar os crentes pela loucura da pregação.
Porque os judeus pedem sinal, e os gregos buscam sabedoria;
Mas nós pregamos a Cristo crucificado, que é escândalo para os judeus, e loucura
para os gregos.
Mas para os que são chamados, tanto judeus como gregos, lhes pregamos a Cristo,
poder de Deus, e sabedoria de Deus.
Porque a loucura de Deus é mais sábia do que os homens; e a fraqueza de Deus é
mais forte do que os homens”
A SaBEDORIa DO RELIGIOSO .
Sem duvida há uma ruptura na sabedoria do mundo. Foi substituída
pelo conhecimento científico, não há duvida, toda humanidade adotou
como verdade esse tipo de conhecimento, porém sempre houve quem se
direcionou pelas escrituras, ou melhor, pela interpretação particular de seu
grupo das escrituras.
Faz-se necessário o conceito de crença, Como diz Bain, citado por
Peirce (1974), crença é “aquilo segundo o qual o homem está preparado
para agir.” O próprio Peirce (idem) complementa esta ideia notando que
“Estar-se deliberadamente e completamente preparado para moldar a con-
duta em conformidade com uma proposição, não é mais nem menos que o
estado mental chamado ‘acreditar nessa proposição’”, o crente judeu age
no mundo conforme sua crença,é a sua única sabedoria. Se veste, age,
fala, se referencia a si e ao mundo segundo sua crença.
Assim o ser e estar judeu, ou o que o caracteriza como judeu se deve a
uma crença. Se há uma sabedoria nisso ela, é uma reprodução da teologia de
sofrimento, renuncia e auto-sacrificio do cristianismo primitivo e do Antigo
Testamento. Seu sentimento de unidade enquanto etnia transcende a religião
e se constitui no típico de uma sociedade excludente, que possibilita apenas
uma sabedoria, já que a grande maioria não tem acesso aos bens culturais,
seguem a sabedoria que acreditam ser Divina. Vivem por seguir a palavra.
Vivem por temor a Deus, tal fato é significante no seu cotidiano, uma vez
que vivem por certo temor de ser castigados por qualquer desvio de conduta.
Além disso devido as suas condições, Rolim (1985) aponta o intenso controle
social que a própria comunidade exerce sobre seus membros, porém, tem
mais medo de Deus do que da comunidade.
Tem seu próprio entendimento do que seja Deus, é um entendimento
plural, difuso e liquido, mas tem um ponto comum. O Espírito guia sua vida
a partir do momento que se constitui Judeu. Toda sua vida é guiada pela
obediência a palavra divina, claro que transgridem tal palavra e pecam, mas
procuram basear sua aplicação no mundo não mediado por uma teologia
provinda da modernidade e sim por um entendimento mais subjetivo de suas
escrituras e por uma experiência mais subjetiva e direta com sua divindade.
Acreditam que sua sabedoria virá de Deus. acreditam ser capazes de
obter revelações e um conhecimento diretamente vindo de Deus, através do
seu Espírito. Isso talvez defina sua sabedoria, acreditam não ter mediação
entre Deus e o homem, pois o rabino quando prega, é segundo sua crença
dirigido pelo próprio Espírito.
Vale lembrar que não há divisão entre profano e sagrado no sentido
Eliadiano, (ELIADE,1996) não há tempo e espaço dividido entre sagrado
e profano, toda sua vida é sagrada, toda sua vida é para Deus. Seu agir
no mundo é para Deus, como está jungido a Deus, não há escolha, se é
de Deus é bom, portanto não há juízo do valor em magoar certos direitos
humanos, simplesmente o bem é a palavra sagrada, o que vai contra isso
é mal e o homem que segue isso não é sábio.
C ONCLUSÃO
Concluindo, o agir do mundo do judeu antigo, é o temor a Deus. É
uma sabedoria guiada contra a modernidade, é de fato uma contracultura
ante mundo moderno. Vivem não para a racionalidade do pensamento
filosófico grego helênico, mas para uma espiritualidade particular e única.
É uma sabedoria na contramão do que e considerado sabedoria pela
cultura helênica. Resolvem e se posicionam no mundo com o que entendem
ser o bem ou obediência a palavra de Deus.
É claro que uma paz, embora profundamente pregada por tal sabedo-
ria é irreal, pois infelizmente é atravessado por interesses sempre escusos
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RESUMO: Este artigo busca refletir sobre condições iniciais da sociedade pré- humana explicando
como dois fenômenos biológicos – adaptativos, a bipedalização e neotenia, ajudaram a emergir no
homem características próprias humanas tais como a solidariedade. Procura também lançar critica
se a Teoria da Evolução pode ou não explicar comportamentos humanos complexos.
ABSTRACT: This paper pretends reflects about the initial conditions of pre-human society
explaining how two biological adaptive phenomena’s, the bipedalização and neotenia, helped to
emerge in mankind, characteristics exclusive of man, such as human solidarity. It also seeks to
launch some critical to Theory of Evolution, if it may or may not explain complex human behavior.
Aluno do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu, mestrado em Filosofia (Área de
Concentração: Filosofia da Mente, epistemologia e lógica), do Centro de Pós-graduação da
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Campus de Marília, sob orientação do
Prof. Dr. Alfredo Pereira Jr; joebarduzzi@yahoo.com.br.
151 Discutindo a origem evolutiva da solidariedade humana
Ora, é normal o macho trazer comida à fêmea, pois ela não caça grávida ou
amamentando, porém se um animal macho vivendo em bando não puder mais
caçar, ele é expulso do bando como acontece com os lobos, todavia Ferh descobriu
dois fosseis de hominídeos machos interessantes, um de homo habilis (doravante
chamado de h.h) que tinha um defeito na arcada dentária, calcificaram-se os
buracos dos dentes de leite perdidos quando o fóssil era criança, isto é não houve
crescimento da dentição permanente cujas habilidades de caça do h. h. dependem
dessa parte do corpo. A calcificação acontece quando os hominídeos estão vivos,
confirmando que ele viveu toda a sua vida adulta sem dentes, como sobreviver
aquela época cuja alimentação dependia dos dentes?. Eles praticavam a
rapinagem para obter tutano dos ossos de carcaças cujo alimento era muito
protéico. O h.h. ainda não era capaz de caçar grandes animais, ele era muito
pequeno (os mais altos cerca de 80 cm), sem dúvida, caçava animais médios e
praticava a rapinagem (FOLEY 2003 p.47). Para obter alimento rico em proteína,
ele ou competia pelas carcaças com urubus e hienas ou caçava. Para ambos atos,
era necessária a ajuda de um bando.
Na rapinagem, ele ou obteria ossos deixados ao léu consumindo o tutano
que extraía de dentro deles com o uso de machados de pedra, uma rica fonte
protéica que quase nenhum outro animal tem. Como o h.h. faria para obter os
ossos? Ele teria que utilizar uma divisão social de trabalho muito eficiente para
que parte do bando distraísse outras espécies de rapinadores, enquanto outra
parte fugia com os ossos (FOLEY idem).
O tutano não necessita de mastigação, porém necessita de dentes para
abrir caminho até o interior do osso. O fóssil em questão só poderia se alimentar
se houvesse outro membro do bando que lhe abrisse com os dentes o caminho até
o tutano. O osso não era quebrado, os ossos encontrados perto das tribos de h.h
têm claras marcas de mordidas, ou seja alguém só pode ter caçado, aberto o
tutano e dado para aquele incapaz de fazer isso porque não tinha dentes
(solidariedade).
quatro. Quando o filhote começa a nascer, a mãe o pega, puxando-o para fora do
canal de nascimento e levando-o em direção ao seu peito. Em muitos casos, ela
também retira muco da boca e do nariz do bebê para ajudá-lo a respirar. Os
filhotes são fortes o bastante para ter participação ativa em seu próprio parto
(CORBALLIS idem). Uma vez que suas mãos estejam livres, eles podem agarrar o
corpo de sua mãe e sair.
Seria mais fácil às mães, se os bebês humanos também nascessem virados
para frente. No entanto, as modificações evolucionárias da pelve humana, que
permitiram aos hominídeos andar eretos, também fizeram com que a maior parte
dos bebês saia do canal de nascimento com a parte de trás da cabeça contra os
ossos púbicos, virados no sentido oposto ao da mãe. Por essa razão, é difícil à mãe
humana em trabalho de parto - não importa se de cócoras, sentada ou deitada -
estender os braços e guiar o bebê enquanto ele sai de dentro de seu corpo. Essa
configuração também prejudica bastante a capacidade da mãe de facilitar a
primeira respiração do bebê, de remover o cordão umbilical do seu pescoço ou
mesmo de trazê-lo até o seu peito. Se tentar acelerar o parto, segurando o bebê e
guiando-o para fora do canal de nascimento, ela corre o risco de dobrar
desajeitadamente as costas do filho contra a curva natural da espinha. Puxar um
recém-nascido nesse ângulo pode causar danos à sua coluna vertebral, aos seus
nervos e aos seus músculos(CERQUEIRA).
Para os humanos contemporâneos, a reação a esses desafios é procurar
assistência para o trabalho de parto. Não importa que seja um profissional
treinado, uma parteira leiga ou um parente familiarizado com o processo de
nascimento, pois o assistente ajuda a mãe humana a executar todo o processo que
a mãe macaca executa sozinha. O assistente também pode compensar a
capacidade motora limitada do relativamente indefeso bebê humano. Os
benefícios até das mais simples formas de assistência, reduziram a mortalidade
materna e infantil ao longo da história.
Figura 1 - Como o bebê macaco nasce voltado para frente, é possível para a mãe alcançar o filhote
e guiá-lo para fora do canal de nascimento. Ela pode também limpar o muco da cara do recém-
nascido para liberar sua respiração. Fonte www.humanevolution.edu.uk.
Claro, muitas das ancestrais podiam, assim como mulheres de hoje podem,
dar à luz - e algumas dão - sozinhas. A pratica do parto é amplamente estudada
pela antropologia. Há narrativas ficcionais que retratam camponesas robustas
parindo desacompanhadas no campo. Essas imagens provocam a impressão de
que dar à luz um bebê é fácil. Mas, antropólogos estudiosos de partos em culturas
do mundo inteiro relatam que essas percepções são extremamente românticas e
que o nascimento humano poucas vezes é fácil e raramente não é ajudado. Hoje
em dia, virtualmente, todas as mulheres de todas as sociedades procuram
assistência no parto. Mesmo entre as sociedades que reconhecem no parto
solitário um ideal cultural, as mulheres, geralmente, não conseguem dar à luz
sozinhas até terem tido vários bebês, em cujos partos mães, irmãs ou outras
mulheres estiveram presentes. Assim, embora exceções existam, o parto assistido
está perto de ser um costume universal nas culturas humanas (Johanson et al).
Sabendo disso e acreditando na prática advinda da dificuldade e do risco
que acompanha o parto humano, pensa-se que a obstetrícia não se restringe aos
homens contemporâneos, mas tem suas raízes nas profundezas da ancestralidade.
A análise que fizemos do processo de nascimento ao longo da evolução humana
sugere que a prática da obstetrícia pode ter surgido até 5 milhões de anos atrás,
quando o advento do bipedalismo constringiu o tamanho e o formato da pelve e do
canal de nascimento pela primeira vez.
Espanha com mais de 200 mil anos de idade; uma fêmea em Jinniushan, na
China, com 280 mil anos; e o macho Kebara Neandertal (que é também um Homo
sapiens arcaico), em Israel, com cerca de 60 mil anos. Todos esses espécimes têm
as aberturas pélvicas torcidas características dos humanos modernos, o que
sugere que seus bebês de cérebros grandes provavelmente tiveram que girar a
cabeça e os ombros dentro do canal de nascimento, saindo portanto virados para o
sentido oposto ao da mãe (ALCAZAR GODOY p. 36-37).
O triplo desafio constituído por bebês com cérebros grandes, pelves
adaptadas para se andar ereto e partos rotatórios dos quais as crianças emergem
viradas para trás não é apenas uma circunstância contemporânea. Por esse
motivo, há muito tempo, a seleção natural favoreceu o comportamento de buscar
assistência durante o parto, pois essa ajuda compensava as dificuldades,
simplesmente porque dar luz sozinha e deveras arriscado para a mãe e os filhotes.
Além disso, as mães, provavelmente, não procuravam assistência somente porque
previam o risco de perigo em dar à luz, talvez a dor, o medo e a ansiedade
estimulassem seu desejo de companhia e segurança.
Psiquiatras da escola da psicologia evolutiva (BARKOW, J.H et al p 58 )
argumentam que a seleção natural pode ter favorecido tais emoções, porque elas
levavam os indivíduos a procurar a proteção de companheiros, o que lhes daria
maiores chances de sobrevivência. Os filhos dos sobreviventes teriam, então,
maior tendência a sentir as mesmas emoções em tempos de dor ou doença.
Considerando-se as vantagens evolucionárias que o medo e a ansiedade
proporcionam, não é surpreendente que as mulheres, comumente, sintam essas
emoções durante o trabalho de parto.
As mulheres modernas, quando dão à luz, têm um duplo legado
evolucionário: a necessidade de apoio físico e emocional. O desejo por esse tipo de
assistência pode ser tão antigo quanto à própria humanidade. Neotenia, no
dicionário de ciências Scientia digital
(http://www.scientiadigital.com/index.php?lang=PO acesso em 12/12/08) diz:
Bibliografia
BARKOW, J.H., COSMIDES, L., AND TOOBY, J. (eds) The Adapted Mind, 1992,
Oxford University Press, New York.
COLE. Sonia. The Prehistory of East Africa. Mentor Books. 1965. NY. US.
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RJ.
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SUSMAM, Randall L. Hand function and tool behavior in early hominids. Journal
of Human Evolution (1998) 35, 23–46 Art. No.hu980220.
RESUMO
Neste artigo pretende-se apontar certas relações em uma das consequências
da modernidade no que se refere à religião: o fundamentalismo. Tem-se como
objetivo mostrar aqui que o último é resultado direto do primeiro, e que tomou
certas proporções após os acontecimentos de setembro de 2001, e que a
ciência das religiões não deve ficar silente. Procurará descrever, sem esgotar
o assunto, o que é modernidade, apontar suas crises, e mostrar esse aspecto
religioso do qual tem uma relação causal.
Palavras-chave: Modernidade. Fundamentalismo. Religião.
ABSTRACT
This paperwork intends show up some relations about the modernism
consequence in the religious aspect, the fundamentalism. Pretends show here
that the last is a direct result of the prime and his crisis, and that increase up
after the relates occurred in September of 2001, the Science of religion don’t
must have stay in silence about. Find describe, without end the theme, what is
modernity, show up your crises and show this religious aspect that’s have some
causal relationship.
Keywords: Fundamentalism. Modernit. Religion.
Introdução
1
Esse termo, pós - modernidade, segundo Touraine (1993, p. 37) significa apenas crise da
modernidade.
2
O fundamentalista não aceitará tal visão científica, Marty (1992) em contundente critica
ao fundamentalismo, vai afirmar que o fundamentalista vê as explicações científicas
como, em especial a evolução, como repugnantes, e patentemente falsas sobre a origem
do universo e sobre a condição humana.
O triunfo da técnica
Logo não há mais plenitude de vida, não mais o amor para o mundo
e para a plenitude de suas qualidades, não mais a autocontemplação
desinteressa como objetivo real do homem, mas cálculo utilitarista
com fim em si mesmo, redução da natureza ao seu aspecto
exatamente mensurável e seguramente dominável, fanatismo do
trabalho e do lucro, avaliação somente das qualidades humanas de
diligência, rapidez, capacidade de adaptação, que possuem uma
utilidade aos fins lucrativos. O nascimento da ciência moderna e a
concepção mecanicista da natureza não são as causas, mas sim os
efeitos dessa nova atitude, que consagrou a natureza, privando-a
de Deus, da alma, de todo valor e qualidade (FERRETI G.1982).
A comunicação moderna
A comunicação e a propaganda, que surgiram no advento da
modernidade, foi a sua configuração máxima de deixar os valores
humanos de lado, surgindo como um novo valor. A modernidade cria
indústrias e uma delas é a cultural que supõe-se estar a serviço do
projeto moderno. O desejo mercadológico cultivado pelos meios de
comunicação passa a ser a nova religião, passa a ser objeto de adoração
4
Embora a autoria do presente artigo não concorde com todas as ideias do teólogo, respeita
suas credenciais como intelectual.
5
Há diversas que estão.
6
No caso, a tecnologia, sobretudo a de comunicação.
7
O projeto moderno não acabou. Certos conhecimentos são usados para continuação
do domínio do capital, utilizando-se de saberes locais.Podemos citar como exemplo:
megamultinacionais farmacêuticas rotulando remédios naturais e vendendo aos nativos
que já sabem do poder desse remédio; a teologia da prosperidade que utiliza a Bíblia como
fundamento de sua propaganda; o aprender a língua do colonizado.
A reação fundamentalista
Uma dessas reações é o fundamentalismo que surgiu surgiu bem
no auge da crise da modernidade, ou seja, no século XX (ADORNO
e HORKHEIMER, 2002). A mais dedicada e famosa autora sobre o
assunto descreve:
8
Os fundamentalistas geralmente renegam os produtos e ideais da modernidade, mas usam
largamente seus produtos quando lhe interessam (VOLF, 1992).
– Satmar
Objetivo: Oposição ao sionismo. É um dos maiores grupos ultra-
ortodoxos existentes hoje. Surgido na Romênia, vê o Estado de
Israel como profanação. Acredita que o povo eleito deve sofrer a
punição do exílio e não tomar iniciativas para se salvar, confiando
na vontade de Deus.
Modo de agir: Encoraja os seguidores a criarem comunidades
fora de Israel. O líder do grupo, rabino Joel Teitelbaum, culpa os
sionistas pelo Holocausto, pois “atraíram a maioria dos judeus
para uma hedionda heresia, como nunca se viu desde a criação do
mundo”.
Grupos islâmicos
– Partido Frente Islâmica de Salvação
Objetivo: Fundar uma república islâmica regida pelas leis do
Alcorão, na Argélia.
Modo de agir: Política. Em 1991, o partido iria ganhar as
eleições, mas o governo interrompeu o processo eleitoral. A medida
gerou revolta entre os muçulmanos e uma guerra civil durante toda a
década de 1990. Deste conflito, surgiram os grupos fundamentalistas
Exército Islâmico da Salvação e Grupo Armado Islâmico.
– Al-Gama·a al-Islamiyya
Objetivo: Pela guerra santa, fazer do Egito um Estado islâmico.
Modo de agir: Ataques terroristas, em especial contra turistas.
“O turismo é uma praga. As mulheres vêm vestidas em roupas
provocativas para despertar o desejo dos fiéis”, disse o líder Omar
Abdel Rahman a um jornal israelense em 1993. Em 1997, o grupo
matou 58 pessoas que visitavam o templo de Hatshepsut, um dos
principais pontos turísticos do país. Também já cometeu um ataque
contra o presidente egípcio Hosni Mubarak, em 1995.
– Abu Sayyaf
Objetivo: O grupo, ligado à Al Qaeda, quer criar um Estado
islâmico nas Filipinas.
Modo de agir: Ataques terroristas. É acusado de ter matado 100
pessoas no ataque a um barco, em fevereiro de 2004. No dia 14 de
fevereiro deste ano, dia dos namorados nas Filipinas, 3 atentados à
bomba mataram 11 pessoas. Os ataques seriam um presentinho para
a presidente Gloria Arroyo.
Grupos cristãos
– Pró-vida de Anápolis
Objetivo: Combater o aborto em qualquer caso, o homosse-
xualismo e o uso de preservativos.
10
É talvez o mais atuante dos fundamentalismos, especialmente após 2001. Influencia-
ram-se na política norte-americana de uma maneira muito contundente.
Conclusão
11
Durante o século XX, diversos regimes totalitários surgiram por toda Americalatina.
Referências
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University Press, 2002.
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Filósofo. Barcelona: Gedisa, 1999. p. 193-197.
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GIDDENS, Anthony. Modernidade e identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,
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HEIDEGGER, Martin. Nietzsche. Tradução de Marco Antônio Casanova. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2007. v. II.
HORKHEIMER, M. Sobre el concepto de la razón. Traduçao de J. Godo Costa.
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LEIBOWITZ, Yeshayahou. Judaïsme, Peuple Juif et Etat D’Israel. Paris: Jean Claude
Lattes, 1993. Cap. 10, p. 169-183.
Leituras sugeridas:
DREHER, M. N. Para entender o fundamentalismo. São Leopoldo: Unisinos, 2002.
GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. São Paulo: Unesp, 1991.
Recebida: 17/06/2014
Avaliada: 28/06/2014
RESUMO:
A o modo de vida do povo hebreu é constituída mítica e religiosamente através de uma
obediência aos seus escritos sagrados em especial nos chamados livros sapienciais.
Acima de tudo é uma crença de que a sabedoria é dada e dependente de Deus. Já a
sabedoria Helênica é uma sabedoria que se constitui através da independência humana.
Assim as duas entram em oposição causando consequências até hoje. Esse trabalho
pretende tecer algumas considerações sobre de como essas culturas se encontraram e
quais as consequências para os povo envolvidos especialmente o hebreu.
ABSTRACT:
The wisdom of the Jewish people consists mythical and religiously through obedience
to his sacred especially in so-called wisdom books written. Above all is a belief that the
wisdom given is dependent upon God. Have the Hellenic wisdom is a wisdom that is
through human independence. So the two go into opposition causing consequences
today. This paper aims to present some considerations on how these cultures met and
what the consequences for the people involved especially the Hebrew.
1
Graduado em Ciências Sociais e filosofia pela UNESP; Mestre em filosofia pela UNESP; Doutor em
Ciências da Religião pela Universidade Metodista; Doutorando em Ciências Sociais e filosofia pela
UNESP; Professor substituto de Antropologia da UNESP -FAAC
Introdução:
O tema proposto neste artigo é demasiado difícil, isto porque os conceitos ou são
difíceis ou são abertos, com margem a diversas interpretações. Em primeiro lugar
teríamos que definir o que é sabedoria, cousa por demais trabalhosa a qual os filósofos
não obtiveram sucesso total em conseguir. Não temos a pretensão de conseguir tal
façanha. Depois teríamos que definir o que é sabedoria para o antigo testamento, cousa
igualmente difícil e controvérsia já trabalhadas pelos filósofos e teólogos há milênios e
que igualmente não há consenso.
Tentar-se vencer essa dificultosa tarefa, em primeiro tentando achar uma noção
de sabedoria bíblica do antigo testamento, depois apontar-se-á sobre a sabedoria em
surgimento da cultura helênica e qual o impacto dessa cultura sobre uma comunidade
agropastoril e patriarcal como a caanita ou seus descendentes culturais, semitas, hebreus
e israelenses.
O que é sabedoria?
A análise filosófica do que é sabedoria inicia nos princípios da fase
antropológica grega com as ideias de Sócrates, donde se conclui que sabedoria seria
uma prática para a vida, uma pratica para agir sobre o mundo de modo comedido e
virtuoso, e que a própria noção de virtude, nas ideias socráticas confunde-se com a
noção de suma verdade. Ele acreditava que os erros são consequência da ignorância
humana e que o contrario dessa seria a sabedoria (WOLFF, 2000), embora nunca
proclamasse ser sábio. Porém essa ignorância não se confunde com a falta de erudição e
sim de uma Virtú no trato com as pessoas e com o mundo.
Já para Platão, discípulo de Sócrates, a sabedoria era de certo modo apenas
intelectual e pertencente ao mundo ideal e não no real, não era uma pratica com o
mundo e com as pessoas como para seu mestre, mas sim uma aspiração da Anima
imortal a ser conseguida e apenas pelo filosofo, é no mundo das ideias, onde tudo era
eternamente Bom, Belo e Verdadeiro (GUTHRIE, 1975. p. 13), que tal Anima aspira a
libertar-se do corpo corruptível, no qual está aprisionada, e voltar para a contemplação
ideal, portanto não era uma pratica, mas algo a ser contemplado (PLATÃO, 2006).
Com Aristóteles as ideias de conhecimento e o que fazer com esse conhecimento
passaram se confundir com a ideia de sabedoria, portanto a sabedoria era antes uma
atividade intelectual e lógica do que uma prática para a vida.Aristóteles pensa que
virtude é encontrar uma justa medida entre o excesso e a falta das paixões. Agir
corretamente é um treino constante de dosar corretamente as paixões. A sabedoria é
uma contemplação adequada da maneira em que certos bens tais como a amizade, o
prazer, a virtude, a honra e a riqueza se encaixam como um todo. Para aplicar esse
entendimento geral para casos particulares, devemos adquirir, através de educação
adequada e hábitos, a capacidade de ver, em cada ocasião, qual curso de ação é mais
bem fundamentada (MCLEISH, 2000 p. 47). Portanto, a sabedoria prática, como ele a
concebe, não pode ser adquirida apenas ao aprender regras gerais, também deve se
adquirida, através da prática e essas habilidades deliberativas, emocionais e sociais é
que nos permitem colocar nossa compreensão geral de bem-estar em prática em formas
que são adequados para cada ocasião. O problema Aristotélico e que a sabedoria só
deveria vir com educação e treinamento e, portanto ser impossível uma sabedoria antes
da contemplação.
A filosofia medieval cristã propõe que ser sábio, grosso modo é dominar as
paixões e vontades e submetê-las a vontade de Deus (DILMAN, 1999. p. 108). Portanto
é uma pratica de domínio sobre si mesmo e submetê-la a vontade divina se assim
desejar seu livre arbítrio. Sêneca (2012) já dizia que adversidade faz o sábio, portanto
para ele a sabedoria era uma reação às adversidades da vida.
Com o advento da razão na modernidade a sabedoria e conhecimento racional se
confundem, porém deixa de ser uma pratica e passa a ter significado de erudição.
O que nos interessa aqui é que em algum momento a sabedoria foi vista pela
filosofia, como uma pratica sobre o mundo e não apenas como acumulo de erudição,
esse conceito de pratica de bem viver é importante paras as ideias que adiante serão
desenvolvidas. Porém essa não é um trabalho sobre sabedoria na filosofia, e sim bíblica,
porém esse brevíssimo exercício vai ser importante mais a frente no trabalho.
como o acumulo de informação espalhado em uma época, cuja sociedade dessa época
absorve como valido, ou seja, é o conjunto de saberes recepcionados por certa sociedade
que a caracteriza como única desse modo constituindo sua cultura (COUCHE, 1999). A
sua cultura é a como a sociedade se superestrutura através da materialização/expressão
de seu acumulo de valores adicionado a sua expressão material. É a materialização da
sua sabedoria.
A cultura foi considerada durante muito tempo com a noção de acumulo de
conhecimento academicamente aceito como superior, ou seja, se alguém falasse varias
línguas e soubesse sua genealogia, fosse iniciado em musica e artes seria uma pessoa
culta, preferencialmente se autoreferenciado como uma sociedade branca, européia
(norte americana), colonizadora (EAGLETON, 2005). Após melhores e mais humanas
analises o conceito de cultura muda para algo parecido conjunto da expressão de um
povo, nesse caso o índio, o escravo africano, o miscigenado, o colonizado também eram
portadores de cultura (HALL, 2000).
Porém ainda infelizmente a cultura é e foi na historia das civilizações uma
hegemonia de dominação (GOLDMANN, 1979), a cultura de determinado povo era
considerada melhor do que a outra conforme fosse hegemônica na confluência dos
povos, ou seja, que lhe impusesse valores conforme sua dominação. Alias comenta
MIGUEZ, RIEGER e JUNG, (2012) que um império para se impor, é fundamental
impor-se cultural e psicologicamente caso contrario não se subsiste.
A sabedoria acima de tudo é um conceito imposto por uma cultura que se tornou
império. O que é considerado sábio ou não pode mudar de cultura para cultura, de
sociedade para sociedade. Se manifesta nas pessoas pertencentes a esse lócus – tempus
como o melhor de que essa cultura tem a expor.
A cultura antiga
Filha da cultura rica da filosofia grega, a cultura helênica, se impôs após o
império alexandrino. Felipe II da Macedônia fez de seu reino uma monarquia
centralizada, cujo general militar e rei político (hegemon) era centrado numa só figura a
saber ele mesmo. Com a morte de Felipe (336), seu filho Alexandre se impõe como
Hegemon, dando inicio ao império cuja base foi a civilização grega com sua noção de
sabedoria, (vale lembrar que Aristóteles foi professor de Alexandre) muito bem
consolidada (AQUINO, FRANCO; LOPES,1980). Essa cultura Helenica é o que
conhecemos como inicio da civilização ocidental.
2
“Canaã gerou a Sidom, seu primogênito, e a Hete, 16 e aos jebuseus, aos amorreus, aos girgaseus, 17 aos
heveus, aos arqueus, aos sineus, 18 aos arvadeus, aos zemareus e aos hamateus; e depois se espalharam as
famílias dos cananeus. 19 e o limite dos cananeus foi desde sidom, indo para gerar, até gaza, indo para
sodoma, gomorra, admá e zeboim, até lasa.”
3
"Naquele dia fez o Senhor aliança com Abraão, dizendo: à tua descendência dei esta terra, desde o rio
do Egito (córrego Arish, não o rio Nilo) até o grande rio Eufrates."
4
Este artigo está sendo escrito na semana do dia 07/07/2014 até 11/07/2014 que ocorre um dos mais
tristes massacres em guerras entre palestina e Israel, infelizmente a crença religiosos tem sido usada na
história como justificativa para os piores massacres. Como o povo de Israel se auto acredita possuidor
legitimo e cultural dessa terra, fazem guerras com os palestinos, um povo que não divide sua crença.
Como não acreditam na religião judaica, os palestinos são massacrados pelos herdeiros da suposta terra
prometida.
5
Suposto porque ainda não há provas cabais na arqueologia que tenha existido os reis Saul e Davi, o que
existe são registros que por volta do Sec. XI a.c houve um reinado(DONNER, 1997).
6
Segundo CAZELLES, (1986) muitas línguas compõem a família semítica, incluindo as
seguintes: acadiano, ugarítico, fenício, hebraico, aramaico, árabe, etíope, egípcio, copta gala, afarsaho, as
sírio e caldeu
7
Leis aqui entendidas como expressão de conduta social aparente.
8
Embora já existisse coisas escritas, algumas delas eram os salmos realizados pela nobreza e com certeza
o texto dos dez mandamentos que era guardado na arca da aliança (MICHULIN, op. Cit).
Houve uma grande produção pós exílio, isso porque a rica e comercial cultura
babilônica, onde havia necessidade e cultura de escrita para melhor registro de comercio
e conquista, influenciou os exilados hebreus que se encaixavam na sociedade embora
mantivessem suas comunidades fechadas (LEMAIRE, 2011). Foi dessa época que os
Hebreus herdaram seu tão famoso gosto e habilidade para o comercio (HERRICK,
1966). Se há algo que estimula a cultura é o comercio, a partir daí começa a desenvolver
uma cultura de escrita também.
Embora o povo fosse literalmente escravo viveu assim meio século de cativeiro
na Babilônia. Ou seja, produzindo cultura e registros escritos de sua religião até então
predominantemente oral. Não podiam ter templo, nem culto, nem rei, nem sequer a
possibilidade de oferecer os seus sacrifícios e de fazer as suas festas sagradas. A única
coisa que lhes resta é a fé no seu Deus e as suas tradições. E estas vão ser meditadas e
aprofundadas. Agora, paradoxalmente, vão rever a sua história para lhe descobrir o
sentido profundo, aproveitando para refletir sobre os motivos por que lhes tinha
acontecido tudo isso.
Mas, não obstante todas as dificuldades e apesar de estarem prisioneiros, eles
vivem num ambiente relativamente evoluído, com grande produção técnica, e
educacional e escrita (MICHULIN, 1960), vale lembrar que escrita naquela época era
algo extremamente caro e difícil (JENKINS, 2001).
E, com efeito, entre os babilônios, descobrem preocupações que eles nem sequer
tinham ainda amadurecido. É notório, por exemplo, o fato de haver pessoas que
procuram dar resposta às perguntas mais profundas do ser humano: como, qual a origem
das coisas, do mal e da religião, ou seja, um clima fértil para a filosofia
(GHIRALDELLI JR, 2000). Em contato com esse clima de pensamento e reflexão
babilonico, nascem também núcleos de pensadores entre a comunidade judaica. E
assim, em contacto com os opressores, por incrível que pareça, nasce uma corrente de
renovação espiritual que, no caso, é expressa no livro e atribuída a um líder
denominado Ezequiel (BLOCK, 1997).
9
Não há provas de que tenha existido um profeta com as características de Ezequiel, é provável que seja
um texto compilado para ministrar seus ideais. Seus ideais sociais eram avisar sobre os pecados de afastar
da identidade e fé judaica, dar esperança ao povo, mostrar a punição de quem não seguisse os ideais
religiosos de Deus. De certo modo é um aviso para se continuar judeu.
Deus escolhe ou não dar prosperidade, Deus, da a vitória ou a derrota na guerra. Não é
de estranhar, portanto, que a lei foi inspirada por Deus e ir contra o que está escrito seria
o equivalente a ir contra Deus.
Os hebreus, a princípio, se dividiam em tribos de acordo com os números de
filhos de Jacó (12); estas tribos se subdividiam em famílias e toda a organização política
e social girava em torno deste status quo. Das doze tribos, onze cuidavam, basicamente,
da agricultura e do pastoreio, a décima segunda não tinha terras, era a tribo dos levitas
cabendo-lhes funções sacerdotais. (CAZELLES, 1986)
Após o êxodo, depois de certa comunidade hebréia sair do Egito, ao chegarem à
região palestina, os Israelitas passaram de pastores (como eram antes, pelo seu
nomadismo) a agricultores-pastores. Mas se tradicionalmente estas atividades
agropastoris foram o cerne da economia desta sociedade, a indústria comercial
manufatureira também conheceu certo desenvolvimento, principalmente o
desenvolvimento que se conhece por idade Calcolítica ou do Cobre (AQUINO et al,
1980).
O comércio atingiu seu auge no período de pós exílico, registrado nas historias
bíblicas do reis Davi e Salomão, a qual denotam uma diferença na realidade política, e
econômica de Israel (PFOH & WHITELAM, 2013) , portanto melhores leis de
comercio deveriam ser feitas, a partir daí o comercio passou a estar presente na vida
deste povo, visto que a região que habitam é uma verdadeira encruzilhada nas rotas da
Mesopotâmia, Egito, Mar Vermelho e do deserto, área de grande foco e
intercruzamentos de estradas (BRIGHT, 1980).
Por volta de 1800 a.C. algum fenômeno climático fez com que os Canitas
saíssem da Palestina na direção ao Egito. Relata a Bíblia e alguns estudiosos que no
Egito, os Hebreus passaram a ser perseguidos no Egito, passando a pagar pesados
impostos e chegando até mesmo à escravidão (PFOH & WHITELAM, 2013).
Por volta de 1200 a.C., os hebreus, já descendentes dos caanitas, saíram do Egito
e voltariam à palestina, no que a bíblia descreve como êxodo, cuja narrativa esta cheia
de mensagens e cronologia mítico-não histórica. Nesse episódio, os Hebreus teriam
passado quarenta anos no deserto e aí teriam forjado, sob a liderança de Moisés, toda a
base de sua civilização, inclusive sua cultura e sabedoria10.
10
É pouco provável que a historia de êxodo tenha sido escrita conforme a bíblia relata, não é aceito pela
comunidade de historiadores e cientifica sendo uma opinião religiosa.
A visão religiosa crê que a Torá (que positiva a sabedoria dos Hebreus) foi
escrita pelo próprio Moisés revelada por Iavé e, embora esta tese esteja um tanto
desacreditada pelos acadêmicos em geral, ainda denomina-se a escrita de “Mosaica”,
mesmo porque, provavelmente, foi após a saída do Egito que este povo começou a
estruturar as bases escritas de sua cultura.
A base moral da sabedoria Mosaica pode ser encontrada nos Dez Mandamentos,
que teriam sido escritos “pessoalmente” por Deus no Monte Sinai, como forma de
Aliança entre Ele e o Povo Escolhido.
A Torá, também chamada Pentateuco, é formada pelos cinco primeiros livros da
Bíblia: o Gênesis, o êxodo, o Levítico, o Números e o Deuteronômio. Em toda a Torá
encontramos leis; entretanto, há no último livro uma reunião maior de leis, repetindo
inclusive alguns preceitos vistos nos outros livros, mesmo porque é esta a intenção do
Deuteronômio, que significa “segunda lei”.
Não podemos nos esquecer que esse povo tinham uma relação diferenciada de
constante aliança e parceria com sua divindade em uma relação religiosa sem par na
historia das religiões (BRUEGGEMANN, 1997) .
A sabedoria e religião.
A religião não é somente uma das características dos israelitas, mas pode ser
indicada a característica social que dá alicerce toda uma sociedade, inclusive Durkheim
afirmou que a religião era a “ossatura” de uma sociedade (DURKHEIM, 1989).
Toda vez que problemas sociais, econômicos e políticos aconteceram esse povo
relacionava a alguma causa religiosa. Eles, obviamente, explicavam tais “coincidências”
como uma vingança ou desaprovação de Jeová; usavam também a característica
vingativa de Jeová ou a manipulavam quem desobedecesse às leis divinas.
Embora a tradição indicasse Moisés como autor do Pentateuco, a maioria indica
como uma obra posterior, sec. V a.C. foi primordial para a formação de uma legislação
mosaica. Em 586 a.C., Nabucodonosor, na grande expansão de seu reino (MEDEIROS,
1991) conquistou a palestina e a elite social e religiosa da nação foi levada para a
Babilônia, como escravos11.
11
Era uma tática comum dos antigos grandes reino conquistar os filhos das elites mostrando-lhes a
riquezas de sua cultura ou corrompendo -os pelo luxo e pela luxuria, quando voltavam aos seus reinos
queriam transformá-lo numa colônia do reino conquistador (ROBERTS, 1995)
O Exílio deu azo à formação de um corpus cultural hebraico novo, visto que o
contato com diversas culturas diferentes que freqüentavam o comercio babilônico
(persas, gregos e romanos) fez com que os hebreus fossem influenciados na eu- ser-estar
cultural e suas produções literárias míticas, deve ter tido um impacto muito grande
nessa cultura (DE PURY, 2002). Este processo, iniciado na Babilônia, somente iria
terminar 900 anos mais tarde (SKA, 2012).
Pequeno e com pouca produção agrícola devido ao seu pouco terreno fértil,
Israel sempre dependeu dos povos circunvizinhos para estabelecer seu conhecido e
milenar modo de produção comercial. Inclusive o Egito e Mesopotâmia conhecidos
berços da civilização ocidental. Esse contato, em que pese certo sentimento xenófobo
israelita, esse povo não ficou imune ao contato com esses diversos povos com suas
culturas avançadíssimas e que pode ter proporcionado sua sabedoria (STEINSALTZ,
1976).
Por exemplo, hoje há certas provas arqueológicas de que de fato os povos
semitas estiveram no Egito como escravos, talvez não tantos quanto a narrativa descrita
em Genesis e Êxodo querem descrever ao engrandecer e heroicizar a figura de Moisés e
do povo ancestral, porém estiveram, lá e provavelmente beberam na fonte da sabedoria
desse povo. A prova de que estiveram lá é dada pela obra de Eberhard Zangger (2005),
especialista em cultura clássica e um dos decifradores da correspondência
mesopotâmica-egipicia, que em escavações mostrou que haviam povos semitas,camitas
e palestinos no Egito.
As imagens abaixo foram publicadas na revista Ancient Egypt Magazine numero
32 por Rachael Thyrza Sparks orientanda de Zangger, outra prova está no recente
artigo da National Geographic de outubro de 2013, edição americana, na reportagem de
Rick Gore.
SPARKS,2002, anexo 1.
O espraiamento da sabedoria.
Segundo Lindez (1999) é possível ver em varias partes do antigo uma forte
influencia da sabedoria Egípcia, Mesopotâmica e mais tarde no exílio Babilônica.
Aponta ele algumas sérias semelhanças de textos anteriores à compilação bíblica tais
como: a influência da literatura sapencial do Egito, como as máximas de Ptah-hotep, os
ensinamentos de Merika-ré, de Amenemopet, e as instruções de Ank-sesonqy,
influenciando os livros dos provébios; as instruções de Duaf-Jeti e de Ani influenciado a
Siracida.
A literarura sapencial da mesopotâmia influenciou também os escritos do antigo
testamento, tal como o poema do Justo que sofre, um canto de louvor a Marduc, é muito
parecido com a narrativa de Jó, a teodicéia Babilônica influencia o livro de Jó e o
Genesis nas narrativas sobre os filhos de Noé (sobre a maldiçao de ver o pai nu), e a
celebre Epopéia de Gilgamesh que narra o dilúvio também influenciando o livro de
Genesis na narrativa de Noé. As sentenças de Aicar da babilônia tem forte influencia
também em Provérbios.
Há também uma forte influencia de mitos sumérios que alertam a sabedoria de
não querer se igualar aos Deuses como no caso da história da torre de Babel, Kramer
(1968) chama atenção para uma história parecida à da Torre de Babel na Mitologia
suméria chamada Enmerkar e o Senhor de Aratta, na qual Enmerkar de Uruk constrói
uma torre de guerra em Eridu e os deuses Enki e Enlil acabam por confundir as línguas
de toda a humanidade como efeito da sua ousadia. No mesmo conto está também a
historia de um caçador herege aos deuses chamado Ninrod, nesse conto lhe é
apresentado como filho de Enmerkar porém, outras traduções apresentar como sendo o
próprio Enmerkar (YAMAUCHI, 1965).
Lindez (op. Cit) chama atenção para o intercambio de sábios e culturas, ato
praticado comumente, provavelmente estimulado pelo comércio (PFOH; WHITELAM;
2013) praticado no mediterrâneo influenciou com certeza essa formação cultural. Bom
lembrar que há certa xenofobia judaica, porém nunca foram proibidos de comerciar,
aprender ou mesmo nunca trataram mal os estrangeiros seguindo as orientações de
Moisés (GERSTENBERGER, 2012).
Há fortes indícios de uma influencia pós exílica da cultura babilônica Assim
como era desenvolvidas as leis comerciais as do povo hebreu também se tornaram
desenvolvidas como, por exemplo, descritas em Ex 22:9-15, há indícios de semelhança
entre estes versículos e o código de Hammurabi o que pode denotar uma influencia
cultural pós- exílica.
Há de se contar também da epítome de Deus ao propor que o único Deus Javé
como verdadeiro enquanto colocava todos os outros deuses do entorno como falsos
deuses ou demônios. Os deuses sumérios, fenícios e Acádios, Astarth e Asterotthi, bem
como os babilônicos Baal-Phegor, BaalBerith, Baal-zebub (mudados para Belial ou
Baal) foram demonizados e transcritos para o antigo testamento.
Definição de sabedoria.
A sabedoria antiga, segundo Lindez (op.cit) constitui em um sistema de valores
em uma compreensão total do mundo e do cosmo, em uma referencia de relações do
homem com o divino e sua pratica sobre o mundo. É bem diferente da pratica de
sabedoria colocada com o advento do Helenismo. A cultura essencialmente grega, em
especial influenciada pelos expoentes do circulo antropológico, com um papel
importante de Aristóteles como difusor cultural de Alexandre o grande, e se torna
dominante nas três grandes esferas atingidas pelo Helenismo, a Macedônia, a Síria e o
Egito (CHEVITARESE, 2000).
Mais tarde, com a expansão de Roma, cada um desses reinos será absorvido pela
nova potência romana, dando espaço ao que historicamente se demarca como o final da
Antiguidade (BORGEN, 1992). Antes disso, porém, os próprios romanos, forma
paradoxalmente militarmente vitoriosos, porém, culturalmente dominados pelos gregos,
submetidos ao Helenismo, daí a cultura grega ser depois perpetuada pelo Império
Romano.
A sabedoria helenística não teria relação com o divino, para ela o homem era o
centro do universo, agora os deuses estavam na terra na forma do hegemon, Alexandre,
o homem era o sábio e tomara lugar dos deuses. A sabedoria helenística era considerada
o conhecimento acumulado de ciências em uma Paidéia, ou progressão do espírito
humano, o humano e seu conhecimento é o sábio, não é um dom divino.
Há um problema grave para a sabedoria antiga, dentre a qual a judaica referente
ao helenismo: Ele dá certo e resultado rápido. O helenismo desenvolveu o progresso
humano, destacando seu Polibius; o desenvolvimento da matemática e da física, campos
nos quais surgem Euclides e Arquimedes; astronomia, da medicina, da geografia e da
gramática. Tais conhecimentos tem reflexos rápidos nas engenharias e técnicas,
desenvolve-se grandes castelos, maquinas de guerra, navios nunca dantes vistos
possibilitados pelos estudos geométricos, grandes plantações com conhecimento da
astronomia, uma verdadeira era de fartura para a sociedade.
Rapidamente os sábios perceberam que essa sabedoria era uma afronta a Javé, e
propagaram em seus livros de sabedoria (Eclesiastes, Provérbios, Siracida dentre outros
tais como em alguns salmos), que a sabedoria seria o temor do Senhor Iavé.
Sabedoria bíblica.
Para a herança judaico-cristã, a sabedoria é diferente, ela é de algum modo vinda
de Deus. A sabedoria no antigo testamento era o temor a Deus, (Ref: Pv. 1:7, 9:10 e
16:6; Sl 25:12 e 111.10; Jó 28.28), e também o cumprimento da Lei de Moisés
(Eclesiástico 19: 18-21). Como descendentes da sabedoria mesopotâmica, que também
gerou a grega, tem algo em comum e algo de diferente. Enquanto ação a sabedoria é a
mesma coisa para todos, Gregos, helênicos, Judeus12: Sabedoria é um agir no mundo
levado por uma crença de se estar fazendo o bem; é uma práxis, um agir sobre o mundo
segundo valores aprendidos e direcionados para o bem comum social. Seria o
discernimento que permite tomar o melhor caminho a seguir. Segundo Horne (2005) o
sábio e o que escolhe viver pelo caminho do respeito a Deus testemunhado
conscientemente ou não de que este é o fator primordial da realização humana.
Porém isso é perpassado por uma crença, ou seja, cairá no problema do
relativismo do que é bem para uns pode não ser para outro. Assim cairá nas diferenças
de sabedoria que não está na ação e sim nas fontes: enquanto a fonte de sabedoria para o
Hebreu é Jeová ou as escrituras atribuídas divinamente, já para o grego - helênico, a
sabedoria é humana ou o espírito humano em ascensão, possivelmente envolvido em
uma ética para o bem viver, porém de fonte humana e não divina.
Ai está a diferença entre as duas não diferem enquanto modo – ambas são agir
no mundo – porém diferem quantos as fontes, uma é humana, outra, divina.
Assim a sabedoria do hebreu é seguir a palavra de Deus, e sem entrar no mérito
histórico13 de como isso se deu, passa isso para o cristão. Para o cristão também é seguir
o livro sagrado, mas com ênfase ao amor ao próximo, alem de amar a Deus, deve-se
amar ao próximo. Não se fará aqui nesse trabalho, um comparativo a sabedoria do amor,
pois tal tarefa seria trabalho para uma vida toda. O Amor é o cumprimento de toda a lei,
12
As vezes me referirei como hebreu, judeu, não cairei aqui na problemática das origens dos povos já
descrita anteriormente, que envolvem ser descendentes dos povos de Canaã, sem nenhum preconceito
pois não os tenho me refiro aqui aos povos de língua hebraica ou que são crentes na Torah ainda que não
sigam corretamente. Os que estão unidos pela disporá de Israel.
13
Tal tarefa exigiria uma dissertação doutorado ou mais de uma
segundo Paulo, e ainda segundo o autor de Colossenses diz que em Deus e Cristo está
toda a sabedoria “Para que os seus corações sejam consolados, e estejam unidos em
amor, e enriquecidos da plenitude da inteligência, para conhecimento do mistério de
Deus e Pai, e de Cristo, Em quem estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e da
ciência. Colossenses 2:2-3”.
Ainda para Paulo, na carta aos Coríntios faz divisão entre a sabedoria da terra
(filosofia grega) e a sabedoria dos seguidores de Cristo ou de Deus como descrito em 1
Coríntios 1:19-2514, ou na mesma carta no cap. 2:4-7 ou ainda 3:18-21. O autor de
Tiago também faz menção e separação entre a sabedoria de Deus e a do homem, sendo
a “do alto” pura e imaculada e a do homem corrupta, (Tiago, 3:13-17). Para o novo
testamento a sabedoria vem de Deus (Lucas 21:15), e é esse o entendimento soberano
para os que querem ser cristãos de um modo sem questionar através da reflexão
teológica cientifica, de um modo puro o cristão deve seguir esse entendimento: que não
há outro caminho para a sabedoria que não venha de Deus. O conhecimento humano
não deve ser posto ante o de Deus.
Ocorre que a crise da modernidade que colocou a razão humana como supra-
verdade retira a sabedoria divina e a coloca como um conhecimento secundário, ou
como simples religião ou como exótico e mentiroso. Despertando o pior da religião, sua
reação fundamentalista.
Sabedoria Grega
A sabedora Grega é totalmente diferente da sabedoria bíblica, é assim como a
helênica de fonte humana, porém, talvez não seja um agir o mundo, mas um conhecer-
o-mundo. Sabedoria grega se constitui em meio ao espraiamento da cultura helênica que
é a denominação de um conjunto de fenômenos sociais e é também o resultado de uma
série de eventos marcantes no mundo ocidental e meso oriental.
Porque está escrito: Destruirei a sabedoria dos sábios, E aniquilarei a inteligência dos inteligentes.
Onde está o sábio? Onde está o escriba? Onde está o inquiridor deste século? Porventura não tornou Deus
louca a sabedoria deste mundo?
Visto como na sabedoria de Deus o mundo não conheceu a Deus pela sua sabedoria, aprouve a Deus
salvar os crentes pela loucura da pregação.
Porque os judeus pedem sinal, e os gregos buscam sabedoria;
Mas nós pregamos a Cristo crucificado, que é escândalo para os judeus, e loucura para os gregos.
Mas para os que são chamados, tanto judeus como gregos, lhes pregamos a Cristo, poder de Deus, e
sabedoria de Deus.
Porque a loucura de Deus é mais sábia do que os homens; e a fraqueza de Deus é mais forte do que os
homens.
1 Coríntios 1:19-25
A sabedoria do religioso.
Sem duvida há uma ruptura na sabedoria do mundo, ela está rota e foi
substituída pelo conhecimento científico, não há duvida, toda humanidade adotou como
verdade esse tipo de conhecimento, porém sempre houve quem se direcionou pelas
escrituras, ou melhor, pela interpretação particular de seu grupo das escrituras.
Faz-se necessário o conceito de crença, Como diz Bain, citado por Peirce (1974),
crença é “aquilo segundo o qual o homem está preparado para agir.” O próprio Peirce
(idem) complementa esta ideia notando que “Estar-se deliberadamente e completamente
preparado para moldar a conduta em conformidade com uma proposição, não é mais
nem menos que o estado mental chamado 'acreditar nessa proposição'”, o crente judeu
age no mundo conforme sua crença, é a sua única sabedoria. Se veste, age, fala, se
referencia a si e ao mundo segundo sua crença.
Assim o judeu se deve a uma crença. Se há uma sabedoria nisso ela é uma
reprodução da teologia de sofrimento, renuncia e auto-sacrificio do cristianismo
primitivo e do antigo testamento. Seu sentimento de unidade enquanto etnia trasncende
a religião e se constitui no típico de uma sociedade excludente, que tem melhorado
possibilita apenas uma sabedoria, já que a grande maioria não tem acesso aos bens
culturais, seguem a sabedoria que acreditam ser Divina. Vivem por seguir a palavra,
temor a Deus é significante no seu cotidiano, uma vez que vivem por certo temor de ser
castigados por qualquer desvio de conduta. Alem disso devido as suas condições, Rolim
(1985) aponta o intenso controle social que a própria comunidade exerce sobre seus
membros, porém tem mais medo de Deus do que da comunidade.
Tem seu próprio entendimento de modo difuso do que seja Deus, é um
entendimento plural, difuso e liquido, mas tem um ponto comum, O Espírito guia sua
vida a partir do momento que se constitui Judeu. Toda sua vida é guiada pela obediência
a palavra divina, claro que transgridem tal palavra e pecam, mas procuram basear sua
aplicação no mundo não mediado por uma teologia provinda da modernidade e sim por
um entendimento mais subjetivo da bíblia e por uma experiência mais subjetiva e direta
com o espírito.
Acreditam que sua sabedoria virá de Deus, acreditam ser capazes de obter
revelações e um conhecimento diretamente vindo de Deus, tendo uma relação direta
com Ele através do Espírito. Isso talvez defina sua sabedoria, acreditam não ter
mediação entre Deus e o homem, pois o pastor quando prega, é segundo sua crença
dirigida pelo próprio Espírito.
Vale lembrar que não há divisão entre profano e sagrado no sentido Eliadiano,
não há tempo e espaço dividido entre sagrado e profano, toda sua vida é sagrada, toda
sua vida é pra Deus. Seu agir no mundo é para Deus, como está jungido a Deus, não há
escolha, se é de deus é bom, portanto não há juízo do valor em magoar certos direitos
humanos, simplesmente o bem é a palavra sagrada, o que vai contra isso é mal e o
homem que segue isso não é sábio.
Conclusão.
Concluindo o agir do mundo do judeu antigo, é o temor a Deus, é uma sabedoria
guiada contra a modernidade sem ter caído no fundamentalismo violento, é de fato uma
contracultura de o mundo moderno visto tentar a negação desse mundo. Vivem não para
a racionalidade do pensamento filosófico grego helenico, mas para uma espiritualidade
particular e única.
E uma sabedoria na contramão do que e considerado sabedoria pela cultura
helênica. Resolvem e se posicionam no mundo com o que entendem ser o bem ou
obediência a palavra de Deus.
Ë claro que é irreal, pois infelizmente é atravessado por interesses sempre
escusos de exploração devido a falta infeliz de paz e sempre guiado por interesses
econômicos e políticos que justificados pela religiosidade os torna perigosos quando
confrontados em suas crenças. Mas mostra que mesmo no mundo moderno há uma
outra forma de viver e se relacionar no mundo, através de uma antiga sabedoria judaica
de viver sob o Temor do Senhor Deus. Lembro que para eles o Temor não é o terror,
mas sim reverencia e respeito a sua palavra, vivem por essa ética. Tal prática se
manifesta, em tese, por viver em honestidade, não proferir palavras torpes, perdoar,
evitar o pecado, e principalmente e que difere de todas as outras religiões na crença que
isso vem do Espírito e não de uma transformação ética de esforço próprio.
Assim, essa ética deveria ser perene voltada para a paz e não para a guerra,
porém quando unidas aos interesses mesquinhos infelizmente traz conflitos terríveis, a
qual deveria parar. Voltar aos seus fundamentos, sem fundamentalismos. A resposta
para esse problema talvez esteja na proposta de um novo fundamentalismo, digamos um
fundamentalismo esclarecido (se é que isso é possível), um que proponha como
fundamentos de sua religiosidade as ideias que não produzam vítimas (CERTEAU,
1998), onde o fundamento das configurações cristãs seja a o amor ao próximo; das
judaicas, o relacionamento com Yavhé e da sua benignidade, das mulçumanas do
caminho da submissão e da bondade. Ou seja, que seus fundamentos sejam os
condizentes com as conquistas de direitos humanos conseguidas a muito custo pelo
Estado democrático, e da promoção de um Estado Laico que garanta o respeito às
culturas e a liberdade religiosa e que apesar de conflitantes nasceu justamente com as
sabedorias helênicas. Deveriam essas duas fontes de sabedoria se complementar e
aprender uma com a outra e não excluir. Assim caminharíamos para um principio
ideológico de paz e não de guerra, termino com uma frase da sabedoria hebraica que
deveria obedecer ao seu Deus nesse verso: Porque eu bem sei os pensamentos que tenho
a vosso respeito, diz o SENHOR; pensamentos de paz, e não de mal, para vos dar o fim
que esperais." Jeremias 29:11.
Referências
BORGEN, P. “Philo and the Jews in Alexandria”, in: BILDE, P. et alii. Ethnicity in
Hellenistic Egypt. Aarhus: Aarhus University Press, 122‐138. 1992
COUCHE, Denys. A noção de cultura nas ciências sociais. Bauru SP: EDUSC, 1999
DONNER, Herbert. História de Israel e dos povos vizinhos. São Leopoldo, RS:
Sinodal; Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.
GUTHRIE, W. K. C. A History of Greek Philosophy. IV, Plato: The Man and His
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HUYSSEN, A. (1986). After the great divide, Modernism, mass culture and
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LEHNER, Mark, The Complete Pyramids. New York: Thames and Hudson publishers,
1997.
MIGUEZ, néstor; RIEGER, joerg; JUNG, sung, . Para além do espírito do império:
novas perspectivas na política e religião. São Paulo: Paulinas, 2012
SÊNECA. Sobre a brevidade da vida. Tradução de Lúcia Sá Rebello, Ellen Itanajara Neves
Vranas e Gabriel Nocchi Macedo. Porto Alegre:RS. L&PM. 2012
WESTHELE, Vítor. In: Teologia sob limite. São Paulo, ASTE, 1992, artigo: Teologia e Pós-
modernidade, pp. 143-166, organizador Jaci Maraschin.
YAMAUCHI, Edwin M., Tammuz and the Bible, Journal of Biblical Literature 84.3
(September 1965:283-290)
ZANGGER, Eberhard, Who Were the Sea People? Saudi Aramco World review. pp.
20-31 May/June 1995
Apoio:
Antropólogo formado pela UNESP, Advogado formado pela ITE, mestre em filosofia
pela UNESP, Doutorando no Programa de Ciências da Religião da Universidade
Metodista (6 MEC), área: Cultura, Sociedade e Religião. Professor de humanidades da
Universidade Metodista e do IFSP, campus São Paulo.
RESUMO
Considera-se a espécie humana como caracterizada por uma cognição diferenciada, que
inclui aprendizado constante, uso de linguagem simbólica e auto-consciência. Que
fatores evolutivos teriam engendrado tal fenômeno? Nesse trabalho, são discutidos
alguns dados e conjecturas da Neuroantropologia Cognitiva, que sugerem uma
configuração de fatores, tais como o uso de tecnologia, a adoção do bipedalismo,
emergência da linguagem e da cooperação social, na origem do fenômeno da cognição
humana. A explicação do processo evolutivo humano aponta no sentido da operação de
mecanismos de causalidade circular, pelos quais desenvolvimentos incipientes da
técnica, da linguagem e da sociabilidade teriam progressivamente causado novos
desenvolvimentos nestas mesmas esferas de atividade humana, conduzindo às formas
sofisticadas de tecnologia, comunicação e relacionamento humano que caracterizam o
período histórico contemporâneo.
OS PRIMORDIOS DA COGNIÇÃO
Desde os primórdios da humanidade, estabelecemos uma relação de dependência
para com a tecnologia que íamos desenvolvendo. Inicialmente, necessitávamos de
instrumentos para nos alimentar melhor, para nos aquecer e para atender outras
necessidades. Depois para subjugarmos outros povos, para termos melhores condições
de vida, combater doenças, melhorar o rendimento no trabalho. Hoje, juntamente com
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Trabalho apresentado ao I Encontro Internacional Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
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I Encontro Internacional Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
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I Encontro Internacional Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
Apoio:
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Vários animais são capazes de usar ferramentas, mas não de construí-las, as diferenças
levantam-se, entretanto, em como os seres humanos usam ferramentas em comparação a
outros animais. As ferramentas utilizadas por animais não evoluem, não passando de
comportamento estereotipados, enquanto as dos humanos tornam -se mais eficientes com a
evolução da sua complexidade mental. Além disso, nenhum outro animal combina materiais
para criar uma ferramenta com as funções múltiplas De fato, Hauser diz, esta habilidade de
combinar materiais e processos do pensamento é uma das computações chaves que
distinguem o pensamento humano HAUSER, Marc "Wild Minds: What Animals Really Think"..
Henry Holt and Company: 2002.
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I Encontro Internacional Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
Apoio:
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Filósofos como Marx, Hartmann e vários outros tratam das necessidades humanas e não
caberia neste trabalho detalhar esse rico assunto.
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I Encontro Internacional Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
Apoio:
mais clássicos chamavam de elos evolutivos. Esses elos, na verdade, estão em profunda
mudança dinâmica, da qual vão emergindo novas formas mais adaptadas ao meio. Essa
adaptação, pelo uso de tecnologia, de novas formas de caça, vai mudando o hominídeo,
sua relação com o mundo e transformando suas características em humanas
(CORBALLIS, 1993, p. 99). O homem, durante o processo evolucionário, vai mudar o
meio e se adaptar ao mesmo numa relação emergente.
O uso de tecnologia trouxe inúmeras interferências e resultados para a cognição
humana: como aumento da possibilidade de variar a alimentação e acesso as proteínas
que interferiram no desenvolvimento cerebral; maior aumento populacional;
transformação do meio ambiente; comunicações complexas (simbólicas) para ensinar
uso e fabricação de tecnologia aos novos membros da tribo; troca de informações
elaboradas para produzir eficientes estratégias de caça.
Inúmeras outras mudanças pela utilização de tecnologia fizeram com que
rompesse os limites animais naturais, trazendo novos alcances a cognição hominídea,
onde ela nunca esteve antes. Um universo de capacidade de design, de insight e de
analises futuras, de interferências junto à natureza, de pensamentos e representações;
para poder finalmente pensar em novas possibilidades além daquelas limitadas ao
próprio corpo em relação com o meio-ambiente. Havia agora um mediador além do
corpo, para transformar o ambiente e prover suas novas e constantes necessidades – o
instrumento.
O HOMO HABILIS
O Homo habilis (h.h.) trouxe uma contribuição muito importante para a
evolução do homem, a tecnologia de fabricação própria (self-made technology)
(SUSMAM, 1998, p. 4); quando começa a lascar pedra, para fazer tudo: caçar, tirar o
tutano das carcaças, espantar outros animais e afastar grupos rivais, o que, antes de usar
tecnologia, seus antepassados não podiam fazer. Tecnologia é tudo o que nos liberta
das limitações de nosso próprio corpo (MONDIN, 1980, p. 199).
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Também denominada memória operacional, é um tipo de memória transitória que pode
manter informações por períodos variáveis de tempo em função de sua utilidade. Por enfatizar
apenas seu produto e não os processos psicológicos envolvidos, sua definição engloba tanto o
que aqui chamamos de memória prospectiva, assim como o que denominamos memória
operacional (working memory, no sentido de Baddeley, 1986), cujo componente primordial são
seus recursos atencionais.
Segundo Richardson (1996), Miller, Galanter e Pribam foram os primeiros a utilizar, em 1960, o
termo “memória operacional” (working memory), considerando o lobo frontal como responsável
pela “memória operacional”, na qual os planos podem ser retidos temporariamente quando
estão sendo formados, transformados ou executados. Nesse sentido, é um sistema de
processamento da informação que atua no controle executivo da cognição e do
comportamento, sendo um tipo de memória de curto prazo. Essa interpretação, apesar de
genérica, é bastante aceita pela neuropsicologia atual.
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por um crescimento neurológico desta área no córtex. Acreditamos que, tanto essa
destreza como o crescimento cerebral, foram profundamente influenciados pela
mudança radical na alimentação.
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Há registros de chipanzés que usam pedras para quebrar nozes, mas não capazes de
fabricá-las. PREMACK, David & PREMACK, Ann James, The Mind of an Ape, New York:
Academic Press, 1983
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Difere de técnica que nem sempre necessita de instrumento. Técnica é o procedimento ou o
conjunto de procedimentos que tem como objetivo obter um determinado resultado e nem
sempre precisa de instrumento, exemplo técnicas de sedução (LAKATOS e MARCONI).
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quadrúpedes que vão beber água, pegando os mais fracos, depois de matar um, se o
bando de caçadores for grande, eles abandonam por pouco tempo as primeiras
carcaças derrubadas e vão atrás de outro membro do bando. Nesse curto período de
tempo, o h.h. agia com extrema inteligência social, enquanto parte do bando vigiava
para ver se os caçadores voltavam, outros utilizavam seus machados de pedra para
extrair pedaços de carne da caça, numa atitude perigosa e que teria que ser muito
rápida, obtendo assim carne fresca o suficiente. No caso de caçadores que caçavam
solitários, como a cheeta pré-histórica e o cinogato, cuja habilidade seria capaz de
matar um búfalo, mas não de comê-lo inteiro, deixando boa parte da carcaça fresca,
confiando no seu território marcado pelo seu cheiro. Entrar no território de um
caçador poderoso pode ser extremamente perigoso, mas agindo em bando, com vigia
e aumentando sua socialização, o h.h. seria capaz de obter o tão precioso alimento.
(FOLEY, 2003, p. 128-129).
Apoio:
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Cf. BODEN, Margaret. A mente criativa.p. 45.
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Definição adaptada de Maturana (2001. p. 61).
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mundo acessível do sujeito mediada por uma linguagem que entre o mundo e as reações
e referências entre meio e sujeito.
Referencias:
BERG, Daniela; HOLTZMANN, Carsten; RIESS, Olaf. 14-3-3 Proteins in the nervous
system. Nature Reviews Neuroscience, v. 4, n. 9-4, p. 752-762, Sep. 2003.
FALK, Dean. Braindance. New York: Henry Holt and Company. Inc., 1992.
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I Encontro Internacional Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
Apoio:
SUSMAM, Randall L. Hand function and tool behavior in early hominids. Journal of
Human Evolution, n. 35, p. 23-46, 1998.
WILLS, Christopher. The Runaway Brain: The evolution of human uniqueness. New
York NY-US: Harper Collins Publisher, 1991.
18
1º simpósio Sudeste
da ABHR
1º simpósio Internacional
da ABHR
Diversidades e
(in)tolerâncias religiosas
Anais
ISSN - 2318-518X
Introdução
Estamos em época de mudanças sociais bem como crises, como um dos principais segmentos
da sociedade, a religião também passa por mudanças (BERGER, 1971, p.21), pode-se afirmar
que estamos em época de efervescência religiosa (CAMPOS, 2002, p.97). Sobretudo no
Brasil, as profundas mudanças econômicas e sociais, bem como a inserção do país de modo
crescente no cenário econômico mundial afetou vários segmentos da sociedade brasileira e
sua religiosidade também foi afetada (MUNIZ DE SOUZA & MARTINO, 2004, p.15).
1
Antropólogo, jurista, mestre em filosofia, doutorando em Ciências da Religião pela UMESP, Bolsita do IEPG,
professor da UNESP- FAAC – Bauru. Orientador Lauri Emílio Wirth. Contato: adv.otavio@ymail.com.
1029
Igreja Pentecostal "O Brasil para Cristo" (1956); Igreja Pentecostal "Deus é Amor" (1961);
Metodista Wesleyana (1967) e muitas outras.
Na Década de 70, uma terceira onda pentecostal, que é a mais estudada, porque usa grande
espaço na mídia e suas ideias diferenciadas, com uma série de modificações da teologia
pentecostal, deu início a formas de pentecostalismo conhecido com o nome de
"pentecostalismo brasileiro" ou neopentecostalismo. A Igreja Universal do Reino de Deus
(1977), a Igreja Internacional da Graça de Deus (1980), a Igreja Cristo Vive (1986), são
expressões afirmadas do pentecostalismo brasileiro (MARIANO, 2005).
Cada uma focaliza seu discurso social e teológico em bases principais que podem até se
misturar com as outras. Todas podem pregar, por exemplo, a cura, ou a prosperidade, mas
cada uma enfoca algo que são diretrizes básicas da maioria das pregações em seus templos. A
primeira onda (pentecostalismo) enfoca o batismo com o Espírito Santo e a glossolalia e a
salvação da Alma (LEONARD, 1963 p. 47). A da segunda onda de (Deuteropentecostalismo)
enfoca a cura divina e estimula cultos com excessiva demonstração de Glossolalia
(MOREIRA, 1996 p.13). A da terceira (neopentecostalismo) exalta o exorcismo e mensagem
da prosperidade (FERRARI, 2007 p.22).
Varias igrejas surgiram no cenário Brasileiro nos últimos anos. Basta dar um pequeno passeio
em qualquer bairro, sobretudo os periféricos, para ver um sem numero de denominações
religiosas das mais variadas2.
2
Existem muitas listas, sobretudo WEB. Segue sugestões de consulta:
http://www.compulsivo.com.br/2010/02/todas-as-igrejas-do-brasil.html -
http://www.pulpitocristao.com/2010/05/confira-os-nomes-de-igrejas-mais-estranhos-e-engracados/ -
http://oskaras.com/97-nomes-estranhos-de-igrejas/ - http://www.gospel10.com/igrejas/denominacao--batista--1 -
http://www.gospel10.com/igrejas/denominacao--igreja-pentecostal--18 - http://www.mackenzie.br/10175.html
1030
através de registros das igrejas) anunciado da Convenção Geral das Assembleias de Deus o
Brasil (CGADB) de 2012 de ≈25.000.000, chegamos a uma média de 20.000.000 (vinte
milhões) de membros, (CPADNews, 2012) o mesmo site observa que se a taxa de
crescimento continuar constante, em 2020 o numero de evangélicos da AD ultrapassará os
50.000.000.
As neopentecostais têm suas praticas pautadas pela teologia da prosperidade (CAMPOS, L.S.,
1996 p.521), que significa uma troca simbólica de promessas supostamente divinas de que os
fieis tem, em troca de sacrifícios financeiros, o direito-dever de se tornarem ricos e
prósperos3.
Em que pese à popularidade alcançada, ou a grande colocação na mídia, não é nem de longe o
maior representante do pentecostalismo no Brasil, perto das Assembleias de Deus (AD).
Segundos dados do IBGE, as maiores representações somadas do neopentecostalismo não se
aproximam das ADs que na menor das contagens chega a quinze milhões de membros.
Segundo o IBGE a IURD tem 1.873.000 (um milhão oitocentos e setenta três mil membros).
A IIGD não aparece nas pesquisas do IBGE, mas segundo uma entrevista dada a revista
Enfoque Gospel, com seu fundador o missionário R.R. Soares, que auto atribui-se a cerca de
900.000 (novecentos mil) membros, não há porque duvidar, sendo que em apenas uma
pregação no estado do RJ na Enseada de Botafogo, no chamado “Dia da Decisão”, em
comemoração às quatro décadas de jornada ministerial de seu líder, cerca de 200 mil pessoas
compareceram (REVISTA ENFOQUE GOSPEL, 2012). A IMPD tem 315.000 (trezentos e
quinze mil membros) (IBGE, 2010), outras somadas chegam a 400.000 tais como o Ministério
Mudança de Vida, Renascer em Cristo, da Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra , e
do Ministério Internacional da Restauração. Todas essas juntas não chegam a um terço das
Assembleias de Deus (ADs).
As ADs e igrejas derivadas a que denominar-se-á igrejas pentecostais ortodoxas, não estão
isentas de mudanças diversas, que estão ocorrendo bem agora, sobretudo nos últimos 5 anos
(de 2007 em diante). Vários eventos proporcionaram tais mudanças. A explosão Gospel
3
uma análise aprofundada de seu discurso revela em sub tom, de que as pessoas que forem fieis em dízimos e
ofertas tem não só o direito, mas o dever de serem prósperas (entenda-se ricas) e que em caso contrario deve
existir algum pecado ou demônio atrapalhando a prosperidade dessa pessoa.
1031
ocorrida na década de 1990 (CUNHA, 2007 p.9). A influência sempre histórica das igrejas
norte-americanas, cujo discurso e teologia foram mudados após os acontecimentos de
setembro de 2001. Outro em 2004 quando ocorre à saída da AD Madureira da CGADB.
Também a ordenação de mulheres a partir de 2005. Outro com a crescente influência de
Algumas ADs na mídia. Digno de nota é a mudança de discurso e sua grande influencia
teológica dos eventos promovidos pelos Gideões Missionários da Ultima Hora. Também vale
lembrar a crescente influencia teológica da CPAD e da CGADB, ou seja, há novas
instituições influenciando as Igrejas pentecostais ortodoxas.
As ADs tradicionalmente são conhecidas por impor uma adequação moral aos seus membros
no que se refere as vestimentas, impõe um jugo pesado inadequado ao clima brasileiro,
tachando o que é ou não uma roupa decente. No seu livro o pastor Ricardo Gondim (2005,
prefacio)4 denuncia o pesado jugo a qual estão dispostos tais pessoas. Essa é uma visão
fundamentalista, mas que tem mudado, porem há muito ainda que mudar.
Para a maioria das ADs não se pode cortar cabelo para as mulheres, homens não podem ter
cabelo comprido, de preferência o corte deve ser padronizado como o do pastor ou raspado,
mulheres só podem usar saia comprida, no mínimo abaixo do joelho, homens podem andar de
calça social e camisa, preferencialmente comprida, mas os obreiros no culto só podem portar
terno e gravata, não importa o calor (ROLIM CARTAXO, 1987 p. 18).
São inúmeros os ministérios, os mais numerosos são: Ministério Belém, Ministério Ipiranga,
Assembleia de Deus Missionária, Assembleia de Deus Ministério Missão, filiadas a CGADB. Há
inúmeras outras não filiadas tais como, AD Kairos, AD Restauração, AD Fama, etc... vale a
pena registrar a Assembleia de Deus Madureira, que só perde para números de fiéis para a AD
4
Pastor da Assembleia de Deus por 15 anos, o pastor Ricardo Gondim com 50 anos de idade e vivência dentro
dessa igreja, observou muita coisas nela e depois abriu sua própria igreja (Igreja Evangélica Betesda) por não
acreditar em certas regras e costumes impostos pelas ADs.
5
Por exemplo a AD missionária tem a visão de implantar missões em vários locais do Brasil e do mundo o vice
presidente ao contrario da maioria dos ministérios não é filho nem genro nem parente do presidente.
1032
Belém, e tem sua própria convenção: A CONAMAD - Convenção Nacional das Assembleias
de Deus no Brasil do Ministério de Madureira. Porém, todas podem ser caracterizadas por
certos códigos de comportamento que as caracteriza além da roupa: repetem em tom
monocórdio versículos bíblicos, ao menos em tese não falam gírias e palavrões, evitam ouvir
musicas mundanas e frequentar eventos mundanos. Não pode, varias coisas, ver tevê, praticar
esporte e cultuar ritmos musicais brasileiros, as crianças não podiam brincar de futebol,
bicicleta ou nadar , nem praticar esportes ou ir a praia. A justificativa é ao mesmo tempo
Simples e definitiva: são coisas do mundo ou do diabo6. Essa é uma visão fundamentalista
bíblica que impunha certa interpretação de lideranças mas que mudou nos últimos anos.
No templo do Brás, porém, às 19h30 do domingo 15, um grupo de cerca de vinte fiéis fazia
coreografias, ao lado do púlpito, ao som de uma batida funkeada. Seus componentes –
mulheres maquiadas e com cabelos curtos tingidos, calça jeans justa e joias combinando
com o salto alto; homens usando camiseta e exibindo corte de cabelo black power – outrora
sofreriam sanções, como uma expulsão, por conta de tais “ousadias”. Mas ali eram
ovacionados por uma plateia formada por gente vestida de forma parecida, bem informal.
Palmas, também proibidas nas celebrações tradicionais, eram requisitadas pelo pastor
Samuel de Castro Ferreira, líder do templo e um dos responsáveis por essa mudança de
mentalidade (...)Sua Assembleia do “pode” tem agradado aos fiéis. “Meu pai não permitia
que eu pintasse as unhas, raspasse os pelos ou cortasse o cabelo”, conta a dona de casa
Jussara da Silva, 49 anos. “Furei as orelhas só depois dos 40 anos. Faz pouco tempo,
também, que faço luzes”, afirma Raquel Monteiro Pedro, 47 anos, gerente administrativa.
Devidamente maquiadas, as duas desfilavam seus cabelos curtos e tingidos adornados por
joias pelo salão do Brás, cuja arquitetura, mais parecida com a de um anfiteatro, também se
distingue das igrejas mais conservadoras. (CARDOSO, 2011)
6
Para alguns fiéis é a mesma coisa pois interpretam ao pé da letra a passagem bíblica descrita em 1Jo 5.19
"Sabemos que somos de Deus e que o mundo inteiro jaz no Maligno."
7
Ver mais detalhes na reportagem - Um pastor moderno entre os radicais jornal mídia gospel de 20 de novembro
de 2011, disponível em http://www.midiagospel.com.br/variedades/noticias/assembleia-de-deus-sem-usos-e-
costumes acessado em 12/dez/2012.
8
Basta ir a qualquer culto.
1033
Tais mudanças se encontram em franca aceitação pelos fieis e afetam outras Assembleias de
Deus e igrejas, que cada vez mais rompem com tradições, a AD do Bom Retiro com mais de
7.000 membros que pode ser citada como exemplo (SANTOS CORREA, 2008 .p.56), mas a
maioria das ADs ainda mantém seus costumes.
9
Se baseiam na Bíblia em 1 epistola a Timóteo 2.9.
10
Apesar de haver ordenação ainda há muita resistência, a resistência está centrada nas igrejas que ainda não tem
pastoras ou não convidaram pastoras para pregar, após isso ocorrer a resistência pouco a pouco se dissolve
(GOSPEL PRIME – 2011).
1034
Embora nunca ordenadas, às mulheres e solteiros já tiveram nos anos 30 e 40 um papel
importante nas ADs, porem o que ocorreu de 1940 até 1990 foi um conservadorismo
extremado (ALENCAR, 2010 p. 76) que implicou em uma fase de machismo em franco
declínio da década de 2000 para os dias de hoje.
Ultimamente tem se observado uma força maior da CGADB (Convenção Geral das
Assembleias de Deus do Brasil) no que se refere às questões teológicas e diminuindo sua
força em questões de doutrina11. Isso se deve ao fato de multiplicar as denominações
associadas sendo impossível unificar por enquanto a doutrina de cada igreja. Creio que se
deve também a certo medo de sair da convenção como aconteceu com a AD Madureira. Em
seu site oficial, ela é definida como “uma igreja evangélica pentecostal que prima pela
ortodoxia doutrinária.”
Ainda há certo machismo, sempre tradicional nas ADs (MARIZ, 1994 p.12), esse machismo é
inclusive aceito pela maioria das mulheres, que se põe em papel de submissão visto que há o
entendimento geral, entre os homens e a maioria das mulheres de que a Bíblia diz assim
(MACHADO, 1996 p.199). Esse machismo se manifesta de varias maneiras, desde a
aceitação geral de que não poderia haver mulheres pastoras, como a ideia de que mulher não
trabalha, e que quem sustenta a casa é o homem (IDEM). Porem essa visão têm mudado, há
tempos vários pastores, em que pese o machismo na pratica de suas vidas pessoais diárias,
dizem em seus discursos e pregações que é grande o papel das mulheres no movimento
pentecostal, esse entendimento é compactuado em anos de observação12 e também na Bíblia
de Estudo Pentecostal (1995) nos comentários de provérbios 31.10-31, como no Dicionário de
movimento Pentecostal (ARAUJO, 2007, verbete mulheres). Não há já algum tempo a
separação de homens e mulheres nas igrejas da ADs, ainda continuam praticá-la a
Congregação Cristã do Brasil e a IPDA.
1035
dado grande importância para as mulheres e são homenageadas e chamadas para vários outros
trabalhos na igreja13. Pode ser ou não por interesse, mas a mulher tem sido mais valorizada.
Quanto à moral sobre o casamento ainda é soberano o fato de se manter a família, quase que a
qualquer custo14, sabe-se que o pentecostalismo tem uma visão machista (MARIZ, 1994
p.192), e o divorcio não era aceito pelas ADs porem o preconceito com mulheres separadas
antes de serem convertidas já inexiste, e está diminuído o preconceito com mulheres
separadas antes da sua conversão15, porem estas são estimuladas a perdoar e continuar com
seus maridos, o divorcio antes impensável hoje é possível apenas na possibilidade de
adultério, e mesmo assim a pessoa deve ser “tratada espiritualmente” antes de se relacionar de
novo com alguém16. O que antigamente era impossível. Ainda é um assunto tabu e desafio
para a igreja (STRECK, 2007 p.32), porem o poder da mulher dentro da igreja tem aumentado
e proporcionalmente a isso o apoio e diminuição de preconceito ao divorcio também
(FONSECA; MARIN; NASCIMENTO DE FARIAS, 2010 p.28).
Evidentemente o maior acesso a mídia, a televisão introduziu novas idéias antes impensáveis
as irmãs, tal como acesso a moda, ideários de beleza, que embora manipuláveis por uma
13
Por exemplo, a esposa do autor consagrada a diaconisa, como é publicitária e designer é constantemente
procurada para fazer a arte dos cartazes, de outdoors e outros, ou seja é a designer oficial da AD missionária de
Bauru e de outras igrejas co-irmãs.
14
Mesmo em caso de traição e agressão familiar há o estimulo para que o membro vitima perdoe o outro e haja
reconciliação de casal, o ministério de casal tem sido um dos mais poderosos das igrejas.
15
Ha pouco preconceito com homem separado ou divorciado, tanto é que ha vários pastores consagrados que são
separados, porém todos passam por “tratamento espiritual” nesse caso, que pode ser alguns anos ou meses sem
pregar, estando no Banco sendo orientado por um pastor e tendo um grupo de intercessores orando por ele(a).
16
As convenções omitem muita coisa, a CGADB apenas diz que é para manter a família, mas se omite em caso
de divorcio.
17
Testemunhos são oportunidades para que pessoas que não são pregadores falem das suas experiências
religiosas.
1036
industria cultural de interesses escusos deu novas escolhas as pertencentes as assembléias de
Deus em sua auto-imagem (MIRA, 2003 p. 40), alem do mais o acesso ao computador e a
internet, trouxe tremenda possibilidade de comunicação informacional ao mundo pentecostal
(CAMPOS JR, 2012 p. 14) , no que se refere a opressão tradicionalmente machista da Ad’s
trouxe uma liberdade de trocas de idéias e conversas para as crentes femininas antes
impossível e restrita ao seu circulo de amizade.
Trouxe diversas idéias antes totalmente alienadas alem do padrão de beleza, trouxe também a
ideia de introdução no mercado de trabalho e ideários de independência financeira trazidas
pelo capitalismo.
A prosperidade para Assembleia de Deus é uma visão bem diferente das neopentecostais.
Essas seguem a teologia ou evangelho da prosperidade que teve suas origens nos EUA, por
volta dos anos 30 e 40 (MARIANO, 1999, p. 151). No Brasil, segundo Mariano (idem, p.
157), a Teologia da Prosperidade iniciou a sua trajetória nos anos 70, penetrando em muitas
igrejas e ministérios, em especial: Internacional da Graça, Universal, Renascer em Cristo,
Sara Nossa Terra, nova Vida, Bíblica da Paz, Verbo da Vida, Cristo Salva, Cristo Vive,
Nacional do Senhor Jesus Cristo. Cada uma delas deu de diferentes maneiras e de diferentes
modos as doutrinas desse evangelho da prosperidade que se baseava em escritos de Hagin tais
como: "Não ore mais por dinheiro [...] Exija tudo o que precisar." (HAGIN, p. 17 apud
ROMEIRO, 1998, p. 43, grifos nossos). A Teologia da Prosperidade encontrou terreno fértil
no Brasil a partir os anos 70, encontrando espaço nos grupos evangélicos pentecostais. Após
certo tempo os pentecostais verdadeiros começaram a rejeitá-lo (PIERATT, 1993 p.81) o que
ocasionou, para quem acreditava uma ampla difusão de novas igrejas e divisões que
acreditavam nesse tipo de evangelho. Surgiram daí as chamadas igrejas neopentecostais.
A prosperidade para os Assembleianos não significam ter vários carros, belas casas, ter um
alto salário, ou uma vida com fartura de bens materiais como é pregada pelas igrejas
neopentecostais, e sim paz harmonia e segurança, em varias pregações é constante a definição
“prosperidade é viver bem com aquilo que Deus permite que você viva”. Ou seja, é um ato
continuo de gratidão a Deus pelo que você tem não uma luta para conquistar coisas que o fiel
ainda não tem.
1037
Isso gera um verdadeiro conflito para o fiel, porque ele ouve num dia desses grandes
pregadores, seja ao vivo ou na radio, a teologia da prosperidade, mas na sua igreja, também
assembleiana, o pastor alerta para o cuidado das falsidades da teologia da prosperidade. Na
bíblia de estudo pentecostal (CPAD – 1995), no estudo “Riqueza e Pobreza” observa-se a
seguinte afirmação: “o crente não deve se preocupar com acúmulos materiais nem amontoar
bens...para o cristão as verdadeiras riquezas são o amor e fé...”. O que ocorre é que certos
germes da teologia da prosperidade tem entrado entre os pentecostais tradicionais fazendo
com que muitos creiam nisso, o que pode explicar o crescimento tanto da ADs, que estão
aceitando tais mensagens mas não com ponto central da sua teologia que ainda é a salvação
das almas.
Aos poucos a teologia da prosperidade tem chegado aos pentecostais ortodoxos, se por um
lado aliena e escraviza os seus fieis, por outro possibilita uma coisa no que se refere ao
gênero, induz a mulher a procurar e se inserir no mercado do trabalho. Antes a mulher que era
relegada as tarefas do lar era o modelo a ser seguido, porem agora o modelo é a da mulher
formada, empresaria e principalmente dizimista na Igreja.
Considerações finais
A mídia também muda o modo de com a igreja se relaciona com o seu fiel e vice versa.
Correa (2000, p.87) afirma: "A relação que é criada através da mídia social, oferece
exatamente a associação que se busca no espaço público", assim o fiel antes negado no
espaço publico pela discrepância econômica, o encontra na igreja, na mídia social em vários
espaços, este começa a aparecer e a gostar disso, o sentimento de humildade cristão vai
1038
sumindo, e criando novas relações sociais dentro do grupo religioso que muda cada vez
mais as Igrejas.
Não vamos dizer que já há uma total independência da mulher, alias independência é um
conceito contraio na tradição pentecostal seja para homem seja para mulher. Porem já alguns
passos tem sido dados e isso é motivo para se observar um avanço nas relações de gênero
nessa pertença religiosa. Claro que ainda existem as Ad’s que mantém o seu tradicionalismo
machista (ex as AD’s ministério Ipiranga que ainda mantem homens e mulheres em lados
opostos da igreja) mas isto devem mudar com a constante influencia apontadas nesse
trabalho.
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1039
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e corrigida. Rio de Janeiro - RJ :CPAD-1995
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40ª reunião da CGADB – Resoluções. Disponível em http://cgadb.org.br/home5a/fotos1/
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CPADNews. Jornal das casas publicadoras das Assembleias de Deus. Brasil não será mais
católico. Publicado em 02/07/2012. Disponível em:
http://www.cpadnews.com.br/integra.php? s=25&i=13601 Acesso em 06 dez. 2012.
1040
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cenário evangélico no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad, 2007.
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SANCHIS, Pierre (org.). Fiéis & Cidadãos – Percursos de Sincretismo no Brasil. Rio de
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1042
DOI: 10.5433/1679-0383.2014v35n2p35
Resumo
Esse artigo pretende traçar algumas considerações filosóficas sobre religião, capitalismo, modernidade e
globalização. Para tanto vai realizar uma critica reflexiva do quadro mundial globalizado e o papel que
a religião está tendo nessa configuração mundial. Utilizando das ideias de autores do calibre de Assman,
Hinkelammert, Ferretti dentre outros mostraremos os mitos pela qual a sociedade globaliza resolve se
configurar e mostrar o papel da religião e do ser humano nesse quadro de modo filosófico.
Palavras-chaves: Religião. Capitalismo. Modernidade. Globalização.
Abstract
This paperwork intends to trace some philosophical considerations about religion, capitalism, modernity
and globalization. To this end will make a reflexive critique of the globalized world scenario and the
role that religion is having this global setting. Using the ideas of authors in some quality of Assman,
Hinkelammert, Ferretti among others, will show the myths by which society decides to configure
globalization and the role of religion and human race in this philosophical way.
keywords: Religion. Capitalism. Modernity. Globalization.
1
Doutorando no Programa de Ciências da Religião da Universidade Metodista. Professor de sociologia da Universidade Metodista
e do IFSP, campus São Paulo. E-mail: adv.otavio@ymail.com
35
Semina: Ciências Sociais e Humanas, Londrina, v. 35, n. 2, p. 35-48, jul./dez. 2014
Costa, O. B. R.
2
Conta a mitologia grega que Ariadne, a filha do rei Minos, ajudaria Teseu, herói grego, a enfrentar seu irmão bastardo e monstro
o Minotauro, se Teseu prometesse casar com ela. Teseu reconheceu aí a única chance de vitória e aceitou. Ariadne, então, deu-
lhe uma espada mítica e única que poderia derrotar o monstro e um novelo de linha que não tem fim (Fio de Ariadne), para que
ele pudesse achar o caminho de volta dentro do labirinto do Minotauro, do qual ficaria segurando uma das pontas. Significa um
apontar de saída para um labirinto cheio de perigos. (BINI, 2007).
3
Basicamente o mito diz que homens e mulheres eram seres primitivos, vivendo da caça e coleta. Desconheciam o fogo, por isso
comiam a comida crua, e embrulhavam-se em peles espessas para se defenderem do frio do Inverno. Não sabiam trabalhar os
metais para fazerem ferramentas ou armas duradoiras. Zeus preferia que eles continuassem assim, porque de outra forma receava
que alguns viessem um dia a querer roubar-lhe o poder. Mas o sábio Prometeu amava a Humanidade e sabia que com a sua ajuda
os homens podiam progredir, saindo do seu estado primitivo. Prometeu foi em segredo ao Olimpo e roubou o fogo dos Deuses
entregando aos humanos. Com a ajuda de Prometeu, o homem desenvolveu-se rapidamente. Ficando assim independente dos
deuses. Zeus estava furioso e mandou levar Prometeu para uma das montanhas de leste e acorrentá-lo a uma rocha. Uma águia
feroz ia todos os dias comer-lhe o fígado, e todas as manhãs o fígado tornava a crescer, de forma que a tortura recomeçava.
Passaram-se muitos anos antes de Prometeu ser liberto - dizem que trinta mil – até que o valente Hércules que o libertou.
(BINI, 2007). Claro que essa é uma das inúmeras versões que existem do mito mas ele significa que os homens se tornaram
independentes do Deuses através do seu trabalho.
36
Semina: Ciências Sociais e Humanas, Londrina, v. 35, n. 2, p. 35-48, jul./dez. 2014
O que a filosofia cristã pode dizer sobre a globalização e o capitalismo
divindades, mas sujeitando-as a razão humana. O que criação. Já o homem que se fez Prometeu para se
se entende que a razão, produto e característica do afastar de Deus, entendendo que isso iria se auto-
humano diminuiu Deus, cuja característica deveria libertar. A própria configuração da religião cristã
ser a incompreensibilidade está desde Hegel sujeita ocidental se tornou algo digno de ser combatido e uma
a razão humana. prisão do qual o homem deve escapar. Essa opinião é
apontada observada por Las Casas (FREITAS NETO,
O mito prometeiano tem um fundo de verdade, o
2003) quando o autor reflete sobre a dominação
triunfo da técnica (por sinal produto da razão), na qual
espanhola e portuguesa sobre as Américas e o sangue
tecnologicamente e cientificamente, a modernidade
que isso trouxe. Ocorre que o homem deveria ter se
fez o homem tornar-se providência para si mesmo,
libertado da religião não de Deus, porém ao libertar-
e hoje, para acabar com a fome, as doenças, as
se na modernidade da religião rompeu-se com Deus e
inundações, as epidemias, agora não recorre a
ao que parece é o homem se faz Deus agora.
Deus, ou deuses, como faziam seus antepassados,
mas sim à medicina, à engenharia, à indústria, etc. Essa visão de que Deus tornava o homem preso
A modernidade proporcionada pela tecnologia, que é errônea, o que na verdade o homem queria se
mitologicamente atribuída a Prometeu é ao mesmo libertar é do próprio homem, é da religião humana
tempo em que é um período histórico indefinido, é uma de mortais que queriam se auto-proclamar porta
crença na certeza do cientificismo e da racionalidade, voz da divindade. Com isso distorceram segundo
na qual as relações sociais são mudadas. seus interesses a mensagem divina, se confunde
a mensagem de Deus com os de muitos corruptos
O ponto alto da modernidade é perceptível com
mediadores (PONDÉ, 2001), e assim o ser humano
a confirmação de Marx de que não existe Deus e
na verdade quer se libertar de outros homens, acaba se
o homem se torna sua divindade suprema. Vale
separando de Deus. Com isso se torna um ser humano
apontar que, no livro "idolatria do mercado", escrito
ridículo (PONDÉ, 2001), vazio de origem, sozinho
por Hinkelammert com Hugo Assmann (1989)
no universo sem algo que explique sua origem e
denunciam o resultado do mercado é hispóstases, ou
seu papel no universo. Não aceita uma consciência
seja, sua suprema personalização-atribuição como
externa superior e externa ao próprio humano. Deus
agente autônomo. A esse agente é aplicado fé em
é reduzido a religião como manifestação social
sua total confiança (GIDDENS, 2002, p. 127) de esvaziando de significado a divindade. O professor
modo a pensar que nada vai dar errado. Com tal fé Diego Klautau analisando a obra de Pondé diz:
no mercado, os homens poderiam atribuem a ele uma
confiança ilimitada, ou seja, uma divindade que pode
resolver todos os problemas humanos. Ademais, A redução do fenômeno do religioso em suas formas
psicológicas ou sociais é a base da crítica religiosa
esses autores apontam que o neoliberalismo tem ao pensamento moderno. Assim, ao aprofundar a
um sistema de apoio dominar a vontade humana, o epistemologia das mediações, Pondé entende que a
crítica religiosa pode se valer dessas mediações para
mercado poderia ser uma "lavagem cerebral" real
atingir o projeto falido da contingência do homem
em profunda consciência do ser humano. Quando a auto-sustentável, seja essa sustentação de um projeto
fé no paradigma do mercado poderia sobrecarregar a ético-político, seja na falência, ou insuficiência, de
atingir a felicidade. A liberdade pós-adâmica se traduz
mente e o coração, a solução dos problemas sociais numa nova expulsão do Paraíso. Sem Deus, não há
foi geralmente deixada ao próprio mecanismo de alívio, não há trégua no tormento humano, que em si
mesmo é vazio. (KLAUTAU, 2007, p. 136).
mercado (ASSMANN; HINKELAMMERT, 1989).
Deus se faz homem, na cultura cristã nossa leitura
aponta para um conflito entre o deus libertador que Assim a religião é reduzida a compreensão social,
se fez homem por querer uma aproximação de sua econômica, científica, reduzida a ciência, só esse
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Semina: Ciências Sociais e Humanas, Londrina, v. 35, n. 2, p. 35-48, jul./dez. 2014
Costa, O. B. R.
entendimento cientifico é aceito segundo as ciências diagramas, lista e texto [...], observa ainda a pergunta
do homem, antropologia sociologia, historia e afins, de Latour (apud WESTHELLE, 1995, p. 267): “Que
na verdade um pensamento humano que sempre reduz sociedade é esta onde uma formula matemática tem
a uma única compreensão cientifica desprezando mais credibilidade do que qualquer outra coisa: o
outras formas de conhecimento. Comete-se senso comum, outros sentidos alem da visão, uma
assim o reducionismo cientifico do pensamento autoridade política ou mesmo as escrituras?” A ciência
divino. Perde-se o significado da transcendência se torna uma forma hegemônica de conhecimento
nesse reducionismo (LEPARGNEUR, 2004, p. é o que é valido, e conhecimento se torna poder
98), a ciência é um produto da modernidade. E a econômico, economia se torna números e gráficos.
Modernidade ao mesmo tempo que é um período Assim, nesse mundo moderno coisas abstratas são
histórico (indefinido), é uma crença na certeza do consideradas menos importantes como Deus, Amor,
cientificismo e da racionalidade, na qual as relações arte etc... Assim a ciência, um conhecimento humano,
sociais são mudadas, há uma limitação das formas de modo pedante, se coloca como única verdade
de conhecimento de que só a ciência formal é valida. disponível no universo rompendo com a religião e
A visão de mundo no moderno e em sua crise erroneamente com Deus causando uma crise no
- o pós moderno - foi a certeza de que o mundo modo de conhecer o mundo sem precedentes.
devia ser visto através de uma lente racionalizada e
cientificista, na qual Deus ou a teologia não teriam
lugar, ocorre que essa visão falhou fragorosamente A Transformação de Prometeu em Adam
em termos sentimentais porém teve o sucesso em Smith
conquistar o mundo. O homem, representado pelo Prometeu do
Em primeiro lugar falhou em sua própria certeza, velho Marx grita e rompe “odeio aos deuses” e
as ideias Popperianas, a crise de paradigma de Khun, envolve Deus nessa sua revolta rompendo com
o fim das certezas de Prigogyne, bem como de outros Ele. Ao romper-se torna-se seu próprio Prometeu:
cientistas como Feyerabend, Richard Rorty, Maturana autoconsciente, auto-suficiente, auto-referente e
e Morin, demonstraram que o racionalismo poderia independente de toda autoridade religiosa, política
ser questionado e que haveria nova possibilidades de e conseqüentemente teológica, situação da qual
um nova consciência ser descoberta. Ora o mundo o homem não precisa mais de Deus. Ao romper
na modernidade só pode ser valido pelo aquilo que com o mito Greco – romano com o grande mito
poderia ser dado em um gráfico matemático através do de Prometeu, o homem deixa de se libertar de si e
que Morin (1994) chama de paradigma newtoniano- procura se libertar de Deus.
Baconiano-Cartesiano ou grande paradigma do O Prometeu de Marx apresenta um ser humano
ocidente. humilhado, depreciado, abandonado e subjugado, e
O Dr. Vitor Westhelle (1995, p. 263) analisando um ser preso a maquina de trabalho, torturado por
essa questão diz: “Alem disso algo que o mundo uma águia mandada pelo opressor (no mito Zeus,
moderno proporcionou são as múltiplas "leituras agora o seu supervisor)4 . Porém de fato há um novo
da vida" através de formulas matemáticas e físicas. objeto de adoração criado e criatura pelo próprio
As coisas se tornam uniformes, [...] com figuras homem, o homem agora adora a si mesmo, mas ao
4
A comparação da Águia com o supervisor é apropriada, uma vez que os gerentes, engenheiros e supervisores segundo a teoria
marxista, são os vigilantes do oprimido em seu trabalho, lembra-se que a águia tem uma visão muito aguçada e, no mito, devora
o fígado do trabalhador, aquilo que ele da o sangue para produzir sofrendo com isso.
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Semina: Ciências Sociais e Humanas, Londrina, v. 35, n. 2, p. 35-48, jul./dez. 2014
O que a filosofia cristã pode dizer sobre a globalização e o capitalismo
invés de libertar-se escraviza através do seu novo a concorrência, uma lógica de se derrotar e se
Deus, que é produto do próprio homem: O mercado. sobrepor aos outros que perfaz uma ética do sujeito
destrutiva e competitiva. Assim a liberdade suprema
Na intenção de livrar-se da religião acusando-a
do mercado não pode ser limitada ao outro, forma-
de estar de acordo com a exploração do homem
se uma ética do sujeito de uma liberdade ilusória,
pelo homem, comente um erro, desconsidera de
uma liberdade que na verdade escraviza garantidas
que a religião era produto humano e não divino.
por leis que supostamente trariam liberdade.
Por causa digo, não se nega que a religião tenha
trazido certa exploração, porém só o fez quando A lei existe para preservar os valores que um
contaminada pela política e economia, ou seja foi grupo social considera importante, tais valores não
império corrompido pelo homem. Não se pode são imutáveis, uma vez que a sociedade pode mudar
negar isso, quem em sã consciência afirmaria que, seus gostos e valores através da história, confirme
por exemplo, a inquisição ou o terrorismo irlandês a evolução das ideias humanas. Os valores de uma
seja a mensagem de amai-vos uns aos outros? A sociedade são aquilo que ela, como equilíbrio de
ciência veio supostamente oferecer a racionalidade interesses considera como valioso expressado
ao mundo. Ter relações pautadas pela racionalidade em um texto legislado. Este texto legal manda ou
(hegemônica no ocidente) não era uma oferta tão proíbe algo em consonância com a justiça e para o
ruim frente a uma ideia da idade média, de um bem da sociedade no seu conjunto, preservando o
absolutismo rigoroso e de uma crueldade cristã. que ela considera valiosa. Por exemplo: “A venda
Porém o projeto da modernidade se mostrou tão de cocaína é penalizada pela lei”, “A lei proíbe que
senão mais cruel do que a idade média. Temos uma pessoa mate outra”, “Um homem nunca deve
liberdade, porém temos outros problemas. Uma roubar outrem”. No caso tal sociedade considera a
delas é a própria liberdade, a qual o homem escolheu luta contra as drogas, a vida, a propriedade privada
certas opções erradas. como valiosas.
Passa a escolher as liberdades econômica, a Pode-se dizer que as leis limitam o livre arbítrio
principal liberdade pedida pelos direitos humanos, dos seres humanos que convivem em sociedade.
isso da uma liberdade ao mercado e uma liberdade Funcionam como um controle externo ao ato
do homem explorar o homem. Em meados do século humano que rege as condutas (os comportamentos).
XX passa a acontecer uma terceira revolução na Se uma pessoa considera que não tem mal em
Europa, a Revolução Industrial, a burguesia inglesa adotar uma determinada ação, mas que esta é
que havia adquirido poder político passa a promover punida por lei, terá tendência em abster-se de o fazer
no país transformações econômicas e sociais. De independentemente daquilo que achar pessoalmente.
agora em diante era o capitalismo industrial que Exemplo uma pessoa precisa de um “Tablet” vê um
mandava no mundo. ao lado que o colega de faculdade esqueceu, não vai
se apropriar do objeto ilegalmente, pois ha uma lei
O mercado passa a ser sacralizado. O mercado
que o proíbe.
desde Adam Smith passa ser visto como um ser
autoconsciente e que se regula como se tivesse Existem varias fontes de leis e do direito e uma
vontade e razão (FLEISCHACKER, 2004, p. 85), delas é a religião, visto que a religião divulga-
em uma leitura particular, um reflexo do próprio impõe valores. Vai emitir opiniões que as pessoas
ser humano, uma divindade mais parecida com que a seguem ou que a simpatizam com ela tomarão
a ganância do ser humano, um seu reflexo; não como importantes na sua vida social. No âmbito
mais imagem e semelhança de Deus mas de si sócio - político, a lei é um preceito ditado por uma
mesmo. Um dos quadros desse livre-mercado é autoridade competente. Para Marx a lei vai ser uma
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Costa, O. B. R.
prisão e de fato: Se ela protege o que é valioso em mitos tal como a mão invisível do mercado. O
uma sociedade nossa sociedade tornou valioso a autor afirma que a modernidade cria mitos e são
propriedade privada, o capital, a livre concorrência, contra os mitos que se confundem com religião.
tudo isso protegido por lei que em vários casos se São contra os mitos gregos, mas criam mitos como
torna uma prisão. o do progresso, do crescimento patológico, da
democracia racial, da igualdade de oportunidade
Tal prisão garante a existência de um sistema
de igualdades, da verdade absoluta da ciência (que
utópico chamado mercado, sobre ele é criado
pretende explicar tudo) e vive segundo esses mitos.
um mito, o mito que deveria resolver todos os
Os mitos segundo Campbell, são as historias que
problemas humanos mas não o faz pois isso é utopia
conduzem nossas vidas, “Mitos são pistas para
(HINKELAMMERT, 2008, p. 45). A globalização
as potencialidades espirituais da vida humana”
nova forma de mercado só exclui e escraviza cada
(CAMPBELL, 2007, p. 14) assim esses mitos,
vez mais o homem. Crer na justiça do mercado é
sobretudo o do progresso, é o que tem pautado a
uma razão mítica - utópica – impossível, pois tal
sociedade moderna. Não importa quem exclua ou
sistema não pode trazer salvação. Ao contrario, só
quem deixe ferido, essa é a certeza que tem pautado
tem trazido escravização (POULANTZAS, 1968, p.
nossa sociedade assim os sofrimentos e exclusões
26).
são justificados porque alguém disse que é assim
Assim se faz necessária uma nova ética do que os mundo deve funcionar, é a própria essência
sujeito (HINKELAMMERT, 2008, p. 47), uma agir do mito.
do sujeito sobre o mundo. O autor propõe que uma
Um deles é que a ciência e o seu produto
teologia da libertação, possa ser a solução, não um
comercializável, as tecnologias, que foram
rompimento com Deus mas com aquilo que oprime
apropriadas pelo capitalismo para gerar dinheiro
o homem, um novo ecumenismo. A resposta para
tem as potencialidades para resolver todos os
esse problema talvez esteja na proposta de um
problemas humanos. De comunicação à depressão,
nova Religião, digamos uma religião esclarecida
da produção material à fome, da impotência
(se é que isso é possível), um que proponha como
sexual ao deslocamento espacial, a tecnologia
fundamentos de sua religiosidade as ideias que
quer resolver todos os problemas, as vezes até os
não produzam vítimas (CERTEAU, 1998), onde o
espirituais e emocionais através de remédios caros
fundamento das configurações cristãs seja a o amor
e globalizados.
ao próximo; das judaicas, o relacionamento com
Yavhé e da sua benignidade, das mulçumanas do A habilidade e a facilidade com que o homem
caminho do servir sem escravizar e da bondade. Ou cria técnicas sempre novas e mais perfeitas
seja, que seus fundamentos sejam os condizentes provocou nas gerações recentes uma confiança sem
com as conquistas de direitos humanos conseguidas limites no progresso humano, nas possibilidades de
a muito custo pelo Estado democrático, e da levá-lo à frente até a realização do paraíso na terra e
promoção de um Estado Laico que garanta o respeito à feliz solução de todos os problemas e mistérios do
as culturas e a liberdade religiosa. homem. Mas é realmente verdade que as ciências e a
técnica têm o poder de resolver todos os problemas
e enigmas humanos? Não tem.
Os Novos Mitos
Aliado a toda manutenção de conhecimento
Segundo Hinkelammert (2008, p. 47), os mitos único, surge a ideia de que conhecimento é poder
antagonizam a razão instrumental, porém a razão (WESTHELLE, 1995) e que esse poder foi jungido
instrumental vive, quando do seu interesse, certos ao capital e serviço desse, ou seja a ciência foi
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Semina: Ciências Sociais e Humanas, Londrina, v. 35, n. 2, p. 35-48, jul./dez. 2014
O que a filosofia cristã pode dizer sobre a globalização e o capitalismo
a-dia das pessoas. A referência passa a ser mercado • A propaganda é uma autentica catequese, um
e recursos, mercado de trabalho, de capitais, de ensinamento do que deve ou não ter para ser
alimentos, da droga, mercado matrimonial, religioso e feliz.
de bens simbólicos, não há expressão mais assustadora, • O culto dominical são os programas televisivos.
por exemplo, do que recursos humanos: ou seja,
para a produção de bens e serviços o ser humano é • A grande festa anual é o natal. Não para
comemorar o nascimento do Salvador, mas
reduzido a um recurso, um bem substituível a qualquer
uma festa de consumo e presentes a quais as
momento. Outra expressão odiosa é “regime de bens”
crianças são educadas desde cedo.
num casamento, o casamento algo espiritual, de
uma relação sagrada e de amor entre duas pessoas, é • Os templos são as lojas.
reduzido a uma garantia contratual. • A peregrinação são as novas viagens; os
A obra de E. Durkhein (2000, p. 261) já afirma grandes shoppings e cidades do consumo, e
que: “não há religião sem comunidade (igreja)”. O turismo, Disney World, Miami, Paris etc.
mercado como religião marca a nova comunidade que • Os sacerdotes são os que conhecem as regras do
é a sociedade moderna. As pessoas se reconhecem e se jogo, advogados, que garantem a propriedade
valorizam pelo poder de compra que tem. Uma pessoa privada e seu pagamento, economistas e
de bem é aquele que tem poder de consumo. banqueiros.
A religião do mercado tem os seus comportamentos • As vestes rituais para participar da sociedade
e dogmas. Como exemplo: são as roupas de marca caríssimas tal como
• O mercado é causa de desigualdades; assim Ermenildo Zegna, Nike, Lacoste etc....quando
é um produtor de vítimas, que ou são exploradas ou se está vestido assim o ser se torna bem-quisto
são vitimas da violência causada pela comunicação na sociedade. Quando não veste, é um excluído
que leva desejos aos que não podem e por isso roubam dela.
violentamente multiplicando as vitimas (MESSNER, • A ética principal é o interesse pessoal,
ROSENFELD, 2000). egoísta, competitivo com sede de crescimento
• O mercado dentro da ordem capitalista financeiro patológico.
mundial gera concentração de riquezas na mãos de Assim, se constrói e produze a religião da
poucos países e de poucos magnatas e desestruturação espiritualidade do mercado.
social e miséria para as maior parte da humanidade Tal religião promete felicidade a todos os que a
(HOFFMANN, 1994). consomem. Essa promessa falha fragorosamente uma
• Não é mais a fé que move céus é terra é outra vez que poucos tem o poder de ter tudo o que se apresenta
coisa que tem atribuída tal força . O lema fundamental para consumo. As mercadorias tem status divinos e de
é: “o dinheiro tudo pode, move o céu e a terra”. bênçãos. A elas se adjudicam características salvíficas.
É no contanto com o novo sagrado que surge uma nova
• A propaganda tem a função de uma felicidade
ética de ser a da competição e concorrência no mercado,
salvífica. Se você não pode ter a mercadoria X você
seu semelhante passa a ser visto como concorrente. A
não é feliz. Se você não tem mercadoria e não pode
mística que move as pessoas no capitalismo é ganhar
ser bem sucedido portanto é um excluído e não é uma
dinheiro para ganhar mais dinheiro; comprar mais,
pessoa de bem.
comprar mais para consumir mais e mais. É no poder
• As mercadorias são representantes de desejos de consumo, que se mede o caráter de uma pessoa
mais profundos da alma. segundo essa lógica. O ser humano é medido em Ter
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Semina: Ciências Sociais e Humanas, Londrina, v. 35, n. 2, p. 35-48, jul./dez. 2014
Costa, O. B. R.
e não em Ser. Numa sociedade assim, a pessoa tem a A globalização vem com um discurso de
sua dignidade reconhecida nas relações mercantis, no igualdade entre as nações mas não passa de uma
mercado. Os pobres são marginalizados exatamente ilusão para mais exclusão e fome (SANTOS, 2008).
pela sua impossibilidade de acesso ao mercado. Esses Essa fase do capitalismo decorre da decisão das
milhares que são a maioria do mundo são invisíveis e potencias emergentes do pós guerra fria de impor ao
reduzidos a mero problemas políticos, seres humanos mundo uma força motriz comercial capitalista que
incapacitados de participar de acesso aos bens que possa dar mais poder as empresas transnacionais.
na eles mesmos produzem em um total estado de Com essa pratica se da estratégia ao mercado sem
alienação, alienação do produto de seu trabalho, controle ou responsabilidade por seus atos.
alienação causada pelo sistema de propaganda. Na
O mercado disfarça sua finalidade (o lucro) em
tentativa desesperada de sobreviver e de seus filhos
respeito a certos direitos humanos, porém alcançar
perde-se o amor ao próximo.
a plenitude desses direitos se tornam impossível
visto a finalidade do mercado não ser alcançar esses
direitos (meio ambiente ecologicamente equilibrado,
Um Deus Humanizado
justiça, saúde, educação pleno emprego etc..) e sim
As ideias do humanismo que deveriam libertar o lucro. Desse modo a finalidade do homem (e
o homem, na verdade o escravizam quando a maior não só da empresa) também passar a ser o lucro,
de todas essas ideias: o mercado livre de controle, impossível não lembrar do epíteto de Hobbes, como
inclusive ético, surge. nessa lógica pessoal vai surgir o homem: a reposta é
Ocorre uma divinização do homem e a apenas como lobo do homem, como concorrente de
humanização de Deus (HINKELAMMERT, 2008, seu semelhante.
p. 107). De como o humanismo trouxe agora na A liberdade humana nessa relação fica ilusória e
historia que o homem e não Deus era o centro do prejudicada uma vez que o homem só tem liberdade
universo. Disso decorre algumas consequências para consumir. Hinkelammert (2008, p. 122), diz
tal como: propriedade é individual e um direito da liberdade de escolher entre uma sociedade de
sagrado, por natureza. A isso o indivíduo leva plena convivência e uma sociedade Hobbesiana,
como algo sacro. Outra consequência é o crescente mas não há como agir sobre tais suposta liberdades
poder da burguesia, cuja consequência se da a vida frente a força poderosa do capital. O próprio autor
pelo comércio, o comércio não mais é um meio de diz que a democracia está a serviço do capital
subsistência mas a atividade pela qual as pessoas (HINKELAMMERT, 2008, p. 132). Não se existe
vivem e morrem e o importante nessa atividade liberdade para se escolher entre igualdade e
passa a ser o lucro. Assim surge as condições do fraternidade pois isso implicaria em abrir mão da
capitalismo selvagem. propriedade privada e do lucro o que aparentemente
ninguém quer escolher.
O socialismo surge como uma alternativa
teoricamente excelente, mas que historicamente se
mostra como incapaz de resolver tais mazelas uma A Religião Sem Culpa
vez que só muda o foco da propriedade ao invés Analisando o texto de Walter Benjamin: O
de propriedade individual se fala em propriedade capitalismo como Religião, chega-se a conclusão de
socialista. Alem disso há um grande problema a que o capitalismo também é uma religião, uma sem
redução de toda a história e condição humana a luta culpa. Lembrando da culpa que o povo no deserto,
de classes. Tal concepção marxista é impossível de desobedecendo a Moisés, adoraram um bezerro de
compreender toda a riqueza da experiência humana. ouro, mas o homem agora alimentou e adora esse
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Semina: Ciências Sociais e Humanas, Londrina, v. 35, n. 2, p. 35-48, jul./dez. 2014
O que a filosofia cristã pode dizer sobre a globalização e o capitalismo
Não é um novo sistema é ainda uma religião, mas de guerra assim como sua razão produz monstros
sem pai a quem atribuir seus conflitos psíquicos. como o autor cita a famosa obra de Goya. Esses
Justiniano (2001) em Roma já falava de uma monstros são produzidos em uma estética de
teoria do espelho atribuída a Marx, que afirma morte, corrupção, invencibilidade e domínio, ou
que o sistema jurídico é uma reflexo das relações seja, a própria essência da monstruosidade.ainda
econômicas. Por exemplo quanto a satisfação dos o capitalismo moderno ao se opor a certos valores
débitos para garantir as divida, já lecionava Gaio produz outros monstros como o fundamentalismo.
(JUSTINIANO, 2001) (Digesto, 27, 10, 5) a ideia de O homem, que se deixou seduzir pelo ídolo da
que só deverão ser vendidos os bens do executado técnica, por fenômeno de ressentimento, os despreza
que se mostrarem suficientes para a satisfação e procura a afirmação de si mesmo na vontade de
dos seus débitos. É o princípio da satisfatividade, dominação do mundo, não mais visto como um meio
informativo da tutela jurisdicional executiva para a realização dos valores mais altos, mas como
previsto no artigo 659 do Código de Processo Civil fim em si mesmo: donde a civilização da técnica,
Brasileiro em varias leis do ocidente. Alem disso as o industrialismo e o capitalismo. Ferretti (1972)
questões de herança eram puramente materiais como afirma, analisando as obras de Scheler, o seguinte:
nos direito ocidental hoje e não mais patrimônio
sentimental ligado ao nome. O direito sempre teve
relação intima ao econômico. O que serve para uma Logo não há mais plenitude de vida, não mais o amor
para o mundo e para a plenitude de suas qualidades,
analise do capital como regras imperiais de domino não mais a autocontemplação desinteressa como
como aponta Jung et al. (2012) pela qual o império objetivo real do homem, mas cálculo utilitarista com
capitalista a tudo domina. fim em si mesmo, redução da natureza ao seu aspecto
exatamente mensurável e seguramente dominável,
Assim nessa lógica elementos de direitos fanatismo do trabalho e do lucro, avaliação somente
das qualidades humanas de diligência, rapidez,
humanos tal como vida e liberdade tem menos valor capacidade de adaptação, que possuem uma utilidade
que a propriedade. Até bem pouco tempo atrás na aos fins lucrativos. O nascimento da ciência moderna
historia no Brasil e em alguns países ainda persiste, e a concepção mecanicista da natureza não são as
causas, mas sim os efeitos dessa nova atitude, que
a ideia de se ir preso por dividas materiais, o que consagrou a natureza, privando-a de Deus, da alma,
da a liberdade um valor menor que a propriedade. de todo valor e qualidade.
Isto para não falar nas violentas retomadas de
propriedade abalizadas pelo Estado muitas vezes
com mortes a qual se depreende de que a vida tem Além da perda dos valores do espírito, a ciência e a
menos valor do que propriedade. técnica causaram um desgaste profundo nas relações
humanas. Buber (2001) observou agudamente que,
com o passar dos séculos, o mundo material se
Concluindo engrandeceu mais e mais, enquanto o mundo das
O capitalismo usa sua fabrica de guerra e morte, relações pessoais pouco a pouco se restringiu. Um
mas tem um fim: o lucro (HARVEY, 2006). Ele processo é a conseqüência do outro, visto que “o
supera suas crises com maquinas e mais maquinas desenvolvimento da capacidade de experimentar e
de guerra donde se produz mais lucro e impulsiona de utilizar cresce com a diminuição da capacidade
a indústria, Hinkelammert (2008, p. 193) apontando do homem de criar uma relação dialógica” (BUBER,
para a triste inversão de direitos humanos que 2001, p. 65). Hoje, parece que a relação dialógica
pretendia Locke, mostra que os direitos não se ficou menor, e que tenha cedido lugar àquela do
propuseram a maioria dos homens mas só a elite. domínio entre homens e de subjugação entre estes e
Assim o capitalismo e a técnica com sua maquina a natureza e subjugando a próprio Deus.
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Semina: Ciências Sociais e Humanas, Londrina, v. 35, n. 2, p. 35-48, jul./dez. 2014
O que a filosofia cristã pode dizer sobre a globalização e o capitalismo
Assim vemos de mitos que foram desconstruídos FLEISCHACKER, S. On Adam Smith’s ‘Wealth
para dar lugar a outros não mais para explicar a of nations: a philosophical companion. Princeton:
Princeton University Press, 2004.
vida, mas para subjugar a vida a um sistema cruel
de poder. Porém outros mitos surgiram para dar
FOUCAULT, Michel. História da loucura na idade
certa razão ao modo de vida moderno, posso fazer clássica. São Paulo: Perspectiva, 1972.
uma consideração o mito da caverna de Platão:
em nossa sociedade apenas se enxerga o que quer FREITAS NETO, J. A. Bartolomé de las Casas: a
e não percebemos que somos escravos de nosso narrativa trágica, o amor cristão e a caridade. São
próprio desejo imposto por um sistema maior que Paulo: Annablume, 2003.
nos prende a nos mesmos. A concepção Cristã nos
convida a olhar ao próximo e a transcender nossos FREUD, S. O mal-estar na civilização. Rio de
Janeiro: Imago, 1974.
desejos em prol de um bem comum. Terminamos
citando uma mudança que a bíblia nos convida
GIDDENS, A. Modernidade e identidade. Rio de
de deixar a lucratividade e a viver uma ética mais Janeiro: J. Zahar, 2002.
cristã: Filipenses 3:7: "Mas o que, para mim, era
lucro, isto considerei perda por causa de Cristo”. HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade.
10. ed. Rio de Janeiro: Ed. DP e A, 2005.
BUBER, M. Eu e vós. São Paulo: Centauro, 2001. JUSTINIANO, F. P. S. Institutas. Tradução de Edson
Bini. São Paulo: Edipro, 2001.
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Semina: Ciências Sociais e Humanas, Londrina, v. 35, n. 2, p. 35-48, jul./dez. 2014
Cadernos Walter Benjamin 17
RESUMO
Este trabalho pretende tecer considerações a partir das ideias de Walter Benjamin
sobre a Gênese e deslocamentos, na hegemonia do capitalismo histórico, em
especial do seu texto ―o capitalismo como religião‖, dentre outros e outros autores.
Sendo a Religião como núcleo ético mítico de toda civilização, esse trabalho,
dentre outros assuntos, há de abordar os entrelaçamentos entre economia e
religião, o substrato religioso do capitalismo e o capitalismo como fenômeno
essencialmente religioso. No pensamento de Walter Benjamin o Capitalismo é
como uma religião da vida cotidiana. Pretende-se também fazer reflexões no
sentido de uma crítica da relação entre religião e secularização e a sociedade
burguesa.
ABSTRACT
Sociólogo, filósofo e mestre em filosofia pela UNESP, é doutorando em ciências sociais pela
UNESP e doutorado em ciências da religião pela UMESP- Universidade Metodista de São
Paulo, é professor na pós graduação de antropologia da Universidade do Sagrado Coração nas
áreas de antropologia e Filosofia. Bolsista da CNPq. Brasileiro, residente em São Paulo – SP.
Email: joebarduzzi@yahoo.com.br
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Cadernos Walter Benjamin 17
"Uma luz.
Pela primeira vez estava a sós com minha amada. Era em uma
pequena aldeia em um lugar bem desconhecido. Estava a sua espera
em frente ao local em que estava hospedado - que não era o mesmo
que o dela -, pois havíamos combinado um passeio noturno.
Enquanto a aguardava, passei pela rua de cima à abaixo e então, foi
que ao longe, entre as árvores, vi uma luz. 'Esta luz - pensei - não diz
nada a quem a vê todos dias a noite, mas a mim, um estranho nesse
lugar, diz muitas coisas'.
Em seguida, dei a volta e percorri todo o trajeto da rua da aldeia,
coisa que continuei fazendo durante um certo tempo. Passados
alguns minutos, regressava sempre ao mesmo ponto: a luz entre as
árvores atraía meus olhos. Alguns instantes antes de reencontrar com
a minha amada, quando me obriguei a parar a caminhada, olhei para
trás uma vez mais e compreendi tudo: a luz que havia visto do nível
do chão era a luz da lua que se levantava lentamente por entre as
colinas ao longe."
Sociólogo, filósofo e mestre em filosofia pela UNESP, é doutorando em ciências sociais pela
UNESP e doutorado em ciências da religião pela UMESP- Universidade Metodista de São
Paulo, é professor na pós graduação de antropologia da Universidade do Sagrado Coração nas
áreas de antropologia e Filosofia. Bolsista da CNPq. Brasileiro, residente em São Paulo – SP.
Email: joebarduzzi@yahoo.com.br
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Cadernos Walter Benjamin 17
Sociólogo, filósofo e mestre em filosofia pela UNESP, é doutorando em ciências sociais pela
UNESP e doutorado em ciências da religião pela UMESP- Universidade Metodista de São
Paulo, é professor na pós graduação de antropologia da Universidade do Sagrado Coração nas
áreas de antropologia e Filosofia. Bolsista da CNPq. Brasileiro, residente em São Paulo – SP.
Email: joebarduzzi@yahoo.com.br
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Cadernos Walter Benjamin 17
amortecimento intelectual para Benjamin. Pensamos hoje que esse pode ser
multiplicado pela televisão. Todos pensam que podem viver uma vida mostrada
pelos meios de comunicação e o burguês capitalista quer viver exatamente
essa sua forma de paraíso.
O capitalismo, como afirma Bresser-Pereira (2011), não é só uma
forma econômica de relações de produção, mas se configurou através da
história como forma política e cultural. Afirma Bresser-Pereira: ―A revolução
capitalista foi uma transformação econômica, social e política, de tal forma
importante, que podemos dividir a história em duas grandes fases: a antiga e a
moderna, ou a pré-capitalista e a capitalista‖ (BRESSER-PEREIRA, 2011, 2).
Assim o capitalismo, mais do que uma relação econômica, é uma configuração
histórica de multi relações humanas, que permeia a mentalidade do ocidente
(pós?) moderno. Vivemos no capitalismo.
O capitalismo é uma religião, segundo Benjamim, que culpabiliza.
Lembrando a culpa, na cultura judaico-ocidental, a culpa se inicia quando o
povo no deserto, desobedecendo a Moisés, adorara um bezerro de ouro. Mas o
homem agora alimentou e adora esse bezerro, já crescido e posto
simbolicamente no centro do capital, em Wall Street, como um bezerro já
fortalecido, um boi de ouro. O povo agora não sente culpa em adorar o capital.
Para Benjamin, o capitalismo é uma religião, na qual o culto se emancipou de
um objeto de adoração e passou a ser o seu próprio ato de consumir, sem
culpa, tabus, nem pecados, ao contrário das religiões. E portanto, sem
redenção. Há só felicidade prometida (mas raramente alcançada). Então, do
ponto de vista da fé, o capitalismo não tem nenhum objeto: acredita no puro
crédito, no dinheiro a ser alcançado, no lucro que virá, nesse porvir. O lucro é
encarado pelo burguês como a promessa de paraíso.
A religião do capital é nova. Porque não há sacrifício messiânico, a
culpa segundo os nãos existentes, mas reais cânones dessa religião, é de cada
um que fracassa, que não enriquece. O pobre não é visto como aquele que não
teve oportunidade, mas como aquele fracassado, provavelmente pecador. O
capitalista pensa: se o pobre está nessa situação é porque é ruim e mal, e deve
ser ladrão, diante dele devo tomar conta da minha carteira. O pobre é culpado
Sociólogo, filósofo e mestre em filosofia pela UNESP, é doutorando em ciências sociais pela
UNESP e doutorado em ciências da religião pela UMESP- Universidade Metodista de São
Paulo, é professor na pós graduação de antropologia da Universidade do Sagrado Coração nas
áreas de antropologia e Filosofia. Bolsista da CNPq. Brasileiro, residente em São Paulo – SP.
Email: joebarduzzi@yahoo.com.br
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Cadernos Walter Benjamin 17
por seu próprio fracasso. O self-made man é o santo, o herói mitológico que
trabalhou e merece sua casa-fortaleza. Quanto mais rico, mais agraciado. É
clara a relação apontada por Weber, na sua ética protestante. Só que ao
contrario do capitalista de Weber, que vivia num ascetismo intramundano, o
burguês moderno quer aproveitar todas as benesses que os meios de
comunicação querem lhe vender.
O inferno é a pobreza. Na visão do capitalista burguês, não ter dinheiro
e fama é o pior dos castigos. O destino de cada um é ligado ao caráter, mas o
caráter valorizado pelo burguês nada tem a ver com o amor ao próximo ou
bondade, mas sim o caráter deve ser ambição, espírito de acumulo. Egoísmo e
esperteza são os caracteres valorizados. O pobre vive no inferno. A pior coisa
para o capitalista é não ter bens. O pobre é considerado não como apenas
infortunado, mas de mal caráter, como bandido ou que merece estar em
situação de pobreza. Há o predomínio do pensamento de ―só é pobre quem
quer‖.
O culto
Há um culto ao dinheiro. O objeto de desejo e de adoração não é algo
transcendente, mas o vil metal. O deus adorado se torna o dinheiro
(AGAMBEN, 2012). O artista Andy Warhol, sensível ao seu tempo, pintou, em
um quadro, uma nota de um dólar, e ao invés da expressão ―in God we Trust‖
(em Deus confiamos) ele escreveu ―This is your god‖, esse é o seu Deus. No
capitalismo não há perdão de dívidas. Há garantias de dividas, que se tornam
novos lucros. No capitalismo, não se pode pagar com sangue do Cordeiro suas
dívidas. Também é pouco provável que uma divindade vá pagar as dívidas
creditícias. Disso só decorre a descrença na força de Deus e a crença na força
do capital.
A culpabilização da religião Cristã se dá pelo assassinato de Cristo, no
Calvário. Não há culpa no capitalismo, apesar das várias vítimas que ele gera,
por ser uma religião sem responsável e sem Deus antropomórfico a quem
culpar. A religião tem a função de ser o fundamento da cosmovisão que
legitima a ordem social vigente, assim o capitalismo como religião legitima a
Sociólogo, filósofo e mestre em filosofia pela UNESP, é doutorando em ciências sociais pela
UNESP e doutorado em ciências da religião pela UMESP- Universidade Metodista de São
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Cadernos Walter Benjamin 17
1
É comum no discurso capitalista culpar a Deus e não ao homem pelas misérias humanas
decorrentes das relações de exploração.
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A (in)justiça do mercado.
2
Jesus, como Rabi judeu, combatia o império e seu discurso de riquezas, para tanto em suas
parábolas explicava de um modo que as pessoas pudessem entender, Mammon era um termo
hebraico que significava avareza e também a deidade mesopotâmica das riquezas, a qual a
lógica judaica combatia como falsos deuses. Goethe também apresenta Mammon com ambos
significados, enquanto crítica, Benjamin ao analisar a obra de Fausto utiliza o termo Mammon
para se referir aos males do capitalismo.
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Cadernos Walter Benjamin 17
3 Romance que causou escândalo na sociedade europeia do Sec. XIX, pois envolvia a
separação de um casal e sua aproximação por pessoas amigas desse casal. O livro foi tido
como uma ofensa à natureza externa e infração de normas contratuais legais. A dupla fratura é
provocada pelo incessante interesse em criar e possuir a beleza que leva os personagens
a passarem por cima das tradições, dos costumes, e da ordem natural.
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Cadernos Walter Benjamin 17
favor de sua mãe Leto5 (poder econômico), que tem aparência de modesta,
mas na verdade tem uma vaidade terrível e quando desafiada manda sua
vingança através do direito (BENJAMIN, 2011, 147).
5
O mito é assim : Níobe, filha de Tântalo e Dione e esposa de Anfião, rei de Tebas; conhecia
muito bem – conforme se propalava – o histórico de Leto; principalmente, por ter cogitado
exageradamente – em relação aos detalhes de seu sofrimento –; como se visasse o sentido
existencial dessa deusa.
Leto (Latona), filha de Cronos (Saturno), por sua união com Zeus, gerara os gêmeos: Ártemis e
Apolo, conforme um parto – deveras – difícil (em razão do ciúme e perseguição de Hera). Essa
realização só se concretizou em Delos (onde a deusa, considerada ―da noite‖), se contorcendo
em dores, durante nove dias, conseguiu conceber seus dois (e únicos) filhos. Níobe, revia tudo
isso sem a mínima ‗piedade‘, no entanto sob intenso orgulho (de si própria), pois, parira com a
maior facilidade sete filhos e sete filhas, ou seja: Sípilo, Agenor, Fraédimo, Ismeno, Ulinito,
Tântalo e Damasiction (os machos); e, Etoséia, Cleodosa, Astíoque, Ftia, Pelópia, Melibéia e
Ogigia (as fêmeas). Assim se orgulhava de sua fertilidade e ofendeu Leto, Apolo e Artemis,
obedecendo a ordem de sua mãe Leto, se vingaram cruelmente. Permanecendo alertas,
quanto ao dia em que se mostrasse propício, pois, quando Apolo avistou os filhos de Níobe –
numa planície – se exercitando, matou cada um deles com suas flechas. De imediato, Níobe e
suas filhas, deram conta da celeuma (ou do extermínio), caindo aos prantos sobre os corpos de
seus entes queridos. Mas, tal atitude (geral entre elas) de nada adiantava, pois, nova saraivada
de flechas – naquela instância – sob o comando de Artemis, decretou – também – a morte das
sete filhas de Níobe. Trecho da obra VERNANT, 2010, 185.
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Cadernos Walter Benjamin 17
almeja aquilo que é instituído como direito, como o seu fim, usando a
violência* como meio; e, por outro lado, no momento da instituição do
fim como um direito, não dispensa a violência,* mas só agora a
transforma, no sentido rigoroso e imediato, num poder* instituinte do
direito, estabelecendo como direito não um fim livre e independente
de violência (Gewalt), mas um fim necessário e intimamente
vinculado a ela, sob o nome do poder (Macht). A institucionalização
do direito é institucionalização do poder e, nesse sentido, um ato de
manifestação imediata da violência. A justiça é o princípio de toda
instituição divina de fins, o poder (Macht) é o princípio de toda
institucionalização mítica do direito.(...) (BENJAMIN, 2011, 147)
6
Na história bíblica, a rebeldia dos judeus, enquanto Moisés conversava com Deus no monte
Horebe, os israelitas construíram um deus de ouro na forma de um bezerro, para se opor a
rígida moralidade imposta por IEVE e fazer o que quiser, sobretudo contrariando suas ordens
sexuais e financeiras. O mito serve para dizer que o homem cumpre sua egoísta vontade ao
invés de obedecer a Deus. Assim se humaniza, e o retrato da humanização e construir deuses
para si, renegando sua divindade e se assumindo como humano.
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Cadernos Walter Benjamin 17
claro que o capitalismo evoluiu muito desde o tempo de Benjamin, tal como sua
intrínseca relação com os meios de comunicação e a evolução da acumulação
flexível, mas os ideais burgueses continuam mais ou menos os mesmos, as
considerações são inspiradas pelas ideias de Benjamin, mas as análises
podem incluir ressalvas de tempo e espaço.
A obra de E. Durkheim (2000, 261) já afirma que: ―não há religião sem
comunidade (igreja)‖. O mercado, como religiã, marca a nova comunidade que
é a sociedade moderna. As pessoas se reconhecem e se valorizam pelo poder
de compra que tem. Uma pessoa de bem é aquele que tem poder de consumo.
A religião do mercado tem os seus comportamentos e dogmas. Como
exemplo:
O mercado é causa de desigualdades; assim é um produtor de
vítimas, que ou são exploradas ou são vítimas da violência causada pela
comunicação que leva desejos aos que não podem, e por isso roubam
violentamente multiplicando as vítimas (MESSNER, ROSENFELD, 2000)
O mercado, dentro da ordem capitalista mundial, gera
concentração de riquezas nas mãos de poucos países e de poucos magnatas e
desestruturação social e miséria para a maior parte da humanidade
(HOFFMANN, 1994).
Não é mais a fé que move céus e terra, é outra coisa a que é
atribuída tal força. O lema fundamental é: ―o dinheiro tudo pode, move o céu e
a terra‖.
A propaganda tem a função de uma felicidade salvífica. Se você
não pode ter a mercadoria X você não é feliz. Se você não tem mercadoria e
não pode ser bem sucedido, é um excluído e não é uma pessoa de bem.
As mercadorias são representantes de desejos mais profundos da
alma.
A propaganda é uma autentica catequese, um ensinamento do
que deve ou não ter para ser feliz.
O culto dominical são os programas televisivos.
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Cadernos Walter Benjamin 17
O lucro e o ídolo.
O capitalismo usa sua fábrica de guerra e morte, mas tem um fim: o
lucro (HARVEY, 2006). Ele supera suas crises com maquinas e mais máquinas
de guerra, donde se produz mais lucro e impulsiona a indústria, Hinkelammert
(2005, 193). Apontando para a triste inversão daqueles direitos humanos que
pretendia Locke, mostra que os direitos não se propuseram à maioria dos
homens, mas só à elite. Assim o capitalismo e a técnica, com sua máquina de
guerra - como sua razão - produzem monstros, como diz o autor citando a
famosa obra de Goya. Esses monstros são produzidos em uma estética de
morte, corrupção, invencibilidade e domínio, ou seja, a própria essência da
monstruosidade ainda é o capitalismo moderno. Ao se opor a certos valores,
produz outros monstros, como o fundamentalismo.
O homem, que se deixou seduzir pela técnica, sendo a técnica uma
relação na qual a ciência atende às formas de capitalismo, por fenômeno de
ressentimento, as despreza e procura a afirmação de si mesmo na vontade de
dominação do mundo, não mais visto como um meio para a realização dos
valores mais altos, mas como fim em si mesmo: donde a civilização da técnica,
serve ao industrialismo e ao capitalismo. Ferreti (1972, 12), estudioso de
Benjamin afirma, analisando as obras de Scheler, o seguinte:
Logo não há mais plenitude de vida, não mais o amor para o mundo e
para a plenitude de suas qualidades, não mais a autocontemplação
desinteressa como objetivo real do homem, mas cálculo utilitarista com
fim em si mesmo, redução da natureza ao seu aspecto exatamente
mensurável e seguramente dominável, fanatismo do trabalho e do lucro,
avaliação somente das qualidades humanas de diligência, rapidez,
capacidade de adaptação, que possuem uma utilidade aos fins lucrativos.
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Cadernos Walter Benjamin 17
Os novos mitos
Para Adorno, Benjamim não critica os mitos e as religiões pelo
contráio, para Adorno a tarefa principal da filosofia de Benjamin é dar uma
reconciliação do mito com a filosofia (1999, p. 30), não para adotar a
explicação mitológica, mas para mostrar que ainda vivemos sobre mitos e que
eles perfazem nossa vida. Ele na verdade quer superar o dualismo ontológico
entre várias formas de conhecimento como arte, filosofia e ciências, e
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Cadernos Walter Benjamin 17
REFERÊNCIAS
Sociólogo, filósofo e mestre em filosofia pela UNESP, é doutorando em ciências sociais pela
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Paulo, é professor na pós graduação de antropologia da Universidade do Sagrado Coração nas
áreas de antropologia e Filosofia. Bolsista da CNPq. Brasileiro, residente em São Paulo – SP.
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73
Cadernos Walter Benjamin 17
ADORNO, G, Letter’s about Walter Benjamin, Alex Coles (ed.), Black Dog
Publishing, London, 1999.
MÍGUEZ, Néstor. RIEGER, Joerg, SUNG, Jung Mo. Para além do espírito do
império: novas perspectivas em política religião. São Paulo: Paulinas, 2012.
http://www.centroestudosanglicanos.com.br/bancodetextos/diversos/teologia_cr
ise_modernidade_vitor.pdf, publicado em 14/out/2008, consultado em
30/mar/2013.
Sociólogo, filósofo e mestre em filosofia pela UNESP, é doutorando em ciências sociais pela
UNESP e doutorado em ciências da religião pela UMESP- Universidade Metodista de São
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76
Alguns apontamentos sobre as mudanças nas relações de
Gênero no meio pentecostal
Otávio Barduzzi Rodrigues da Costa*1
Abstract: The intent of this article is show all the changes in the
scenario of Brazilian Pentecostal orthodox Churches. There was
concern in writing about it since the classics on the subject no longer
reach the constant changes that this religious group spent the past five
years. In particular the Assemblies of God, the object of this study. To
be more specific here is to show the various changes related to customs,
1
Cientista social formado pela UNESP com ênfase em antropologia, Advogado
(OAB-SP 314.526) formado pela ITE, mestre em filosofia pela UNESP, doutorando
em ciências da Religião pela Universidade Metodista. É presbítero da Assembleia de
Deus Missionária de Bauru-SP já a cerca de 8 anos. Professor de sociologia e filosofia
da Universidade Metodista e do IFSP.
165
theology, ethics and rituals that the Assemblies of God and some
churches that mirror them are going through. The methodology used is
participant observation due more than seven years of research among
the Assemblies of God. We conclude that several changes are occurring
regarding gender relations, rituals, theologies and custom within this
type of religious affiliation. Here we will indicate the changes about
gender relationship.
Introdução
A verdadeira religião é a vida que levamos,
não o credo que professamos.
Louis Nizer
167
Não nos referimos aqui a alguma AD especifica, visto sua atual
pluralidade e complexidade em variedade e costumes2, como esse
trabalho vai mostrar, todas elas tem uma origem e algo em comum, a
pluralidade de Assembleias de Deus, é parte integrante desse trabalho e
das mudanças que ocorre nessa instituição plural e complexa aqui
apontadas. Nossa experiência de observação participante segue a
observação em um sem número em mais de 13 anos de conversão e
observação dentro das assembleias de Deus dentro de todo o estado de
São Paulo.
Faz-se necessária alguma ordem histórica e social para analisar
os conceitos que se tratam no presente artigo. Usualmente classifica-se
o pentecostalismo Brasileiro em três grandes fases (ou ondas). O
pentecostalismo no Brasil tem sido classificado utilizando as ideias de
Paul Freston, e se têm usado a periodização das três ondas. A primeira
onda pentecostal registra a fundação e o surgimento da Congregação
Cristã do Brasil e das Assembleias de Deus, nos moldes do
pentecostalismo norte-americano e sueco de onde provinham os
fundadores. A chamada segunda onda pentecostal teve origem na
década de 1950, dava ênfase na glossolalia, na cura divina e nos
milagres. São numerosas as denominações surgidas nessa época: Igreja
2
Os estudiosos hoje falam em assembleias de Deus (no plural) isso porque há muita
variabilidade entre elas, encontra-se, por exemplo, em relação ao costume de roupas
algumas bem liberais, que admitem tatuagens cortes de roupa e cabelo moderno como
a Assembleia de Deus do Brás e outras que não permitem nem que mulheres usem
calças ou se depilem tal como o ministério Ipiranga.
168
do Evangelho Quadrangular, antes conhecida como Cruzada Nacional
de Evangelização (1953); Igreja Pentecostal "O Brasil para Cristo"
(1956); Igreja Pentecostal "Deus é Amor" (1961); Metodista Wesleyana
(1967) e muitas outras.
Na década de 70, uma terceira onda pentecostal, que é a mais
estudada, por que usa grande espaço na mídia e suas ideias
diferenciadas, com uma série de modificações da teologia pentecostal,
deu início a formas de pentecostalismo conhecido com o nome de
"pentecostalismo brasileiro" ou neopentecostalismo. A Igreja Universal
do Reino de Deus (1977), a Igreja Internacional da Graça de Deus
(1980), a Igreja Cristo Vive (1986), são expressões afirmadas do
pentecostalismo brasileiro (MARIANO, 2005).
Cada uma focaliza seu discurso social e teológico em bases
principais que podem até se misturar com as outras. Todas podem
pregar, por exemplo, a cura, ou a prosperidade, mas cada uma enfoca
algo que são diretrizes básicas da maioria das pregações em seus
templos. A primeira onda (pentecostalismo) enfoca o batismo com o
Espírito Santo e a glossolalia e a salvação da Alma (LEONARD, 1963
p. 47). A da segunda onda de (Deuteropentecostalismo) enfoca a cura
divina e estimula cultos com excessiva demonstração de Glossolalia
(MOREIRA, 1996 p.13). A da terceira (neopentecostalismo) exalta o
exorcismo e mensagem da prosperidade (FERRARI, 2007 p.22).
169
Números e características das igrejas Pentecostais.
3
Existem muitas listas, sobretudo na WEB seguem sugestões de consulta:
http://www.compulsivo.com.br/2010/02/todas-as-igrejas-do-brasil.html -
http://www.pulpitocristao.com/2010/05/confira-os-nomes-de-igrejas-mais-estranhos-
e-engracados/ -
http://oskaras.com/97-nomes-estranhos-de-igrejas/ -
http://www.gospel10.com/igrejas/denominacao--batista--1 -
http://www.gospel10.com/igrejas/denominacao--igreja-pentecostal--18 -
http://www.mackenzie.br/10175.html
170
a taxa de crescimento continuar constante, em 2020 o número de
evangélicos da AD ultrapassará os 50.000.000. Sabe-se que o IBGE tem
tido sua falhas de pesquisa (IGNÁCIO, 2010) (ROSEMBERG F. &
PIZA E. 1999), e parece essa falha aumentar nas pesquisas religiosas
(OLIVEIRA & SIMÕES, 2005), por isso adotar-se-á essa média.
As neopentecostais têm suas práticas pautadas pela teologia da
prosperidade (Campos, 1996 p.521), que significa uma troca simbólica
de promessas supostamente divinas de que os fiéis tem, em troca de
sacrifícios financeiros, o direito-dever de se tornarem ricos e prósperos4.
Em que pese à popularidade alcançada, ou a grande colocação
na mídia, não é nem de longe o maior representante do pentecostalismo
no Brasil, perto das Assembleias de Deus (AD). Segundos dados do
IBGE, as maiores representações somadas do neopentecostalismo não
se aproximam das ADs que na menor das contagens chega a quinze
milhões de membros. Todas as grandes igrejas midiáticas (IURD, IIGD,
IPMD, Renascer, etc...) juntas não chegam a um terço das Assembleias
de Deus (ADs).
Esses dados são importantes, embora escape um pouco do tema
faz-se necessário para não confundir as igrejas que se está tratando para
não confundir o neófito que quiçá leia o presente artigo.
4
Uma análise aprofundada de seu discurso revela em sub tom, de que as pessoas que
forem fieis em dízimos e ofertas tem não só o direito, mas o dever de serem prósperas
(entenda-se ricas) e que em caso contrário deve existir algum pecado ou demônio
atrapalhando a prosperidade dessa pessoa.
171
Mudanças diversas, presentes e vindouras. Diferenças de costume.
172
(2005, prefácio)5 denuncia o pesado jugo a qual estão dispostos tais
pessoas. Essa é uma visão fundamentalista, mas que tem mudado,
porém a muito ainda que mudar.
Para a maioria das ADs não se pode cortar cabelo para as
mulheres e homens não podem ter cabelo comprido. De preferência o
corte deve ser padronizado como o do pastor ou raspado, mulheres só
podem usar saia comprida, no mínimo abaixo do joelho, homens podem
andar de calça social e camisa, preferencialmente comprida, mas os
obreiros no culto só podem portar terno e gravata, não importa o calor
(ROLIM CARTAXO, 1987 p. 18). Mas hoje em dia algumas ADs tem
mudado o padrão de vestimenta dentre outros costumes abaixo
denunciados.
As assembleias de Deus depois de meados da década de 1940,
tem se dividido em ministérios, que seguem mais ou menos a mesma
matriz, aceitam os costumes umas das outras, convidam pregadores
umas das outras para pregarem, mas estão divididas em ministérios a
quais não tem, na prática, diferenças nos costumes, porém são feitos
5
Criado e pastor da Assembleia de Deus por 15 anos, o pastor Ricardo Gondim com
50 anos de idade e vivencia dentro dessa igreja, observou muitas coisas nelas e depois
abriu sua própria igreja (Igreja Evangélica Betesda) por não acreditar em certas regras
e costumes impostos pela ADs.
173
para beneficiar uma visão6 (poucos) ou uma família de líderes cuja
liderança é passada de pai para filho (ALENCAR, 2005 p.102).
São inúmeros os ministérios, os mais numerosos são: Ministério
Belém, Ministério Ipiranga, Assembleia de Deus Missionária, Assembleia
de Deus Ministério Missão, filiadas a CGADB. Há inúmeras outras não
filiadas tais como, AD Kairos, AD Restauração, AD Fama, etc... vale a
pena registrar a Assembleia de Deus Madureira, que só perde para
números de fiéis para a AD Belém, e tem sua própria convenção: A
CONAMAD - A Convenção Nacional das Assembleias de Deus no
Brasil do Ministério de Madureira.
Porém todas podem ser caracterizadas por certos códigos de
comportamento que as caracteriza além da roupa: repetem em tom
monocórdio versículos bíblicos, ao menos em tese não falam gírias e
palavrões, evitam ouvir músicas mundanas e frequentar eventos
mundanos. Não se pode: ver tevê, praticar esporte e cultuar ritmos
musicais brasileiros, as crianças não podem brincar de futebol, bicicleta
ou nadar, nem praticar esportes ou ir à praia. A justificativa é ao mesmo
tempo simples e definitiva: são coisas do mundo ou do diabo7. Essa é
uma visão fundamentalista bíblica que impunha certa interpretação de
lideranças, mas que mudou nos últimos anos.
6
Por exemplo, a AD missionária tem a visão de implantar missões em vários locais do
Brasil e do mundo o vice-presidente ao contrário da maioria dos ministérios não é
filho nem genro nem parente do presidente.
7
Para alguns fiéis é a mesma coisa pois interpretam ao pé da letra a passagem bíblica
descrita em 1Jo 5.19 "Sabemos que somos de Deus e que o mundo inteiro jaz no
Maligno."
174
Porém há mudanças, no segundo maior ministério8 das ADs. A
Assembleia de Deus ministério Madureira tem mudado radicalmente
seu costume. A veiculação anunciado por jornais gospel de todo o país
confirma a facilmente verificável (basta ir a qualquer culto) a mudança
às quais passam. Agora ficou muito mais visível e isso acaba ou acabara
interferindo em outras assembleias de Deus, sob o risco de perder fieis:
8
Ver mais detalhes na reportagem - Um pastor moderno entre os radicais jornal mídia
gospel de 20 de novembro de 2011, disponível em
http://www.midiagospel.com.br/variedades/noticias/assembleia-de-deus-sem-usos-e-
costumes acessado em 12/dez/2012
175
por joias pelo salão do Brás, cuja arquitetura, mais
parecida com a de um anfiteatro, também se
distingue das igrejas mais conservadoras.
9
Idem.
10
Logo será objeto de artigo próprio.
177
Quanto à ordenação de mulheres, após anos de papel de
submissão (MARIZ, 1994) e de incapacidade de ordenação (TOLEDO
FRANCISCO, 2002), isso agora mudou; já é aceito desde que no dia 23
de abril de 2005, quando foi ordenada pastora a cantora gospel
Cassiane, fato que entrou para a história da Assembleia de Deus. Foi
consagrada a primeira pastora da denominação centenária, e indo contra
a maioria do posicionamento da instituição11: O pastoreado feminino
quebrando um jejum de anos desde Linda Nyström, esposa de Samuel
Nyström (ARAUJO, 2007. Verbete Mulheres) em 1919 na Amazônia.
Vale registrar que já existem como ordenadas pastoras, a Elizete
Malafaia, esposa de Silas Malafaia (o ministério de Silas Malafaia é
independente com regras e costumes próprios) é um conhecido
exemplo, dentre outras ordenações cada vez mais crescentes.
Porém não é unânime em todos os ministérios12, o que
questiona a força das CGADB que reconheceu tais ordenações, mas
ainda não se posicionou nem contra nem a favor da ordenação feminina
(GOSPEL PRIME – 2011), porém certas mudanças em questão de
gênero são claramente perceptíveis. O que ocorre é que o
posicionamento oficial da CGADB é contra o pastoreado feminino,
11
Apesar de haver ordenação ainda há muita resistência, a resistência está centrada
nas igrejas que ainda não tem pastoras ou não convidaram pastoras para pregar, após
isso ocorrer a resistência pouco a pouco se dissolve (GOSPEL PRIME – 2011).
12
Além de duas convenções regionais como a do distrito federal e do Mato Grosso,
vários ministérios filiados a CGADB têm consagrado pastoras, podemos citar como
exemplo a AD Missionária de Bauru – SP e a AD Torre Forte de S. J. do Rio Preto-
SP.
178
porém suas afiliadas, as convenções regionais, já sagram pastoras e a
CGADB fica então obrigada a reconhecer, pois está no seu estatuto o
reconhecimento de sacerdotes (não diz o sexo) consagrado pelas
convenções regionais (CGADB, estatuto artigo 17). Caso notório foi a
sagração da Ex-senadora Marina Silva consagrada pela convenção do
DF em abril de 2012 e na reunião da CGADB em maio já era
apresentada como pastora no evento (GOSPEL MAIS – 2012).
A Convenção das Assembleias de Deus do Distrito Federal
(CEADDIF -2011), cujo presidente é o Pr. Sóstenes Apolos reconheceu
e sagra pastoras. Na Assembleia Geral Ordinária de setembro - Outubro
de 2011, a CEADDIF aprovou o ingresso de mulheres como membros
da convenção e a ordenação ao pastorado. A proposta foi aprovada pela
maioria dos presentes. A CEADDIF é filiada a CGADB – Convenção
Geral das Assembleias de Deus no Brasil, que não tem em seus quadros
mulheres como membros, ou pelo menos não tinha até o momento. A
CGADB não consagra ministros, quem o faz são as igrejas e o obreiro é
reconhecido por seu pastor presidente, que apresentam listas para as
Convenções regionais (como a CEADDIF), e após a ordenação, são
encaminhadas fichas dos pastores (e das pastoras), para o devido
registro junto a CGADB13.
Outra convenção regional a sagrar pastoras é a do Mato Grosso,
CONADEMAT-14, que em 2011 consagrou a sua primeira pastora
(CONADEMAT-14, 2011), por sinal mulher do pastor presidente da
13
Idem.
179
regional. Ao que parece, as mulheres dos pastores mesmo quando não
consagradas às pastoras tem um papel preponderante na liderança do
ministério feminino (MOTA, 2008).
O papel da CGADB ao contrário de outras igrejas tais como a
batista, as presbiterianas têm pouca ou nenhuma influência sobre as
congregações locais (SOUSA, 2011). Os pentecostais tradicionais em
geral não tem uma convenção firme como as tradicionais ou uma
instituição que interfira diretamente sobre sua teologia, simplesmente há
rompimento da igreja local (por parte da igreja) que discorde das
decisões. Em 2001 saiu uma portaria que negava a ordenação de
mulheres, mas em 2009 um recurso administrativo baseado no art. 17
do estatuto da CGADB, (que omitia o sexo em reconhecimento de
sacerdotes) fez reconhecer alguns casos específicos de ordenação de
mulheres. Esse reconhecimento tem vários motivos, mas a apontamos a
busca pela influência política das igrejas evangélicas e o papel que as
mulheres evangélicas têm conseguido na política (DUARTE, 2009) tem
levado os líderes da CGADB a rever seus conceitos. Duarte (2009) cita
os casos emblemáticos de mulheres evangélicas, sobretudo
assembleiana e suas conquistas na política tal como Marina Silva,
Benedita da Silva dentre outras na conquista do poder político.
180
Machismo tradicional
181
Sempre reconhecem a importância da mulher, mas as relegam ao
serviço social e de oração da igreja. Algo pouco relatado é o
preconceito que as mulheres têm delas mesmas, é observado pelas
próprias mulheres que mulheres que trabalham fora, “não estão na
visão”, e que o “certo seria não trabalhar”. Porém com a emancipação
recente da mulher e a crescente conquista dos seus direitos esse
preconceito tem diminuído, ainda mais porque houve a percepção de
que família em que a mulher trabalhava aumentava a arrecadação do
dizimo. Os cultos ultimamente têm dado grande importância para as
mulheres e são homenageadas e chamadas para vários outros trabalhos
na igreja14. Pode ser ou não por interesse, mas a mulher tem sido mais
valorizada.
Divórcio e casamento.
14
Por exemplo, a esposa do autor consagrada a diaconisa, como é publicitária e
designer é constantemente procurada para fazer a arte dos cartazes de campanhas e
outros serviços.
15
Mesmo em caso de traição e agressão familiar há o estímulo para que o membro
vítima perdoe o outro e haja reconciliação de casal, o ministério de casal tem sido um
dos mais poderosos das igrejas.
182
separadas antes de serem convertidas já inexiste, e está diminuído o
preconceito com mulheres separadas antes da sua conversão16, porém
estas são estimuladas a perdoar e continuar com seus maridos. O
divórcio antes impensável hoje é possível apenas na possibilidade de
adultério, e mesmo assim a pessoa deve ser “tratada espiritualmente”
antes de se relacionar de novo com alguém. O que antigamente era
impossível. Ainda é um assunto tabu e desafio para a igreja (STRECK,
2007 p.32), porém o poder da mulher dentro da igreja tem aumentado e
proporcionalmente a isso o apoio e diminuição de preconceito ao
divórcio também (FONSECA; MARIN; NASCIMENTO DE FARIAS,
2010 p.28).
Os pentecostais tradicionais demonizavam a televisão até
ocorrer dois fatores: a influência e o sucesso dos televangelistas nos
anos 1970. Há de se considerar o crescente acesso econômico para a
televisão, ficava fácil demonizar algo que não tinha acesso, desde 1990
ficou permitido à televisão para ver desde que se evitassem programas
de nudez ou indecentes, estimulando apenas aos programas religiosos e
telejornais.
16
Há pouco preconceito com homem separado ou divorciado, tanto é que há vários
pastores consagrados que são separados, porém todos passam por “tratamento
espiritual” nesse caso, que pode ser alguns anos ou meses sem pregar, estando no
Banco sendo orientado por um pastor e tendo um grupo de intercessores orando por
ele (a).
183
Hoje, em face desses fenômenos, é permitida a televisão, tanto
que ocorre a boca miúda o seguinte exemplo de testemunho: o
Assembleiano antigamente dando testemunhos (oportunidades para que
as pessoas que não são pregadores falem das suas experiências
religiosas.) no púlpito – “irmãos, Jesus me salvou e já vendi a
televisão”; já o Assembleiano hoje dando testemunhos – “irmãos, Jesus
me abençoou e já comprei três televisores”. Já rádio, especialmente
programas evangélicos foi permitido, mas só após ampla discussão na
década de 1940 (Alencar, 2010 p. 72).
Evidentemente, o maior acesso à mídia, a televisão introduziu
novas ideias antes impensáveis as irmãs, tal como acesso a moda,
ideários de beleza, que embora manipuláveis por uma indústria cultural
de interesses escusos deu novas escolhas as pertencentes às assembleias
de Deus em sua autoimagem (Mira, 2003 p. 40), além do mais o acesso
ao computador e a internet, trouxe tremenda possibilidade de
comunicação informacional ao mundo pentecostal (CAMPOS JR., 2012
p. 14), no que se refere à opressão tradicionalmente machista da AD’s
trouxe uma liberdade de trocas de ideias e conversas para as crentes
femininas antes impossível e restrita ao seu círculo de amizade.
Trouxe diversas ideias antes totalmente alienadas além do
padrão de beleza, trouxe também a ideia de introdução no mercado de
trabalho e ideários de independência financeira trazida pelo capitalismo.
Hoje a assembleiana segue certos costumes de beleza apresentado na
184
mídia televisiva, comentam a novela e de como a protagonista estava
vestida.
Considerações finais
188
Não vamos dizer que já há uma total independência da mulher,
aliás independência é um conceito contraio na tradição pentecostal seja
para homem seja para mulher. Porém já alguns passos têm sido dados e
isso é motivo para se observar um avanço nas relações de gênero nessa
pertença religiosa. Claro que ainda existem as AD’s que mantém o seu
tradicionalismo machista (ex. as AD’s ministério Ipiranga que ainda
mantém homens e mulheres em lados opostos da igreja), mas isto deve
mudar com a constante influência apontada nesse trabalho.
Referências
195
O PROBLEMA DE DEUS EM TILLICH E A PÓS-MODERNIDADE:
DEUS ESTÁ MESMO MORTO?*
Dossiê
Resumo: este artigo pretende traçar considerações filosóficas e históricas sobre religião
e seu papel na (pós) modernidade. Conclui abordando o pensamento de Paul Tillich
diante da questão do pensamento moderno de que Deus estaria morto ou de que não
teria lugar no pensamento racional humano. Assim se propõe a traçar o que é o moderno
em relação à religião e considerar, a partir do pensamento de Tillich, o papel da religião
e de Deus no contexto moderno.
Abstract: this article intends draw philosophical and historical considerations on religion
and its role in (post) modernity. Conclue by addressing the Paul Tillich thought on the
question of modern thought that God would be died or that would take place in rational
thinking human. Thus sets out trace what is modern in relation with religion and consider,
from thought of Tillich, the role of religion and God in the modern context.
N
ão é fácil localizar a modernidade na história (HUYSSEN, 1986), vários autores divergem.
Alguns dizem que começou com a invenção dos estados - nação, outros com queda da
bastilha, outros dizem que foi com a invenção da máquina a vapor de James Watt, mas a
maioria das escolas históricas está de acordo que começou com as grandes navegações e a queda de
Constantinopla (REIS, 2006). Modernidade é a denominação de um conjunto de fenômenos sociais e
é também o resultado de uma série de eventos marcantes no mundo ocidental ocorridos nos últimos
quinhentos anos, aproximadamente.
Mais do que uma focalização e um ponto fixo na história, a modernidade é uma condição
humana, é uma crença na certeza do cientificismo e da racionalidade, na qual as relações sociais são
Nessa situação histórica como fica o papel de Deus? Paul Tillich vem oferecer uma resposta,
ou melhor, oferecer questões filosóficas para orientar-se em relação a Deus em meio à modernidade.
OS NOVOS MITOS
UM DEUS MORTO
Assim, Deus e religiões não teriam lugar num mundo assim onde à própria racionalidade, e
suas produções, ciência e tecnologia fazem o que antes o homem recorria as suas divindades. Se hoje
o homem quer chuva em uma plantação, não mais sacrifica uma virgem ao seu deus, mas recorrer a
engenharia hidrográfica, se quer saber se vai chover não mais consulta um oráculo e sim um moderno
satélite. Há uma impressão constante, no mundo moderno, de que a frase de Nietzsche estava correta
agora “Deus está morto”. Não há mais lugar para a metafísica. Segundo ele (1979) analisando certos
mitos afirma que não há um Deus e um Satanás como fonte de bem e de mal, o homem é que é bom
ou mal, assim os valores absolutos bem e mal são tirados do plano dos deuses e entregue ao homem.
A Doutora em filosofia Luciene Félix (2008) proclama um apostrofo comum na ciência, a qual
Deus é contestado: Vem Galileu diz que a terra (e o homem) não é o centro do universo, vem Marx
e diz que religião é um ópio do povo, vem Nietzsche e diz que Deus morreu, vem Darwin e diz que
descendemos dos animais, vem Freud e diz que não somos anjos travestidos, mas animais com ego,
assim o divino, em nós é lentamente substituído pela ciência. Citando-a(s.p.):
O evolucionista Charles Darwin (1809-1882), em sua famosa obra ‘A origem das espécies’, discorre
sobre a teoria da evolução dos seres vivos mediante a seleção natural. Darwin prova por a + b que
descendemos dos primatas. Convém salientar que esse eminente britânico, embora afirmasse que
religião nada mais é que ‘estratégia tribal de sobrevivência’, acreditava que Deus era o legislador
supremo. O filólogo e filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900) bebendo nas fontes gregas
em ‘O nascimento da tragédia’, no culto ao orgiástico e desmedido Dionisíaco, em contraponto
à ordem e harmonia Apolínea, identificou tensões de forças ocultas expressas na tragédia grega,
especialmente nas dos pioneiros, Sófocles e Ésquilo. Considera Homero, insuperável. Também
estudou o antiqüíssimo Zoroastrismo, religião que professa que seu ‘deus’ Ahura-mazda abarca
o bem e o mal em si mesmo. Ou seja, que não há um Deus e um Satanás como fonte de bem e de
mal, o homem é que é bom ou mal. Já o médico austríaco Sigmund Freud (1856-1939), considerado
o ‘Pai’ da psicanálise, disciplina que intenta mapear ‘geneticamente’ a psique humana, revelou-nos
o inconsciente e suas motivações; Também recorreu aos mitos e tragediógrafos gregos e, eis outro
misterioso enlace matrimonial: as pulsões de Eros e Tânatos (pulsões de libido e de morte), ação e
repouso, vida e destruição, sempre em conjunto. Freud afirma que o sentimento religioso de um
vínculo indissolúvel, de algo ilimitado, sem fronteiras, essa sensação de eternidade, algo oceânico,
por assim dizer, não passa de uma ilusão. Para ele, todo nosso histórico biológico, encontra-se
preservado em nossa vida mental, psíquica. Tal sentimento pode ser identificado acompanhando
o feto no interior do útero, onde se encontra no verdadeiro paraíso, com todas as necessidades
satisfeitas, em prazer imperturbável e absoluto. Dessa ‘memória’ biológica (registrada em nosso
A modernidade tem como única fonte de verdade a ciência, e a ciência é extremamente influente
no projeto moderno (RORTY, 1989). Porém “A ciência visa o controle dos objetos e das coisas e não
busca o puro conhecimento, pois sua finalidade está embotada pelo poder assim ela tira algumas
coisas do campo de visão” (RORTY, 1989, p. 62). A ciência diz o que é ou não é verdade, o que ou
não legitimo discutir. Westhelle (1992, p. 266) pergunta: “porque não discutir alquimia, astrologia,
a benzedura ou mesmo a existência de Deus?”. A ciência moderna tira de discussão tudo aquilo que
um dia foi importantíssimo ao home e dita outras coisas não humanas para serem discutidas. Na
modernidade o universo pretende ser reduzido e explicado por uma fórmula científica.
Essa formula matemática-fisica-quimica teria poder de supostamente explicar o universo (mas
não tem), falhou em várias explicações: Em dar sentido a vida, em explicar as sensações e memórias
intimas que um cheiro pode trazer, em explicar o amor e falhou, no sentido moriniano em seu próprio
projeto, visto que a ciência enfrenta agora uma crise em si mesma.
Conforme Alain Touraine (apud WESTHELLE, 2008), modernidade não se define apenas negativa-
mente. Ela não se reduz ao que a expressão modernidade racionalista indica. Tal categoria de compreensão
encerra a ideia da rejeição à tudo o que possa ser compreendido como não-racional. Portanto ideias não
racionalizadas, tal como a existência de Deus não cabem mais na modernidade (WESTHELLE, 2008).
Scheler, lembra Ferreti (1982), foi um dos principais autores a lançar uma denúncia vigorosa
contra o ídolo da técnica; ela levou a uma subversão total dos valores; os valores de espírito não contam
mais nada; a única preocupação que importa diz respeito apenas ao bem-estar, aos divertimentos,
aos prazeres. Incapaz de viver os autênticos valores do espírito, o homem, que se deixou seduzir pelo
ídolo da técnica, por fenômeno de ressentimento, os despreza e procura a afirmação de si mesmo na
vontade de dominação do mundo, não mais visto como um meio para a realização dos valores mais
altos, mas como fim em si mesmo: donde a civilização da técnica, o industrialismo e o capitalismo.
Ferreti afirma, analisando as obras de Scheler, o seguinte:
Logo não há mais plenitude de vida, não mais o amor para o mundo e para a plenitude de suas
qualidades, não mais a autocontemplação desinteressa como objetivo real do homem, mas cálculo
utilitarista com fim em si mesmo, redução da natureza ao seu aspecto exatamente mensurável
e seguramente dominável, fanatismo do trabalho e do lucro, avaliação somente das qualidades
humanas de diligência, rapidez, capacidade de adaptação, que possuem uma utilidade aos fins
lucrativos. O nascimento da ciência moderna e a concepção mecanicista da natureza não são as
causas, mas sim os efeitos dessa nova atitude, que consagrou a natureza, privando-a de Deus, da
alma, de todo valor e qualidade (FERRETI, G., 1982).
Além da perda dos valores do espírito, a ciência e a técnica causaram um desgaste profundo
nas relações humanas. Buber (2001) observou agudamente que, com o passar dos séculos, o mundo
material se engrandeceu mais e mais, enquanto o mundo das relações pessoais pouco a pouco foi
acabando. Um processo é a consequência do outro, visto que “o desenvolvimento da capacidade de
experimentar e de utilizar cresce com a diminuição da capacidade do homem de criar uma relação
dialógica” (BUBER, 2001, p. 65). Hoje, parece que a relação dialógica ficou menor, e que tenha cedido
lugar àquela do domínio entre homens e de subjugação entre estes e a natureza.
De fato o homem matou Deus, em seu coração. Extirpou toda a ideia de divino, porém, segun-
do os argumentos teológicos de Tillich isto é uma impossibilidade lógica. Como desaparecer com as
ideias de algo se não se pode ao menos perceber ou provar uma existência? Isto é uma impossibilidade
metafísica e lógica.
CONCLUINDO
Em meio a tantos problemas é necessária uma nova teologia uma teologia que atenda as ne-
cessidades humanas, a situação do homem está em doença e é necessária uma cura, assim segundo
Tillich (2000, p. 293):
Chegamos assim à conclusão que cura e salvação se pertencem mutuamente de modo indissoci-
ável, que os múltiplos aspectos do curar/salvar devem ser claramente diferenciados, que eles são
produzidos por uma força suprema de cura e que seus portadores devem lutar juntos a favor da
humanidade. Nenhuma separação, nenhuma confusão mas um objetivo comum de todo “curar”:
o ser humano salvo, em totalidade.
Assim apresenta uma resposta à morte suposta morte de Deus, uma Deus mais próximo da
humanidade propondo uma religião humana e não de aspecto divino. “Uma religião que não possui
um poder de curar e salvar é desprovida de sentido” (TILLICH, 2000, p. 300). Assim é necessário
uma cura para os anseio religiosos da humanidade e a reposta com certeza não está na ausência da
ideia de Deus. Se assim fosse com suas centenas de anos de existência a modernidade já teria acabado
com a fome, guerra e miséria do mundo.
Notas
1 Basicamente te o mito diz da Mitologia, São Paulo, Editora Edipro, 1a. Edição 2007. Claro que essa é uma das
inúmeras versões que existem do mito, mas ele significa que os homens se tornaram independentes do uses
11 Basicamente o mito diz que homens e mulheres eram seres primitivos, vivendo da caça e coleta. Desco-
nheciam o fogo, por isso comiam a comida crua, e embrulhavam-se em peles espessas para se defenderem
do frio do Inverno. Não sabiam trabalhar os metais para fazerem ferramentas ou armas duradoiras. Zeus
preferia que eles continuassem assim, porque de outra forma receava que alguns viessem um dia a querer
roubar-lhe o poder. Mas o sábio Prometeu amava a Humanidade e sabia que com a sua ajuda os homens
podiam progredir, saindo do seu estado primitivo. Prometeu foi em segredo ao Olimpo e roubou o fogo dos
Deuses entregando aos humanos. Com a ajuda de Prometeu, o homem desenvolveu-se rapidamente. Ficando
assim independente dos deuses. Zeus estava furioso e mandou levar Prometeu para uma das montanhas de
leste e acorrentá-lo a uma rocha. Uma águia feroz ia todos os dias comer-lhe o fígado, e todas as manhãs o
fígado tornava a crescer, de forma que a tortura recomeçava. Passaram-se muitos anos antes de Prometeu
ser liberto - dizem que trinta mil – até que o valente Hércules que o libertou. Fonte: BINI, E., A sabedoria
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HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 10. ed. Rio de janeiro: Dp&a, memória
Considerations about the technique of oral history: how understand the identity of
research subject.
This paperwork intends teach the researcher in humans sciences some
guidelines about the technique to as referred as oral history. This technique transcends
the official and academic histories to enable a subjective vision of the historical or
social event that has researched. Is an important tool to give other perception of the
readers of some rummage instead is historical, social or cultural.
Introdução.
A História oral permite o registro de testemunhos e o acesso à subjetividade
direta do pesquisado e assim dar um ponto de vista diverso da historia oficial, dessa
forma, amplia as possibilidades de interpretação dos fatos históricos ou eventos sociais
ou culturais estudados.
A tradição do relato oral foi o principal veículo de propagação através do tempo
vivido, sempre se constituiu como a principal comunicação entre os seres humanos, era
o conjunto de saberes divididos no contato direto entre pessoas, gerador dos
conhecimentos em conjunto e seus respectivos povos. Por não ser registrado de modo
134
135 MONÇÕES Revista do curso de História da UFMS- campus de Coxim – out.2014/mar.2015 – ISSN 2358-6524
sistemático foi considerado carente de veracidade (por uma academia moderna que
julgava o que era ou não verdade), assim como vários saberes sequestrados1
(FOUCAULT, 1999) durante a história, no entanto, com o advento da história
científica, este relato oral foi deixado para segundo plano, sendo o argumento principal
para tal opção, o seu déficit de cientificidade.
As fontes escritas foram adotadas como únicas fontes válidas dos estudos
históricos após os registros comerciais oriundos da pós-neocolonização, em especial
para registrar os lucros da exploração das metrópoles coloniais das nações (JENKINS,
2001). A revolução histórica que trouxe a chamada nova história ocorrida em meados
do século XX, chamada Nova História, que trouxe diversas consequências contrárias ao
seu paradigma tradicional (BURKE, 1992). Uma dessas consequências foi o resgate do
relato oral como fonte histórica, possibilitando sua adesão na academia e sendo hoje um
complemento importante na análise sócio-histórica.
Na pesquisa cientifica das ciências sociais, do método de História Oral, tem por
base um projeto de pesquisa, um objetivo e com referencial teórico previamente
definido. Cada pesquisador recorre a História Oral de acordo com os pressupostos de
sua disciplina, seja ela antropologia, sociologia, história ou outra; porém todos recorrem
à palavra gravada do entrevistado, que dá origem a um documento que constitui fonte
de pesquisa.
Estes dados foram grandiosamente possibilitados e aumentados pelo surgimento
da memória eletrônica (tecnologia), que promoveu uma vertiginosa transformação na
história de utilização da memória pela humanidade. Estes registros são as emoções,
sentimentos, a memória viva de pessoas comuns que fornecem seus depoimentos. Os
registros dessas pessoas por serem comuns foram desprezados pela História Oficial
(CERTEAU, 1994). Os registros podem ser a história de vida destas pessoas ou a
história temática, nos quais, por meio de lembranças pessoais, os entrevistados relatam
suas experiências em determinados contextos. E com isto é possível obter uma visão
mais completa sobre suas visões de mundo e do grupo social a que pertencem.
1
Segundo Foucault, a historia das ciências a serviço da política e dos poderes (capital?) enterrou e
subjugou diversos saberes que não eram passiveis de ser postos em uso monetário, tais como os saberes
populares ou o ponto de vista da historia que não gerava patriotismo ou capital, ou seja foi enterrado na
historia as vozes dos excluídos, dos escravos, das mulheres, dos loucos, em suma, do povo não vencedor
e isso causou um tremenda perda de poder. A historia oficial passa a ser contada pelos vencedores.
*é sociólogo e mestre em filosofia pela UNESP, licenciado em História pela Claretianas, doutorando em
ciências da religião pela UNESP.
135
136 MONÇÕES Revista do curso de História da UFMS- campus de Coxim – out.2014/mar.2015 – ISSN 2358-6524
A história oral.
Para conhecer a realidade histórica por meio da voz-relato das pessoas que nele
viveram, ouve-se a e analisa-se a voz do narrador, e como mostrou Halbwachs (1990), a
memória não é apenas individual, mas social. Vale, ainda, lembrar que registrar a
historia com outros valores, é (re)construir um documento diferente do que se apresenta
na historia. Tal processo de coleta registrada de depoimentos orais leva o pesquisador a
fazer uso das palavras e informações das testemunhas e nem sempre recorrer o registro
oficial.
As informações colhidas devem ser registradas em áudio e/ou vídeo, uma vez
que tal técnica só é registrada após a invenção do gravador (VANDERLEI SILVA e
SILVA, 2006), dando certo grau de confiabilidade, protegendo o pesquisador e permitir
futuras análises deste material por outros historiadores e ineditamente pela própria
136
137 MONÇÕES Revista do curso de História da UFMS- campus de Coxim – out.2014/mar.2015 – ISSN 2358-6524
2
São exemplos de outros interessados: o orientador do pesquisador, o departamento a qual ele se vincula,
órgãos de fomento, futuros outros pesquisadores, a academia em geral e principalmente a comunidade
pesquisada, a qual recomendamos retornar o resultado da pesquisa por uma questão de respeito.
137
138 MONÇÕES Revista do curso de História da UFMS- campus de Coxim – out.2014/mar.2015 – ISSN 2358-6524
O Trabalho.
O trabalho com a História oral se beneficia de ferramentas teóricas das Ciências
Humanas, muito comum na antropologia e sociologia quantitativa. Tem a possibilidade
de ser aplicado nas mais diversas áreas do conhecimento direito, marketing, medicina
educação etc... Em todas essas áreas já foram desenvolvidas pesquisas que adotaram a
metodologia da História oral em algum momento da sua trajetória constitutiva.
A história oral não é novidade, Flávio Joséfo usava-a em várias partes de sua
Historia do povo hebreu, bem como Hesíodo e outros historiadores da Antiguidade, já
utilizaram esse procedimento para escrever sobre acontecimentos de sua época.
(AQUINO; FRANCO; LOPES, 1980). A famosa Escola de Chicago, segundo a qual
caberia ao pesquisador sair das bibliotecas e ir para o campo, no caso, a cidade,
transformada em laboratório era celebre nesses relatos.
Houve um boom da História oral na década de 1960 acabou marcando bastante a
própria metodologia: suas práticas e a forma como passou a ser vista por historiadores e
outros cientistas sociais, ALBERTI, FERNANDES e FERREIRA, (2000) citando
Michel Trebitsch afirma:
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Cuidados na técnica.
Acreditar que a simples relato constitui uma historia mais autentica é uma
mentira relatada por alguns historiadores, isso porque não analisar, não verificar não
cruzar com outras fontes é um erro comum nas ciências humanas (LABROUSSE, 1973)
3
, salvo se acompanhado com a exclusiva opinião do relatado avisado no texto, mesmo
assim deve ser feito com reservas é um caso em que se despreza a formação técnica e a
própria analise - opinião –problemática levantada pelo pesquisador.
É um erro comum também no que ALBERTI et al (op. cit) chamam de História
oral “militante” comum em sociólogos e antropólogos (especialmente estudantes pós-
graduandos) “deslumbrados” com seus pesquisados (o que também é muito comum): O
equívoco está em considerar que a entrevista publicada já é “História”, e não apenas
uma fonte que, como todas as fontes, necessita de interpretação e análise (idem p. 43).
Outro erro é considerar que a História é uma reparação para dar apenas voz aos
excluídos (ibidem), de fato ela faz isso, mas tratar ela como a panacéia de dar voz a uma
suposta incapacidade daqueles grupos de escreverem sobre si mesmos é inverter o
objeto de pesquisa. Dar voz para esses (em nossa opinião) é encaixá-los de fato na
justiça social e tira-los da exclusão construindo suas identidades como cidadãos que tem
voz ativa nos rumos de sua nação. O argumento principal para esse tipo de erro é
considerar um dado grupo como exótico e exatamente com intenção de considerá-lo
igual o inferioriza, o infantiliza de modo indireto, surgindo um falso e não intencional
preconceito em relação a eles acaba reforçando as diferenças sociais: de que eles não
são capazes de deixar registros eficientes sobre si mesmos (desprezando o trabalho do
arqueólogo e antropólogo). Há em todos os povos uma cultura riquíssima passível de
resgate de seu registro que vai alem de lhe dar voz e sim pela luta em lhe dar ação e não
registro, comum fazer a pesquisa e não voltar mais para lhes ajudar a lutar por sua
cidadania. Isso decorre da falta corrente de analise.
3
Sobretudo para quem como nós professores, vemos alunos vítimas da falha educação brasileira básica,
lidamos com muitas correções de trabalhos incompletos baseados nessa mera técnica.
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O fato de não contar se deve a teoria de Foucault (op. cit.) de que a historia oficial de certo modo estava
a serviço do poder econômico e o ponto de vista do vencido não era interessante ser contado.
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experiências, a entrevista que ele conduz é parte de seu próprio relato e também de suas
ações (SELAU, 2004), seu papel e do seu imaginário, e que o historiador interprete
melhor em seu gabinete (CHIZZOTTI, 1991).
A entrevista documenta uma ação de dupla mão: a relação comunicacional entre
entrevistado e entrevistador. Tanto um como outro têm determinadas ideias sobre seu
interlocutor e seja superando preconceito e a desconfiança. Em segundo lugar, a
entrevista de História oral é de uma ação específica, qual seja a de interpretar o um fato
(ALBERTI, FERNANDES e FERREIRA, 2000).
Deve-se levar em consideração o indivíduo em sua especificidade, o ser
psicológico, que imprimirá sentido a uma série de concepções diferentes do estudados
na academia, é colocar-se no lugar do outro (SELAU, 2004) algo que se aprende muito
mais na aula de didática do que nos cursos de pesquisa, e o pesquisador que opta por
trabalhar com a História oral deve ter consciência de que está lidando com uma fonte
que reforça esses valores. Pierre Bourdieu já alertava quanto para a “ilusão biográfica”
(BOURDIEU, 1996)5, isto é, para o fato de a unidade do eu ser, na verdade, seu aspecto
sócio cultural. Na verdade, o eu é fracionado e sócio-histórico.
O entrevistado pode dar seus próprios significados ao sentido da história
(MARIA DE FREITAS, 2006). É o entrevistador que tem de estar atento a
multiplicidade de significados atribuídos a ações e narrativas escolhidas e atribuir
sentido científico às experiências após a situação em que são narradas no seu laboratório
ou escritório e levar em conta a subjetividade e reinterpretar com o cuidado de não
falsear ou não estragar ou ainda interpretar sobre seus próprios valores os quais não
estão isentos por mais que a ciência tente alcançar sua suposta neutralidade (MORIN,
1995).
Reconhecer os paradigmas que estão na base da História oral não
implica renunciar a sua capacidade de ampliar o conhecimento sobre o
passado. Ao contrário, saber em que lugar nos situamos ao trabalhar com’
determinada metodologia ajuda a melhor aproveitar seu potencial. Uma das
principais vantagens da História oral deriva justamente do fascínio da
experiência vivida pelo entrevistado, que torna o passado mais concreto e
faz da entrevista um veículo bastante atraente de divulgação de informações
sobre o que aconteceu. Esse mérito reforça a responsabilidade e o rigor de
quem colhe, interpreta e divulga entrevistas, pois é preciso ter claro que a
entrevista não é um “retrato” do passado (ALBERTI, FERNANDES e
FERREIRA, 2000).
.
5
Embora este texto de Bourdieu fale sobre biografia as duas técnicas biografia e historia oral tem
concepções parecidas, mas são diferentes pois a biografia aponta apenas um ponto de vista.
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Não confundir com metodologia biografia que outra valorosa metodologia das ciências sociais, muito
parecidas uma com outra, mas a biografia é enfocada em um personagem e não em uma situação social.
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CARTA DE CESSÃO
(local e data)
Destinatário,
Eu, (nome, estado civil, documento de
identidade, endereço, profissão), declaro para os
devidos fins que cedo os direitos autorais de minha
entrevista gravada em (datas das entrevistas) para (nome
do entrevistador ou instituição) usá-las integralmente ou
em partes, sem restrições de prazos ou citações, desde a
presente data, desde que seja para fins específicos de
pesquisa cientifica ou teológica. Declaro também que
está autorizado a publicação de meus dados para esses
fins.
Abdicando de direitos meus e de meus
descendentes quanto ao objeto dessa cara de cessão,
subscrevo a presente.
Assinatura do Depoente
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7
Se ja são realizadas a alguns anos, em tais visitas serão realizadas conversas explicando nosso objetivos
e colhendo autorização das entrevistas entre os entrevistados.
8
Isso é uma sugestão de roteiro que pode ser mudado conforme a natureza peculiar de cada pesquisa esse
tempo e esa lista não é numerus clausus.
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Se a coleta for alem de uma sessão, convém elaborar roteiros parciais previamente
preparados e analisados (ALBERTI, FERNANDES e FERREIRA, 2000).
O tratamento do material coletado vai depender do que foi definido no projeto
inicial com relação ao destino do material produzido. O equipamento deve ser de boa
qualidade, é necessário um caderno de pesquisa de campo para anotar as lacunas e
reflexões a serem feitas a posteriori, descrições, palavras mal compreendidas, gestos,
risos percepção corporal etc.... é bom após entrevistas hoje em dia fazer imediatamente
o backup dos dados em local seguro, se for transcrever deve-se fazer com tempo e
calma. Depois deve-se tratar o texto e se necessário “traduzir” a expressões, em algumas
entrevistas com o meio pentecostal podem surgir expressões como “ e o fogo caiu em
meio ao culto” que significa manifestação de glossolalia, profecias e danças, nesse
exercício de transcrição é fundamental descrever tudo e traduzir sempre que possível. É
bom registrar em algum lugar de preferência no caderno de campo as impressões ainda
que pessoais sobre a entrevista em si e se perguntar da utilidade dela frente ao projeto,
nem tudo pode ser útil, em meio a entrevista pode ser que o entrevistado discorra
longamente sobre política, futebol e assuntos desconexos que podem até ser omitidos
após longa analise.
Quando da publicação é necessário a edição do texto para estar de acordo com o
seu projeto. Tal edição não pode comprometer a fidelidade do entrevistado se necessário
utilizar a expressão latina sic (significa assim foi dito em latim quando a citação provém
de seu autor original do mesmo modo que foi dito).
A entrevista pode não ser sempre verdade, Goff (op cit) já dizia que todo registro
é mentira e, portanto passível de interpretação ou prova, mas é importante e um dado
sempre histórico ver a opinião do entrevistado. Duvidar pode levar ao pesquisador achar
mais falhas e ir atrás de mais fontes. É interessante ter noção de semiótica, linguagem
corporal, subtexto e outras técnicas de entrevista, quando se trata de religião (nosso
campo), deve-se sempre lembrar da teoria da Crick(1994) de que as vezes não é mentira
para a pessoa ainda que absurda para a comunidade científica, pode ser um outro tipo de
verdade, mas não há de se entrar nesse imbróglio agora.
Deve-se tomar cuidado para não generalizar (FERREIRA, 1997), apenas se
utilizando de comparação com outras fontes é que se pode daí pensar em uma situação
social verdadeira e não apenas de relatos, alias a questão se é ou não verdadeira é outro
problema, o importante é o ponto de vista de alguém que está passando pela situação
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social, isso é quase uma afronta a academia tradicional porém ela gerou erros que
devem ser consertados (CERTEAU,1994).
É muito valioso e importante o ponto de vista do entrevistado: sua interpretação
do fato-problema e de sua própria história em relação ao tema, da interpretação da sua
comunidade, de como concebe o mundo em relação ao problema etc.... Tomar a
entrevista como um todo significa levar a cabo o conselho de Salomão e saber ouvir,
isso em si constitui o significado da situação para a pessoa.
Deve-se respeitar as culturas interpretando-as seguindo Geertz (1989), de acordo
com o próprio significado que o entrevistado lhe dá, de acordo com sua linguagem
levando em conta que linguagem é como ele referencia a si mesmo e ao mundo
(COSTA, 2009), e ai que surge uma reinterpretação da historia dos conhecimentos
(MORIN, 2005), uma nova riqueza de historias que foram caladas oferecendo ao leitor
uma nova ampla gama de interpretação. Os fatos são interpretados e plenos de
significação em relação dialógica a sua ressignificação pessoal do entrevistado-
entrevistador em uma representação de mundo que nem sempre está de acordo com o
registro e historia oficial (CERTEAU, 1994), o mundo para alguns filósofos é
representação e significado (COSTA, 2009) particular de cada um.
Não deve-se estar restrito a moral da historia oficial pois a oral gera riquezas e
novas interpretações e novas éticas (FERREIRA, 1997) que o pesquisador vai
compreender aceitando no mínimo ponto de vistos diversificados que aumentam a
riqueza do registro a qual se propôs escrever.
Aplicando ao projeto:
Quando se trata de eventos, tais como guerras, movimentos sociais, religião, por
exemplo, na maioria das vezes se trata de subjetividade, aliás de um velho conflito que
perfaz a própria identidade do entrevistado, por isso a coleta de história oral nem
sempre é fácil, sobretudo no Brasil, donde há desconfianças cada vez maiores sobres
múltiplos relatos de preconceito frente ao cientista e frente ao grupo(MOTT, 1997),
que pode se sentir marginalizado (quando de fato é) como favelados, afro-descendentes,
homossexuais, certos grupos religiosos etc..... com a técnica de história oral quer se
perceber como o fato, situação, inserção no grupo afeta os indivíduos de um sistema
social. Quer se perceber, por exemplo; as profundas causas em sua teologia, das marcas
e traumas do conflito, autopercepção do trabalho ou outra situação que se pesquise.
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Interpretando
A Antropologia, em que pese o exorcismo que vem realizando desde Boas, ainda
não conseguiu, de todo, livrar-se do fantasma de Levy-Bruhl. Levy-Bruhl acreditava na
infantilidade e, portanto, na inferioridade da mentalidade primitiva do pesquisado,
acreditava que só o cientista poderia dar uma visão fiel do fato ocorrido e que o
pesquisado não tinha nada de útil a oferecer, embora tenha contribuído muito em suas
descrições, e bom lembrar que é um ponto de vista de um europeu branco, cujo ponto de
vista é diferente do pesquisado. Está na hora de por o pesquisado, melhor a vítima da
história(CERTEAU) como narrador da história. Substituir o conceito de "mito", com
suas ressonâncias semânticas negativas, pelo de "narrativa", pode representar um passo
à frente lembramos, que segundo Prandi (1999, p. 149), Franz Boas teve um importante
papel na formulação do relativismo em pesquisar as narrativas e suas funções, as
ciências sociais modernas em geral não tratam esses aspecto cultural como mito, mas
sim como uma riqueza imbuída na cultura humana (DELUMEAU, 2000).
A técnica de história oral é uma maneira de imergir na vida e cultura de quem a
faz acontecer a fim de buscar explicações inclusive se utilizando do método de historia
oral para quebrar preconceitos e trazer a baila realidades esquecidas pela história e pela
mídia oficial.
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(pecados ou provas) causaram certa doença e isso modifica seu contato social e ela sai
em busca de purificação mudando sua relação com o mundo ou discursando mudá-la.
Nesse item da forma de análise dos resultados, a linha do projeto é a de procurar
compreender o modo como os objetos simbólicos produzem sentidos, não a partir de um
mero gesto de decodificação, mas como um procedimento que desvenda a historicidade
contida na linguagem em seus mecanismos imaginários. Isto será feito em algumas
etapas:
A pesquisa de campo deve sempre procurar identificar individualmente cada
membro que se envolve no processo de identificação de identidade pesquisada, bem
como sua atuação sobre estes fenômenos, e sua própria análise destes. Disto vai surgir
quem deve ser escolhido para depor na história de vida.
A gravação pode e deve ser previamente agendada de preferência em local que
forme a identidade do pesquisado em que frequentam para lhes trazer evocação do seu
grupo pessoal a qual estão inseridos dando maior identificação e menos estranhamento
ao momento da coleta de entrevista. Na pratica a gravação tem de ser precedida de
“cabeçalho” da entrevista, informando o nome do entrevistado, do(s) entrevistador(es),
a data, o local e o projeto no qual a entrevista se insere.
Todo aparato legal aqui descrito será usado, é recomendável consultar o comitê
de ética e se possível advogado da instituição ligada à pesquisa. As perguntas ser podem
abertas de modo a possibilitar sempre ao entrevistado sua opinião sobre o assunto o que
não impede perguntas mais fechadas. Todo projeto tem suas especificidades e delas
nascem as perguntas certas damos aqui alguns exemplos.
Perguntas prévias de identificação (qual o seu nome, idade, pertença religiosa
etc..). Perguntas sobre a identidade pesquisada pode ser, por exemplo, religiosas: a
quanto tempo você se converteu? Você acredita que Deus Cura? Como se dá esse
processo em sua opinião? Ou do espaço pesquisado: a quanto tempo mora na favela? Há
realmente crime como se diz? Qual a sua opinião? Perguntas específicas do projeto:
Como você acha que vai ser usada essa pesquisa que estou fazendo? O que faz você se
identificar como membro da tribo Nhanderu ou como membro do povo tupi?
É importante estabelecer no projeto quando e como o pesquisador vai procurar
compreender o modo como os objetos simbólicos produzem sentidos, não a partir de um
mero gesto de decodificação, mas como um procedimento que desvenda a historicidade
contida na linguagem em seus mecanismos imaginários. Isto pode ser feito em algumas
etapas:
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Referencias:
BASTIDE Roger (2006). O Sagrado selvagem e outros ensaios, São Paulo, Cia
das Letras,
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CRICK F.(1994) The Astonishing Hypothesis: The Scientific Search for the
Soul. London: Simon & Schuster;1994.
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doi: 10.4181/RNC.2014.22.795.9p
opinião
O que é a Neuroantropologia Afinal?
Considerações e Contribuições de uma Ciência
Pouco Conhecida
What is Neuroanthropology? Considerations and Contributes of an Poorly Known Science
RESUMO ABSTRACT
Este artigo científico tem como objetivo trazer contribuições de uma This paper intends to explain the contributions of Neuro-anthropol-
ciência empírica de caráter interdisciplinar, a Neuroantropologia. ogy. In this work, will be propose some data and conjectures of Neu-
Nesse trabalho, são discutidos alguns dados e conjecturas da Neuro- roanthropology , that it is not much representative in Brazil, or in the
antropologia, que ainda não tem muita representatividade no Brasil hole world. Although exists the Neuro-Anthropology International
ou mesmo no mundo. Embora exista a Sociedade Internacional de Society, and it is a science that can cooperate to the growth of neuro-
Neuroantropologia, e seja uma ciência que possa cooperar muito para science, it can clarify some matters relating to this multidisciplinary
o crescimento das neurociências,a neuroantropologiatem a capacidade science and provide certain medical explanations of cognitive disor-
de explicitar certos assuntos relativos a essa ciência multidisciplinar em ders.The purpose of this articleisnot to exhaust the topic,it is just to
expansão bem como oferecer certas explicações médicas de distúrbios show the possible contributions of Neuro-Anthropologythat is still
cognitivos. O objetivo deste artigo, longe de poder esgotar o tema, incipient in the fields of neuroscience.
quer apenas mostrar as possíveis contribuições daneuroantropologia
que ainda é incipiente dentro dos campos da neurociências.
Unitermos. Ciência Cognitiva, Neurociências, Antropologia. Keywords. Cognitive Science, Neuroscience, Anthropology.
Citação. Costa OBR. O que é a Neuroantropologia Afinal? Conside- Citation. Costa OBR. What is Neuroanthropology? Considerations
rações e Contribuições de uma Ciência Pouco Conhecida. and Contributes of an Poorly Known Science.
Opinião
Recebido em: 26/04/12
Aceito em: 08/10/13
Conflito de interesses: não
A Neuroantropologia tem como preocupação sos neurocognitivos do o que é considerado como pro-
principal estudar a neuro-evolução do sistema nervoso do priamente humano tais como compreensão de símbolos,
homem embora não se limite apenhas isso. É uma ciên- orientação diferenciada do ser humanos, uso diferenciado
cia multidisciplinar que consiste em estudar as relações de tecnologia, capacidade de design, de destreza e apontar
do sistema nervoso humano com os diversos aspectos dos as capacidades cerebrais de ascendentes do homem e de
seres humanos. Envolve estudos de comportamento e sua outras habilidades.
relação com o sistema neural, doenças mentais, relações Visa analisar um dos mais interessantes manifesta-
sociais dos doentes mentais, questões antropológicas de ções da vida: a cognição humana. Também pode contri-
saúde mental e outros aspectos. buir com explanações teóricas da psicologia, neurologia,
A neuroantropologia cognitiva consiste em um psiquiatria, ciências cognitivas e neurociência em geral.
dos ramos da bioantropologia que estuda os mecanismos A neuroantropologia ganhou destaque nos anos
de evolução biológica, herança genética, adaptabilidade e 1970, quando Oliver Sacks, professor de neurologia da
variabilidade humana, primatologia e compila o registro Escola de Medicina Albert Einstein da Universidade de
fóssil da evolução do sistema nervoso humano. A neu- Nova York, começou a trabalhar também como neuro-
roantropologia cognitiva analisa o processo da evolução logista, no Hospital Berth Abraham, no Bronx, em Nova
biológica do cérebro humano, através de estudos dos York, onde trabalhou com pacientes que se caracteriza-
crânios de homens e hominídeos; da adaptabilidade de vam, por estarem há décadas, em estado catatônico, inca-
populações extintas e realiza sua comparação com as não pazes de qualquer tipo de movimento (este caso inspirou-
extintas; do apontamento da localização de estruturas ce- -o a escrever, em 1973, o livro Awakenings, retratado no
rebrais que existem em fósseis, da primatologia cerebral filme “Tempo de Despertar”)3.
comparada a hominídeos e registro de crânios fossilizados. Dez anos depois, Oliver Sacks constatou que esses
Ainda em primeiro lugar faz-se necessário definir doentes eram sobreviventes e descendentes de portadores
alguns conceitos de antropologia tradicional: Antropolo- de uma grande epidemia da doença do sono que assolou
gia é a ciência reflexão, teoria, sobre a humanidade e sua o Alasca, entre 1916 e 1927. Tratou-os então com um
cultura, tendo como objetivo o estudo completo sobre o medicamento novo, A L-dopa, que permitiu que eles aos
homem1. poucos regressassem a vida normal4.
Como ciência do biológico e do cultural tem como A Universidade de Nova York realizou pesquisa
objeto de estudo o homem e sua evolução,esse ramo da multidisciplinar entre os cursos de medicina e antropo-
antropologia é chamado ora de antropologia física, tendo logia, analisando os crânios dos antecedentes de algumas
esse termos preferência entre autores norte-americanos, vítimas daquele estado catatônico, constatando que ha-
ora de antropologia biológica pelos europeus, hodierna- via pequenas diferenças (anomalias) nos lóbulos laterais
mente é chamada de bioantropologia2. Estuda a natureza cerebrais esquerdos, patologia também encontrada em
física do homem, conhecendo suas origens e evoluções, necropsias dos pacientes desse mesmo caso3.
estrutura anatômica e fisiológica, por exemplo: o estudo Essas diferenças foram intuídas no sentido de que
do homem fóssil, suas mudanças evolutivas, sua anatomia havia uma marca diferenciada no crânio das pessoas que
e suas produções culturais. pressupunha através de modelagem cerebral ter existido
A neuroantropologia estuda essa múltipla comple- uma anomalia, como uma protuberância irregular nos ló-
xidade do ser humano no que é relativo ao seu cérebro sis- bulos laterais cerebrais esquerdos. Descobrindo tais ano-
tema nervoso. Muita informação fica registrada nos ossos malias pode dar respostas mais completas sobre aquele
transformando estes na pista mais direta do quotidiano surto de doença isso graças à neuroantropologia3.
dosantepassados humanos. Pode ainda explicar questões como porque cer-
Aneuroantropologia cognitiva estuda as relações tas doenças surgiram durante o processo evolutivo, algo
entre alterações corporais e cerebrais, no processo da evo- muito importante desse processo foram às novas fontes
lução biológica. Tem como objetivo explicar os proces- de alimentação possibilitada pelos usos de instrumentos
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opinião
e de caça, o que afetou nossa fonte de neuroquímica. O exemplo, datar em que época e condições surgiu a área
acesso a uma grande fonte de carne pôde possibilitar uma de Broca, utilizando essas novas técnicas em cérebros de
nova fonte de carbono e fósforo tendo como consequên- ancestrais humanos8.
cia a possibilidade de hiperfosforilação da proteina TAU Hoje em dia com novas técnicas inicialmente
e excesso de acetilcolina que afetam o equilíbrio celular para a arqueologia e antropologia os neuroantropologos
em Alzheimer. Ainda com o uso de armas e descoberta podem determinar com certo grau de precisão em que
do fogo boa parte do medo de animais se perdeu, o que ponto da historia evolutiva surgiu certas áreas cerebrais e
causou diminuição da noradrenalina e também afeta o ajudar a explicar certos comportamentos e problemas de
equilíbrio neurocelular5. saúde dos humanos.
Pesquisar a evolução neurobiológica humana pode Nos primatas superiores, o neocórtex atingirá pro-
explicar muita coisa da sociabilidade e psique social e lin- porções gigantescas tais que, para caber na caixa craniana,
guagem, bem como apontar as bases neuro evolutivas da terá que se preguear e se desdobrar, gerando, assim, as cir-
aprendizagem diferenciada humana. cunvoluções. No homem, vai predominar o crescimento
Um dos tópicos mais interessantes da neuroantro- dos lobos frontais e temporais, com o desenvolvimento
pologia é o estudo da evolução do trabalho humano, suas especial da área pré-frontal, cujas estruturas fornecem o
relações com as atividades corporais, o desenvolvimento substrato anatomobiológico para as funções mais com-
cerebral e a evolução das ferramentas cognitivas tais como plexas do ser humano, inclusive algumas que parecem ser
a inteligência. Além disso, ainda pode estudar dentro da da absoluta exclusividade da espécie, como a destreza para
sua ampla gama de alcance de outros tópicos igualmente uso e fabricação de tecnologia, rituais e crença em algo
relevantes, tais como: as influências dos fatores biológi- que não estão aparente (um suposto mundo espiritual)9.
cos, como o desenvolvimento do aparelho neuropalatal e Ao analisar a evolução cerebral (dos austrelopithe-
as aquisições neurais provindas da neotenia; as alterações cus ao homo sapiens sapiens) dos ascendentes do gênero
dos fatores comportamentais, influenciados pela adoção humano, percebe-se um amplo grau de mudança cerebral
do bipedalismo; as relações de socialização; a linguagem; enquanto o cérebro dos primeiros austrelopithecus pe-
a estratégias de caça e outros. sam cerca de 400gr o do homem moderno atinge a marca
Pode dar respostas de como o cérebro evoluiu e as de 1,4 kg, alem de estruturas como o neo-cortex frontal
condições que se formaram certas partes do cérebro como exclusivo no homo sapiens sapiens8, podemos responder
o neo córtex frontal, e associar essa área que é responsável algumas das perguntas que fazemos desde o inicio da fi-
pelas atividades próprias do ser humano (imaginação, so- losofia - porque o homem tem auto - consciência, porque
nho, alucinação, etc...). é capaz de linguagem, de construir ferramentas? Dentre
Modernas técnicas de arqueologia podem remo- outras habilidades cognitivas.
delar um cérebro com alto grau de certeza utilizando Por exemplo, se hoje podemos observar e conhecer
a remodelação a laser que consiste em sistematizar um detalhadamente todo o bipedalismo (processo pelo qual
modelo de um crânio real achado e através de ligação os descendentes do homem abandonaram as arvores, e
entre pontos pode modular com alta precisão os órgãos ficaram sobre duas pernas) e sabemos que tal processo-
que estavam dentro daqueles fósseis, inclusive o cérebro, foi fundamental para o desenvolvimento diferenciado da
outra técnica muito usada é amodelagem computacional cognição humana, pois ele foi causa do aumento do cére-
tri-dimensional6, que consiste em utilizar de softwares es- bro, da sociabilidade e outros fatores que caracterizam a
pecíficos para modelar órgãos de fósseis7. cognição humana9.
Com tais tecnologias de modelação é possível le- Essa maneira única de andar,o bipedalismo apare-
vantar a modelagem de áreas que foram aparecendo a ceu nos primeiros ancestrais humanos do gênero Austra-
cada passo evolutivo humanoe no órgão mais complexo lopithecus, há cerca de quatro milhões de anos. A despeito
- o cérebro, seu formato bem como as áreas especificas da postura ereta, os Australopithecus típicos não passavam
de crescimento cerebral através da evolução humana, por do 1,2m de altura e seus cérebros não eram muito maio-
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opinião
res do que os dos chimpanzés9. Evidências paleontológi- turas exclusivas do gênero Homo tais como: um lóbulo
cas10 recentes levantaram a questão sobre qual das várias frontal, um fascículo arqueado e área de Wernick (asso-
espécies de Australopithecus fazia parte da linhagem que ciados à destreza) e área de Broca, associados à fala e des-
levou ao Homo. treza. Tais áreas no Homo habilis ainda eram incipientes11.
A expansão mais significativa do cérebro de adul- Os australopitecíneos têm seu registro fóssil mais
tos e bebês ocorreu depois dos Australopithecus, em par- antigo datado de aproximadamente quatro milhões de
ticular no gênero Homo. O fóssil Noriokotome, do Qu- anos (MA). Surgiram no continente Africano, de onde
ênia, de 1,5 milhão de anos de idade, é um adolescente, nunca saíram, até seu desaparecimento há cerca de um
frequentemente, chamado de Turkanaboy. Pesquisadores milhão de anos. Esses novos que surgiram pertencem à
estimaram que os parentes adultos do garoto, provavel- mesma família do homem atual, Hominidae, e os extintos
mente, possuíam cérebros cerca de duas vezes maiores em pertencem ao gênero Australopithecus (do latim, australo =
relação à dos Australopithecus11. sul e pithecus = macaco), significando, portanto, macaco
Neuroantropologos testam (e a maioria concorda), do sul, (isso se deve ao fato de o primeiro Australopithecus
atualmente, uma importante hipótese diz que a anatomia ter sido descoberto na África do Sul).
pélvica dos primeiros Homo pode ter limitado o cresci- Atualmente, são conhecidas sete diferentes espé-
mento do cérebro humano até o estágio evolucionário cies de Australopithecus, nomeadamente: A. ramidus (4,4-
em que o canal de nascimento expandiu-se o bastante 4 MA); A. anamensis (4,1-3,9 MA); A. afarensisou grácil
para permitir a passagem de uma cabeça de bebê maior. (3-3,4 MA); A. aethiopicus (2,6-2,4 MA); A. africanus
Essa afirmação implica que, a partir da neotenia vai haver (2,8-2,3 MA); A. robustus (1,8-1,6 MA); A. boisei (1,8-
o aumento acentuado no tamanho do cérebro humano 960 MA). Apesar de terem diferenças físicas entre eles, há
fora do útero, o que poderá causar profudas mudanças também características comuns que permitem classificá-
cognitivas, e o ser humano é único nesse nível pois seus -los a todos, dentro do mesmo gênero, tais como o bipe-
cérebros aumentam 60% até a vida adulta enquanto os dalismo, a posição ereta, a baixa capacidade craniana, a
macacos apenas 10%, ocorrido de dois milhões a cem mil baixa estatura, entre outras. Desde as primeiras descober-
anos atrás12. tas, diversos antropólogos tentaram explicar o ancestral
Fósseis que abarcam os últimos 300 mil anos de comum entre os Australopithecus e o homem atual13.
evolução humana dão suporte à conexão entre a expan- O gênero Australopithecus era essencialmente ve-
são do tamanho do cérebro e as mudanças na anatomia getariano e pesava em torno de 50kg14; sua locomoção
pélvica. Nos últimos 20 anos, cientistas encontraram três bípede ainda era imperfeita – seus espécimes já apresen-
fósseis de Homo sapiens arcaico: um macho em Sima de tavam semelhanças na conformação dos ossos pélvicos,
los Huesos, na Sierra Atapuerca, na Espanha, com mais extremidades inferiores e articulação entre o crânio e a
de 200 mil anos de idade; uma fêmea em Jinniushan, na coluna vertebral, indicando postura ereta, apesar de não
China, com 280 mil anos; e o macho Kebara Neandertal, ter sido tão perfeita como a do homem moderno15 – e
em Israel, com cerca de 60 mil anos13. o volume de seu cérebro era pouco maior do que o de
Simplesmente por causa da posição em pé, o cé- um chimpanzé que tem em média 380cm3. Seu mais co-
rebro hominídeo teve de crescer exteriormente ao corpo, nhecido representante arqueológico, com 3,15 milhões
isso porque a pelve do ser feminino do Australopithecus de anos, é Lucy, um exemplar A. afarensis feminino adul-
não suportaria uma passagem de cabeça já pronta e gran- to, que media em torno de 1,30m. Como esse animal
de, e por ter afinado a passagem de um cérebro pronto, não sobreviveu, extinguiu-se dando forma a um ser mais
para isso o filhote teve deproporcionando um cérebro di- complexo social e cerebralmente, culminando no Homo
ferente de outros seres vivos. Isso simplesmente teve de sapiens. Desapareceu por volta de dois milhões de anos
acontecer para a sobrevivência hominídea. Tal crescimen- e não deixou descendência de sua espécie evoluiu para
to possibilitou uma novidade genuína na natureza: um outra mais complexa.
cérebro complexo dotado de um crescimento de estru- Outra herança importante dos Australopithecus foi
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abipedalização, já comentada mais adiante. Além de libe- O h.h. mostrou uma habilidade diferenciada atra-
rar a mão para maior habilidade, a bipedalização acompa- vés da destreza, a qual afetou profundamente seu com-
nhou-se da neotenia: o fato de que bebês bípedes nascem portamento e vida social. A destreza só pode ter sido
antes de completar sua formação cerebral e os cérebros causada por um crescimento neurológico desta área no
crescem fora do processo de formação do feto. Tal even- córtex. Acredita-se que, tanto essa destreza como o cresci-
to trouxe inúmeras capacidades, como a de aprendizado mento cerebral, foram profundamente influenciados pela
contínuo15 e a possível redução de algumas capacidades mudança radical na alimentação13.
instintivas8 sendo necessário mudar sua maneira de se re- A interessante diferença do h.h. é a habilidade mo-
lacionar com o meio. tora que ele demonstrava. Era capaz de produzir ferra-
O Homo habilis (h.h.) trouxe uma contribuição mentas complexas e apresentar capacidade de design, ou
muito importante para a evolução do homem. A tecno- melhor, de projeto com base em outros objetos de na-
logia de fabricação própria (self-madetechnology); quando tureza. Ele manipulava objetos encontrados no meio e
começa a lascar pedra, para fazer tudo: caçar, tirar o tuta- os transformava (por exemplo, pedras transformadas em
no das carcaças, espantar outros animais e afastar grupos machados). Aself-madetecnology; essa é uma importante
rivais, o que, antes de usar tecnologia, seus antepassados diferença que, sem dúvida, pode ser vista como novidade
não podiam fazer16. genuína para a evolução do homem. Essa criatura, cer-
Este individuo, com certeza, já superava algumas tamente já desenvolvia um nível de consciência de limi-
de suas limitações corpóreas usando tecnologia, talvez tação própria e de capacidade para se superar. Como ele
seja a etapa em que o cérebro começa a se complexar em superou vários problemas apresentados pelo meio para
direção à workingmemory. Vale lembrar que é a primeira sobreviver, apenas com inteligência diferenciada16.
vez que o hominídeo tem o prenome de Homo17. Ha efeitos ressonantes evolutivos advindos do uso
Embora a “tataravó” do h.h., Lucy, uma Australo- de tecnologia, que merecem nossa atenção por sua ação
pithecusafarensis, já pudesse andar ereta, o h.h. alcançou transformadora na evolução da cognição humana uma
mudanças estruturais em sua coluna vertebral, possibili- vez que afetam o cérebro- a mão e alimentação17.
tando importantes mudanças na organização no sistema Esses instrumentos possibilitaram duas coisas im-
nervoso central e periférico. Uma grande diferença entre portantíssimas ao Homo habilis: a obtenção de alimento
o h.h. e os austrelopitecíneos é o tamanho e o formato do diferenciada, a partir da rapinagem e da caça e, conse-
cérebro; enquanto o maior macho de Australopithecus tem quentemente, maior socialização, elemento fundamental
o cérebro de no máximo 600cm3, só as menores fêmeas para a aquisição da linguagem18.
de h.h. têm esse órgão na medida de ≈650cm3, enquanto Essa alimentação proporcionou uma riqueza pro-
os machos têm acima de 800 centímetros cúbicos10. téica duas vezes necessária:
A capacidade diferenciada de inteligência humana • As mudanças na estrutura óssea que estavam
não está associada ao tamanho relativo do cérebro-corpo, acontecendo em sua coluna vertebral13 e em suas
nem em número de neurônios, nem no potencial de velo- mãos16.
cidade sináptica, mas, no formato e no desenvolvimento • A mudança estrutural em seu próprio cérebro,
do córtex pré-frontal do ser humano, até então único da que, em nossa opinião, influenciou na aquisição
evolução. As fases evolucionárias depois do h.h., como da cognição complexa do homem. Uma mudança
Homo dmanisensise Homo erectus14 demonstram desen- cerebral necessitaria de grande quantidade de ali-
volvimentos cada vez mais crescentes dessa área cortical. mentação e de mudança radical na dieta, o que re-
Aparece um início de um córtex pré-frontal, ainda que sultou no desenvolvimento do córtex pré-frontal14.
não muito desenvolvido11, com as novas técnicas neuro- Quanto às mãos, assim como no caso da bipeda-
antropológicas torna-se possível saber em que local nos lização, verificou-se uma modificação de anatomia bási-
cranios e em que fase evolutiva do cérebro esta parte do ca dos primatas. O dedo polegar humano é mais longo
cérebro se desenvolve. que no chimpanzé ou gorila e é posicionado ligeiramen-
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te mais afastado dos outros quatro dedos, portanto, em uso de tecnologia ocasionou mutação nas estruturas ce-
oposição aos demais, possibilitando maior rotação. Signi- lulares ocorridas no cérebro humano20.
fica que o dedo polegar pode ser girado contra os dedos, Há também o aumento da ingestão de cálcio de
permitindo pegar objetos de diferentes tamanhos com a maneira radical, podendo ter afetado a quantidade de
mesma eficácia16. ATP (Adenosina trifosfato) e, possivelmente, afetou neu-
Essa sensível alteração anatômica cria amplo es- rotransmissores à base de potássio. As células do córtex
pectro de funções que os também diferenciam humanos pré-motor apresentam diferentes capacidades de absorção
dos macacos, pois nos dá tanto a precisão como a força de ATP e proteína 14-3-321 no homem e nos chimpan-
para agarrar. O alcance de atividades passíveis de serem zés, que poderia fornecer novos recursos de comunicação
executadas pelas mãos humanas é bastante diversificado, intracelular. “Sem dúvida, essas mudanças foram funda-
pois se possibilitou a utilização de ferramentas como a mentais para o desenvolvimento da área de destreza e lin-
lança, o machado, as agulhas e a linha; tornou-se possível guagem e, consequentemente, da cognição; além disso,
ninar uma criança, pintar uma obra-prima ou tocar uma outras influentes mudanças no corpo, como estômagos
música em um piano16. menores, propiciaram uma preciosa reserva de energia
O desenvolvimento da destreza (high-handeness) para o cérebro. O cérebro é o órgão que mais consome
é associado no cérebro humano ao neocórtex lateral es- energia, enquanto estômagos vegetarianos, que são sem-
querdo, o córtex pré-motor, na parte posterior do córtex pre relativamente grandes, consumiriam uma energia
frontal esquerdo, próximo e em constante comunicação preciosa, impedindo, talvez, o crescimento cerebral”22.
com a área de Broca por meio do feixe de nervos chamado Além disso, outro fator importante foi proporcio-
Fascículo Arqueado19. nado pela ampliação de variedade na alimentação dife-
Como o h.h. tinha uma habilidade diferenciada na renciada causada pelos instrumentos de pedra: o início da
destreza, isso só pode ter sido possibilitado por um cres- socialização particular do gênero Homo23.
cimento neurológico da área de destreza no córtex e uma Como se vê fez-se nessa breve introdução uma breve
mutação nas mãos, derivados do bipedalismo. Acredita-se analise das possíveis contribuições da neuroantropologia
que, tanto essa destreza como o crescimento cerebral, fo- e pudemos explicar várias mudanças ocorridas nos cére-
ram profundamente influenciados pela mudança radical bros dos ancestrais humanos e explicou-se como a neuro-
na alimentação11. antropologia funciona e pode explicar donde, em quais
Estudos com símios demonstram que células ner- condições certas complexidades e corpúsculos cerebrais
vosas específicas dessas áreas cerebrais têm boa absorção surgiram e daí inferir certos comportamentos complexos.
de proteínas encontradas em animais como peixe, por Porém longe de se limitar a isso, a neuroantropolo-
exemplo, o que não fazia parte da dieta dos Australopithe- gia pode cooperar com diversos aspectos neuroevolutivos,
cus. Uma dieta só pode ser mudada com uso de tecnolo- minha pesquisa particular por exemplo pode responder
gia (pesca, caça, cerceamento de animais)14. vários aspectos da destreza humana, que me faz capaz por
Essa mudança de dieta teve profunda influência exemplo de digitar no computador esse texto e de forma
no desenvolvimento cognitivo do homem. “O estudo de consciente.
crânios de Homo habilis demonstra que o protodesenvol- Cita-se como exemplo de uma complexa interação
vimento dessas áreas se dá nessa fase da evolução humana. social a rapinagem, na qual o hominídeo obteria ossos
Nos estágios anteriores (Australopithecus), não há espaço deixados ao léu, consumindo o tutano que extraía de den-
ou forma dentro do crânio dessas espécies que demons- tro deles com o uso de machados de pedra, uma rica fon-
trem um desenvolvimento dessas áreas corticais; estudos te protéica que quase nenhum animal tem. Como o h.h.
dos ossos nas cadeias posteriores ao H. habilis (H. dma- faria para obter os ossos? Ele teria que utilizar uma divi-
nisensis e H. erectus) demonstram um desenvolvimento são social de trabalho muito eficiente para que parte do
maior das mesmas áreas11. bando distraísse outras espécies de rapinadores enquanto
A mudança radical de dieta proporcionada pelo outra parte fugia com os ossos.
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O h.h. teria que pegar várias carcaças recém-mor- do) se desenvolvem juntas na criança22.
tas por animais maiores e mais perigosos que hienas, Já deu para perceber a importância da neuroantro-
como o tigre de dente de sabre. Como? Hoje observamos pologia para a compreensão de certos aspectos complexos
o comportamento de caça de alguns felídeos que vivem da cognição humana, porem ela pode ajudar em vários
em bando, como os leões da savana que caçam em bandos outros aspectos a saber:
como os tigres de dentre de sabre. Os felinos que caçam Tem a capacidade de estudar a neuro-evolução do
juntos marcam um território de caça, atacam um bando desenvolvimento das formas de socialização e o papel do
de mamíferos quadrúpedes que vão beber água, pegan- sistema nervoso, o sistema sono-vigilia, o aprendizado, o
do os mais fracos, depois de matar um, se o bando de sistema medo estudando as funções evolutivas da Amig-
caçadores for grande, eles abandonam por pouco tem- dala, do Hipocampo, do Fórnix e Giro Parahipocampal,
po as primeiras carcaças derrubadas e vão atrás de outro do Tálamo e Hipotálamo, do Giro Cingulado, do tronco
membro do bando. Nesse curto período de tempo, o h.h. cerebral e do córtex, chegando até o neo córtex frontal e
agia com extrema inteligência social, enquanto parte do suas relações com o medo, o stress e a ansiedade25.
bando vigiava para ver se os caçadores voltavam, outros Por exemplo, pode estudar em que ponto e con-
utilizavam seus machados de pedra para extrair pedaços dições ambientais surgiram nos mamíferos os gânglios
de carne da caça, numa atitude perigosa e que teria que Basais, ou a absorção nicotínica em busca pelo sistema
ser muito rápida, obtendo assim carne fresca o suficiente. prazer-recompensa26.
No caso de caçadores que caçavam solitários, como a che- Tem os meios de estudar as estruturas e em que
eta pré-histórica e o cinogato, cuja habilidade seria capaz condições surgiram a linguagem8. Os sistemas vivos em
de matar um búfalo, mas não de comê-lo inteiro, deixan- geral podem ser entendidos como sistemas de comuni-
do boa parte da carcaça fresca, confiando no seu territó- cação14. Os seres humanos alimentam-se não apenas de
rio marcado pelo seu cheiro. Entrar no território de um matéria, mas também de informação, trocando-as entre
caçador poderoso pode ser extremamente perigoso, mas si, com outros seres vivos e com o meio ambiente23.
agindo em bando, com vigia e aumentando sua socializa- As formas de comunicações dos demais seres vivos,
ção, o h.h. seria capaz de obter o tão precioso alimento24. como o canto de uma espécie determinada de pássaro no
O aumento da socialização também se prova pelo acasalamento, possuem e produzem sentido, mas, mes-
ensino das técnicas de caça e rapinagem aos mais jovens mo quando apresentam alguma possibilidade de recom-
das famílias de h.h. Isso envolve o ensino de fabricação de binação e modulação, como nos pássaros mais admira-
instrumentos. O aprendizado dessa instrumentação era dos pelos seres humanos por seu canto ou capacidade de
adquirido muito rápido, ainda quando criança, pois os imitação, são formas de comunicação bastante rígidas de
instrumentos oduvaidenses, bem pequenos, que só cabe- cada espécie em que - e apenas para um reduzido núme-
riam em mãos pequenas (de crianças e adolescentes, con- ro de espécies - a variabilidade permissível ao indivíduo
siderando o tamanho dos fósseis encontrados)24. Nenhum restringe-se a poucas séries de combinações14.
outro símio tem esta capacidade de aprender a lidar com Alem do mais, não há função de referência ou cri-
instrumentos desde filhote. Apenas o chimpanzé mais ha- térios semânticos de relevância nas formas de comunica-
bilidoso conseguirá manipular instrumentos apenas de- ção de outros seres vivos, o que nos faz hesitar em classifi-
pois de adulto e bem treinados por humanos, porém, sem cá-las como linguagem, porem a neurodestreza de gritos,
capacidade de transformar o objeto as suas necessidades25. guinchos, uivos e outros sons de comunicação, sobretudo
Crê-se que o fator de socialização foi muito importante sobre situação de medo, stresse, acasalamento pode ser
na formação do processo cognitivo. entendido como uma proto-linguagem26.
A neuroantropologia observa ainda a relação in- A linguagem humana ultrapassa a fronteira do
tracerebral entre destreza e linguagem e que as estruturas simples em direção ao hipercomplexo: constitui um siste-
cerebrais que são responsáveis pela linguagem (área de ma de infinitas combinações e não somente mero veículo
Broca e de Wernicke) e destreza (neocórtex lateral esquer- de transmissão de informações; tanto reflete o real quanto
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por si mesma cria outras realidades, especificamente hu- seres humanos e fornecer explicações para os fenômeno
manas, como a arte, o sonho e a música. isso depende de perceptivos que se encontram na evolução29.
presença de interlocutores e de estruturas específicas no Ainda pode fornecer dados que facilitem o pro-
cérebro e no corpo23. cessamento e a modelagem matemática de seres que não
Pode estudar as questões de cultura e diferenciação mais existem os ancestrais dos seres humanos para forne-
cerebral em questõesde gênero em face dos dados de que cé- cer explicações e modelagens de explicações computacio-
rebros de homem e mulher e homossexuais são diferentes27. nais cognitivas30.
Podem-se analisar as questões de saúde mental pu- Pode estudar a relação que ha entre cérebro, êxta-
blica, com vistas a dar um melhoramento das instituições se religioso, entre diversas constatações de neurocientis-
de atendimento mental. tas que pesquisam o êxtase religiosos, a mais intrigante
Pode analisar o imaginário popular de pacientes foi a diminuição da atividade do lobo parietal superior,
com problemas mentais destruindo preconceitos e este- uma área na parte alta do cérebro que influencia nossa
reótipos da sociedade em relação aos pacientes mentais. orientação espacial e de tempo. Sabe-se que Utilizando
Pretende se integrar a antropologia da saúde que ressonância magnética funcional, prova-se que partes do
tem abordado ofenômeno da doença em duas perspec- córtex pré-frontal e do córtex cingulado anterior, podem
tivas: como ele éexperimentado pelos doentes e como é ser alteradas em certos rituais causando sensações psico-
a experiência dos profissionais de saúde1 e que procura físicas31.
construir, na perspectiva da antropologia da saúde e da- Dentro deste viés da religião pode pesquisar e coo-
doença, conceitos adequados à compreensão do fenôme- perar com o estudo de psicoses raras como a Síndrome de
no doença, tais como doença-sujeito (a illness ou a expe- Jerusalém31. Ainda nesse viés pode cooperar com o estudo
riência subjetiva da doença), doença-sociedade (a sickness, da sensação de paz que traz a prece e os fenômenos neuro
que designa os comportamentos socioculturais conecta- - fisiológicos que podem trazer a meditação, ou o feno-
dos com a doença em uma dada sociedade) e doença- meno de glossolalia31. Pode estudar o fenômeno histérico
-objeto (tal como apreendida pelo saber biomédico). conhecido vulgarmente como possessão demoníaca e suas
A neuroantropologia pode ajudar a compreender causas cerebrais.
tanto esses sentidos existenciais como se especializar e Na história da Humanidade os sintomas de alte-
estudar a questão dosickness, illness and disease tanto do rações no sistema nervoso foram comparados à casos de
ponto de vista subjetivo, do cultural, e também no que se possessão demoníaca e efeitos de feitiçaria29. Segundo
especifique as doenças de base neurológica. Freud33 são manifestações de sintomas histéricos, onde
Pode ajudar tremendamente a psiquiatria e a psi- pode-se observar uma série de distúrbios psíquicos: al-
cologia, que deve em seus aspectos de tratamento psicote- terações no curso e na associação de idéias, inibições na
rápico que deve compreender todos os aspectos culturais atividade da vontade, exagero e repressão de sentimentos.
e imaginários relativos ao cérebro e não apenas medicar.A Ainda pode estudar dentro dos fenômenos reli-
neuroantropologia pode cooperar decididamente com a giosos o processo de oração em relação a Psiconeuroimu-
psicologia evolutiva. Ainda poderá ajudar a humanizar o nologia32: mostra que a meditação e a oração é capaz de
tratamento tradicional psicoterápico a exemplo de Nise desempenhar papel importante na resistência das chama-
da Silveira. das doenças infecciosas, que até então eram consideradas
A neuroantropologia criminal pode compreender como “estritamente fisiológicas”. Sendo assim, todo uma
os aspectos culturais e cerebrais da violência e do crime, imensa área da medicina foi aberta para se estudar os es-
bem como pesquisar em que momento da evolução sur- tímulos psicológicos destas doenças,assim como é sabido
giram os aspectos neurológicos de violência, sexo e estru- que o estresse afeta o sistema imunológico31.
turas inibitórias da violência do cérebro28. Pode ajudar a estudar a parte neuro-social do uso
Pode estudar a neuro-evolução dos sistemas per- de tóxicos e álcool ajudando tremendamente no estudo
ceptivos, das estruturas perceptivas nos antepassados dos relativo aos danos cerebrais. Estudando ainda os fenô-
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opinião
menos da drogas pode explicar certos fenômenos sociais Oxford Press Inc., 1993,184p.
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por exemplo, alguns antropólogos defendem que as pri-
cia. São Paulo: Ed. UNESP, 2003, 426p.
meiras idéias religiosas surgiram do consumo de cogu- 11.Falk D. Braindance. New York: Henry Holt and Company. Inc., 1992, 502p.
melos alucinogenos pelos povos antigos33. Dentro desse 12.Buss DM, Reeve HK.Evolutionary psychology and developmental dyna-
mics. Psychol Bul 2003;129:848-53.
levantamento, crê-se que o papel da neuroantropologia
http://dx.doi.org/10.1037/0033-2909.129.6.848
se fez fundamental, inferindo através das formas craniais 13.Godoy JA. El Origen del Hombre. Madrid: Ediciones Palabra, 1987,146p.
as capacidades cognitivas de cada um dos antepassados. 14.Wills C. The Runaway Brain: The evolution of human uniqueness. New
York: Harper Collins publisher. 1992, 201p.
É analisando a totalidade dos ancestrais humanos
15.Johanson D, Shreeve J. O Filho de Lucy: a descoberta de um ancestral
que se pôde observar como eles puderam vencer as difi- humano. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998, 432p.
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senvolvimento de inteligência com criatividade, logo vê
http://dx.doi.org/10.1006/jhev.1998.0220
como um ensaio neuroantropológico pode explicitar do 17.Richardson JT. Envolving concepts of working memory.In: Richardson J,
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18.Bronowski J. A escalada do homem. 4ªed. São Paulo: Martins Fontes, 1969,
cionais e mentais. 442p.
A neuroantropologia pode cooperar para a com- 19.Kandel E, Schwartz JH, Jessel T. Fundamentos da Neurociência e do Com-
portamento. Rio de Janeiro: Guanabara e Koogan, 1995, 591p.
preensão do funcionamento cerebral humano e devser
20.Pereira Jr. A. Questões Epistemológicas de Neurociência Cognitiva(Tese).
revista com mais atenção pelas ciências cognitivas uma Botucatu: Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”2001,129p.
vez que as respostas para muitas perguntas a vezes se en- 21.Blanchard DC. Blanchard RJ. Rodgers RJ. Risk assessment and animal
models of anxiety. In : Olivier B, Mos J, Slangen JS (Eds.). Animal models in
contram no passado, tempo esse que a neuroantropologia
Psychopharmacology. Annu Rev Psychopharmal 1991;23:283-91.
busca responder quando se trata do cérebro. 22.Greenfield PM. Language, tools, and brain: the ontogeny and phylogeny of
hierarchically organized sequential behavior. Beh Brain Sci 1991;14:531-51.
http://dx.doi.org/10.1017/S0140525X00071235
23.Costa OBR. Sobre as causas evolutivas da cognição humana (Tese). Marilia:
Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, 2009, 192p.
24.Foley R. Os humanos antes da humanidade: uma perspectiva evolucionista.
RESENHA:
HINKELAMMERT, FRANZ J. HACIA UNA CRÍTICA DE LA RAZÓN MÍTICA:
EL LABIRINTO DE LA MODERNIDADE. MÉXICO:
EDITORIAL DRIADA, 2011 –
1
Antropólogo, filósofo e mestre em filosofia pela UNESP, doutorando em Ciências sociais pela
UNESP, professor substituto de ética e cidadania da UNESP-FAAC.
2
Fonte: pagina oficial do departamento ecumênico de investigações, frame - história, acesso em
02/12/2013, disponível em http://www.dei-cr.org/conozcanos/historia/.
3
Conta a mitologia grega que Ariadne, a filha do rei Minos, ajudaria Teseu, herói grego, a enfrentar seu
irmão bastardo e monstro o Minotauro, se Teseu prometesse casar com ela. Teseu reconheceu aí a única chance
de vitória e aceitou. Ariadne, então, deu-lhe uma espada mítica e única que poderia derrotar o monstro e um
novelo de linha que não tem fim (Fio de Ariadne), para que ele pudesse achar o caminho de volta dentro do
labirinto do Minotauro, do qual ficaria segurando uma das pontas. Significa um apontar de saída para um
labirinto cheio de perigos. Fonte: BINI, E., A sabedoria da Mitologia, São Paulo, Editora Edipro, 1a. Edição
2007.
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REVISTA REFLEXÕES, FORTALEZA-CE - Ano 5, Nº 9 - Julho a Dezembro de 2016
ISSN 2238-6408
pra si, em nossa opinião a figura de um labirinto é estar sozinho na escuridão, sem Deus estamos
sozinhos, o monstro não é o minotauro, mas a injustiça socioeconômica que mata quem se
aventura no labirinto. Porem esse não é um labirinto que se escolhe se aventurar a humanidade se
aventurou nele e empurrou vários para esse labirinto.
A manera de introducion:
4
Basicamente o mito diz que homens e mulheres eram seres primitivos, vivendo da caça e coleta.
Desconheciam o fogo, por isso comiam a comida crua, e embrulhavam-se em peles espessas para se defenderem
do frio do Inverno. Não sabiam trabalhar os metais para fazerem ferramentas ou armas duradoiras. Zeus preferia
que eles continuassem assim, porque de outra forma receava que alguns viessem um dia a querer roubar-lhe o
poder. Mas o sábio Prometeu amava a Humanidade e sabia que com a sua ajuda os homens podiam progredir,
saindo do seu estado primitivo. Prometeu foi em segredo ao Olimpo e roubou o fogo dos Deuses entregando aos
humanos. Com a ajuda de Prometeu, o homem desenvolveu-se rapidamente. Ficando assim independente dos
deuses. Zeus estava furioso e mandou levar Prometeu para uma das montanhas de leste e acorrentá-lo a uma
rocha. Uma águia feroz ia todos os dias comer-lhe o fígado, e todas as manhãs o fígado tornava a crescer, de
forma que a tortura recomeçava. Passaram-se muitos anos antes de Prometeu ser liberto - dizem que trinta mil –
até que o valente Hércules que o libertou. Fonte: BINI, E., A sabedoria da Mitologia, São Paulo, Editora Edipro,
1a. Edição 2007. Claro que essa é uma das inúmeras versões que existem do mito mas ele significa que os
homens se tornaram independentes do Deuses através do seu trabalho.
Página | 126
REVISTA REFLEXÕES, FORTALEZA-CE - Ano 5, Nº 9 - Julho a Dezembro de 2016
ISSN 2238-6408
livro "idolatria do mercado", escrito por Hinkelammert com Hugo Assmann denunciam o
resultado do mercado é hispóstases, ou seja, sua suprema personalização-atribuição como agente
autônomo. A esse agente é aplicado fé em sua total confiança de modo a pensar que nada vai dar
errado. Com tal fé no mercado, os homens poderiam atribuem a ele uma confiança ilimitada, ou
seja uma divindade que pode resolver todos os problemas humanos. Ademais, apontam que o
neoliberalismo tem um sistema de apoio dominar a vontade humana, o mercado poderia ser uma
"lavagem cerebral" real em profunda consciência do ser humano. Quando a fé no paradigma do
mercado poderia sobrecarregar a mente e o coração, a solução dos problemas sociais foi
geralmente deixada ao próprio mecanismo de mercado5.
Parece que o homem se faz Deus e Deus se faz homem, na cultura cristã nossa leitura
aponta para um conflito entre o deus libertador que se fez homem e o homem que se fez
Prometeu para se auto-libertar. Apontamos que a própria configuração da religião cristã
ocidental se tornou algo digno de ser combatido e uma prisão do qual o homem deve escapar.
Essa opiniao é apontada no libro quando o autor reflete sobre a dominação espanhola e
portuguesa sobre as Américas e o sangue que isso trouxe. Ocorre que o homem deveria ter se
libertado da religião não de Deus porem ao libertar-se na modernidade da religião rompeu-se
com Deus.
O homem, representado pelo Prometeu do velho Marx grita e rompe ―odeio aos deuses‖
e envolve Deus nessa sua revolta rompendo com Ele. Ao romper-se torna-se seu próprio
Prometeu: autoconsciente, auto-suficiente, independente de toda autoridade religiosa, política e
conseqüentemente teológica a qual o homem não precisa mais de Deus. Ao romper com o mito
Greco – romano com o grande mito de Prometeu, o homem deixa de se libertar de si e procura se
libertar de Deus.
O Prometeu de Marx apresenta um ser humano humilhado, depreciado, abandonado e
subjugado, e um ser preso a maquina de trabalho, torturado por uma águia mandada pelo
opressor(Zeus). Porem de fato há um novo objeto de adoração criado e criatura pelo próprio
homem, o home agora adora a si mesmo, mas ao invés de libertar-se escraviza através do seu
novo Deus, que é homem: O mercado.
O mercado passa a ser sacralizado. O autor contradiz as ideias de F. Hayek, e suas
criticas contra o socialismo para apontar os pensamentos que trazem vantagem ao livre-mercado.
Um dos quadros desse livre-mercado é a concorrência, uma lógica de se derrotar e se sobrepor
5
ASSMANN, Hugo, HINKELAMMERT, Franz J. A Idolatria do mercado: Ensaio sobre Economia e
Teologia, Teologia e Libertação. Petrópolis: Vozes, 1989.
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aos outros que perfaz uma ética do sujeito destrutiva e competitiva. Assim a liberdade suprema
do mercado não pode ser limitada ao outro, forma-se uma ética do sujeito de uma liberdade
ilusória, uma liberdade que na verdade escraviza.
A lei existe para preservar os valores que um grupo social considera importante, tais
valores não são imutáveis, uma vez que a sociedade pode mudar seus gostos e valores através
da história, confirme a evolução das ideias humanas. Os valores de uma sociedade são aquilo
que ela, como equilíbrio de interesses considera como valioso.
Este texto manda ou proíbe algo em consonância com a justiça e para o bem da
sociedade no seu conjunto, preservando o que ela considera valiosa. Por exemplo: ―A venda
de cocaína é penalizada pela lei‖, ―A lei proíbe que uma pessoa mate outra‖, ―Um homem
nunca deve roubar outrem‖. No caso tal sociedade considera a luta contra as drogas, a vida, a
propriedade privada como valiosas.
Pode-se dizer que as leis limitam o livre arbítrio dos seres humanos que convivem
em sociedade. Funcionam como um controle externo ao ato humano que rege as condutas (os
comportamentos). Se uma pessoa considera que não tem mal em adotar uma determinada
ação, mas que esta é punida por lei, terá tendência em abster-se de o fazer independentemente
daquilo que achar pessoalmente. Exemplo uma pessoa precisa de um ―Tablet‖ vê um ao lado
que o colega de faculdade esqueceu, não vai se apropriar do objeto ilegalmente, pois ha uma
lei que o proíbe.
Existem varias fontes de leis e do direito e uma delas é a religião, visto que a religião
divulga-impõe valores. Vai emitir opiniões que as pessoas que a seguem ou que a simpatizam
com ela tomarão como importantes na sua vida social. No âmbito sócio - político, a lei é um
preceito ditado por uma autoridade competente. Par Marx a lei vai ser um prisão e de fato: Se
ela protege o que é valioso em uma sociedade nossa sociedade tornou valioso a propiedade
privada, o capital, a livre concorrência, tudo isso protegido por lei que em vários casos se
torna uma prisão.
Tal prisão garante a existência de um sistema utópico chamado mercado que deveria
resolver todos os problemas humanos mas não o faz pois isso é utopia (p.45). A globalização
nova forma de mercado so exclui e escraviza cada vez mais o homem. Crer na justiça do
mercado é uma razão mítica -utópica – impossível, pois tal sistema não pode trazer salvação.
Assim se faz necessária uma nova ética do sujeito (p. 47), uma agir do sujeito sobre o
mundo. O autor propõe que uma teologia da libertação, possa ser a solução, não um
rompimento com Deus mas com aquilo que oprime o homem, um novo ecumenismo. A
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resposta para esse problema talvez esteja na proposta de um nova Religião, digamos uma
religião esclarecida (se é que isso é possível), um que proponha como fundamentos de sua
religiosidade as idéias que não produzam vitimas6, onde o fundamento das configurações
cristãs seja a o amor ao próximo; das judaicas, o relacionamento com Yavhé e da sua
benignidade, das mulçumanas do caminho do servir sem escravizar e da bondade. Ou seja,
que seus fundamentos sejam os condizentes com as conquistas de direitos humanos
conseguidas a muito custo pelo Estado democrático, e da promoção de um Estado Laico que
garanta o respeito as culturas e a liberdade religiosa.
Capítulo 1
No capitulo 1, o autor faz uma analise dos mitos, para ele os mitos antagonizam a
razão instrumental, porem a razão instrumental pode se socorrer de certos mitos tal como a
mão invisível do mercado.segundo ele a modernidade cria mitos e são contra os mitos que se
confundem com religião. São contra os mitos gregos mas criam mitos como o do progresso.
A habilidade e a facilidade com que o homem cria técnicas sempre novas e mais
perfeitas provocou nas gerações recentes uma confiança sem limites no progresso humano,
nas possibilidades de levá-lo à frente até a realização do paraíso na terra e à feliz solução de
todos os problemas e mistérios do homem. Mas é realmente verdade que as ciências e a
técnica têm o poder de resolver todos os problemas e enigmas humanos? Não tem.
Aliado a toda manutenção de conhecimento único, surge a ideia de que
conhecimento é poder7 e que esse poder foi jungido ao capital e serviço desse, ou seja a
ciência foi submetida ao interesse do capital8, sendo assim o poder ao qual se refere Marcuse 9
é em sua critica a modernidade é o próprio capital. Para entender o trunfo do capital sobre os
valores antes religiosos, houve um triunfo da comunicação que trouxe e confirmou a
modernidade e propôs sua própria crise.
Surgiram, no seio da modernidade, novas tecnologias da comunicação, produtos
dessa ciência racionalizada, que levou o homem a um movimento de consumo desmedido e
capitalizado. As pessoas passaram a ser valoradas não pela sua essência, e sim pela sua
6
CERTEAU, M. (1998) artes de fazer, a invenção do cotidiano, 3ed. Ed. Vozes.
7
WESTHELLE, Vitor (2008) - Traumas e Opções: Teologia e a Crise Da Modernidade ,
publicações do centro de estudos anglicanos, disponível em
http://www.centroestudosanglicanos.com.br/bancodetextos/diversos/teologia_crise_modernidade_vitor.pdf,
publicado em 14/out/2008, consultado em 30/mar/2013.
8
PANIKKAR, Raimon, Morte e ressurreição da Teologia, Horizonte, Belo Horizonte, v. 4, n. 7, p.
15-29, dez. 2005
9
MARCUSE, Herbert. A Ideologia da Sociedade Industrial: O homem unidimensional. (Tradução de
Giasone Rebuá). 4.ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1973.
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capacidade de consumo. Termos antes caros a humanidade como a teologia como alma,
bondade, caridade não tiveram mais lugar.
A modernidade a tudo racionaliza. A tudo matematiza, a tudo contabiliza, a tudo
registra de tal maneira, o homem fica reduzido a um negócio de contabilidade, que interessa
particularmente aos registros das taxas e dos seguros (Steuerug und Sicherrung), para utilizar
uma expressão de Heidegger 10.
Esse capitulo pode ser traduzido na frase de Goya (p.57) a razão ao sonhar produz
monstros, visto que a razão não sonha: planeja, não abstrai: calcula. A razão substituiu as
necessidades humanas pelas preferências do mercado (p. 58). Nem a morte pode se discutir
mais A modernidade criou segundo Giddens11 um certo sequestro de experiências, ou seja
através do sistema auto-referenciado de conhecimento e de poder separa-se da vida certos
conhecimentos naturais, como enfermidade loucura, criminalidade, morte, sexualidade.
As garantias de direitos humanos foram cooptadas por direitos que na verdade so
garantem a globalização do mercado, a propriedade privada e a morte dos excluídos. Embora
o mundo posa reagir e enfrentar tais problemas, quem enfrenta leva a peja de terrorista e
criminoso e outra vez combatidos por leis que só atendem as necessidades globalizantes.
Ë criado um mito do poder, um dos vários mitos pela qual a sociedade humana se
configura, assim como o mito do sucesso, do crescimento patológico, da mão invisível, do
capital justo etc..., ocorre que a mesma modernidade que não considera verdade os mitos
antigos gregos se fundamenta e se relaciona nesses novos mitos. O que é pior mitos
protegidos pela lei e pelo suposto estado democrático de direito. São os mitos modernos.
O próprio cristianismo, o Deus que se fez homem é considerado um mito e
ridicularizado porem se utilizam vários mitos para parametrizar a modernidade. Deus deixa de
ser a reposta e se transforma em um homem, um semelhante (p.73) criando de certo modo o
cerne da modernidade: o humanismo, agora é o ser humano, e não Deus o centro do universo.
O cristianismo nasce com uma teologia da Culpa, da dívida e do perdão e nasce daí uma nova
religião, uma religião sem culpa – o capitalismo.
Benjamin12 evoca, os termos ―dívida‖ e ―culpa‖. Segundo numa perspectiva histórica
do de que não podemos separa esses dois termos, no sistema da religião capitalista, a ―culpa
10
HEIDEGGER, Martin. (2007) Nietzsche – volume II. Tradução: Marco Antônio Casanova. Rio de
Janeiro: Forense Universitária.
11
GIDDENS, Anthony. (2002) Modernidade e Identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.
12
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política. Ensaios sobre literatura e história da cultura.
Prefácio de Jeanne Marie Gagnebin. São Paulo: Brasiliense, 1987
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mítica‖ da dívida econômica, surge como algo sem culpabilizaçao. O capitalismo é um culto
que não resgata, mas deixa um sentimento de culpa apenas nos sensiveis. Neste sentido, este
sistema religioso,surge após o colapso de do cristianismo. Uma enorme sensação de culpa,
incapaz de se render, deu proveito a esse culto, e sua culpa, em vez de ser resgatadas é
universalizada, gravada na consciência, até que o próprio Deus é preso na rede culpa, de
modo que, finalmente, ele próprio está interessado em sua expiação. Não se pode, portanto,
esperar que isso aconteça no próprio culto, ou a reforma dessa religião, uma vez que teria de
agarrar-se a algo sólido que aparentemente não existe na historia(isso seria o verdadeiro
cristianismo mas foi rejeitado como mito). A essência deste movimento religioso que é o
capitalismo é parte de sua capacidade de percorrer todo o caminho, de fornecer todas as
repostas finais, até culpar a Deus, para atingir o estado de desespero no mundo.
Da pagina 83 a 115 faz um grande estudo do apocalipse como tradução da visão da
historia ocidental, é um dos textos fundantes da sociedade ocidental (p. 104). De Hobbes a
Locke, de Marx a Engels, de Hegel aos capitalistas, todos compararam o apocalipses as
mudanças econômicas e sociais que perpassaram o mundo. Esse texto é usado erroneamente
para legitimar as violências ao redor do mundo bem como as injustiças produzidas pela
exclusão(ora os cavaleiros do apocalipse são as mazelas do mundo). Esse capitulo pode ser
resumido no fato de que o mundo finalmente tem um poder auto-destrutivo causado pelo
capitalismo, agravado pela oposição ao socialismo histórico. O mundo tem ogivas nucleares,
biológicas e químicas para destruir a vida na terra mais de 400 vezes 13, o apocalipse é
rejeitado como mito, mito que se acredita que não pode acontecer, porem está perto como
nunca, o apocalipse impacta alem do cristianismo, e cria um ―marco de categoria‖ do
exercício de poder no ocidente.
Capitulo 2
Corporiedade concreta e abstrata: a espiritualidade do mercado.
13
THOMPSON, E. P. (ed.) (1982a). Exterminism and Cold War. London: Verso/New Left Books.
14
MORIN, E. ―Ciência com Consciência‖. Ed. Publicações Europa-América, Lda, Portugal: 1994
15
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 10. ed. Rio de janeiro: Dp&a,
2005.
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grande dualismo que tem afligido a o pensamento filosófico desde então. Até essa proposição
não se havia pensado numa oposição entre corpo (matéria) e Espírito.
Ocorre que a modernidade se apresenta mediada por seus meios de comunicação,
apresenta uma materialidade extremada, o sucesso, as casas novas, os carros de marca
materialmente falando são a representação de algo espiritual, a felicidade que não pode ser
alcançada por todos. Cria-se um mito do progresso, que se apresenta como uma nova
espiritualidade (p. 109) ainda que baseada em materialidade. Assim o que é material é
valorizado e o que é espiritual é deixado de lado ainda que baseado no grande mito do
ocidente o mito do progresso.,
Na sua divagação do capitulo 2 (excurso p. 113) inicia-s e com uma frase bem
emblemática ― o Capitalismo surge com a pretensão de ser a instância de salvação‖, atribui o
começo desse ao mercantilismo exploratório colonial, porem sua ideologia à obra de Adam
Smith. Acusa seriamente qu a as posições cristas dos primeiros séculos eram ao contrario
fazendo uma explanação teológica de Mateus 6:24 com a citação de Jesus : "Não se pode
servir a Deus e a Mammon". Porem o que ocorreu foi ao contrario ocorreu uma
espiritualidade do mercado.
O mercado, a tudo toma conta e passa a ser o regulador das relações sociais, mais do
que isso, passa a ser o centro das sociedades, se infiltrando no dia-a-dia das pessoas. A
referencia passa a ser mercado e recursos, mercado de trabalho, de capitais, de alimentos, da
droga, mercado matrimonial, religioso e de bens simbólicos, não há expressão mais
assustadora, por exemplo do que recursos humanos: ou seja, para a produção de bens e
serviços o ser humanos é reduzido a um recurso, um bem substituível a qualquer momento.
A obra de E. Durkhein já afirma que:, ―não há religião sem comunidade (igreja) 16 ‖.
O mercado como religião marca a nova comunidade que é a sociedade moderna. As pessoas
se reconhecem e se valorizam pelo poder de compra que tem. Uma pessoa de bem é aquele
que tem poder de consumo.
A religião do mercado tem os seus comportamentos e dogmas. Como exemplo:
O mercado é causa de desigualdades; assim é um produtor de vítimas, que ou são
exploradas ou são vitimas da violência causada pela comunicação que leva desejos aos que
não podem e por isso roubam violentamente multiplicando as vitimas 17.
16
DURKHEIM, E. As formas elementares da vida religiosa. São Paulo: Martins Fontes, 2000.p.261
17
MESSNER, S. F.; ROSENFELD, R., Crime and the American Dream. Belmont: Wadsworth, 2000.
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18
HOFFMANN, R. Distribuição de renda: medidas de desigualdade e pobreza. São Paulo: EDUSP,
1998.
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comprar mais, comprar mais para consumir mais e mais. É no poder de consumo, que se mede
o caráter de uma pessoa segundo essa lógica. O ser humano é medido em Ter e não em Ser.
Numa sociedade assim, a pessoa tem a sua dignidade reconhecida nas relações mercantis, no
mercado. Os pobres são marginalizados exatamente pela sua impossibilidade de acesso ao
mercado. Esses milhares que são a maioria do mundo são invisíveis e reduzidos a mero
problemas políticos, seres humanos incapacitados de participar de acesso aos bens que na
maioria eles mesmos produzem em um total estado de alienação.
Capítulo 3
O capítulo 3 (p.117) passa a uma explicação da humanização de Deus. De como o
humanismo trouxe agora na historia que o homem e não Deus era o centro do universo. Disso
decorre algumas conseqüências tal como: propriedade é individual e um direito sagrado, por
natureza. A isso o individuo leva como algo sacro. Outra conseqüência é o crescente poder da
burguesia, cuja conseqüência se da a vida pelo comercio, o comercio não mais é um meio de
subsistência mas a atividade pela qual as pessoas vivem e morrem e o importante nessa
atividade passa a ser o lucro. Assim surge as condições do capitalismo selvagem.
O socialismo surge como uma alternativa na opinião do autor como incapaz de
resolver tais mazelas uma vez que só muda o foco da propriedade ao invés de propriedade
individual se fala em propriedade socialista. Alem disso há um grande problema a redução de
toda a historia e condição humana a luta de classes. Tal concepção marxista é impossível de
compreender toda a riqueza da experiência humana. A isso nesse seio socialista o autor critica
a teologia da libertação (p. 120).
Em suas elucubrações critica fortemente a globalização(p.122). em suma essa critica
decorre da decisão das potencias emergentes do pós guerra fria de impor ao mundo uma força
motriz comercial capitalista que possa dar mais poder as empresas transnacionais. Com essa
pratica se da estratégia ao mercado sem controle ou responsabilidade por seus atos.
O mercado disfarça sua finalidade (o lucro) em respeito a certos direitos humanos,
porem alcançar a plenitude deses direitos se tornam impossível visto a finalidade do mercado
não ser alcançar esses direitos (meio ambiente ecologicamente equilibrado, justiça, saúde,
educação pleno emprego etc..) e sim o lucro. Desse modo a finalidade do homem ( e não só
da empresa) também passar a ser o lucro, e desse modo o autor recorre a Hobbes, como nessa
lógica pessoal vai surgir o homem: a reposta é apenas como lobo do home, como concorrente
de seu semelhante.
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A liberdade humana nessa relação fica ilusória e prejudicada uma vez que o home só
tem liberdade para consumir. Ele diz da liberdade de escolher entre uma sociedade de plena
convivência e uma sociedade Hobbesiana, mas não vejo como agir sobre tais suposta
liberdades frente a força poderosa do capital. O próprio autor diz que a democracia está a
serviço do capital(p.132). não se existe liberdade para se escolher entre igualdade e
fraternidade pois isso implicaria em abrir mão da propriedade privada e do lucro o que
aparentemente ninguém quer escolher.
Capítulo 4
O capitulo 4(p. 135) inicia-se com o estudo do capitalismo e sua relação com a culpa
analisando o texto de Walter Benjamin: O capitalismo como Religião. Como analisa
Benjamin, o capitalismo é uma religião na qual o culto se emancipou de um objeto de
adoração e passou a ser o seu próprio ato de consumir e não há culpa, tabus, nem pecados ao
contrario das religiões, e, portanto, não há redenção há só felicidade prometida (mas
raramente alcançada). Então, do ponto de vista da fé, o capitalismo não tem nenhum objeto:
acredita no puro crédito no dinheiro a ser alcançado por um lucro que virá.
Há um culto ao dinheiro, o objeto de desejo e de adoração não ´[e algo transcendente
mas sim o vil metal. No capitalismo não há perdão de vividas há garantias de dividas, que se
tornam novos lucros. No capitalismo não se pode pagar com sangue do Cordeiro suas dividas.
Também é pouco provável que uma divindade vá pagar as dividas creditícias, disso só decorre
a descrença na força de Deus e a crença na força do capital.
A culpabilização da religião Cristã se dá pelo assassinato de Cristo no Calvário, não
há culpa no capitalismo apesar de varias vitimas que ele gera por ser uma religião sem
responsável pela sua culpa e sem Deus a quem culpar. a religião tem a função de ser o
fundamento da cosmovisão que legitima a ordem social vigente, assim o capitalismo como
religião legitima a ordem do lucro.
Capítulo 5
No capitulo 5 o autor percebe uma vácuo na objetividade do mundo (que esta no
cerne da visão sistêmica de mundo 19) e na inversão dos objetos e do papel do humano, agora
sãos os objetos que fazem as coisas. E o dinheiro é quem faz, tira do homem a sua
responsabilidade do uso das maquinas e do dinheiro. Esta inversão teórica desculpabiliza o ser
humano. O ser humano não é o ser que constrói o mundo, enm Deus, o ser humano é um
19
LUHMANN, Niklas. The autopoiesis of Social Systems. In: GEYER, F.; ZOUWEN, J. (Org.).
Sociocybernetic paradoxes. Cambridge: Polity Press, 1986.
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objeto a ser usado, e quem constrói o mundo agora passa a ser o dinheiro em uma inversão da
objetividade do agir do homem.
Nessa relação entre parte/parte e partes/todo, a atuação causal, destaca Morin 20, é a
causalidade circular, que atua como um princípio de organização recursiva. Desse modo, as
interações entre as partes formam um todo e este ―todo‖ emergente às mesmas e de outras
interações, retroage sobre as partes que o constituíram, determinando o modo de ser das
partes. A organização recursiva é a organização cujos efeitos e produtos são necessários à sua
própria causação e à sua própria produção. É, exatamente, o problema de autoprodução e de
auto-organização.
Uma sociedade é produzida pelas interações entre indivíduos e essas interações
produzem um todo organizador que retroage sobre os indivíduos para co-produzi-los
enquanto indivíduos humanos. Ocorre que a causa de tudo não são mais as relações múltiplas
mas sim o dinheiro causa tudo(e não mais Deus) e é motivado pela ganância. A ganância é
que dita o como o mundo vai se desenvolver.
Capítulo 6
O capitulo 6 começa com uma análise do mito de Édipo. E faz uma comparação
com Deus pai as interpretações dos cânones freudianos em relação ao Deus pai. No sentido
freudiano a religião responderia ao anseio por um pai poderoso que oferece segurança,
proteção (poupa os homens de uma neurose individual ao preço de deixá-los num estado de
infantilismo psicológico, submetidos ao que chama de um delírio de massa). Freud afirma que
a natureza do homem exige este tipo de controle para que ele possa viver em sociedade.
Dessa forma, se a religião fosse extinta, inevitavelmente, o homem criaria outro sistema de
doutrinas com as mesmas características para se defender. Ao que parece criou o capitalismo
ou melhor ao invés de uma religião com pai se transmutou em uma religião sem pai. Não [e
um novo sistema é ainda uma religião, mas sem pai a quem atribuir seus conflitos psíquicos.
Discordo do autor ao atribuir a Marx uma teoria do espelho que afirma que o sistema
jurídico é uma reflexo das relações econômicas, essa teoria já era dita por Justiano em Roma.
Por exemplo quanto a satisfação dos débitos para garantir as divida, já lecionava Gaio
(Digesto, 27, 10, 5) a ideia de que só deverão ser vendidos os bens do executado que se
mostrarem suficientes para a satisfação dos seus débitos. É o princípio da satisfatividade,
informativo da tutela jurisdicional executiva previsto no artigo 659 do Código de Processo
20
MORIN, Edgar. O método- A vida da Vida. Lisboa: Publicações Europa-América, 1987. v. II.
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Civil Brasileiro em varias leis do ocidente. Alem disso as questões de herança eram
puramente materiais como nos direito ocidental hoje e não mais patrimônio sentimental
ligado ao nome. O direito sempre teve relação intima ao econômico. O que serve para uma
analise do capital como regras imperiais de domino como aponta Jung ET all 21 pela qual o
império capitalista a tudo domina.
Assim nessa lógica elementos de direitos humanos tal como vida e liberdade tem
menos valor que a propriedade até bem pouco tempo atrás na historia e em alguns países
ainda persiste a ideia de se ir preso por dividas materiais o que da a liberdade um valor menor
que a propriedade. Isto para não falar nas violentas retomadas de propriedade abalizadas pelo
Estado muitas vezes com mortes a qual se depreende de que a vida tem menos valor do que
propriedade.
O capitalismo usa sua fabrica de guerra e morte, mas tem um fim: o lucro 22. Ele
supera suas crises com maquinas e mais maquinas de guerra donde se produz mais lucro e
impulsiona a industria, o autor faz um apanhado de exemplos históricos em seu texto (p.193).
apontando para a triste inversão de direitos humanos que pretendia Locke. Assim o
capitalismo e a técnica com sua maquina de guerra assim como sua razão produz monstros
como o autor cita a famosa obra de Goya.
Esses monstros são produzidos em uma estética de morte, corrupção, invencibilidade
e domínio ou seja a própria essência da monstruosidade.ainda o capitalismo moderno ao se
opor a certos valores produz outros monstros como o fundamentalismo.
O homem, que se deixou seduzir pelo ídolo da técnica, por fenômeno de
ressentimento, os despreza e procura a afirmação de si mesmo na vontade de dominação do
mundo, não mais visto como um meio para a realização dos valores mais altos, mas como fim
em si mesmo: donde a civilização da técnica, o industrialismo e o capitalismo. Ferreti 23
afirma, analisando as obras de Scheler, o seguinte:
―Logo não há mais plenitude de vida, não mais o amor para o mundo e para a
plenitude de suas qualidades, não mais a autocontemplação desinteressa como
objetivo real do homem, mas cálculo utilitarista com fim em si mesmo, redução
da natureza ao seu aspecto exatamente mensurável e seguramente dominável,
fanatismo do trabalho e do lucro, avaliação somente das qualidades humanas de
diligência, rapidez, capacidade de adaptação, que possuem uma utilidade aos
21
MIGUEZ, néstor; RIEGER, joerg; JUNG, sung, . Para além do espírito do império: novas
perspectivas na política e religião. São Paulo: Paulinas, 2012
22
HARVEY, David. A produção capitalista do espaço. São Paulo: Annablume, 2006
23
FERRETI G. (1982).Max Scheler, fenomenologia e antropologia personalistica, Vita e pensiero,
Milão, 1972, Trad. EDUSP – p. 14.
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24
BUBER, M. eu e vós,(2001) (original 1937) , São Paulo, editora centauro- p. 65
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MONÇÕES Revista de História da UFMS/CPCX v. 1, n° 1, Setembro de 2014 – ISSN: 2358-6524
Abstract: This study aims to elaborate about the influences that religion and Jewish law,
especially the part known as the 10 commandments exercises in the western, Brazilian law in
particular. Especially show up that in the past was there socials rights before the historical view
of illuminist era. For both write something about law, about Jewish law and some Westernized
laws in a historical comparative study.
123
MONÇÕES Revista de História da UFMS/CPCX v. 1, n° 1, Setembro de 2014 – ISSN: 2358-6524
1
MORAES, 2000, p. 167.
2
VASAK, 1983, p. 681.
3
ALEXANDRINO, 2012. p.102
4
Ainda que existam alguns direitos sociais que são provindos da não intervenção estatal como o direito
de greve e de reunião pacífica por exemplo.
124
MONÇÕES Revista de História da UFMS/CPCX v. 1, n° 1, Setembro de 2014 – ISSN: 2358-6524
em tela nesse trabalho, exista uma grande distancia entre a efetivação desses direitos e o
texto do ordenamento jurídico (SARLET, 2009)5.
Em que pese a grande sabedoria desses doutrinadores, data vênia, estes estão
limitados ao direito e não tem formação antropológica ou histórica. Em primeiro lugar
definiremos direitos sociais como uma atuação do Estado em favor do individuo. Isso já
existia na antiguidade pré-imperial românica e muito antes dos conceitos libertários
revolucionários franceses6. Em especial na legislação hebraica havia várias situações
que o Estado, ainda que teocrático, agia em favor do individuo, não só no sentido de
garantir, mas para atuar em sua formação.
O ser humano, enquanto ser eminentemente gregário necessita viver em
sociedade, não pode viver sozinho, quando o grupo onde vive chega a certo ponto de
complexidade, precisa regulamentar essa convivência, ou seja, precisa de normas e
regras que o ajudem a viver nessa sociedade, para viver em grupo, a partir de certo nível
populacional que vai ficando populacional e culturalmente complexo, precisará de leis,
digo de regras claras de convivência, e de modo escrito, pois estas precisam de certa
estabilidade.
As sociedades ágrafas, de nível tecnológico mais simplificado, não tinham leis
no sentido estrito da palavra, nem por isso deixavam de ter regras e tabus de
convivência grupal. Uma moral estabelecida sempre surgia para dirimir os conflitos
naturais oriundos da convivência humana. Porem com o crescimento populacional,
incremento do comércio, surgimento da moeda, descoberta/conquista de territórios
relações de trabalho dentre outros diversos fatores houve um aumento da complexidade
social que exigiu o surgimento de leis para regular as vidas das pessoas em sociedade.
Lei vem do "lex" que significa leitura, era a leitura em praça publica das
decisões do reinado na antiga Roma (GILISSEN, 1986), aos poucos adquiriu o
significado de norma, ou seja, o que aceitável e “normal” dentro de um grupo. A
definição mais precisa de lei trata-se de uma norma ou um conjunto de normas
concebidas por um poder soberano para regular a conduta social e impor sanções a
quem não às cumpre. A lei (enquanto norma jurídica) deve obedecer a diversos
princípios, como é o caso da generalidade (abranja todos os indivíduos), a
5
SARLET, introdução.
6
È comum nos manuais de direito encontrar referenciais históricos com pobre pesquisa histórica e
arqueológica, daí se produz um conhecimento defeituoso.
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histórico e religioso; mas, as tradições e outros materiais podem ser bastante antigos e
manter, na sua forma final, os traços dessa antiguidade.
Ocorre que há uma hipótese que tomaremos como correta. A hipótese de
mudança social. Ora como era o povo de Israel antes do Exílio? Saídos escravizados do
Egito, tradicionalmente era um povo agrário e de pastoreio, sem um grande costume de
ler ou de escrever, no Antigo Egito, na época da escravidão descrita em êxodo, não era
permitido aos escravos ler ou escrever (PFOH & WHITELAM, 2013), porém, toda sua
tradição foi formada nessa época e era bem mais provável que seus costumes religiosos,
assim como legais fossem narrativas orais a escritas (DOZEMAN; SCHMID, 2006),
isso porque na pratica, um povo agrário não tem interesse em escritas e registros de
modo organizado, não porque são ignorantes, mas simplesmente suas prioridades são
outras tais como a sobrevivência (MICHULIN,1960).
Provavelmente, o processo de formação dos cinco primeiros livros da Bíblia
desenvolveu-se, nas suas linhas gerais, em vários períodos. No início estaria um núcleo
narrativo histórico bastante restrito, da época de Salomão. Este núcleo é depois
retomado e ampliado por volta dos finais do séc. VIII a.C. recolhendo tradições e
fragmentos do reino do Norte e relendo tradições antigas numa nova perspectiva. No
séc. VIII aparece o Deuteronômio primitivo, descoberto no tempo de Josias (622 a.C.) e
incluindo essencialmente leis e um pequeno prólogo. É depois ampliado para dar o texto
atual de Dt 1-28. As questões levantadas pelo Exílio fazem aparecer a grande obra
histórica "deuteronomista" que se vai elaborando ao longo de várias fases, integrando,
de algum modo, todos os materiais já recolhidos anteriormente. Esta grandiosa
reconstrução provoca uma série de retoques "deuteronomistas", ao longo de todo o texto
do Pentateuco, que já estaria redigido (MEDEIROS, 1991).
Houve uma grande produção pós-exílio, isso porque a rica e comercial cultura
babilônica, que havia necessidade de escrita para melhor registro de comercio e
conquista, influenciou os exilados hebreus que se encaixavam na sociedade embora
mantivessem suas comunidades fechadas (LEMAIRE, 2011), foi dessa época que os
Hebreus herdaram seu tão famoso gosto e habilidade para o comercio (HERRICK,
1966). Se há algo que estimula a cultura é o comercio.
Embora o povo fosse literalmente escravo, estando nessa situação meio século
de cativeiro na Babilônia. Ou seja, produzindo cultura e registros de sua religião até
então predominantemente oral. Não podiam ter templo, nem culto, nem rei, nem sequer
a possibilidade de oferecer os seus sacrifícios e de fazer as suas festas sagradas. A única
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coisa que lhes resta é a fé no seu Deus e as suas tradições. E estas vão ser meditadas e
aprofundadas. Agora, paradoxalmente, vão rever a sua história para lhe descobrir o
sentido profundo, aproveitando para refletir sobre os motivos por que lhes tinha
acontecido tudo isso.
Mas, não obstante todas as dificuldades e apesar de estarem prisioneiros, eles
vivem num ambiente relativamente evoluído e com grande produção técnica,
educacional e escrita (MICHULIN, 1960). Contudo, vale lembrar que escrita naquela
época era algo extremamente caro e difícil (JENKINS, 2001).
E, com efeito, entre os babilônios, descobrem preocupações que eles nem sequer
tinham ainda amadurecido. É notório, por exemplo, o fato de haver pessoas que
procuram dar resposta às perguntas mais profundas do ser humano: como, qual a origem
das coisas, do mal e da religião, ou seja, um clima fértil para a filosofia
(GHIRALDELLI JR, 2000). Em contato com esse clima de pensamento e reflexão,
nascem também núcleos de pensadores entre a comunidade judaica. E assim, em
contacto com os opressores, por incrível que pareça, nasce uma corrente de renovação
espiritual que, no caso, é liderada pelo profeta Ezequiel (BLOCK, 1997).
Representados pelos ideais escritos no livro de Ezequiel7, esses pensadores têm a
preocupação de afirmar, acima de tudo, a santidade de Deus, e dar seu testemunho
acerca da sua ligação com Deus (BRUEGGEMANN, 1997) sem descurar as explicações
racionais para os acontecimentos e a origem das coisas. Fazem então sínteses históricas
para, a partir daí, descobrirem a vontade de Deus. Ou seja, procuram descobrir o sentido
profundo de tudo o que acontecera no passado. À luz da situação que lhes toca viver no
presente, procuram perceber o que é que Deus espera deles. É nesse âmbito que nasce o
livro da Bíblia que dá pelo nome de Levítico (DE PURY, 2002). Este é um livro
pertencente ao núcleo do Pentateuco, que trata de vários assuntos que não caberiam
aqui, mas que tem, fundamentalmente, por objetivo subordinar a Deus todas as coisas e,
como consequência, propor à consciência dos leitores a proeminência de Deus acima de
todas as coisas conforme o testemunho do povo Hebreu (BRUEGGEMANN, 1997).
No livro de Ezequiel há diversos avisos para quem se contamina com usos de
outros povos tal como, por exemplo, o descrito em Ezequiel 23, alertando para aqueles
que adorarem ou mesmo sacrificarem aos ídolos pagam um terrível destino.
7
Não há provas de que tenha existido um profeta com as características de Ezequiel, é provável que seja
um texto compilado para ministrar seus ideais. Seus ideais sociais eram avisar sobre os pecados de
afastar da identidade e fé judaica, dar esperança ao povo, mostrar a punição de quem não seguisse os
ideais religiosos de Deus. De certo modo é um aviso para se continuar judeu.
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A época de crise se perfaz não necessariamente como algo ruim, mas é a quebra
de uma situação que estávamos acostumados (Exemplo: libertação dos escravos hebreus
deve ter tido impacto na comunidade hebréia), gera uma crise que se tem que controlar.
De um lado temos sábios judeus tentando voltar a sua terra prometida, do outro, jovens
com costumes pagãos absorvidos de décadas de convívio com uma nação mais
avançada (do ponto de vista tecnológico e com leis morais menos rígidas) e
culturalmente mais atraente a essa juventude se faz necessário um rol de compilações de
leis antigas que deve ter culminado na "repetição das leis" ou deuteronômio.
As leis do Êxodo atribuídas a Moisés também são fruto de uma necessidade de
crise, de uma situação de saída do Egito onde os judeus tinham certa estabilidade apesar
de escravos (BÍBLIA, 1995 - comentários bíblicos da Bíblia de Estudo pentecostal
CPAD, comentários a Números 11:5). Ou as crises de valores percebidas pelos
sacerdotes e escribas a que estavam sujeitos a permeações da cultura babilônica, é claro
que isso gerou muitas crises sociais, para não falar das teológicas.
Essa crise para ser superada teve que ser criado um rígido código de leis com o
qual culminaram na compilação dos 10 mandamentos. Algo largamente usado nos
estudos jurídicos no que se refere à criação das leis é a teoria da necessidade social, a lei
vem quando dada situação exige que ela seja criada pela comunidade (FERRARA,
1921) de modo nem sempre repentino ou sincrônico e sim de modo que respeite sua
historicidade e o aproveitamento do arcabouço cultural de um povo (idem) tal como o
judeu.
Mas quem são os hebreus para que nos influenciem tanto? Os Hebreus são um
povo de origem semita que vivia na Mesopotâmia do segundo milênio a.C. e
culminaram na região da Palestina (IORWERTH et al, 1970). A Palestina pode ser
dividida em várias regiões: uma planície costeira no Mediterrâneo, uma região
montanhosa no centro, o vale do Jordão, que fica quase totalmente abaixo do nível do
mar. A terra dos Hebreus tem, portanto, o mar Mediterrâneo de um lado, o deserto de
outro e, o mais importante, a qualidade de ter sido o local de passagem entre a África e a
Ásia, isto é, o Egito e a Mesopotâmia (AQUINO et al, 1980).
Os Hebreus eram agricultores — pastores. Viviam do pastoreio de ovelhas,
cabras, do plantio de uvas, trigo, e outros produtos. Mas havia neste povo um
diferencial: eram Monoteístas adoravam um único Deus patriarcal. Esta característica
marca toda a história e qualquer produção cultural desse povo. A História teológica
destas pessoas pode ter fonte na Bíblia, mais especificamente pelo Antigo Testamento,
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que reúne a Torá (ou a Lei), os Profetas e os Escritos (MICHULIN, 1960). O Novo
Testamento inclui a história (e os ensinamentos) de parte dos Hebreus que acreditaram
que Jesus é o Messias que o Antigo previa.
Eles acreditavam em um só Deus, que por seu desejo havia se revelara a eles
através de Abraão, e, a partir deste momento, iniciou um relacionamento entre Ele e os
que o chamava de Povo Escolhido. Este era seu diferencial, os únicos da face da terra
com um Deus que queria uma relação com seu povo (BRUEGGEMANN, 1997).
Esta relação é tão complexa que não podemos entender tal povo sem a
interferência da sua crença do Deus de suas vidas. Para eles, Deus escolhe seus líderes,
Deus escolhe ou não dar prosperidade, Deus, da à vitória ou a derrota na guerra. Não é
de estranhar, portanto, que a lei foi inspirada por Deus e ir contra o que está escrito seria
o equivalente a ir contra Deus.
O comércio atingiu seu auge no período de pós-exílico, registrado nas historias
bíblicas do reis Davi e Salomão, a qual denotam uma diferença na realidade política, e
econômica de Israel (PFOH & WHITELAM, 2013) , portanto melhores leis de
comercio deveriam ser feitas, a partir daí o comercio passou a estar presente na vida
deste povo, visto que a região que habitam é uma verdadeira encruzilhada nas rotas da
Mesopotâmia, Egito, Mar Vermelho e do deserto, área de grande foco e
intercruzamentos de estradas (BRIGHT, 1980).
Por volta de 1800 a.C. algum fenômeno climático fez com que os Hebreus
saíssem da Palestina na direção ao Egito. Relata a Bíblia e alguns estudiosos, que no
Egito os Hebreus passaram a ser perseguidos, passando a pagar pesados impostos e
chegando até mesmo à escravidão (PFOH & WHITELAM, 2013) .
Por volta de 1200 a.C. os hebreus saíram do Egito e voltariam a palestina
supostamente sob liderança de Moisés, no que a bíblia descreve como êxodo, cuja
narrativa esta cheia de mensagens e cronologia mítico-não histórica. Nesse episódio, os
Hebreus teriam passado quarenta anos no deserto e aí teriam forjado, sob a liderança de
Moisés, toda a base de sua civilização, inclusive suas leis8.
A visão religiosa crê que a Torá (que contém a lei dos Hebreus) foi criada pelo
próprio Moisés e, embora esta tese esteja um tanto desacreditada pelos acadêmicos em
geral, ainda denomina-se a legislação de “Mosaica”, mesmo porque, provavelmente, foi
após a saída do Egito que este povo começou a estruturar as bases de seu direito. A base
8
É pouco provável que a historia de êxodo tenha sido escrita conforme a bíblia relata, não é aceito pela
comunidade de historiadores e cientifica sendo uma descrição mais religiosa que histórica.
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moral da Legislação Mosaica pode ser encontrada nos Dez Mandamentos, que teriam
sido escritos “pessoalmente” por Deus no Monte Sinai, como forma de Aliança entre
Ele e o Povo Escolhido.
A Torá, também chamada Pentateuco, é formada pelos cinco primeiros livros da
Bíblia: o Gênesis, o êxodo, o Levítico, os números e o Deuteronômio. Em toda a Torá
encontramos leis; entretanto, há no último livro uma reunião maior de leis, repetindo
inclusive alguns preceitos vistos nos outros livros, mesmo porque é esta a intenção do
Deuteronômio, que significa “segunda lei”.
A maioria dos autores aponta a lei de Moisés uma legislação apenas de direito
religioso. Não podemos esquecer que eles tinham uma relação diferenciada de constante
aliança e parceria com sua divindade em uma relação religiosa sem par na historia das
religiões (BRUEGGEMANN, 1997). A religião não é somente uma das características
dos israelitas, mas pode ser indicada a característica social que dá alicerce toda uma
sociedade, inclusive Durkheim afirmou que a religião era a “ossatura” de uma sociedade
(DURKHEIM, 1989).
Toda vez que problemas sociais, econômicos e políticos aconteceram esse povo
relacionava a alguma causa religiosa. Eles, obviamente, explicavam tais “coincidências”
como uma vingança ou desaprovação de Jeová; usavam também a característica
vingativa de Jeová ou a manipulavam quem desobedecesse as leis divinas.
Embora a tradição indicasse Moisés como autor do Pentateuco, a maioria indica
como uma obra posterior, sec. V a.C foi primordial para a formação de uma legislação
mosaica. Em 586 a.C. Nabucodonosor, na grande expansão de seu reino (MEDEIROS,
1991) conquistou a palestina e a elite social e religiosa da nação foi levada para a
Babilônia, como escravos9.
O Exílio deu azo à formação de um direito hebraico novo, visto que ao o contato
com diversas culturas diferentes que frequentavam o comercio babilônico (persas,
gregos e romanos) fez com que os hebreus fossem influenciados na eu- ser-estar cultural
e suas produções inclusive a legislativa, deve ter tido um impacto muito grande nessa
cultura (DE PURY, 2002). Este processo, iniciado na Babilônia, somente iria terminar
900 anos mais tarde (SKA, 2012).
9
Era uma tática comum dos antigos grandes reino conquistar os filhos das elites mostrando-lhes a
riquezas de sua cultura ou corrompendo -os pelo luxo e pela luxuria, quando voltavam aos seus reinos
queriam transformá-lo numa colônia do reino conquistador (ROBERTS, 1995)
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a)Justiça
A Legislação Hebraica é bem avançada no que se refere a justiça, uma vez que
essa é um dos nomes de Deus (Jeová Tsidkenu – Senhor, Justiça nossa -Jeremias
23:6), e determina a obrigatoriedade da imparcialidade no julgamento:
10
O Brasil tem muito da herança judaica porque os portugueses nosso colonizadores tem muito dessa
herança, Portugal fazia parte de Sefarad , durante a ocupação sefardita na península ibérica sobre isso
recomendo: TAVARES, Maria José Ferro, A Herança Judaica em Portugal, CTT Portugal, 2004.
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b) Processo
A questão da investigação e do devido processo legal, no sentido de não cometer
injustiças, é muito valiosa aos Hebreus. Neste sentido, este povo é totalmente diferente
de outros da antiguidade, já que, praticamente, não admite julgamento sem investigação.
Como exemplo cita-se o crime de alguém adorar a outros deuses (considerado
gravíssimo) sendo prevista uma punição sui generis, mas não sem antes ficar provado
através de grande investigação.
Quando ouvires dizer, de alguma das tuas cidades que o SENHOR
teu Deus te dá para ali habitar:Uns homens, filhos de Belial, que saíram do
meio de ti, incitaram os moradores da sua cidade, dizendo: Vamos, e
sirvamos a outros deuses que não conhecestes;Então inquirirás e
investigarás, e com diligência perguntarás; e eis que, sendo verdade, e certo
que se fez tal abominação no meio de ti;Certamente ferirás, ao fio da espada,
os moradores daquela cidade, destruindo a ela e a tudo o que nela houver, até
os animais. Deuteronômio 13:12-15 (grifos nosso)
c) Pena de Talião
É a Bíblia descreve o Princípio da Pena de Talião (embora o uso fosse mais
antigo), não é uma lei escrita como alguns penam, é um principio de justiça reparadora
antigo, que é baseado na proporcionalidade do dano, se você faz mal para alguém paga
da mesma proporção do mal:
Mas se houver morte, então darás vida por vida, Olho por olho,
dente por dente, mão por mão, pé por pé, Queimadura por queimadura, ferida
por ferida, golpe por golpe. Êxodo 21:23-25
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Esse princípio não é mais usado, mas deu à todas civilizações ocidentais a noção
de reparação proporcional ao dano, elemento filosófico das leis que hoje é pago
monetariamente a todos que causam dano, ainda é usado em civilização ocidental, após
todos esses anos, nos Estados que admitem a pena de morte em crimes contra a vida.
d) Cidades de Refúgio
A preocupação desta legislação com a justiça chega ao ponto de prever e obrigar
o estabelecimento de cidades de refúgio (ou asilo), onde pessoas com problemas
poderiam se refugiar para que fosse feita a justiça com calma e não no calor de fortes
emoções.
O sentido destas cidades era dar tempo a um julgamento justo é o que influencia
toda a legislação a esperar um tempo pelo julgamento na chamada prisão preventiva ou
provisória, para que o julgamento não fosse influenciado por emoção e sim feito por
equilíbrio, por isso nosso presos até hoje não são imediatamente julgados e se estão
presos não cumprem ou não deveriam cumprir suas penas em penitenciarias e sim em
locais apropriados para esperar o julgamento.
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g) Casamento
O conceito de casamento era puramente um negócio e bem diferente do que
temos na maioria dos países ocidentais hoje, porém é interessante que no Brasil apenas
com o Código civil de 2002 é que a situação mudou dando livre escolha ao casamento,
ainda no código civil antigo de 1976 o casamento era um negocio dado em garantia
porém ainda hoje há países que usam o casamento dessa maneira antiga.
i) Divórcio
Todo da Ásia e Europa antiga permitia o divórcio. Este só começou a ser
proibido a partir do cristianismo. Na Legislação Mosaica, entretanto, somente os
homens podem divorciar-se, às mulheres não cabe a iniciativa. Mas teria de ser provado
por testemunha algo que insultasse sua honra na esposa para que o esposo pudesse
repudiá-la. A mulher era obrigada a dar-lhe filhos, podendo ser anulado o casamento
nos casos de esterilidade como a sociedades e eram predominantemente machistas, não
se cogitava a hipótese do homem ser infértil. Fustel de Coulanges (1998: 36) já afirmava
sobre o divorcio na antiguidade:
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j) Herança e Primogenitura
O primogênito era beneficiado em detrimento dos outros filhos ainda que tivesse
preferência sobre outro filho e de outra mulher. Descrito em Deuteronômio 21:15-17.
k) Caridade
Entre os hebreus a caridade é prevista em lei, mesmo porque trata-se de um povo
que se define na questão religiosa. Descrito em Deuteronômio 15:7-8.
m) direito ambiental
Na visão judaico-cristã de que ao homem foi dado por Deus, a preocupação de
cuidar da terra, pois foi posta em gênese sob sua responsabilidade. Há uma preocupação
que poderíamos chamar de um tanto preservacionista em algumas leis do deuteronômio,
o que visa uma preocupação crescente em direito ambiental e em ministérios que
querem preservar o meio ambiente: Deuteronômio 20:19 e Deuteronômio 22:6-7
Como se pode ver toda a cultura judaica estava imbuída e cercada pelo
sentimento de lei e este profundamente ligado a sua divindade, era uma das maiores
sociedades que viviam pela sua lei religiosa e isto tem influencia nos valores sociais,
políticos e jurídicos até o dia de hoje. Ainda há analise dos dez mandamentos que
influenciam nossa cultura jurídica até os dias de hoje propondo valores.
Valores juridicamente protegidos são valores sociais que uma sociedade
considera importante preservar, nossa tese é de que os dez mandamentos influenciaram
a cultura jurídica propondo seus valores até os dias de hoje, como, por exemplo, o
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mandamento : ”não matarás”, cria um valor nem sempre protegido pela antiguidade (por
exemplo entre os espartanos, CÉSARA ,1958), o valor e a preservação da vida, matar
até hoje é crime diferenciado.
Êxodo contém mais de dez expressões. Enquanto a própria Bíblia opta pelo
número "10", usando a frase hebraica a tradução aseret had'varim-10 com palavras, ou
as coisas, essa frase não aparece nas passagens usualmente apresentadas como os "Dez
Mandamentos". Várias religiões dividem os mandamentos de modo diferente. Porém
aqui usaremos os princípios morais exarados por essa lei para verificar a influencia nas
legislaturas ocidentais.
Os dez mandamentos estão descritos em Êxodo 20,1-17 e repetidos em
Deuteronômio 5, 6-21, analisemos um a um dos mandamentos retirados da parte do
Êxodo (Bíblia,1995) com classificação:
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2- O quinto mandamento
Em especial o quinto mandamento se refere a honrar os seus ancestrais mais
velhos, em uma sociedade patriarcal isso era fundamental, sobretudo em uma sociedade
primariamente rural onde o pater família comandava tudo. Na antiguidade em geral o
patriarca exercia o pater familias, que era um direito soberano sobre os demais
membros do grupo familiar Noé de Medeiros (1997, p.24) afirma acerca da evolução
familiar “Basicamente a família segundo Homero, firmou sua organização no
patriarcado, originado no sistema de mulheres, filhos e servos sujeitos ao poder
limitador do pai”.
Fustel de Coulanges (1998, p.47) lembra que o pai, em toda antiguidade, era a
máxima autoridade no sentido político, religioso e moral, homem forte protegendo os
seus, “o pai é, além disso, o sacerdote, o herdeiro do lar, o continuador dos avós, o
tronco dos descendentes, o depositário dos ritos misteriosos do culto e das fórmulas
secretas da oração. Toda a religião reside no pai”. O iminente pesquisador e jurista da
família Orlando Gomes (2000. : 33) vai definir toda a família antiga, como sendo um
“conjunto de pessoas sujeitas ao poder do pater familia ora grupo de parentes unidos
pelo vínculo de cognição, ora o patrimônio, ora a herança”.
Ora, honrar o pai e a mãe administradora do lar (Provérbios 31;10-23) era uma
condição fundamental na sociedade antiga para se manter o comando punível até com
morte. Era a mesma coisa que atentar contra a mxima autoridade vigente.
Quando alguém tiver um filho contumaz e rebelde, que não obedecer
à voz de seu pai e à voz de sua mãe, e, castigando-o eles, lhes não der
ouvidos, Então seu pai e sua mãe pegarão nele, e o levarão aos anciãos da sua
cidade, e à porta do seu lugar;E dirão aos anciãos da cidade: Este nosso filho
é rebelde e contumaz, não dá ouvidos à nossa voz; é um comilão e um
beberrão. Então todos os homens da sua cidade o apedrejarão, até que morra;
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Há lei na legislação ocidental para quem desrespeite pai ou mãe, mas não com
morte, no Brasil, Espanha, Portugal e outros se o filho atentar contra a vida do pai ou da
mãe perde o direito de herança. São as chamadas hipóteses de exclusão da sucessão que
são por indignidade e por deserdação.
Na exclusão por indignidade a pessoa comete fatos descritos no art. 1.814, do
Código Civil (BRASIL, 2002), e para tal declaração precisa ser proposta uma ação
denominada declaratória de indignidade.
Na deserdação o testador em sua vontade dispõe expressamente que está
excluindo da sucessão um dos seus herdeiros, se praticar uma das condutas descritas no
art. 1.962, do Código Civil. Os artigos 1.814, 1.962 e 1.963, todos do Código Civil de
2002 elencam as hipóteses em que há exclusão da sucessão.
Já o Art. 1.962. Além das causas mencionadas no art. 1.814, autorizam a
deserdação dos descendentes por seus ascendentes e o Art. 1.963.
Então esse princípio de respeitar o pai e a mãe está vigente em nossa sociedade
até os dias de hoje.
3- O sexto mandamento
As outras regras criam valores necessários à convivência social o 6º
mandamento diz “não matarás”, esse se tornou um princípio positivador de proteção à
vida. Ao principiarmos o estudo do Direito Constitucional brasileiro verificamos o que
nossa Carta Maior diz sobre a vida logo em seu início, mais especificamente no
TÍTULO II, Dos Direitos e Garantias Fundamentais, CAPÍTULO I, DOS DIREITOS E
DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS: “Art. 5º: Todos são iguais perante a lei,
sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes”: principiando pelo DIREITO À VIDA
(Constituição Federal, art. 5º.), Punição contra matar ou abortar, Código Penal, arts. 124
a 128, I e II).
Há uma grande proteção à vida por parte dos judeus por influência religiosa,
embora a própria bíblia não autorize execuções de seu povo, podia-se matar em casos de
guerra, com expressa autorização de Deus, e podia-se matar quem cometesse os
chamados pecados de morte (geralmente ligados à vida sexual como traições e
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4- O sétimo mandamento
Além dos anteriores comentários ao adultério já feitos a preservação do adultério
tinha o sentido de preservar a família, e principalmente a confiabilidade do poder do
patriarca e a pureza da linhagem de sangue, bem como garantir a primogenitura.
Adulterar é colocar em risco toda a estrutura familiar, como já dito punível com
morte na sociedade antiga hebraica.
Hoje o adultério não é mais crime nas sociedades ocidentais em sua maioria, no
Brasil até bem recentemente era crime, porém depois de 1976 com a publicação da lei
do divórcio, dificilmente alguém ia para a prisão. Apenas com o advento da Lei nº
11.106, de 28 de março de 2005, em seu artigo 5º, foi revogado o artigo 240 do Código
Penal, onde o adultério era crime e agora não mais, demorou bastante visto que os
valores da sociedade mudarão, mas ainda é garantido ao cônjuge traído reparação de
dano financeira cuja base também se encontra no Pentateuco.
Quando um homem tomar uma mulher e se casar com ela, então será
que, se não achar graça em seus olhos, por nela encontrar coisa indecente,
far-lhe-á uma carta de repúdio, e lha dará na sua mão, e a despedirá da sua
casa. Deuteronômio 24:1
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5- O Oitavo Mandamento
Não há, como há na legislação brasileira, diferença entre furto e roubo, era
simplesmente o ato de tomar algo que não era seu, em uma sociedade patriarcal a
propriedade era algo dado por Deus e sagrada, em borá a propriedade da terra era sui
generis se considerarmos que a terra poderia voltar ao seu dono após quarenta e nove
anos (Levítico 25:26-27), mesmo assim era tido um pecado grave e punível com morte
se apropriar de algo que não era seu. Que podia acontecer com pessoas, e outros bens
esse mandamento proíbe não apenas o furto e o roubo de objetos materiais, mas também
a mentira, a falsidade, o engano, a desonestidade e o sequestro.
A expressão ganav, na verdade, envolve muito mais do que apenas o furto e o
roubo de objetos pessoais e materiais. A palavra ganav aparece no Antigo Testamento é
no acordo entre Jacó e Labão sobre as ovelhas salpicadas e negras (Gn 30.33). Mas
além desse uso comum, o Antigo Testamento usa a expressão hebraica em vários outros
contextos. Há também pelo menos um caso em que esse engano diz respeito ao anúncio
da mensagem de Deus. Por intermédio de Jeremias, Deus condena aqueles profetas
autoproclamavam suas visões como sendo Palavra de Deus (Jr 23.30). Então, furtar no
sentido de enganar envolve a falta de honestidade em um negócio ou a deturpação da
mensagem de Deus (BINGEMER, 2002). Portanto se refere à enganação para obter
vantagem ilícita de outrem de qualquer maneira.
Hoje a maioria dos países ocidentais divide os crimes em furto, roubo (com
violência), furto qualificado, corrupção, peculato, mas o princípio é dado por esse
mandamento.
6- O Nono mandamento
Além do testemunho já comentado anteriormente Deus não admite a mentira,
essa interpretação é suada largamente na teologia popular e pode estar de acordo com a
intenção divina e da comunidade judaica, (TEIXEIRA-LEITE, 1946) jurar em
testemunho contra seu irmão ou em nome de Deus ou qualquer outro é largamente
condenável pela bíblia.
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Não há punição para mentir nas sociedades ocidentais salvo durante o júri ou
falsificar documentos que são crimes a parte, mas com esse mesmo principio, nossa
sociedade não gosta da mentira.
7- O Décimo Mandamento
Esta é uma regra de santidade pessoal, e de convivência pacífica em sociedade,
não há parâmetro na legislação atual ocidental, é uma regra quase exclusivamente
teológica, se interpretarmos literalmente a palavra cobiçar é de foro intimo, portanto não
condenável. Mas partir do momento em que se disputa alguma propriedade ou se tem
duvida sobre ela deve-se levar a algum juiz que de ganho de causa a alguém.
Concluindo
Como podemos perceber os principio exarados pela lei religiosa do povo hebreu
até os dias de hoje tem profunda influencia sobre a legislação ocidental. Estes princípios
estão arraigados desde a antiguidade, muito antes da religião judaico-cristã surgiram,
desde a mesopotâmia e ficou até os dias de hoje mostrando que muitos princípios
religiosos são ainda protegidos por lei demonstrando uma força da religião na
constituição de valores sociais juridicamente protegidos.
Claro que as sociedades antigas não classificavam os direitos em divisões tais
como direitos individuais, sociais, coletivos. Direito é direito, tem mais efetividade
porque além das sanções era o cumprimento da própria divindade. A classificação
tradicional, histórica, dividindo os direitos entre gerações torna-se ineficaz na
antiguidade visto não haver separação entre individuo e coletividade: o Individuo era a
coletividade, um judeu só tinha sua formação pessoal e identitária dentro da
comunidade. Assim o direito alcançaria tanto o individuo quanto a comunidade. Essa
classificação remete a uma visão euro centrista de que só a razão europeia poderia criar
o Estado. Porém o Estado já existia em uma complexidade jurídica anterior ao
iluminismo.
Esperamos que esse trabalho possa ter apontado algumas influencias culturais
históricas pré-iluministas de sociedades tradicionais tem sobre o direito. Ao apontar tal
influencia espera-se que se reconheçam outras fontes históricas dos direitos, um direito
mais preocupado com a sociedade e com suas demandas demonstradas por sua cultura.
Especialmente a influencia da cultura e religiosidade hebraica tem sobre o direito
brasileiro.
143
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147
A VISÃO DE MUNDO DO ADOLESCENTE INSERIDO EM PROGRAMA DE
ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL: UMA ABORDAGEM ANTROPOLÓGICA.
____________
* Graduada em Serviço Social pelo Centro Universitário de Bauru/SP, mantido pela Instituição Toledo de
Ensino no ano de 2012, em 2013 participou do Programa de Residência Multiprofissional da USP –
Universidade de São Paulo e em 2014 atuou como Assistente Social do Serviço de Acolhimento Institucional no
município de Bauru/SP. Especialista em Antropolia pelo programa de pós- graduação em Antropologia da
Universidade do Sagrado Coração de Bauru/SP. Bauru/SP – Av. Marques de Pinedo, 844 – CEP 17000-000 –
Telef. 14 3227.4332 – e-mail: alinemassoni@yahoo.com.br
** Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2000),
bacharel em Direito pela Instituição Toledo de Ensino de Bauru, graduado em filosofia pela Uniclaretianas,
Mestre em filosofia também pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, doutorado em ciências
da religião pela Universidade metodista e doutorando em Ciências Sociais donde pesquisa religião, juventude e
contemporaneidade, especialização em filosofia e educação pela Uniclaretianas. Atualmente é professor na pós-
graduação latu sensu de antropologia na Universidade do Sagrado Coração de Bauru e professor de direito
constitucional , aspectos sociológicos do direito, ciência política nas faculdades Gran Tiête. Bauru/SP – rua
Pinheiro Machado, 14-401 – CEP 17013-211 – Telef. 14 3261.1024 – e-mail: joebarduzzi@yahoo.com.br
RIPE – Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos: Construindo o Serviço Social, Bauru, v.19, n. 35, p. 223-255, jan./jun.2015.
KOÇABA, Aline Massoni; COSTA, Otávio Barduzzi Rodrigues da. A visão de mundo do adolescente inserido em
programa de acolhimento institucional: uma abordagem antropológica.
RESUMO
Este artigo busca explorar, a partir de uma perspectiva antropológica, a visão de mundo do
adolescente inserido em programa de acolhimento institucional sob medida protetiva. Trata-se
de um estudo monográfico realizado com 10 (dez) adolescentes, do sexo masculino, de 12 à
17 anos de idade, acolhidos no município de Bauru/SP. Ao considerar a visão de mundo dos
adolescentes o objeto deste trabalho, propõe-se como principais objetivos: descrever alguns
aspectos culturais destes adolescentes, bem como identificar os valores, práticas e
representações do ponto de vista do grupo, verificar a visão dos pesquisados quanto ao
programa de acolhimento institucional, além de desvelar o conceito de família e a relação de
parentesco. Para isso, o percurso elegido para realização deste trabalho foi a observação
participante, desenvolvida por meio da presença da pesquisadora no mesmo espaço do grupo
cotidianamente, por períodos prolongados e ocasiões diferenciadas, utilizando como técnicas
primeiramente relatos do grupo, possibilitando o levantamento dos assuntos considerados
relevantes para o universo investigado, além da entrevista através de formulário realizada no
âmbito da instituição. Sendo assim, o diálogo com as reflexões teóricas e relatos dos
adolescentes apresentados, permitiu vislumbrar as forças distintas que sustentam significados
e representações, trazidos através das relações e dos valores apreendidos no meio
sociocultural a que pertencem, marcados por uma série de vulnerabilidades e conflitos com a
dimensão sociofamiliar, que justificam práticas e comportamentos e propiciam a criação de
novos laços de sociabilidade e reciprocidade.
ABSTRACT
1 INTRODUÇÃO
1
Estatuto da Criança e do Adolescente, 1990.
RIPE – Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos: Construindo o Serviço Social, Bauru, v.19, n. 35, p. 223-255, jan./jun.2015.
KOÇABA, Aline Massoni; COSTA, Otávio Barduzzi Rodrigues da. A visão de mundo do adolescente inserido em
programa de acolhimento institucional: uma abordagem antropológica.
Além disso, o ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente traz em todo seu corpo a
forma de aplicação e adequação da medida protetiva, sendo o Acolhimento Institucional uma
dentre as nove medidas explicitadas no Artigo 101.
Quanto ao Acolhimento Institucional, o estatuto proclama que trata-se de medida
provisória e excepcional, utilizada somente como forma de reintegração familiar (ECA, Art.
101 - § 1º), de modo que se suprima a massificação e institucionalização da criança e
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programa de acolhimento institucional: uma abordagem antropológica.
adolescente. Ressalta-se ainda que esta medida “não implica em privação de liberdade”,
garantindo-se a convivência comunitária e familiar.
Os princípios elegidos para organização do Serviço de Acolhimento Institucional,
podem ser verificados no Artigo 92 do ECA:
Art. 92. As entidades que desenvolvam programas de acolhimento familiar ou
institucional deverão adotar os seguintes princípios: I - preservação dos vínculos
familiares e promoção da reintegração familiar; II - integração em família substituta,
quando esgotados os recursos de manutenção na família natural ou extensa; III -
atendimento personalizado e em pequenos grupos; IV - desenvolvimento de
atividades em regime de co-educação; V - não-desmembramento de grupos de
irmãos; Vl - evitar, sempre que possível, a transferência para outras entidades de
crianças e adolescentes abrigados; Vll - participação na vida da comunidade local;
VlIl - preparação gradativa para o desligamento; IX - participação de pessoas da
comunidade no processo educativo.
2
Estudos que tratam sobre a Higienização Social podem ser verificados nas obras de Michel
Foucault, intituladas “Microfísica do Poder” (1979); “Segurança, Território e População” (1977); e
“Nascimento da biopolítica” (1978).
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KOÇABA, Aline Massoni; COSTA, Otávio Barduzzi Rodrigues da. A visão de mundo do adolescente inserido em
programa de acolhimento institucional: uma abordagem antropológica.
Estou aqui há 5 meses porque eu usava muita droga, e minha irmã me abandonou.
Meu pai também me abandonou e minha mãe está presa. Quando eu cheguei aqui
meu pensamento era fugir, matar as pessoas que trabalhavam aqui. O que o
acolhimento/ Lar representa pra você? Tudo. Ele representa o amor, minha
família, pessoas que querem meu bem. O que eu mais gosto daqui é a comida é bem
melhor que a da minha casa, lá quase nem tinha o que comer. (Sujeito 6, 14 anos,
masculino)
Cheguei no abrigo há 8 meses. Porque eu não gostava muito de morar com minha
mãe. Ela bebia muito e ficava fora de casa. Então eu procurei o Conselho Tutelar.
Já morei com todo mundo. Minha expectativa quando cheguei aqui é que minha
vida seria melhor. O que o acolhimento/ Lar representa pra você? Pra quem não
tem casa é melhor abrigo que a rua. Eu queria estar na minha casa. O que eu mais
gosto daqui é a comida, e as pessoas também. (Sujeito 8, 11 anos, masculino)
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KOÇABA, Aline Massoni; COSTA, Otávio Barduzzi Rodrigues da. A visão de mundo do adolescente inserido em
programa de acolhimento institucional: uma abordagem antropológica.
Estou no abrigo há 1 ano e 8 meses, porque eu não ia na escola e dava trabalho pra
minha vó. Antes eu morava com a sogra da minha mãe, depois com o pai dos meus
irmãos, e com a minha vó de novo, e com a moça que vendia pipoca, já morei com
bastante gente. Não tinha nenhuma expectativa quando cheguei aqui, só tinha medo.
O que o acolhimento/ Lar representa pra você? Tudo. É minha família. O que eu
mais gosto daqui é ficar brincando no escritório, e ajudando e também da comida,
só não gosto de polenta. (Sujeito 9, 13 anos, masculino)
com os adolescentes a importância de seu ponto de vista, que deveriam ser demonstrados
através da sinceridade para a legitimidade da pesquisa, e também que as perguntas eram
trazidas como elemento surpresa em busca de atingir a subjetividade e espontaneidade, desde
o início da entrevista garantiu-se aos adolescentes o sigilo das respostas, e por ser a
pesquisadora parte do grupo pela convivência e permanência no ambiente institucional,
gerando uma relação de confiança entre pesquisadora e pesquisado, esta hipótese foi refutada.
Assim, nestas entrevistas, outro tema que se coloca em evidência como ponto em
comum, é a comida oferecida pela instituição, que é mencionada pelo universo total dos
adolescentes pesquisados, demonstrando a dificuldade ou falta de acesso aos direitos mais
fundamentais que devem ser garantidos a todo ser humano.
Portanto, torna-se essencial que haja um clima de respeito às histórias, às mudanças,
ao tempo de reconstrução de uma cultura para todos os participantes deste processo que tem
por objetivo final: o acolhimento às pessoas em situação de vulnerabilidade a fim de
promover sua inclusão. (GULASSA, 2010, p. 16)
reações, sentimentos e comportamentos que buscam a melhor adaptação aos valores culturais
do grupo. (MARCONI, 2007, p.07)
Para Marconi (2007, p. 35):
O comportamento do indivíduo é influenciado pelos padrões da cultura em que vive.
Embora cada pessoa tenha caráter exclusivo, devido as próprias experiências, os
padrões culturais de diferentes sociedades produzem tipos distintos de
personalidades, característicos dos membros dessas sociedades. O padrão forma-se
pela repetição continua. Quando muitas pessoas, em dada sociedade agem da mesma
forma ou modo, durante um largo período de tempo, desenvolve-se um padrão
cultural.
O antropólogo Clifford Geertz dispõe ainda que a cultura pode ser vista como um
conjunto de “mecanismos de controle” que governam o comportamento, que consiste no que
outros autores como George Herbert Mead chama de “símbolos significantes” sendo eles,
palavras, gestos, desenhos, sons musicais, usados para dar significado à experiência.
Foi através destes conceitos que nas entrevistas dirigidas aos adolescentes obteve-se os
dados a seguir:
As músicas que me representam são as de Rap e Funk, para me vestir procuro fazer
meu estilo, não gosto do que está na moda, não tenho tatuagem, minha religião é
evangélico, e nunca participei muito de eventos culturais, antes de ser acolhido já
tinha ido no cinema. (Sujeito 1, 14 anos, masculino)
Eu gosto de rap e funk. As roupas que uso são baseadas em favelado, porque eu
odeio ser “Boy”. Tenho várias tatuagens, um cifrão que representa o dinheiro, o
nome da minha mãe e uma gueixa que e uma japonesa. Sou evangélico, mas não
gosto de ser. (Sujeito 3, 14 anos, masculino)
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programa de acolhimento institucional: uma abordagem antropológica.
Eu escuto bastante funk e rap, são as músicas que gosto. Queria me vestir igual o
Justin Bieber, não tenho tatuagem nem religião, mas acredito muito em Deus.
Nunca participei de eventos culturais, a primeira vez que fui no cinema foi agora.
(Sujeito 5, 16 anos, masculino)
Único tipo de música que gosto é funk. Eu faço meu estilo, tenho uma tatuagem de
um palhaço que significa matador de polícia. Não tenho religião. Nunca fui nem no
cinema nem no teatro, acho que não gosto. (Sujeito 7, 14 anos, masculino)
Isto posto, pode-se verificar que quando os adolescentes foram questionados sobre
qual música representa sua vida, as respostas foram: “O amor venceu a guerra”, do rapper
Gog, que trata sobre a vida e vitória de um traficante para abandonar a vida do crime. Além
da música “Canto por vocês” do Legionários MC’s que alude a questões sociais diversas e soa
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programa de acolhimento institucional: uma abordagem antropológica.
como um hino de solidariedade a aqueles que sofrem pela desigualdade social e estão à
margem da sociedade. E ainda, a música “Eu não pedi para nascer” do grupo Facção Central
que tem como refrão crianças pronunciando: “O seu papel devia ser cuidar de mim, cuidar de
mim,
não espancar, torturar, machucar, me bater, eu não pedi para nascer”, relato que se colocou
em evidência diante da realidade pesquisada.
Outras músicas que surgiram como referência são funks como Mc Bin Laden e Mc
Brinquedo que incentivam a criminalidade, a ostentação, a sexualidade e o consumo abusivo
de drogas, que de alguma forma, também são músicas que transmitem as práticas e modo de
vida do grupo a que pertencem.
Para Alba Zaluar (1997, p. 15):
Os jovens das Galeras funk desenvolvem um ethos de guerreiro em que aprender a
brigar e "não dar mole" é a disposição mais importante que passam a incorporar na
adolescência. E isto tem como suportes a incorporação descontrolada e acrítica do
processo de globalização da cultura, ainda tão mal estudado entre nós, assim como a
adoção de uma política extremamente repressiva em relação a alguns de seus efeitos,
como o consumo de drogas ilegais.
3
Ver Michel Foucault, Vigiar e Punir, 2004.
4
Ver Eduardo Galeano, O Teatro do bem contra o mal, 2002.
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programa de acolhimento institucional: uma abordagem antropológica.
Nesse sentido, observa-se diversos costumes simbólicos como utilizar uma meia preta
e outra branca, tatuagens de palhaço – matador de polícia ou assaltante, carpa – dono de
“biqueira5”, cifrão – poder econômico, dentre outros.
Enfim, esse ethos de vilão tem se reproduzido pelos adolescentes, mesmo que não
participem de atividades criminosas, ou tão pouco tenham matado um policial, sugerindo
pertencimento, e representatividade dentro do grupo social do qual convivem, sendo esta a
cultura que se manifesta intensamente também na instituição, onde pode-se observar que não
há uma cultura institucional que sobrepõe a cultura trazida pelos indivíduos.
Vale ressaltar que ainda hoje algumas instituições, buscam o rompimento desta cultura
através do incentivo ou imposição da religião, a uniformização do modo de se vestir, ou a
proibição de quaisquer costumes considerados “cultura de rua” no âmbito institucional, como
exemplo, a linguagem, renegando o direito à preservação de sua imagem, de sua identidade,
dos seus valores culturais, ideias e crenças, garantido pelo ECA6, retroagindo ao conceito
etnocêntrico de “cultura inferior e cultura superior”. No entanto, identificar, valorizar e
respeitar a cultura trazida pelos adolescentes utilizando-a como instrumento de pertencimento
e estratégia de transformação social pode trazer resultados muito mais significativos e
duradouros diante do contexto em que estão inseridos.
Conforme expõe Junior (2011, p. 20):
Considerar apenas uma cultura em uma sociedade indica a aceitação do conceito de
cultura estabelecido pelos grupos dominantes, que reconhecem, como legítimos e
verdadeiros, apenas os seus próprios valores culturais. Por isso, localizar
socialmente os discursos, estabelecendo o seu ethos de classe, é tarefa importante
para não generalizar conceitos e valores de uma classe como verdadeiros e únicos
em toda uma sociedade.
5
Local de venda e uso de drogas.
6
Art. 58 - No processo educacional respeitar-se-ão os valores culturais, artísticos e históricos próprios
do contexto social da criança e do adolescente, garantindo-se a estes a liberdade de criação e o
acesso às fontes de cultura. (ECA, 1990)
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programa de acolhimento institucional: uma abordagem antropológica.
Sim. Crack, cocaína, lança-perfume, maconha. Comecei com 14 anos, usei crack na
praça em frente da igreja. (Sujeito 5, 16 anos, masculino)
Sim. Maconha, cocaína, lança-perfume, Skank. Com 9 anos, com maconha, na rua.
(Sujeito 6, 14 anos, masculino)
Sim. Cocaína, Maconha, Cigarro, Lança – Perfume, na rua. Com 5 anos de idade.
(Sujeito 10, 13 anos, masculino)
3.2 A VIOLÊNCIA
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programa de acolhimento institucional: uma abordagem antropológica.
Já. Já bati muito nas pessoas. Já apanhei muito também. Já vi gente morrer, meu
primo morreu com garrafada no pescoço no jogo de futebol. (Sujeito 6, 14 anos,
masculino)
Já. Na escola, em casa, meu tio me batia, minha mãe me batia. Aqui no abrigo
sempre tem briga. (Sujeito 8, 11 anos, masculino)
Já bateram na minha cara. Já vi um cara morrer, com um tiro. (Sujeito 10, 13 anos,
masculino)
Pode-se verificar que de acordo com os adolescentes o discurso sobre violência pauta-
se no que Roberto Damatta (1981, p. 23) denomina, discurso do senso comum ou popular,
trata-se das experiências cotidiana das pessoas, surge como um mecanismo, e não como um
estado na sociedade.
“De fato, a imagem que aparece quando falamos de violência neste nível é uma briga,
agressão ou conflito onde o informante visualiza frequentemente dois seres em luta ou ação
física.” (DAMATTA, 1981, 23)
Ainda, percebe-se que a violência é parte das relações que compõem o grupo,
consequentemente é tida com alguma denotação de normalidade.
Conforme expõe Ivete Walty (2003, p.87):
As armas do agressor ou do agredido, metonímias da luta pela sobrevivência, são
marcas do espaço excluído e de sua linguagem reflexiva e refratária. Reflexiva
porque traduz a violência das relações sociais, e refratária porque é devolvida sob
novas formas de violência, num jogo de bate e volta.
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programa de acolhimento institucional: uma abordagem antropológica.
Neste sentido, outro modelo que circunda o conceito de violência trata-se da violência
institucional, que se contrapõe a violência dos excluídos e pode se manifestar de diversas
formas, como exemplo a violência que se manifesta através do aparato policial que caça,
prende, tortura e mata cidadãos protegido pelo pressuposto de que se trata da luta do bem
contra o mal.
Hoje apesar dos diversos aparelhos do Poder Público existentes para atendimento da
criança e do adolescente, dentre eles, a escola, o Ministério Público, o Poder Judiciário, o
Conselho Tutelar, percebe-se que para os adolescentes há uma aguçada relação histórica entre
eles e a Polícia, para eles trata-se da primeira instância de contato e acesso ao Poder Público,
ou seja, o braço policial passa a ser o único tipo de representação do Estado. Pode-se observar
que para os adolescentes os serviços públicos ainda são mal avaliados, quando presentes nem
sempre garantem a satisfação causando um clima de desconfiança generalizado.
No caso particular das polícias militares cuja prática da violência é o seu cotidiano,
podemos analisar o comportamento de seus membros como decorrência da combinação de
quatro fatores fundamentais: concepção, ideologia, treinamento e impunidade. No que
refere-se a concepção dá-se ao fato que foram concebidas como instrumento de poder no
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programa de acolhimento institucional: uma abordagem antropológica.
período do regime militar, deveriam manter a ordem autoritária e evitar desvios. Diante disto,
desenvolveu-se nos comandantes a ideologia da repressão policial fundamentada na visão
militar de ordem, respeito à autoridade, submissão à vontade do comando e punição exemplar.
Os valores autoritário-repressivos são repassados através de treinamento onde se dá pouca
ênfase a questões ligadas aos direitos humanos ou às diferenças inerentes às camadas sociais
que compõem a sociedade. A impunidade fica sendo o fator que consolida o desvio da ação
policial militar porque, neste meio, existe uma justiça paralela e corporativa que tende a
proteger os seus pares. (GULLO, 1998, p. 111)
Diante da impunidade dos responsáveis por práticas ilegais e discriminatórias contra
os jovens, os policiais corruptos e violentos que usam suas armas com pouquíssimos controles
institucionais não criam nos jovens pobres o fascínio pelo poder militar de tal modo exercido
(ZALUAR, 1997, p.13), como pode-se verificar nas falas dos adolescentes entrevistados:
Odeio a polícia. Porque não pode fazer nada que eles já querem prender e bater.
(Sujeito 3, 14 anos, masculino)
Polícia é tudo de ruim. Porque mata, porque bate mesmo quando você não está
fazendo nada de errado. O trabalho do policial está errado. (Sujeito 5, 16 anos,
masculino)
“São coisa brava” num gosto deles. Porque são folgados todo lugar que me
encontra me bate. (Sujeito 6, 14 anos, masculino)
Eu odeio a polícia desde pequeno, desde que minha vó morreu por causa da polícia.
Ela vendia droga e teve um “revistamento” e ela teve um ataque e eles não
deixaram ela ir no médico, ficou lá com a boca espumando e ninguém fez nada. E
ela morreu lá junto comigo e eu não sabia o que fazer. (Sujeito 8, 11 anos,
masculino)
“Sem reconhecer as diferenças sociais, os policiais militares tendem a ter uma visão
distorcida da população. O pobre, o negro, o desempregado, o mal vestido, são vistos como
suspeitos e, portanto, passíveis de um tratamento repressivo”. (GULLO, 1998, p. 105)
Este clima de desconfiança e insatisfação com o Poder Público consequentemente é
transmitido a outras instâncias, inclusive para a instituição de acolhimento, visto no relato:
“Não tinha nenhuma expectativa quando cheguei aqui, só tinha medo”. (Sujeito 9, 13 anos,
masculino) A desconstrução desta representação no serviço de acolhimento institucional, só é
possível através do trabalho árduo e cotidiano dos diversos profissionais envolvidos no
processo de acolhimento.
Por outro lado, há uma dificuldade explicita para que esta desconstrução ocorra em
outros segmentos como o Poder Judiciário, uma vez que apesar das visitas e atendimentos
periódicos aos adolescentes, ainda há o distanciamento desta esfera para a realidade e
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programa de acolhimento institucional: uma abordagem antropológica.
dificuldades vivenciada pelos acolhidos, este distanciamento é mencionado por Franco (2001,
p. 177):
Estamos num mundo em que o timing das transformações não bate com o timing do
direito. O discurso jurídico está lá atrás e mundo está lá na frente. Os conceitos que
oferecemos são conceitos que hoje se mostram absolutamente superados. E tivemos
sempre na universidade, na preparação para ingresso na Magistratura a ideia de que
o juiz é um ser especial, de que o juiz é alguém que está acima do tempo e do
espaço, de que o juiz, em verdade é o dominador de todas as situações porque dispõe
de um instrumento fantástico chamado direito. (...) Não é possível que um juiz
consiga fazer um julgamento sem que conheça alguma coisa a mais que o direito.
Tem o dever de estar ao corrente de tudo que se passa na realidade.
O autor Franco (2001, p. 180) acrescenta ainda que para que este distanciamento não
ocorra, essencialmente faz –se necessário o juiz descer para estar em contato com o homem
comum. “Descer do seu linguajar específico, necessita tirar suas vestes talares, precisa
dessacralizar seus rituais de juiz e, principalmente, ver que está ali pra ser julgado um ser
humano como ele, nem melhor e nem pior”.
Em relação a escola, enquanto Poder Público tem-se um cenário ainda mais complexo
provocado por este distanciamento, pode-se observar que muitos dos estabelecimentos
educacionais não conseguem diferenciar o adolescente acolhido sob medida protetiva e o
adolescente que cumpre alguma medida punitiva por ato infracional, não que devesse ocorrer
uma diferenciação, já que o direito a educação pertence a todos adolescentes, mas para a
escola o adolescente inserido em qualquer instituição, independentemente do motivo, trata-se
de um adolescente problema. Assim sendo, os adolescentes são estigmatizados desde o
primeiro momento em que ingressam no mundo escolar, e o comportamento que reproduzem
no âmbito escolar muitas vezes ainda é tido como “caso de polícia”, o que colabora para que a
representação que o adolescente traz consigo da escola seja inevitavelmente negativa.
Para Zaluar (1997, p.06):
Muitas das lutas levadas à frente como sendo de direitos humanos, especialmente no
que se refere à violência institucional contra os pobres, na verdade são lutas para
tornar seus direitos civis reais, e não meramente formais, pois já estão na letra da lei.
Este panorama, nos leva ainda a outro paradigma da violência que trata-se da violência
simbólica, que mostrou-se em evidencia durante a realização da pesquisa.
Estigmatizar alguém é uma violência simbólica, é uma criação social que se origina de
atitudes carregadas de pré-conceitos de elementos de um grupo sobre o outro, contribuindo
RIPE – Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos: Construindo o Serviço Social, Bauru, v.19, n. 35, p. 223-255, jan./jun.2015.
KOÇABA, Aline Massoni; COSTA, Otávio Barduzzi Rodrigues da. A visão de mundo do adolescente inserido em
programa de acolhimento institucional: uma abordagem antropológica.
Não sei. Como vou saber o que os outros pensam? Sim, várias pessoas, na escola,
na rua, porque eu moro no abrigo. (Sujeito 3, 14 anos, masculino)
Preconceito racial. Acho que tem muita diferença comigo porque eu sou preto,
principalmente na escola. (Sujeito 5, 16 anos, masculino)
Sim. Tem gente que fala que eu uso crack. Na escola e em todos os lugares. (Sujeito
10, 13 anos, masculino)
Além das representações apresentadas acima, encontrou-se o preconceito nas falas dos
adolescentes quando questionados sobre a relação que tinham com os vizinhos da instituição,
uma vez que encontra-se afastada do território de convívio que mantinham anteriormente ao
acolhimento institucional:
Nossa, a relação é muito ruim. Qualquer coisa chama a polícia. Tem muito
preconceito porque a gente usa droga. Se eu fosse rico não tinha preconceito. Rico
tem preconceito de pobre, a gente devia entrar lá e roubar tudo. (Sujeito 6, 14 anos,
masculino)
Os vizinhos não conversam com a gente e sempre chamam a polícia, não aceitam a
gente aqui. Acho que é preconceito. E eles tem medo que a gente roube eles. (Sujeito
1, 14 anos masculino)
Neste sentido, concorda-se com as palavras da antropóloga Zaluar que explica que
“quando as discriminações raciais combinam-se com as discriminações contra o pobre, tem-se
as mais claras situações de exclusão em diversos setores, por variados processos. (ZALUAR,
1997, p. 03)
Portanto, pode-se verificar que do universo destes adolescentes emergem diversas
formas de violência, seja ela a violência física, a violência estrutural, a violência institucional,
ou ainda a violência simbólica. Trazendo à tona uma gama de representações que se
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programa de acolhimento institucional: uma abordagem antropológica.
Nesta mesma obra Damatta (1991, p. 60) acrescenta ainda que a oposição casa/rua tem
aspectos complexos, primeiramente por seu uma oposição que nada tem de absoluta e ainda
porque nos espaços brasileiros rua e casa se reproduzem mutuamente, uma vez que há espaços
na rua apropriados por grupos, categorias sociais ou pessoas que vivem na rua como se
estivessem em casa. Sendo este o ponto, que os relatos coletados concordam com o autor,
quando os adolescentes dispõem sobre a representação que têm de sua casa:
Ela era muito bagunçada. Era tudo suja. Muita briga e xingamento. Minha casa era
uma biqueira. 24 por 48 na sala, no quarto da minha vó, da minha irmã, tinha gente
cheirando cocaína e fumando maconha, eu nunca gostava disso. Por isso que não
gosto de ir lá. Não tinha regras. (Sujeito 1, 14 anos, masculino)
Você viu minha casa. Era um barraco de quatro paredes, eu dormia debaixo da
telha, junto com as galinhas. Não tinha regras, mas tinha hora pra chegar e trazer
dinheiro. (Sujeito 5, 16 anos, masculino)
Casa de madeira, teto podre, eu minha mãe e meus irmãos. Depois teve uma casa de
telhado normal, que ela conquistou vendendo droga, mas depois foi presa. A gente
costumava passear no rio, no mato. (Sujeito 6, 14 anos, masculino)
A casa da minha vó era grande. Tinha até um bar, e eu ficava sempre lá. Costume,
eu não lembro, faz muito tempo que eu não vou lá. (Sujeito 8, 11 anos, masculino)
Não tinha quase nada. Queria que tivesse água, porque nunca tem. (Sujeito 10, 14
anos, masculino)
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E ainda, outro ponto que merece ênfase é que na visão dos adolescentes a categoria rua
esta notoriamente relacionada as representações e conceitos que tem sobre ser livre e a
liberdade.
Ser livre é fazer o que você quer, o que você pensa. No abrigo eu sou livre, mas as
vezes me sinto preso. Na rua eu sou livre. (Sujeito 1, 14 anos, masculino)
Ser livre é ficar na rua o dia inteiro. Não, aqui não me sinto livre. (Sujeito 3, 14
anos, masculino)
Liberdade é estar na rua no mundão. Aqui no abrigo me sinto livre também. (Sujeito
5, 14 anos, masculino)
Ser livre é ficar na rua e brincar. Não, aqui eu não tenho a liberdade que eu tinha,
eu não posso ficar na rua. (Sujeito 8, 11 anos, masculino)
Liberdade é quando a pessoa sai da cadeia ou da FEBEM. Não me sinto livre aqui
porque não posso ir pra minha “quebrada” (rua). (Sujeito 10, 13 anos, masculino)
Sendo assim, entende-se que para eles o conceito de liberdade esta intrinsecamente
relacionado com a vida nas ruas, é fazer parte de um espaço onde não há regras, ou mesmo
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que uma “liberdade” mascarada. Neste caso, percebe-se que muitas vezes a proteção e o
acolhimento institucional representam o cerceamento da liberdade, haja vista que no cotidiano
do serviço de acolhimento é comum ouvir os adolescentes muitas vezes expressar que vão
“fugir”, mesmo tratando-se de uma instituição de portas abertas.
4 FAMÍLIA?
A categoria família é tida como universal por estar presente em todas as sociedades
humanas, apesar das variadas regras e normas que circundam o conceito de família, diante
disto a conceituação de família sofreu adequações significativas através das transformações
societárias.
Por conseguinte, leva-se em consideração a família conforme Muniz (2011, p. 12) que
define:
A família é concebida como o conjunto de pessoas unidas por laços consanguíneos,
afetivos e ou de solidariedade, cuja sobrevivência e reprodução social pressupõem
obrigações recíprocas e compartilhamento, de renda e ou dependência econômica.
Espaço privilegiado e insubstituível de proteção e socialização primárias, provedora
de cuidados aos seus membros, mas que precisa também ser protegida.
Através de diversos estudos, foi possível elencar algumas das funções da família,
sendo elas: Sexual – atende as necessidades sexuais permitidas por meio da
institucionalização da união, por exemplo, o casamento; Reprodução – visa a perpetuação por
meio da prole; Econômica – assegura o sustento e a proteção dos filhos; Educacional – o
cuidado com a criança é de suma importância e universalmente reconhecido. (MARCONI,
2007, p. 95)
No que refere – se a função educacional pode-se combinar uma outra função de suma
importância, denominada de função socializadora que trata-se do processo de endoculturação,
onde transmite a herança cultural e social, ou seja, a linguagem, usos, costumes, valores e
crenças, como forma de preparar a criança para a vida em sociedade. (MARCONI, 2007, p.
95)
Por ser a reintegração familiar e o trabalho com a família um dos alicerces do
acolhimento institucional, os adolescentes foram questionados sobre o que é família no ponto
de vista deles. As respostas coletadas foram as seguintes:
Família é tudo. São as pessoas que te ama e sempre vão te amar. Na minha família
tem gente do bem e tem gente do mal. Eu mesmo, as vezes, sou do bem as vezes sou
do mal. (Sujeito 1, 14 anos, masculino)
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KOÇABA, Aline Massoni; COSTA, Otávio Barduzzi Rodrigues da. A visão de mundo do adolescente inserido em
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Família é algo bom por um lado porque cuida de você. Mas por outro lado é ruim,
porque acham que são seus donos e você não pode ter desejos. Minha família não é
estruturada, tem muita briga e confusão até um tempo eu morava com minha mãe
que é usuária de crack, então eu passei a morar com a minha vó, então eu passei a
usar drogas e eles não aceitam. (Sujeito 2, 14 anos, masculino)
Pra mim família não é nada. Quer te destruir. Maltratar e infernizar. Minha mãe e
meu pai são uma merda. Família tem que se ajudar e na minha isso não acontece.
(Sujeito 5, 14 anos, masculino)
Não sei o que é família. O que eu gosto do meu irmão é que ele dá droga pra eu
fumar. Minha mãe deixava eu sair quando eu quisesse, meu pai só me bate, odeio
ele. Minha mãe não era carinhosa. (Sujeito 7, 14 anos, masculino)
Para Hobel e Frost (1981, p. 237 apud MARCONI, 2007, p. 103), as relações de
parentesco consiste em funções interagentes, atribuídas, segundo o costume, por um povo, aos
diferentes status de relacionamento.
Os estudos de Marconi (2007, p. 104) explicam que:
A origem do sistema de parentesco encontra-se no fato de o indivíduo pertencer, ao
mesmo tempo, a duas famílias nucleares: a de orientação (onde nasceu) e a de
procriação (que constituiu). Pertencendo as duas, ele estabelece um elo entre os
membros de ambas. A ramificação dessas series de elos vai unindo um grupo de
indivíduos a outros, por meio dos laços de parentesco; cada família terá seus
próprios parentes.
Sim, amigos da escola e os que fiz aqui no abrigo. (Sujeito 3, 14 anos, masculino)
No universo em pauta os amigos podem ser tão ou mais significativos que os parentes,
em termos de frequência de contato, apoio cotidiano e compartilhar de dificuldades. (VELHO,
2002, p. 28)
“Nas comunidades domésticas, onde vigoram as relações baseadas no amor e na
amizade, a reciprocidade é de natureza restrita ou generalizada, envolvendo pessoas que se
conhecem entre si e têm muitos laços de longa duração”. (ZALUAR, 1997, p. 09)
Conforme o autor Gilberto Velho (2002, p. 35) expõe:
Os laços entre amigos não obedecem a padrões rigidamente definidos de trocas e
obrigações, há maiores possibilidades de se estabelecer novas relações que
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KOÇABA, Aline Massoni; COSTA, Otávio Barduzzi Rodrigues da. A visão de mundo do adolescente inserido em
programa de acolhimento institucional: uma abordagem antropológica.
Neste sentido, tem-se a “família vivida” descrita por Gomes (2002, p.26) ao referir-se
à família contemporânea, onde as relações de afeto são estabelecidas através da vida
cotidiana, apontando que família é:
Um grupo de pessoas, que convive com a proposta de uma ligação afetiva
duradoura, incluindo uma relação de cuidado entre os adultos e deles para as
crianças e idosos que aparecerem neste contexto.
Assim sendo, concorda-se com o antropólogo Roberto Damatta (1987, p. 02), quando
ele menciona que “fazer parte de uma totalidade viva e atuante, são o centro mesmo da
sociabilidade humana, presentes onde quer que vivam humanidades, sob quaisquer
condições”.
5 E QUANDO EU CRESCER
Esta perspectiva pode ser confirmada através dos relatos obtidos, onde percebe-se que
os adolescentes tendem a enxergar seu futuro como produto da reprodução de sua condição
econômica, política e sociocultural, travando uma postura que tem em vista transmitir essas
práticas, sendo a ruptura com determinados comportamentos e costumes improváveis ou
muito distante de sua realidade, defendidas através da expressão: “Sempre foi assim!”
Meu futuro não enxergo bem. Só violência, tiro, morte. Sempre foi assim. Meu
futuro só pode trazer desgraça. Se você pudesse mudar algo em sua vida, o que
seria? Meu comportamento, meu respeito pelas pessoas e minha educação. Qual o
seu maior sonho? Fazer faculdade e ser bombeiro. Se você pudesse mudar algo no
mundo, o que seria? A violência, as drogas. (Sujeito 1, 14 anos, masculino)
No futuro me vejo um nada. Gostaria de entrar pro exército e dar a volta por cima e
encarar de frente todo mundo que me humilhava. Se você pudesse mudar algo em
sua vida, o que seria? Minha idade. Queria mudar tudo que passei, nascer de novo
e ver se as coisas seriam diferentes. Qual o seu maior sonho? Entrar no exército e
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ser capitão. Se você pudesse mudar algo no mundo, o que seria? Não haveria nem
drogas, nem crime. (Sujeito 5, 16 anos, masculino)
Penso que no futuro vou ser Matador de polícia. Matador de pessoas. Me arrependi
de ter saído da escola. Se você pudesse mudar algo em sua vida, o que seria?
Parar de usar drogas. Qual o seu maior sonho? Ter um Camaro. Se você pudesse
mudar algo no mundo, o que seria? Eu seria o prefeito da cidade. Eu ia abaixar o
preço de tudo e os impostos. Um Camaro ia ser R$ 50,00. (Sujeito 10, 14 anos,
masculino)
No futuro acho que vou ser um bom menino. Que trabalha e estuda. Quero fazer
faculdade de biologia e trabalhar com plantas e animais. Se você pudesse mudar
algo em sua vida, o que seria? Nada. Qual o seu maior sonho? Que minha mãe
saia da cadeia. Se você pudesse mudar algo no mundo, o que seria? Acabar com
as drogas e os abrigos e as cadeias. (Sujeito 9, 13 anos, masculino)
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
relações e dos valores apreendidos no meio sociocultural a que pertencem, marcados por uma
série de vulnerabilidades e conflitos com a dimensão sociofamiliar, que justificam práticas e
comportamentos e propiciam a criação de novos laços de sociabilidade e reciprocidade.
Desta maneira, percebe-se que, a violência, seja ela estrutural ou simbólica é sofrida
multilateralmente, cotidianamente, fazendo-se parte integrante inclusive do processo de
endoculturação, sendo o acolhimento o microcosmo da resolução dos problemas sociais.
Deparamo-nos, portanto com a necessidade um embate permanente entre os
procedimentos postos em curso pelas instituições, programas e projetos existentes para
atendimento da criança e adolescente, desprovido de preconceitos e enganos, privilegiando o
diálogo e respeitando a cultura local, uma vez que para garantir-lhes os direitos fundamentais
e a proteção sem que se caia no abismo da reprodução das desigualdades sociais e culturais,
deverá ocorrer a customização das políticas de forma que possa adaptá-las a cada indivíduo,
respeitando-lhes as singularidades pessoais e a vontade subjetiva de valorização,
principalmente nos Serviços de Acolhimento onde o atendimento deve ser provisório e
transitório, objetivando o retorno do adolescente para o mesmo grupo social de onde foi
retirado, de forma que haja a ruptura da reprodução desta realidade social, das situações de
risco e consequentemente da representação que os adolescentes tem de seu futuro. Pois, como
diz o antropólogo Roberto Damatta é o conhecimento do homem pelo homem e da sociedade
humana em suas várias formas de relacionamento interno e externo que constitui a “grande
transformação” e a “grande esperança” deste fim de milênio.
ABSTRACT
This article seeks to explore, from an anthropological perspective, the teenage worldview
upon being placed into a residential protective care program. It concerns a study of ten (10)
adolescent males from 12 to 17 years old that were in a program in Bauru, Sao Paulo, Brazil.
As the worldview of teenagers is the subject of this work, the study focuses on, as its main
objectives: to describe some cultural aspects of these teens, their identified values, practices
and group point of view, to obtain the subjects’ view of the residential care program, and to
reveal their concept of family and kinship relationships. The method chosen for this study was
participant observation by a researcher who was present with the group daily for prolonged
periods and on varying occasions. This first hand reporting technique allowed for the
assessment of subject matter considered relevant in this specific environment and allowed for
interviews to be performed within the program. A combination of dialogue, reflections and
reports from the adolescents enabled understanding of the distinct forces at work that affected
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KOÇABA, Aline Massoni; COSTA, Otávio Barduzzi Rodrigues da. A visão de mundo do adolescente inserido em
programa de acolhimento institucional: uma abordagem antropológica.
them in the program environment. It reveals the values that hold meaning in their
relationships in the socio-cultural environment to which they belong which is influenced by
their vulnerabilities and marked by conflicts that have family social dimensions that justify
their practices and behaviors and foster the creation of new sociability and reciprocal ties.
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