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A SaBEDORIa DO POVO HEBREU EM OPOSIÇÃO

À sophia GREGa. UMa aNaLISE DO IMPaCTO


Da CULTURa HELÊNICa SOBRE a CULTURa DO
POVO HEBREU
Otávio Barduzzi Rodrigues da Costa*

Resumo
A sabedoria do povo hebreu é constituída mítica e religiosamente
na obediência aos seus escritos sagrados em especial aos chamados
livros sapienciais. Acima de tudo é uma crença de que a sabedoria é
dada e dependente de Deus. Já a sabedoria helênica é uma sabedoria
que se constitui através da independência humana. Assim as duas
concepções entram em oposição causando consequências até hoje.
Esse trabalho pretende tecer algumas considerações sobre como
essas culturas se encontraram e quais as consequências para os povo
envolvidos, especialmente o hebreu.
Palavras-chave: antiguidade; povo hebreu; sabedoria; filosofia;
helenismo.

Abstract
The wisdom of the Jewish people consists of mythical and reli-
giously obedience to his sacred writings, especially to so-called
wisdom books. Above all it is a belief that the wisdom is given,
and dependent upon God. On the contrary, the Hellenic wisdom is a
wisdom that consists of human independence. Accordingly, the two

* Unesp. Formado em Ciências sociais e em filosofia pela UNESP, mestre em filosofia


também pela UNESP, doutorando em ciências da Religião pela Universidade Metodista,
doutorando em Ciências Sociais pela UNESP, professor Titular das faculdades Gran
Tiête e professor substituto da UNESP-FAAC, no departamento de Ciências Humanas.
joebarduzzi@yahoo.com.br
100 A sabedoria do povo hebreu em oposição à sophia grega

conceptions are in opposition that cause causing consequences even


today. This paper aims to present some considerations on how these
cultures met and what are the consequences for the people involved
especially the Hebrew.
Keywords: antiquity; Hebrew people; wisdom; philosophy; Hel-
lenism.

I NTRODUÇÃO
O tema proposto neste artigo é demasiado difícil, isto porque os
conceitos ou são difíceis ou são abertos, com margem a diversas interpre-
tações. Em primeiro lugar teríamos que definir o que é sabedoria, cousa
por demais trabalhosa a qual os filósofos não obtiveram sucesso total em
conseguir. Não temos a pretensão de conseguir tal façanha. Depois teríamos
que definir o que é sabedoria para o antigo testamento, cousa igualmente
difícil e controvérsia já trabalhadas pelos filósofos e teólogos há milênios
e que igualmente não há consenso.
Tentar-se vencer essa dificultosa tarefa, em primeiro tentando achar
uma noção de sabedoria bíblica do antigo testamento, depois apontar-se-á
sobre a sabedoria em surgimento da cultura helênica e qual o impacto dessa
cultura sobre uma comunidade agropastoril e patriarcal como a caanita ou
seus descendentes culturais, semitas, hebreus e israelense.

O QUE É SaBEDORIa ?
A análise filosófica do conceito de sabedoria inicia-se nos princípios
da fase antropológica grega com as ideias de Sócrates. Daí se conclui que
sabedoria seria uma prática para a vida, uma pratica para agir sobre o mun-
do de modo comedido e virtuoso. A própria noção de virtude, nas ideias
socráticas, confunde-se com a noção de suma verdade. Ele acreditava que
os erros são consequências da ignorância humana e que o contrario dessa
seria a sabedoria, embora nunca proclamasse ser sábio (WOLFF, 2000).
Porém. essa ignorância não se confunde com a falta de erudição e sim
falta de uma Virtú no trato com as pessoas e com o mundo.
Já para Platão, discípulo de Sócrates, a sabedoria era de certo modo
apenas intelectual, pertencente ao mundo ideal e não ao mundo sensivel.
Não era uma pratica no mundo e com as pessoas, como pensava seu mes-

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tre, mas sim uma aspiração da Anima imortal a ser conseguida apenas
pelo filosofo. É no mundo das ideias, onde tudo era eternamente Bom,
Belo e Verdadeiro (GUTHRIE, 1975. p. 13). AAnima aspira a libertar-se
do corpo corruptível, no qual está aprisionada, e voltar para a contem-
plação ideal, portanto não era uma pratica, mas algo a ser contemplado
(PLATÃO, 2006).
Com Aristóteles as ideias de conhecimento e o que fazer com esse
conhecimento passaram a confundir-se com a ideia de sabedoria. Portanto
a sabedoria era antes uma atividade intelectual e lógica do que uma prática
para a vida. Aristóteles pensa que virtude é encontrar uma justa medida
entre o excesso e a falta das paixões. Agir corretamente é um treino cons-
tante de dosar corretamente as paixões. A sabedoria é uma contemplação
adequada da maneira em que certos bens tais como a amizade, o prazer,
a virtude, a honra e a riqueza se encaixam como um todo. Para aplicar
esse entendimento geral para casos particulares, devemos adquirir, através
de educação adequada e hábitos, a capacidade de ver, em cada ocasião,
qual curso de ação é mais bem fundamentado (MCLEISH, 2000 p. 47).
Portanto, a sabedoria prática, como ele a concebe, não pode ser adquirida
apenas ao aprender regras gerais. Deve, também. ser adquirida, através da
prática dessas habilidades deliberativas, emocionais e sociais. São essas que
nos permitem colocar nossa compreensão geral de bem-estar em prática,
de formas que sejam adequadas para cada ocasião. Para adquirir a plena
sabedoria se precisaria de educação e treinamento e, e assim a pratica da
contemplação já que é na realização desta operação que ele alcança a sua
felicidade perfeita e, consequentemente, a atualização plena das potencia-
lidades da sua natureza. A filosofia medieval cristã propõe que ser sábio,
grosso modo, é dominar as paixões e vontades e submetê-las à vontade
de Deus (DILMAN, 1999. p. 108). Portanto, é uma pratica de domínio
sobre si mesmo e submissão à vontade divina se assim desejar usar seu
livre arbítrio para escolher dominar as paixões.
Com o advento da razão na modernidade, sabedoria e conhecimento
racional se confundem, porém. deixa de ser uma pratica e passa a ter o
significado de erudição.
O que nos interessa é que, em algum momento, a sabedoria foi vista
pela filosofia como uma prática sobre o mundo e não apenas como acúmulo

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de erudição. Esse conceito de prática de bem viver é importante para as


ideias que adiante serão desenvolvidas. Porém. esse não é um trabalho
sobre sabedoria na filosofia, e sim sobre sabedoria bíblica. Porém, esse
brevíssimo resumo será importante mais à frente no trabalho.

D E COMO SE RELaCIONa a SaBEDORIa E O CONHECIMENTO


Sabedoria é diferente de conhecimento (PUTNAM, 1975),.Um velho
chefe índio, sem saber ler, pode ser considerado sábio, porém, pobre em
conhecimento cientifico e pleno de conhecimento natural, enquanto um
jovem em um segundo ano de graduação, de 19 anos, aluno de um bom
curso de física pode ter muito conhecimento acumulado. Contudo, dificil-
mente poderá ser considerado sábio (PUTNAM, 1975). O conhecimento
pode ser encarado como o acúmulo de informação disseminados em uma
época, cuja sociedade absorve esse conhecimento como valido, ou seja, “é
o conjunto de saberes recepcionados por certa sociedade que a caracteriza
como única desse modo constituindo sua cultura” (COUCHE, 1999, p.
48). A sua cultura é como a sociedade se superestrutura através da mate-
rialização/expressão de acumulo de valores adicionados à sua expressão
material. É a materialização da sua sabedoria.
A cultura foi considerada durante muito tempo com a noção de
acumulo de conhecimento academicamente aceito como superior, ou seja,
se alguém falasse varias línguas e soubesse sua genealogia, fosse iniciado
em musica e artes seria uma pessoa culta, preferencialmente se autorefe-
renciado como uma sociedade branca, européia (norte americana), coloni-
zadora (EAGLETON, 2005). Após melhores e mais humanas analises, o
conceito de cultura muda para algo como o conjunto da expressão de um
povo, nesse caso o índio, o escravo africano, o miscigenado, o colonizado
também são portadores de cultura (HALL, 2000).
PorémPorém ainda infelizmente a cultura é e foi na historia das civi-
lizações uma hegemonia de dominação (GOLDMANN, 1979), a cultura de
determinado povo era considerada melhor do que a outra, conforme fosse
hegemônica na confluência dos povos, ou seja, que lhe impusesse valores
conforme sua dominação. Aliás,comentam MIGUEZ; RIEGER; SUNG
(2012) que um império para se impor, é fundamental impor-se cultural e
psicologicamente, caso contrario não se subsiste.

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A sabedoria acima de tudo é um conceito. imposto por uma cultura


dominante que se torna império. O que é considerado sábio ou não pode
mudar de cultura para cultura, de sociedade para sociedade. Se manifesta
nas pessoas pertencentes a esse lócus – tempus como o melhor de que
essa cultura tem a expor.

A CULTURa aNTIGa
Filha da cultura rica da filosofia grega, a cultura helênica impôs-se
após o império alexandrino. Felipe II. da Macedônia, fez de seu reino uma
monarquia centralizada, cujo general militar e rei político (hegemon) era
centrado numa só figura, a saber, ele mesmo. Com a morte de Felipe (336),
seu filho Alexandre se impõe como Hegemon, dando inicio ao império cuja
base foi a civilização grega e sua noção de sabedoria (vale lembrar que
Aristóteles foi professor de Alexandre), muito bem consolidada (AQUINO;
FRANCO; LOPES,.1980). Essa cultura helênica é o que conhecemos como
inicio da civilização ocidental.
Essa hegemonia de cultura apesar de espalhada no mundo pela
civilização Greco-Romana já é uma tradição meso-oriental que coaduna
com a possibilidade de Sócrates e seus discípulos terem sido influenciados
pelas ideias vigentes e trocadas no intenso comercio mediterrâneo grego
(HERRICK, 1966). Na verdade, a noção de sabedoria grega, como filha
do comércio e das cidades, é mais herdeira das civilizações mesopotâmi-
cas e nilóticas do que autóctone grega surgiu lá no crescente fértil e foi
recuperada nas conquistas alexandrinas (MICHULIN, 1960).
Bom lembrar que, em questão de domínio por guerra, a atribuição
de cultura passa pelo domínio educacional e tecnológico, as tecnologias de
guerras vencedoras impõem também uma cultura (AQUINO; FRANCO;
LOPES, 1980) e, portanto valores que serão considerados como sábios.
Morin conclui que entre sujeitos pensantes e seus estados de ser-no-mundo,
a sociedade se estrutura a partir de uma cultura que é ao mesmo tempo
organizadora e organizada a partir de um capital cognitivo que emerge
das interações a partir de um saber coletivo acumulado em memória so-
cial e histórica que vem muda dos indivíduos já existentes e das novas
configurações(MORIN, 2002) que muda ao ser confrontada com uma
configuração nova imposta por guerra ou infiltrada através da historia. A

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transformação na organização, produção, distribuição e aquisição do co-


nhecimento é apenas um dos aspectos entre outros de uma transformação
mais visceral que envolve processos cognitivos que se entrelaçam com
aparatos de cultura, modelos comunicacionais, recursos tecnológicos e
dispositivos de interação(idem).

C OMO NaSCE a SaBEDORIa ISRaELENSE


O conceito israelense de sabedoria é fundamentado na noção de
escritura revelada por Deus noção importante para esse trabalho. Toda
sabedoria israelense, todas suas relações políticas, culturais e sociais
perpassam, ou deveriam passar, pela religiosidade. Religião e relações
sócio-econômico-culturais em sociedades antigas como a Israelense não
eram separadas de religião, como acontece na modernidade.
Vale lembrar que o termo Israel provem de ‫ ל ֵא ָר ְׂשִי‬, do hebraico
Yisra’el, que significa reina com El, ou Deus, pois para a cultura de Israel
o nome de Deus não deve ser pronunciado ou escrito levianamente. São
descendentes, segundo o mito de Jacó, que se divide das tribos de seus
pais ou irmãos que eram povos cananeus ou caanitas. O termo Israel ou
israelense se denomina por um conjunto de povos que são unidos por
uma crença de tradição de adoração ao Deus El, o Deus que no mito, fez
um pacto com Abrão e que se insurge contra outras tribos cananeias se
propondo um termo a parte. É o povo que embora acreditem serem des-
cendentes de Abrão (GUNNEWEG, 2005 p. 76), que resolveu crer nesse
Deus como único verdadeiro, um dos muitos que haviam naquela região é
um termo cultural-religioso que provavelmente delimita uma novidade dos
povos da antiguidade, uma relação monoteísta de crença e espiritualidade.
A palavra Canaã (em hebraico: ‫םינענכ‬, ou Kna’anim) provém do
ponto de vista mítico, Canaã seria a terra entregue por Deus ao seu povo,
desde o chamado de Abrão (este depois chamado Abraão) o qual habita-
va em Ur dos Caldeus. É um termo de delimitação cultural espacial ou
territorial. É uma crença que está descrita na bíblia e que havia um herói
mítico de mesmo nome descrito em Gênesis, 10:15–191. O reinado mítico
1
“Canaã gerou a Sidom, seu primogênito, e a Hete, 16 e aos jebuseus, aos amorreus, aos
girgaseus, 17 aos heveus, aos arqueus, aos sineus, 18 aos arvadeus, aos zemareus e aos hama-
teus; e depois se espalharam as famílias dos cananeus. 19 e o limite dos cananeus foi desde
sidom, indo para gerar, até gaza, indo para sodoma, gomorra, admá e zeboim, até lasa.”

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de Davi, unifica Hebron( que são povos de mesma língua e crença) sob o
único reinado de Israel (DONNER, 1997 p. 185). Hebron e Israel eram dois
reinos diferentes que foram unificados pelo Rei Davi. Tal crença inclusive é
usada para infelizmente justificar conflitos sangrentos até os dias de hoje2.
O termo Judeu (em hebraico: ‫יִדּוהְי‬,  Yehudi) é o conjunto das doze
tribos que miticamente se referem as doze tribos dos filhos de Jacó eteve
seu nome mudado para Israel, são remetidos à herança de seus doze filhos
que geraram doze tribos descritos no final de Genesis, e em Números,
capítulos 22 a 36. É um termo étnico de descendência de diversas tribos
(doze?) que partilhavam heranças linguísticas e culturais comuns e que em
certo momento foram unificados no suposto reinado de Saul3.
Diz Cazelles “a sabedoria israelita nasce em contato com culturas
antigas e antepassadas” (CAZELLES, 1986. p. 09) tais como os povos se-
míticos povo seminômade e multi-étnico4 que lhe daria origem, e perpassa
por diversas transformações e influencias até ser positivada na compilação
do seus escritos sagrados.
A expressão do texto de leis e códigos morais 5 conhecido como
Antigo Testamento é, de certo modo, além de um código jurídico, um
escrito teológico e a expressão cultural de um povo, bem como encerra
seu entendimento e sabedoria. O Pentateuco, inclusive, o Êxodo, foi tre-
mendamente influenciado pela cultura babilônica (WELLHAUSEN, 2004).
Isso porque essa parte da Bíblia (Pentateuco) cujo texto atual resultaria de
uma história literária anterior, a que chamam “fontes” ou “documentos”
(DOZEMAN, & SCHMID, ,2006), ou “Tradições” (SKA, 2012). Todavia,
2
Este artigo está sendo escrito na semana do dia 07/07/2014 até 11/07/2014 que ocorre
um dos mais tristes massacres em guerras entre palestina e Israel, infelizmente a crença
religioso tem sido usada na história como justificativa para os piores massacres. Como
o povo de Israel se auto acredita possuidor legitimo e cultural dessa terra, fazem guerras
com os palestinos, um povo que não divide sua crença. Como não acreditam na religião
judaica, os palestinos são massacrados pelos herdeiros da suposta terra prometida.REVER
REDAÇÃO DA NOTA
3
Suposto porque ainda não há provas cabais na arqueologia que tenham existido os reis
Saul e Davi, o que existe são registros que por volta do Sec. XI a.c houve um reinado
(DONNER, 1997).
4
Segundo CAZELLES, (1986) muitas línguas compõem a família semítica, incluindo as
seguintes: acadiano, ugarítico, fenício, hebraico, aramaico, árabe, etíope, egípcio, cop-
ta gala, afarsaho, assírio e caldeu
5
Leis aqui entendidas como expressão de conduta social aparente.

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ao longo da história, mesmo depois de sua composição literária, essas tra-


dições receberam numerosas modificações (SILVA, 2007). Assim sendo,
deve-se considerar alguns dos “escritores da Bíblia” mais como autores
do que meros compiladores dessas tradições.
Isso porque esses autores não eram meros copistas fechados em
templos, mas sim sábios de Sião que tinham opinião própria sobre algum
fato social ou teológico e deixaram traços de caráter complexo das tradi-
ções pré-literárias em sua obra (PURY, 2002). Por isso, alguns estudiosos
falam em “escolas”, mais do que “documentos” e “escritores”; outros, como
Roland de Vaux, preferem chamá-las simplesmente de “tradições” (DOZE-
MAN, T.; SCHMID, K. 2006), sem afirmar sua origem oral ou literária.
Embora não haja consenso entre os estudiosos sobre os “documentos” ou
as “tradições” que deram origem ao Pentateuco ele é uma compilação de
contos antigos comuns aos povos da região do oriente médio que inclui
os cananeus e fundamenta a crença Judáica.
De qualquer modo, o Pentateuco não foi escrito de uma só vez
nem é obra de um único escritor. Gestembeger aponta que cada vez mais
inúmeros teóricos apontam que opentateuco foi escrito em varias fases,
algumas teriam sido escritas nacondição clanica, outras tribais e outra
pós-exilica,a ssim se apresenta como uma compilação atreves do tempo
de varias culturas, (GERSTENBERGER, 2012 p. 11). Foi escrito a par-
tir de tradições orais e escritas que se foram juntando progressivamente
e formando unidades maiores ao longo da história. A junção de todo o
material só se deu na época pós-exílica, época em que se pode falar da
redação final do Pentateuco. Certamente que o período do Exílio influen-
ciou na elaboração desse documentohistórico e religioso; Apesar desse
código ser uma das expressões da sabedoria desse povo, essa sabedoria
foi influenciada por outros povos.

U Ma HIPÓTESE SOBRE O SURGIMENTO Da SaBEDORIa HEBRaICa .


Ocorre que há uma hipótese que tomaremos como correta. A hipótese
da mudança social. Ora, , como era o povo de Israel antes do Exílio?
Saídos escravizados do Egito, tradicionalmente era um povo agrário e
de pastoreio, sem um grande costume de ler ou de escrever. No Antigo
Egito, na época da escravidão descrita em Êxodo, não era permitido aos

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escravos ler ou escrever (PFOH; WHITELAM, 2013, p. 139). Porém, toda


sua tradição foi formada nessa época e é bem mais provável que seus
costumes religiosos e legais fossem narrativas orais a escritas (DOZE-
MAN; SCHMID, 2006). Isso porque na pratica, um povo agrário não tem
interesse em escritas e registros de modo organizado, não porque fossem
ignorantes. Mas, simplesmente porque suas prioridades eram outras, tais
como a sobrevivência (MICHULIN,1960. p.214).
Ao contrario, na Babilônia, assim como em todos os povos mesopo-
tâmicos, a educação era bem valorizada porque eram sociedades comer-
ciais, em expansão constante e absorviam a cultura de cada povo conquis-
tado (LEMAIRE, 2011 p. 106). A narrativa hebraica era de predominância
oral, (MICHULIN,1960) e que em certo momento ocorre a compilação da
sabedoria do povo babilônico e absorve em diversos aspectos a sabedorias
de diversos povos6.
Provavelmente, o processo de formação dos cinco primeiros livros
da Bíblia desenvolveu-se, nas suas linhas gerais, em vários períodos. No
início estaria um núcleo narrativo histórico bastante restrito, da época de
Salomão. Este núcleo é depois retomado e ampliado por volta dos finais
do séc. VIII a.C., recolhendo tradições e fragmentos do reino do Norte
e relendo tradições antigas numa nova perspectiva. No séc. VIII aparece
o Deuteronômio primitivo, descoberto no tempo de Josias (622 a.C.) e
incluindo essencialmente leis e um pequeno prólogo (MEDEIROS, 1991).
Houve uma grande produção pós exílio, isso porque a rica e comer-
cial cultura babilônica, onde havia necessidade e cultura de escrita para
melhor registro de comercio e conquista, influenciou os exilados hebreus
que se encaixavam na sociedade, embora mantivessem suas comunidades
seus costumes tradicionais (LEMAIRE, 2011). Foi dessa época que os
Hebreus herdaram seu tão famoso gosto e habilidade para o comercio
(HERRICK, 1966). Se há algo que estimula a cultura é o comercio, a
partir daí começa a desenvolver uma cultura de escrita também, antes
pouco expressa do povo Judeu.
Embora o povo fosse literalmente escravo viveu assim durante meio
século de cativeiro na Babilônia. Ou seja, produzindo cultura e registros
6
Embora já existissem coisas escritas, algumas delas eram os salmos realizados
pela nobreza e, com certeza, o texto dos Dez Mandamentos que era guardado na arca
da aliança (MICHULIN, 1960).

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escritos de sua religião até então predominantemente oral. Não podiam


ter templo, nem culto, nem rei, nem sequer a possibilidade de oferecer os
seus sacrifícios e de fazer as suas festas sagradas. A única coisa que lhes
resta é a fé no seu Deus e as suas tradições. E estas vão ser meditadas e
aprofundadas. Agora, paradoxalmente, vão rever a sua história para des-
cobrir-lhe o sentido profundo, aproveitando para refletir sobre os motivos
porque lhes tinha acontecido tudo isso.
Mas, não obstante todas as dificuldades e apesar de estarem pri-
sioneiros, eles vivem num ambiente relativamente evoluído, com grande
produção técnica, educacional e escrita (MICHULIN, 1960). Vale lem-
brar que a escrita, naquela época, era algo extremamente caro e difícil
(JENKINS, 2001).
E, com efeito, entre os babilônios, descobrem preocupações que eles
nem sequer tinham ainda amadurecido. É notório, por exemplo, o fato de
haver pessoas que procuram dar resposta às perguntas mais profundas
do ser humano: como, qual a origem das coisas, do mal e da religião,
ou seja, um clima fértil para a filosofia (GHIRALDELLI JR, 2000). Em
contato com esse clima de pensamento e reflexão babilônico, nascem
também núcleos de pensadores entre a comunidade judaica. E assim, em
contacto com os opressores, por incrível que pareça, nasce uma corrente
de renovação espiritual que, no caso, é expressa em livro e atribuída a um
líder denominado Ezequiel (BLOCK, 1997).

A SaNTIDaDE COMO SaBEDORIa DO POVO HEBREU .


A religião babilônica não só não se preocupava como estimulava
praticas patriarcais e familiares contrarias aquelas dos judeus, ocorria
tambpem consumo ritual de bebida alcoólica e sexo livre em adoração a
certos deuses e deusas, o que se chocava com a cultura judaica.
Representados pelos ideais escritos no livro de Ezequiel 7, alguns
sábios pensadores hebreus, preocupados em manter uma identidade he-
bréia, têm a preocupação de afirmar, acima de tudo, a santidade de Deus e
7
Não há provas de que tenha existido um profeta com as características de Ezequiel.
É provável que seja um texto compilado para ministrar seus ideais. Seus ideais sociais
eram avisar sobre os pecados de afastar-se da identidade e fé judaica, dar esperança ao
povo, mostrar a punição de quem não seguisse os ideais religiosos de Deus. De certo
modo é um aviso para continuar-se judeu.

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dar seu testemunho acerca da sua ligação com Deus (BRUEGGEMANN,


1997) sem descurar-se das explicações racionais para os acontecimentos
e a origem das coisas. Fazem, então, sínteses históricas para, a partir daí,
descobrirem a vontade de Deus. Ou seja, procuram descobrir o sentido
profundo de tudo o que acontecera no passado. À luz da situação que lhes
toca viver no presente (crise, cativeiro e escravidão), procuram perceber o
que é que Deus espera deles. Têm, fundamentalmente, por objetivo subor-
dinar a Deus todas as coisas e, como conseqüência, propor à consciência
dos leitores a proeminência de Deus acima de todas as coisas, conforme
o testemunho do povo hebreu (BRUEGGEMANN, 1997).
No livro de Ezequiel há diversos avisos para quem se contamina
com usos de outros povos tal como, por exemplo, o descrito em Ezequiel
23, alertando para aqueles que adorarem ou mesmo sacrificarem aos ídolos
pagãos um terrível destino.
O livro de Deuteronômio é um dos livros angulares no conjunto
canônico da Bíblia Hebraica. Os capítulos 12 a 26 formam uma espécie
de núcleo da obra. Aí encontramos o que a pesquisa convencionou chamar
de “código deuteronômico”. Trata-se, provavelmente, de um livro de leis
compilado e sistematizado, com base em leis diversas e de épocas distin-
tas já que é dotado de um perfil diacrônico diferenciado (BINGEMER;
YUNES, 2002), necessário em uma época de crise para organizar a vida
social e religiosa desse povo numa fase de reorganização, na segunda
metade do século VII a.C.
A época de crise se perfaz não necessariamente como algo ruim, mas
é a quebra de uma situação certa sociedade estava acostumada Alibertação
dos escravos hebreus teve impacto na comunidade hebréia, e gera uma crise
que se tem que controlar. De um lado temos sábios judeus tentando voltar
a sua terra prometida, do outro, jovens com costumes pagãos absorvidos
de décadas de convívio com uma nação mais avançada (do ponto de vista
tecnológico e com leis morais menos rígidas) e culturalmente mais atraen-
te para essa juventude se faz necessário um rol de compilações de leis
antigas que deve ter culminado na “repetição das leis” ou deuteronômio.
As leis do Êxodo atribuídas a Moisés também são frutos de uma
situação de crise: saída do Egito onde os judeus tinham certa estabilidade
apesar de escravos Já que a escravidão no mundo antigo era uma condição

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110 A sabedoria do povo hebreu em oposição à sophia grega

social e não uma redução do ser humano a carga de coisa. Toda mudança
social gera crise aquela situação que se estava acostumado..A crises de
valore percebida pelos sacerdotes e escribas a que estavam sujeitos a
permeações da cultura babilônica, é claro que isso gerou muitas crises
sociais, para não falar das teológicas.
Para superar essa crise se criou um rígido código de leis com o qual
culminaram na compilação dos 10 mandamentos. Uma teoria largamente
usada nos estudos jurídicos no que se refere à criação das leis é a teoria
da necessidade social: a lei é criada quando dada situação exige que ela
seja criada pela comunidade (FERRARA, 1921) de modo nem sempre
repentino ou sincrônico e sim de modo que respeite sua historicidade e o
aproveitamento do arcabouço cultural de um povo (idem) tal como o judeu.
Assim a sabedoria surge, ou melhor, é positivada num momento
de superação da crise. A sabedoria vem como meio de suplantar a crise e
aparece como resposta à situação. Sabedoria nesse contexto é seguir a Lei.

Q UEM ERa O POVO HEBREU


Segundo Gilissen (1986), os hebreus eram agricultores — pasto-
res. Viviam do pastoreio de ovelhas, cabras, do plantio de uvas, trigo, e
outros produtos. Mas, havia neste povo um diferencial dos outros antigos:
eram monoteístas, adoravam um único Deus patriarcal. Esta característica
marca toda a história e qualquer produção cultural desse povo. A história
teológica destas pessoas pode ter fonte na Bíblia, mais especificamente, no
Antigo Testamento, que reúne a Torá (ou a Lei), os Profetas e os Escritos
(MICHULIN, 1960). O Novo Testamento inclui a história (e os ensina-
mentos) de parte dos hebreus que acreditaram que Jesus era o Messias que
o Antigo Testamentp previa.
Eles acreditavam em um só Deus que, por seu desejo havia se
revelado a eles através de Abraão e, a partir deste momento, iniciou um
relacionamento entre Ele e os que chamava de Povo Escolhido. Este era
seu diferencial, os únicos da face da terra com um Deus que queria uma
relação com seu povo (BRUEGGEMANN, 1997). Isto será mais importante
para o conceito adotado de sabedoria.
Esta relação é tão complexa que não podemos entender tal povo
sem a interferência da sua crença no Deus de suas vidas. Para eles, Deus

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Revista Páginas de Filosofia 111

escolhe seus líderes, Deus escolhe ou não dar prosperidade, Deus, dá


a vitória ou a derrota na guerra. Não é de estranhar, portanto, que a lei
foi inspirada por Deus e ir contra o que está escrito seria o equivalente
a ir contra Deus.
Os hebreus, a princípio, se dividiam em tribos de acordo com os
números de filhos de Jacó (12); estas tribos se subdividiam em famílias e
toda a organização política e social girava em torno deste status quo. Das
doze tribos, onze cuidavam, basicamente, da agricultura e do pastoreio,
a décima segunda não tinha terras, era a tribo dos levitas cabendo-lhes
funções sacerdotais (CAZELLES, 1986)
Após o êxodo, depois de certa comunidade hebréia sair do Egito,
ao chegarem à região palestina, os israelitas passaram de pastores (como
eram antes, pelo seu nomadismo) a agricultores-pastores. Mas, se tradicio-
nalmente estas atividades agropastoris foram o cerne da economia desta
sociedade, a indústria comercial manufatureira também conheceu certo
desenvolvimento, principalmente o desenvolvimento que se conhece por
Idade Calcolítica ou do Cobre (AQUINO et al., 1980).
O comércio atingiu seu auge no período pós exílico, conforme re-
gistrado nas historias bíblicas do reis Davi e Salomão, as quais denotam
uma diferença na realidade política, e econômica de Israel (PFOH &
WHITELAM, 2013) . Portanto, melhores leis de comercio deveriam ser
feitas. A partir daí o comercio passou a estar presente na vida deste povo,
visto que a região que habitavam é uma verdadeira encruzilhada nas rotas
da Mesopotâmia, Egito, Mar Vermelho e do deserto, área de grande foco
e intercruzamentos de estradas (BRIGHT, 1980).
Por volta de 1800 a.C. algum fenômeno climático fez com que os
Canitas saíssem da Palestina na direção do Egito. Relata a Bíblia e alguns
estudiosos que, no Egito, os hebreus passaram a ser perseguidos, passando
a pagar pesados impostos e chegando até mesmo à escravidão (PFOH &
WHITELAM, 2013) .
Por volta de 1200 a.C., os hebreus, já descendentes dos caanitas,
saíram do Egito e voltariam à palestina, no que a Bíblia descreve como
êxodo, cuja narrativa está cheia de mensagens e cronologia mítica, não
histórica. Nesse episódio, os hebreus teriam passado quarenta anos no

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112 A sabedoria do povo hebreu em oposição à sophia grega

deserto e aí teriam forjado, sob a liderança de Moisés, toda a base de sua


civilização, inclusive sua cultura e sabedoria8.
A visão religiosa crê que a Torá (que positiva a sabedoria dos
Hebreus) foi escrita pelo próprio Moisés, revelada por Iavé e, embora
esta tese esteja um tanto desacreditada pelos acadêmicos em geral, ainda
denomina-se a escrita de “Mosaica”, mesmo porque, provavelmente, foi
após a saída do Egito que este povo começou a estruturar as bases escritas
de sua cultura.
A base moral da sabedoria mosaica pode ser encontrada nos Dez
Mandamentos, que teriam sido escritos “pessoalmente” por Deus no Monte
Sinai, como forma de Aliança entre Ele e o Povo Escolhido.
A Torá, também chamada Pentateuco, é formada pelos cinco pri-
meiros livros da Bíblia: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deutero-
nômio. Em toda a Torá encontramos leis; entretanto, há no último livro
uma reunião maior de leis, repetindo inclusive alguns preceitos vistos
nos outros livros, mesmo porque é esta a intenção do Deuteronômio, que
significa “segunda lei”.
Não podemos nos esquecer que esse povo tinha uma relação diferen-
ciada de constante aliança e parceria com sua divindade em uma relação
religiosa sem par na historia das religiões (BRUEGGEMANN, 1997) .

A SaBEDORIa E RELIGIÃO
A religião não é uma das características apenas dos israelitas, mas,
pode ser indicada a característica social que dá alicerce a toda sociedade.
Durkheim (1989, p._) afirmou que a religião era a “ossatura” de uma
sociedade. É isso mesmo?
Toda vez que aconteciam problemas sociais, econômicos e políticos,
Israel relacionava esses acontecimentos a alguma causa religiosa. Eles,
obviamente, explicavam tais “coincidências” como uma vingança ou de-
saprovação de Jeová; usavam também a característica vingativa de Jeová
ou a manipulavam contra quem desobedecesse as leis divinas.
Embora a tradição indicasse Moisés como autor do Pentateuco, a
maioria indica como uma obra posterior ao surgimento de Moisés (se ele
8
É pouco provável que a historia de êxodo tenha sido escrita conforme a Bíblia relata,
não é aceito pela comunidade de historiadores e cientifica sendo uma opinião religiosa.
Refazer frase

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Revista Páginas de Filosofia 113

não foi um mito, sua historia é atribuída ao sec. XX a.C), provavelmente


no sec. V a.C, o exilio, época em que foi primordial para a formação de
uma legislação mosaica. Em 586 a.C., Nabucodonosor, na grande expansão
de seu reino (MEDEIROS, 1991) conquistou a palestina e a elite social e
religiosa da nação foi levada para a Babilônia, como escravos9.
O Exílio deu azo à formação de um corpus cultural hebraico novo,
visto que o contato com diversas culturas diferentes que frequentavam o
comércio babilônico (persas, gregos e romanos) fez com que os hebreus
fossem influenciados na por ricas e diversa produções culturais e mitocas
e ampla produção gráfica para a época, deve ter tido um impacto muito
grande nessa cultura (DE PURY, 2002). Este processo, iniciado na Babi-
lônia, somente iria terminar 900 anos mais tarde (SKA, 2012).
Pequeno e com pouca produção agrícola devido ao seu pouco terreno
fértil, Israel sempre dependeu dos povos circunvizinhos para estabelecer
seu conhecido e milenar modo de produção comercial. Inclusive o Egito
e a Mesopotâmia, conhecidos berços da civilização ocidental. Esse con-
tato, em que pese certo sentimento xenófobo israelita, não ficou imune ao
contato com esses diversos povos com suas culturas avançadíssimas e que
pode ter proporcionado sua sabedoria (STEINSALTZ, 1976).
Por exemplo, hoje há certas provas arqueológicas de que, de fato, os
povos semitas estiveram no Egito como escravos, talvez não tantos quanto
as narrativas descritas em Genesis e Êxodo ao engrandecer e heroicizar a
figura de Moisés e do povo ancestral. Porém, estiveram, lá e provavelmente
beberam na fonte da sabedoria daquele povo. A prova de que estiveram
lá é dada pela obra de Eberhard Zangger (2005), especialista em cultura
clássica e um dos decifradores da correspondência mesopotâmica-egipcia
que, encontrada em escavações, mostrou que haviam povos semitas, ca-
mitas e palestinos no Egito.
As imagens abaixo foram publicadas na revista Ancient Egypt
Magazine número 32, por Rachael Thyrza Sparks orientanda de Zangger.
Outra prova está no recente artigo da National Geographic de outubro de
2013, edição americana, na reportagem de Rick Gore.
9
Era uma tática comum dos antigos grandes reinos conquistar os filhos das elites mostran-
do-lhes a riquezas de sua cultura ou corrompendo -os pelo luxo e pela luxuria. Quando
voltavam aos seus reinos queriam transformá-lo numa colônia do reino conquistador
(ROBERTS, 1995).

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114 A sabedoria do povo hebreu em oposição à sophia grega

Cena de Circuncisão, da tumba de Ankn-mahor VI dinastia (2323-


2150 a.C.)

SPARKS,2002, anexo 1.

Papiros de povos, provavelmente semitas, escravos no antigo Egito.


Mural escavado em Tell Edfu.

SPARKS,2002, anexo 13.

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Revista Páginas de Filosofia 115

Papiros descrevendo “povos de Mar” domesticando o divino antílope


e trazendo jumentos. Papiro achado no templo de Hatshepsut.

SPARKS,2002, anexo 14.

Outra prova arqueológica é apontada em R. K. Harrison (2005), que


aponta as descobertas dos mesmos padrões de ferramentas de carpintaria
no antigo Egito e também na região da palestina.
De qualquer maneira houve um contato cultural profundo onde
esse povo esteve, sobretudo no Egito e na Mesopotâmia, e que perfaz sua
identidade cultural e sua sabedoria. Suas obras, leis, costumes e sabedoria
serão afetados por esses povos por onde passaram.

O ESPRaIaMENTO Da SaBEDORIa
Segundo Lindez (1999) é possível ver em varias partes do mundo
antigo uma forte influencia da sabedoria Egípcia, Mesopotâmica e mais
tarde no exílio Babilônico. Aponta ele, algumas importantes semelhanças
de textos anteriores e de outras culturas como: A influenciada literatura
sapencial do Egito, como as máximas de Ptah-hotep, os ensinamentos de
Merika-ré, de Amenemopet, e as instruções de Ank-sesonqy, influenciando
os livros dos provébios; as instruções de Duaf-Jeti e de Ani influenciado a
Siracida. todos esses anteriores e muitos parecidos com os livrso sapien-
ciais do antigo testamento: são:  Salmos, Provérbios, Eclesiastes, Cântico
dos Cânticos, Sabedoria e Ben Sirac ou Eclesiástico.

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116 A sabedoria do povo hebreu em oposição à sophia grega

A literatura sapiencial da Mesopotâmia influenciou também os


escritos do Antigo Testamento. Exemplos: o poema do Justo que sofre
é descrito no “um canto de louvor a Marduc”, é muito parecido com a
narrativa de Jó. a teodicéia Babilônica influencia o livro de Jó e o Genesis
nas narrativas sobre os filhos de Noé (sobre a maldição de ver o pai nu). A
celebre Epopéia de Gilgamesh que narra o dilúvio também influenciando o
livro de Genesis na narrativa de Noé. As sentenças de Aicar da babilônia
tem forte influencia também em Provérbios.
Há também uma forte influencia de mitos sumérios que alertam a
sabedoria de não querer se igualar aos Deuses como no caso da história
da torre de Babel. Kramer (1968) chama a atenção para uma história pa-
recida à da Torre de Babel na mitologia suméria chamada Enmerkar e o
Senhor de Aratta, na qual Enmerkar de Uruk constrói uma torre de guerra
em Eridu e os deuses Enki e Enlil acabam por confundir as línguas de toda
a humanidade como efeito da sua ousadia. No mesmo conto está também
a historia de um caçador que desafia aos deuses chamado Ninrodeik, cujo
nome na narrativa a torre de Babel (ou babilônia) é Ninrod. Nesse conto
ele é apresentado como filho de Enmerkar. Porém, outras traduções o
apresentam como sendo o próprio Enmerkar (YAMAUCHI, 1965).
Lindez (1999) chama a atenção para o intercambio de sábios e cul-
turas, ato praticado comumente, provavelmente estimulado pelo comércio
(PFOH; WHITELAM; 2013) praticado no mediterrâneo que influenciou,
com certeza, essa formação cultural. É bom lembrar que há certa xenofobia
entre os hebreus, porém, nunca foram proibidos de comerciar, aprender
ou mesmo nunca trataram mal os estrangeiros seguindo as orientações de
Moisés (GERSTENBERGER, 2012).
Há fortes indícios de uma influencia pós exílica advinda da cultura
babilônica tenha influenciado a cultura hebraica. Assim como era desen-
volvidas as leis comerciais babilônicas, as do povo hebreu são muitos
parecidas. Por exemplo, nas leis descritas em Ex 22:9-15, há indícios de
semelhança entre estes versículos e o código de Hammurabi o que pode
denotar uma influencia cultural pós- exílica.
Há de se contar também da epítome de Deus ao propor que o único
Deus Javé como verdadeiro enquanto colocava todos os outros deuses do
entorno como falsos deuses ou demônios. Os deuses sumérios, fenícios

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Revista Páginas de Filosofia 117

e Acádios, Astarth e Asterotthi, bem como os babilônicos Baal-Phegor,


BaalBerith, Baal-zebub (mudados para Belial ou Baal) foram demonizados
e transcritos para o antigo testamento. Assim os deuses mesopotamicos
foram demonizados nos escritos dão antigo testamento e tidos como rivais
do Deus El, fácil verificar:

Juízes 2:13 (o povo de Israel serviram Baal e Asteroth)


Juízes 6:25 (Deus manda destruir o Altar de Baal)
Números 22:41 (Os Hebreus tinham altares dedicados a Baal)
1 Reis 16:31 (Jeroboão adora Baal)
1 Reis 18:19 (Desafio entre Yahweh, Baal e Asteroth)
1 Reis 22:54 (Acazias adora Baal)
2 Reis 10:19-28 (Jeú arma uma cilada aos sacerdotes de Baal)
2 Reis 11:18 (Destruição do Templo de Baal)
2 Reis 17:16 (Novamente adoração a Baal)
2 Reis 23:05 (Referência aos adoradores de Baal, da Lua, do Sol e de
outros astros.)
2 Crónicas 23:17 (A morte de Matã o sacerdote de Baal)
Jeremias 2:8 (O profeta questiona o poder dos sacerdotes de Baal e outros
deuses)
Jeremias 7:9 (Adoração a Baal entre pecados como o furto e o assassínio)
Jeremias 12:16 (Juras por Baal)
Jeremias 19:05 (Sacrifícios de crianças a Baal)
Jeremias 23:13 (Samaritanos loucos profetas de Baal)
Jeremias 32:29 (Os caldeus adoraram Baal)
Oseias 13:1 (Efraim morre por ser culpado por Baal)

D EFINIÇÃO DE SaBEDORIa
A sabedoria antiga, segundo Lindez (1999), constitui-se em um
sistema de valores, em uma compreensão total do mundo e do cosmo, em
uma referencia de relações do homem com o divino e sua pratica sobre o
mundo. É bem diferente da pratica de sabedoria colocada com o advento
do helenismo. A  cultura essencialmente grega, em especial influenciada
pelos expoentes do circulo antropológico, com um papel importante de
Aristóteles como difusor cultural de Alexandre o grande, torna-se domi-

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118 A sabedoria do povo hebreu em oposição à sophia grega

nante nas três grandes esferas atingidas pelo Helenismo: a Macedônia,


a Síria e o Egito (CHEVITARESE, 2000).
Mais tarde, com a expansão de Roma, cada um desses reinos será
absorvido pela nova potência romana, dando espaço ao que historicamente
se demarca como o final da Antiguidade (BORGEN, 1992). Antes disso,
porém, os próprios romanos foram paradoxalmente, militarmente vitoriosos,
porém, culturalmente dominados pelos gregos, submetidos ao helenismo.
Daí, então, a cultura grega foi perpetuada pelo Império Romano.
A sabedoria helenística não teria relação com o divino, para ela o
homem era o centro do universo, agora os deuses estavam na terra na
forma do hegemon. Alexandre, o homem era o sábio e tomara lugar dos
deuses. A sabedoria helenística era considerada o conhecimento acumulado
de ciências em uma Paidéia, ou progressão do espírito humano, o humano
e seu conhecimento é o sábio, não é um dom divino.
Há um problema grave para a sabedoria antiga, dentre a qual a ju-
daica referente ao helenismo: Ele dá certo e resultado rápido. O helenismo
desenvolveu o progresso humano, destacando seu Polibius; o desenvol-
vimento da matemática e da física, campos nos quais surgem Euclides e
Arquimedes; astronomia, da medicina, da geografia e da gramática. Tais
conhecimentos tem reflexos rápidos na engenharias e técnicas, desenvolve-
-se grandes castelos, maquinas de guerra, navios nunca dantes vistos
possibilitados pelos estudos geométricos, grandes plantações com conhe-
cimento da astronomia, uma verdadeira era de fartura para a sociedade.
Como então poder continuar adorando a um Deus que não apresentava
tantos resultados, já que uma de sua prescrições é negar a relação com
outros povos em imposições contra casamento, alimentação, etc... era um
problema manter a pureza hebraica, quando a sabedoria de outros povos
atraia muito mais.
Rapidamente os sábios de Israel perceberam que essa sabedoria era
uma afronta a Javé Propagaram em seus livros de sabedoria (Eclesiastes,
Provérbios, Siracida, dentre outros, tais como em alguns salmos), que a
sabedoria seria o temor do Senhor Iavé.
Em resumo, a sabedoria helênica afirma que o homem, e não os deu-
ses, são fonte de vida e sabedoria. Tal afirmação era inadmissível para o
sábio de israel. Colocar o homem como fonte de sabedoria era uma afronta

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Revista Páginas de Filosofia 119

a todos os valores sobre os quais se constituiu uma sociedade patriarcal


que se sentia como povo escolhido de Deus.

S aBEDORIa BÍBLICa .
Para a herança judaico-cristã, a sabedoria é diferente, ela é de al-
gum modo vinda de Deus. A sabedoria no antigo testamento era o temor
a Deus, (Pv. 1:7, 9:10 e 16:6; Sl 25:12 e 111.10; Jó 28.28). Era também o
cumprimento da Lei de Moisés (Eclesiástico 19: 18-21). Enquanto ação, e
não apenas conhecimento, a sabedoria é a mesma coisa para todos, Gregos,
helênicos, Judeus10: Sabedoria é um agir no mundo levado por uma crença
de se estar fazendo o bem; é uma práxis, um agir sobre o mundo segundo
valores aprendidos e direcionados para o bem comum social. Tal agir para
o bem é considerado sabedoria e é um pensamento partilhado por diversas
sabedorias do mundo antigo. Seria o discernimento que permite tomar o
melhor caminho a seguir. Segundo Horne (2005) o sábio, na tradição hebreia,
e o que escolhe viver pelo caminho do respeito a Deus testemunhado cons-
cientemente ou não de que este é o fator primordial da realização humana.
Porém, isso é perpassado por uma crença, ou seja, existe o proble-
ma do relativismo:O que é bem para uns, pode não ser para outro. Assim
cairá nas diferenças de sabedoria que não está na ação para o bem e sim
nas fontes: enquanto a fonte de sabedoria para o Hebreu é Jeová ou as
escrituras atribuídas divinamente, já para o grego - helênico, a sabedoria
é humana ou o espírito humano em ascensão, possivelmente envolvido em
uma ética para o bem viver, porémporém de fonte humana e não divina.
Ai está a diferença entre as duas. Não diferem enquanto modo – am-
bas são agir no mundo – porém diferem quantos as fontes, uma é humana,
a outra, divina.
Assim a sabedoria do hebreu é seguir a palavra de Deus, e sem entrar
no mérito histórico de como isso se deu, e passa isso para o cristão. Para o
cristão também é seguir o livro sagrado, mas com ênfase ao amor ao próxi-
mo, além de amar a Deus, deve-se amar ao próximo. Não se fará aqui nesse
10
As vezes me referirei como hebreu, judeu, não cairei aqui na problemática das origens
dos povos já descrita anteriormente, que envolvem ser descendentes dos povos de Canaã,
sem nenhum preconceito pois não os tenho me refiro aqui aos povos de língua hebraica
ou que são crentes na Torah ainda que não sigam corretamente. Os que estão unidos
pela disporá de Israel.

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120 A sabedoria do povo hebreu em oposição à sophia grega

trabalho, um comparativo a sabedoria do amor, pois tal tarefa seria trabalho


para uma vida toda. O Amor é o cumprimento de toda a lei, segundo Paulo,
Um estudioso Hebreu discutindo e ecrevendo para hebreus na carta homô-
nima.Ainda para Paulo, na carta aos Coríntios faz divisão entre a sabedoria
da terra (filosofia grega) e a sabedoria dos seguidores de Cristo ou de Deus
como descrito em 1 Coríntios 1:19-2511, ou na mesma carta no cap. 2:4-7
ou ainda 3:18-21. O autor de Tiago também faz menção e separação entre
a sabedoria de Deus e a do homem, sendo a “do alto” pura e imaculada e a
do homem corrupta, (Tiago, 3:13-17). Para o novo testamento a sabedoria
vem de Deus (Lucas 21:15), de um modo puro o cristão deve seguir esse
entendimento: que não há outro caminho para a sabedoria que não venha de
Deus. O conhecimento humano não deve ser posto ante o de Deus.
Ocorre que a crise da modernidade que colocou a razão científica
humana como supra -verdade retira a sabedoria divina e a coloca como
um conhecimento secundário, ou como simples religião ou como exótico
e mentiroso. Despertando o pior da religião, sua reação fundamentalista
(COSTA, 2015).

S aBEDORIa G REGa
A sabedora Grega é totalmente diferente da sabedoria bíblica, é as-
sim como a helênica de fonte humana, porém, talvez não seja um agir o
mundo mas um conhecer-o-mundo. Sabedoria grega se constitui em meio
ao espraiamento da cultura helênica. que é a propagação de um conjunto
de fenômenos sociais e é também o resultado de uma série de eventos
marcantes no mundo ocidental e meso oriental.
11
13 “Porque está escrito: Destruirei a sabedoria dos sábios, E aniquilarei a inteligência
dos inteligentes.
Onde está o sábio? Onde está o escriba? Onde está o inquiridor deste século? Porven-
tura não tornou Deus louca a sabedoria deste mundo?
Visto como na sabedoria de Deus o mundo não conheceu a Deus pela sua sabedoria,
aprouve a Deus salvar os crentes pela loucura da pregação.
Porque os judeus pedem sinal, e os gregos buscam sabedoria;
Mas nós pregamos a Cristo crucificado, que é escândalo para os judeus, e loucura
para os gregos.
Mas para os que são chamados, tanto judeus como gregos, lhes pregamos a Cristo,
poder de Deus, e sabedoria de Deus.
Porque a loucura de Deus é mais sábia do que os homens; e a fraqueza de Deus é
mais forte do que os homens”

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Revista Páginas de Filosofia 121

Mais do que uma focalização e um ponto fixo na historia, a cultura


helênica é a condição humana como referencial separado da religião e se
constitui como uma condição humana. É uma crença na certeza da razão
e seu paradigma a racionalidade, na qual as relações sociais são mudadas.
Seu ápice ideológico, a focalização no individuo humano e não os deuses.
É o homem se colocando na situação de independência de Deus (idem).
A sabedoria helênica trouxe uma nova consciência do sentido his-
tórico. uma nova representação da temporalidade histórica e, com ela, o
mundo se fragmentou em valores distintos. Ela é o desenvolvimento do
processo de progresso, revolução, utopia; a ideia de história está dominada
pelos conceitos de razão, consciência, sujeito, verdade e universal. Assim
está na fonte do rompimento com o mito e com a religião. Assim as éticas,
práticas e crenças religiosas são não têm mais importância que tinham.

A SaBEDORIa DO RELIGIOSO .
Sem duvida há uma ruptura na sabedoria do mundo. Foi substituída
pelo conhecimento científico, não há duvida, toda humanidade adotou
como verdade esse tipo de conhecimento, porém sempre houve quem se
direcionou pelas escrituras, ou melhor, pela interpretação particular de seu
grupo das escrituras.
Faz-se necessário o conceito de crença, Como diz Bain, citado por
Peirce (1974), crença é “aquilo segundo o qual o homem está preparado
para agir.” O próprio Peirce (idem) complementa esta ideia notando que
“Estar-se deliberadamente e completamente preparado para moldar a con-
duta em conformidade com uma proposição, não é mais nem menos que o
estado mental chamado ‘acreditar nessa proposição’”, o crente judeu age
no mundo conforme sua crença,é a sua única sabedoria. Se veste, age,
fala, se referencia a si e ao mundo segundo sua crença.
Assim o ser e estar judeu, ou o que o caracteriza como judeu se deve a
uma crença. Se há uma sabedoria nisso ela, é uma reprodução da teologia de
sofrimento, renuncia e auto-sacrificio do cristianismo primitivo e do Antigo
Testamento. Seu sentimento de unidade enquanto etnia transcende a religião
e se constitui no típico de uma sociedade excludente, que possibilita apenas
uma sabedoria, já que a grande maioria não tem acesso aos bens culturais,
seguem a sabedoria que acreditam ser Divina. Vivem por seguir a palavra.

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122 A sabedoria do povo hebreu em oposição à sophia grega

Vivem por temor a Deus, tal fato é significante no seu cotidiano, uma vez
que vivem por certo temor de ser castigados por qualquer desvio de conduta.
Além disso devido as suas condições, Rolim (1985) aponta o intenso controle
social que a própria comunidade exerce sobre seus membros, porém, tem
mais medo de Deus do que da comunidade.
Tem seu próprio entendimento do que seja Deus, é um entendimento
plural, difuso e liquido, mas tem um ponto comum. O Espírito guia sua vida
a partir do momento que se constitui Judeu. Toda sua vida é guiada pela
obediência a palavra divina, claro que transgridem tal palavra e pecam, mas
procuram basear sua aplicação no mundo não mediado por uma teologia
provinda da modernidade e sim por um entendimento mais subjetivo de suas
escrituras e por uma experiência mais subjetiva e direta com sua divindade.
Acreditam que sua sabedoria virá de Deus. acreditam ser capazes de
obter revelações e um conhecimento diretamente vindo de Deus, através do
seu Espírito. Isso talvez defina sua sabedoria, acreditam não ter mediação
entre Deus e o homem, pois o rabino quando prega, é segundo sua crença
dirigido pelo próprio Espírito.
Vale lembrar que não há divisão entre profano e sagrado no sentido
Eliadiano, (ELIADE,1996) não há tempo e espaço dividido entre sagrado
e profano, toda sua vida é sagrada, toda sua vida é para Deus. Seu agir
no mundo é para Deus, como está jungido a Deus, não há escolha, se é
de Deus é bom, portanto não há juízo do valor em magoar certos direitos
humanos, simplesmente o bem é a palavra sagrada, o que vai contra isso
é mal e o homem que segue isso não é sábio.

C ONCLUSÃO
Concluindo, o agir do mundo do judeu antigo, é o temor a Deus. É
uma sabedoria guiada contra a modernidade, é de fato uma contracultura
ante mundo moderno. Vivem não para a racionalidade do pensamento
filosófico grego helênico, mas para uma espiritualidade particular e única.
É uma sabedoria na contramão do que e considerado sabedoria pela
cultura helênica. Resolvem e se posicionam no mundo com o que entendem
ser o bem ou obediência a palavra de Deus.
É claro que uma paz, embora profundamente pregada por tal sabedo-
ria é irreal, pois infelizmente é atravessado por interesses sempre escusos

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Revista Páginas de Filosofia 123

de exploração devido a interesses econômicos e políticos que justificados


pela religiosidade cria fundamentalismos violentos quando confrontados
em suas crenças. Mas, mostra que mesmo no mundo moderno há uma
outra forma de viver e de relacionar-se no mundo, através de uma antiga
sabedoria judaica que ensina viver sob o Temor do Senhor Deus. Lembro
que para eles o Temor não é o terror, mas, sim reverencia e respeito à sua
Palavra, vivem por essa ética. Tal pratica se manifesta, em tese, por viver
em honestidade, não proferir palavras torpes, perdoar, evitar o pecado e,
principalmente, e que difere de todas as outras religiões, na crença que
isso vem do Espírito e não de uma transformação ética de esforço próprio.
Assim, essa ética deveria ser perenemente voltada para a paz e não
para a guerra. Porém, quando unidas aos interesses mesquinhos infeliz-
mente trazem conflitos terríveis. Voltar aos seus fundamentos, sem funda-
mentalismos. A resposta para esse problema talvez esteja na proposta de
um novo fundamentalismo, digamos um fundamentalismo esclarecido (se
é que isso é possível), um fundamentalismo que proponha como bases de
sua religiosidade as ideias que não produzam vitimas (CERTEAU, 1998),
onde o fundamento das configurações cristãs seja o amor ao próximo; das
judaicas, o relacionamento com Yavhé e da sua benignidade; das muçul-
manas o caminho da submissão e da bondade.
Ou seja, que seus fundamentos sejam condizentes com as conquistas
de direitos humanos, conseguidas a muito custo pelo Estado democrático,
e da promoção de um Estado Laico que garanta o respeito às culturas e
a liberdade religiosa. Apesar de conflitantes nasceram justamente com as
sabedorias helênicas. Essas duas fontes de sabedoria deveriam complemen-
tar-se e aprender uma com a outra e não excluir-se mutuamente.. Assim,
caminharíamos para um principio ideológico de paz e não de guerra.
Termino com uma frase da sabedoria hebraica: Porque eu bem sei
os pensamentos que tenho a vosso respeito, diz o SENHOR; pensamentos
de paz, e não de mal, para vos dar o fim que esperais (Jeremias 29:11).

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Submetido em: 24-1-2016
Aceito em: 5-8-2016

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DISCUTINDO A ORIGEM EVOLUTIVA DA SOLIDARIEDADE HUMANA

OTÁVIO BARDUZZI RODRIGUES DA COSTA

RESUMO: Este artigo busca refletir sobre condições iniciais da sociedade pré- humana explicando
como dois fenômenos biológicos – adaptativos, a bipedalização e neotenia, ajudaram a emergir no
homem características próprias humanas tais como a solidariedade. Procura também lançar critica
se a Teoria da Evolução pode ou não explicar comportamentos humanos complexos.

PALAVRAS-CHAVE: Filosofia da mente. Filosofia da evolução. Antropologia. Vida humana.


Aumento da inteligência primitiva.

ABSTRACT: This paper pretends reflects about the initial conditions of pre-human society
explaining how two biological adaptive phenomena’s, the bipedalização and neotenia, helped to
emerge in mankind, characteristics exclusive of man, such as human solidarity. It also seeks to
launch some critical to Theory of Evolution, if it may or may not explain complex human behavior.

KEYWORDS: Philosophy of mind. Philosophy of evolution. Anthropology; Human life. Growth


primitive intelligence.

O ser humano tem determinadas características que o perfazem particular


frente às outras espécies do planeta. Uma dessas características é sua
sociabilidade diferenciada que permite, entre outros fenômenos, demonstrar certo
grau de solidariedade entre seus semelhantes, especialmente aos membros que
lhe tem elos de proximidade e/ou de parentesco.
Esse artigo busca elucidar como o fenômeno da solidariedade nasceu por
força de um fatores biológicos e adaptativos e também refletir se a teoria da
evolução é capaz de explicar a emergência de características próprias da
humanidade tal como a inteligência humana e sua solidariedade para com seu
semelhante.


Aluno do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu, mestrado em Filosofia (Área de
Concentração: Filosofia da Mente, epistemologia e lógica), do Centro de Pós-graduação da
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Campus de Marília, sob orientação do
Prof. Dr. Alfredo Pereira Jr; joebarduzzi@yahoo.com.br.
151 Discutindo a origem evolutiva da solidariedade humana

Agora reteremo-nos em refletir sobre o corpo do ser humano e suas relações


com a nossa história biológica e filogenética,
O corpo, entendido como expressão factual do Ser, acolhe um estado e um
processo (MORIN, o método lll p. 32.). O "estado", como expressão de um código
genético, de algumas características químicas, físicas, nervosas e energéticas. O
"processo", chamado por Morin de Hominização (MORIN, idem); dele (do processo
de hominização) surgem a condutas sociais, afetivas, cognitivas e motoras que
possibilitam a aprendizagem, a educação, portanto, definem o Ser Humano frente
a outros seres. O processo de hominização constitui em diversos fatores tais como,
neotenia, bipedalização, capacidade de fabricar ferramentas, linguagem, imitação,
escolha dentre vários outros.
Nesse processo precisa ser mais bem definida a neotenia e as capacidades
diferenciadas no nascimento humano.
Neotenia, além de ser um fato, o de nascermos imaturos demais devido à
bipedalização, também é a retenção de características juvenis na forma adulta
(maturidade).
Entre os mamíferos podemos notar grandes exemplos de neotenia (MAYR
p.186). Os jovens de várias espécies de mamíferos tendem a ter a face
arredondada e não especializada, durante o processo de amadurecimento, as
características específicas se desenvolvem. Por exemplo, filhotes de Collie com
cara arredondada crescem rapidamente e passam a ostentar o focinho prolongado
típico.
Mas no ser humano a neotenia tem características surpreendentes e
diferentes de todos outro seres, de modo que podemos afirmar que é uma
característica principal da espécie (WILLS p.67) .
Afirmar que a neotenia é uma característica principal da espécie humana,
significa estabelecer que em comparação aos demais primatas, fisicamente, os
humanos se especializaram muito, ou seja, não sofreram as transformações
típicas que ocorrem na maior parte dos mamíferos durante o amadurecimento.

Kínesis, Vol. I, n° 01, Março-2009, p.150-170


152 Discutindo a origem evolutiva da solidariedade humana

Portanto, retiveram a maior parte das características da fase juvenil dos


primatas, como por exemplo, as faces arredondadas. Em outras palavras, a
espécie humana mantém-se generalista anatomicamente e notavelmente não
ocorre o processo de especialização para um determinado estilo de vida.
Neotenia na espécie humana está relacionada à notável adaptabilidade,
tornando os seres humanos capazes, até mesmo na fase adulta, de se
adaptarem a um amplo espectro de situações de vida, ao invés de nos especializar
a um único nicho (FOLEY. 2003 p.19). Por causa desta característica (CAVALLI-
SFORZA, L; CAVALLI-SFORZA, F. 2002 p.95 ), há esta plasticidade
comportamental, e conseqüentemente adaptação a qualquer ambiente da Terra,
do Equador até próximo aos pólos, do nível do mar até aproximadamente 4.000
metros de altitude.
Esta retenção das características juvenis dos primatas significou ainda o
retardo da maturação e conseqüentemente, a capacidade de aprendizagem da
espécie humana amplia-se concomitantemente ao aumento no tamanho do cérebro
com o desenvolvimento da indústria paleolítica e complexidade sócio-cultural
(CORBALLIS 1993 p. 43).
Por dizer em como o corpo tem relações com a complexidade sociocultural,
vamos dar um exemplo, o parto. Sabe-se ser muito difícil à mulher empurrar uma
criança através do canal de nascimento. É o preço que se paga pelos cérebros
avantajados e pela inteligência, pois os humanos têm cabeças excepcionalmente
grandes em relação ao tamanho de seus corpos. Quem já estudou mais
profundamente no assunto também sabe que a abertura na pelve humana, por
meio da qual o bebê precisa passar, tem seu tamanho limitado em função da
postura ereta (SANVITO, 1989 p.82). Recentemente, os antropólogos perceberam
que as complexas torções e os giros quando percorrem o canal osséo durante o
nascimento dos bebês humanos podem causar diversos danos corporais e/ou
cerebrais; isso vêm preocupando os humanos e seus ancestrais há, no mínimo,
cem mil anos. Indícios de fósseis também sugerem que foi a anatomia, e não

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153 Discutindo a origem evolutiva da solidariedade humana

apenas as nossas naturezas sociais, que levou as mães humanas – em contraste


com as parentas primatas mais próximas e com quase todos os outros mamíferos
– a pedir ajuda no parto, (GODOY ;1987 p. 76). Na verdade, o hábito de procurar
assistência talvez já existisse, quando o mais antigo membro do gênero Homo
apareceu, e possivelmente mais ou menos 2,5 milhões de anos atrás, quando
ancestrais humanos começaram a andar eretos regularmente, em nossa opinião
foi quando começaram a andar.
A teoria da prática do parto assistido (SANVITO, 1989 p.79), afirmam-se,
as relações complexas de sociabilidade existentes há milênios; considera-se o que
os cientistas conhecem sobre a forma como um bebê primata se encaixa no canal
de nascimento da mãe. Vista de cima, a cabeça do filhote é basicamente oval mais
longa entre a testa e a parte de trás da cabeça e mais estreita de uma orelha a
outra. Convenientemente, o canal de nascimento - a abertura óssea na pelve pela
qual o bebê precisa passar do útero ao mundo externo - também é de formato oval.
O desafio do nascimento para muitos primatas é que a cabeça do bebê é quase do
tamanho dessa abertura. “Portanto, todos devemos nossa existência ao gesto
solidário de nossas mães que nos acolheram na vida e na família” diz o
antropólogo e médico Sanvito.
Essa opinião (nossa) é baseada também no fato que a solidariedade se
encontra na raiz do processo de hominização. Os ancestrais hominídeos ao saírem
em busca do alimento, não o consumiam individualmente, mas o traziam ao grupo
para reparti-lo solidariamente. Foi à solidariedade que permitiu o salto da
animalidade à humanidade (MORIN, o método lll p. 32) e à criação da
sociabilidade que se expressa pela fala. A prova disso é a pesquisa de Ernts Ferh
e Suzann-Viola Reinniger, analisando fosséis de homo habilis e neathertalensis
descobriram membros de uns grupos que morreram defeituosos, viviam muito
tempo no bando sem poder caçar, ou seja, só podiam receber alimentos de outros
membros.

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154 Discutindo a origem evolutiva da solidariedade humana

Ora, é normal o macho trazer comida à fêmea, pois ela não caça grávida ou
amamentando, porém se um animal macho vivendo em bando não puder mais
caçar, ele é expulso do bando como acontece com os lobos, todavia Ferh descobriu
dois fosseis de hominídeos machos interessantes, um de homo habilis (doravante
chamado de h.h) que tinha um defeito na arcada dentária, calcificaram-se os
buracos dos dentes de leite perdidos quando o fóssil era criança, isto é não houve
crescimento da dentição permanente cujas habilidades de caça do h. h. dependem
dessa parte do corpo. A calcificação acontece quando os hominídeos estão vivos,
confirmando que ele viveu toda a sua vida adulta sem dentes, como sobreviver
aquela época cuja alimentação dependia dos dentes?. Eles praticavam a
rapinagem para obter tutano dos ossos de carcaças cujo alimento era muito
protéico. O h.h. ainda não era capaz de caçar grandes animais, ele era muito
pequeno (os mais altos cerca de 80 cm), sem dúvida, caçava animais médios e
praticava a rapinagem (FOLEY 2003 p.47). Para obter alimento rico em proteína,
ele ou competia pelas carcaças com urubus e hienas ou caçava. Para ambos atos,
era necessária a ajuda de um bando.
Na rapinagem, ele ou obteria ossos deixados ao léu consumindo o tutano
que extraía de dentro deles com o uso de machados de pedra, uma rica fonte
protéica que quase nenhum outro animal tem. Como o h.h. faria para obter os
ossos? Ele teria que utilizar uma divisão social de trabalho muito eficiente para
que parte do bando distraísse outras espécies de rapinadores, enquanto outra
parte fugia com os ossos (FOLEY idem).
O tutano não necessita de mastigação, porém necessita de dentes para
abrir caminho até o interior do osso. O fóssil em questão só poderia se alimentar
se houvesse outro membro do bando que lhe abrisse com os dentes o caminho até
o tutano. O osso não era quebrado, os ossos encontrados perto das tribos de h.h
têm claras marcas de mordidas, ou seja alguém só pode ter caçado, aberto o
tutano e dado para aquele incapaz de fazer isso porque não tinha dentes
(solidariedade).

Kínesis, Vol. I, n° 01, Março-2009, p.150-170


155 Discutindo a origem evolutiva da solidariedade humana

A neotenia contém outra característica: o fato de que bebês bípedes nascem


mais cedo e o cérebro tem de crescer fora do processo de formação do feto. Tal fato
trouxe inúmeras capacidades, como a de aprendizado contínuo (JOHASON D;
SHREEVE J. p. 321) e a possível perda de algumas capacidades instintivas
(SANVITO p. 35) sendo então necessário aumentar a inteligência. Esse
desenvolvimento deve-se à bipedalização cujos ossos ventrais cóccixinianos das
fêmeas ficaram mais apertados e o bebê “incompleto” do ponto de vista cerebral
cognitivo (KANDEL, E; SCHWARTZ J. H; JESSEL T 1995 p.209).
Para os humanos, esse aperto (dos ossos ventrais cóccixinianos) fica ainda
mais complicado pelo fato de o canal de nascimento não ter um tamanho
constante num corte transversal. A entrada, por onde o bebê começa sua jornada,
é mais larga dos lados em relação ao corpo da mãe. No meio do caminho, no
entanto, essa orientação gira 90º, e o eixo longo da forma oval passa a ser da
frente para as costas da mãe(SANVITO p. 29). Isso significa que o bebê precisa
fazer uma série de mudanças de direção à medida que avança pelo canal de
nascimento, para que as duas partes de seu corpo de maiores dimensões - a
cabeça e os ombros - estejam sempre alinhadas com a maior largura do canal.
Para compreender o processo de nascimento do ponto de vista da mãe,
relata-se o momento de dar à luz (entrevista ao Dr. Laudelino Pádua Cerqueira,
médico obstetra, da maternidade Sta. Isabel, em Bauru –SP). O bebê muito
provavelmente está de cabeça para baixo, voltado para o seu lado, quando a
cabeça entra no canal de nascimento. No meio do canal, no entanto, ele deve girar
e voltar-se para suas costas; a parte de trás da cabeça dele estará então
pressionada contra seus ossos pélvicos. Nesse momento, portanto, os ombros do
bebê estão orientados para os lados do seu corpo. Quando sair do seu corpo, ele
ainda estará virado para trás. Essa rotação ajuda a girar os ombros, de tal
maneira que eles também possam passar entre seus ossos púbicos e o cóccix. Para
avaliar como a correspondência das dimensões maternal e fetal é justa, leve em
consideração que a abertura pélvica média das mulheres é de 13 centímetros no

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156 Discutindo a origem evolutiva da solidariedade humana

seu maior diâmetro e 10 centímetros no menor. A cabeça média de um bebê, por


sua vez, tem dez centímetros da frente para trás e os ombros têm 12 centímetros
de largura. É essa jornada através de um corredor de formato irregular que torna
o nascimento humano difícil e arriscado para a imensa maioria de mães e bebês.
Em se voltando à árvore genealógica dos ancestrais, acabam-se por chegar
a um ponto em que o parto não era tão difícil. Embora os humanos sejam
geneticamente mais aparentados aos grandes símios, são os macacos menores que
fornecem um modelo melhor para o que era o parto de primatas pré-humanos
(FOLEY idem). Uma linha de argumentação para apoiar essa afirmação é a
seguinte: dos fósseis de primatas da época anterior ao primeiro hominídeo
conhecido, o Australopithecus, um possível ancestral remoto é o Proconsul, datado
em cerca de 25 milhões de anos. Esse animal sem cauda provavelmente se parecia
com um macaco grande, mas seu esqueleto sugere que ele se movimentava mais
como um macaco pequeno. Sua pelve também era mais parecida com a dos
macacos pequenos. As cabeças dos bebês macacos modernos ocupam tipicamente
98% do diâmetro do canal de nascimento da mãe - uma situação mais comparável
à dos humanos do que a dos chimpanzés, cujos canais de nascimento são
relativamente espaçosos (CORBALLIS p. 94).
Apesar do aperto por que passa o bebê macaco, sua entrada no mundo é
menos desafiadora do que a do bebê humano (CORBALLIS p.95). Em contraste com o
canal de nascimento torcido dos humanos modernos, o dos macacos pequenos
mantém o mesmo formato em corte transversal da entrada até a saída. O
diâmetro mais longo desse formato oval está orientado no sentido frente-costas, e
a parte mais larga dele está virada para as costas da mãe. Um bebê macaco entra
no canal de nascimento de cabeça, com a parte larga de seu crânio contra a
espaçosa parte de trás da pelve da mãe, significando que sai de frente, voltado
para o mesmo sentido que a mãe (veja a figura 1).
A observação de partos de macacos revela a grande vantagem existente,
quando os bebês nascem virados para frente. Macacas dão à luz de cócoras ou de

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157 Discutindo a origem evolutiva da solidariedade humana

quatro. Quando o filhote começa a nascer, a mãe o pega, puxando-o para fora do
canal de nascimento e levando-o em direção ao seu peito. Em muitos casos, ela
também retira muco da boca e do nariz do bebê para ajudá-lo a respirar. Os
filhotes são fortes o bastante para ter participação ativa em seu próprio parto
(CORBALLIS idem). Uma vez que suas mãos estejam livres, eles podem agarrar o
corpo de sua mãe e sair.
Seria mais fácil às mães, se os bebês humanos também nascessem virados
para frente. No entanto, as modificações evolucionárias da pelve humana, que
permitiram aos hominídeos andar eretos, também fizeram com que a maior parte
dos bebês saia do canal de nascimento com a parte de trás da cabeça contra os
ossos púbicos, virados no sentido oposto ao da mãe. Por essa razão, é difícil à mãe
humana em trabalho de parto - não importa se de cócoras, sentada ou deitada -
estender os braços e guiar o bebê enquanto ele sai de dentro de seu corpo. Essa
configuração também prejudica bastante a capacidade da mãe de facilitar a
primeira respiração do bebê, de remover o cordão umbilical do seu pescoço ou
mesmo de trazê-lo até o seu peito. Se tentar acelerar o parto, segurando o bebê e
guiando-o para fora do canal de nascimento, ela corre o risco de dobrar
desajeitadamente as costas do filho contra a curva natural da espinha. Puxar um
recém-nascido nesse ângulo pode causar danos à sua coluna vertebral, aos seus
nervos e aos seus músculos(CERQUEIRA).
Para os humanos contemporâneos, a reação a esses desafios é procurar
assistência para o trabalho de parto. Não importa que seja um profissional
treinado, uma parteira leiga ou um parente familiarizado com o processo de
nascimento, pois o assistente ajuda a mãe humana a executar todo o processo que
a mãe macaca executa sozinha. O assistente também pode compensar a
capacidade motora limitada do relativamente indefeso bebê humano. Os
benefícios até das mais simples formas de assistência, reduziram a mortalidade
materna e infantil ao longo da história.

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158 Discutindo a origem evolutiva da solidariedade humana

Figura 1 - Como o bebê macaco nasce voltado para frente, é possível para a mãe alcançar o filhote
e guiá-lo para fora do canal de nascimento. Ela pode também limpar o muco da cara do recém-
nascido para liberar sua respiração. Fonte www.humanevolution.edu.uk.

Claro, muitas das ancestrais podiam, assim como mulheres de hoje podem,
dar à luz - e algumas dão - sozinhas. A pratica do parto é amplamente estudada
pela antropologia. Há narrativas ficcionais que retratam camponesas robustas
parindo desacompanhadas no campo. Essas imagens provocam a impressão de
que dar à luz um bebê é fácil. Mas, antropólogos estudiosos de partos em culturas
do mundo inteiro relatam que essas percepções são extremamente românticas e
que o nascimento humano poucas vezes é fácil e raramente não é ajudado. Hoje
em dia, virtualmente, todas as mulheres de todas as sociedades procuram
assistência no parto. Mesmo entre as sociedades que reconhecem no parto
solitário um ideal cultural, as mulheres, geralmente, não conseguem dar à luz
sozinhas até terem tido vários bebês, em cujos partos mães, irmãs ou outras
mulheres estiveram presentes. Assim, embora exceções existam, o parto assistido
está perto de ser um costume universal nas culturas humanas (Johanson et al).
Sabendo disso e acreditando na prática advinda da dificuldade e do risco
que acompanha o parto humano, pensa-se que a obstetrícia não se restringe aos
homens contemporâneos, mas tem suas raízes nas profundezas da ancestralidade.
A análise que fizemos do processo de nascimento ao longo da evolução humana
sugere que a prática da obstetrícia pode ter surgido até 5 milhões de anos atrás,
quando o advento do bipedalismo constringiu o tamanho e o formato da pelve e do
canal de nascimento pela primeira vez.

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159 Discutindo a origem evolutiva da solidariedade humana

Um padrão de comportamento complexo como a obstetrícia, obviamente não


se fossiliza, mas os ossos pélvicos, sim. O encaixe justo entre a cabeça do bebê e o
canal de nascimento da mãe nos humanos significa que o mecanismo de parto
pode ser reconstruído se souber o tamanho relativo desses dois elementos.
A anatomia pélvica da maior parte dos períodos dos quais existem fósseis, é
hoje bem conhecida, e pode-se estimar o tamanho dos crânios de bebês, com base
no vasto conhecimento das dimensões de crânios de adultos (os crânios delicados
de recém-nascidos normalmente não são encontrados preservados até o ponto em
que os humanos começaram a enterrar seus mortos, há cerca de cem mil anos).
Conhecer o tamanho e o formato de crânios e pelves ajuda a compreender se os
bebês nasciam de frente ou de costas em relação à posição das mães - revelando,
assim, o grau de desafio do parto.
Nos humanos modernos, tanto o bipedalismo quanto os cérebros
avantajados limitam o parto em detalhes importantes, mas a primeira mudança
que se distanciou da forma de parir de primatas não-humanos foi provocada
somente pelo bipedalismo. Essa maneira única de andar apareceu nos primeiros
ancestrais humanos do gênero Australopithecus, há cerca de quatro milhões de
anos. A despeito da postura ereta, os Australopithecus típicos não passavam do
1,20 metro de altura e seus cérebros não eram muito maiores do que os dos
chimpanzés. Evidências recentes levantaram a questão de qual das várias
espécies de Australopithecus fazia parte da linhagem que levou ao Homo. Ainda
assim, compreender o modo como qualquer uma delas paria seus filhotes é
importante, porque andar com duas pernas teria limitado o tamanho máximo da
pelve e do canal de nascimento de forma semelhante em espécies relacionadas.
A anatomia desse período é bem conhecida graças a dois fósseis completos.
Antropólogos escavaram o primeiro deles (conhecido como Sts 14 e com idade
estimada em 2,5 milhões de anos) em Sterkfontein, um sítio na região do
Transvaal, na África do Sul. O segundo é mais conhecido como Lucy, um fóssil
descoberto na região de Hadar, na Etiópia, e datado em pouco mais de três

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160 Discutindo a origem evolutiva da solidariedade humana

milhões de anos de idade. Baseado nesses espécimes e em estimativas de


tamanhos de cabeças de recém-nascidos, Antropologos concluíram, em meados dos
anos 80, que o parto dos primeiros hominídeos era diferente do de todas as outras
espécies existentes de primatas (Johanson e Shreeve p. 191).
O formato do canal de nascimento do Australopithecus é oval achatado, com
a maior dimensão de lado a lado, tanto na entrada quanto na saída. Esse formato
parece requerer um padrão diferente de parto de macacos e humanos modernos. A
cabeça não teria que girar dentro do canal, porém, para que os ombros passassem,
o bebê talvez precisasse virá-la ao sair. Em outras palavras, se o bebê entrava no
canal de nascimento com a cabeça virada para o lado do corpo da mãe, portanto
com os ombros orientados numa linha que ia da barriga às costas da mãe, ele
provavelmente teria que girar 90 graus ao longo do trajeto.
Essa simples rotação pode ter introduzido um tipo de dificuldade nos partos
de Australopithecus que nenhuma outra espécie de primata até então enfrentara.
Dependendo da direção para a qual os ombros do bebê girassem, sua cabeça
poderia emergir virada para a frente ou para trás em relação à mãe. Como o canal
de nascimento do Australopithecus é uma abertura simétrica de formato
constante, o bebê poderia girar com a mesma facilidade tanto para um lado
quanto para o outro, o que daria a ele uma chance de 50% de sair na posição mais
fácil, virado para a frente da mãe. Se o bebê nascesse voltado para trás, a mãe
Australopithecus - como as mães humanas modernas – teriam de ter alguma
ajuda.
Se o bipedalismo não introduziu dificuldades suficientes no processo de
parto, a ponto de fazer com que as mães precisassem de ajuda, a expansão do
tamanho do cérebro dos hominídeos certamente o fez. A expansão mais
significativa do cérebro de adultos e bebês ocorreu depois dos Australopithecus,
em particular no gênero Homo. Restos fósseis de pelves dos primeiros Homo são
bastante raros, e o espécime melhor preservado, o fóssil Noriokotome, do Quênia,
de 1,5 milhão de anos de idade, é um adolescente, freqüentemente, chamado de

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161 Discutindo a origem evolutiva da solidariedade humana

Jovem de Turkana. Pesquisadores estimaram que os parentes adultos do garoto,


provavelmente, possuíam cérebros cerca de duas vezes maiores em relação a dos
Australopithecus, porém tinham apenas dois terços do tamanho dos cérebros
humanos modernos (Falk p. 95-98).
Ao reconstruir o formato da pelve do menino a partir de fragmentos,
Christopher Ruff, da Johns Hopkins University, e Alan Walker, da Pennsylvania
State University, estimaram a aparência que ele teria tido se tivesse atingido a
idade adulta. Usando diferenças previsíveis entre a pelve do macho e da fêmea em
espécies mais recentes de hominídeos, eles puderam também inferir o aspecto de
uma fêmea daquela espécie e estimar o canal de nascimento, cujo formato é oval
achatado, semelhante ao das fêmeas Australopithecus. Com base nessas
reconstituições, os pesquisadores concluíram que os parentes do Jovem de
Turkana provavelmente tinham um mecanismo de nascimento como o dos
Australopithecus (idem).
Em anos recentes, cientistas vêm testando uma importante hipótese
surgida a partir das afirmações de Ruff e Walker (ibidem): a anatomia pélvica dos
primeiros Homo pode ter limitado o crescimento do cérebro humano até o estágio
evolucionário no qual o canal de nascimento expandiu-se o bastante para permitir
a passagem de uma cabeça de bebê maior. Essa afirmação implica em que, de
uma perspectiva evolucionária, cérebros maiores e pelves mais espaçosas estavam
intimamente ligados. Indivíduos que possuíam ambas as características eram
melhor sucedidos ao gerar filhotes que sobreviviam para passar adiante seus
traços. Essas mudanças na anatomia pélvica, acompanhadas do parto assistido,
podem ter tornado possível o aumento acentuado no tamanho do cérebro humano,
ocorrido de dois milhões a cem mil anos atrás.
Fósseis que abarcam os últimos 300 mil anos de evolução humana dão
suporte à conexão entre a expansão do tamanho do cérebro e as mudanças na
anatomia pélvica. Nos últimos 20 anos, cientistas encontraram três fósseis de
Homo sapiens arcaico: um macho em Sima de los Huesos, na Sierra Atapuerca, na

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162 Discutindo a origem evolutiva da solidariedade humana

Espanha com mais de 200 mil anos de idade; uma fêmea em Jinniushan, na
China, com 280 mil anos; e o macho Kebara Neandertal (que é também um Homo
sapiens arcaico), em Israel, com cerca de 60 mil anos. Todos esses espécimes têm
as aberturas pélvicas torcidas características dos humanos modernos, o que
sugere que seus bebês de cérebros grandes provavelmente tiveram que girar a
cabeça e os ombros dentro do canal de nascimento, saindo portanto virados para o
sentido oposto ao da mãe (ALCAZAR GODOY p. 36-37).
O triplo desafio constituído por bebês com cérebros grandes, pelves
adaptadas para se andar ereto e partos rotatórios dos quais as crianças emergem
viradas para trás não é apenas uma circunstância contemporânea. Por esse
motivo, há muito tempo, a seleção natural favoreceu o comportamento de buscar
assistência durante o parto, pois essa ajuda compensava as dificuldades,
simplesmente porque dar luz sozinha e deveras arriscado para a mãe e os filhotes.
Além disso, as mães, provavelmente, não procuravam assistência somente porque
previam o risco de perigo em dar à luz, talvez a dor, o medo e a ansiedade
estimulassem seu desejo de companhia e segurança.
Psiquiatras da escola da psicologia evolutiva (BARKOW, J.H et al p 58 )
argumentam que a seleção natural pode ter favorecido tais emoções, porque elas
levavam os indivíduos a procurar a proteção de companheiros, o que lhes daria
maiores chances de sobrevivência. Os filhos dos sobreviventes teriam, então,
maior tendência a sentir as mesmas emoções em tempos de dor ou doença.
Considerando-se as vantagens evolucionárias que o medo e a ansiedade
proporcionam, não é surpreendente que as mulheres, comumente, sintam essas
emoções durante o trabalho de parto.
As mulheres modernas, quando dão à luz, têm um duplo legado
evolucionário: a necessidade de apoio físico e emocional. O desejo por esse tipo de
assistência pode ser tão antigo quanto à própria humanidade. Neotenia, no
dicionário de ciências Scientia digital
(http://www.scientiadigital.com/index.php?lang=PO acesso em 12/12/08) diz:

Kínesis, Vol. I, n° 01, Março-2009, p.150-170


163 Discutindo a origem evolutiva da solidariedade humana

prolongamento indefinido do período imaturo. (Gr. Neos=novo + teinen=estender).


Sobre o cérebro humano, tal fenômeno está ligado a capacidade de estender o
tamanho do mesmo e do aprendizado contínuo, ao que parece único na nossa
espécie.
Outra coisa surpreendente nesta criatura é o fato de seus “pais”, ou sejam,
esqueletos adultos da mesma espécie tem uma diferença craniana de 30cm3 , ou seja,
demonstram um extraordinário desenvolvimento cerebral até a idade adulta, o que
explica uma possibilidade nova, o hominídeo encontrou um modo de literalmente
sair do ventre da mãe e desenvolver –se fora do corpo dela cerebralmente falando, os
macacos de hoje nascem basicamente com o cérebro pronto apenas com 10% do
cérebro a cresce até a vida adulta, já o ser humano ainda tem 70% do cérebro a
cresce do recém - nascido até a vida adulta. Esta explicação pode estar no processo
de bipedalismo.
Uma boa compilação desse assunto é apresentado por Mithen, que acerca
da evolução dos Primatas consegue ilustrar o estado dos atuais conhecimentos
sobre a origem do bipedalismo nos primeiros Hominídeos. Percorreu-se a este
autor para esclarecer um pouco mais as várias propostas apresentadas
anteriormente.
Nenhuma delas se apresenta capaz de suportar isoladamente a resposta
para a evolução do bipedalismo, mas será antes, a conjugação dinâmica ao longo
do tempo, dentro de um contexto ecológico particular a força motriz e de
continuidade deste acontecimento.
Tanto a panóplia de estratégias locomotoras apresentadas pelos Primatas
ancestrais, em função de sua capacidade de opção e de acordo determinado tipo de
situação, como as variações climáticas e geográficas nas quais enfrentaram
desafios (por perturbação do seu habitat ou estabelecimento de corredores de
circulação entre áreas geográficas antes separadas); constituem pressões com todo
um gradiente de intensidade, a que têm que dar resposta de forma a encontrarem
novo equilíbrio com o seu habitat. Tal equilíbrio se da ficando em pé.

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164 Discutindo a origem evolutiva da solidariedade humana

O posicionamento das massas continentais, permitiu o estabelecimento de


novos corredores de migração e o deslocamento de algumas populações,
aumentando ou redirecionado a sua distribuição. O arrefecimento global, com as
glaciações no Hemisfério Norte e o padrão de correntes frias reduzem a
transferência de calor do Equador para a Antarctica; a interação desses dois
fatores resulta numa alteração (não consenso entre cientistas se gradual ou
abrupta) dos ecossistemas em que os vários animais normalmente se
movimentam (COLE p. 62). Mais particularmente, os Primatas estão sujeitos ao
empobrecimento das florestas tropicais úmidas com o progressivo domínio de
savanas abertas com locais de suporte e alimentação mais escassos e dispersos.
Tais fatos podem causar alterações anatômicas e comportamentais,
compatíveis com as predisposições existentes em cada grupo de organismos, cuja
origem do bipedalismo é integrada no contexto hominídeo, como uma adaptação
vantajosa às novas necessidades sociais, de reprodução e de segurança:

 A libertação dos membros anteriores revela-se preciosa para carregar


objetos e alimentos entre dois locais sem ter que interromper a marcha, ou
carregar quantidades extra de alimentos, além ser de sua postura ereta
possibilitar apanhar frutos e bagas de pequenas árvores, abundantes neste
novo habitat (como se verifica nos símios atuais).
 A capacidade de obter e transportar maiores quantidades de comida é,
particularmente, importante num habitat tipo mosaico, onde as fontes
alimentares estão cada vez mais dispersas e escassas (savana aberta),
embora muitos outros autores contradigam a força desta hipótese, ao
sugerirem que não seria a melhor estratégia para adotar uma posição ereta
que exporia a mais perigos e potenciais predadores (que têm sucesso num
ambiente é completamente estranho), e que se fosse realmente vantajosa
teria sido adotada por outros Primatas.

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165 Discutindo a origem evolutiva da solidariedade humana

 A manipulação dos objetos à sua disposição, não necessariamente iniciada


neste novo contexto ecológico, é uma maior adaptação no aumento do leque
de movimentos possíveis pelos membros anteriores e amplifica as
capacidades de exploração dos indivíduos (para além de ser um possível
auxílio na defesa e caça - componente que adquire mais importância numa
alimentação vegetal agora mais limitada) (SUSMAM p.38).
 A sugestão de maior eficácia, porém polêmica em relação ao tipo de
locomoção, fisiologistas apresentam estudos em que colocam o bipedalismo
no mesmo patamar energético que a posição quadrúpede afirmando serem
nulas ou quase nulas as vantagens do primeiro em relação ao segundo
mecanismo locomotor (Stendel (1994), Taylor & Rowntree (1973) in:
SUSMAM p. 60). Uma reinterpretação associa esta eficiência a um
aumento da resistência e ao aumento da capacidade de recolha de
alimentos.
 Com as necessidades alimentares e de segurança satisfeitas, a reprodução é
um parâmetro em que qualquer suplemento energético é vantajoso (FALK
p.137). Estando grande parte do sucesso reprodutor relacionado com as
reservas energéticas maternas e com os cuidados parentais dedicados, a
estratégia de aumentar esse sucesso passa pela intensificação das relações
entre progenitores e na divisão dos papéis que competem a cada um: o
macho dedica-se à proteção e alimentação (dele, da parceira e do seu
descendente), enquanto a fêmea investe a maioria das suas reservas na
reprodução - há a redução do período entre gestações consecutivas e a
adoção de um sistema social monogâmico (pelo menos durante o período
infantil da cria) de forma a assegurar a paternidade do macho em relação à
cria (única forma deste "aceitar" o compromisso de garantir a subsistência
da parceira e da cria) estimulando desse modo o dimorfismo sexual.
 Uma teoria fisiológica aponta para a importância da termorregulação
(Peter Wheeler (1984, 1991, 1993) in:WILLS P. 93), e o modo pelo qual a

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166 Discutindo a origem evolutiva da solidariedade humana

posição ereta associada ao bipedalismo reduz a área corporal sujeita à


insolação direta a meio do dia, no pico do sol, e facilita a perda conectiva do
calor excessivo.
 Num contexto de intensificação das relações sociais e de exploração de um
ambiente hostil (desconhecido), o bipedalismo pode aparecer associado a
comportamentos de "display" (manifestações de afeto e/ou agressividade)
(MITHEN p.112), como que uma extensão e intensificação destes padrões e
manifestações de comportamento (como encontrado nos macacos africanos
atuais), antes de qualquer benefícios energéticos e/ou fisiológicos que
possam ter experimentado posteriormente.
Todas as propostas referidas podem tanto estar corretas, como podem estar
erradas, no entanto nenhuma é capaz de justificar por si só todo o mecanismo da
progressão do bipedalismo. Cujos componentes não podem ser dissociados em
variáveis de estudo independentes. Tudo interage com tudo, e tudo determina as
respostas possíveis a uma situação. Com a Seleção Natural, desempenhando o
papel de juiz quanto às soluções apresentadas, a pressão seletiva determina as
propostas mais engenhosas e que, progressivamente serão, adotadas e
aperfeiçoadas.
Assim, para além de todas as variáveis implicadas, há um compromisso
poderoso entre as pressões seletivas e a dimensão temporal, que acaba por ter a
decisão final e sobre o qual pode-se - o único modelo bípede comparativo que se
tem na atualidade são os humanos, e seria muito improvável a postura inicial
corresponder ou aproximar-se ao que se presencia na atualidade.
O bipedalismo traz um preço muito caro à evolução hominídea, o fato dos
filhotes terem que nascer mais cedo e desenvolver o cérebro fora da barriga da
mãe, o que pode trazer, segundo Deacon e Falk, várias explicações para a
existência do aprendizado contínuo, e o início da cognição humana.
Voltando ao Austrelopitecus, sabe-se que esse animal vivia em bando e
aprendia a pegar carcaças antes dos abutres e das hienas o que demonstram

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167 Discutindo a origem evolutiva da solidariedade humana

princípios de aprendizagem complexa. O homem começa a ter sua herança em uma


nova dimensão cultural e social começa a torna –se o homo socialis - culturalis em
sua forma mais primitiva.
Cremos que o fator de socialização foi por demais importante na formação do
processo cognitivo, isto porque, os símios, sobretudo os humanóides são dotados da
capacidade de imitar o seu semelhante, possibilitando um aprendizado
extraordinário nada comum a nem um outro ser vivo da terra.
A socialização diferenciada do austrelopiteco mais o processo de
bipedalização, mais a mudança de uma dieta carnívora aumentaram a capacidade
cerebral, segundo Falk, a diminuição de estômago esta diretamente relacionada ao
aumento da capacidade cerebral, pois o estômago diminui à medida que se tornam
carnívoros, deixando um vasto reservatório de energia livre para o cérebro, já que
estômagos de herbívoros, são muito longos e tem um altíssimo custo energético
(MAYR p. 186). Essa diminuição energética pode ter aberto caminhos para o
próximo passo evolutivo da história da humanidade, o gênero homo.
Para não desenvolver nem esgotar um assunto que seria impossível nesse
trabalho que sem cooperação e solidariedade entre hominídeos o gênero homo nem
sequer teria tido chance de existir.
Tal fato decorre que esqueletos achados, de indivíduos que não podiam
cooperar com o provento do bando e as dificuldades advindas do parto, (por causa
do bipedalismo e neotenia) tiveram por força favorecer os laços sociais entre,
primeiramente as fêmeas do bando de austrelopicineos e mais tarde das mulheres
do gênero homo, e, além disso, por causa da neotenia, a dependência prolongada do
filhote com a mãe.
Concluímos desse modo que os fatores biológicos de bipedalismo e neotenia,
ao menos favoreceram as relações sociais fortalecendo–as, através da solidariedade
(significado de solidariedade segundo MORIN, o método lll p. 32: sentimento que
leva os seres humanos a se auxiliarem mutuamente, partilhando a dor com o outro
ou se propondo a agir para atenuá-la.) e da cooperação (Cooperação, é uma relação

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168 Discutindo a origem evolutiva da solidariedade humana

de entreajuda entre indivíduos, no sentido de alcançar objectivos comuns,


utilizando métodos mais ou menos consensuais.), ou seja, se fatores biológicos
evolutivos forçaram, de certo modo, um comportamento complexo necessário a
sobrevivência do grupo, podem de certo modo, ao menos ter favorecido um modo de
pensar e agir no ambiente, de modo diferenciado, ou seja um modo de cognição
diferenciado exclusivo do ser humano.

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IGREJA E O DIÁLOGO RELIGIOSO
CHURCH AND THE CHRISTOLOGY DIALOG

DAS RELAÇÕES ENTRE A MODERNIDADE


E O FUNDAMENTALISMO RELIGIOSO
The relationships between modernity
and religious fundamentalism

Otávio Barduzzi Rodrigues da Costa*

RESUMO
Neste artigo pretende-se apontar certas relações em uma das consequências
da modernidade no que se refere à religião: o fundamentalismo. Tem-se como
objetivo mostrar aqui que o último é resultado direto do primeiro, e que tomou
certas proporções após os acontecimentos de setembro de 2001, e que a
ciência das religiões não deve ficar silente. Procurará descrever, sem esgotar
o assunto, o que é modernidade, apontar suas crises, e mostrar esse aspecto
religioso do qual tem uma relação causal.
Palavras-chave: Modernidade. Fundamentalismo. Religião.

ABSTRACT
This paperwork intends show up some relations about the modernism
consequence in the religious aspect, the fundamentalism. Pretends show here
that the last is a direct result of the prime and his crisis, and that increase up
after the relates occurred in September of 2001, the Science of religion don’t
must have stay in silence about. Find describe, without end the theme, what is
modernity, show up your crises and show this religious aspect that’s have some
causal relationship.
Keywords: Fundamentalism. Modernit. Religion.

* O autor é antropólogo e mestre em filosofia pela UNESP, doutorando em ciências da


religião pela UMESP; é professor assistente do Departamento de Ciências Humanas da
Universidade Metodista e do IFSP. <otavio.costa@metodista.br>.

Teocomunicação Porto Alegre v. 44 n. 2 p. 220-246 maio-ago. 2014

A matéria publicada neste periódico é licenciada sob forma de uma


Licença Creative Commons - Atribuição 4.0 Internacional.
http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/
Das relações entre a modernidade e o fundamentalismo religioso 221

Introdução

Há certas relações entre a modernidade e o fundamentalismo


religioso. Em primeiro lugar, não é fácil definir o que é modernidade,
mesmo porque se vive nesse momento histórico. Fica muito mais fácil
analisar a antiguidade porque vive-se fora dela, o mesmo para a idade
média, mas é muito difícil analisar o momento histórico no qual se vive.
Kant (1996) afirma, ao criticar o historicismo racional, que não podemos
conhecer inteiramente a época em que vivemos. Mas, como analisar
algo em cujo momento-espaço se está inserido? É mais difícil ver os
movimentos quando se está jogando xadrez do que quando se está como
observador externo.
Longe de ser uma figura de linguagem barata, a comparação
anterior ao jogo de xadrez remete a uma velha discussão da ciência:
o distanciamento científico. Para Bourdieu (1974), a ciência e o
conhecimento moderno foram baseados em duas formas de conceber a
realidade das coisas originadas no mesmo contexto histórico, a França
do século XVIII, cujas bases são o Racionalismo e o Positivismo. Tais
bases implicam várias consequências epistemológicas, sendo uma
delas o distanciamento cientifico. Esta metodologia de descrição e
análise da experiência implica um ideal positivista da neutralidade e do
distanciamento “científico” do observador relativamente ao objeto para
investigar a verdade “pura”.
Tal paradigma, porém, é uma suposição falha. Há uma suposta
neutralidade do discurso científico e sobre a suposta necessidade de
distanciamento do pesquisador em relação ao seu objeto de pesquisa.
Todo discurso (as pesquisas, descobertas científicas se traduzem em
discursos também) é produzido por uma pessoa, que é o sujeito desse
discurso, e traz as marcas desse sujeito, que vive num determinado
tempo e espaço.
Os ideais humanos são frutos das ideias e valores vigentes na época
e no espaço em que vivemos (MORIN, 2000). O trabalho científico-
tecnológico é trabalho humano, e traz as marcas de seus valores e opiniões
(MORIN, 1999). Não há neutralidade, toda humanidade está imersa
na sua história (MORIN,1996). E não é possível um “distanciamento”
entre o pesquisador e o objeto da pesquisa: na verdade, sempre se
está envolvido com nossas investigações. A ideia de distanciamento
científico, na verdade, vem da época do Iluminismo. É, portanto, uma
criação humana como qualquer outra.

Teocomunicação, Porto Alegre, v. 44, n. 2, p. 220-246, maio-ago. 2014


222 COSTA, O. B. R.

O próprio projeto e conhecimento racionalista era uma opinião de


pessoas (cientistas), que simplesmente acharam que assim se estaria
no caminho de uma verdade pura. O projeto de conhecimento do
positivismo era propor a ciência como único aspecto verdadeiro de dizer
o que é ou não verdade (MORIN, 1983). Isso é chamado de dimensão
ética da ciência construída e europeizada.

A modernidade na história, na razão e na religião


Não é fácil localizar a modernidade na história (HUYSSEN, 1986).
Vários autores divergem, alguns dizem que começou com a invenção
dos estados- nação, outros com a queda da Bastilha, outros dizem que
foi com a invenção da máquina a vapor de James Watt, mas a maioria
das escolas históricas está de acordo que começou com as grandes
navegações e a queda de Constantinopla (REIS, 2006). Modernidade
é a denominação de um conjunto de fenômenos sociais e é também
o resultado de uma série de eventos marcantes no mundo ocidental
ocorridos nos últimos quinhentos anos, aproximadamente.
Mais do que uma focalização e um ponto fixo na história, a
modernidade é uma condição humana, é uma crença na certeza do
cientificismo e da racionalidade, na qual as relações sociais são mudadas.
Seu termo seguido – pós-modernidade – não é algo dividido dela, é
apenas a maximização do individualismo, enquanto na modernidade
o seu ápice ideológico, a focalização dos supostos direitos foram
direitos políticos. Hoje o foco é o indivíduo , mas considero isso apenas
uma consequência da modernidade e não um período disjuntivo dela.
Talvez a melhor definição de pós-moderno seja a de Lyotard. O pós-
moderno, como Lyotard (1984) o definiu, é «a incredulidade para com
as metanarrativas”, inclusive é uma crítica às representações religiosas.
E uma maximização do projeto moderno de independência de Deus
(idem) ao homem que fica individualizado na história e, portanto,
egoísta.
A modernidade trouxe uma nova consciência do sentido histórico,
uma nova representação da temporalidade histórica e, com ela, o
mundo se fragmentou em valores distintos. O espírito capitalista é
moderno, desencantado, secularizado, racional. A modernidade é o
desenvolvimento do processo de progresso, revolução, utopia; a ideia
de história está dominada pelos conceitos de razão, consciência, sujeito,
verdade e universalidade.

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Das relações entre a modernidade e o fundamentalismo religioso 223

Como bem assinala o bioquímico francês Jaques Monod (1971),


tanto na ação quanto no discurso, o conhecimento racional está “necessa-
riamente” associado a uma escala de valores, escala essa que vai determi-
nar, em última análise, a definição do que é propriamente “verdadeiro” no
campo do conhecimento. Mas, como também ressalta Monod, a ciência
fundada no postulado da verdade objetiva trata verdade e valor como
elementos antagônicos, próprios de domínios que se excluem. Nesse
sentido é que se pode dizer que, quanto mais próximo está o pesquisador
do chamado “núcleo duro” da ciência, mais estará lidando com a chamada
“pesquisa pura”, e mais tenderá “a relegar a um segundo plano qualquer
discussão a respeito das consequências éticas de suas elucubrações
teóricas ou mesmo negar sumariamente (idem) que elas existam”. Assim
as éticas, práticas e crenças religiosas são deixadas de lado.
Desde o advento e aceitação geral do Positivismo lógico,
cujo objetivo era tornar toda forma de conhecimento científico, ou
melhor, a busca por uma nova verdade pura, surgiu um ideário de
que o cientista não deveria se envolver com seu objeto de pesquisa,
ou seja, deveria estar distante do seu objeto de pesquisa para se poder
analisá-lo com neutralidade. Como afirma Gonçalves (2007), não é
possível contrapormos atividade científica aos elementos subjetivos,
afeto e emoção, como os positivistas acreditavam.
Vítor Westhele (1992), faz a seguinte pergunta: Por que a
teologia (omissis...) deveria se interessar pela discussão sobre a crise na
modernidade? Várias são as repostas, mas a ideia principal do texto é que
toda forma de conhecimento que não foi ciência produzida e inventada
em um jogo de poder que interessa ao capitalismo norte-americano e
europeu não é tido como verdade.
Houve um sequestro de saberes no sentido que Focault (2008)
descreve, ou seja, todos os saberes ou conhecimentos que não são
ciências, dentre os quais se inclui o conhecimento religioso, foram
brutalmente esquecidos e tidos pelo grande sistema de que se constitui
a ciência, como mitologia e não verdade. Foucault propõe ressurreição
dos saberes subjugados. Esses saberes subjugados são, por um lado,
conteúdos históricos eruditos e rigorosos que foram mascarados sob
sistematizações formais e que permitem desvendar as lutas que essas
sistematizações pretendem dissimular, e, por outro lado, saberes
das pessoas, particulares, regionais, desqualificados. A teologia e o
conhecimento religioso foram relegados a uma inverdade pelo projeto
de conhecimento da modernidade.

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224 COSTA, O. B. R.

A Modernidade, a princípio, é o período histórico que se estende


entre fins do século XV e os dias atuais. Contudo, além de um
período histórico, a Modernidade é a denominação de um conjunto de
fenômenos sociais e é também o resultado de uma série de eventos
marcantes no mundo ocidental ocorridos nos últimos quinhentos anos.
“Mundo Ocidental” seria, neste ponto, a Europa Ocidental: Grã-
Bretanha, França, “Alemanha”, “Itália”, Áustria, Suíça, Países Baixos,
Portugal e Espanha. Os países com nomes entre aspas não formavam
uma única nação na época. No pós-primeira guerra os EUA e Japão
(já extremamente imersos no capitalismo cientificado e ocidental) se
tornam parte importante do “Mundo Ocidental”
Circunscrita no tempo, a modernidade pode ser associada a um
período histórico e como tal, difícil de ser analisado, pois é, ao mesmo
tempo, passado e presente. Mesmo considerando a dificuldade de se
distanciar do que se tem para analisar, reflexivamente, os rumos do
hoje e do porvir, esse movimento é extremamente importante para
que possamos compreender os fenômenos sociais do nosso tempo
(HUYSSEN, 1986).
Tecnológica e cientificamente, a modernidade fez o homem
tornar-se providência para si mesmo, e hoje, para acabar com a fome,
as doenças, as inundações, as epidemias, não recorre a Deus, como
faziam seus antepassados, mas sim à medicina, à engenharia, à indústria,
etc. (MONDIN, 1980). Modernidade, ao mesmo tempo em que é um
período histórico indefinido, é uma crença na certeza do cientificismo e
da racionalidade, na qual as relações sociais são mudadas.
Ter relações pautadas pela racionalidade (hegemônica no ocidente)
não era uma oferta tão ruim frente a uma ideia da idade média, de um
absolutismo rigoroso e de uma crueldade cristã que invadia e destruía
reinos considerados bárbaros nas cruzadas ou queimava mulheres por
pensarem diferentes acusando-as de bruxas (PEDRERO-SÁNCHES,
2000). Porém o projeto da modernidade se mostrou tão mais cruel do
que a idade média. Temos liberdade, porém temos outros problemas tais
como: exclusão, desigualdade, fome, dentre outros (MONDIN, 1980).
É desta situação vivida que surgem novos problemas para as ciências
humanas, com excesso de informação e de abundância em matérias
que, no entanto não trouxeram a plena felicidade e organização social,
com a desvalorização da força de trabalho, o excesso de produtividade
e miséria, com o terror da exclusão social e dos impactos ambientais;
situações que geram insegurança e desconforto. Mas, focando-se em um

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Das relações entre a modernidade e o fundamentalismo religioso 225

só aspecto da modernidade, existe a crença inevitável de que a ciência


é a única verdade.

A visão hegemônica do mundo


A visão de mundo no moderno e em sua crise – o pós-moderno1 –
foi a certeza de que o mundo devia ser visto através de uma lente
racionalizada e cientificista, na qual Deus ou a teologia não teriam lugar.
Ocorre que essa visão falhou fragorosamente em termos sentimentais
porém teve o sucesso em conquistar o mundo. Em primeiro lugar, falhou
em sua própria certeza: as ideias popperianas, a crise de paradigma de
Khun, o fim das certezas de Prigogyne, bem como de outros cientistas
como Feyerabend, Richard Rorty, Maturana e Morin (MORIN,
PRIGOGINE, 1996), demonstraram que o racionalismo poderia ser
questionado e que haveria novas possibilidades de um nova consciência
ser descoberta. Inclusive Kuhn (1998) sugere ser impossível a existência
de apenas uma única teoria administrativa capaz de fazer previsões e
livres de valores.
O mundo na modernidade só pode ser válido por aquilo que poderia
ser dado em um gráfico matemático, através do que Morin (1990) chama
de paradigma Newtoniano-Baconiano-Cartesiano ou grande paradigma
do ocidente. Surgiu uma forma hegemônica de conhecimento do que é
válido, e conhecimento se torna poder econômico, e economia se torna
números e gráficos. Assim, nesse mundo moderno, coisas abstratas são
consideradas menos importantes como Deus, amor, arte etc. Além disso,
algo que o mundo moderno proporcionou são as múltiplas “leituras da
vida” através de fórmulas matemáticas e físicas. As coisas se tornam
uniformes, com figuras, diagramas, lista e textos, e o cientista é aquele
que é visto como a pessoa que mantém a humanidade como algo além
dela mesma (RORTY, 1982), ou seja, exerce um sacerdócio também
Assim as verdades que a humanidade busca foram imposta para serem
respondidas pela ciência.
Assim Deus, e religiões não teriam lugar num mundo assim que
para apropria a racionalidade, e suas produções, ciência e tecnologia
fazem o que antes o homem recorria às suas divindades. Se hoje o
homem quer chuva em uma plantação, não mais sacrifica uma virgem

1
Esse termo, pós - modernidade, segundo Touraine (1993, p. 37) significa apenas crise da
modernidade.

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226 COSTA, O. B. R.

ao seu deus, mas recorre à engenharia hidrográfica. Se quer saber se


vai chover, não mais consulta um oráculo e sim um moderno satélite.
Há uma impressão constante, no mundo moderno, de que a frase de
Nietzsche estava correta. “Deus está morto”. Não há mais lugar para
a metafísica. Segundo ele (1979), analisando certos mitos, afirma que
não há um Deus e um Satanás como fonte de bem e de mal. O homem
é que é bom ou mau, assim os valores absolutos bem e mal são tirados
do plano dos deuses e entregue, ao homem.
A doutora em filosofia Luciene Félix (2008) proclama um apóstrofo
comum na ciência, a qual Deus é contestado: Vem Galileu e diz que a
terra (e o homem) não é o centro do universo; vem Marx e diz que
religião é um ópio do povo; vem Nietzsche e diz que Deus morreu;
vem Darwin e diz que descendemos dos animais; vem Freud e diz que
não somos anjos travestidos. Assim o divino, em nós, é lentamente
substituído pela ciência. Citando Luciene:

O evolucionista Charles Darwin (1809-1882), em sua famosa obra


‘A origem das espécies’, discorre sobre a teoria da evolução dos
seres vivos mediante a seleção natural. Darwin prova por a + b que
descendemos dos primatas. Convém salientar que esse eminente
britânico, embora afirmasse que religião nada mais é que ‘estratégia
tribal de sobrevivência’, acreditava que Deus era o legislador
supremo. O filólogo e filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-
1900), bebendo nas fontes gregas em ‘O nascimento da tragédia’,
no culto ao orgiástico e desmedido dionisíaco, em contraponto à
ordem e harmonia apolínea, identificou tensões de forças ocultas
expressas na tragédia grega, especialmente nas dos pioneiros,
Sófocles e Ésquilo. Considera Homero, insuperável. Também
estudou o antiqüíssimo Zoroastrismo, religião que professa que seu
‘deus’ Ahura-mazda abarca o bem e o mal em si mesmo. Ou seja,
que não há um Deus e um Satanás como fonte de bem e de mal,
o homem é que é bom ou mau. Já o médico austríaco Sigmund
Freud (1856-1939), considerado o ‘Pai’ da psicanálise, disciplina
que intenta mapear ‘geneticamente’ a psique humana, revelou-nos
o inconsciente e suas motivações. Também recorreu aos mitos e
tragediógrafos gregos e, eis outro misterioso enlace matrimonial:
as pulsões de Eros e Tânatos (pulsões de libido e de morte), ação e
repouso, vida e destruição, sempre em conjunto. Freud afirma que o
sentimento religioso de um vínculo indissolúvel, de algo ilimitado,
sem fronteiras, essa sensação de eternidade, algo oceânico, por
assim dizer, não passa de uma ilusão. Para ele, todo nosso histórico

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Das relações entre a modernidade e o fundamentalismo religioso 227

biológico, encontra-se preservado em nossa vida mental, psíquica.


Tal sentimento pode ser identificado acompanhando o feto no
interior do útero, onde se encontra no verdadeiro paraíso, com todas
as necessidades satisfeitas, em prazer imperturbável e absoluto.
Dessa ‘memória’ biológica (registrada em nosso inconsciente)
deriva nossa sensação de plenitude, para onde sempre desejaremos
regressar: (omissis) E acrescenta: ‘É desnecessário dizer que todo
aquele que partilha um delírio jamais o reconhece como tal’. Isso
vai causar O Mal-Estar na Civilização.

A modernidade e sua única fonte de verdade, a ciência, está


limitada a vários fatores, porém foi extremamente influente no projeto
moderno (RORTY, 1989). Porém “A ciência visa ao controle dos objetos
e das coisas e não busca o puro conhecimento, pois sua finalidade está
embotada pelo poder. Assim ela tira algumas coisas do campo de visão
(idem)” . A ciência diz o que é ou não é verdade,2 o que é ou não legítimo
discutir. Westhelle (1992) pergunta: por que não discutir alquimia,
astrologia, benzedura ou mesmo a existência de Deus?
Westhelle (1992), citando Latour, faz a pergunta deste: Que
sociedade é esta onde uma formula matemática (que supostamente
explica o universo ) tem mais credibilidade do que qualquer outra coisa:
o senso comum, outros sentidos além da visão, uma autoridade política
ou mesmo as escrituras? (parênteses nossos). Essa fórmula matemático-
físico-química teria poder de supostamente explicar o universo, mas não
tem. Falhou em várias explicações , em dar sentido à vida, em explicar as
sensações e memórias intimas que um cheiro pode trazer, em explicar o
amor que falhou, no sentido moriniano, em explicar seu próprio projeto,
visto que a ciência enfrenta agora uma crise em si mesma.
Para entender as ideias de Alain Touraine é imprescindível com-
preender o que entende ser modernidade. Conforme esse intelectual (2002),
modernidade não se define apenas negativamente. Ela não se reduz
ao que a expressão modernidade racionalista indica. Tal categoria de
compreensão encerra nela a ideia da rejeição a tudo o que possa ser com-
preendido como não racional. Portanto ideias não racionalizadas, tal como
a existência de Deus, não cabem mais na modernidade (Westhelle, 2008).

2
O fundamentalista não aceitará tal visão científica, Marty (1992) em contundente critica
ao fundamentalismo, vai afirmar que o fundamentalista vê as explicações científicas
como, em especial a evolução, como repugnantes, e patentemente falsas sobre a origem
do universo e sobre a condição humana.

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228 COSTA, O. B. R.

O triunfo da técnica

A Modernidade, com sua razão instrumental, acabou substituindo


a ideia de Deus pela Ciência. O que parecia apenas um pragmatismo
acabou transformando-se em uma nova metafísica. Hoje se tem a
impressão de que essa seja capaz de resolver todos os problemas e
acredita-se que é uma crença infalível.
Houve um triunfo da técnica sobre o imaginário de divindade
(BUBER, 2001). O triunfo da técnica tornou o homem o soberano da
natureza, capaz de dominar as forças impetuosas e desfrutá-las para
as próprias exigências. Com o triunfo da técnica, o homem tornou-
se providência para si mesmo, e pra isso, para acabar com a fome, as
doenças, as inundações, as epidemias, agora não recorre a Deus, como
faziam seus antepassados, mas à medicina, à engenharia, à indús-
tria, etc.
Depois dos primeiros fáceis e compreensíveis entusiasmos com os
enormes êxitos conseguidos, não somente entre as e mentes mais agudas
e aperfeiçoadas (filósofos), mas em todos os ambientes, especialmente
nos da juventude, estão se levantando, agora, críticas severas a respeito
tanto da ciência como da técnica: acusam-nas de ter causado a perda
dos valores fundamentais do espírito (SCHELER, 2003), de ter
desumanizado o homem (BERNANOS, 1962), privando o indivíduo
da liberdade (BUBER, 2001), do espírito de sociedade e da amizade,
(HEIDEGGER, 2007), de ter provocado uma irreparável devastação
do mundo, provocando a crise energética, o problema ecológico, etc.
(CAPRA, 1982).
Scheler (2003) foi um dos principais autores a lançar uma
denúncia vigorosa contra o ídolo da técnica: ela levou a uma subversão
total dos valores; os valores de espírito não contam mais nada; a
única preocupação que conta diz respeito apenas ao bem-estar, aos
divertimentos, aos prazeres. Incapaz de viver os autênticos valores do
espírito, o homem, que se deixou seduzir pelo ídolo da técnica, por
fenômeno de ressentimento, os despreza e procura a afirmação de si
mesmo na vontade de dominação do mundo, não mais visto como
um meio para a realização dos valores mais altos, mas como fim em
si mesmo, advindo, assim, a civilização da técnica, o industrialismo
e o capitalismo. Ferreti afirma, analisando as obras de Scheler, o
seguinte:

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Das relações entre a modernidade e o fundamentalismo religioso 229

Logo não há mais plenitude de vida, não mais o amor para o mundo
e para a plenitude de suas qualidades, não mais a autocontemplação
desinteressa como objetivo real do homem, mas cálculo utilitarista
com fim em si mesmo, redução da natureza ao seu aspecto
exatamente mensurável e seguramente dominável, fanatismo do
trabalho e do lucro, avaliação somente das qualidades humanas de
diligência, rapidez, capacidade de adaptação, que possuem uma
utilidade aos fins lucrativos. O nascimento da ciência moderna e a
concepção mecanicista da natureza não são as causas, mas sim os
efeitos dessa nova atitude, que consagrou a natureza, privando-a
de Deus, da alma, de todo valor e qualidade (FERRETI G.1982).

Além da perda dos valores do espírito, a ciência e a técnica


causaram um desgaste profundo nas relações humanas. Buber (op. cit.)
observou agudamente que, com o passar dos séculos, o mundo material
se engrandeceu mais e mais, enquanto o mundo das relações pessoais
pouco a pouco se restringiu. Um processo é a consequência do outro,
visto que “o desenvolvimento da capacidade de experimentar e de
utilizar cresce com a diminuição da capacidade do homem de criar uma
relação dialógica” (BUBER, 2001, p. 65). Hoje, parece que a relação
dialógica ficou menor, e que tenha cedido lugar àquela do domínio entre
homens e de subjugação entre estes e a natureza.
A habilidade e a facilidade com que o homem cria técnicas sempre
novas e mais perfeitas provocou, nas gerações recentes, uma confiança
sem limites no progresso humano, nas possibilidades de levá-lo à frente
até a realização do paraíso na terra e à feliz solução de todos os problemas
e mistérios do homem. Mas é realmente verdade que as ciências e a
técnica têm o poder de resolver todos os problemas e enigmas humanos?
Não tem, o fundamentalista percebe isso e reage contra isso.
Aliado a toda manutenção de conhecimento único, surge a ideia de
que conhecimento é poder (WESTHELLE, 1992) e que esse poder foi
jungido ao capital e a serviço desse, ou seja, a ciência foi submetida ao
interesse do capital (PANIKKAR, 2005). Sendo assim o poder ao qual se
refere Marcuse (1967) em sua crítica à modernidade é o próprio capital.
Para entender o trunfo do capital sobre os valores antes religiosos, houve
um triunfo da comunicação que trouxe e confirmou a modernidade e
propôs sua própria crise (BOLAÑO, 1998). A pós-modernidade3 é
3
Termo problemático, designa crise da modernidade. Não vivemos em uma pós-
modernidade. É apenas um termo que vai designar que ela está em crise, não consenso
entre os autores do que exatamente significa esse termo.

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230 COSTA, O. B. R.

apenas o ápice da modernidade, de onde se verifica que a ciência e a


tecnologia foram usadas pelo capitalismo.
Surgiram, no seio da modernidade, novas tecnologias da comu-
nicação, produtos dessa ciência racionalizada, que levou o homem a um
movimento de consumo desmedido e capitalizado. As pessoas passaram
a ser valoradas não pela sua essência, e sim pela sua capacidade de
consumo. Termos antes caros à humanidade e à teologia como alma,
bondade, caridade não tiveram mais lugar.
Horkheimer (1951), na obra sobre conceito de razão, baseada
em conferência homônima, afirma que o positivismo caracteriza-
se por conceber um tipo de razão subjetiva, formal e instrumen-
tal, cujo único critério de verdade é seu valor operativo, ou seja,
seu papel na dominação do homem e da natureza. Esse mesmo
autor, nessa obra, confirma que o positivismo é produto da moder-
nidade.
A modernidade a tudo racionaliza, a tudo matematiza, a tudo
contabiliza, a tudo registra de tal maneira que o homem fica reduzido
a um negócio de contabilidade, que interessa particularmente aos
registros das taxas e dos seguros (Steuerug und Sicherrung), para utilizar
uma expressão de Heidegger (2007). Vale dizer que não só o homem,
mas a própria natureza ficou submetida a sua valoração econômica
(DONNELLY, 1999).
Mais do que o racionalismo, a modernidade reduziu o homem a um
conceito numérico financeiro. A sua nova fé seria o dinheiro. Leonardo
Boff (1992)4 diz que há uma nova religião da mercadoria, uma crença
que move toda a sociedade moderna (pós?): o dinheiro. E esse “dinheiro
move céus e terra”.

A comunicação moderna
A comunicação e a propaganda, que surgiram no advento da
modernidade, foi a sua configuração máxima de deixar os valores
humanos de lado, surgindo como um novo valor. A modernidade cria
indústrias e uma delas é a cultural que supõe-se estar a serviço do
projeto moderno. O desejo mercadológico cultivado pelos meios de
comunicação passa a ser a nova religião, passa a ser objeto de adoração

4
Embora a autoria do presente artigo não concorde com todas as ideias do teólogo, respeita
suas credenciais como intelectual.

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Das relações entre a modernidade e o fundamentalismo religioso 231

e de alcance dos povos em uma maximização (BOFF, 1992) do fetiche


da mercadoria (MARX, 1996).
Abordando a questão da indústria cultural ou da cultura de massa,
tratada por Theodor Adorno (1971), este diz que a indústria cultural
fabrica produtos adaptados ao consumo das massas ao mesmo tempo
em que determina esse consumo. O consumidor, para Adorno (idem),
torna-se objeto da indústria, que especula sobre o comportamento das
pessoas e o determina. Nesse contexto, a arte e a cultura, produzidas
no estilo da indústria cultural, transformam-se em mercadorias, são
produzidas em série e tornam-se banalizadas, sempre visando ao lucro.5
Nesse contexto, a religião só importa se estiver envolvida com o lucro,
a oferta de encontro divino, ou salvação da alma, nesse contexto não
serve para nada.
Adorno (1971) critica a ideologia da indústria cultural que quer
fornecer aos homens o que devem ser e como se orientar. Para ele,
tal indústria precisa fundamentar-se em si mesma e no confronto com
os homens, que é exatamente o que a indústria cultural rejeita. Esse
confronto surge porque o consumidor se torna um mero objeto, sem
vontade própria, dominado pela indústria cultural. O objetivo último da
indústria cultural, segundo este autor (ADORNO, 1971) é a dependência
e a servidão dos homens. Ela tolhe a consciência das massas e, segundo
ele, impede a formação de indivíduos autônomos, independentes,
capazes de julgar e de decidir conscientemente.
Uma das características fundamentais da modernidade, segundo
as críticas de Alain Touraine (2002), é a de que ela se torna produção e
consumo de massa, em que o mundo “puro da razão” é invadido pelas
multidões que colocam os instrumentos da modernidade6 a serviço
do desejo e da mercadoria. No campo cultural, um bom exemplo é
a televisão que massifica os gostos do indivíduo (BAUDRILLARD,
1979). Já o industrialismo trouxe a dominação social por meio do
taylorismo, nazismo e stalinismo, que transformaram a sociedade em
uma grande fábrica disciplinada e acrítica (idem).
Inclusive há uma crise da ética. A ética e a crise da modernidade
têm sido um dos temas mais discutidos na atualidade (MARTELLI,
1995). É uma discussão que surge quando nem ao menos se tem uma
definição geral de modernidade. O que é a modernidade? Não se

5
Há diversas que estão.
6
No caso, a tecnologia, sobretudo a de comunicação.

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232 COSTA, O. B. R.

sabe. Ela é a fusão do múltiplo, do heterogêneo, do fragmentado, do


efêmero, onde se envolve atividade racional, científica, tecnológica e
administrativa (idem). Basicamente, existem duas figuras condensadoras
da modernidade: a racionalização e o positivismo (GIDDENS, 2000).
Assim, valores humanos e suas expressões como o religiosos, o
sagrado são deixados de lado. Valores como honra são substituídos por
compromisso em pagar; valores como propriedade privada são mais
defendidos que a vida, dentre outros exemplos.
Nas condições da modernidade, o que é místico, religioso,
sagrado, não só é desprezado como outras coisas vão tomando seu
lugar, segundo Giddens (1991). O ritual é reinventado e reformulado. O
mesmo ocorre com o guardião, substituído pelo especialista, pelo perito.
A modernidade reincorpora a tradição, reinventa-a, e, nesse sentido,
também expressa continuidade. Grande parte dos valores relacionados
à tradição permanecem e se reproduzem no âmbito da comunidade
local. Na verdade, as primeiras instituições da modernidade não podiam
desconsiderar a tradição preexistente e, vários aspectos dependiam
delas, uma vez que foram/são7 usadas para domínio e superação dessas
mesmas tradições.
Porém, segundo Ozaí Silva (2005) declara, a modernidade teve
que “inventar” tradições e romper com a “tradição genuína”, isto é,
aqueles valores radicalmente vinculados ao passado pré-moderno. A
modernidade, nesse sentido, expressa descontinuidade, a ruptura entre
o que se apresenta como o “novo” e o que persiste como herança do
“velho”. A modernidade expressa:
a) ruptura com a ideia de comunidade (una e corporificada
no dirigente) e passagem à ideia de sociedade (dividida
em interesses conflitantes, classes antagônicas e grupos
diversificados);
b) ruptura com a ideia e a prática teológico-política do poder
político encarnado na pessoa do dirigente e passagem à ideia
da dominação impessoal ou da dominação racional, isto é,
nascimento da ideia moderna de Estado.

7
O projeto moderno não acabou. Certos conhecimentos são usados para continuação
do domínio do capital, utilizando-se de saberes locais.Podemos citar como exemplo:
megamultinacionais farmacêuticas rotulando remédios naturais e vendendo aos nativos
que já sabem do poder desse remédio; a teologia da prosperidade que utiliza a Bíblia como
fundamento de sua propaganda; o aprender a língua do colonizado.

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Das relações entre a modernidade e o fundamentalismo religioso 233

Para Giddens (1991), a modernidade “refere-se a estilo, costume de


vida ou organização social que emergiram na Europa a partir do século
XVII e que ulteriormente se tornaram mais ou menos mundiais em sua
influência”.
Balandier (1997) define a modernidade contemporânea como
o espaço do “movimento de mais incerteza”. Incerteza do quê? Ele
responde: Face a sua indeterminação, a sociedade é lugar de criação
permanente do novo, através das suas incompletudes causadas pelo desejo
capitalista excessivo e dos seus vazios. Os indivíduos circulam numa
busca incessante de crescimento econômico, patológico que pautam sua
relação uns com os outros. Assim há sempre a impossibilidade de se
apreender a sociedade e os seus fenômenos de maneira determinística.
Desse modo o ser humano fica privado de valores, inclusive religiosos,
sendo estes valores sempre fluidos e movimentários, nunca fixos.
Algo importante para a religião, uma vez que seus escritos sagrados
pretendem ser universais e imutáveis. O conhecimento religioso é
imutável (GONÇALVES, 2007).
Giddens (1991) observa que vivemos uma época marcada pela
desorientação, pela sensação de que não compreendemos plenamente os
eventos sociais e que perdemos o controle. A modernidade transformou
as relações sociais e também a percepção dos indivíduos no que se refere
à fé.

A modernidade, pode-se dizer, rompe o referencial protetor da


pequena comunidade e da tradição, substituindo-as por organizações
muito maiores e impessoais. O indivíduo se sente privado e só num
mundo em que lhe falta o apoio psicológico e o sentido de segurança
oferecidos em ambientes mais tradicionais (GIDDENS, 2002, p. 38).

A fé, segundo Giddens (1991), passa a ser dada ao perito (não


mais a divindade) e portanto não mais a religião, que não responde mais
nenhum anseio humano. A ciência responde aos anseios do indivíduo.
Mas todos esses fatos históricos geram uma crise, pois o projeto moderno
falha em sua promessa de dar ao indivíduo e ao povo a prometida
liberdade, igualdade e fraternidade. Não se tem liberdade a não ser para
consumir o que a comunicação de massa lhe impõe; não há igualdade
e sim concentração de renda, e fraternidade é um valor perdido junto
com as tradições religiosas. Nem se fala nela mais. Individualismo é o
que pauta as relações.

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234 COSTA, O. B. R.

Porém toda essa crise chamada modernidade não passou


despercebida aos religiosos, em suas crenças ferrenhas, em cuja fé
repousa sua própria identidade. Assim tal crise provocou reações da
religião contra a perda dos valores religiosos que se impunham. Estamos
em época de efervescência religiosa (CAMPOS, 2002) e a religião
reagiu contra essas mudanças trazidas pela modernidade.

A reação fundamentalista
Uma dessas reações é o fundamentalismo que surgiu surgiu bem
no auge da crise da modernidade, ou seja, no século XX (ADORNO
e HORKHEIMER, 2002). A mais dedicada e famosa autora sobre o
assunto descreve:

Em todos os tempos e em todas as tradições, sempre houve


gente que combateu a modernidade de sua época. Entretanto o
fundamentalismo que vamos analisar é um movimento do século
XX por excelência. É uma reação contra a cultura científica e secular
que nasceu no Ocidente e depois se arraigou cm outras partes do
mundo. O Ocidente criou um tipo distinto de civilizado, totalmente
inédito, que desencadeou uma reação religiosa sem precedentes.
Os movimentos fundamentalistas contemporâneos têm uma relação
simbiôntica com a modernidade. Podem rejeitar o racionalismo
científico do Ocidente, mas não têm como fugir dele. A civilização
ocidental mudou o mundo. Nada – nem a religião – serão como
antes. Em todo o planeta, há pessoas lutando contra essas novas
condições e vendo-se obrigadas a reafirmar suas tradições religiosas,
que foram concebidas para um tipo de sociedade inteiramente
diverso (ARMSTRONG, 2001).

O termo fundamentalismo remete a fundamentos, bases teóricas de


uma expressão cultural, está correlato à crença na interpretação literal
dos livros sagrados (DREHER, 2002). Seus membros promovem a
compreensão literal, ou do que entendem ser literal, de sua literatura
sagrada. Não aceitam opinião diversa. Fundamentalistas são encontrados
entre religiosos diversos e pregam que os dogmas de seus livros
sagrados sejam seguidos à risca ou ao menos se autodefinem assim:
como seguidores radicais do texto sagrado.
Não deveria ser tão ruim, recuperar valores religiosos tais como
amor e respeito ao próximo, solidariedade, honra (valores defendidos pela

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Das relações entre a modernidade e o fundamentalismo religioso 235

religiões monoteístas), mas assim como aconteceu com a modernidade.


Isso implica certo desastre. Isso porque, apesar de acreditar que se
está aplicando uma produção literal, está sempre sendo aplicada uma
interpretação, e quase sempre de um interesse pessoal ou escuso de
uma pessoa ou de um grupo sobre outros. A palavra fundamentalista a
que se faz referência hoje, segundo Elshahed (1992), e que piorou após
11 de setembro de 2001 face à mídia (MOREIRA, 2006), é um termo
pejorativo, porém não era essa a ideia inicial dos fundamentalistas.
A obra de Dreher afirma e a de Armstrong sugere que há uma
relação profunda entre fundamentalismo religioso e fundamentalismo
político. Para os fundamentalistas religiosos, a ação política deve
ser sempre orientada pela verdade religiosa. A sociedade perfeita
é aquela que se submete à sua compreensão de verdade religiosa. A
partir desse princípio, justificam-se intervenções violentas nos Estados
independentes e “guerras santas” contra “hereges”, matar em nome de
Deus, e outras intervenções violentas.
O termo fundamentalismo surgiu nos Estados Unidos (MOLTMAN,
1992), junto à ideia do socialismo, aliado à perda dos valores trazidas
pela modernidade, com ideias proporcionadas pelos novos meios de
comunicação, em especial pelo rádio.8 Essas ideias trouxeram uma forte
reação ao humanismo que imperava no pensamento intelectual mundial.
Institutos Bíblicos como o fundado em Chicago em 1886 por Dwight
L. Moody, o primeiro a se assumir com protestante fundamentalista
(STEWARD, 2003), florescia restabelecendo ensinos ortodoxos que
haviam sido obscurecidos por escolas humanistas como Harvard, Yale
e Princeton. Apregoavam uma volta de Cristo e valores que ofereciam
ao indivíduo em crise, causada pela modernidade, uma resposta para
a vida. Além disso, apenas alguns anos depois, com a crise de 1929, o
fundamentalismo religioso pôde crescer exponencialmente, uma vez
que crise econômica proporciona crescimento da religiosidade sem
reflexão (PIERUCCI, 1998).
Na medida em que os Estados Unidos entravam no novo século, um
crescente número de pessoas corria para se converter nas conferências
fundamentalistas, onde aprendiam o que a Bíblia diz sobre o final dos
tempos e sobre a segunda vinda de Cristo. Aí está a origem do funda-
mentalismo (ao menos o cristão, e do termo) (AMMERMAN, 2005).

8
Os fundamentalistas geralmente renegam os produtos e ideais da modernidade, mas usam
largamente seus produtos quando lhe interessam (VOLF, 1992).

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236 COSTA, O. B. R.

Assim a ética moderna de racionalização e crescimento patológico,


econômico, que subverteu valores do próprio corpo (BALANDIER,
1997) e de dominação eurocêntrica (idem), os valores das tradições
(ALMERI e MELO, 2009) e da fé (GIDDENS, 1991). O fundamentalista,
sobretudo o americano, não aceitou tal visão, mas pretendeu e pretende
mudar as orientações do mundo, visto que surgiu com uma nobre
intenção de recuperar supostos bons valores como a família, a honra e
moral e os bons costumes (AMMERMAN, 2005).
Porém perverte esses bons costumes utilizando-se de violência
e terror quando confrontados com ideias opostas (ARMSTRONG,
2001). O fundamentalista religioso não baseia seu discurso, e expressa
sua fé na experiência pessoal com sua divindade, mas nos dogmas,
entendidos como realidades fixas, imutáveis e livre de qualquer
possível interpretação (apesar de que todo fundamentalismo é uma
interpretação) ou exegética. Ora, os textos e os dogmas religiosos não
nasceram por si mesmos, mas foram definidos pelos credos religiosos,
a partir de uma interpretação supostamente permitida pela divindade
(SIMMEL, 2009).
Aliás, uma boa definição de fundamentalismo seria aquele
que usa de proselitismo militante (VOLF, 1992). Sem militância
não há fundamentalismo, nem toda atitude radical ou violenta seria
fundamentalismo. Só há fundamentalismo quando há uma posição
militante.
O fundamentalismo religioso não vê o dogma no contexto histórico
da sua constituição e definição (EISENSTAD, 1997), vê apenas o que
entende ser correto. Faz uma interpretação ora literal, ora interesseira
do seu escrito, recusando-se radicalmente a admitir interpretações
diferentes (idem). O fundamentalismo assim o faz visto sentir sua fé
ameaçada e fragilizada pela modernidade.
Embora seja uma reação à modernidade, utilizam seus produtos
e benesses, em especial os meios de comunicação para fazer seus
prosélitos, para modernizar suas pensões de fundos, para promover-se
e defender-se no meio político (COLEMAN, 1992). Enquanto qualquer
fundamentalismo, como ideia de que a única verdade está no texto
sagrado, pode se considerar portador de um caminho humanitário de
redenção, sua apropriação por facções que pretendem impor sua fé pela
conquista e pela eliminação ou sujeição das outras, levou a um confronto
em que se misturam religião, política, violência e terrorismo, em meio a
muitas distorções e marketing (AMMERMAN, 1987).

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Das relações entre a modernidade e o fundamentalismo religioso 237

Vivendo na modernidade e reagindo contra ela

Coleman (1992) diz que os fundamentalistas “procuram viver na


modernidade (e influenciar sua orientação), mas sem dela fazer parte”
(p. 23). O objetivo do fundamentalista é moldar o mundo segundo sua
visão. Não querem algo ateu e capitalista mudando o mundo (embora
existam fundamentalistas ateus capitalistas); querem sua visão de
sagrado dirigindo o mundo.
Existem vários tipos de fundamentalismo, e que reagem à
modernidade de modo diferente, mas com a mesma ideia de moldar o
mundo. No judaísmo promovem a segregação ortodoxa de forma social
e luta política internacional em conflito com palestinos (NEUSNER,
1992). No islã matam e obrigam mulheres em submissão não condizentes
aos valores de igualdade (GASPARD, 2007). Nos EUA, protestantes
matam profissionais de saúde que acompanham processos abortivos ao
mesmo tempo em que se influenciam na política estadual e nacional de
modo a influenciar até a educação (AMMERMAN, 2005).9
Em reportagem que teve impacto na opinião publica, a jornalista
Küchler (2005) expõe de forma resumida e brilhante algumas orga-
nizações fundamentalistas atuantes no mundo:
Grupos judaicos
– Kach Kahane Chai
Objetivo: Restabelecer os territórios judaicos como determina a
Torá e expulsar os palestinos da região.
Modo de agir: Atentados terroristas em Israel. Em 1994, Baruch
Goldstein, seguidor do Kach, matou 29 palestinos que rezavam na
Caverna dos Patriarcas, em Hebron.
– Neturei Karta
Objetivo: Oposição ao sionismo. O grupo acredita que Israel é
obra de Satã e que judeus não devem se envolver em política ou luta
armada, só em assuntos espirituais.
Modo de agir: Boicote. Em 1948, quando o Estado de Israel foi
criado, o grupo proibiu todos os seus membros de participarem
de eleições, recusou subsídios governamentais para suas escolas e
jurou que não entraria em nenhuma instituição governamental. No
ano passado, quando o líder da Autoridade Palestina, Iasser Arafat,
morreu, membros do Naturei Karta visitaram o túmulo dele. Muitos
membros do grupo apoiam a criação de um Estado palestino.
9
Há pouco tempo, em especial após os acontecimentos de 2001, foi proibido em vários
estados americanos, por exemplo o ensino evolucionista e substituído pelo criacionista.

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– Satmar
Objetivo: Oposição ao sionismo. É um dos maiores grupos ultra-
ortodoxos existentes hoje. Surgido na Romênia, vê o Estado de
Israel como profanação. Acredita que o povo eleito deve sofrer a
punição do exílio e não tomar iniciativas para se salvar, confiando
na vontade de Deus.
Modo de agir: Encoraja os seguidores a criarem comunidades
fora de Israel. O líder do grupo, rabino Joel Teitelbaum, culpa os
sionistas pelo Holocausto, pois “atraíram a maioria dos judeus
para uma hedionda heresia, como nunca se viu desde a criação do
mundo”.

Grupos islâmicos
– Partido Frente Islâmica de Salvação
Objetivo: Fundar uma república islâmica regida pelas leis do
Alcorão, na Argélia.
Modo de agir: Política. Em 1991, o partido iria ganhar as
eleições, mas o governo interrompeu o processo eleitoral. A medida
gerou revolta entre os muçulmanos e uma guerra civil durante toda a
década de 1990. Deste conflito, surgiram os grupos fundamentalistas
Exército Islâmico da Salvação e Grupo Armado Islâmico.
– Al-Gama·a al-Islamiyya
Objetivo: Pela guerra santa, fazer do Egito um Estado islâmico.
Modo de agir: Ataques terroristas, em especial contra turistas.
“O turismo é uma praga. As mulheres vêm vestidas em roupas
provocativas para despertar o desejo dos fiéis”, disse o líder Omar
Abdel Rahman a um jornal israelense em 1993. Em 1997, o grupo
matou 58 pessoas que visitavam o templo de Hatshepsut, um dos
principais pontos turísticos do país. Também já cometeu um ataque
contra o presidente egípcio Hosni Mubarak, em 1995.
– Abu Sayyaf
Objetivo: O grupo, ligado à Al Qaeda, quer criar um Estado
islâmico nas Filipinas.
Modo de agir: Ataques terroristas. É acusado de ter matado 100
pessoas no ataque a um barco, em fevereiro de 2004. No dia 14 de
fevereiro deste ano, dia dos namorados nas Filipinas, 3 atentados à
bomba mataram 11 pessoas. Os ataques seriam um presentinho para
a presidente Gloria Arroyo.

Grupos cristãos
– Pró-vida de Anápolis
Objetivo: Combater o aborto em qualquer caso, o homosse-
xualismo e o uso de preservativos.

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Das relações entre a modernidade e o fundamentalismo religioso 239

Modo de agir: Campanhas e lobbies junto a vereadores e


deputados. O grupo luta contra ações judiciais que permitem certos
tipos de aborto e é reconhecido como entidade de utilidade pública
por uma lei municipal de Anápolis.
– Christian Voice (Voz Cristã)
Objetivo: Analisar os acontecimentos atuais sobre a ótica da
Bíblia, unir Igreja e Estado na Inglaterra. “Abençoada é a nação em
que Deus é o senhor”, informa o site do grupo.
Modo de agir: Manifestações de oposição à União Europeia e
ao divórcio, ataques a clínicas de aborto e promoção da cura de
homossexuais. No começo do ano, o grupo fez uma manifestação
contra a tevê britânica BBC por ter apresentado o musical Jerry
Springer – The Ópera em que Jesus, Maria e Deus são convidados
de um programa de entrevistas no inferno e Jesus diz que é gay.
Telefones de funcionários da BBC foram divulgados no site do
grupo para quem quisesse reclamar pessoalmente.
– Universidade Bob Jones
Objetivo: Formar profissionais preparados para seguir Cristo,
independentemente da carreira.
Modo de agir: Os estudantes são obrigados a participar de um
curso bíblico por semestre. Proíbe namoros entre estudantes de
raças diferentes e expulsa alunos homossexuais.

Engana-se quem pensa que os fundamentalistas são pessoas


alienadas, talvez sua massa de manobra seja, porém suas lideranças
são pessoas extremamente esclarecidas e cônscias do que ocorre na
modernidade. Um dos grupos fundamentalistas mais agressivos e
politizados do fundamentalismo mulçumano é o Talebã, cuja tradução
significa estudantes, ou seja, são estudantes universitários conscientes
da crise da modernidade, que perverte ou acaba com seus valores caros
e são reagentes com isso. O mesmo vale para o fundamentalismo cristão
atual político norte-americano:10 são extremamente bem estudados,
ricos, industriais com todos os acessos às benesses da educação
(AMMERMAN, 2005). O mesmo vale para o fundamentalismo judeu:
são pessoas partidárias na política e eruditas, envolvidas com o conflito
político (LEIBOWITZ, 1993).

10
É talvez o mais atuante dos fundamentalismos, especialmente após 2001. Influencia-
ram-se na política norte-americana de uma maneira muito contundente.

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Conclusão

Vale lembrar que os fundamentalistas não são exclusivamente


religiosos. Há o fundamentalismo ateu, político e até antirreligioso,
porém (OSA, 2008) o religioso é o que está mais em voga depois dos
acontecimentos de setembro de 2001. Este assunto se torna interessante
quando consideramos que o ano 2000 representava uma esperança do
advento do capital, uma superação da promessa que ficaria tudo perfeito,
o mercado entraria em equilíbrio, visto que havia ausência de conflitos
e crescimento do PIB mundial (BRAGA e CINTRA, 2004). Entre 1980
e 2006, o primeiro cresceu mais de 14 vezes, enquanto o segundo não
chegou a cinco (idem).
Resumamos. Os anos que cruzam 1990 e 2000 foram de explosão
das “finanças diretas” (ativos, títulos, ações etc.), de multiplicação para
trilhões os valores nocionais dos derivativos (especulação financeira
sobre ativos futuros) e de crises financeiras cada vez mais demolidoras
(TAVARES e BELLUZO, 2009). Essa crise iniciou em 2007 com a
chamada “bolha” imobiliária e suas falhas e estouros, nos EUA, e foi
agravada severamente com a falência de empresas como a ENRON e
sua relação com a quebra do banco Lehman Brothers em setembro de
2008 (idem).
Assim o modo de como o mundo encara o fundamentalismo
mudou após os acontecimentos de setembro de 2001. Serviu a novos
interesses políticos, uma manutenção do poder de um fundamentalismo
protestante no governo dos EUA, a uma manifestação legitima de não
aceitar o preço (e lutar por isso) que os EUA queriam pagar pelo petróleo
por parte dos fundamentalistas árabes, de justificar um incremento no
conflito da Palestina com apoio norte-americano. Aliado a tudo isso
ocorre recentemente no Brasil (COSTA DE SOUZA, 2009), assim
como na América Latina (MELANDER, 2000), um fundamentalismo
religioso católico (FOUILLOUX, 2001) e protestante extremamente
envolvido na política, surgida com o declínio dos regimes totalitários na
América Latina.11 Esses devem ser vistos e estudados de perto uma vez
que sua militância, se bem sucedida, envolve riscos para as conquistas
de direitos humanos.
Os meios de comunicação proporcionaram para os fundamenta-
listas extremos e ilimitados meios para eles divulgarem suas ideias,

11
Durante o século XX, diversos regimes totalitários surgiram por toda Americalatina.

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Das relações entre a modernidade e o fundamentalismo religioso 241

conquistarem adeptos e imporem suas vontades. De certo modo


oferecem respostas senão corretas, ao menos estáveis em um mundo
caótico, configurado pela modernidade e sua crise. As pessoas podem,
em certo momento, procurar tais repostas estáveis e concretas para um
direcionamento em suas vidas. Essa talvez seja a arma mais perigosa
para o avanço fundamentalista: o próprio mundo instável no qual ele é ao
mesmo tempo produto (ainda que errado),é também uma resposta para a
instabilidade da modernidade, pois oferece ao indivíduo uma resposta,
um caminho estável e que pode explicar (se o indivíduo caminha
pela modernidade estaria fora dos caminhos divinos) as agruras do
cotidiano.
A resposta para esse problema talvez esteja na proposta de um
novo fundamentalismo, digamos, um fundamentalismo esclarecido (se
é que isso é possível), um que proponha como fundamentos de sua
religiosidade as ideias que não produzam vítimas (CERTEAU, 1998),
onde o fundamento das configurações cristãs seja o amor ao próximo;
das judaicas, o relacionamento com Yavhé e da sua benignidade; das
mulçumanas, do caminho da submissão e da bondade. Ou seja, que
seus fundamentos sejam os condizentes com as conquistas de direitos
humanos conseguidas a muito custo pelo Estado democrático, e da
promoção de um Estado laico que garanta o respeito às culturas e à
liberdade religiosa.
Outro caminho é que a ciência e a racionalidade aceitem suas
falhas. Deve-se ter uma devolução dos “saberes sequestrados”, uma
proposição e uma luta pelo direito inalienável dos povos ao patrimônio
cultural da humanidade, pela democratização dos saberes, das culturas,
da comunicação e das tecnologias, valorizando os bens comuns com
a finalidade de dar visibilidade aos saberes subjugados, e pelo fim do
conhecimento privado e hegemônico, e por mudanças fundamentais do
sistema de mídia. Seria um avanço utópico porém funcional para o fim
do fundamentalismo a criação de uma sociedade que não tivesse tanto
a necessidade de crescimento racional, patológico e de conhecimento
jungido ao poder capital. Tal sociedade só pode existir com investimento
massivo em uma educação cultural, critica, ética e ecológica.

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30 mar. 2013.

Leituras sugeridas:
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GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. São Paulo: Unesp, 1991.

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246 COSTA, O. B. R.

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Minneapolis: University of Minnesota Press, 1984.
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TOURAINE, Alain. Crítica da modernidade. Petrópolis: Vozes, 2002.

Recebida: 17/06/2014
Avaliada: 28/06/2014

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Revista Mundo Antigo – Ano V, V. 5, N° 11 – Dezembro – 2016 – ISSN 2238-8788

A sabedoria do povo hebreu em oposição a sophia Grega.


Uma analise do impacto da cultura Helênica sobre a
cultura do povo hebreu.
Otávio Barduzzi Rodrigues da Costa1

RESUMO:
A o modo de vida do povo hebreu é constituída mítica e religiosamente através de uma
obediência aos seus escritos sagrados em especial nos chamados livros sapienciais.
Acima de tudo é uma crença de que a sabedoria é dada e dependente de Deus. Já a
sabedoria Helênica é uma sabedoria que se constitui através da independência humana.
Assim as duas entram em oposição causando consequências até hoje. Esse trabalho
pretende tecer algumas considerações sobre de como essas culturas se encontraram e
quais as consequências para os povo envolvidos especialmente o hebreu.

Palavras chaves: antiguidade; povo hebreu; sabedoria; filosofia; helenismo.

ABSTRACT:
The wisdom of the Jewish people consists mythical and religiously through obedience
to his sacred especially in so-called wisdom books written. Above all is a belief that the
wisdom given is dependent upon God. Have the Hellenic wisdom is a wisdom that is
through human independence. So the two go into opposition causing consequences
today. This paper aims to present some considerations on how these cultures met and
what the consequences for the people involved especially the Hebrew.

Keywords: antique, Hebrew people, wisdom, philosophy, Hellenism.

1
Graduado em Ciências Sociais e filosofia pela UNESP; Mestre em filosofia pela UNESP; Doutor em
Ciências da Religião pela Universidade Metodista; Doutorando em Ciências Sociais e filosofia pela
UNESP; Professor substituto de Antropologia da UNESP -FAAC

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Introdução:
O tema proposto neste artigo é demasiado difícil, isto porque os conceitos ou são
difíceis ou são abertos, com margem a diversas interpretações. Em primeiro lugar
teríamos que definir o que é sabedoria, cousa por demais trabalhosa a qual os filósofos
não obtiveram sucesso total em conseguir. Não temos a pretensão de conseguir tal
façanha. Depois teríamos que definir o que é sabedoria para o antigo testamento, cousa
igualmente difícil e controvérsia já trabalhadas pelos filósofos e teólogos há milênios e
que igualmente não há consenso.
Tentar-se vencer essa dificultosa tarefa, em primeiro tentando achar uma noção
de sabedoria bíblica do antigo testamento, depois apontar-se-á sobre a sabedoria em
surgimento da cultura helênica e qual o impacto dessa cultura sobre uma comunidade
agropastoril e patriarcal como a caanita ou seus descendentes culturais, semitas, hebreus
e israelenses.

O que é sabedoria?
A análise filosófica do que é sabedoria inicia nos princípios da fase
antropológica grega com as ideias de Sócrates, donde se conclui que sabedoria seria
uma prática para a vida, uma pratica para agir sobre o mundo de modo comedido e
virtuoso, e que a própria noção de virtude, nas ideias socráticas confunde-se com a
noção de suma verdade. Ele acreditava que os erros são consequência da ignorância
humana e que o contrario dessa seria a sabedoria (WOLFF, 2000), embora nunca
proclamasse ser sábio. Porém essa ignorância não se confunde com a falta de erudição e
sim de uma Virtú no trato com as pessoas e com o mundo.
Já para Platão, discípulo de Sócrates, a sabedoria era de certo modo apenas
intelectual e pertencente ao mundo ideal e não no real, não era uma pratica com o
mundo e com as pessoas como para seu mestre, mas sim uma aspiração da Anima
imortal a ser conseguida e apenas pelo filosofo, é no mundo das ideias, onde tudo era
eternamente Bom, Belo e Verdadeiro (GUTHRIE, 1975. p. 13), que tal Anima aspira a
libertar-se do corpo corruptível, no qual está aprisionada, e voltar para a contemplação
ideal, portanto não era uma pratica, mas algo a ser contemplado (PLATÃO, 2006).
Com Aristóteles as ideias de conhecimento e o que fazer com esse conhecimento
passaram se confundir com a ideia de sabedoria, portanto a sabedoria era antes uma

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atividade intelectual e lógica do que uma prática para a vida.Aristóteles pensa que
virtude é encontrar uma justa medida entre o excesso e a falta das paixões. Agir
corretamente é um treino constante de dosar corretamente as paixões. A sabedoria é
uma contemplação adequada da maneira em que certos bens tais como a amizade, o
prazer, a virtude, a honra e a riqueza se encaixam como um todo. Para aplicar esse
entendimento geral para casos particulares, devemos adquirir, através de educação
adequada e hábitos, a capacidade de ver, em cada ocasião, qual curso de ação é mais
bem fundamentada (MCLEISH, 2000 p. 47). Portanto, a sabedoria prática, como ele a
concebe, não pode ser adquirida apenas ao aprender regras gerais, também deve se
adquirida, através da prática e essas habilidades deliberativas, emocionais e sociais é
que nos permitem colocar nossa compreensão geral de bem-estar em prática em formas
que são adequados para cada ocasião. O problema Aristotélico e que a sabedoria só
deveria vir com educação e treinamento e, portanto ser impossível uma sabedoria antes
da contemplação.
A filosofia medieval cristã propõe que ser sábio, grosso modo é dominar as
paixões e vontades e submetê-las a vontade de Deus (DILMAN, 1999. p. 108). Portanto
é uma pratica de domínio sobre si mesmo e submetê-la a vontade divina se assim
desejar seu livre arbítrio. Sêneca (2012) já dizia que adversidade faz o sábio, portanto
para ele a sabedoria era uma reação às adversidades da vida.
Com o advento da razão na modernidade a sabedoria e conhecimento racional se
confundem, porém deixa de ser uma pratica e passa a ter significado de erudição.
O que nos interessa aqui é que em algum momento a sabedoria foi vista pela
filosofia, como uma pratica sobre o mundo e não apenas como acumulo de erudição,
esse conceito de pratica de bem viver é importante paras as ideias que adiante serão
desenvolvidas. Porém essa não é um trabalho sobre sabedoria na filosofia, e sim bíblica,
porém esse brevíssimo exercício vai ser importante mais a frente no trabalho.

De como se relaciona a sabedoria e o conhecimento.


Sabedoria é diferente de conhecimento (PUTNAM, 1975), um velho chefe índio,
sem saber ler pode ser considerado sábio, porém pobre em conhecimento cientifico,
porém pleno de conhecimento natural enquanto um jovem em um segundo ano de
graduação, de 19 anos de um bom curso de física pode ter muito conhecimento
acumulado porém dificilmente será sábio (Idem). O conhecimento pode ser encarado

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como o acumulo de informação espalhado em uma época, cuja sociedade dessa época
absorve como valido, ou seja, é o conjunto de saberes recepcionados por certa sociedade
que a caracteriza como única desse modo constituindo sua cultura (COUCHE, 1999). A
sua cultura é a como a sociedade se superestrutura através da materialização/expressão
de seu acumulo de valores adicionado a sua expressão material. É a materialização da
sua sabedoria.
A cultura foi considerada durante muito tempo com a noção de acumulo de
conhecimento academicamente aceito como superior, ou seja, se alguém falasse varias
línguas e soubesse sua genealogia, fosse iniciado em musica e artes seria uma pessoa
culta, preferencialmente se autoreferenciado como uma sociedade branca, européia
(norte americana), colonizadora (EAGLETON, 2005). Após melhores e mais humanas
analises o conceito de cultura muda para algo parecido conjunto da expressão de um
povo, nesse caso o índio, o escravo africano, o miscigenado, o colonizado também eram
portadores de cultura (HALL, 2000).
Porém ainda infelizmente a cultura é e foi na historia das civilizações uma
hegemonia de dominação (GOLDMANN, 1979), a cultura de determinado povo era
considerada melhor do que a outra conforme fosse hegemônica na confluência dos
povos, ou seja, que lhe impusesse valores conforme sua dominação. Alias comenta
MIGUEZ, RIEGER e JUNG, (2012) que um império para se impor, é fundamental
impor-se cultural e psicologicamente caso contrario não se subsiste.
A sabedoria acima de tudo é um conceito imposto por uma cultura que se tornou
império. O que é considerado sábio ou não pode mudar de cultura para cultura, de
sociedade para sociedade. Se manifesta nas pessoas pertencentes a esse lócus – tempus
como o melhor de que essa cultura tem a expor.
A cultura antiga
Filha da cultura rica da filosofia grega, a cultura helênica, se impôs após o
império alexandrino. Felipe II da Macedônia fez de seu reino uma monarquia
centralizada, cujo general militar e rei político (hegemon) era centrado numa só figura a
saber ele mesmo. Com a morte de Felipe (336), seu filho Alexandre se impõe como
Hegemon, dando inicio ao império cuja base foi a civilização grega com sua noção de
sabedoria, (vale lembrar que Aristóteles foi professor de Alexandre) muito bem
consolidada (AQUINO, FRANCO; LOPES,1980). Essa cultura Helenica é o que
conhecemos como inicio da civilização ocidental.

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Essa hegemonia de cultura apesar de espalhada no mundo pela civilização grega,


que depois é absorvida pela romana, (mas ainda baseada na grega), já é uma tradição
meso-oriental que coaduna com a possibilidade de Sócrates e seus discípulos terem sido
influenciados pelas ideias vigentes e trocadas no intenso comercio mediterrâneo grego
(HERRICK, 1966). Na verdade, a noção de sabedoria grega, como filha do comércio e
das cidades, é mais herdeira das civilizações mesopotâmicas e nilóticas do que
autóctone grega surgiu lá no crescente fértil e foi recuperada nas conquistas
alexandrinas (MICHULIN, 1960).
Bom lembrar que, em questão de domínio por guerra, a atribuição de cultura
passa pelo domino educacional e tecnológico, as tecnologias de guerras vencedoras
impõem também uma cultura (AQUINO, FRANCO; LOPES, 1980) e, portanto valores
que serão considerados como sábios. Morin conclui que entre sujeitos pensantes e seus
estados de ser-no-mundo, a sociedade se estrutura a partir de uma cultura que é ao
mesmo tempo organizadora e organizada a partir de um capital cognitivo que emerge
das interações a partir de um saber coletivo acumulado em memória social (MORIN,
2002) e histórica que vem muda dos indivíduos já existentes e das novas configurações
que tem ao ser confrontada com uma configuração nova imposta por guerra ou infiltrada
através da historia. A transformação na organização, produção, distribuição e aquisição
do conhecimento é apenas um dos aspectos entre outros de uma transformação mais
visceral que envolve processos cognitivos que se entrelaçam com aparatos de cultura,
modelos comunicacionais, recursos tecnológicos e dispositivos de interação(idem).

Como nasce a sabedoria israelense.


O conceito de sabedoria israelense é fundamentado e não tão diferente do que
será mais à frente considerado sabedoria bíblica religiosa, noção importante para esse
trabalho. Toda sabedoria israelense, todas suas relações políticas, culturais e sociais
perpassam ou deveriam passar pela religiosidade. Religião e relações sócio-economico-
culturais nas sociedades antigas como a Israelense não era separado de religião como na
modernidade.
Vale lembrar, que o termo israelense provem de ‫לֵ ָא ְׂרשִ י‬, do hebraico Yisra'el; que
siginifica que reina com El ou na forma popular Deus, pois para a cultura de Israel o
nome de Deus não deve ser pronunciado ou escrito levianamente. São descendentes
segundo o mito de Jacó que se divide das tribos de seus pais ou irmãos que eram povos

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cananeus ou caanitas. O termo Israel ou israelense se denomina por um conjunto de


povos que são unidos por uma crença de tradição de adoração ao Deus El, o Deus que
no mito, fez um pacto com Abrão e que se insurge contra outras tribos cananeias se
propondo um termo a parte. É o povo que embora acreditem serem descendentes de
Abrão (GUNNEWEG, 2005 p. 76), que resolveu crer nesse Deus como único
verdadeiro, um dos muitos que havia naquela região é um termo cultural-religioso que
provavelmente delimita uma novidade dos povos da antiguidade, uma relação
monoteísta de crença e espiritualidade.
A palavra Canaã (em hebraico: ‫כנענלם‬, ou Kna'anim) provém do ponto de vista
mítico, Canaã seria a terra entregue por Deus ao seu povo, desde o chamado de Abrão
(este depois chamado Abraão) o qual habitava em Ur dos Caldeus. É um termo de
delimitação cultural espacial ou territorial. É uma crença que está descrito na bíblia e
que havia um herói mítico de mesmo nome descrito em Gênesis, 10:15–192 e que
determinado termo de terra descrito em Gênesis 15.183 se transformando num termo
territorial. Depois no reinado mítico de Davi, unifica Hebron( que são povos de mesma
língua e crença) sob o único reinado de Israel (DONNER, 1997 p. 185). Hebron e Israel
eram dois reinos diferentes que foram unificados transformando em algo parecido com
o Israel moderno incluindo a palestina. Tal crença inclusive é usada para infelizmente
justificar conflitos sangrentos até os dias de hoje4.
O termo Judeu (em hebraico: ‫דּוהל‬
ֵ ָ‫ל‬, Yehudi) é o conjunto das doze tribos que
miticamente se referem as doze tribos dos filhos de Jacó que teve seu nome mudado
para Israel, são remetidos à herança de seus doze filhos que geraram doze tribos
descritas no final de Genesis, e em Números, capítulos 22 a 36. É um termo étnico de
descendência de diversas tribos (doze?) que partilhavam heranças linguísticas e

2
“Canaã gerou a Sidom, seu primogênito, e a Hete, 16 e aos jebuseus, aos amorreus, aos girgaseus, 17 aos
heveus, aos arqueus, aos sineus, 18 aos arvadeus, aos zemareus e aos hamateus; e depois se espalharam as
famílias dos cananeus. 19 e o limite dos cananeus foi desde sidom, indo para gerar, até gaza, indo para
sodoma, gomorra, admá e zeboim, até lasa.”
3
"Naquele dia fez o Senhor aliança com Abraão, dizendo: à tua descendência dei esta terra, desde o rio
do Egito (córrego Arish, não o rio Nilo) até o grande rio Eufrates."
4
Este artigo está sendo escrito na semana do dia 07/07/2014 até 11/07/2014 que ocorre um dos mais
tristes massacres em guerras entre palestina e Israel, infelizmente a crença religiosos tem sido usada na
história como justificativa para os piores massacres. Como o povo de Israel se auto acredita possuidor
legitimo e cultural dessa terra, fazem guerras com os palestinos, um povo que não divide sua crença.
Como não acreditam na religião judaica, os palestinos são massacrados pelos herdeiros da suposta terra
prometida.

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culturais comuns e que em certo momento foram unificados no suposto reinado de


Saul5.
A sabedoria israelita nasce em contato com culturas antigas e antepassadas tais
como os povos semíticos povo seminômade e multi-étnico6 que lhe daria origem
(CAZELLES, 1986. p. 09), e perpassa por diversas transformações e influencias até ser
positivada na compilação dos seus escritos sagrados.
A expressão do texto de leis e códigos morais7 conhecido como antigo
Testamento é de certo modo, além de um código jurídico, um escrito teológico, e a
expressão cultural de um povo bem como encerra seu entendimento e sabedoria. O
Pentateuco inclusive, o Êxodo, foi tremendamente influenciado pela cultura babilônica
(WELLHAUSEN, 2004), isso porque essa parte da bíblia (Pentateuco) cujo texto atual
deste conjunto resultaria de uma história literária anterior, a que chamam "fontes" ou
"documentos" (DOZEMAN, & SCHMID, 2006) ou “Tradições” (SKA, 2012). Todavia,
ao longo da história, mesmo depois de sua composição literária, essas tradições
receberam numerosas modificações (DA SILVA, 2007). Assim sendo, deve-se
considerar alguns dos “escritores da Bíblia” mais como autores do que meros
compiladores dessas tradições.
Isso porque esses autores, não eram meros copistas fechados em templos, mas
sim sábios de Sião que tinham opinião própria sobre algum fato social ou teológico,
deixaram traços de caráter complexo das tradições pré-literárias em sua obra (DE
PURY, 2002). Por isso, alguns estudiosos falam em “escolas”, mais do que
“documentos” e “escritores”; outros, como Roland de Vaux, preferem chamá-las
simplesmente de “tradições” (DOZEMAN, T.; SCHMID, K. 2006), sem afirmar sua
origem oral ou literária. Embora não haja consenso entre os estudiosos sobre os
“documentos” ou as “tradições” que deram origem ao Pentateuco.
De qualquer modo, o Pentateuco não foi escrito de uma só vez nem é obra de um
único escritor. Há tendências de que foi escrita algumas partes na fase familiar,
outra na clânica outra pós exílica em suma em varias fases (GERSTENBERGER, 2012
p. 11). Foi escrito a partir de tradições orais e escritas que se foram juntando

5
Suposto porque ainda não há provas cabais na arqueologia que tenha existido os reis Saul e Davi, o que
existe são registros que por volta do Sec. XI a.c houve um reinado(DONNER, 1997).
6
Segundo CAZELLES, (1986) muitas línguas compõem a família semítica, incluindo as
seguintes: acadiano, ugarítico, fenício, hebraico, aramaico, árabe, etíope, egípcio, copta gala, afarsaho, as
sírio e caldeu
7
Leis aqui entendidas como expressão de conduta social aparente.

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progressivamente e formando unidades maiores ao longo da história. A junção de todo o


material só se deu na época pós-exílica, altura em que se pode falar da redação final do
Pentateuco. Certamente que o período à volta do Exílio influenciou a leitura de todo
esse patrimônio histórico e religioso; mas, as tradições e outros materiais podem ser
bastante antigos e manter, na sua forma final, os traços dessa antiguidade. Ocorre que
esse código e expressão da sabedoria desse povo, mas essa sabedoria foi influenciada
por outros povos.

Uma hipótese de surgimento da sabedoria hebraica.


Ocorre que há uma hipótese que tomaremos como correta. A hipótese de
mudança social. Ora como era o povo de Israel antes do Exílio? Saídos escravizados do
Egito, tradicionalmente era um povo agrário e de pastoreio, sem um grande costume de
ler ou de escrever, no Antigo Egito, na época da escravidão descrita em êxodo, não era
permitido aos escravos ler ou escrever (PFOH & WHITELAM, 2013, p. 139), porém
toda sua tradição foi formada nessa época e era bem mais provável que seus costumes
religiosos e legais fossem narrativas orais e escritas (DOZEMAN; SCHMID, 2006),
isso porque na prática, um povo agrário não tem interesse em escritas e registros de
modo organizado, não porque são ignorantes mas simplesmente suas prioridades são
outras tais como a sobrevivência (MICHULIN,1960. p.214).
Ao contrário, na Babilônia assim como todos os povos mesopotâmicos a
educação era bem valorizada, isso porque era uma sociedade comercial e em expansão
constante, que absorvia a cultura de cada povo conquistado (LEMAIRE, 2011 p. 106).
A narrativa hebraica era de predominância oral, (MICHULIN, 1960) e que certo
momento compila a sabedoria do povo babilônico e absorve em diversos aspectos8.
Provavelmente, o processo de formação dos cinco primeiros livros da Bíblia
desenvolveu-se, nas suas linhas gerais, em vários períodos. No início estaria um núcleo
narrativo histórico bastante restrito, da época de Salomão. Este núcleo é depois
retomado e ampliado por volta dos finais do séc. VIII a.C., recolhendo tradições e
fragmentos do reino do Norte e relendo tradições antigas numa nova perspectiva. No
séc. VIII aparece o Deuteronômio primitivo, descoberto no tempo de Josias (622 a.C.) e
incluindo essencialmente leis e um pequeno prólogo(MEDEIROS, 1991).

8
Embora já existisse coisas escritas, algumas delas eram os salmos realizados pela nobreza e com certeza
o texto dos dez mandamentos que era guardado na arca da aliança (MICHULIN, op. Cit).

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Houve uma grande produção pós exílio, isso porque a rica e comercial cultura
babilônica, onde havia necessidade e cultura de escrita para melhor registro de comercio
e conquista, influenciou os exilados hebreus que se encaixavam na sociedade embora
mantivessem suas comunidades fechadas (LEMAIRE, 2011). Foi dessa época que os
Hebreus herdaram seu tão famoso gosto e habilidade para o comercio (HERRICK,
1966). Se há algo que estimula a cultura é o comercio, a partir daí começa a desenvolver
uma cultura de escrita também.
Embora o povo fosse literalmente escravo viveu assim meio século de cativeiro
na Babilônia. Ou seja, produzindo cultura e registros escritos de sua religião até então
predominantemente oral. Não podiam ter templo, nem culto, nem rei, nem sequer a
possibilidade de oferecer os seus sacrifícios e de fazer as suas festas sagradas. A única
coisa que lhes resta é a fé no seu Deus e as suas tradições. E estas vão ser meditadas e
aprofundadas. Agora, paradoxalmente, vão rever a sua história para lhe descobrir o
sentido profundo, aproveitando para refletir sobre os motivos por que lhes tinha
acontecido tudo isso.
Mas, não obstante todas as dificuldades e apesar de estarem prisioneiros, eles
vivem num ambiente relativamente evoluído, com grande produção técnica, e
educacional e escrita (MICHULIN, 1960), vale lembrar que escrita naquela época era
algo extremamente caro e difícil (JENKINS, 2001).
E, com efeito, entre os babilônios, descobrem preocupações que eles nem sequer
tinham ainda amadurecido. É notório, por exemplo, o fato de haver pessoas que
procuram dar resposta às perguntas mais profundas do ser humano: como, qual a origem
das coisas, do mal e da religião, ou seja, um clima fértil para a filosofia
(GHIRALDELLI JR, 2000). Em contato com esse clima de pensamento e reflexão
babilonico, nascem também núcleos de pensadores entre a comunidade judaica. E
assim, em contacto com os opressores, por incrível que pareça, nasce uma corrente de
renovação espiritual que, no caso, é expressa no livro e atribuída a um líder
denominado Ezequiel (BLOCK, 1997).

A santidade como sabedoria do povo hebreu.


Em meio à cultura babilônica algo acontecia, a religião babilônica não só não se
preocupava como estimulava práticas anti-patriarcais e familiares, tal como bebida
alcoólica e sexo livre em adoração a certos deuses e deusas.

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Representados pelos ideais escritos no livro de Ezequiel9, alguns sábios


pensadores hebreus, preocupados em manter uma identidade hebréia, têm a preocupação
de afirmar, acima de tudo, a santidade de Deus, e dar seu testemunho acerca da sua
ligação com Deus (BRUEGGEMANN, 1997) sem descurar as explicações racionais
para os acontecimentos e a origem das coisas. Fazem então sínteses históricas para, a
partir daí, descobrirem a vontade de Deus. Ou seja, procuram descobrir o sentido
profundo de tudo o que acontecera no passado. À luz da situação que lhes toca viver no
presente (crise, cativeiro e escravidão), procuram perceber o que é que Deus espera
deles e que tem, fundamentalmente, por objetivo subordinar a Deus todas as coisas e,
como conseqüência, propor à consciência dos leitores a proeminência de Deus acima de
todas as coisas conforme o testemunho do povo Hebreu (BRUEGGEMANN, 1997).
No livro de Ezequiel há diversos avisos para quem se contamina com usos de
outros povos tal como, por exemplo, o descrito em Ezequiel 23, alertando para aqueles
que adorarem ou mesmo sacrificarem aos ídolos pagãos um terrível destino.
O livro de Deuteronômio é um dos livros angulares no conjunto canônico da
Bíblia Hebraica. Os capítulos 12 a 26 formam uma espécie de núcleo da obra. Aí
encontramos o que a pesquisa convencionou chamar de
“código deuteronômico”. Trata ‐ se, provavelmente, de um livro de leis compilado e
sistematizado, com base em leis diversas e de épocas distintas já que é dotado de um
perfil diacrônico diferenciado (BINGEMER; YUNES, 2002), necessário em uma época
de crise para organizar a vida social e religiosa de desse povo numa fase de
reorganização, na segunda metade do século VII a.C.
A época de crise se perfaz não necessariamente como algo ruim, mas é a quebra
de uma situação que estávamos acostumados (Exemplo: libertação dos escravos hebreus
deve ter tido impacto na comunidade hebréia), gera uma crise que se tem que controlar.
De um lado temos sábios judeus tentando voltar a sua terra prometida, do outro, jovens
com costumes pagãos absorvidos de décadas de convívio com uma nação mais
avançada (do ponto de vista tecnológico e com leis morais menos rígidas) e
culturalmente mais atraente a essa juventude se faz necessário um rol de compilações de
leis antigas que deve ter culminado na "repetição das leis" ou deuteronômio.

9
Não há provas de que tenha existido um profeta com as características de Ezequiel, é provável que seja
um texto compilado para ministrar seus ideais. Seus ideais sociais eram avisar sobre os pecados de afastar
da identidade e fé judaica, dar esperança ao povo, mostrar a punição de quem não seguisse os ideais
religiosos de Deus. De certo modo é um aviso para se continuar judeu.

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As leis do Êxodo atribuídas a Moisés também são fruto de uma necessidade de


crise, de uma situação de saída do Egito onde os judeus tinham certa estabilidade apesar
de escravos (BÍBLIA, 1995 - comentários bíblicos da Bíblia de Estudo pentecostal
CPAD, comentários a Números 11:5). Ou as crises de valores percebidas pelos
sacerdotes e escribas a que estavam sujeitos a permeações da cultura babilônica, é claro
que isso gerou muitas crises sociais, para não falar das teológicas.
Essa crise para ser superada teve que ser criado um rígido código de leis com o
qual culminaram na compilação dos 10 mandamentos. Algo largamente usado nos
estudos jurídicos no que se refere a criação das leis é a teoria da necessidade social, a lei
vem quando dada situação exige que ela seja criada pela comunidade (FERRARA,
1921) de modo nem sempre repentino ou sincrônico e sim de modo que respeite sua
historicidade e o aproveitamento do arcabouço cultural de um povo (idem) tal como o
judeu.
Assim a sabedoria surge, ou melhor, é positivada num momento de superação
da crise. A sabedoria vem como meio de suplantar a crise e aparece como resposta a tal
situação. Sabedoria nesse contexto é seguir a Lei.

Quem era o povo hebreu.


Segundo Gilissen (1986), Os Hebreus eram agricultores — pastores. Viviam do
pastoreio de ovelhas, cabras, do plantio de uvas, trigo, e outros produtos. Mas havia
neste povo um diferencial dos outros antigos: eram Monoteístas adoravam um único
Deus patriarcal. Esta característica marca toda a história e qualquer produção cultural
desse povo. A História teológica destas pessoas pode ter fonte na Bíblia, mais
especificamente pelo Antigo Testamento, que reúne a Torá (ou a Lei), os Profetas e os
Escritos (MICHULIN, 1960). O Novo Testamento inclui a história (e os ensinamentos)
de parte dos Hebreus que acreditaram que Jesus é o Messias que o Antigo previa.
Eles acreditavam em um só Deus, que por seu desejo havia se revelara a eles
através de Abraão, e, a partir deste momento, iniciou um relacionamento entre Ele e os
que chamavam de Povo Escolhido. Este era seu diferencial, os únicos da face da terra
com um Deus que queria uma relação com seu povo (BRUEGGEMANN, 1997). Isto
será mais importante para o conceito adotado de sabedoria.
Esta relação é tão complexa que não podemos entender tal povo sem a
interferência da sua crença do Deus de suas vidas. Para eles, Deus escolhe seus líderes,

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Deus escolhe ou não dar prosperidade, Deus, da a vitória ou a derrota na guerra. Não é
de estranhar, portanto, que a lei foi inspirada por Deus e ir contra o que está escrito seria
o equivalente a ir contra Deus.
Os hebreus, a princípio, se dividiam em tribos de acordo com os números de
filhos de Jacó (12); estas tribos se subdividiam em famílias e toda a organização política
e social girava em torno deste status quo. Das doze tribos, onze cuidavam, basicamente,
da agricultura e do pastoreio, a décima segunda não tinha terras, era a tribo dos levitas
cabendo-lhes funções sacerdotais. (CAZELLES, 1986)
Após o êxodo, depois de certa comunidade hebréia sair do Egito, ao chegarem à
região palestina, os Israelitas passaram de pastores (como eram antes, pelo seu
nomadismo) a agricultores-pastores. Mas se tradicionalmente estas atividades
agropastoris foram o cerne da economia desta sociedade, a indústria comercial
manufatureira também conheceu certo desenvolvimento, principalmente o
desenvolvimento que se conhece por idade Calcolítica ou do Cobre (AQUINO et al,
1980).
O comércio atingiu seu auge no período de pós exílico, registrado nas historias
bíblicas do reis Davi e Salomão, a qual denotam uma diferença na realidade política, e
econômica de Israel (PFOH & WHITELAM, 2013) , portanto melhores leis de
comercio deveriam ser feitas, a partir daí o comercio passou a estar presente na vida
deste povo, visto que a região que habitam é uma verdadeira encruzilhada nas rotas da
Mesopotâmia, Egito, Mar Vermelho e do deserto, área de grande foco e
intercruzamentos de estradas (BRIGHT, 1980).
Por volta de 1800 a.C. algum fenômeno climático fez com que os Canitas
saíssem da Palestina na direção ao Egito. Relata a Bíblia e alguns estudiosos que no
Egito, os Hebreus passaram a ser perseguidos no Egito, passando a pagar pesados
impostos e chegando até mesmo à escravidão (PFOH & WHITELAM, 2013).
Por volta de 1200 a.C., os hebreus, já descendentes dos caanitas, saíram do Egito
e voltariam à palestina, no que a bíblia descreve como êxodo, cuja narrativa esta cheia
de mensagens e cronologia mítico-não histórica. Nesse episódio, os Hebreus teriam
passado quarenta anos no deserto e aí teriam forjado, sob a liderança de Moisés, toda a
base de sua civilização, inclusive sua cultura e sabedoria10.

10
É pouco provável que a historia de êxodo tenha sido escrita conforme a bíblia relata, não é aceito pela
comunidade de historiadores e cientifica sendo uma opinião religiosa.

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A visão religiosa crê que a Torá (que positiva a sabedoria dos Hebreus) foi
escrita pelo próprio Moisés revelada por Iavé e, embora esta tese esteja um tanto
desacreditada pelos acadêmicos em geral, ainda denomina-se a escrita de “Mosaica”,
mesmo porque, provavelmente, foi após a saída do Egito que este povo começou a
estruturar as bases escritas de sua cultura.
A base moral da sabedoria Mosaica pode ser encontrada nos Dez Mandamentos,
que teriam sido escritos “pessoalmente” por Deus no Monte Sinai, como forma de
Aliança entre Ele e o Povo Escolhido.
A Torá, também chamada Pentateuco, é formada pelos cinco primeiros livros da
Bíblia: o Gênesis, o êxodo, o Levítico, o Números e o Deuteronômio. Em toda a Torá
encontramos leis; entretanto, há no último livro uma reunião maior de leis, repetindo
inclusive alguns preceitos vistos nos outros livros, mesmo porque é esta a intenção do
Deuteronômio, que significa “segunda lei”.
Não podemos nos esquecer que esse povo tinham uma relação diferenciada de
constante aliança e parceria com sua divindade em uma relação religiosa sem par na
historia das religiões (BRUEGGEMANN, 1997) .

A sabedoria e religião.
A religião não é somente uma das características dos israelitas, mas pode ser
indicada a característica social que dá alicerce toda uma sociedade, inclusive Durkheim
afirmou que a religião era a “ossatura” de uma sociedade (DURKHEIM, 1989).
Toda vez que problemas sociais, econômicos e políticos aconteceram esse povo
relacionava a alguma causa religiosa. Eles, obviamente, explicavam tais “coincidências”
como uma vingança ou desaprovação de Jeová; usavam também a característica
vingativa de Jeová ou a manipulavam quem desobedecesse às leis divinas.
Embora a tradição indicasse Moisés como autor do Pentateuco, a maioria indica
como uma obra posterior, sec. V a.C. foi primordial para a formação de uma legislação
mosaica. Em 586 a.C., Nabucodonosor, na grande expansão de seu reino (MEDEIROS,
1991) conquistou a palestina e a elite social e religiosa da nação foi levada para a
Babilônia, como escravos11.

11
Era uma tática comum dos antigos grandes reino conquistar os filhos das elites mostrando-lhes a
riquezas de sua cultura ou corrompendo -os pelo luxo e pela luxuria, quando voltavam aos seus reinos
queriam transformá-lo numa colônia do reino conquistador (ROBERTS, 1995)

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O Exílio deu azo à formação de um corpus cultural hebraico novo, visto que o
contato com diversas culturas diferentes que freqüentavam o comercio babilônico
(persas, gregos e romanos) fez com que os hebreus fossem influenciados na eu- ser-estar
cultural e suas produções literárias míticas, deve ter tido um impacto muito grande
nessa cultura (DE PURY, 2002). Este processo, iniciado na Babilônia, somente iria
terminar 900 anos mais tarde (SKA, 2012).
Pequeno e com pouca produção agrícola devido ao seu pouco terreno fértil,
Israel sempre dependeu dos povos circunvizinhos para estabelecer seu conhecido e
milenar modo de produção comercial. Inclusive o Egito e Mesopotâmia conhecidos
berços da civilização ocidental. Esse contato, em que pese certo sentimento xenófobo
israelita, esse povo não ficou imune ao contato com esses diversos povos com suas
culturas avançadíssimas e que pode ter proporcionado sua sabedoria (STEINSALTZ,
1976).
Por exemplo, hoje há certas provas arqueológicas de que de fato os povos
semitas estiveram no Egito como escravos, talvez não tantos quanto a narrativa descrita
em Genesis e Êxodo querem descrever ao engrandecer e heroicizar a figura de Moisés e
do povo ancestral, porém estiveram, lá e provavelmente beberam na fonte da sabedoria
desse povo. A prova de que estiveram lá é dada pela obra de Eberhard Zangger (2005),
especialista em cultura clássica e um dos decifradores da correspondência
mesopotâmica-egipicia, que em escavações mostrou que haviam povos semitas,camitas
e palestinos no Egito.
As imagens abaixo foram publicadas na revista Ancient Egypt Magazine numero
32 por Rachael Thyrza Sparks orientanda de Zangger, outra prova está no recente
artigo da National Geographic de outubro de 2013, edição americana, na reportagem de
Rick Gore.

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Cena de Circuncisão da tumba de Ankn-mahor VI dinastia (2323-2150 a.C.)

SPARKS,2002, anexo 1.

Papiros de povos provavelmente semitas sendo escravos no antigo Egito. Mural


escavado em Tell Edfu.

SPARKS,2002, anexo 13.

Papiros descrevendo “povos de Mar” domesticando o divino antílope e trazendo


jumentos. Papiro achado no templo de Hatshepsut.

SPARKS,2002, anexo 14.

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Outra prova arqueológica é apontada em HARRISON R. K. (2005), que aponta


as descoberta dos mesmos padrões de ferramentas de carpintaria no antigo Egito e
também na região da palestina.
De qualquer maneira houve um contato cultural profundo onde esse povo esteve,
sobretudo no Egito e Mesopotâmia e que perfaz sua identidade sapencial. Suas obras,
leis, costumes e sabedoria serão afetados por esses povos onde passaram.

O espraiamento da sabedoria.
Segundo Lindez (1999) é possível ver em varias partes do antigo uma forte
influencia da sabedoria Egípcia, Mesopotâmica e mais tarde no exílio Babilônica.
Aponta ele algumas sérias semelhanças de textos anteriores à compilação bíblica tais
como: a influência da literatura sapencial do Egito, como as máximas de Ptah-hotep, os
ensinamentos de Merika-ré, de Amenemopet, e as instruções de Ank-sesonqy,
influenciando os livros dos provébios; as instruções de Duaf-Jeti e de Ani influenciado a
Siracida.
A literarura sapencial da mesopotâmia influenciou também os escritos do antigo
testamento, tal como o poema do Justo que sofre, um canto de louvor a Marduc, é muito
parecido com a narrativa de Jó, a teodicéia Babilônica influencia o livro de Jó e o
Genesis nas narrativas sobre os filhos de Noé (sobre a maldiçao de ver o pai nu), e a
celebre Epopéia de Gilgamesh que narra o dilúvio também influenciando o livro de
Genesis na narrativa de Noé. As sentenças de Aicar da babilônia tem forte influencia
também em Provérbios.
Há também uma forte influencia de mitos sumérios que alertam a sabedoria de
não querer se igualar aos Deuses como no caso da história da torre de Babel, Kramer
(1968) chama atenção para uma história parecida à da Torre de Babel na Mitologia
suméria chamada Enmerkar e o Senhor de Aratta, na qual Enmerkar de Uruk constrói
uma torre de guerra em Eridu e os deuses Enki e Enlil acabam por confundir as línguas
de toda a humanidade como efeito da sua ousadia. No mesmo conto está também a
historia de um caçador herege aos deuses chamado Ninrod, nesse conto lhe é
apresentado como filho de Enmerkar porém, outras traduções apresentar como sendo o
próprio Enmerkar (YAMAUCHI, 1965).
Lindez (op. Cit) chama atenção para o intercambio de sábios e culturas, ato
praticado comumente, provavelmente estimulado pelo comércio (PFOH; WHITELAM;

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2013) praticado no mediterrâneo influenciou com certeza essa formação cultural. Bom
lembrar que há certa xenofobia judaica, porém nunca foram proibidos de comerciar,
aprender ou mesmo nunca trataram mal os estrangeiros seguindo as orientações de
Moisés (GERSTENBERGER, 2012).
Há fortes indícios de uma influencia pós exílica da cultura babilônica Assim
como era desenvolvidas as leis comerciais as do povo hebreu também se tornaram
desenvolvidas como, por exemplo, descritas em Ex 22:9-15, há indícios de semelhança
entre estes versículos e o código de Hammurabi o que pode denotar uma influencia
cultural pós- exílica.
Há de se contar também da epítome de Deus ao propor que o único Deus Javé
como verdadeiro enquanto colocava todos os outros deuses do entorno como falsos
deuses ou demônios. Os deuses sumérios, fenícios e Acádios, Astarth e Asterotthi, bem
como os babilônicos Baal-Phegor, BaalBerith, Baal-zebub (mudados para Belial ou
Baal) foram demonizados e transcritos para o antigo testamento.

 Juízes 2:13 (o povo de Israel serviram Baal e Asteroth)


 Juízes 6:25 (Deus manda destruir o Altar de Baal)
 Números 22:41 (Os Hebreus tinha Altares a Baal)
 1 Reis 16:31 (Jeroboão adora Baal)
 1 Reis 18:19 (Desafio entre Yahweh, Baal e Asteroth)
 1 Reis 22:54 (Acazias adora Baal)
 2 Reis 10:19-28 (Jeú arma uma cilada aos sacerdotes de Baal)
 2 Reis 11:18 (Destruição do Templo de Baal)
 2 Reis 17:16 (Novamente adoração a Baal)
 2 Reis 23:05 (Referência aos adoradores de Baal, da Lua, do Sol e de outros astros.)
 2 Crónicas 23:17 (A morte de Matã o sacerdote de Baal)
 Jeremias 2:8 (O profeta questiona o poder dos sacerdotes de Baal e outros deuses)
 Jeremias 7:9 (Adoração a Baal entre pecados como o furto e o assassínio)
 Jeremias 12:16 (Juras por Baal)
 Jeremias 19:05 (Sacrifícios de crianças a Baal)
 Jeremias 23:13 (Samaritanos loucos profetas de Baal)
 Jeremias 32:29 (Os caldeus adoraram Baal)
 Oseias 13:1 (Efraim morre por ser culpado por Baal)

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Definição de sabedoria.
A sabedoria antiga, segundo Lindez (op.cit) constitui em um sistema de valores
em uma compreensão total do mundo e do cosmo, em uma referencia de relações do
homem com o divino e sua pratica sobre o mundo. É bem diferente da pratica de
sabedoria colocada com o advento do Helenismo. A cultura essencialmente grega, em
especial influenciada pelos expoentes do circulo antropológico, com um papel
importante de Aristóteles como difusor cultural de Alexandre o grande, e se torna
dominante nas três grandes esferas atingidas pelo Helenismo, a Macedônia, a Síria e o
Egito (CHEVITARESE, 2000).
Mais tarde, com a expansão de Roma, cada um desses reinos será absorvido pela
nova potência romana, dando espaço ao que historicamente se demarca como o final da
Antiguidade (BORGEN, 1992). Antes disso, porém, os próprios romanos, forma
paradoxalmente militarmente vitoriosos, porém, culturalmente dominados pelos gregos,
submetidos ao Helenismo, daí a cultura grega ser depois perpetuada pelo Império
Romano.
A sabedoria helenística não teria relação com o divino, para ela o homem era o
centro do universo, agora os deuses estavam na terra na forma do hegemon, Alexandre,
o homem era o sábio e tomara lugar dos deuses. A sabedoria helenística era considerada
o conhecimento acumulado de ciências em uma Paidéia, ou progressão do espírito
humano, o humano e seu conhecimento é o sábio, não é um dom divino.
Há um problema grave para a sabedoria antiga, dentre a qual a judaica referente
ao helenismo: Ele dá certo e resultado rápido. O helenismo desenvolveu o progresso
humano, destacando seu Polibius; o desenvolvimento da matemática e da física, campos
nos quais surgem Euclides e Arquimedes; astronomia, da medicina, da geografia e da
gramática. Tais conhecimentos tem reflexos rápidos nas engenharias e técnicas,
desenvolve-se grandes castelos, maquinas de guerra, navios nunca dantes vistos
possibilitados pelos estudos geométricos, grandes plantações com conhecimento da
astronomia, uma verdadeira era de fartura para a sociedade.
Rapidamente os sábios perceberam que essa sabedoria era uma afronta a Javé, e
propagaram em seus livros de sabedoria (Eclesiastes, Provérbios, Siracida dentre outros
tais como em alguns salmos), que a sabedoria seria o temor do Senhor Iavé.

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O resumo da sabedoria helênica é que o homem, e não os deuses são a fonte de


vida e sabedoria e tal fato era inadmissível para o sábio de israel. Colocar o homem
como fonte de sabedoria era uma afronta a todos os valores que se constituiu uma
sociedade patriarcal que se sentia como povo escolhido de Deus.

Sabedoria bíblica.
Para a herança judaico-cristã, a sabedoria é diferente, ela é de algum modo vinda
de Deus. A sabedoria no antigo testamento era o temor a Deus, (Ref: Pv. 1:7, 9:10 e
16:6; Sl 25:12 e 111.10; Jó 28.28), e também o cumprimento da Lei de Moisés
(Eclesiástico 19: 18-21). Como descendentes da sabedoria mesopotâmica, que também
gerou a grega, tem algo em comum e algo de diferente. Enquanto ação a sabedoria é a
mesma coisa para todos, Gregos, helênicos, Judeus12: Sabedoria é um agir no mundo
levado por uma crença de se estar fazendo o bem; é uma práxis, um agir sobre o mundo
segundo valores aprendidos e direcionados para o bem comum social. Seria o
discernimento que permite tomar o melhor caminho a seguir. Segundo Horne (2005) o
sábio e o que escolhe viver pelo caminho do respeito a Deus testemunhado
conscientemente ou não de que este é o fator primordial da realização humana.
Porém isso é perpassado por uma crença, ou seja, cairá no problema do
relativismo do que é bem para uns pode não ser para outro. Assim cairá nas diferenças
de sabedoria que não está na ação e sim nas fontes: enquanto a fonte de sabedoria para o
Hebreu é Jeová ou as escrituras atribuídas divinamente, já para o grego - helênico, a
sabedoria é humana ou o espírito humano em ascensão, possivelmente envolvido em
uma ética para o bem viver, porém de fonte humana e não divina.
Ai está a diferença entre as duas não diferem enquanto modo – ambas são agir
no mundo – porém diferem quantos as fontes, uma é humana, outra, divina.
Assim a sabedoria do hebreu é seguir a palavra de Deus, e sem entrar no mérito
histórico13 de como isso se deu, passa isso para o cristão. Para o cristão também é seguir
o livro sagrado, mas com ênfase ao amor ao próximo, alem de amar a Deus, deve-se
amar ao próximo. Não se fará aqui nesse trabalho, um comparativo a sabedoria do amor,
pois tal tarefa seria trabalho para uma vida toda. O Amor é o cumprimento de toda a lei,

12
As vezes me referirei como hebreu, judeu, não cairei aqui na problemática das origens dos povos já
descrita anteriormente, que envolvem ser descendentes dos povos de Canaã, sem nenhum preconceito
pois não os tenho me refiro aqui aos povos de língua hebraica ou que são crentes na Torah ainda que não
sigam corretamente. Os que estão unidos pela disporá de Israel.
13
Tal tarefa exigiria uma dissertação doutorado ou mais de uma

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segundo Paulo, e ainda segundo o autor de Colossenses diz que em Deus e Cristo está
toda a sabedoria “Para que os seus corações sejam consolados, e estejam unidos em
amor, e enriquecidos da plenitude da inteligência, para conhecimento do mistério de
Deus e Pai, e de Cristo, Em quem estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e da
ciência. Colossenses 2:2-3”.
Ainda para Paulo, na carta aos Coríntios faz divisão entre a sabedoria da terra
(filosofia grega) e a sabedoria dos seguidores de Cristo ou de Deus como descrito em 1
Coríntios 1:19-2514, ou na mesma carta no cap. 2:4-7 ou ainda 3:18-21. O autor de
Tiago também faz menção e separação entre a sabedoria de Deus e a do homem, sendo
a “do alto” pura e imaculada e a do homem corrupta, (Tiago, 3:13-17). Para o novo
testamento a sabedoria vem de Deus (Lucas 21:15), e é esse o entendimento soberano
para os que querem ser cristãos de um modo sem questionar através da reflexão
teológica cientifica, de um modo puro o cristão deve seguir esse entendimento: que não
há outro caminho para a sabedoria que não venha de Deus. O conhecimento humano
não deve ser posto ante o de Deus.
Ocorre que a crise da modernidade que colocou a razão humana como supra-
verdade retira a sabedoria divina e a coloca como um conhecimento secundário, ou
como simples religião ou como exótico e mentiroso. Despertando o pior da religião, sua
reação fundamentalista.

Sabedoria Grega
A sabedora Grega é totalmente diferente da sabedoria bíblica, é assim como a
helênica de fonte humana, porém, talvez não seja um agir o mundo, mas um conhecer-
o-mundo. Sabedoria grega se constitui em meio ao espraiamento da cultura helênica que
é a denominação de um conjunto de fenômenos sociais e é também o resultado de uma
série de eventos marcantes no mundo ocidental e meso oriental.

Porque está escrito: Destruirei a sabedoria dos sábios, E aniquilarei a inteligência dos inteligentes.
Onde está o sábio? Onde está o escriba? Onde está o inquiridor deste século? Porventura não tornou Deus
louca a sabedoria deste mundo?
Visto como na sabedoria de Deus o mundo não conheceu a Deus pela sua sabedoria, aprouve a Deus
salvar os crentes pela loucura da pregação.
Porque os judeus pedem sinal, e os gregos buscam sabedoria;
Mas nós pregamos a Cristo crucificado, que é escândalo para os judeus, e loucura para os gregos.
Mas para os que são chamados, tanto judeus como gregos, lhes pregamos a Cristo, poder de Deus, e
sabedoria de Deus.
Porque a loucura de Deus é mais sábia do que os homens; e a fraqueza de Deus é mais forte do que os
homens.
1 Coríntios 1:19-25

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Mais do que uma focalização e um ponto fixo na historia a cultura helênica é a


condição humana como referncial separado da religião e se contitui como uma condição
humana, é uma crença na certeza da razão e seu paradigma a racionalidade, na qual as
relações sociais são mudadas. Seu ápice ideológico, a focalização dos supostos direitos
foram direitos políticos, na qual o foco é o individuo humano e não os deuses. É o
homem se colocando na situação de independência de Deus (idem).
A sabedoria helenica trouxe uma nova consciência do sentido histórico, uma
nova representação da temporalidade histórica e, com ela, o mundo se fragmentou em
valores distintos. Ela é o desenvolvimento do processo de progresso, revolução, utopia;
a ideia de história está dominada pelos conceitos de razão, consciência, sujeito, verdade
e universal. Assim está na fonte do rompimento com o mito e com a religião. Assim as
éticas, praticas e crenças religiosas são não mais assume a importância que tinham.

A sabedoria do religioso.
Sem duvida há uma ruptura na sabedoria do mundo, ela está rota e foi
substituída pelo conhecimento científico, não há duvida, toda humanidade adotou como
verdade esse tipo de conhecimento, porém sempre houve quem se direcionou pelas
escrituras, ou melhor, pela interpretação particular de seu grupo das escrituras.
Faz-se necessário o conceito de crença, Como diz Bain, citado por Peirce (1974),
crença é “aquilo segundo o qual o homem está preparado para agir.” O próprio Peirce
(idem) complementa esta ideia notando que “Estar-se deliberadamente e completamente
preparado para moldar a conduta em conformidade com uma proposição, não é mais
nem menos que o estado mental chamado 'acreditar nessa proposição'”, o crente judeu
age no mundo conforme sua crença, é a sua única sabedoria. Se veste, age, fala, se
referencia a si e ao mundo segundo sua crença.
Assim o judeu se deve a uma crença. Se há uma sabedoria nisso ela é uma
reprodução da teologia de sofrimento, renuncia e auto-sacrificio do cristianismo
primitivo e do antigo testamento. Seu sentimento de unidade enquanto etnia trasncende
a religião e se constitui no típico de uma sociedade excludente, que tem melhorado
possibilita apenas uma sabedoria, já que a grande maioria não tem acesso aos bens
culturais, seguem a sabedoria que acreditam ser Divina. Vivem por seguir a palavra,
temor a Deus é significante no seu cotidiano, uma vez que vivem por certo temor de ser
castigados por qualquer desvio de conduta. Alem disso devido as suas condições, Rolim

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(1985) aponta o intenso controle social que a própria comunidade exerce sobre seus
membros, porém tem mais medo de Deus do que da comunidade.
Tem seu próprio entendimento de modo difuso do que seja Deus, é um
entendimento plural, difuso e liquido, mas tem um ponto comum, O Espírito guia sua
vida a partir do momento que se constitui Judeu. Toda sua vida é guiada pela obediência
a palavra divina, claro que transgridem tal palavra e pecam, mas procuram basear sua
aplicação no mundo não mediado por uma teologia provinda da modernidade e sim por
um entendimento mais subjetivo da bíblia e por uma experiência mais subjetiva e direta
com o espírito.
Acreditam que sua sabedoria virá de Deus, acreditam ser capazes de obter
revelações e um conhecimento diretamente vindo de Deus, tendo uma relação direta
com Ele através do Espírito. Isso talvez defina sua sabedoria, acreditam não ter
mediação entre Deus e o homem, pois o pastor quando prega, é segundo sua crença
dirigida pelo próprio Espírito.
Vale lembrar que não há divisão entre profano e sagrado no sentido Eliadiano,
não há tempo e espaço dividido entre sagrado e profano, toda sua vida é sagrada, toda
sua vida é pra Deus. Seu agir no mundo é para Deus, como está jungido a Deus, não há
escolha, se é de deus é bom, portanto não há juízo do valor em magoar certos direitos
humanos, simplesmente o bem é a palavra sagrada, o que vai contra isso é mal e o
homem que segue isso não é sábio.

Conclusão.
Concluindo o agir do mundo do judeu antigo, é o temor a Deus, é uma sabedoria
guiada contra a modernidade sem ter caído no fundamentalismo violento, é de fato uma
contracultura de o mundo moderno visto tentar a negação desse mundo. Vivem não para
a racionalidade do pensamento filosófico grego helenico, mas para uma espiritualidade
particular e única.
E uma sabedoria na contramão do que e considerado sabedoria pela cultura
helênica. Resolvem e se posicionam no mundo com o que entendem ser o bem ou
obediência a palavra de Deus.
Ë claro que é irreal, pois infelizmente é atravessado por interesses sempre
escusos de exploração devido a falta infeliz de paz e sempre guiado por interesses
econômicos e políticos que justificados pela religiosidade os torna perigosos quando

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confrontados em suas crenças. Mas mostra que mesmo no mundo moderno há uma
outra forma de viver e se relacionar no mundo, através de uma antiga sabedoria judaica
de viver sob o Temor do Senhor Deus. Lembro que para eles o Temor não é o terror,
mas sim reverencia e respeito a sua palavra, vivem por essa ética. Tal prática se
manifesta, em tese, por viver em honestidade, não proferir palavras torpes, perdoar,
evitar o pecado, e principalmente e que difere de todas as outras religiões na crença que
isso vem do Espírito e não de uma transformação ética de esforço próprio.
Assim, essa ética deveria ser perene voltada para a paz e não para a guerra,
porém quando unidas aos interesses mesquinhos infelizmente traz conflitos terríveis, a
qual deveria parar. Voltar aos seus fundamentos, sem fundamentalismos. A resposta
para esse problema talvez esteja na proposta de um novo fundamentalismo, digamos um
fundamentalismo esclarecido (se é que isso é possível), um que proponha como
fundamentos de sua religiosidade as ideias que não produzam vítimas (CERTEAU,
1998), onde o fundamento das configurações cristãs seja a o amor ao próximo; das
judaicas, o relacionamento com Yavhé e da sua benignidade, das mulçumanas do
caminho da submissão e da bondade. Ou seja, que seus fundamentos sejam os
condizentes com as conquistas de direitos humanos conseguidas a muito custo pelo
Estado democrático, e da promoção de um Estado Laico que garanta o respeito às
culturas e a liberdade religiosa e que apesar de conflitantes nasceu justamente com as
sabedorias helênicas. Deveriam essas duas fontes de sabedoria se complementar e
aprender uma com a outra e não excluir. Assim caminharíamos para um principio
ideológico de paz e não de guerra, termino com uma frase da sabedoria hebraica que
deveria obedecer ao seu Deus nesse verso: Porque eu bem sei os pensamentos que tenho
a vosso respeito, diz o SENHOR; pensamentos de paz, e não de mal, para vos dar o fim
que esperais." Jeremias 29:11.

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I Encontro Internacional Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva

Universidade Metodista de São Paulo – 22 e 23 de maio de 2014

Apoio:

Filosofia da tecnologia e evolução: o que causou a inteligência humana 1.

Otávio Barduzzi Rodrigues da Costa,

Antropólogo formado pela UNESP, Advogado formado pela ITE, mestre em filosofia
pela UNESP, Doutorando no Programa de Ciências da Religião da Universidade
Metodista (6 MEC), área: Cultura, Sociedade e Religião. Professor de humanidades da
Universidade Metodista e do IFSP, campus São Paulo.

RESUMO

Considera-se a espécie humana como caracterizada por uma cognição diferenciada, que
inclui aprendizado constante, uso de linguagem simbólica e auto-consciência. Que
fatores evolutivos teriam engendrado tal fenômeno? Nesse trabalho, são discutidos
alguns dados e conjecturas da Neuroantropologia Cognitiva, que sugerem uma
configuração de fatores, tais como o uso de tecnologia, a adoção do bipedalismo,
emergência da linguagem e da cooperação social, na origem do fenômeno da cognição
humana. A explicação do processo evolutivo humano aponta no sentido da operação de
mecanismos de causalidade circular, pelos quais desenvolvimentos incipientes da
técnica, da linguagem e da sociabilidade teriam progressivamente causado novos
desenvolvimentos nestas mesmas esferas de atividade humana, conduzindo às formas
sofisticadas de tecnologia, comunicação e relacionamento humano que caracterizam o
período histórico contemporâneo.

Palavras-chave: Cognição Humana, Ciências Cognitivas, Evolução Humana,


Neuroantropologia Cognitiva.

OS PRIMORDIOS DA COGNIÇÃO
Desde os primórdios da humanidade, estabelecemos uma relação de dependência
para com a tecnologia que íamos desenvolvendo. Inicialmente, necessitávamos de
instrumentos para nos alimentar melhor, para nos aquecer e para atender outras
necessidades. Depois para subjugarmos outros povos, para termos melhores condições
de vida, combater doenças, melhorar o rendimento no trabalho. Hoje, juntamente com

1
Trabalho apresentado ao I Encontro Internacional Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva

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I Encontro Internacional Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva

Universidade Metodista de São Paulo – 22 e 23 de maio de 2014

Apoio:

essas finalidades, e de permitir um mundo cada vez mais globalizado, interconectado,


assíncrono e com as distâncias encurtadas, a tecnologia é, ao mesmo tempo, nossa serva
e senhora (MUNFORD, 1956, p. 73).
Tecnologia é um atributo de que nossa civilização sempre dependeu (para o bem
ou para o mal). Essa relação é tão estreita que, talvez, tenhamos que mudar a designação
de nossa espécie: de Homo sapiens sapiens para Homo tecno sapiens (sugestão de
Munford).
É pertinente que se faça uma diferenciação entre os conceitos de “técnica” e
“tecnologia”. A “técnica” é um conhecimento empírico, que, graças à observação,
elabora um conjunto de receitas e práticas para agir sobre as coisas. “Tecnologia”
envolve o conceito de aplicação do conhecimento para construção de um certo saber ou
objeto (LAKATOS; MARCONI,1985 , p. 30).
Apesar desta distinção, queremos nos referir aqui à “tecnologia”. A tecnologia
existiria basicamente para ajudar na resolução de problemas humanos. Partindo do
pressuposto de que o papel da tecnologia é fundamental nessa morfogênese que envolve
a passagem dos australopitecíneos para o gênero humano, qual seria o papel do
hominídeo primitivo no contato com a natureza para que ele a transformasse em
instrumento útil e fundamental à sua sobrevivência? Tal processo gerou uma
inteligência ou a inteligência gerou essa capacidade de transformação? Se a tecnologia
capacitou uma inteligência, poderíamos concluir se interferiu na cognição humana? São
questões importantes que devem ser estudadas segundo os novos conceitos aplicáveis às
ciências cognitivas.
O homem desenvolveu a “tecnologia de fabricação própria” (self-made
technology), que foi muito importante para sua evolução. Susmam (1998) denomina
essa habilidade de tool behavior. O primeiro elo da corrente evolutiva a apresentá-la foi
também o primeiro a ser agraciado com o prenome de Homo (humano). O Homo habilis
ou homem habilidoso, surgido há aproximadamente dois milhões de anos, foi o que
demonstrou primeiramente a faculdade de confecção de instrumentos, capacidade essa
inexistente nos elos anteriores da cadeia evolucionária.

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I Encontro Internacional Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva

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Conceituar-se-á tecnologia como todo instrumento que, dirigido a uma


finalidade determinada, encontra-se fora do nosso corpo natural, cuja finalidade se
destina a satisfazer uma necessidade (definição a partir de uma adaptação livre do
conceito de Lakatos e Marconi, 1985, p. 115). Tal definição será utilizada neste
trabalho. Para tratar deste interessante aspecto da evolução humana, levaremos em conta
a natureza do papel do cérebro, suas relações com o corpo (mão) que tem sido motivo
de reflexão nas ciências cognitivas.
Neste capítulo destacamos o homo habilis como o primórdio a utilizar
tecnologia de fabricação própria, e como a utilização de tecnologia demarcou a
diferenciação do gênero humano no processo evolutivo, já que obviamente mostra uma
capacidade cognitiva diferenciada.
Enfocaremos o desenvolvimento das áreas especializadas do cérebro que se
evoluiram concomitantemente ao uso de tecnologia e tiveram efeito diferenciado na
cognição dos nossos ancestrais.
Abordaremos outras conseqüências bio – neuro - fisiológicas que influenciaram
no cérebro, na cognição e principalmente na socialização diferenciada estabelecendo
algumas relações com a inteligência.

O GÊNERO HOMO HABILIDOSO


O ser humano utiliza a tecnologia de modo diferenciado, mas não o faz de modo
exclusivo. Na natureza, inúmeros outros animais utilizam tecnologia2. Alguns exemplos
são: o joão-de-barro, quando da construção de seu ninho; os castores, em suas represas,

2
Vários animais são capazes de usar ferramentas, mas não de construí-las, as diferenças
levantam-se, entretanto, em como os seres humanos usam ferramentas em comparação a
outros animais. As ferramentas utilizadas por animais não evoluem, não passando de
comportamento estereotipados, enquanto as dos humanos tornam -se mais eficientes com a
evolução da sua complexidade mental. Além disso, nenhum outro animal combina materiais
para criar uma ferramenta com as funções múltiplas De fato, Hauser diz, esta habilidade de
combinar materiais e processos do pensamento é uma das computações chaves que
distinguem o pensamento humano HAUSER, Marc "Wild Minds: What Animals Really Think"..
Henry Holt and Company: 2002.

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os térmitas em suas colmeias. Porém, só o homem pode transformar a natureza em


ambiente artificial, ou seja, só ele tem a habilidade de artífice, de modo a aprimorar
seus instrumentos para adequá-los às suas necessidades.3Além disso, manifesta
capacidade de design, ou seja, de visualizar em um objeto bruto, um formato que
naturalmente não existia e aplicá-lo às suas necessidades mediatas ou imediatas
advindas do meio onde vive.
Obviamente, essa utilização original envolve um mistério: o homem evoluiu por
causa dela ou a evolução deu-lhe essa capacidade? A resposta não pode ser respondida
facilmente, mas examinada como um processo complexo.
Essa evolução se diferencia daquela do simiozinho das árvores, em que ele
desce para as savanas, tornando-se ora caçador, ora caçado, produzindo suas armas,
seus utensílios e seus abrigos, cujos processos são indissolúveis dos processos de
socialização do homem (MORIN, 1993, p. 87), pois era necessário que ficasse agrupado
para sobreviver aos predadores e de outros grupos sociais em busca de alimento e água.
No crescimento das necessidades surgem cooperações e competições que
interferem no progresso da cultura que, por sua vez, vai se tornando complexa e
complementando outros fatores necessários ao processo de hominização, entre eles o
uso de tecnologia (MORIN, 1993, p. 89).
Morin chama esse processo de morfogênese multidimensional sociogenética
(op.cit. p. 40). Esse termo pode ser compreendido mais corretamente quando se pensa
nas múltiplas dimensões: cérebro/mão/técnica/linguagem/cultura: do sistema evolutivo,
que se integra e se aperfeiçoa emergindo as qualidades próprias do ser humano. É
evidente que esse desenvolvimento pode ser mais complexo a cada passo evolutivo do
homem, partindo do Proncosul até o Homo sapiens sapiens.
Entre os dois elementos (Proncosul e Homo sapiens sapiens), vivenciamos um
sistema de transformação bem peculiar e cheio de fases evolutivas, que os darwinistas

3
Filósofos como Marx, Hartmann e vários outros tratam das necessidades humanas e não
caberia neste trabalho detalhar esse rico assunto.

4
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mais clássicos chamavam de elos evolutivos. Esses elos, na verdade, estão em profunda
mudança dinâmica, da qual vão emergindo novas formas mais adaptadas ao meio. Essa
adaptação, pelo uso de tecnologia, de novas formas de caça, vai mudando o hominídeo,
sua relação com o mundo e transformando suas características em humanas
(CORBALLIS, 1993, p. 99). O homem, durante o processo evolucionário, vai mudar o
meio e se adaptar ao mesmo numa relação emergente.
O uso de tecnologia trouxe inúmeras interferências e resultados para a cognição
humana: como aumento da possibilidade de variar a alimentação e acesso as proteínas
que interferiram no desenvolvimento cerebral; maior aumento populacional;
transformação do meio ambiente; comunicações complexas (simbólicas) para ensinar
uso e fabricação de tecnologia aos novos membros da tribo; troca de informações
elaboradas para produzir eficientes estratégias de caça.
Inúmeras outras mudanças pela utilização de tecnologia fizeram com que
rompesse os limites animais naturais, trazendo novos alcances a cognição hominídea,
onde ela nunca esteve antes. Um universo de capacidade de design, de insight e de
analises futuras, de interferências junto à natureza, de pensamentos e representações;
para poder finalmente pensar em novas possibilidades além daquelas limitadas ao
próprio corpo em relação com o meio-ambiente. Havia agora um mediador além do
corpo, para transformar o ambiente e prover suas novas e constantes necessidades – o
instrumento.

O HOMO HABILIS
O Homo habilis (h.h.) trouxe uma contribuição muito importante para a
evolução do homem, a tecnologia de fabricação própria (self-made technology)
(SUSMAM, 1998, p. 4); quando começa a lascar pedra, para fazer tudo: caçar, tirar o
tutano das carcaças, espantar outros animais e afastar grupos rivais, o que, antes de usar
tecnologia, seus antepassados não podiam fazer. Tecnologia é tudo o que nos liberta
das limitações de nosso próprio corpo (MONDIN, 1980, p. 199).

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Este individuo, com certeza, já superava algumas de suas limitações corpóreas


usando tecnologia, talvez seja a etapa em que o cérebro começa a se complexar em
direção à working memory (RICHARDSON, 1996, p. 3-4).4 Vale lembrar que é a
primeira vez que o hominídeo tem o prenome de Homo.
Tal denominação se deve ao fato de ter ultrapassado várias características
totalmente diferentes de um ser da raça pitecus (macaco), referente ao modo de fazer
tecnologia e de superar suas limitações naturais. Ao mesmo tempo, seu corpo não era
tão diferente da raça pitecus mas apresentava uma fundamental mutação na mão, o
dedão opositor. Também mostrava uma pequena mutação no cérebro, um início de um
córtex pré-frontal. Esse modo particular de se superar e essas pequenas diferenças vão
constituir novo elemento que caracterizará nova emergência no modo de
comportamento do homem.
A partir do h.h, o gênero homo podia ser considerado como aquele que fabricava
seus próprios utensílios complexos. Já portava um potencial neuropalatal para certa
capacidade linguística bem mais complexa que os animais. Talvez imitasse o canto dos
pássaros e se comunicasse por fonemas. Se isto parece surpresa, o bebê já apresenta
uma capacidade de falar quando balbucia. O h.h. poderia estar nessa fase, no balbuciar
da linguagem; apresentando as proto-áreas cerebrais, que mais tarde culminariam na

4
Também denominada memória operacional, é um tipo de memória transitória que pode
manter informações por períodos variáveis de tempo em função de sua utilidade. Por enfatizar
apenas seu produto e não os processos psicológicos envolvidos, sua definição engloba tanto o
que aqui chamamos de memória prospectiva, assim como o que denominamos memória
operacional (working memory, no sentido de Baddeley, 1986), cujo componente primordial são
seus recursos atencionais.
Segundo Richardson (1996), Miller, Galanter e Pribam foram os primeiros a utilizar, em 1960, o
termo “memória operacional” (working memory), considerando o lobo frontal como responsável
pela “memória operacional”, na qual os planos podem ser retidos temporariamente quando
estão sendo formados, transformados ou executados. Nesse sentido, é um sistema de
processamento da informação que atua no controle executivo da cognição e do
comportamento, sendo um tipo de memória de curto prazo. Essa interpretação, apesar de
genérica, é bastante aceita pela neuropsicologia atual.

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área de Broca e de Wernick, estas se superdesenvolveram-se em seus herdeiros da


linhagem homo (FALK, 1992, p. 187).
Embora sua “tataravó”, Lucy, uma Australopithecus afarensis, já pudesse andar
ereta, o h.h. alcançou mudanças estruturais em sua coluna vertebral (MITHEN, 2003, p.
23), possibilitando importantes mudanças na organização no sistema nervoso central e
periférico.
Outra herança importante dos Australopithecus foi a bipedalização, já. Além de
liberar a mão para maior habilidade, a bipedalização acompanhou-se da neotenia: o fato
de que bebês bípedes nascem antes de completar sua formação cerebral e os cérebros
crescem fora do processo de formação do feto. Tal evento trouxe inúmeras capacidades,
como a de aprendizado contínuo (JOHANSON; SHREEVE, 1998, p. 321) e a possível
redução de algumas capacidades instintivas sendo necessário mudar sua maneira de se
relacionar com o meio.

Uma grande diferença entre o h.h. e os austrelopitecíneos é o tamanho e o


formato do cérebro; enquanto o maior macho de Australopithecus tem o cérebro de
no máximo 600cm3, só as menores fêmeas de h.h. têm esse órgão na medida de
650cm3, enquanto os machos têm acima de 800cm3. Vale lembrar que em todos
primatas há uma diferença no tamanho do cérebro entre fêmeas e machos, o que não
significa inteligência menor. (MITHEN, 2003, p. 120).

Segundo Wills (1991, p. 263-267), a capacidade diferenciada de inteligência


humana não está associada ao tamanho relativo do cérebro-corpo, nem em número de
neurônios, nem no potencial de velocidade sináptica, mas, no formato e no
desenvolvimento do córtex pré-frontal do ser humano, até então único da evolução. As
fases evolucionárias depois do h.h., como Homo dmanisensis e Homo erectus (WILLS,
1991, p. 299) demonstram desenvolvimentos cada vez mais crescentes dessa área
cortical. Aparece um início de um córtex pré-frontal, ainda que não muito desenvolvido
(FALK, 1992, p. 69-75), com as novas técnicas neuroantropológicas torna-se possível
saber em que local nos cranios e em que fase evolutiva do cérebro esta parte do cérebro
se desenvolve.
O h.h. mostrou uma habilidade diferenciada através da destreza, a qual afetou
profundamente seu comportamento e vida social. A destreza só pode ter sido causada

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por um crescimento neurológico desta área no córtex. Acreditamos que, tanto essa
destreza como o crescimento cerebral, foram profundamente influenciados pela
mudança radical na alimentação.

A interessante diferença do h.h. é a habilidade motora que ele demonstrava.


Era capaz de produzir ferramentas complexas e apresentar capacidade de design, ou
melhor, de projeto com base em outros objetos de natureza. Ele manipulava objetos
encontrados no meio e os transformava (por exemplo, pedras transformadas em
machados). Isso é chamado por Susmam de self-made tecnology; essa é uma
importante diferença que, sem dúvida, pode ser vista como novidade genuína.
(EMECCHE; EL-HANI, 2005, p. 39-56).

Outros primatas também usam tecnologia5. O ser humano utiliza a tecnologia de


modo diferenciado, mas não o faz de modo exclusivo. No entanto só o homem pode
transformar de tal modo a natureza que ela se torne artificial, fabricar e fazer tecnologia
de modo a aprimorar seus instrumentos para adequá-los às suas necessidades.
O Homo habilis emergindo consigo tecnologia de fabricação própria (self-made
technology) se fez fator muito importante para a evolução do homem. Essa criatura,
certamente já desenvolvia um nível de consciência de limitação própria e de capacidade
para se superar; seu cérebro começaria a desenvolver a working memory, demonstrando
criatividade e protodesenvolvimento lógico (CORBALLIS, 1993, p. 92). Como ele
superou vários problemas apresentados pelo meio para sobreviver, isso pressupõe um
principio de inteligência, que será tratado adiante. Por ora, refletiremos sobre outros
efeitos evolutivos advindo do uso de tecnologia, que merecem nossa atenção por sua
ação transformadora na evolução da cognição humana

5
Há registros de chipanzés que usam pedras para quebrar nozes, mas não capazes de
fabricá-las. PREMACK, David & PREMACK, Ann James, The Mind of an Ape, New York:
Academic Press, 1983

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ALGUMAS CONSEQUÊNCIAS DO USO DE TECNOLOGIA


Conceituamos “tecnologia” como todo instrumento cuja finalidade se destina a
satisfazer uma necessidade. Este instrumento serve para ambientar e adaptar o corpo a
uma situação em que esse não é suficiente para satisfazer tal necessidade6.
O homo habilis, ou homem habilidoso, que demonstrou a faculdade de
criatividade e design na fabricação de instrumentos. Capacidade essa inexistente nos
elos anteriores em qualquer outro animal existente. Mesmo os maiores primatas têm
uma diferença grande no nível dos instrumentos que usam em comparação com o
h.h. (MITHEN, 2003, p. 151-156).
Esses instrumentos possibilitaram duas coisas importantíssimas ao Homo
habilis: a obtenção de alimento diferenciada, a partir da rapinagem e da caça e,
consequentemente, maior socialização, elemento fundamental para a aquisição da
linguagem.
Essa alimentação proporcionou uma riqueza proteica duas vezes necessária:
 As mudanças na estrutura óssea que estavam acontecendo em sua
coluna vertebral e em suas mãos (SUSMAM, 1998).
 A mudança estrutural em seu próprio cérebro, que, em nossa opinião,
influenciou na aquisição da cognição complexa do homem. Segundo
Foley (2003), uma mudança cerebral necessitaria de grande quantidade
de alimentação e de mudança radical na dieta, o que resultou no
desenvolvimento do córtex pré-frontal (FALK, 1992, p. 63).

Quanto às mãos, assim como no caso da bipedalização, verificou-se uma


modificação de anatomia básica dos primatas. O dedo polegar humano é mais longo que
no chimpanzé ou gorila e é posicionado ligeiramente mais afastado dos outros quatro
dedos, portanto, em oposição aos demais, possibilitando maior rotação. Significa que o
dedo polegar pode ser girado contra os dedos, permitindo pegar objetos de diferentes
tamanhos com a mesma eficácia (SUSMAM, 1998, p. 28).

6
Difere de técnica que nem sempre necessita de instrumento. Técnica é o procedimento ou o
conjunto de procedimentos que tem como objetivo obter um determinado resultado e nem
sempre precisa de instrumento, exemplo técnicas de sedução (LAKATOS e MARCONI).

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Essa sensível alteração anatômica cria amplo espectro de funções que os


também diferenciam humanos dos macacos, pois nos dá tanto a precisão como a força
para agarrar. O alcance de atividades passíveis de serem executadas pelas mãos
humanas é bastante diversificado, pois se possibilitou a utilização de ferramentas como
a lança, o machado, as agulhas e a linha; tornou-se possível ninar uma criança, pintar
uma obra-prima ou tocar uma música em um piano (SUSMAM, 1998, p. 23).
O desenvolvimento da destreza (high-handeness) é associado no cérebro
humano ao neocórtex lateral esquerdo, o córtex pré-motor, na parte posterior do córtex
frontal esquerdo, próximo e em constante comunicação com a área de Broca por meio
do feixe de nervos chamado Fascículo Arqueado (KANDEL; SCHWARTZ; JESSEL,
1995, p. 393-400).
Como o h.h. tinha uma habilidade diferenciada na destreza, isso só pode ter sido
possibilitado por um crescimento neurológico da área de destreza no córtex e uma
mutação nas mãos, derivados do bipedalismo. Acredita-se que, tanto essa destreza como
o crescimento cerebral, foram profundamente influenciados pela mudança radical na
alimentação.
Estudos com símios demonstram que células nervosas específicas dessas áreas
cerebrais têm boa absorção de proteínas encontradas em animais como peixe, por
exemplo, o que não fazia parte da dieta dos Australopithecus. Uma dieta só pode ser
mudada com uso de tecnologia (pesca, caça, cerceamento de animais) (WILLS, 1991, p.
91-93). Essa mudança de dieta teve profunda influência no desenvolvimento cognitivo
do homem.
O estudo de crânios de Homo habilis demonstra que o
protodesenvolvimento dessas áreas se dá nessa fase da evolução humana. Nos
estágios anteriores (Australopithecus), não há espaço ou forma dentro do crânio
dessas espécies que demonstrem um desenvolvimento dessas áreas corticais; estudos
dos ossos nas cadeias posteriores ao H. habilis (H. dmanisensis e H. erectus)
demonstram um desenvolvimento maior das mesmas áreas. (FALK, 1992, p. 133-
134).
Considera-se importante a mudança de dieta do Homo habilis, bem como as
transformações que isso trouxe ao cérebro. Há também mutação nas estruturas celulares
ocorridas no cérebro humano devido à evolução. A mudança radical de dieta
proporcionada pelo uso de tecnologia pôde aumentar o conflito entrópico e as mudanças

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de energia no sistema cérebro-corpo. Se considerar o organismo do h.h. como um


sistema imerso em um ambiente em transformação, pode-se dizer que parte desse
sistema (neural-corpóreo) teve alteração em sua estratégia de modo tão diverso e rico
que aumentou, sem dúvida, a complexidade do cérebro para que o organismo
sobrevivesse.
Há também o aumento da ingestão de cálcio de maneira radical, podendo ter
afetado a quantidade de ATP (Adenosina trifosfato) e, possivelmente, afetou
neurotransmissores à base de potássio. As células do córtex pré-motor apresentam
diferentes capacidades de absorção de ATP e proteína 14-3-3 (BERG; HOLTZMANN;
RIESS, 2003) no homem e nos chimpanzés, que poderia fornecer novos recursos de
comunicação intracelular.

Sem dúvida, essas mudanças foram fundamentais para o desenvolvimento


da área de destreza e linguagem e, conseqüentemente, da cognição; além disso,
outras influentes mudanças no corpo, como estômagos menores, propiciaram uma
preciosa reserva de energia para o cérebro. O cérebro é o órgão que mais consome
energia, enquanto estômagos vegetarianos, que são sempre relativamente grandes,
consumiriam uma energia preciosa, impedindo, talvez, o crescimento cerebral.
(FOLEY, 2003, p. 236-238).

Além disso, outro fator importante foi proporcionado pela ampliação de


variedade na alimentação diferenciada causada pelos instrumentos de pedra: o início da
socialização particular do gênero Homo.
Citamos como exemplo de uma complexa interação social a rapinagem, na qual
o hominídeo obteria ossos deixados ao léu, consumindo o tutano que extraía de dentro
deles com o uso de machados de pedra, uma rica fonte protéica que quase nenhum
animal tem. Como o h.h. faria para obter os ossos? Ele teria que utilizar uma divisão
social de trabalho muito eficiente para que parte do bando distraísse outras espécies de
rapinadores enquanto outra parte fugia com os ossos.
Outra técnica de rapinagem está ligada à tese de Bateson. Segundo esse
autor, só o tutano dos ossos seria insuficiente como fonte de cálcio e outras proteínas.
O h.h. teria que pegar várias carcaças recém-mortas por animais maiores e mais
perigosos que hienas, como o tigre de dente de sabre. Como? Bateson observou o
comportamento de caça de alguns felídeos que vivem em bando, como os leões da
savana que caçam em bandos como os tigres de dentre de sabre. Os felinos que
caçam juntos marcam um território de caça, atacam um bando de mamíferos

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quadrúpedes que vão beber água, pegando os mais fracos, depois de matar um, se o
bando de caçadores for grande, eles abandonam por pouco tempo as primeiras
carcaças derrubadas e vão atrás de outro membro do bando. Nesse curto período de
tempo, o h.h. agia com extrema inteligência social, enquanto parte do bando vigiava
para ver se os caçadores voltavam, outros utilizavam seus machados de pedra para
extrair pedaços de carne da caça, numa atitude perigosa e que teria que ser muito
rápida, obtendo assim carne fresca o suficiente. No caso de caçadores que caçavam
solitários, como a cheeta pré-histórica e o cinogato, cuja habilidade seria capaz de
matar um búfalo, mas não de comê-lo inteiro, deixando boa parte da carcaça fresca,
confiando no seu território marcado pelo seu cheiro. Entrar no território de um
caçador poderoso pode ser extremamente perigoso, mas agindo em bando, com vigia
e aumentando sua socialização, o h.h. seria capaz de obter o tão precioso alimento.
(FOLEY, 2003, p. 128-129).

O aumento da socialização também se dá pelo ensino das técnicas de caça e


rapinagem aos mais jovens das famílias de h.h. Isso envolve o ensino de fabricação de
instrumentos. Tanto Falk (1992) como Mithen (2003) concordam que o aprendizado
dessa instrumentação era adquirido muito rápido, ainda quando criança, pois os
instrumentos oduvaidenses, bem pequenos, que só caberiam em mãos pequenas (de
crianças e adolescentes, considerando o tamanho dos fósseis encontrados). Nenhum
outro símio tem esta capacidade de aprender a lidar com instrumentos desde filhote.
Apenas o chimpanzé mais habilidoso conseguirá manipular instrumentos apenas depois
de adulto e bem treinados por humanos, porém, sem capacidade de transformar o objeto
as suas necessidades (MITHEN, 2003, p. 118-122).
Greenfield estudou a relação de aprendizado e destreza em crianças. Observou
que as partes cerebrais que são responsáveis pela linguagem (área de Broca e de
Wernicke) e destreza (neocórtex lateral esquerdo) se desenvolvem juntas na criança.
Segundo a autora, há uma causa filogenética para esse desenvolvimento simultâneo:
eles aparecem juntos e se especializam durante o processo evolutivo (GREENFIELD,
1991, p. 41). Greenfield mostra ainda a relação intracerebral entre destreza e linguagem.
Em face dessas evidencias, não é possível desprezar o fato da mudança evolutiva
cerebral ter influenciado na cognição, e que tal mudança foi permeada pela socialização.
Crê-se que o fator de socialização foi muito importante na formação do processo
cognitivo. O desenvolvimento da cognição está ligado à forma de socialização única no
homem e sua capacidade filogenética provinda do símio de aprendizado por observação,
mais a capacidade única de aprender constantemente, já que não temos instintos bem
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desenvolvidos, possibilitando, desse modo, a capacidade de aprendizado extraordinária


do homem.
Tal capacidade deu origem à nossa diferenciação principal, os fatores de
inteligência humana. Para tanto, é preciso fazer breve análise dessa capacidade
cognitiva e com isso mostrar algumas das fantásticas diferenças entre homem e seus
antepassados.

A INTELIGÊNCIA DIFERENCIADA HUMANA


Este subcapítulo trata da cognição diferenciada humana e sua relação com
inteligência. Para melhor efeito, definimos “inteligência” como a capacidade cognitiva
de construir estratégias ou artefatos que possam resolver problemas apresentados pelo
meio onde vive o ser. “Inteligência é a capacidade de armazenar e manejar
adequadamente um vasto volume de dados, e a criatividade seria o poder de síntese, ou
seja, a faculdade de combinar esses dados para obter algo novo e útil”, interpreta
Margaret Boden.7 Para ela, inteligência e criatividade estão intimamente ligadas; vale a
pena deter a atenção sobre a criatividade.
Criatividade é o nome dado a um grupo de processos que procura variações em
um espaço de conceitos de forma a obter novas e inéditas formas de agrupamento, em
geral selecionadas por valor (ou seja, possuem valor superior às estruturas já
disponíveis, quando consideradas separadamente). Podem também ter valor similar às
coisas de que já se dispunha antes, mas representam áreas inexploradas do espaço
conceitual (nunca usadas antes). É o conjunto de atividades exercidas pelo cérebro na
busca de padrões que provoquem a identificação perceptual de novos objetos que,
mesmo usando “pedaços” de estruturas perceptuais antigas, apresentem peculiar
ressonância, caracterizadora do “novo valioso”, digno de atenção (BODEN,2004, p.
46).

7
Cf. BODEN, Margaret. A mente criativa.p. 45.

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A criatividade aparece em flashes rápidos e marcantes em absolutamente todas


as áreas de atuação dos seres humanos, agindo sempre de forma definitiva em sua
estrutura. Essa estrutura é chamada, segundo Boden (2004 p. 43), de espaço conceitual,
que modula o aparecimento de organização mais efetiva, ou seja, com uma relação
ainda mais adaptada com o meio.
É muito interessante a particularidade “novidade” que as ferramentas trouxeram.
Podem ser associadas à evolução e à criatividade. Segundo Bergson (1979), a evolução
é uma eterna emergência de novidades. Inteligência, para o autor: é “a faculdade de
fabricar instrumentos inorganizados, isto é, artificiais, para que o ser vivo possa, de
acordo com as circunstâncias, conseguir o meio de sair de dificuldades... fabricando as
ferramentas que lhe permitirão sair dessas dificuldades” (BERGSON, 1979, p. 137).
Para ele, o instinto é a materialidade pronta e desejada, porém, incapaz de especular ou
de ter a criação de design. O ponto alto da análise entre instinto e inteligência é que “há
coisas que só a inteligência é capaz de procurar, mas que por si mesma jamais
encontrará. A essas coisas, só o instinto encontraria, mas ele jamais irá procurá-las”. O
instinto é a faculdade de utilizar um instrumento organizado natural, de acordo com o
autor.
O ser inteligente, para ele, traz consigo sua própria superação de trazer novidade
a si e ao meio, pois “uma inteligência que visa fabricar é uma inteligência que não se
atém às formas atuais das coisas, que não as considera definitiva, mas que admite toda
matéria, pelo contrário, como modelável à vontade” (BÉRGSON, p. 135). A
inteligência é um produto e uma causa de evolução (p. 136).
Porém, Bergson vai propor e definir os termos de inteligência acabada e
inacabada e instintos acabados e inacabados. “O instinto acabado é a faculdade de
utilizar e mesmo de construir instrumentos já organizados; a inteligência acabada é a
capacidade de empregar instrumentos inorganizados” (p. 129).
Bergson necessitaria de uma análise bem mais extensa; basta, porém entender
que o conceito de inteligência bergsoniano combina com a habilidade do h.h. único na
natureza. O autor ainda classifica essa habilidade do Homo faber (fabricador de

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instrumentos) com uma novidade na natureza no decurso da evolução (p. 221-236),


concordando com uma ideia emergente.
Podemos dizer que, segundo o conceito de Bergson aplicado à evolução
humana, o h.h. apresenta inteligência, ou seja, capacidade de construir ferramentas para
resolver problemas apesar de não possuir linguagem, e conta com uma nova e eficiente
maneira de se relacionar com o mundo.
A obra desses dois autores (Bergson e Boden) provê argumentos filosóficos
poderosos para a tese de que o Homo habilis apresentava ao menos princípios
inteligentes, porém tal inteligência não era a humana. Ele não tinha uma linguagem
desenvolvida ainda, mas foi o primeiro que gerou princípios para a existência desse
dom e também base biológica para que a humanidade se tornasse sapiens sapiens.
O Homo habilis foi importante impulso no processo filogenético do ser
humano. Por meio dele pode-se encontrar conexões importantes para a resultante
sapiente da raça humana. É possível, então, concluir que não há elos separados no
processo evolutivo humano, faz parte de um processo emergente, em que existem várias
conexões, vindo a ser resultados que se parecem teleológicos (MAYR, 1988, p. 39).
Na verdade, é um processo emergente sincrônico forte, já que se considera
aqui, não sem controvérsia, o aparecimento da self-made technology e da capacidade de
design como novidades genuínas e um processo inacabado, tendo certeza de que a
tecnologia já influenciou e ainda vai influenciar muito a humanidade.
Inteligência pode ser encarada como uma habilidade de se adaptar
efetivamente ao ambiente, seja fazendo uma mudança em nós mesmos ou mudando o
ambiente ou recriando um novo ambiente. Nesse viés incorpora-se o aprendizado (uma
mudança em nós mesmos), manufatura e abrigo (mudança do ambiente) e migração
(encontrando um novo ambiente). A inteligência é um conceito multifatorial
(MITHEN,2003,p.106) envolvendo faculdades tais como linguagem, pensamento,
memória, raciocínio, consciência (a percepção de si mesmo), capacidade para
aprendizagem e integração de várias modalidades sensoriais. De modo a nos adaptar

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efetivamente, o cérebro deve usar todas essas funções em um conjunto sincrônico,


estabelecendo as prioridades instintivas e incorporadas para diferentes situações.
Consideramos que, se inteligência é uma maneira de mudar o modo de como o
ser, em processo da animalidade para a humanidade, se relaciona com o mundo, é
também uma maneira de se relacionar com o mundo, trazendo soluções para os
problemas apresentados pelo meio ambiente. E cognição, de certo modo, é o processo
que se dá na relação corpo (cérebro) e ambiente, regulando o próprio ser e as reações
do corpo em relação ao ambiente controlando a interdependência ou indissociabilidade,
entre organismo e meio/entorno,8 então aquilo que afeta nossa inteligência, afeta nossa
cognição. Foi o que aconteceu com o uso de ferramentas e seus efeitos, ela afetou de tal
modo a maneira de como nossos ancestrais se relacionavam com o mundo que resultou
numa diferença radical na cognição do hominideo.
A teoria da complexidade de Morin (1993) nos ajuda a reorganizar as partes
desse mosaico de teorias sobre a cognição e sobre o homem. Segundo Morin, o cérebro
não deve mais ser concebido como um órgão, mas como “o epicentro organizacional de
todo o complexo bioantropossociológico”, pois ele é o sistema integrador/organizador
central onde se comunicam o organismo individual, o sistema genético, o ambiente
ecossistêmico, o sistema sociocultural. A complexidade do pensamento indica o
paradoxo do uno e do múltiplo, na convivência inquieta e estimulante da ambiguidade,
da incerteza e da desordem.
Propõe-se que a inteligência emergiu como um dos processos para se adaptar
aos ambientes, para tanto, o h.h. usou ferramentas, mostrando uma dupla adaptação,
uma biológica, evolutiva, de acordo com a teoria da evolução, e outra diretamente
agindo na relação imediata organismo humano e ambiente, vivenciando o momento.
Analisando essas capacidades complexas, redefinir-se-á inteligência humana
como: a capacidade que o ser humano tem de resolver problemas complexos
apresentados pelo meio, pelos semelhantes, por outras espécies, que constituem o

8
Definição adaptada de Maturana (2001. p. 61).

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mundo acessível do sujeito mediada por uma linguagem que entre o mundo e as reações
e referências entre meio e sujeito.
Referencias:

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system. Nature Reviews Neuroscience, v. 4, n. 9-4, p. 752-762, Sep. 2003.

BERGSON, Henri. A evolução criadora. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.

BODEM, M. A mente criativa. E book: Tradução Sérgio Navega.


www.intelliwise.com.br/criativi/boden. Acesso em: 04/2004

CORBALLIS, Michael C. The Lopsided Ape: Evolution of Generative Mind. New


York: Oxford Press Inc., 1993

EMMECHE, Claus; EL-HANI, Charbel Niño. Definindo vida. Explicando


emergência. Disponível em: <http://www.nbi.dk/~emmeche/coPubl/99.DefVida.
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FALK, Dean. Braindance. New York: Henry Holt and Company. Inc., 1992.

FERH, Ernts; REINNIGUER, Suzann-Viola. Evoluindo. Revista viver mente e


cérebro, Duetto Editora SP-SP ed. 1 n.4, jan. 2005.

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Ed. USP, 1982.

FETZER, J. H. Filosofia e Ciência Cognitiva. Bauru, SP: Edusc, 2001.

FOLEY, R. Os humanos antes da humanidade: uma perspectiva evolucionista. São


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GREENFIELD, P. M. Language, tools, and brain: the ontogeny and phylogeny of


hierarchically organized sequential behavior. Behavioral and Brain Sciences, v. 14, p.
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JOHANSON, D.; SHREEVE J. O Filho de Lucy: a descoberta de um ancestral


humano. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.

KANDEL, E; SCHWARTZ J. H; JESSEL T. Fundamentos da Neurociência e do


comportamento. Rio de Janeiro: Guanabara e Koogan, 1995.

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Universidade Metodista de São Paulo – 22 e 23 de maio de 2014

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LAKATOS, E. M.; MARCONI, M. A.: Fundamentos de Metodologia Científica. São


Paulo. Ed. Atlas, 1985.

MAYR, Ernst. Toward a new philosophy of biology: observations of an evolutionist.


MA, EUA: The Belknap Press of Harvard University press. Cambridge, 1988.

MITHEN, S. A Pré-história da Mente: uma busca da arte da religião e da ciência. São


Paulo: Ed. UNESP, 2003.

MORIN, Edgar O método- O conhecimento do Conhecimento. Lisboa: Publicações


Europa-América, 1993. v. III.

RICHARDSON, J. T. Envolving concepts of working memory. Em J. Richardson, R.,


Engel, L. Hasher, R. Logue, E. Staltzfus & R. Zacks (Orgs.), Working memory and
human cognition (pp. 2-30). New York: Oxford Press 1996.

SUSMAM, Randall L. Hand function and tool behavior in early hominids. Journal of
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WILLS, Christopher. The Runaway Brain: The evolution of human uniqueness. New
York NY-US: Harper Collins Publisher, 1991.

18
1º simpósio Sudeste
da ABHR
1º simpósio Internacional
da ABHR

Diversidades e
(in)tolerâncias religiosas

Anais

Eduardo Meinberg de Albuquerque Maranhão Fº (org.).

ISSN - 2318-518X

São Paulo, 2013


Anais do 1º Simpósio Sudeste da ABHR /
1º Simpósio Internacional da ABHR

Tema: Diversidades e (in)tolerâncias religiosas


Local: FFLCH/USP, 29 a 31 de outubro de 2013
São Paulo, São Paulo, Brasil

ABHR – Associação Brasileira de História das Religiões


Anais na internet disponíveis em http://www.abhr.org.br/?page_id=1568
Caderno de Programação e Resumos: disponível na internet em
http://www.abhr.org.br/?page_id=1593

A Comissão Editorial se responsabilizou pela revisão da formatação dos textos


de acordo com as normas de edição do evento. Eventuais erros ortográficos,
assim como o conteúdo dos textos e imagens, são de inteira responsabilidade
dos/as autores/as. Foram publicados textos de Minicursos (MCs) e de Grupos de
Trabalho (GT) nestes Anais.

Maranhão Fº, Eduardo Meinberg de Albuquerque (org.).


2013
Anais do 1º Simpósio Sudeste da ABHR / 1º Simpósio
Internacional da ABHR – Diversidades e (in)tolerâncias religiosas
/ Eduardo Meinberg de Albuquerque Maranhão Fº (org.); 3110 p.

1. 1º Simpósio Sudeste da ABHR / 1º Simpósio Internacional


da ABHR.
2. Diversidades e (in)tolerâncias religiosas.
I. Maranhão Fº, Eduardo Meinberg de Albuquerque (org.). II.
Título.
II. 2318-518X
1028
Nova tolerância intolerante: mudanças de relações de gênero nas
Assembléias de Deus
Otávio Barduzzi Rodrigues da Costa1

Introdução

Estamos em época de mudanças sociais bem como crises, como um dos principais segmentos
da sociedade, a religião também passa por mudanças (BERGER, 1971, p.21), pode-se afirmar
que estamos em época de efervescência religiosa (CAMPOS, 2002, p.97). Sobretudo no
Brasil, as profundas mudanças econômicas e sociais, bem como a inserção do país de modo
crescente no cenário econômico mundial afetou vários segmentos da sociedade brasileira e
sua religiosidade também foi afetada (MUNIZ DE SOUZA & MARTINO, 2004, p.15).

Tradicionalmente a relação de gênero nas igrejas em especial nas Assembleias de Deus se


caracteriza por uma leitura fundamentalista bíblica descrita em I Timóteo 2:11-12 “A mulher
aprenda em silêncio, com toda a sujeição. Não permito, porém, que a mulher ensine, nem use
de autoridade sobre o marido, mas que esteja em silêncio” e em 1º Coríntios 14:34-35 "As
mulheres estejam caladas nas igrejas, porque lhes não é permitido falar". E, se querem
aprender alguma coisa, interroguem em casa a seus próprios maridos, porque é indecente que
as mulheres falem na igreja", bem como outras passagens semelhantes, porem tais posições
tem sidos mudadas que apresentaremos nesse trabalho.

Usualmente classifica-se o pentecostalismo Brasileiro em três grandes fases (ou ondas). O


pentecostalismo no Brasil tem sido classificado utilizando as ideias de Paul Freston (1994), e
se tem usado a periodização das três ondas. A primeira onda pentecostal registra a fundação e
o surgimento da Congregação Cristã do Brasil e das Assembleias de Deus, nos moldes do
pentecostalismo norte-americano e sueco de onde provinham os fundadores. A chamada
segunda onda pentecostal teve origem na década de 1950, dava ênfase na glossolalia, na cura
divina e nos milagres. São numerosas as denominações surgidas nessa época: Igreja do
Evangelho Quadrangular,antes conhecida como Cruzada Nacional de Evangelização (1953);

1
Antropólogo, jurista, mestre em filosofia, doutorando em Ciências da Religião pela UMESP, Bolsita do IEPG,
professor da UNESP- FAAC – Bauru. Orientador Lauri Emílio Wirth. Contato: adv.otavio@ymail.com.

1029
Igreja Pentecostal "O Brasil para Cristo" (1956); Igreja Pentecostal "Deus é Amor" (1961);
Metodista Wesleyana (1967) e muitas outras.

Na Década de 70, uma terceira onda pentecostal, que é a mais estudada, porque usa grande
espaço na mídia e suas ideias diferenciadas, com uma série de modificações da teologia
pentecostal, deu início a formas de pentecostalismo conhecido com o nome de
"pentecostalismo brasileiro" ou neopentecostalismo. A Igreja Universal do Reino de Deus
(1977), a Igreja Internacional da Graça de Deus (1980), a Igreja Cristo Vive (1986), são
expressões afirmadas do pentecostalismo brasileiro (MARIANO, 2005).

Cada uma focaliza seu discurso social e teológico em bases principais que podem até se
misturar com as outras. Todas podem pregar, por exemplo, a cura, ou a prosperidade, mas
cada uma enfoca algo que são diretrizes básicas da maioria das pregações em seus templos. A
primeira onda (pentecostalismo) enfoca o batismo com o Espírito Santo e a glossolalia e a
salvação da Alma (LEONARD, 1963 p. 47). A da segunda onda de (Deuteropentecostalismo)
enfoca a cura divina e estimula cultos com excessiva demonstração de Glossolalia
(MOREIRA, 1996 p.13). A da terceira (neopentecostalismo) exalta o exorcismo e mensagem
da prosperidade (FERRARI, 2007 p.22).

Números e características das igrejas Pentecostais

Varias igrejas surgiram no cenário Brasileiro nos últimos anos. Basta dar um pequeno passeio
em qualquer bairro, sobretudo os periféricos, para ver um sem numero de denominações
religiosas das mais variadas2.

Os números demonstrados pelo Censo de 2010, divulgado recentemente pelo Instituto


Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontou que o número de evangélicos cresceu
61,45% no Brasil nos últimos dez anos. Apenas entre as Assembleias de Deus o crescimento
foi estrondoso, mais de 48%. Se utilizando de Dados do Censo 2010 (que calcula 15.000.000
- quinze milhões de membros até 2009) e do órgão oficial de Noticias das Assembleias de
Deus (doravante AD), o CPADNews, que professa o numero (feito por pesquisa própria

2
Existem muitas listas, sobretudo WEB. Segue sugestões de consulta:
http://www.compulsivo.com.br/2010/02/todas-as-igrejas-do-brasil.html -
http://www.pulpitocristao.com/2010/05/confira-os-nomes-de-igrejas-mais-estranhos-e-engracados/ -
http://oskaras.com/97-nomes-estranhos-de-igrejas/ - http://www.gospel10.com/igrejas/denominacao--batista--1 -
http://www.gospel10.com/igrejas/denominacao--igreja-pentecostal--18 - http://www.mackenzie.br/10175.html

1030
através de registros das igrejas) anunciado da Convenção Geral das Assembleias de Deus o
Brasil (CGADB) de 2012 de ≈25.000.000, chegamos a uma média de 20.000.000 (vinte
milhões) de membros, (CPADNews, 2012) o mesmo site observa que se a taxa de
crescimento continuar constante, em 2020 o numero de evangélicos da AD ultrapassará os
50.000.000.

As neopentecostais têm suas praticas pautadas pela teologia da prosperidade (CAMPOS, L.S.,
1996 p.521), que significa uma troca simbólica de promessas supostamente divinas de que os
fieis tem, em troca de sacrifícios financeiros, o direito-dever de se tornarem ricos e
prósperos3.

Em que pese à popularidade alcançada, ou a grande colocação na mídia, não é nem de longe o
maior representante do pentecostalismo no Brasil, perto das Assembleias de Deus (AD).
Segundos dados do IBGE, as maiores representações somadas do neopentecostalismo não se
aproximam das ADs que na menor das contagens chega a quinze milhões de membros.
Segundo o IBGE a IURD tem 1.873.000 (um milhão oitocentos e setenta três mil membros).
A IIGD não aparece nas pesquisas do IBGE, mas segundo uma entrevista dada a revista
Enfoque Gospel, com seu fundador o missionário R.R. Soares, que auto atribui-se a cerca de
900.000 (novecentos mil) membros, não há porque duvidar, sendo que em apenas uma
pregação no estado do RJ na Enseada de Botafogo, no chamado “Dia da Decisão”, em
comemoração às quatro décadas de jornada ministerial de seu líder, cerca de 200 mil pessoas
compareceram (REVISTA ENFOQUE GOSPEL, 2012). A IMPD tem 315.000 (trezentos e
quinze mil membros) (IBGE, 2010), outras somadas chegam a 400.000 tais como o Ministério
Mudança de Vida, Renascer em Cristo, da Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra , e
do Ministério Internacional da Restauração. Todas essas juntas não chegam a um terço das
Assembleias de Deus (ADs).

Mudanças diversas presentes e vindouras. Diferenças de costume

As ADs e igrejas derivadas a que denominar-se-á igrejas pentecostais ortodoxas, não estão
isentas de mudanças diversas, que estão ocorrendo bem agora, sobretudo nos últimos 5 anos
(de 2007 em diante). Vários eventos proporcionaram tais mudanças. A explosão Gospel
3
uma análise aprofundada de seu discurso revela em sub tom, de que as pessoas que forem fieis em dízimos e
ofertas tem não só o direito, mas o dever de serem prósperas (entenda-se ricas) e que em caso contrario deve
existir algum pecado ou demônio atrapalhando a prosperidade dessa pessoa.

1031
ocorrida na década de 1990 (CUNHA, 2007 p.9). A influência sempre histórica das igrejas
norte-americanas, cujo discurso e teologia foram mudados após os acontecimentos de
setembro de 2001. Outro em 2004 quando ocorre à saída da AD Madureira da CGADB.
Também a ordenação de mulheres a partir de 2005. Outro com a crescente influência de
Algumas ADs na mídia. Digno de nota é a mudança de discurso e sua grande influencia
teológica dos eventos promovidos pelos Gideões Missionários da Ultima Hora. Também vale
lembrar a crescente influencia teológica da CPAD e da CGADB, ou seja, há novas
instituições influenciando as Igrejas pentecostais ortodoxas.

As ADs tradicionalmente são conhecidas por impor uma adequação moral aos seus membros
no que se refere as vestimentas, impõe um jugo pesado inadequado ao clima brasileiro,
tachando o que é ou não uma roupa decente. No seu livro o pastor Ricardo Gondim (2005,
prefacio)4 denuncia o pesado jugo a qual estão dispostos tais pessoas. Essa é uma visão
fundamentalista, mas que tem mudado, porem há muito ainda que mudar.

Para a maioria das ADs não se pode cortar cabelo para as mulheres, homens não podem ter
cabelo comprido, de preferência o corte deve ser padronizado como o do pastor ou raspado,
mulheres só podem usar saia comprida, no mínimo abaixo do joelho, homens podem andar de
calça social e camisa, preferencialmente comprida, mas os obreiros no culto só podem portar
terno e gravata, não importa o calor (ROLIM CARTAXO, 1987 p. 18).

As assembleias de Deus depois de meados da década de 1940, tem se dividido em ministérios,


que seguem mais ou menos a mesma matriz, aceitam os costumes umas das outras, convidam
pregadores umas das outras para pregarem, mas estão divididas em ministérios a quais não
tem, na pratica, diferenças nos costumes, porem são feitos para beneficiar uma visão5
(poucos) ou uma família de lideres cuja liderança é passada de pai para filho (ALENCAR,
2005 p.102).

São inúmeros os ministérios, os mais numerosos são: Ministério Belém, Ministério Ipiranga,
Assembleia de Deus Missionária, Assembleia de Deus Ministério Missão, filiadas a CGADB. Há
inúmeras outras não filiadas tais como, AD Kairos, AD Restauração, AD Fama, etc... vale a
pena registrar a Assembleia de Deus Madureira, que só perde para números de fiéis para a AD

4
Pastor da Assembleia de Deus por 15 anos, o pastor Ricardo Gondim com 50 anos de idade e vivência dentro
dessa igreja, observou muita coisas nela e depois abriu sua própria igreja (Igreja Evangélica Betesda) por não
acreditar em certas regras e costumes impostos pelas ADs.
5
Por exemplo a AD missionária tem a visão de implantar missões em vários locais do Brasil e do mundo o vice
presidente ao contrario da maioria dos ministérios não é filho nem genro nem parente do presidente.

1032
Belém, e tem sua própria convenção: A CONAMAD - Convenção Nacional das Assembleias
de Deus no Brasil do Ministério de Madureira. Porém, todas podem ser caracterizadas por
certos códigos de comportamento que as caracteriza além da roupa: repetem em tom
monocórdio versículos bíblicos, ao menos em tese não falam gírias e palavrões, evitam ouvir
musicas mundanas e frequentar eventos mundanos. Não pode, varias coisas, ver tevê, praticar
esporte e cultuar ritmos musicais brasileiros, as crianças não podiam brincar de futebol,
bicicleta ou nadar , nem praticar esportes ou ir a praia. A justificativa é ao mesmo tempo
Simples e definitiva: são coisas do mundo ou do diabo6. Essa é uma visão fundamentalista
bíblica que impunha certa interpretação de lideranças mas que mudou nos últimos anos.

Porem há mudanças, no segundo maior ministério7 das ADs. A Assembleias de Deus


ministério Madureira tem mudado radicalmente seu costume. A veiculação anunciado por
jornais gospel de todo o pais confirma a facilmente verificável8 a mudança as quais passam.
Agora ficou muito mais visível e isso acaba ou acabara interferindo em outras assembleias de
Deus, sob o risco de perder fieis:

No templo do Brás, porém, às 19h30 do domingo 15, um grupo de cerca de vinte fiéis fazia
coreografias, ao lado do púlpito, ao som de uma batida funkeada. Seus componentes –
mulheres maquiadas e com cabelos curtos tingidos, calça jeans justa e joias combinando
com o salto alto; homens usando camiseta e exibindo corte de cabelo black power – outrora
sofreriam sanções, como uma expulsão, por conta de tais “ousadias”. Mas ali eram
ovacionados por uma plateia formada por gente vestida de forma parecida, bem informal.
Palmas, também proibidas nas celebrações tradicionais, eram requisitadas pelo pastor
Samuel de Castro Ferreira, líder do templo e um dos responsáveis por essa mudança de
mentalidade (...)Sua Assembleia do “pode” tem agradado aos fiéis. “Meu pai não permitia
que eu pintasse as unhas, raspasse os pelos ou cortasse o cabelo”, conta a dona de casa
Jussara da Silva, 49 anos. “Furei as orelhas só depois dos 40 anos. Faz pouco tempo,
também, que faço luzes”, afirma Raquel Monteiro Pedro, 47 anos, gerente administrativa.
Devidamente maquiadas, as duas desfilavam seus cabelos curtos e tingidos adornados por
joias pelo salão do Brás, cuja arquitetura, mais parecida com a de um anfiteatro, também se
distingue das igrejas mais conservadoras. (CARDOSO, 2011)

6
Para alguns fiéis é a mesma coisa pois interpretam ao pé da letra a passagem bíblica descrita em 1Jo 5.19
"Sabemos que somos de Deus e que o mundo inteiro jaz no Maligno."
7
Ver mais detalhes na reportagem - Um pastor moderno entre os radicais jornal mídia gospel de 20 de novembro
de 2011, disponível em http://www.midiagospel.com.br/variedades/noticias/assembleia-de-deus-sem-usos-e-
costumes acessado em 12/dez/2012.
8
Basta ir a qualquer culto.

1033
Tais mudanças se encontram em franca aceitação pelos fieis e afetam outras Assembleias de
Deus e igrejas, que cada vez mais rompem com tradições, a AD do Bom Retiro com mais de
7.000 membros que pode ser citada como exemplo (SANTOS CORREA, 2008 .p.56), mas a
maioria das ADs ainda mantém seus costumes.

Especialmente frente à juventude das igrejas já há uma franca mudança de comportamento,


tais como uso de camisetas (na maioria sempre se referindo a algo bíblico), uso de calça jeans
e corte de cabelo (as mulheres ainda mantêm comprido, mas não mais até a cintura). Parte
disso se deve também ao crescimento de grifes evangélicas que produzem roupas de cunho
cristão, mas com corte moderno, atendendo a uma fatia do mercado antes inexplorada e agora
em franca expansão (CUNHA, 2007 p.47). Ainda na maioria das igrejas pentecostais
tradicionais ou ortodoxas é obrigatório tanto fora como dentro da igreja o uso de roupas
“decentes”, só que o que é decente tem sido mudado9, a 40ª CGADB (Convenção Geral das
Assembleias de Deus no Brasil), realizada em abril de 2012 em Cuiabá retificou o que é ou
não decente (GCABD, 2012).

Mudanças em relação ao gênero

Quanto a ordenação de mulheres, após anos de papel de submissão e de incapacidade de


ordenação, isso agora mudou. Já é aceito desde que no dia 23 de abril de 2005, quando foi
sagrada pastora, a cantora gospel Cassiane, fato que entrou para a história da Assembleia de
Deus. Foi consagrada a primeira pastora da denominação centenária, e indo contra a maioria
do posicionamento da instituição10: o pastoreado feminino. Vale registrar que já existem como
ordenadas pastoras, a Elizete Malafaia, esposa de Silas Malafaia é um conhecido exemplo,
dentre outras ordenações cada vez mais crescentes. Porem não é unânime em todos os
ministérios, o que questiona a força das CGADB que reconheceu tais ordenações, mas ainda
não se posicionou nem contra nem a favor da ordenação feminina (GOSPEL PRIME – 2011),
porem certas mudanças em questão de gênero são claramente perceptíveis.

9
Se baseiam na Bíblia em 1 epistola a Timóteo 2.9.
10
Apesar de haver ordenação ainda há muita resistência, a resistência está centrada nas igrejas que ainda não tem
pastoras ou não convidaram pastoras para pregar, após isso ocorrer a resistência pouco a pouco se dissolve
(GOSPEL PRIME – 2011).

1034
Embora nunca ordenadas, às mulheres e solteiros já tiveram nos anos 30 e 40 um papel
importante nas ADs, porem o que ocorreu de 1940 até 1990 foi um conservadorismo
extremado (ALENCAR, 2010 p. 76) que implicou em uma fase de machismo em franco
declínio da década de 2000 para os dias de hoje.

Ultimamente tem se observado uma força maior da CGADB (Convenção Geral das
Assembleias de Deus do Brasil) no que se refere às questões teológicas e diminuindo sua
força em questões de doutrina11. Isso se deve ao fato de multiplicar as denominações
associadas sendo impossível unificar por enquanto a doutrina de cada igreja. Creio que se
deve também a certo medo de sair da convenção como aconteceu com a AD Madureira. Em
seu site oficial, ela é definida como “uma igreja evangélica pentecostal que prima pela
ortodoxia doutrinária.”

Ainda há certo machismo, sempre tradicional nas ADs (MARIZ, 1994 p.12), esse machismo é
inclusive aceito pela maioria das mulheres, que se põe em papel de submissão visto que há o
entendimento geral, entre os homens e a maioria das mulheres de que a Bíblia diz assim
(MACHADO, 1996 p.199). Esse machismo se manifesta de varias maneiras, desde a
aceitação geral de que não poderia haver mulheres pastoras, como a ideia de que mulher não
trabalha, e que quem sustenta a casa é o homem (IDEM). Porem essa visão têm mudado, há
tempos vários pastores, em que pese o machismo na pratica de suas vidas pessoais diárias,
dizem em seus discursos e pregações que é grande o papel das mulheres no movimento
pentecostal, esse entendimento é compactuado em anos de observação12 e também na Bíblia
de Estudo Pentecostal (1995) nos comentários de provérbios 31.10-31, como no Dicionário de
movimento Pentecostal (ARAUJO, 2007, verbete mulheres). Não há já algum tempo a
separação de homens e mulheres nas igrejas da ADs, ainda continuam praticá-la a
Congregação Cristã do Brasil e a IPDA.

Sempre reconhecem a importância da mulher, mas as relegam ao serviço social e de oração da


igreja, porem algo pouco relatado é o preconceito que as mulheres tem delas mesmas, é
observado que mulheres que trabalham fora, “não estão na visão”, e que o “certo seria não
trabalhar”. Porem com a emancipação recente da mulher e a crescente conquista dos seus
direitos esse preconceito tem diminuído, ainda mais porque houve a percepção de que família
em que a mulher trabalhava aumentava a arrecadação do dizimo. Os cultos ultimamente têm
11
Logo será objeto de artigo próprio.
12
O autor é presbítero da assembleia de Deus missionária de Bauru há mais de 7 anos, é evangélico há mais de
10 anos, foi consagrado a pastor em janeiro de 2013 é também pregador itinerante visitando varias ADs no país.

1035
dado grande importância para as mulheres e são homenageadas e chamadas para vários outros
trabalhos na igreja13. Pode ser ou não por interesse, mas a mulher tem sido mais valorizada.

Quanto à moral sobre o casamento ainda é soberano o fato de se manter a família, quase que a
qualquer custo14, sabe-se que o pentecostalismo tem uma visão machista (MARIZ, 1994
p.192), e o divorcio não era aceito pelas ADs porem o preconceito com mulheres separadas
antes de serem convertidas já inexiste, e está diminuído o preconceito com mulheres
separadas antes da sua conversão15, porem estas são estimuladas a perdoar e continuar com
seus maridos, o divorcio antes impensável hoje é possível apenas na possibilidade de
adultério, e mesmo assim a pessoa deve ser “tratada espiritualmente” antes de se relacionar de
novo com alguém16. O que antigamente era impossível. Ainda é um assunto tabu e desafio
para a igreja (STRECK, 2007 p.32), porem o poder da mulher dentro da igreja tem aumentado
e proporcionalmente a isso o apoio e diminuição de preconceito ao divorcio também
(FONSECA; MARIN; NASCIMENTO DE FARIAS, 2010 p.28).

Os pentecostais tradicionais demonizavam a televisão até ocorrer dois fatores: a influencia e o


sucesso dos televangelistas nos anos 1970. Há de se considerar o crescente acesso econômico
para a televisão, ficava fácil demonizar algo que não tinha acesso, desde 1990 ficou permitido
à televisão para ver desde que se evitasse programas de nudez ou indecentes, estimulando
apenas aos programas religiosos e telejornais. Hoje, face e esses fenômenos, é permitida a
televisão, tanto que ocorre a boca miúda o seguinte exemplo de testemunho: o Assembleiano
antigamente dando testemunhos17 no púlpito – “irmãos, Jesus me salvou e já vendi a
televisão”; já o Assembleiano hoje dando testemunhos – “irmãos, Jesus me abençoou e já
comprei três televisores”. Já rádio, especialmente programas evangélicos foi permitido, mas
só após ampla discussão na década de 1940 (ALENCAR, 2010 p. 72).

Evidentemente o maior acesso a mídia, a televisão introduziu novas idéias antes impensáveis
as irmãs, tal como acesso a moda, ideários de beleza, que embora manipuláveis por uma
13
Por exemplo, a esposa do autor consagrada a diaconisa, como é publicitária e designer é constantemente
procurada para fazer a arte dos cartazes, de outdoors e outros, ou seja é a designer oficial da AD missionária de
Bauru e de outras igrejas co-irmãs.
14
Mesmo em caso de traição e agressão familiar há o estimulo para que o membro vitima perdoe o outro e haja
reconciliação de casal, o ministério de casal tem sido um dos mais poderosos das igrejas.
15
Ha pouco preconceito com homem separado ou divorciado, tanto é que ha vários pastores consagrados que são
separados, porém todos passam por “tratamento espiritual” nesse caso, que pode ser alguns anos ou meses sem
pregar, estando no Banco sendo orientado por um pastor e tendo um grupo de intercessores orando por ele(a).
16
As convenções omitem muita coisa, a CGADB apenas diz que é para manter a família, mas se omite em caso
de divorcio.
17
Testemunhos são oportunidades para que pessoas que não são pregadores falem das suas experiências
religiosas.

1036
industria cultural de interesses escusos deu novas escolhas as pertencentes as assembléias de
Deus em sua auto-imagem (MIRA, 2003 p. 40), alem do mais o acesso ao computador e a
internet, trouxe tremenda possibilidade de comunicação informacional ao mundo pentecostal
(CAMPOS JR, 2012 p. 14) , no que se refere a opressão tradicionalmente machista da Ad’s
trouxe uma liberdade de trocas de idéias e conversas para as crentes femininas antes
impossível e restrita ao seu circulo de amizade.

Trouxe diversas idéias antes totalmente alienadas alem do padrão de beleza, trouxe também a
ideia de introdução no mercado de trabalho e ideários de independência financeira trazidas
pelo capitalismo.

Teologia da prosperidade X teologia da salvação

A prosperidade para Assembleia de Deus é uma visão bem diferente das neopentecostais.
Essas seguem a teologia ou evangelho da prosperidade que teve suas origens nos EUA, por
volta dos anos 30 e 40 (MARIANO, 1999, p. 151). No Brasil, segundo Mariano (idem, p.
157), a Teologia da Prosperidade iniciou a sua trajetória nos anos 70, penetrando em muitas
igrejas e ministérios, em especial: Internacional da Graça, Universal, Renascer em Cristo,
Sara Nossa Terra, nova Vida, Bíblica da Paz, Verbo da Vida, Cristo Salva, Cristo Vive,
Nacional do Senhor Jesus Cristo. Cada uma delas deu de diferentes maneiras e de diferentes
modos as doutrinas desse evangelho da prosperidade que se baseava em escritos de Hagin tais
como: "Não ore mais por dinheiro [...] Exija tudo o que precisar." (HAGIN, p. 17 apud
ROMEIRO, 1998, p. 43, grifos nossos). A Teologia da Prosperidade encontrou terreno fértil
no Brasil a partir os anos 70, encontrando espaço nos grupos evangélicos pentecostais. Após
certo tempo os pentecostais verdadeiros começaram a rejeitá-lo (PIERATT, 1993 p.81) o que
ocasionou, para quem acreditava uma ampla difusão de novas igrejas e divisões que
acreditavam nesse tipo de evangelho. Surgiram daí as chamadas igrejas neopentecostais.

A prosperidade para os Assembleianos não significam ter vários carros, belas casas, ter um
alto salário, ou uma vida com fartura de bens materiais como é pregada pelas igrejas
neopentecostais, e sim paz harmonia e segurança, em varias pregações é constante a definição
“prosperidade é viver bem com aquilo que Deus permite que você viva”. Ou seja, é um ato
continuo de gratidão a Deus pelo que você tem não uma luta para conquistar coisas que o fiel
ainda não tem.

1037
Isso gera um verdadeiro conflito para o fiel, porque ele ouve num dia desses grandes
pregadores, seja ao vivo ou na radio, a teologia da prosperidade, mas na sua igreja, também
assembleiana, o pastor alerta para o cuidado das falsidades da teologia da prosperidade. Na
bíblia de estudo pentecostal (CPAD – 1995), no estudo “Riqueza e Pobreza” observa-se a
seguinte afirmação: “o crente não deve se preocupar com acúmulos materiais nem amontoar
bens...para o cristão as verdadeiras riquezas são o amor e fé...”. O que ocorre é que certos
germes da teologia da prosperidade tem entrado entre os pentecostais tradicionais fazendo
com que muitos creiam nisso, o que pode explicar o crescimento tanto da ADs, que estão
aceitando tais mensagens mas não com ponto central da sua teologia que ainda é a salvação
das almas.

Simplesmente as igrejas pentecostais ortodoxas estão sofrendo influencia de outras


pentecostais, tais como as neopentecostais e deutero- pentecostais. Assim há diversas e
inúmeras mudanças no que chamamos de pentecostais ortodoxos inclusive nas relações de
gênero.

Aos poucos a teologia da prosperidade tem chegado aos pentecostais ortodoxos, se por um
lado aliena e escraviza os seus fieis, por outro possibilita uma coisa no que se refere ao
gênero, induz a mulher a procurar e se inserir no mercado do trabalho. Antes a mulher que era
relegada as tarefas do lar era o modelo a ser seguido, porem agora o modelo é a da mulher
formada, empresaria e principalmente dizimista na Igreja.

Considerações finais

Como pode se notar as igrejas pentecostais a que se classificam aqui de pentecostais


ortodoxas, especialmente as Assembleias de Deus, passam por profundas mudanças em
seus direcionamentos morais e teológicos. O mundo está passando por grandes mudanças
em todas as áreas. Mudanças há sempre na história, mas a intensidade do momento é única.

A mídia também muda o modo de com a igreja se relaciona com o seu fiel e vice versa.
Correa (2000, p.87) afirma: "A relação que é criada através da mídia social, oferece
exatamente a associação que se busca no espaço público", assim o fiel antes negado no
espaço publico pela discrepância econômica, o encontra na igreja, na mídia social em vários
espaços, este começa a aparecer e a gostar disso, o sentimento de humildade cristão vai

1038
sumindo, e criando novas relações sociais dentro do grupo religioso que muda cada vez
mais as Igrejas.

Note-se que é a mensagem da teologia da prosperidade e da estrutura organizacional da


Igreja, a conversão do mercado religioso, os fiéis e como a religião influencia cada vez
mais mudanças em uma causalidade circular. É o surgimento de uma comunidade religiosa,
que é de consumo de bens, e de um sentido de pertença, onde há uma reunião simbólica de
interesses a partir de um encurtamento da distancia através da mídia em influenciar suas
teologias e práticas tradicionais mesmo entre os pentecostais ortodoxos. Aliado a isso, há
um medo da perda de fieis por parte da liderança da Igreja, esses então permitem certas
mudanças que devem ser cuidadosamente a estudadas, a fim de direcionar o estudo do
campo religioso brasileiro atual.

É necessário um novo estudo religioso e a constante observação participante para manter


atualizado o estudos dessas religiões que preocupam pela sua cada vez mais crescente
influencia na política e economia.

Não vamos dizer que já há uma total independência da mulher, alias independência é um
conceito contraio na tradição pentecostal seja para homem seja para mulher. Porem já alguns
passos tem sido dados e isso é motivo para se observar um avanço nas relações de gênero
nessa pertença religiosa. Claro que ainda existem as Ad’s que mantém o seu tradicionalismo
machista (ex as AD’s ministério Ipiranga que ainda mantem homens e mulheres em lados
opostos da igreja) mas isto devem mudar com a constante influencia apontadas nesse
trabalho.

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1042
DOI: 10.5433/1679-0383.2014v35n2p35

O que a filosofia cristã pode dizer sobre a globalização e o


capitalismo
Considerations of a critical philosophy and christian about the
globalization capitalized

Otávio Barduzzi Rodrigues da Costa1

Resumo
Esse artigo pretende traçar algumas considerações filosóficas sobre religião, capitalismo, modernidade e
globalização. Para tanto vai realizar uma critica reflexiva do quadro mundial globalizado e o papel que
a religião está tendo nessa configuração mundial. Utilizando das ideias de autores do calibre de Assman,
Hinkelammert, Ferretti dentre outros mostraremos os mitos pela qual a sociedade globaliza resolve se
configurar e mostrar o papel da religião e do ser humano nesse quadro de modo filosófico.
Palavras-chaves: Religião. Capitalismo. Modernidade. Globalização.

Abstract
This paperwork intends to trace some philosophical considerations about religion, capitalism, modernity
and globalization. To this end will make a reflexive critique of the globalized world scenario and the
role that religion is having this global setting. Using the ideas of authors in some quality of Assman,
Hinkelammert, Ferretti among others, will show the myths by which society decides to configure
globalization and the role of religion and human race in this philosophical way.
keywords: Religion. Capitalism. Modernity. Globalization.

1
Doutorando no Programa de Ciências da Religião da Universidade Metodista. Professor de sociologia da Universidade Metodista
e do IFSP, campus São Paulo. E-mail: adv.otavio@ymail.com

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Semina: Ciências Sociais e Humanas, Londrina, v. 35, n. 2, p. 35-48, jul./dez. 2014
Costa, O. B. R.

Introdução na escuridão, sem Deus estamos sozinhos, o monstro


não é o minotauro, mas a injustiça socioeconômica
A modernidade tem como ultima configuração
que mata quem se aventura no labirinto. Porém esse
a globalização, uma forma de mercado em escala
não é um labirinto que se escolhe se aventurar, a
mundial que se propagou em uma forma de
própria besta criada pelo homem, o seu capital é um
imperialismo. Agora a configuração do mundo, bem
monstro que devora milhares de vítimas inocentes
como seu direcionamento é o capitalismo, tal fato
excluídas pela concentração de renda e ganância.
atingiu a religião como um raio; isso porque agora o
que satisfaz as necessidades humanas não mais Deus Antes da modernidade, ainda que com sérios
e sim o capital. Segundo Franz Hinkelammert (2008, problemas sobre liberdade, Deus era a referencia
prefácio) a humanidade se encontra perdida em do ser humano. A Religião era um guia de mundo,
um labirinto sem saída e a religião verdadeira pode uma visão pela qual o homem se pautava, mas agora
fornecer ao homem um de Ariadne2 para a saída desse o homem caminha só, sem um guia, uma referencia
labirinto (BINI, 2007). O capitalismo e religião são de mundo que não seja ele mesmo. O principal
duas fundamentais estruturas pelas quais as relações orientador que é Deus, o próprio homem dispensou.
humanas se basearam na sua visão de mundo e que Ainda é bom lembrar que Hinkelammert (2008),
serão estudadas nesse trabalho. faz referencia ao mito de Prometeu3, segundo o autor
Com o advento do capital globalizado, suas esse mito é um dos grandes mitos da modernidade,
estruturas comunicantes, sua promessa de felicidade formula o espaço mítico da modernidade e aparece nos
(que não passa de um novo paraíso prometido) o pensamentos críticos sobre a mesma. Marx relaciona
homem se preocupa mais em ganhar dinheiro do que o mito de prometeu a uma libertação do proletariado,
com os desuses ou Deus. Principalmente esqueceu- do homem que trabalha. O mito de qualquer maneira
se da mensagem do Deus que se fez homem e veio é visto como uma emancipação e rebeldia do homem
para o homem no primeiro século. Agora o Deus frente aos deuses. A conseqüência dessa rebeldia
que existe é o homem, não é um Deus que veio para causa a: a autoconsciência humana, entendida como
o homem, mas sim o próprio homem virou Deus, a consciência de ser consciente, está por sua causa
é e isso que construiu o labirinto a qual se refere o outra conseqüência, agora é o humano sua própria
ilustre alemão. Ou seja, o homem criou um labirinto divindade suprema. Antes de Marx, Hegel (1970) já
donde não vê saída pra si, A figura de um labirinto é falava de uma autoconsciência humana, o ser humano
apropriada, pois significa que o homem está sozinho despertou em seu espírito, não precisando mais das

2
Conta a mitologia grega que Ariadne, a filha do rei Minos, ajudaria Teseu, herói grego, a enfrentar seu irmão bastardo e monstro
o Minotauro, se Teseu prometesse casar com ela. Teseu reconheceu aí a única chance de vitória e aceitou. Ariadne, então, deu-
lhe uma espada mítica e única que poderia derrotar o monstro e um novelo de linha que não tem fim (Fio de Ariadne), para que
ele pudesse achar o caminho de volta dentro do labirinto do Minotauro, do qual ficaria segurando uma das pontas. Significa um
apontar de saída para um labirinto cheio de perigos. (BINI, 2007).
3
Basicamente o mito diz que homens e mulheres eram seres primitivos, vivendo da caça e coleta. Desconheciam o fogo, por isso
comiam a comida crua, e embrulhavam-se em peles espessas para se defenderem do frio do Inverno. Não sabiam trabalhar os
metais para fazerem ferramentas ou armas duradoiras. Zeus preferia que eles continuassem assim, porque de outra forma receava
que alguns viessem um dia a querer roubar-lhe o poder. Mas o sábio Prometeu amava a Humanidade e sabia que com a sua ajuda
os homens podiam progredir, saindo do seu estado primitivo. Prometeu foi em segredo ao Olimpo e roubou o fogo dos Deuses
entregando aos humanos. Com a ajuda de Prometeu, o homem desenvolveu-se rapidamente. Ficando assim independente dos
deuses. Zeus estava furioso e mandou levar Prometeu para uma das montanhas de leste e acorrentá-lo a uma rocha. Uma águia
feroz ia todos os dias comer-lhe o fígado, e todas as manhãs o fígado tornava a crescer, de forma que a tortura recomeçava.
Passaram-se muitos anos antes de Prometeu ser liberto - dizem que trinta mil – até que o valente Hércules que o libertou.
(BINI, 2007). Claro que essa é uma das inúmeras versões que existem do mito mas ele significa que os homens se tornaram
independentes do Deuses através do seu trabalho.

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O que a filosofia cristã pode dizer sobre a globalização e o capitalismo

divindades, mas sujeitando-as a razão humana. O que criação. Já o homem que se fez Prometeu para se
se entende que a razão, produto e característica do afastar de Deus, entendendo que isso iria se auto-
humano diminuiu Deus, cuja característica deveria libertar. A própria configuração da religião cristã
ser a incompreensibilidade está desde Hegel sujeita ocidental se tornou algo digno de ser combatido e uma
a razão humana. prisão do qual o homem deve escapar. Essa opinião é
apontada observada por Las Casas (FREITAS NETO,
O mito prometeiano tem um fundo de verdade, o
2003) quando o autor reflete sobre a dominação
triunfo da técnica (por sinal produto da razão), na qual
espanhola e portuguesa sobre as Américas e o sangue
tecnologicamente e cientificamente, a modernidade
que isso trouxe. Ocorre que o homem deveria ter se
fez o homem tornar-se providência para si mesmo,
libertado da religião não de Deus, porém ao libertar-
e hoje, para acabar com a fome, as doenças, as
se na modernidade da religião rompeu-se com Deus e
inundações, as epidemias, agora não recorre a
ao que parece é o homem se faz Deus agora.
Deus, ou deuses, como faziam seus antepassados,
mas sim à medicina, à engenharia, à indústria, etc. Essa visão de que Deus tornava o homem preso
A modernidade proporcionada pela tecnologia, que é errônea, o que na verdade o homem queria se
mitologicamente atribuída a Prometeu é ao mesmo libertar é do próprio homem, é da religião humana
tempo em que é um período histórico indefinido, é uma de mortais que queriam se auto-proclamar porta
crença na certeza do cientificismo e da racionalidade, voz da divindade. Com isso distorceram segundo
na qual as relações sociais são mudadas. seus interesses a mensagem divina, se confunde
a mensagem de Deus com os de muitos corruptos
O ponto alto da modernidade é perceptível com
mediadores (PONDÉ, 2001), e assim o ser humano
a confirmação de Marx de que não existe Deus e
na verdade quer se libertar de outros homens, acaba se
o homem se torna sua divindade suprema. Vale
separando de Deus. Com isso se torna um ser humano
apontar que, no livro "idolatria do mercado", escrito
ridículo (PONDÉ, 2001), vazio de origem, sozinho
por Hinkelammert com Hugo Assmann (1989)
no universo sem algo que explique sua origem e
denunciam o resultado do mercado é hispóstases, ou
seu papel no universo. Não aceita uma consciência
seja, sua suprema personalização-atribuição como
externa superior e externa ao próprio humano. Deus
agente autônomo. A esse agente é aplicado fé em
é reduzido a religião como manifestação social
sua total confiança (GIDDENS, 2002, p. 127) de esvaziando de significado a divindade. O professor
modo a pensar que nada vai dar errado. Com tal fé Diego Klautau analisando a obra de Pondé diz:
no mercado, os homens poderiam atribuem a ele uma
confiança ilimitada, ou seja, uma divindade que pode
resolver todos os problemas humanos. Ademais, A redução do fenômeno do religioso em suas formas
psicológicas ou sociais é a base da crítica religiosa
esses autores apontam que o neoliberalismo tem ao pensamento moderno. Assim, ao aprofundar a
um sistema de apoio dominar a vontade humana, o epistemologia das mediações, Pondé entende que a
crítica religiosa pode se valer dessas mediações para
mercado poderia ser uma "lavagem cerebral" real
atingir o projeto falido da contingência do homem
em profunda consciência do ser humano. Quando a auto-sustentável, seja essa sustentação de um projeto
fé no paradigma do mercado poderia sobrecarregar a ético-político, seja na falência, ou insuficiência, de
atingir a felicidade. A liberdade pós-adâmica se traduz
mente e o coração, a solução dos problemas sociais numa nova expulsão do Paraíso. Sem Deus, não há
foi geralmente deixada ao próprio mecanismo de alívio, não há trégua no tormento humano, que em si
mesmo é vazio. (KLAUTAU, 2007, p. 136).
mercado (ASSMANN; HINKELAMMERT, 1989).
Deus se faz homem, na cultura cristã nossa leitura
aponta para um conflito entre o deus libertador que Assim a religião é reduzida a compreensão social,
se fez homem por querer uma aproximação de sua econômica, científica, reduzida a ciência, só esse
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entendimento cientifico é aceito segundo as ciências diagramas, lista e texto [...], observa ainda a pergunta
do homem, antropologia sociologia, historia e afins, de Latour (apud WESTHELLE, 1995, p. 267): “Que
na verdade um pensamento humano que sempre reduz sociedade é esta onde uma formula matemática tem
a uma única compreensão cientifica desprezando mais credibilidade do que qualquer outra coisa: o
outras formas de conhecimento. Comete-se senso comum, outros sentidos alem da visão, uma
assim o reducionismo cientifico do pensamento autoridade política ou mesmo as escrituras?” A ciência
divino. Perde-se o significado da transcendência se torna uma forma hegemônica de conhecimento
nesse reducionismo (LEPARGNEUR, 2004, p. é o que é valido, e conhecimento se torna poder
98), a ciência é um produto da modernidade. E a econômico, economia se torna números e gráficos.
Modernidade ao mesmo tempo que é um período Assim, nesse mundo moderno coisas abstratas são
histórico (indefinido), é uma crença na certeza do consideradas menos importantes como Deus, Amor,
cientificismo e da racionalidade, na qual as relações arte etc... Assim a ciência, um conhecimento humano,
sociais são mudadas, há uma limitação das formas de modo pedante, se coloca como única verdade
de conhecimento de que só a ciência formal é valida. disponível no universo rompendo com a religião e
A visão de mundo no moderno e em sua crise erroneamente com Deus causando uma crise no
- o pós moderno - foi a certeza de que o mundo modo de conhecer o mundo sem precedentes.
devia ser visto através de uma lente racionalizada e
cientificista, na qual Deus ou a teologia não teriam
lugar, ocorre que essa visão falhou fragorosamente A Transformação de Prometeu em Adam
em termos sentimentais porém teve o sucesso em Smith
conquistar o mundo. O homem, representado pelo Prometeu do
Em primeiro lugar falhou em sua própria certeza, velho Marx grita e rompe “odeio aos deuses” e
as ideias Popperianas, a crise de paradigma de Khun, envolve Deus nessa sua revolta rompendo com
o fim das certezas de Prigogyne, bem como de outros Ele. Ao romper-se torna-se seu próprio Prometeu:
cientistas como Feyerabend, Richard Rorty, Maturana autoconsciente, auto-suficiente, auto-referente e
e Morin, demonstraram que o racionalismo poderia independente de toda autoridade religiosa, política
ser questionado e que haveria nova possibilidades de e conseqüentemente teológica, situação da qual
um nova consciência ser descoberta. Ora o mundo o homem não precisa mais de Deus. Ao romper
na modernidade só pode ser valido pelo aquilo que com o mito Greco – romano com o grande mito
poderia ser dado em um gráfico matemático através do de Prometeu, o homem deixa de se libertar de si e
que Morin (1994) chama de paradigma newtoniano- procura se libertar de Deus.
Baconiano-Cartesiano ou grande paradigma do O Prometeu de Marx apresenta um ser humano
ocidente. humilhado, depreciado, abandonado e subjugado, e
O Dr. Vitor Westhelle (1995, p. 263) analisando um ser preso a maquina de trabalho, torturado por
essa questão diz: “Alem disso algo que o mundo uma águia mandada pelo opressor (no mito Zeus,
moderno proporcionou são as múltiplas "leituras agora o seu supervisor)4 . Porém de fato há um novo
da vida" através de formulas matemáticas e físicas. objeto de adoração criado e criatura pelo próprio
As coisas se tornam uniformes, [...] com figuras homem, o homem agora adora a si mesmo, mas ao

4
A comparação da Águia com o supervisor é apropriada, uma vez que os gerentes, engenheiros e supervisores segundo a teoria
marxista, são os vigilantes do oprimido em seu trabalho, lembra-se que a águia tem uma visão muito aguçada e, no mito, devora
o fígado do trabalhador, aquilo que ele da o sangue para produzir sofrendo com isso.

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invés de libertar-se escraviza através do seu novo a concorrência, uma lógica de se derrotar e se
Deus, que é produto do próprio homem: O mercado. sobrepor aos outros que perfaz uma ética do sujeito
destrutiva e competitiva. Assim a liberdade suprema
Na intenção de livrar-se da religião acusando-a
do mercado não pode ser limitada ao outro, forma-
de estar de acordo com a exploração do homem
se uma ética do sujeito de uma liberdade ilusória,
pelo homem, comente um erro, desconsidera de
uma liberdade que na verdade escraviza garantidas
que a religião era produto humano e não divino.
por leis que supostamente trariam liberdade.
Por causa digo, não se nega que a religião tenha
trazido certa exploração, porém só o fez quando A lei existe para preservar os valores que um
contaminada pela política e economia, ou seja foi grupo social considera importante, tais valores não
império corrompido pelo homem. Não se pode são imutáveis, uma vez que a sociedade pode mudar
negar isso, quem em sã consciência afirmaria que, seus gostos e valores através da história, confirme
por exemplo, a inquisição ou o terrorismo irlandês a evolução das ideias humanas. Os valores de uma
seja a mensagem de amai-vos uns aos outros? A sociedade são aquilo que ela, como equilíbrio de
ciência veio supostamente oferecer a racionalidade interesses considera como valioso expressado
ao mundo. Ter relações pautadas pela racionalidade em um texto legislado. Este texto legal manda ou
(hegemônica no ocidente) não era uma oferta tão proíbe algo em consonância com a justiça e para o
ruim frente a uma ideia da idade média, de um bem da sociedade no seu conjunto, preservando o
absolutismo rigoroso e de uma crueldade cristã. que ela considera valiosa. Por exemplo: “A venda
Porém o projeto da modernidade se mostrou tão de cocaína é penalizada pela lei”, “A lei proíbe que
senão mais cruel do que a idade média. Temos uma pessoa mate outra”, “Um homem nunca deve
liberdade, porém temos outros problemas. Uma roubar outrem”. No caso tal sociedade considera a
delas é a própria liberdade, a qual o homem escolheu luta contra as drogas, a vida, a propriedade privada
certas opções erradas. como valiosas.
Passa a escolher as liberdades econômica, a Pode-se dizer que as leis limitam o livre arbítrio
principal liberdade pedida pelos direitos humanos, dos seres humanos que convivem em sociedade.
isso da uma liberdade ao mercado e uma liberdade Funcionam como um controle externo ao ato
do homem explorar o homem. Em meados do século humano que rege as condutas (os comportamentos).
XX passa a acontecer uma terceira revolução na Se uma pessoa considera que não tem mal em
Europa, a Revolução Industrial, a burguesia inglesa adotar uma determinada ação, mas que esta é
que havia adquirido poder político passa a promover punida por lei, terá tendência em abster-se de o fazer
no país transformações econômicas e sociais. De independentemente daquilo que achar pessoalmente.
agora em diante era o capitalismo industrial que Exemplo uma pessoa precisa de um “Tablet” vê um
mandava no mundo. ao lado que o colega de faculdade esqueceu, não vai
se apropriar do objeto ilegalmente, pois ha uma lei
O mercado passa a ser sacralizado. O mercado
que o proíbe.
desde Adam Smith passa ser visto como um ser
autoconsciente e que se regula como se tivesse Existem varias fontes de leis e do direito e uma
vontade e razão (FLEISCHACKER, 2004, p. 85), delas é a religião, visto que a religião divulga-
em uma leitura particular, um reflexo do próprio impõe valores. Vai emitir opiniões que as pessoas
ser humano, uma divindade mais parecida com que a seguem ou que a simpatizam com ela tomarão
a ganância do ser humano, um seu reflexo; não como importantes na sua vida social. No âmbito
mais imagem e semelhança de Deus mas de si sócio - político, a lei é um preceito ditado por uma
mesmo. Um dos quadros desse livre-mercado é autoridade competente. Para Marx a lei vai ser uma
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prisão e de fato: Se ela protege o que é valioso em mitos tal como a mão invisível do mercado. O
uma sociedade nossa sociedade tornou valioso a autor afirma que a modernidade cria mitos e são
propriedade privada, o capital, a livre concorrência, contra os mitos que se confundem com religião.
tudo isso protegido por lei que em vários casos se São contra os mitos gregos, mas criam mitos como
torna uma prisão. o do progresso, do crescimento patológico, da
democracia racial, da igualdade de oportunidade
Tal prisão garante a existência de um sistema
de igualdades, da verdade absoluta da ciência (que
utópico chamado mercado, sobre ele é criado
pretende explicar tudo) e vive segundo esses mitos.
um mito, o mito que deveria resolver todos os
Os mitos segundo Campbell, são as historias que
problemas humanos mas não o faz pois isso é utopia
conduzem nossas vidas, “Mitos são pistas para
(HINKELAMMERT, 2008, p. 45). A globalização
as potencialidades espirituais da vida humana”
nova forma de mercado só exclui e escraviza cada
(CAMPBELL, 2007, p. 14) assim esses mitos,
vez mais o homem. Crer na justiça do mercado é
sobretudo o do progresso, é o que tem pautado a
uma razão mítica - utópica – impossível, pois tal
sociedade moderna. Não importa quem exclua ou
sistema não pode trazer salvação. Ao contrario, só
quem deixe ferido, essa é a certeza que tem pautado
tem trazido escravização (POULANTZAS, 1968, p.
nossa sociedade assim os sofrimentos e exclusões
26).
são justificados porque alguém disse que é assim
Assim se faz necessária uma nova ética do que os mundo deve funcionar, é a própria essência
sujeito (HINKELAMMERT, 2008, p. 47), uma agir do mito.
do sujeito sobre o mundo. O autor propõe que uma
Um deles é que a ciência e o seu produto
teologia da libertação, possa ser a solução, não um
comercializável, as tecnologias, que foram
rompimento com Deus mas com aquilo que oprime
apropriadas pelo capitalismo para gerar dinheiro
o homem, um novo ecumenismo. A resposta para
tem as potencialidades para resolver todos os
esse problema talvez esteja na proposta de um
problemas humanos. De comunicação à depressão,
nova Religião, digamos uma religião esclarecida
da produção material à fome, da impotência
(se é que isso é possível), um que proponha como
sexual ao deslocamento espacial, a tecnologia
fundamentos de sua religiosidade as ideias que
quer resolver todos os problemas, as vezes até os
não produzam vítimas (CERTEAU, 1998), onde o
espirituais e emocionais através de remédios caros
fundamento das configurações cristãs seja a o amor
e globalizados.
ao próximo; das judaicas, o relacionamento com
Yavhé e da sua benignidade, das mulçumanas do A habilidade e a facilidade com que o homem
caminho do servir sem escravizar e da bondade. Ou cria técnicas sempre novas e mais perfeitas
seja, que seus fundamentos sejam os condizentes provocou nas gerações recentes uma confiança sem
com as conquistas de direitos humanos conseguidas limites no progresso humano, nas possibilidades de
a muito custo pelo Estado democrático, e da levá-lo à frente até a realização do paraíso na terra e
promoção de um Estado Laico que garanta o respeito à feliz solução de todos os problemas e mistérios do
as culturas e a liberdade religiosa. homem. Mas é realmente verdade que as ciências e a
técnica têm o poder de resolver todos os problemas
e enigmas humanos? Não tem.
Os Novos Mitos
Aliado a toda manutenção de conhecimento
Segundo Hinkelammert (2008, p. 47), os mitos único, surge a ideia de que conhecimento é poder
antagonizam a razão instrumental, porém a razão (WESTHELLE, 1995) e que esse poder foi jungido
instrumental vive, quando do seu interesse, certos ao capital e serviço desse, ou seja a ciência foi
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submetida ao “interesse do capital” (PANIKKAR, As garantias de direitos humanos foram


2005, p. 20), sendo assim o poder ao qual se refere cooptadas por direitos que na verdade só garantem
Marcuse (1973) é em sua critica a modernidade a globalização do mercado, a propriedade privada e
é o próprio capital. Para entender o trunfo do a miséria e morte dos excluídos. Embora o mundo
capital sobre os valores antes religiosos, houve um possa reagir e enfrentar tais problemas, quem
triunfo da comunicação que trouxe e confirmou a enfrenta leva a peja de terrorista e criminoso e
modernidade e propôs sua própria crise. outra vez combatidos por leis que só atendem as
necessidades globalizantes.
Surgiram, no seio da modernidade, novas
tecnologias da comunicação, produtos dessa ciência Ë criado um mito do poder, um dos vários mitos
racionalizada, que levou o homem a um movimento pela qual a sociedade humana se configura, assim
de consumo desmedido e capitalizado. As pessoas como o mito do sucesso, do crescimento patológico,
passaram a ser valoradas não pela sua essência, e da mão invisível, do capital justo etc ..., ocorre que a
sim pela sua capacidade de consumo. Termos antes mesma modernidade que não considera verdade os
caros a humanidade como a teologia como alma, mitos antigos gregos se fundamenta e se relaciona
bondade, caridade não tiveram mais lugar. nesses novos mitos. O que é pior mitos protegidos
pela lei e pelo suposto estado democrático de
A modernidade a tudo racionaliza. A tudo
direito. São os mitos modernos. Mitos que
matematiza, a tudo contabiliza, a tudo registra de
direcionam a visão da sociedade, o do crescimento
tal maneira, o homem fica reduzido a um negócio
ilimitado patológico (que causa problemas
de contabilidade, que interessa particularmente
mentais e ecológicos), o da democracia racial(ledo
aos registros das taxas e dos seguros (Steuerug
engano), o da igualdade de oportunidades e de
und Sicherrung), para utilizar uma expressão
direitos(igualdade? Onde?), o da liberdade(apenas
de Heidegger (2007, p. 113). A razão dita
para consumir) o do livre-mercado(como se fora
racionalizada que serve para equilibrar o mercado,
possível ele estar livres de forças que o dominam)
nunca produziu tanta loucura, quem não se encaixa
etc... apesar da sociedade viver todos esses mitos,
no sistema e tem uma crise é considerado louco.
despreza os mitos fundantes de uma melhor visão
Esse suposto diagnóstico so serve aos interesses do
de mundo.
sistema de poder político e econômico estabelecido
(FOUCAULT, 1972). O próprio cristianismo, o Deus que se fez
homem é considerado um mito e ridicularizado
Hinkelammert (2008, p. 57) remete a uma frase
porém se utilizam vários mitos para parametrizar
de Goya “a razão ao sonhar produz monstros”, visto
a modernidade. Deus deixa de ser a reposta e
que a razão não sonha: planeja, não abstrai: calcula.
se transforma em um homem, um semelhante
A razão substituiu as necessidades humanas pelas
(HINKELAMMERT, 2008, p. 73) criando de certo
preferências do mercado (HINKELAMMERT,
modo o cerne da modernidade: o humanismo, agora
2008, p. 58). Nem a morte pode se discutir mais
é o ser humano, e não Deus o centro do universo. O
A modernidade criou segundo Giddens (2002, p.
cristianismo nasce com uma teologia da Culpa, da
9) certo sequestro de experiências, ou seja, através
dívida e do perdão e nasce daí uma nova religião,
do sistema auto-referenciado de conhecimento e
uma religião sem culpa – o capitalismo.
de poder separa-se da vida certos conhecimentos
naturais, como enfermidade loucura, criminalidade, Benjamin (1987, p. 69) evoca, os termos
morte, sexualidade. São direitos raptados e postos “dívida” e “culpa”. Segundo numa perspectiva
a serviços da racionalidade e da garantia de histórica do de que não podemos separa esses dois
pagamento civil. termos, no sistema da religião capitalista, a “culpa
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mítica” da dívida econômica, surge como algo A Espiritualidade do Mercado


sem culpabilizaçao. O capitalismo é um culto que
O dualismo, proposto por Renée Descartes constitui
não resgata, mas deixa um sentimento de culpa
o grande referencial epistemológico do ocidente
apenas nos sensíveis. Neste sentido, este sistema
(MORIN, 1994). Hall (2005, p. 12), lembra que ele
religioso,surge após o colapso de do cristianismo.
postulou duas substâncias distintas — a substância
Uma enorme sensação de culpa, incapaz de se
espacial (matéria) e a substância pensante (espírito).
render, deu proveito a esse culto, e sua culpa, em
Ele refocalizou, assim, aquele grande dualismo que
vez de ser resgatadas é universalizada, gravada na
tem afligido a o pensamento filosófico desde então. Até
consciência, até que o próprio Deus é preso na rede
essa proposição não se havia pensado numa oposição
culpa, de modo que, finalmente, ele próprio está
entre corpo (matéria) e Espírito.
interessado em sua expiação. Não se pode, portanto,
esperar que isso aconteça no próprio culto, ou a Ocorre que a modernidade se apresenta mediada
reforma dessa religião, uma vez que teria de agarrar- por seus meios de comunicação, apresenta uma
se a algo sólido que aparentemente não existe materialidade extremada, o sucesso, as casas novas,
na historia (isso seria o verdadeiro cristianismo os carros de marca materialmente falando são a
mas foi rejeitado como mito). A essência deste representação de algo espiritual, a felicidade que
movimento religioso que é o capitalismo é parte não pode ser alcançada por todos. Cria-se um mito
de sua capacidade de percorrer todo o caminho, de do progresso, que se apresenta como uma nova
fornecer todas as repostas finais, até culpar a Deus, espiritualidade (HINKELAMMERT, 2008, p. 109)
para atingir o estado de desespero no mundo. ainda que baseada em materialidade. Assim o que é
material é valorizado e o que é espiritual é deixado de
O apocalipse cristão pode ser entendido lado ainda que baseado no grande mito do ocidente:
como tradução da visão da historia ocidental, é o mito do progresso.apena há um interesse material
um dos textos fundantes da sociedade ocidental aquilo que é espiritual não é reconhecido como
(HINKELAMMERT, 2008, p. 104). De Hobbes a verdade, (LIMA VAZ, 1992, p. 105) e sim como mito,
Locke, de Marx a Engels, de Hegel aos capitalistas, a própria noção de mito é reduzido a algo mentiroso ao
todos compararam o apocalipses as mudanças invés de uma interpretação de mundo.
econômicas e sociais que perpassaram o mundo.
Esse texto é usado erroneamente para legitimar Em certa divagaçao Hinkelammert (2008, p.
as violências ao redor do mundo bem como 113) inicia e com uma frase bem emblemática “o
as injustiças produzidas pela exclusão (ora os Capitalismo surge com a pretensão de ser a instância
cavaleiros do apocalipse são as mazelas do mundo). de salvação”, atribui o começo desse ao mercantilismo
Essa comparação apocalíptica se torna assustadora exploratório colonial, porém sua ideologia à obra de
demais quando pensamos no fato de que o Adam Smith. Acusa seriamente que a as posições
mundo finalmente tem um poder auto-destrutivo cristas dos primeiros séculos eram ao contrario
causado pelo capitalismo, agravado pela oposição fazendo uma explanação teológica de Mateus 6:24
ao socialismo histórico. O mundo tem ogivas com a citação de Jesus : "Não se pode servir a Deus
nucleares, biológicas e químicas para destruir a e a Mammon". Porém o que ocorreu foi ao contrario
vida na terra mais de 400 vezes (THOMPSON, ocorreu uma espiritualidade do mercado. Hoje é o
1982), o apocalipse é rejeitado como mito, mito capital e o dinheiro que promete o paraíso e a felicidade
não mais as coisas espirituais.
que se acredita que não pode acontecer, porém está
perto como nunca, o apocalipse impacta alem do O mercado, a tudo toma conta e passa a ser o
cristianismo, e cria um “marco de categoria” do regulador das relações sociais, mais do que isso, passa
exercício de poder no ocidente. a ser o centro das sociedades, se infiltrando no dia-
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O que a filosofia cristã pode dizer sobre a globalização e o capitalismo

a-dia das pessoas. A referência passa a ser mercado • A propaganda é uma autentica catequese, um
e recursos, mercado de trabalho, de capitais, de ensinamento do que deve ou não ter para ser
alimentos, da droga, mercado matrimonial, religioso e feliz.
de bens simbólicos, não há expressão mais assustadora, • O culto dominical são os programas televisivos.
por exemplo, do que recursos humanos: ou seja,
para a produção de bens e serviços o ser humano é • A grande festa anual é o natal. Não para
comemorar o nascimento do Salvador, mas
reduzido a um recurso, um bem substituível a qualquer
uma festa de consumo e presentes a quais as
momento. Outra expressão odiosa é “regime de bens”
crianças são educadas desde cedo.
num casamento, o casamento algo espiritual, de
uma relação sagrada e de amor entre duas pessoas, é • Os templos são as lojas.
reduzido a uma garantia contratual. • A peregrinação são as novas viagens; os
A obra de E. Durkhein (2000, p. 261) já afirma grandes shoppings e cidades do consumo, e
que: “não há religião sem comunidade (igreja)”. O turismo, Disney World, Miami, Paris etc.
mercado como religião marca a nova comunidade que • Os sacerdotes são os que conhecem as regras do
é a sociedade moderna. As pessoas se reconhecem e se jogo, advogados, que garantem a propriedade
valorizam pelo poder de compra que tem. Uma pessoa privada e seu pagamento, economistas e
de bem é aquele que tem poder de consumo. banqueiros.
A religião do mercado tem os seus comportamentos • As vestes rituais para participar da sociedade
e dogmas. Como exemplo: são as roupas de marca caríssimas tal como
• O mercado é causa de desigualdades; assim Ermenildo Zegna, Nike, Lacoste etc....quando
é um produtor de vítimas, que ou são exploradas ou se está vestido assim o ser se torna bem-quisto
são vitimas da violência causada pela comunicação na sociedade. Quando não veste, é um excluído
que leva desejos aos que não podem e por isso roubam dela.
violentamente multiplicando as vitimas (MESSNER, • A ética principal é o interesse pessoal,
ROSENFELD, 2000). egoísta, competitivo com sede de crescimento
• O mercado dentro da ordem capitalista financeiro patológico.
mundial gera concentração de riquezas na mãos de Assim, se constrói e produze a religião da
poucos países e de poucos magnatas e desestruturação espiritualidade do mercado.
social e miséria para as maior parte da humanidade Tal religião promete felicidade a todos os que a
(HOFFMANN, 1994). consomem. Essa promessa falha fragorosamente uma
• Não é mais a fé que move céus é terra é outra vez que poucos tem o poder de ter tudo o que se apresenta
coisa que tem atribuída tal força . O lema fundamental para consumo. As mercadorias tem status divinos e de
é: “o dinheiro tudo pode, move o céu e a terra”. bênçãos. A elas se adjudicam características salvíficas.
É no contanto com o novo sagrado que surge uma nova
• A propaganda tem a função de uma felicidade
ética de ser a da competição e concorrência no mercado,
salvífica. Se você não pode ter a mercadoria X você
seu semelhante passa a ser visto como concorrente. A
não é feliz. Se você não tem mercadoria e não pode
mística que move as pessoas no capitalismo é ganhar
ser bem sucedido portanto é um excluído e não é uma
dinheiro para ganhar mais dinheiro; comprar mais,
pessoa de bem.
comprar mais para consumir mais e mais. É no poder
• As mercadorias são representantes de desejos de consumo, que se mede o caráter de uma pessoa
mais profundos da alma. segundo essa lógica. O ser humano é medido em Ter
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Costa, O. B. R.

e não em Ser. Numa sociedade assim, a pessoa tem a A globalização vem com um discurso de
sua dignidade reconhecida nas relações mercantis, no igualdade entre as nações mas não passa de uma
mercado. Os pobres são marginalizados exatamente ilusão para mais exclusão e fome (SANTOS, 2008).
pela sua impossibilidade de acesso ao mercado. Esses Essa fase do capitalismo decorre da decisão das
milhares que são a maioria do mundo são invisíveis e potencias emergentes do pós guerra fria de impor ao
reduzidos a mero problemas políticos, seres humanos mundo uma força motriz comercial capitalista que
incapacitados de participar de acesso aos bens que possa dar mais poder as empresas transnacionais.
na eles mesmos produzem em um total estado de Com essa pratica se da estratégia ao mercado sem
alienação, alienação do produto de seu trabalho, controle ou responsabilidade por seus atos.
alienação causada pelo sistema de propaganda. Na
O mercado disfarça sua finalidade (o lucro) em
tentativa desesperada de sobreviver e de seus filhos
respeito a certos direitos humanos, porém alcançar
perde-se o amor ao próximo.
a plenitude desses direitos se tornam impossível
visto a finalidade do mercado não ser alcançar esses
direitos (meio ambiente ecologicamente equilibrado,
Um Deus Humanizado
justiça, saúde, educação pleno emprego etc..) e sim
As ideias do humanismo que deveriam libertar o lucro. Desse modo a finalidade do homem (e
o homem, na verdade o escravizam quando a maior não só da empresa) também passar a ser o lucro,
de todas essas ideias: o mercado livre de controle, impossível não lembrar do epíteto de Hobbes, como
inclusive ético, surge. nessa lógica pessoal vai surgir o homem: a reposta é
Ocorre uma divinização do homem e a apenas como lobo do homem, como concorrente de
humanização de Deus (HINKELAMMERT, 2008, seu semelhante.
p. 107). De como o humanismo trouxe agora na A liberdade humana nessa relação fica ilusória e
historia que o homem e não Deus era o centro do prejudicada uma vez que o homem só tem liberdade
universo. Disso decorre algumas consequências para consumir. Hinkelammert (2008, p. 122), diz
tal como: propriedade é individual e um direito da liberdade de escolher entre uma sociedade de
sagrado, por natureza. A isso o indivíduo leva plena convivência e uma sociedade Hobbesiana,
como algo sacro. Outra consequência é o crescente mas não há como agir sobre tais suposta liberdades
poder da burguesia, cuja consequência se da a vida frente a força poderosa do capital. O próprio autor
pelo comércio, o comércio não mais é um meio de diz que a democracia está a serviço do capital
subsistência mas a atividade pela qual as pessoas (HINKELAMMERT, 2008, p. 132). Não se existe
vivem e morrem e o importante nessa atividade liberdade para se escolher entre igualdade e
passa a ser o lucro. Assim surge as condições do fraternidade pois isso implicaria em abrir mão da
capitalismo selvagem. propriedade privada e do lucro o que aparentemente
ninguém quer escolher.
O socialismo surge como uma alternativa
teoricamente excelente, mas que historicamente se
mostra como incapaz de resolver tais mazelas uma A Religião Sem Culpa
vez que só muda o foco da propriedade ao invés Analisando o texto de Walter Benjamin: O
de propriedade individual se fala em propriedade capitalismo como Religião, chega-se a conclusão de
socialista. Alem disso há um grande problema a que o capitalismo também é uma religião, uma sem
redução de toda a história e condição humana a luta culpa. Lembrando da culpa que o povo no deserto,
de classes. Tal concepção marxista é impossível de desobedecendo a Moisés, adoraram um bezerro de
compreender toda a riqueza da experiência humana. ouro, mas o homem agora alimentou e adora esse
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O que a filosofia cristã pode dizer sobre a globalização e o capitalismo

bezerro, já crescido e posto simbolicamente no objetividade do agir do homem.


centro do capital, em Wall Street, como um agora, já Nessa relação entre parte/parte e partes/todo, a
fortalecido um boi de ouro, o povo agora não sente atuação causal, destaca Morin (1987) é a causalidade
culpa em adorar ao capital. Como analisa Benjamin, circular, que atua como um princípio de organização
o capitalismo é uma religião na qual o culto se recursiva. Desse modo, as interações entre as partes
emancipou de um objeto de adoração e passou a ser formam um todo e este “todo” emergente às mesmas
o seu próprio ato de consumir e não há culpa, tabus, e de outras interações, retroage sobre as partes que
nem pecados ao contrario das religiões, e, portanto, o constituíram, determinando o modo de ser das
não há redenção há só felicidade prometida (mas partes. A organização recursiva é a organização
raramente alcançada). Então, do ponto de vista da cujos efeitos e produtos são necessários à sua própria
fé, o capitalismo não tem nenhum objeto: acredita causação e à sua própria produção. É, exatamente,
no puro crédito no dinheiro a ser alcançado por um o problema de autoprodução e de auto-organização.
lucro que virá.
Uma sociedade é produzida pelas interações
Há um culto ao dinheiro, o objeto de desejo e entre indivíduos e essas interações produzem um
de adoração não é algo transcendente mas sim, o todo organizador que retroage sobre os indivíduos
vil metal, o Deus se torna dinheiro (AGAMBEN, para co-produzi-los enquanto indivíduos humanos.
2004). No capitalismo não há perdão de vividas há Ocorre que a causa de tudo não são mais as relações
garantias de dividas, que se tornam novos lucros. múltiplas mas sim o dinheiro causa tudo(e não mais
No capitalismo não se pode pagar com sangue do Deus) e é motivado pela ganância. A ganância é que
Cordeiro suas dividas. Também é pouco provável dita o como o mundo vai se desenvolver.
que uma divindade vá pagar as dividas creditícias,
disso só decorre a descrença na força de Deus e a
crença na força do capital. Papel do Ser Humano: Servir
A culpabilização da religião Cristã se dá pelo Ao fazer uma análise do mito de Édipo, Freud
assassinato de Cristo no Calvário, não há culpa no (1974) termina com o papel de Deus e o coloca
capitalismo apesar de varias vitimas que ele gera como algo horrível, uma opressão um desejo
por ser uma religião sem responsável pela sua culpa de ser oprimido do próprio homem. E faz uma
e sem Deus a quem culpar. a religião tem a função comparação com Deus pai as interpretações dos
de ser o fundamento da cosmovisão que legitima cânones freudianos em relação ao Deus pai. No
a ordem social vigente, assim o capitalismo como sentido freudiano a religião responderia ao anseio
religião legitima a ordem do lucro. por um pai poderoso que oferece segurança,
Há um vácuo na objetividade do mundo, proteção (poupa os homens de uma neurose
que esta no cerne da visão sistêmica de mundo individual ao preço de deixá-los num estado de
(LUHMANN, 1986) e na inversão dos objetos e do infantilismo psicológico, submetidos ao que chama
papel do humano, agora sãos os objetos que fazem de um delírio de massa). Freud (1974) afirma que a
as coisas. E o dinheiro é quem faz, tira do homem natureza do homem exige este tipo de controle para
a sua responsabilidade do uso das maquinas e do que ele possa viver em sociedade. Dessa forma, se
dinheiro. Esta inversão teórica desculpabiliza o ser a religião fosse extinta, inevitavelmente, o homem
humano. O ser humano não é o ser que constrói criaria outro sistema de doutrinas com as mesmas
o mundo em Deus. No capital, o ser humano é características para se defender. Ao que parece criou
um objeto a ser usado, e quem constrói o mundo o capitalismo, ou melhor ao invés de uma religião
agora passa a ser o dinheiro em uma inversão da com Pai se transmutou em uma religião sem pai.
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Costa, O. B. R.

Não é um novo sistema é ainda uma religião, mas de guerra assim como sua razão produz monstros
sem pai a quem atribuir seus conflitos psíquicos. como o autor cita a famosa obra de Goya. Esses
Justiniano (2001) em Roma já falava de uma monstros são produzidos em uma estética de
teoria do espelho atribuída a Marx, que afirma morte, corrupção, invencibilidade e domínio, ou
que o sistema jurídico é uma reflexo das relações seja, a própria essência da monstruosidade.ainda
econômicas. Por exemplo quanto a satisfação dos o capitalismo moderno ao se opor a certos valores
débitos para garantir as divida, já lecionava Gaio produz outros monstros como o fundamentalismo.
(JUSTINIANO, 2001) (Digesto, 27, 10, 5) a ideia de O homem, que se deixou seduzir pelo ídolo da
que só deverão ser vendidos os bens do executado técnica, por fenômeno de ressentimento, os despreza
que se mostrarem suficientes para a satisfação e procura a afirmação de si mesmo na vontade de
dos seus débitos. É o princípio da satisfatividade, dominação do mundo, não mais visto como um meio
informativo da tutela jurisdicional executiva para a realização dos valores mais altos, mas como
previsto no artigo 659 do Código de Processo Civil fim em si mesmo: donde a civilização da técnica,
Brasileiro em varias leis do ocidente. Alem disso as o industrialismo e o capitalismo. Ferretti (1972)
questões de herança eram puramente materiais como afirma, analisando as obras de Scheler, o seguinte:
nos direito ocidental hoje e não mais patrimônio
sentimental ligado ao nome. O direito sempre teve
relação intima ao econômico. O que serve para uma Logo não há mais plenitude de vida, não mais o amor
para o mundo e para a plenitude de suas qualidades,
analise do capital como regras imperiais de domino não mais a autocontemplação desinteressa como
como aponta Jung et al. (2012) pela qual o império objetivo real do homem, mas cálculo utilitarista com
capitalista a tudo domina. fim em si mesmo, redução da natureza ao seu aspecto
exatamente mensurável e seguramente dominável,
Assim nessa lógica elementos de direitos fanatismo do trabalho e do lucro, avaliação somente
das qualidades humanas de diligência, rapidez,
humanos tal como vida e liberdade tem menos valor capacidade de adaptação, que possuem uma utilidade
que a propriedade. Até bem pouco tempo atrás na aos fins lucrativos. O nascimento da ciência moderna
historia no Brasil e em alguns países ainda persiste, e a concepção mecanicista da natureza não são as
causas, mas sim os efeitos dessa nova atitude, que
a ideia de se ir preso por dividas materiais, o que consagrou a natureza, privando-a de Deus, da alma,
da a liberdade um valor menor que a propriedade. de todo valor e qualidade.
Isto para não falar nas violentas retomadas de
propriedade abalizadas pelo Estado muitas vezes
com mortes a qual se depreende de que a vida tem Além da perda dos valores do espírito, a ciência e a
menos valor do que propriedade. técnica causaram um desgaste profundo nas relações
humanas. Buber (2001) observou agudamente que,
com o passar dos séculos, o mundo material se
Concluindo engrandeceu mais e mais, enquanto o mundo das
O capitalismo usa sua fabrica de guerra e morte, relações pessoais pouco a pouco se restringiu. Um
mas tem um fim: o lucro (HARVEY, 2006). Ele processo é a conseqüência do outro, visto que “o
supera suas crises com maquinas e mais maquinas desenvolvimento da capacidade de experimentar e
de guerra donde se produz mais lucro e impulsiona de utilizar cresce com a diminuição da capacidade
a indústria, Hinkelammert (2008, p. 193) apontando do homem de criar uma relação dialógica” (BUBER,
para a triste inversão de direitos humanos que 2001, p. 65). Hoje, parece que a relação dialógica
pretendia Locke, mostra que os direitos não se ficou menor, e que tenha cedido lugar àquela do
propuseram a maioria dos homens mas só a elite. domínio entre homens e de subjugação entre estes e
Assim o capitalismo e a técnica com sua maquina a natureza e subjugando a próprio Deus.
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O que a filosofia cristã pode dizer sobre a globalização e o capitalismo

Assim vemos de mitos que foram desconstruídos FLEISCHACKER, S. On Adam Smith’s ‘Wealth
para dar lugar a outros não mais para explicar a of nations: a philosophical companion. Princeton:
Princeton University Press, 2004.
vida, mas para subjugar a vida a um sistema cruel
de poder. Porém outros mitos surgiram para dar
FOUCAULT, Michel. História da loucura na idade
certa razão ao modo de vida moderno, posso fazer clássica. São Paulo: Perspectiva, 1972.
uma consideração o mito da caverna de Platão:
em nossa sociedade apenas se enxerga o que quer FREITAS NETO, J. A. Bartolomé de las Casas: a
e não percebemos que somos escravos de nosso narrativa trágica, o amor cristão e a caridade. São
próprio desejo imposto por um sistema maior que Paulo: Annablume, 2003.
nos prende a nos mesmos. A concepção Cristã nos
convida a olhar ao próximo e a transcender nossos FREUD, S. O mal-estar na civilização. Rio de
Janeiro: Imago, 1974.
desejos em prol de um bem comum. Terminamos
citando uma mudança que a bíblia nos convida
GIDDENS, A. Modernidade e identidade. Rio de
de deixar a lucratividade e a viver uma ética mais Janeiro: J. Zahar, 2002.
cristã: Filipenses 3:7: "Mas o que, para mim, era
lucro, isto considerei perda por causa de Cristo”. HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade.
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Recebido em: 31 mar. 2014
Aceito em: 20 out. 2014.

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Semina: Ciências Sociais e Humanas, Londrina, v. 35, n. 2, p. 35-48, jul./dez. 2014
Cadernos Walter Benjamin 17

NÃO PODEIS SERVIR A DEUS E A MAMMON –


CONSIDERAÇÕES SOBRE FILOSOFIA DO CAPITALISMO EM
WALTER BENJAMIN E SUAS CRITICAS SOBRE A SOCIEDADE
BURGUESA

Otavio Barduzzi da Costa

RESUMO

Este trabalho pretende tecer considerações a partir das ideias de Walter Benjamin
sobre a Gênese e deslocamentos, na hegemonia do capitalismo histórico, em
especial do seu texto ―o capitalismo como religião‖, dentre outros e outros autores.
Sendo a Religião como núcleo ético mítico de toda civilização, esse trabalho,
dentre outros assuntos, há de abordar os entrelaçamentos entre economia e
religião, o substrato religioso do capitalismo e o capitalismo como fenômeno
essencialmente religioso. No pensamento de Walter Benjamin o Capitalismo é
como uma religião da vida cotidiana. Pretende-se também fazer reflexões no
sentido de uma crítica da relação entre religião e secularização e a sociedade
burguesa.

Palavras-Chave: Capitalismo. Religião. Burguesia. Walter Benjamin.

YOU CAN NOT SERVE GOD AND MAMMON -


CONSIDERATIONS ON THE PHILOSOPHY OF CAPITALISM IN
WALTER BENJAMIN AND HIS CRITIQUES OF BOURGEOIS
SOCIETY

ABSTRACT

This paperwork intends to make considerations from Walter Benjamin's ideas


about the Genesis and evaluation in hegemony of historical capitalism,
especially in his text "capitalism as religion”, among others, and other authors.
Religion as being the mythical ethical core of every civilization, this work,
among other things, intends to address the entanglements between economics
and religion the religious subtract of capitalism and see the capitalism as
essentially religious phenomenon. In The thought of Walter Benjamin ideas,
Capitalism is like religion of everyday life. We intended to also make reflections
towards a critique of the relationship between religion and secularization and
bourgeois society.

Key- words: Capitalism. Religion. Bourgeois. Walter Benjamin .

Sociólogo, filósofo e mestre em filosofia pela UNESP, é doutorando em ciências sociais pela
UNESP e doutorado em ciências da religião pela UMESP- Universidade Metodista de São
Paulo, é professor na pós graduação de antropologia da Universidade do Sagrado Coração nas
áreas de antropologia e Filosofia. Bolsista da CNPq. Brasileiro, residente em São Paulo – SP.
Email: joebarduzzi@yahoo.com.br
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Cadernos Walter Benjamin 17

Um conto de Walter Benjamin para relembrar o dia de seu


nascimento (15 de julho de 1892):

"Uma luz.
Pela primeira vez estava a sós com minha amada. Era em uma
pequena aldeia em um lugar bem desconhecido. Estava a sua espera
em frente ao local em que estava hospedado - que não era o mesmo
que o dela -, pois havíamos combinado um passeio noturno.
Enquanto a aguardava, passei pela rua de cima à abaixo e então, foi
que ao longe, entre as árvores, vi uma luz. 'Esta luz - pensei - não diz
nada a quem a vê todos dias a noite, mas a mim, um estranho nesse
lugar, diz muitas coisas'.
Em seguida, dei a volta e percorri todo o trajeto da rua da aldeia,
coisa que continuei fazendo durante um certo tempo. Passados
alguns minutos, regressava sempre ao mesmo ponto: a luz entre as
árvores atraía meus olhos. Alguns instantes antes de reencontrar com
a minha amada, quando me obriguei a parar a caminhada, olhei para
trás uma vez mais e compreendi tudo: a luz que havia visto do nível
do chão era a luz da lua que se levantava lentamente por entre as
colinas ao longe."

(em "Historia y relatos")

Analisando o texto de Walter Benjamin: O capitalismo como Religião,


chega-se a conclusão de que o capitalismo tem inúmeras condições
socioculturais que remetem às dinâmicas religiosas. O iminente pensador
alemão declina que o capitalismo hoje tem a função de fazer cumprir o que
antigamente as religiões prometiam: o paraíso. Prometem uma felicidade
através do consumo, uma inclusão através do trabalho, um suposto sentido
para a vida em seu exercício econômico e político. É claro que, como crítico da
civilização (segundo Michel Löwy em prefácio à edição brasileira o capitalismo
como religião), Benjamin vai avaliar inúmeros aspectos do capitalismo, mas
principalmente, de como se constituiu na sociedade burguesa do ocidente.
O burguês capitalista, segundo Benjamin, é aquele que busca a
frivolidade, a felicidade, a segurança, o que o capital pode comprar em sua
propriedade privada. Ali, diz o autor, ele está no paraíso. Em suas memórias
descreve a segurança do burguês em seu lar:

A miséria não tinha vez naqueles aposentos, nem mesmo a morte.


Neles não havia lugar algum para morrer; por isso é que seus
moradores morriam em sanatórios, mas a mobília, já na primeira linha
de herdeiros, foi parar nas mãos de comerciantes. A morte não fora
prevista para eles. Por isso, durante o dia, aqueles recintos pareciam

Sociólogo, filósofo e mestre em filosofia pela UNESP, é doutorando em ciências sociais pela
UNESP e doutorado em ciências da religião pela UMESP- Universidade Metodista de São
Paulo, é professor na pós graduação de antropologia da Universidade do Sagrado Coração nas
áreas de antropologia e Filosofia. Bolsista da CNPq. Brasileiro, residente em São Paulo – SP.
Email: joebarduzzi@yahoo.com.br
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Cadernos Walter Benjamin 17

tão aconchegantes e, à noite, tornavam-se o cenário de pesadelos.


(BENJAMIN, 1987, 96)

A vida burguesa se confunde com a vida privada e com o egoísmo que


só a vida privada pode produzir, não é mais a comunidade que interessa para a
vida capitalista burguesa e sim sua segurança e vida privadas acumulada pelo
seu trabalho, em suma, é a vida da sua família. O coletivo e o trabalho não
importam para o burguês que vive na sua vida de lazer e frivolidade
paradisíaca. Benjamin fala de quando começou talvez tal mentalidade:

Pela primeira vez, o espaço em que vive o homem privado se


contrapõe ao local de trabalho. Organiza-se no interior da moradia. O
escritório é o seu complemento. O homem privado, realista no
escritório, quer que o interieur sustente as suas ilusões. Esta
necessidade é tanto mais aguda quanto menos ele cogita estender os
seus cálculos comerciais às suas reflexões sociais. Reprime ambas
ao confirmar o seu pequeno mundo privado. Disso se originam as
fantasmagorias do "interior", da interioridade. Para o homem privado,
o interior da residência representa o universo. (BENJAMIN, 1987, 37)

As ilusões a que o autor se refere na citação acima é a falta de


percepção do mundo lá fora, da miséria, da fome, da exploração, que ele sabe
que existem, mas que, seguro no interior de sua casa, com sua mobília
herdada, não quer conhecer. Se pudermos levar as condições para o mundo
de hoje, a televisão e as comunicações lhe nutrem a ilusão, dentro de sua sala,
mostrando um mundo de sonhos, aventuras e fantasia. O celebre escrito não
tratou exatamente da Televisão, sendo algo raro na sua época, nem é provável
que tivesse assistido televisão, porém prevê que as câmeras poderiam estar
em todo lugar e isso introduzir a um malefício na capacidade crítica do ser
humano. Na sua crítica a reprodutibilidade da arte afirma que as câmeras,
espalhadas em todos os lugares levam a um estado de letargia mental.

Outro elemento destacado é capacidade das câmeras


(cinematográficas e fotográficas) de nos levar a um inconsciente
óptico. ―Aqui, a câmera intervém com os seus meios auxiliares, os
seus ―mergulhos‖ e subidas, as suas interrupções e isolamentos, os
seus alongamentos e acelerações, as suas ampliações e reduções. A
câmera leva-nos ao inconsciente óptico, tal como a psicanálise ao
inconsciente das pulsões‖ (parênteses nossos, BENJAMIN, 1994,
178)

Sociólogo, filósofo e mestre em filosofia pela UNESP, é doutorando em ciências sociais pela
UNESP e doutorado em ciências da religião pela UMESP- Universidade Metodista de São
Paulo, é professor na pós graduação de antropologia da Universidade do Sagrado Coração nas
áreas de antropologia e Filosofia. Bolsista da CNPq. Brasileiro, residente em São Paulo – SP.
Email: joebarduzzi@yahoo.com.br
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Cadernos Walter Benjamin 17

Assim, seguros nas suas casas, na sua mobília, no seu mundo


construído de fantasia, se sentem no seu paraíso construído, à custa do seu
trabalho, com direito para desfrutar das benesses da proteção de Deus. A
mitologia religiosa judaico cristã, dentre outras, chama sempre o paraíso de
proteção, de morada. Na mentalidade Judaica, o Deus IEVE é escudo,
fortaleza e broquel, na Bíblia Sagrada (1995, Salmos 18). Na bíblia cristã, no
apocalipse, haverá no paraíso uma morada (1995, apocalipse 22). A mitologia
nórdica, profundissimamente ligada ao imaginário protestante, põe como
paraíso do guerreiro, o Valhalla, uma fortaleza onde há banquetes e lutas
gloriosas. O conceito de fortaleza como paraíso está ligado a várias mitologias
e religiões. Assim, na sua casa, ou na máxima popular, a casa de um homem é
seu castelo. O burguês se sente no paraíso (CAMPBELL, 2001).
Note-se: uma casa, na mentalidade burguesa, é um direito para
poucos. Apenas quem supostamente conquistou tem direito à moradia. A
propriedade privada é tida como um direito divino e sagrado desde as
revoluções burguesas. Esse é o direito mais sagrado para o burguês, mais do
que a dignidade humana, mais do que a prometida igualdade e imaginária
fraternidade.
A mentalidade burguesa, na sua falsa segurança, além de dinheiro,
quer fama. Fama e fortuna, reconhecimento pelo seu trabalho, ou pelo seu
dinheiro ou pela ilusão que se vende. Esse é o atual espírito do capitalismo. A
imagem antes vendida pelo cinema, agora universalizada pela televisão, é o
que Benjamim criticava, através do crítico de arte Georges Duhamel, ―que
detesta o cinema e nada sabe do seu significado, mas percebe algo das suas
estruturas‖ (1994,181), estruturas essas que Benjamin aceita serem perversas
e vendedoras de uma ilusão, salvo raras exceções, na sua produção.
Relembrando o crítico francês Duhamel: ―em sua opinião (a de Duhamel) o
cinema é ―um passatempo para a ralé, uma diversão para criaturas iletradas,
miseráveis, gastas pelo trabalho e consumidas pelas preocupações…um
espetáculo que não exige concentração, nem pressupõe qualquer capacidade
de esperança, a não ser a esperança ridícula de vir a ser estrela em Los
Angeles‖ (idem). Assim há um constante espraiamento da ilusão e do
Sociólogo, filósofo e mestre em filosofia pela UNESP, é doutorando em ciências sociais pela
UNESP e doutorado em ciências da religião pela UMESP- Universidade Metodista de São
Paulo, é professor na pós graduação de antropologia da Universidade do Sagrado Coração nas
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Cadernos Walter Benjamin 17

amortecimento intelectual para Benjamin. Pensamos hoje que esse pode ser
multiplicado pela televisão. Todos pensam que podem viver uma vida mostrada
pelos meios de comunicação e o burguês capitalista quer viver exatamente
essa sua forma de paraíso.
O capitalismo, como afirma Bresser-Pereira (2011), não é só uma
forma econômica de relações de produção, mas se configurou através da
história como forma política e cultural. Afirma Bresser-Pereira: ―A revolução
capitalista foi uma transformação econômica, social e política, de tal forma
importante, que podemos dividir a história em duas grandes fases: a antiga e a
moderna, ou a pré-capitalista e a capitalista‖ (BRESSER-PEREIRA, 2011, 2).
Assim o capitalismo, mais do que uma relação econômica, é uma configuração
histórica de multi relações humanas, que permeia a mentalidade do ocidente
(pós?) moderno. Vivemos no capitalismo.
O capitalismo é uma religião, segundo Benjamim, que culpabiliza.
Lembrando a culpa, na cultura judaico-ocidental, a culpa se inicia quando o
povo no deserto, desobedecendo a Moisés, adorara um bezerro de ouro. Mas o
homem agora alimentou e adora esse bezerro, já crescido e posto
simbolicamente no centro do capital, em Wall Street, como um bezerro já
fortalecido, um boi de ouro. O povo agora não sente culpa em adorar o capital.
Para Benjamin, o capitalismo é uma religião, na qual o culto se emancipou de
um objeto de adoração e passou a ser o seu próprio ato de consumir, sem
culpa, tabus, nem pecados, ao contrário das religiões. E portanto, sem
redenção. Há só felicidade prometida (mas raramente alcançada). Então, do
ponto de vista da fé, o capitalismo não tem nenhum objeto: acredita no puro
crédito, no dinheiro a ser alcançado, no lucro que virá, nesse porvir. O lucro é
encarado pelo burguês como a promessa de paraíso.
A religião do capital é nova. Porque não há sacrifício messiânico, a
culpa segundo os nãos existentes, mas reais cânones dessa religião, é de cada
um que fracassa, que não enriquece. O pobre não é visto como aquele que não
teve oportunidade, mas como aquele fracassado, provavelmente pecador. O
capitalista pensa: se o pobre está nessa situação é porque é ruim e mal, e deve
ser ladrão, diante dele devo tomar conta da minha carteira. O pobre é culpado
Sociólogo, filósofo e mestre em filosofia pela UNESP, é doutorando em ciências sociais pela
UNESP e doutorado em ciências da religião pela UMESP- Universidade Metodista de São
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Cadernos Walter Benjamin 17

por seu próprio fracasso. O self-made man é o santo, o herói mitológico que
trabalhou e merece sua casa-fortaleza. Quanto mais rico, mais agraciado. É
clara a relação apontada por Weber, na sua ética protestante. Só que ao
contrario do capitalista de Weber, que vivia num ascetismo intramundano, o
burguês moderno quer aproveitar todas as benesses que os meios de
comunicação querem lhe vender.
O inferno é a pobreza. Na visão do capitalista burguês, não ter dinheiro
e fama é o pior dos castigos. O destino de cada um é ligado ao caráter, mas o
caráter valorizado pelo burguês nada tem a ver com o amor ao próximo ou
bondade, mas sim o caráter deve ser ambição, espírito de acumulo. Egoísmo e
esperteza são os caracteres valorizados. O pobre vive no inferno. A pior coisa
para o capitalista é não ter bens. O pobre é considerado não como apenas
infortunado, mas de mal caráter, como bandido ou que merece estar em
situação de pobreza. Há o predomínio do pensamento de ―só é pobre quem
quer‖.

O culto
Há um culto ao dinheiro. O objeto de desejo e de adoração não é algo
transcendente, mas o vil metal. O deus adorado se torna o dinheiro
(AGAMBEN, 2012). O artista Andy Warhol, sensível ao seu tempo, pintou, em
um quadro, uma nota de um dólar, e ao invés da expressão ―in God we Trust‖
(em Deus confiamos) ele escreveu ―This is your god‖, esse é o seu Deus. No
capitalismo não há perdão de dívidas. Há garantias de dividas, que se tornam
novos lucros. No capitalismo, não se pode pagar com sangue do Cordeiro suas
dívidas. Também é pouco provável que uma divindade vá pagar as dívidas
creditícias. Disso só decorre a descrença na força de Deus e a crença na força
do capital.
A culpabilização da religião Cristã se dá pelo assassinato de Cristo, no
Calvário. Não há culpa no capitalismo, apesar das várias vítimas que ele gera,
por ser uma religião sem responsável e sem Deus antropomórfico a quem
culpar. A religião tem a função de ser o fundamento da cosmovisão que
legitima a ordem social vigente, assim o capitalismo como religião legitima a
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Cadernos Walter Benjamin 17

ordem do lucro. E essa ordem lida com uma cosmovisão intensa: a de


continuar lucrando a qualquer preço.
Há um vácuo na objetividade do mundo, que está no cerne da visão
sistêmica de mundo, e na inversão dos objetos e do papel do humano. Agora
são os objetos, e não as pessoas que fazem as coisas. Benjamin (1994) em
sua ―Magia e técnica, arte e técnica‖ considerara o risco das pessoas serem
substituídas por coisas, e de que os objetos é que fazem tudo. E o dinheiro é
quem faz. Ele (o capitalismo) tira do homem a sua responsabilidade do uso das
maquinas e do dinheiro. Esta inversão teórica desculpabiliza o ser humano. O
ser humano não é o ser que constrói o mundo em Deus. No capital, o ser
humano é um objeto a ser usado, e quem constrói o mundo agora passa a ser
o dinheiro, em uma inversão da objetividade do agir do homem.
Benjamin (1987, 69) evoca os termos ―dívida‖ e ―culpa‖. Segundo uma
perspectiva histórica de que não podemos separar esses dois termos, no
sistema da religião capitalista, a ―culpa mítica,‖ da dívida econômica, surge
como algo sem culpabilização. O capitalismo é um culto que não resgata, mas
deixa um sentimento de culpa apenas nos sensíveis. Neste sentido, este
sistema religioso, surge após o colapso do cristianismo. Uma enorme sensação
de culpa, incapaz de se render, deu proveito a esse culto, e sua culpa, em vez
de ser resgatada, é universalizada, gravada na consciência, até que o próprio
Deus é preso na rede ―culpa‖, de modo que, finalmente, ele próprio está
interessado em sua expiação. Não se pode, portanto, esperar que isso
aconteça no próprio culto, ou na reforma dessa religião, uma vez que teria de
agarrar-se a algo sólido que aparentemente não existe na história (isso seria o
verdadeiro cristianismo, mas foi rejeitado como mito). A essência deste
movimento religioso que é o capitalismo é parte de sua capacidade de
percorrer todo o caminho, de fornecer todas as repostas finais, até culpar a
Deus1, para atingir o estado de desespero, no mundo.
Em certa divagação, Hinkelammert (2005, 113) inicia com uma frase
bem emblemática: ― o Capitalismo surge com a pretensão de ser a instância de

1
É comum no discurso capitalista culpar a Deus e não ao homem pelas misérias humanas
decorrentes das relações de exploração.
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UNESP e doutorado em ciências da religião pela UMESP- Universidade Metodista de São
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salvação‖. Ele atribui o começo desse ao mercantilismo exploratório colonial,


porém sua ideologia é obra de Adam Smith. Acentua seriamente que as
posições cristas dos primeiros séculos faziam uma explanação teológica de
Mateus 6:24 com a citação de Jesus : "Não se pode servir a Deus e a
Mammon2". Porém o que ocorreu foi o contrário. Ocorreu uma espiritualidade
do mercado. Hoje é o capital e o dinheiro que prometem o paraíso e a
felicidade, não mais as coisas espirituais.
Com Adam Smith o mercado é visto como um Deus dotado de vontade,
um ser supostamente inteligente. Adam Smith não aplica a função de
Divindade ao mercado, mas seu discurso revela em sub-tom, como se o
mercado tivesse uma vontade, um equilíbrio, que faz parte da herança
organicista do pensamento moderno. É um Deus ex-machina, que aparece na
história, para tentar amarrar as pontas soltas e não consegue. Um patético,
cruel e inventado Deus que só servia aos interesses burgueses.
Esse é o pressuposto da modernidade civilizatória, a qual Benjamin
vem criticar: critica à moral burguesa e sua formação e expressões, seja no
cotidiano, na arte, na indústria e em outras manifestações.

A (in)justiça do mercado.

O mercado, de tudo toma conta, e passa a ser o regulador das


relações sociais. Mais do que isso, passa a ser o centro das sociedades, se
infiltrando no dia-a-dia das pessoas. A referência passa a ser mercado e
recursos: mercado de trabalho, de capitais, de alimentos, da droga, mercado
matrimonial, religioso e de bens simbólicos. Não há expressão mais
assustadora, por exemplo, do que recursos humanos. Ou seja, para a
produção de bens e serviços, o ser humano é reduzido a um recurso, um bem

2
Jesus, como Rabi judeu, combatia o império e seu discurso de riquezas, para tanto em suas
parábolas explicava de um modo que as pessoas pudessem entender, Mammon era um termo
hebraico que significava avareza e também a deidade mesopotâmica das riquezas, a qual a
lógica judaica combatia como falsos deuses. Goethe também apresenta Mammon com ambos
significados, enquanto crítica, Benjamin ao analisar a obra de Fausto utiliza o termo Mammon
para se referir aos males do capitalismo.

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substituível a qualquer momento. Outra expressão odiosa é ―regime de bens‖


num casamento, o casamento que é algo espiritual, de uma relação sagrada e
de amor entre duas pessoas, é reduzido a uma garantia contratual, a um
contrato frio de negócios.
Sobre o casamento Benjamin, em seu estilo peculiar, faz da crítica de
uma obra de arte, uma crítica a uma situação, quando escreve sobre as
―afinidades eletivas‖ de Goethe3, que per si, já é uma crítica ao modo de vida
burguês. Para Benjamin, o casamento burguês, dotado de fortuna é um teatro
de aparências, que leva as pessoas às falsas moralidades. As convenções
sociais e jurídicas impedem o ser humano de viver plenamente os seus desejos
por causa da culpa imposta pela sociedade, que retira a natureza do ser
humano. Sobre isso Benjamin afirma:

Quando desaparece ao homem a vida supranatural, mesmo que ele


não cometa nenhum ato imoral, sua vida se enche de culpabilidade.
Porque ele é então cativo do simples fato de viver, que se manifesta
no homem como culpa‖. (BENJAMIN, 2011, 45)

Nessa mesma obra Benjamin afirma que se pode buscar teor de


verdade em obras de arte e que os conhecimentos artísticos, míticos,
religiosos, dentre outros, podem emanar verdade, em sua análise: ―o objetivo
da crítica filosófica é mostrar que a função da forma artística é justamente
converter em teores de verdade os teores históricos da coisa, que estão na raiz
de toda obra significativa‖ (op. Cit, 67). Nessa mesma obra, ele chama atenção
da aparência da beleza física feminina e seu poder, que notadamente, é levado
ao grau de fragilidade e de puro desejo, pela mentalidade dos ricos,
demonstrando a frivolidade de seu ideário, como se uma bela moça (ou moço)
não pudesse ser nada além de admirável, por seu físico. Aproveitando-se disso
Benjamin faz severa crítica ao imaginário da beleza em si e fora de si,
mostrando que ela não é um poder como quer e deseja o pensamento
capitalista.

3 Romance que causou escândalo na sociedade europeia do Sec. XIX, pois envolvia a
separação de um casal e sua aproximação por pessoas amigas desse casal. O livro foi tido
como uma ofensa à natureza externa e infração de normas contratuais legais. A dupla fratura é
provocada pelo incessante interesse em criar e possuir a beleza que leva os personagens
a passarem por cima das tradições, dos costumes, e da ordem natural.

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Benjamin ainda utiliza a crítica, nesta obra, sobre as dificuldades e


danos que o sistema jurídico, através da lei positiva, faz à natureza humana,
submetendo tudo ao seu poder. Pelo poder jurídico, todas as relações são
garantias reduzidas a termos de negócios contratuais, inclusive o casamento
(que deveria ser uma relação de amor), e o trabalho, a arte dentre vários outros
valores ligados à natureza humana. O poder jurídico se apresenta como um
poder divino, atuando nas relações econômicas, pois ele efetiva o poder dos
contratos, é a ira, o raio de destruição do deus Mammon4.
O direito é a materialização do mito e do ritual, nas sociedades
modernas de profunda influência mítica Greco-romana. É o direito quem
garante vidas e seus destinos, é um Deus encarnado na toga. O juiz tem o
poder de decidir vidas, prender, soltar ou dividir os direitos sagrados de
liberdade e propriedade, de influenciar como os pais devem criar filhos, como
os casais devem ter sua moral sexual, como empresas e economia devem ser
conduzidas, dentre inúmeros outros aspectos da realidade burguesa. Assim o
direito se constitui um poder, na opinião de Benjamin um mau poder, ao querer
se tornar potência e vontade, a regular todas as relações humanas. Benjamin
torna o direito um "resíduo do plano demoníaco da existência humana" (1991b,
175). Bom lembrar que no mito judaico-cristão, o demônio ou satanás, queria
tomar o lugar da potência divina querendo controlar o homem, oferecendo o
conhecimento do bem e do mal e assim controlar a vontade humana, no lugar
de Deus.
Assim o direito se apresenta como potência garantidora da violência e
uma violência supostamente legitima, que entra, sobretudo, em ação, para
garantir o Status quo, um direito que não pode ser questionado, pois não
admite nenhuma outra forma de violência que não seja a sua legitimada. Na
verdade, podemos ver isso em todo o ocidente. O direito entra em ação com
violência eficaz para defender o capital. Basta dever algum dinheiro que logo e
com força policial, o devedor vem recuperar o que é seu ―por direito‖. Inclusive,
se esse direito cruza com a dignidade, como no caso de retomada de posse de
4
Mammon na mitologia mesopotâmica era o deus do dinheiro, atacado de forma veemente
pelo Deus Judaico –Cristão.

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terras improdutivas ou de moradias abandonadas, a retomada é sempre


violenta e legalizada.

Assim o direito se torna um poder, um braço armado, com capa de


legitimidade para afogar qualquer forma de resistência ou questionamento ao
poder. O poder assim é inserido e garantido pelo econômico, na verdade poder
jurídico e econômico é um só poder, um só deus, ou melhor, um deus de
muitas faces, na verdade um monstro que ocupa o lugar do deus. Esse deus se
apresenta sob a capa sagrada da justiça, oferece uma justiça falsa e assim
toma o lugar do poder divino. Oferece um bem para fazer um mal:

No decorrer da história, houve uma inversão de tal monta que os


homens "confundiram" direito com justiça, aquele mascarando-se
com esta, conduzindo a humanidade a se enredar cada vez mais nas
teias da fatalidade : Equivocadamente, por causa de sua troca
enganosa com o mito da justiça, (...)determinou não apenas suas
relações, mas as relações dos homens com as normas jurídicas ,
mas também com os deuses, conservou-se para além do tempo em
que se inaugurou a vitória sobre os demônios. (BENJAMIN, 1991b,
174)

O direito se torna aquilo que o poder econômico não pode demonstrar,


que está sob risco de revolta. É uma ilusão criada, um teatro dos deuses para
acalmar o homem. O direito se torna a expressão do poder, que é a
característica intima da divindade. O poder econômico não pode se propor
como poder aparente pois, para existir, depende da vontade do homem de ser
rico, ou seja, de alcançar o poder da religião do capitalismo, e isso seria
sacrilégio. Assim o poder é expresso pela relação jurídica, e não pela
econômica, sendo a relação econômica vista como benesse dos falsos deuses,
quando, na verdade, é sua própria característica ilusória. Por trás dessa
máscara, esse teatro consolida seu poder e o braço armado da ira desse Deus.
O seu lado negativo, que supostamente é neutro é cego, é visto como algo
separado dele. Na verdade, o poder jurídico é o poder econômico e vice versa,
mas nenhum fiel pode saber disso, deve-se preservar a ilusão. Através da
ilusão, é que Zeus seduzia as belas mortais e através da ilusão, é que o
demônio seduz os seres humanos. O direito cumpre a violência da
transgressão de um direito existente, assim o direito é Apolo e Ártemis agindo a
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favor de sua mãe Leto5 (poder econômico), que tem aparência de modesta,
mas na verdade tem uma vaidade terrível e quando desafiada manda sua
vingança através do direito (BENJAMIN, 2011, 147).

O poder mítico em sua forma arquetípica é mera manifestação dos


deuses. Não meio para seus fins, quase não manifestação de sua
vontade, antes manifestação de sua existência. Disso, a lenda de
Níobe oferece um excelente exemplo. É verdade que ação de Apolo e
Ártemis pode parecer uma mera punição da transgressão de um
direito existente. A hybris de Níobe conjura a fatalidade, não por
transgredir a lei, mas por desafiar o destino – para uma luta na qual o
destino terá de ser o vencedor, podendo engendrar, na vitória, um
direito. Até que ponto o poder divino, no sentido da Antiguidade, não
era o poder mantenedor da punição, fica patente nas lendas, onde o
herói, por exemplo Prometeu, desafia o destino com digna coragem,
luta contra ele, com ou sem sorte, e acaba tendo a esperança de um
dia levar aos homens um novo direito. É, no fundo, esse herói e o
poder jurídico do mito incorporado por ele que o povo tenta tornar
presente, ainda nos dias de hoje, quando admira o grande bandido. A
violência* portanto desaba sobre Níobe a partir da esfera incerta e
ambígua do destino. Ela não é propriamente destruidora. Embora
traga a morte sangrenta aos filhos de Níobe, ela se detém diante da
vida da mãe, deixando-a – apenas mais culpada do que antes, por
causa da morte dos filhos – como suporte mudo eterno da culpa, e
também como marco do limite entre homens e deuses. Se esse poder
imediato quer mostrar, em manifestações míticas, que é parente
próximo do poder instituinte do direito ou lhe é idêntico, ele focaliza
um problema deste poder, na medida em que este tinha sido
caracterizado – na apresentação anterior da violência* da guerra –
como um poder* apenas dos meios. Ao mesmo tempo, esta relação
promete esclarecer melhor o destino que em todos os casos está
subjacente ao poder* jurídico, e, num grande esboço, levar sua crítica
a termo. A função do poder- violência, na institucionalização do
direito, é dupla no sentido de que, por um lado, a institucionalização

5
O mito é assim : Níobe, filha de Tântalo e Dione e esposa de Anfião, rei de Tebas; conhecia
muito bem – conforme se propalava – o histórico de Leto; principalmente, por ter cogitado
exageradamente – em relação aos detalhes de seu sofrimento –; como se visasse o sentido
existencial dessa deusa.
Leto (Latona), filha de Cronos (Saturno), por sua união com Zeus, gerara os gêmeos: Ártemis e
Apolo, conforme um parto – deveras – difícil (em razão do ciúme e perseguição de Hera). Essa
realização só se concretizou em Delos (onde a deusa, considerada ―da noite‖), se contorcendo
em dores, durante nove dias, conseguiu conceber seus dois (e únicos) filhos. Níobe, revia tudo
isso sem a mínima ‗piedade‘, no entanto sob intenso orgulho (de si própria), pois, parira com a
maior facilidade sete filhos e sete filhas, ou seja: Sípilo, Agenor, Fraédimo, Ismeno, Ulinito,
Tântalo e Damasiction (os machos); e, Etoséia, Cleodosa, Astíoque, Ftia, Pelópia, Melibéia e
Ogigia (as fêmeas). Assim se orgulhava de sua fertilidade e ofendeu Leto, Apolo e Artemis,
obedecendo a ordem de sua mãe Leto, se vingaram cruelmente. Permanecendo alertas,
quanto ao dia em que se mostrasse propício, pois, quando Apolo avistou os filhos de Níobe –
numa planície – se exercitando, matou cada um deles com suas flechas. De imediato, Níobe e
suas filhas, deram conta da celeuma (ou do extermínio), caindo aos prantos sobre os corpos de
seus entes queridos. Mas, tal atitude (geral entre elas) de nada adiantava, pois, nova saraivada
de flechas – naquela instância – sob o comando de Artemis, decretou – também – a morte das
sete filhas de Níobe. Trecho da obra VERNANT, 2010, 185.

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almeja aquilo que é instituído como direito, como o seu fim, usando a
violência* como meio; e, por outro lado, no momento da instituição do
fim como um direito, não dispensa a violência,* mas só agora a
transforma, no sentido rigoroso e imediato, num poder* instituinte do
direito, estabelecendo como direito não um fim livre e independente
de violência (Gewalt), mas um fim necessário e intimamente
vinculado a ela, sob o nome do poder (Macht). A institucionalização
do direito é institucionalização do poder e, nesse sentido, um ato de
manifestação imediata da violência. A justiça é o princípio de toda
instituição divina de fins, o poder (Macht) é o princípio de toda
institucionalização mítica do direito.(...) (BENJAMIN, 2011, 147)

Brilhantemente Benjamin usa a figura do mito para explicar os fundos


de verdade e de crítica da sociedade, o que ele já faz, largamente, com a
literatura. Na religião do capital o homem se faz melhor que Deus ―Não porque
o encadeamento de culpa e expiação, que para o homem pagão é interminável,
seja dissolvido pela purificação do homem penitente e sua reconciliação com o
puro deus — mas porque, na tragédia, o homem pagão se dá conta de que é
melhor que seus deuses.‖ (BENJAMIN, 2011, 14) . Pois é uma religião pagã;
adora-se um bezerro de ouro6, como nos dias de Moisés. É uma religião pagã,
pois no fundo trata-se de um retrato do próprio homem, essa é a característica
das religiões pré-monoteístas, segundo Cassirer (1977). O paganismo é uma
expressão da vontade do próprio homem, enquanto as novas religiões são
expressões do cosmo e do transcendente ao homem (embora não haja
absolutos nesse campo).

De como o capitalismo enquanto religião age hoje em dia


É um pouco temerário comparar as ideias das análises de Benjamin,
mais aplicáveis a Europa entre guerras do que ao resto do mundo, em
especial, ao mundo latino americano, porém sua genialidade pode transcender
tempo e espaço. Na verdade, a partir de seu texto passa-se a algumas
considerações de como o capitalismo enquanto religião age hoje em dia. É

6
Na história bíblica, a rebeldia dos judeus, enquanto Moisés conversava com Deus no monte
Horebe, os israelitas construíram um deus de ouro na forma de um bezerro, para se opor a
rígida moralidade imposta por IEVE e fazer o que quiser, sobretudo contrariando suas ordens
sexuais e financeiras. O mito serve para dizer que o homem cumpre sua egoísta vontade ao
invés de obedecer a Deus. Assim se humaniza, e o retrato da humanização e construir deuses
para si, renegando sua divindade e se assumindo como humano.

Sociólogo, filósofo e mestre em filosofia pela UNESP, é doutorando em ciências sociais pela
UNESP e doutorado em ciências da religião pela UMESP- Universidade Metodista de São
Paulo, é professor na pós graduação de antropologia da Universidade do Sagrado Coração nas
áreas de antropologia e Filosofia. Bolsista da CNPq. Brasileiro, residente em São Paulo – SP.
Email: joebarduzzi@yahoo.com.br
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Cadernos Walter Benjamin 17

claro que o capitalismo evoluiu muito desde o tempo de Benjamin, tal como sua
intrínseca relação com os meios de comunicação e a evolução da acumulação
flexível, mas os ideais burgueses continuam mais ou menos os mesmos, as
considerações são inspiradas pelas ideias de Benjamin, mas as análises
podem incluir ressalvas de tempo e espaço.
A obra de E. Durkheim (2000, 261) já afirma que: ―não há religião sem
comunidade (igreja)‖. O mercado, como religiã, marca a nova comunidade que
é a sociedade moderna. As pessoas se reconhecem e se valorizam pelo poder
de compra que tem. Uma pessoa de bem é aquele que tem poder de consumo.
A religião do mercado tem os seus comportamentos e dogmas. Como
exemplo:
 O mercado é causa de desigualdades; assim é um produtor de
vítimas, que ou são exploradas ou são vítimas da violência causada pela
comunicação que leva desejos aos que não podem, e por isso roubam
violentamente multiplicando as vítimas (MESSNER, ROSENFELD, 2000)
 O mercado, dentro da ordem capitalista mundial, gera
concentração de riquezas nas mãos de poucos países e de poucos magnatas e
desestruturação social e miséria para a maior parte da humanidade
(HOFFMANN, 1994).
 Não é mais a fé que move céus e terra, é outra coisa a que é
atribuída tal força. O lema fundamental é: ―o dinheiro tudo pode, move o céu e
a terra‖.
 A propaganda tem a função de uma felicidade salvífica. Se você
não pode ter a mercadoria X você não é feliz. Se você não tem mercadoria e
não pode ser bem sucedido, é um excluído e não é uma pessoa de bem.
 As mercadorias são representantes de desejos mais profundos da
alma.
 A propaganda é uma autentica catequese, um ensinamento do
que deve ou não ter para ser feliz.
 O culto dominical são os programas televisivos.

Sociólogo, filósofo e mestre em filosofia pela UNESP, é doutorando em ciências sociais pela
UNESP e doutorado em ciências da religião pela UMESP- Universidade Metodista de São
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 A grande festa anual é o natal. Não para comemorar o


nascimento do Salvador, mas uma festa de consumo e presentes para a qual
as crianças são educadas desde cedo.
 Os templos são as lojas.
 A peregrinação são as novas viagens; os grandes shoppings e
cidades do consumo, e turismo, Disney World, Miami, Paris etc.
 Os sacerdotes são os que conhecem as regras do jogo,
advogados, que garantem a propriedade privada e seu pagamento,
economistas e banqueiros.
 As vestes rituais para participar da sociedade são as roupas de
marca caríssimas tal como Ermenildo Zegna, Nike, Lacoste etc....quando se
está vestido assim, o ser se torna benquisto na sociedade. Quando não veste,
é um excluído dela.
 A ética principal é o interesse pessoal, egoísta, competitivo com
sede de crescimento financeiro patológico.
Assim, se constrói e se produze a religião da espiritualidade do
mercado.
Tal religião promete felicidade a todos os que a consomem. Essa
promessa falha fragorosamente uma vez que poucos tem o poder de ter tudo o
que se apresenta para consumo. As mercadorias tem status divinos e de
bênçãos. A elas se adjudicam características salvíficas. É no contanto com o
novo sagrado que surge uma nova ética de ser: a da competição e
concorrência no mercado, seu semelhante passa a ser visto como concorrente.
A mística que move as pessoas no capitalismo é ganhar dinheiro para ganhar
mais dinheiro; comprar mais, comprar mais para consumir mais e mais. É no
poder de consumo, que se mede o caráter de uma pessoa segundo essa
lógica. O ser humano é medido em Ter e não em Ser. Numa sociedade assim,
a pessoa tem a sua dignidade reconhecida nas relações mercantis, no
mercado. Os pobres são marginalizados exatamente pela sua impossibilidade
de acesso ao mercado. Esses milhares que são a maioria do mundo são
invisíveis e reduzidos a meros problemas políticos, seres humanos
incapacitados de participar do acesso aos bens que eles mesmos produzem
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UNESP e doutorado em ciências da religião pela UMESP- Universidade Metodista de São
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em um total estado de alienação, alienação do produto de seu trabalho,


alienação causada pelo sistema de propaganda. Na tentativa desesperada de
sobreviver e de manter seus filhos, perde-se o amor ao próximo.
O mercado disfarça sua finalidade (o lucro), em respeito a certos
direitos humanos, porém alcançar a plenitude desses direitos se torna
impossível, uma vez que a finalidade do mercado não é alcançar esses direitos
(meio ambiente ecologicamente equilibrado, justiça, saúde, educação pleno
emprego etc..), e sim o lucro. Desse modo a finalidade do homem (e não só da
empresa) também passa a ser o lucro, impossível não lembrar do epíteto de
Hobbes, como nessa lógica pessoal vai surgir o homem: a reposta é apenas:
―como lobo do homem‖, como concorrente de seu semelhante.
A liberdade humana nessa relação fica ilusória e prejudicada, uma vez
que o homem só tem liberdade para consumir. Hinkelammert, (2005, 122) fala
da liberdade de escolher entre uma sociedade de plena convivência e uma
sociedade Hobbesiana, mas não há como agir sobre tais supostas liberdades,
frente a força poderosa do capital. O próprio autor diz que a democracia está a
serviço do capital (idem, 132), não se existe liberdade para se escolher entre
igualdade e fraternidade, pois isso implicaria em abrir mão da propriedade
privada e do lucro, o que aparentemente ninguém quer decidir.
Justiniano (2001) em Roma já falava de uma teoria do espelho
atribuída a Marx, que afirma que o sistema jurídico é um reflexo das relações
econômicas. Por exemplo, quanto a satisfação dos débitos para garantir a
dívida, já lecionava Gaio, sobre a ideia de que só deverão ser vendidos os
bens do executado, que se mostrarem suficientes para a satisfação dos seus
débitos (idem, Digesto, 27, 10, 5). É o princípio da satisfatividade, informativo
da tutela jurisdicional executiva previsto no artigo 659 do Código de Processo
Civil Brasileiro em várias leis do ocidente. Além disso as questões de herança
eram puramente materiais como no direito ocidental hoje e não mais patrimônio
sentimental ligado ao nome. O direito sempre teve relação intima com o
econômico. O que serve para uma análise do capital como regras imperiais de
domínio, como aponta Miguez et allii (2012), pela qual o império capitalista a
tudo domina.
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Nessa lógica, elementos de direitos humanos, tal como vida e


liberdade, tem menos valor que a propriedade. Até bem pouco tempo atrás, na
história do Brasil e em alguns países, ainda persiste, a ideia de se ir preso por
dívidas materiais, o que dá à liberdade um valor menor que a propriedade. Isto
para não falar nas violentas retomadas de propriedade abalizadas pelo Estado,
muitas vezes com mortes, fato do qual se depreende, que a vida tem menos
valor do que propriedade.

O lucro e o ídolo.
O capitalismo usa sua fábrica de guerra e morte, mas tem um fim: o
lucro (HARVEY, 2006). Ele supera suas crises com maquinas e mais máquinas
de guerra, donde se produz mais lucro e impulsiona a indústria, Hinkelammert
(2005, 193). Apontando para a triste inversão daqueles direitos humanos que
pretendia Locke, mostra que os direitos não se propuseram à maioria dos
homens, mas só à elite. Assim o capitalismo e a técnica, com sua máquina de
guerra - como sua razão - produzem monstros, como diz o autor citando a
famosa obra de Goya. Esses monstros são produzidos em uma estética de
morte, corrupção, invencibilidade e domínio, ou seja, a própria essência da
monstruosidade ainda é o capitalismo moderno. Ao se opor a certos valores,
produz outros monstros, como o fundamentalismo.
O homem, que se deixou seduzir pela técnica, sendo a técnica uma
relação na qual a ciência atende às formas de capitalismo, por fenômeno de
ressentimento, as despreza e procura a afirmação de si mesmo na vontade de
dominação do mundo, não mais visto como um meio para a realização dos
valores mais altos, mas como fim em si mesmo: donde a civilização da técnica,
serve ao industrialismo e ao capitalismo. Ferreti (1972, 12), estudioso de
Benjamin afirma, analisando as obras de Scheler, o seguinte:

Logo não há mais plenitude de vida, não mais o amor para o mundo e
para a plenitude de suas qualidades, não mais a autocontemplação
desinteressa como objetivo real do homem, mas cálculo utilitarista com
fim em si mesmo, redução da natureza ao seu aspecto exatamente
mensurável e seguramente dominável, fanatismo do trabalho e do lucro,
avaliação somente das qualidades humanas de diligência, rapidez,
capacidade de adaptação, que possuem uma utilidade aos fins lucrativos.
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O nascimento da ciência moderna e a concepção mecanicista da


natureza não são as causas, mas sim os efeitos dessa nova atitude, que
consagrou a natureza, privando-a de Deus, da alma, de todo valor e
qualidade.

Além da perda dos valores do espírito, a ciência e a técnica causaram um


desgaste profundo nas relações humanas. Buber (2001) observou agudamente
que, com o passar dos séculos, o mundo material se engrandeceu mais e mais,
enquanto o mundo das relações pessoais pouco a pouco se restringiu. Um
processo é a consequência do outro, visto que ―o desenvolvimento da capacidade
de experimentar e de utilizar cresce com a diminuição da capacidade do homem
de criar uma relação dialógica‖ (BUBER, 2001, 45). Hoje, parece que a relação
dialógica ficou menor, e que tenha cedido lugar àquela do domínio entre homens e
de subjugação entre estes e a natureza e subjugando a próprio Deus.
Mitos são desconstruídos para dar lugar a outros não mais para explicar a
vida, mas para subjugar a vida a um sistema cruel de poder. Porém outros mitos
surgiram para dar certa razão ao modo de vida moderno. Para fazer uma
consideração ao mito da caverna de Platão, em nossa sociedade apenas se
enxerga o que se quer e não percebemos que somos escravos de nosso próprio
desejo imposto por um sistema maior que nos prende a nós mesmos. A
concepção Cristã nos convida a olhar o próximo e a transcender nossos desejos
em prol de um bem comum. O pentecostal pode ter potencial para acreditar em
uma mudança que a bíblia convida: deixar a lucratividade e viver uma ética mais
cristã: Filipenses 3:7: "Mas o que, para mim, era lucro, isto considerei perda por
causa de Cristo”. Tem o potencial para viver assim mas recentemente assume
uma teologia contraria, mais adaptada ao capital, a teologia da prosperidade.

Os novos mitos
Para Adorno, Benjamim não critica os mitos e as religiões pelo
contráio, para Adorno a tarefa principal da filosofia de Benjamin é dar uma
reconciliação do mito com a filosofia (1999, p. 30), não para adotar a
explicação mitológica, mas para mostrar que ainda vivemos sobre mitos e que
eles perfazem nossa vida. Ele na verdade quer superar o dualismo ontológico
entre várias formas de conhecimento como arte, filosofia e ciências, e
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recompreender o valor da riqueza estética assim como a arte. E que o mito


também tem sua riqueza estética e procura explicar muitas coisas.
A riqueza do mito não está na sua história em si, mas no seu poder de
traduzir a realidade de um modo estético e que as pessoas assumem como
verdade, mais do que a ciência. Vivemos para Benjamin, segundo Adorno, em
mitos e artes ou melhor o mito e a arte tem mais força de explicação e de
aceitação do que a ciência.
Segundo Hinkelammert (2005, 47), os mitos antagonizam a razão
instrumental, porém a razão instrumental vive, quando do seu interesse, certos
mitos tal como a mão invisível do mercado. O autor afirma que a modernidade
cria mitos e é contra os mitos que se confundem com religião. A modernidade é
contra os mitos gregos, mas cria mitos como o do progresso, do crescimento
patológico, da democracia racial, da igualdade de oportunidade de igualdades,
da verdade absoluta da ciência(que pretende explicar tudo) e vive segundo
esses mitos. Os mitos segundo Campbell, são as histórias que conduzem
nossas vidas, ―Mitos são pistas para as potencialidades espirituais da vida
humana‖ (CAMPBELL, 2007, 14) assim esses mitos, sobretudo o do progresso,
é o que tem pautado a sociedade moderna. Não importa quem exclua ou quem
deixe ferido, essa é a certeza que tem pautado nossa sociedade assim os
sofrimentos e exclusões são justificados porque alguém disse que é assim que
o mundo deve funcionar, é a própria essência do mito.
Um deles é que a ciência e o seu produto comercializável, as
tecnologias, que foram apropriadas pelo capitalismo para gerar dinheiro, tem a
potencialidade para resolver todos os problemas humanos. De comunicação a
depressão, da produção material à fome, da impotência sexual ao
deslocamento espacial, a tecnologia quer resolver todos os problemas, às
vezes até os espirituais e emocionais através de remédios caros e
globalizados.
A habilidade e a facilidade com que o homem cria técnicas sempre
novas e mais perfeitas provocou nas gerações recentes uma confiança sem
limites no progresso humano, nas possibilidades de levá-lo à frente até a
realização do paraíso na terra e à feliz solução de todos os problemas e
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Cadernos Walter Benjamin 17

mistérios do homem. Mas é realmente verdade que as ciências e a técnica têm


o poder de resolver todos os problemas e enigmas humanos? Não tem.
Aliado a toda manutenção de conhecimento único, surge a ideia de que
conhecimento é poder (WESTHELLE, 2008) e que esse poder foi jungido ao
capital e a serviço desse, ou seja a ciência foi submetida ao ―interesse do
capital‖ (PANIKKAR, 2005, 20), sendo assim o poder ao qual se refere é o
próprio capital. Para entender o trunfo do capital sobre os valores antes
religiosos, houve um triunfo da comunicação que trouxe e confirmou a
modernidade.
Surgiram, no seio da modernidade, novas tecnologias da
comunicação, produtos dessa ciência racionalizada, que levou o homem a um
movimento de consumo desmedido e capitalizado. As pessoas passaram a ser
valoradas não pela sua essência, e sim pela sua capacidade de consumo.
Termos antes caros a humanidade como a teologia, alma, bondade, caridade
não tiveram mais lugar.
A modernidade a tudo racionaliza. A tudo matematiza, a tudo
contabiliza, a tudo registra de tal maneira, o homem fica reduzido a um negócio
de contabilidade, que interessa particularmente aos registros das taxas e dos
seguros (Steuerung und Sicherung), para utilizar uma expressão de Heidegger
(2007, 113). A razão dita racionalizada que serve para equilibrar o mercado,
nunca produziu tanta loucura. Quem não se encaixa no sistema e tem uma
crise é considerado louco. Esse suposto diagnóstico só serve aos interesses do
sistema de poder político e econômico estabelecido (FOUCAULT, 1990).
Assim a ideologia dominante capitalística com a proteção do Estado vai
impor valores absolutos, papel antes atribuído a religião, e ao impor tais valores
vai impor o querer e ao impor o querer vai lucrar com isso. A religião
capitalística é feita por e pela burguesia dominante, que está na posição de
capital cultural de impor seu pensamento aos outros e conta com o
instrumental de comunicação da grande mídia de consumo para tanto. Assim
as pessoas, as diferenças e a alteridade vão sendo construídas através de uma
pratica discursiva da lógica dominante, da qual não há escapatória.

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Apenas mudando a prática discursiva através da revolução ou


conscientização, da luta e da resistência é que se pode mudar o discurso, pois
no final o discurso é a reprodução daquilo que pensamos, diz o sábio Jesus
―porque a boca fala do que o coração está cheio.” (BÍBLIA, Evangelho segundo
Lucas 6:45). Assim assumimos e agimos conforme aquilo que pensamos e
ainda pensamos o que nos é imposto por quem tem os instrumentais da pratica
discursiva, de quem produz o saber e a verdade, tudo protegido pelo Estado.
Mas a luta pela diferença de pensar e de agir, fazer a diferença, agir
diferente do que nos é imposto; é a condição para melhorar o mundo. Este só
vai permanecer em boas ou más condições conforme as pessoas que fazem
parte dele. A alteridade é essa relação em que o outro é pensado e se deve
agir conforme a existência do outro. Na alteridade percebemos que outros
estão fora das condições mínimas da humanidade, como falta de acesso à
comida e justiças básicas. Quem está no poder até agora não pensou no outro,
não existe até agora uma verdade, ou uma ciência que pense no outro, a
religião cristã que deveria fazer pensar no outro foi e é constantemente
cooptada pelo capitalismo através da teologia da prosperidade e pelo poder
desde Constantino. Assim perde seu poder salvifico. O capital se torna mais
forte do que a mensagem original pervertendo a religião. Através desses
valores absolutos o capital se impõe para benefícios de poucos e para
malefício de muitos, que ao desejarem o capital, não lutam contra ele. Não se
luta contra religião, e ao assumir tais características religiosas, o capital
garante sua permanência. Precisa-se de uma nova forma ideológica, uma que
pense em igualdade, não prometida, mas efetiva, um pensamento-ato de
pensar no outro, mas são as pessoas que fazem as práticas discursivas e
precisa-se mudar o sistema atual. Resistamos. Só mudando os valores
impostos, pensaremos no outro, como a mensagem não distorcida pelos
homens de Jesus a Marx. Como? Fica para o despertar das consciências ou de
classe ou de amor. Seja como for, falta uma consciência da relação.

REFERÊNCIAS
Sociólogo, filósofo e mestre em filosofia pela UNESP, é doutorando em ciências sociais pela
UNESP e doutorado em ciências da religião pela UMESP- Universidade Metodista de São
Paulo, é professor na pós graduação de antropologia da Universidade do Sagrado Coração nas
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Email: joebarduzzi@yahoo.com.br
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Email: joebarduzzi@yahoo.com.br
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http://www.centroestudosanglicanos.com.br/bancodetextos/diversos/teologia_cr
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30/mar/2013.

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Alguns apontamentos sobre as mudanças nas relações de
Gênero no meio pentecostal
Otávio Barduzzi Rodrigues da Costa*1

Resumo: A intenção deste artigo é mostrar as mudanças ocorridas no


cenário Pentecostal Tradicional Brasileiro. Houve a preocupação em
escrever acerca disso uma vez que os clássicos acerca do tema não mais
alcançam as constantes mudanças pelas quais esse grupo religioso
passou nos últimos cinco anos. Em especial as Assembleias de Deus,
objeto desse estudo. Para ser mais especifico há de se mostrar aqui as
mudanças diversas relacionadas aos costumes, teologia, ética e rituais
que as Assembleias de Deus e algumas igrejas que se espelham nelas
estão passando. A metodologia utilizada é a observação participante
decorrente de mais de sete anos de pesquisa entre as Assembleias de
Deus. Conclui-se que estão ocorrendo várias mudanças no que se refere
as relações de gênero, rituais, teologias e costume dentro desse tipo de
pertença religiosa. Aqui há de se enfocar as mudanças em relação ao
gênero.

Palavras-chave: Pentecostalismo; Gênero e religião; mudanças sociais

Abstract: The intent of this article is show all the changes in the
scenario of Brazilian Pentecostal orthodox Churches. There was
concern in writing about it since the classics on the subject no longer
reach the constant changes that this religious group spent the past five
years. In particular the Assemblies of God, the object of this study. To
be more specific here is to show the various changes related to customs,

1
Cientista social formado pela UNESP com ênfase em antropologia, Advogado
(OAB-SP 314.526) formado pela ITE, mestre em filosofia pela UNESP, doutorando
em ciências da Religião pela Universidade Metodista. É presbítero da Assembleia de
Deus Missionária de Bauru-SP já a cerca de 8 anos. Professor de sociologia e filosofia
da Universidade Metodista e do IFSP.
165
theology, ethics and rituals that the Assemblies of God and some
churches that mirror them are going through. The methodology used is
participant observation due more than seven years of research among
the Assemblies of God. We conclude that several changes are occurring
regarding gender relations, rituals, theologies and custom within this
type of religious affiliation. Here we will indicate the changes about
gender relationship.

Keywords: Pentecostalism, gender and religion, social change

Introdução
A verdadeira religião é a vida que levamos,
não o credo que professamos.
Louis Nizer

Estamos em época de mudanças sociais bem como crises, como


um dos principais segmentos da sociedade, a religião também passa por
mudanças (BERGER, 1971, p.21), pode-se afirmar que estamos em
época de efervescência religiosa (CAMPOS, 2002 p.97). Sobretudo no
Brasil, as profundas mudanças econômicas e sociais, bem como a
inserção do país, de modo crescente no cenário econômico mundial
afetou vários segmentos da sociedade brasileira e consequentemente sua
religiosidade também foi afetada (MUNIZ DE SOUZA & MARTINO,
2004, p.15).
Tratar de religião e gênero no Brasil é uma tarefa difícil, visto
que de um lado existem aspectos de uma comunidade tradicional de
valores centenários próprios; do outro de conquistas necessárias à
promoção da igualdade de gênero. Mas impor a uma comunidade
166
tradicional certas posições politicamente adequadas pode ferir um
princípio de conservação dos costumes tradicionais. No entanto, não se
pode aceitar certas posições machistas, sobretudo quando essas
comunidades conseguem espaço político que afeta a todos. Esse
trabalho então visa a apontar certas mudanças de mentalidade que estão
surgindo dentro de uma comunidade tradicional, trata-se de um trabalho
de uma mudança na história e cultura das Assembleias de Deus, é um
trabalho sobre história e antropologia dessa religião e não sobre
importantes conquistas dos direitos femininos.
Tradicionalmente a relação de gênero nas igrejas pentecostais
em especial nas Assembleias de Deus (AD’s) se caracteriza por uma
leitura fundamentalista bíblica descrita em I Timóteo 2:11-12 “A
mulher aprenda em silêncio, com toda a sujeição. Não permito, porém,
que a mulher ensine, nem use de autoridade sobre o marido, mas que
esteja em silêncio” e em 1º Coríntios 14:34-35 "As mulheres
estejam caladas nas igrejas, porque lhes não é permitido falar. E, se
querem aprender alguma coisa, interroguem em casa a seus próprios
maridos, porque é indecente que as mulheres falem na igreja", bem
como outras passagens semelhantes, porém tais posições têm tido suas
interpretações desprezadas ou seus efeitos minorados por essas
comunidades, fenômeno que apresentaremos nesse trabalho.

167
Não nos referimos aqui a alguma AD especifica, visto sua atual
pluralidade e complexidade em variedade e costumes2, como esse
trabalho vai mostrar, todas elas tem uma origem e algo em comum, a
pluralidade de Assembleias de Deus, é parte integrante desse trabalho e
das mudanças que ocorre nessa instituição plural e complexa aqui
apontadas. Nossa experiência de observação participante segue a
observação em um sem número em mais de 13 anos de conversão e
observação dentro das assembleias de Deus dentro de todo o estado de
São Paulo.
Faz-se necessária alguma ordem histórica e social para analisar
os conceitos que se tratam no presente artigo. Usualmente classifica-se
o pentecostalismo Brasileiro em três grandes fases (ou ondas). O
pentecostalismo no Brasil tem sido classificado utilizando as ideias de
Paul Freston, e se têm usado a periodização das três ondas. A primeira
onda pentecostal registra a fundação e o surgimento da Congregação
Cristã do Brasil e das Assembleias de Deus, nos moldes do
pentecostalismo norte-americano e sueco de onde provinham os
fundadores. A chamada segunda onda pentecostal teve origem na
década de 1950, dava ênfase na glossolalia, na cura divina e nos
milagres. São numerosas as denominações surgidas nessa época: Igreja

2
Os estudiosos hoje falam em assembleias de Deus (no plural) isso porque há muita
variabilidade entre elas, encontra-se, por exemplo, em relação ao costume de roupas
algumas bem liberais, que admitem tatuagens cortes de roupa e cabelo moderno como
a Assembleia de Deus do Brás e outras que não permitem nem que mulheres usem
calças ou se depilem tal como o ministério Ipiranga.
168
do Evangelho Quadrangular, antes conhecida como Cruzada Nacional
de Evangelização (1953); Igreja Pentecostal "O Brasil para Cristo"
(1956); Igreja Pentecostal "Deus é Amor" (1961); Metodista Wesleyana
(1967) e muitas outras.
Na década de 70, uma terceira onda pentecostal, que é a mais
estudada, por que usa grande espaço na mídia e suas ideias
diferenciadas, com uma série de modificações da teologia pentecostal,
deu início a formas de pentecostalismo conhecido com o nome de
"pentecostalismo brasileiro" ou neopentecostalismo. A Igreja Universal
do Reino de Deus (1977), a Igreja Internacional da Graça de Deus
(1980), a Igreja Cristo Vive (1986), são expressões afirmadas do
pentecostalismo brasileiro (MARIANO, 2005).
Cada uma focaliza seu discurso social e teológico em bases
principais que podem até se misturar com as outras. Todas podem
pregar, por exemplo, a cura, ou a prosperidade, mas cada uma enfoca
algo que são diretrizes básicas da maioria das pregações em seus
templos. A primeira onda (pentecostalismo) enfoca o batismo com o
Espírito Santo e a glossolalia e a salvação da Alma (LEONARD, 1963
p. 47). A da segunda onda de (Deuteropentecostalismo) enfoca a cura
divina e estimula cultos com excessiva demonstração de Glossolalia
(MOREIRA, 1996 p.13). A da terceira (neopentecostalismo) exalta o
exorcismo e mensagem da prosperidade (FERRARI, 2007 p.22).

169
Números e características das igrejas Pentecostais.

Várias igrejas surgiram no cenário brasileiro nos últimos anos.


Basta dar um pequeno passeio em qualquer bairro, sobretudo os
periféricos, para ver um sem número de denominações religiosas das
mais variadas3.
Os números demonstrados pelo Censo de 2010, divulgado
recentemente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
apontou que o número de evangélicos cresceu 61,45% no Brasil nos
últimos dez anos. Apenas entre as Assembleias de Deus o crescimento
foi estrondoso, mais de 48%. Se utilizando de Dados do Censo 2010
(que calcula ≈ 13.000.000 – cerca de treze milhões de membros até
2009) e do órgão oficial de Notícias das Assembleias de Deus
(doravante AD), o CPADNews, que professa o número (feito por
pesquisa própria através de registros das igrejas) anunciado da
Convenção Geral das Assembleias de Deus o Brasil (CGADB) de 2012
de ≈25.000.000, chegamos a uma média de 18.000.000 (dezoito
milhões) de membros, (CPADNews, 2012) o mesmo site observa que se

3
Existem muitas listas, sobretudo na WEB seguem sugestões de consulta:
http://www.compulsivo.com.br/2010/02/todas-as-igrejas-do-brasil.html -
http://www.pulpitocristao.com/2010/05/confira-os-nomes-de-igrejas-mais-estranhos-
e-engracados/ -
http://oskaras.com/97-nomes-estranhos-de-igrejas/ -
http://www.gospel10.com/igrejas/denominacao--batista--1 -
http://www.gospel10.com/igrejas/denominacao--igreja-pentecostal--18 -
http://www.mackenzie.br/10175.html

170
a taxa de crescimento continuar constante, em 2020 o número de
evangélicos da AD ultrapassará os 50.000.000. Sabe-se que o IBGE tem
tido sua falhas de pesquisa (IGNÁCIO, 2010) (ROSEMBERG F. &
PIZA E. 1999), e parece essa falha aumentar nas pesquisas religiosas
(OLIVEIRA & SIMÕES, 2005), por isso adotar-se-á essa média.
As neopentecostais têm suas práticas pautadas pela teologia da
prosperidade (Campos, 1996 p.521), que significa uma troca simbólica
de promessas supostamente divinas de que os fiéis tem, em troca de
sacrifícios financeiros, o direito-dever de se tornarem ricos e prósperos4.
Em que pese à popularidade alcançada, ou a grande colocação
na mídia, não é nem de longe o maior representante do pentecostalismo
no Brasil, perto das Assembleias de Deus (AD). Segundos dados do
IBGE, as maiores representações somadas do neopentecostalismo não
se aproximam das ADs que na menor das contagens chega a quinze
milhões de membros. Todas as grandes igrejas midiáticas (IURD, IIGD,
IPMD, Renascer, etc...) juntas não chegam a um terço das Assembleias
de Deus (ADs).
Esses dados são importantes, embora escape um pouco do tema
faz-se necessário para não confundir as igrejas que se está tratando para
não confundir o neófito que quiçá leia o presente artigo.

4
Uma análise aprofundada de seu discurso revela em sub tom, de que as pessoas que
forem fieis em dízimos e ofertas tem não só o direito, mas o dever de serem prósperas
(entenda-se ricas) e que em caso contrário deve existir algum pecado ou demônio
atrapalhando a prosperidade dessa pessoa.

171
Mudanças diversas, presentes e vindouras. Diferenças de costume.

As ADs e igrejas derivadas (que se originaram delas em sua


formação, mas preservam vários pontos teológicos e sociológicos
comuns) a que se denominará igrejas pentecostais ortodoxas, não estão
isentas de mudanças diversas, que estão ocorrendo bem agora,
sobretudo nos últimos 5 anos (de 2009 em diante). Vários eventos
proporcionaram tais mudanças. A explosão Gospel ocorrida na década
de 1990 (Cunha, 2007 p.9). A influência sempre histórica das igrejas
norte-americanas, cujo discurso e teologia foram mudados após os
acontecimentos de setembro de 2001. Outro em 2004 quando ocorre à
saída da AD Madureira da CGADB. Também a ordenação de mulheres
a partir de 2005. A crescente influência de Algumas ADs na mídia.
Digno de nota é a mudança de discurso e sua grande influência
teológica dos eventos promovidos pelos Gideões Missionários da
Ultima Hora. Também vale lembrar a crescente influência teológica da
CPAD e da CGADB, ou seja, há novas instituições influenciando as
Igrejas pentecostais ortodoxas.
As ADs tradicionalmente são conhecidas por impor uma
adequação moral aos seus membros no que se refere às vestimentas,
impõe um jugo pesado inadequado ao clima brasileiro, tachando o que é
ou não uma roupa decente. No seu livro o pastor Ricardo Gondim

172
(2005, prefácio)5 denuncia o pesado jugo a qual estão dispostos tais
pessoas. Essa é uma visão fundamentalista, mas que tem mudado,
porém a muito ainda que mudar.
Para a maioria das ADs não se pode cortar cabelo para as
mulheres e homens não podem ter cabelo comprido. De preferência o
corte deve ser padronizado como o do pastor ou raspado, mulheres só
podem usar saia comprida, no mínimo abaixo do joelho, homens podem
andar de calça social e camisa, preferencialmente comprida, mas os
obreiros no culto só podem portar terno e gravata, não importa o calor
(ROLIM CARTAXO, 1987 p. 18). Mas hoje em dia algumas ADs tem
mudado o padrão de vestimenta dentre outros costumes abaixo
denunciados.
As assembleias de Deus depois de meados da década de 1940,
tem se dividido em ministérios, que seguem mais ou menos a mesma
matriz, aceitam os costumes umas das outras, convidam pregadores
umas das outras para pregarem, mas estão divididas em ministérios a
quais não tem, na prática, diferenças nos costumes, porém são feitos

5
Criado e pastor da Assembleia de Deus por 15 anos, o pastor Ricardo Gondim com
50 anos de idade e vivencia dentro dessa igreja, observou muitas coisas nelas e depois
abriu sua própria igreja (Igreja Evangélica Betesda) por não acreditar em certas regras
e costumes impostos pela ADs.

173
para beneficiar uma visão6 (poucos) ou uma família de líderes cuja
liderança é passada de pai para filho (ALENCAR, 2005 p.102).
São inúmeros os ministérios, os mais numerosos são: Ministério
Belém, Ministério Ipiranga, Assembleia de Deus Missionária, Assembleia
de Deus Ministério Missão, filiadas a CGADB. Há inúmeras outras não
filiadas tais como, AD Kairos, AD Restauração, AD Fama, etc... vale a
pena registrar a Assembleia de Deus Madureira, que só perde para
números de fiéis para a AD Belém, e tem sua própria convenção: A
CONAMAD - A Convenção Nacional das Assembleias de Deus no
Brasil do Ministério de Madureira.
Porém todas podem ser caracterizadas por certos códigos de
comportamento que as caracteriza além da roupa: repetem em tom
monocórdio versículos bíblicos, ao menos em tese não falam gírias e
palavrões, evitam ouvir músicas mundanas e frequentar eventos
mundanos. Não se pode: ver tevê, praticar esporte e cultuar ritmos
musicais brasileiros, as crianças não podem brincar de futebol, bicicleta
ou nadar, nem praticar esportes ou ir à praia. A justificativa é ao mesmo
tempo simples e definitiva: são coisas do mundo ou do diabo7. Essa é
uma visão fundamentalista bíblica que impunha certa interpretação de
lideranças, mas que mudou nos últimos anos.

6
Por exemplo, a AD missionária tem a visão de implantar missões em vários locais do
Brasil e do mundo o vice-presidente ao contrário da maioria dos ministérios não é
filho nem genro nem parente do presidente.
7
Para alguns fiéis é a mesma coisa pois interpretam ao pé da letra a passagem bíblica
descrita em 1Jo 5.19 "Sabemos que somos de Deus e que o mundo inteiro jaz no
Maligno."
174
Porém há mudanças, no segundo maior ministério8 das ADs. A
Assembleia de Deus ministério Madureira tem mudado radicalmente
seu costume. A veiculação anunciado por jornais gospel de todo o país
confirma a facilmente verificável (basta ir a qualquer culto) a mudança
às quais passam. Agora ficou muito mais visível e isso acaba ou acabara
interferindo em outras assembleias de Deus, sob o risco de perder fieis:

No templo do Brás, porém, às 19h30 do domingo 15,


um grupo de cerca de vinte fiéis fazia coreografias,
ao lado do púlpito, ao som de uma batida funkeada.
Seus componentes – mulheres maquiadas e com
cabelos curtos tingidos, calça jeans justa e joias
combinando com o salto alto; homens usando
camiseta e exibindo corte de cabelo black power –
outrora sofreriam sanções, como uma expulsão, por
conta de tais “ousadias”. Mas ali eram ovacionados
por uma plateia formada por gente vestida de forma
parecida, bem informal. Palmas, também proibidas
nas celebrações tradicionais, eram requisitadas pelo
pastor Samuel de Castro Ferreira, líder do templo e
um dos responsáveis por essa mudança de
mentalidade (...)Sua Assembleia do “pode” tem
agradado aos fiéis. “Meu pai não permitia que eu
pintasse as unhas, raspasse os pelos ou cortasse o
cabelo”, conta a dona de casa Jussara da Silva, 49
anos. “Furei as orelhas só depois dos 40 anos. Faz
pouco tempo, também, que faço luzes”, afirma
Raquel Monteiro Pedro, 47 anos, gerente
administrativa. Devidamente maquiadas, as duas
desfilavam seus cabelos curtos e tingidos adornados

8
Ver mais detalhes na reportagem - Um pastor moderno entre os radicais jornal mídia
gospel de 20 de novembro de 2011, disponível em
http://www.midiagospel.com.br/variedades/noticias/assembleia-de-deus-sem-usos-e-
costumes acessado em 12/dez/2012
175
por joias pelo salão do Brás, cuja arquitetura, mais
parecida com a de um anfiteatro, também se
distingue das igrejas mais conservadoras.

Tais mudanças se encontram em franca aceitação pelos fiéis e


afetam outras Assembleias de Deus e igrejas, que cada vez mais
rompem com tradições, a AD do Bom Retiro com mais de 7.000
membros que pode ser citada como exemplo (Santos Correa, 2012
.p.56), mas a maioria das ADs ainda mantém seus costumes.
Especialmente frente à juventude das igrejas já há uma franca
mudança de comportamento, tais como uso de camisetas (na maioria
sempre se referindo a algo bíblico), uso de calça jeans e corte de cabelo
(as mulheres ainda mantêm comprido, mas não mais até a cintura).
Parte disso se deve também ao crescimento de grifes evangélicas que
produzem roupas de cunho cristão, mas com corte moderno, atendendo
a uma fatia do mercado antes inexplorada e agora em franca expansão
(Cunha, 2007 p.47). Ainda na maioria das igrejas pentecostais
tradicionais ou ortodoxas é obrigatório tanto fora como dentro da igreja
o uso de roupas “decentes” (Se baseiam na Bíblia em 1ª epistola a
Timóteo 2:9), só que o que é decente tem sido mudado, a 40ª CGADB
(Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil), realizada em
abril de 2012 em Cuiabá retificou o que é ou não decente (GCABD,
2012).
Essa mudança impacta a vestimenta que é reconhecida como a
primeira impressão e expressão externa do que seria uma mulher
176
pertencente ao movimento pentecostal (Campos Machado, 1996). A
vestimenta do religioso pentecostal é fundamental para a constituição da
sua identidade, e do reconhecimento pela sociedade em seu entorno,
esse peso é maior para as mulheres9.

Mudanças em relação ao gênero

Embora nunca ordenadas, às mulheres e solteiros já tiveram nos


anos 30 e 40 um papel importante nas ADs, porém o que ocorreu de
1940 até 1990 foi um conservadorismo extremado (Alencar, 2010 p. 76)
que implicou em uma fase de machismo em franco declínio da década
de 2000 para os dias de hoje.
Ultimamente tem se observado uma força maior da CGADB
(Convenção Geral das Assembleias de Deus do Brasil) no que se refere
às questões teológicas (por força de sua influência na CPAD e na
produção das revistas de Escola dominical bem como na EETAD) e
diminuindo sua força em questões de doutrina10. Isso se deve ao fato de
multiplicar as denominações associadas sendo impossível unificar por
enquanto a doutrina de cada igreja. Creio que se deve também a certo
medo de sair da convenção como aconteceu com a AD Madureira. Em
seu site oficial, ela é definida como “uma igreja evangélica pentecostal
que prima pela ortodoxia doutrinária”.

9
Idem.
10
Logo será objeto de artigo próprio.
177
Quanto à ordenação de mulheres, após anos de papel de
submissão (MARIZ, 1994) e de incapacidade de ordenação (TOLEDO
FRANCISCO, 2002), isso agora mudou; já é aceito desde que no dia 23
de abril de 2005, quando foi ordenada pastora a cantora gospel
Cassiane, fato que entrou para a história da Assembleia de Deus. Foi
consagrada a primeira pastora da denominação centenária, e indo contra
a maioria do posicionamento da instituição11: O pastoreado feminino
quebrando um jejum de anos desde Linda Nyström, esposa de Samuel
Nyström (ARAUJO, 2007. Verbete Mulheres) em 1919 na Amazônia.
Vale registrar que já existem como ordenadas pastoras, a Elizete
Malafaia, esposa de Silas Malafaia (o ministério de Silas Malafaia é
independente com regras e costumes próprios) é um conhecido
exemplo, dentre outras ordenações cada vez mais crescentes.
Porém não é unânime em todos os ministérios12, o que
questiona a força das CGADB que reconheceu tais ordenações, mas
ainda não se posicionou nem contra nem a favor da ordenação feminina
(GOSPEL PRIME – 2011), porém certas mudanças em questão de
gênero são claramente perceptíveis. O que ocorre é que o
posicionamento oficial da CGADB é contra o pastoreado feminino,

11
Apesar de haver ordenação ainda há muita resistência, a resistência está centrada
nas igrejas que ainda não tem pastoras ou não convidaram pastoras para pregar, após
isso ocorrer a resistência pouco a pouco se dissolve (GOSPEL PRIME – 2011).
12
Além de duas convenções regionais como a do distrito federal e do Mato Grosso,
vários ministérios filiados a CGADB têm consagrado pastoras, podemos citar como
exemplo a AD Missionária de Bauru – SP e a AD Torre Forte de S. J. do Rio Preto-
SP.
178
porém suas afiliadas, as convenções regionais, já sagram pastoras e a
CGADB fica então obrigada a reconhecer, pois está no seu estatuto o
reconhecimento de sacerdotes (não diz o sexo) consagrado pelas
convenções regionais (CGADB, estatuto artigo 17). Caso notório foi a
sagração da Ex-senadora Marina Silva consagrada pela convenção do
DF em abril de 2012 e na reunião da CGADB em maio já era
apresentada como pastora no evento (GOSPEL MAIS – 2012).
A Convenção das Assembleias de Deus do Distrito Federal
(CEADDIF -2011), cujo presidente é o Pr. Sóstenes Apolos reconheceu
e sagra pastoras. Na Assembleia Geral Ordinária de setembro - Outubro
de 2011, a CEADDIF aprovou o ingresso de mulheres como membros
da convenção e a ordenação ao pastorado. A proposta foi aprovada pela
maioria dos presentes. A CEADDIF é filiada a CGADB – Convenção
Geral das Assembleias de Deus no Brasil, que não tem em seus quadros
mulheres como membros, ou pelo menos não tinha até o momento. A
CGADB não consagra ministros, quem o faz são as igrejas e o obreiro é
reconhecido por seu pastor presidente, que apresentam listas para as
Convenções regionais (como a CEADDIF), e após a ordenação, são
encaminhadas fichas dos pastores (e das pastoras), para o devido
registro junto a CGADB13.
Outra convenção regional a sagrar pastoras é a do Mato Grosso,
CONADEMAT-14, que em 2011 consagrou a sua primeira pastora
(CONADEMAT-14, 2011), por sinal mulher do pastor presidente da

13
Idem.
179
regional. Ao que parece, as mulheres dos pastores mesmo quando não
consagradas às pastoras tem um papel preponderante na liderança do
ministério feminino (MOTA, 2008).
O papel da CGADB ao contrário de outras igrejas tais como a
batista, as presbiterianas têm pouca ou nenhuma influência sobre as
congregações locais (SOUSA, 2011). Os pentecostais tradicionais em
geral não tem uma convenção firme como as tradicionais ou uma
instituição que interfira diretamente sobre sua teologia, simplesmente há
rompimento da igreja local (por parte da igreja) que discorde das
decisões. Em 2001 saiu uma portaria que negava a ordenação de
mulheres, mas em 2009 um recurso administrativo baseado no art. 17
do estatuto da CGADB, (que omitia o sexo em reconhecimento de
sacerdotes) fez reconhecer alguns casos específicos de ordenação de
mulheres. Esse reconhecimento tem vários motivos, mas a apontamos a
busca pela influência política das igrejas evangélicas e o papel que as
mulheres evangélicas têm conseguido na política (DUARTE, 2009) tem
levado os líderes da CGADB a rever seus conceitos. Duarte (2009) cita
os casos emblemáticos de mulheres evangélicas, sobretudo
assembleiana e suas conquistas na política tal como Marina Silva,
Benedita da Silva dentre outras na conquista do poder político.

180
Machismo tradicional

Ainda há certo machismo, sempre tradicional nas ADs (Mariz,


1994 p.12), esse machismo é inclusive aceito pela maioria das
mulheres, que se põe em papel de submissão visto que há o
entendimento geral, entre os homens e a maioria das mulheres de que a
Bíblia diz assim (Campos Machado, 1996 p.199). Esse machismo se
manifesta de várias maneiras, desde a aceitação geral de que não
poderia haver mulheres pastoras, como a ideia de que mulher não
trabalha, e que quem sustenta a casa é o homem (IDEM). Porém essa
visão tem mudado vários pastores (em que pese o machismo na prática
de suas vidas pessoais diárias), dizem em seus discursos e pregações
que é grande o papel das mulheres no movimento pentecostal, esse
entendimento é compactuado em anos de observação e também na
Bíblia de Estudo Pentecostal (1995) nos comentários de provérbios
31.10-31, como no Dicionário de movimento Pentecostal (ARAUJO,
2007, verbete mulheres). Não há já algum tempo a separação de homens
e mulheres nas igrejas da ADs (salvo em várias congregações pequenas
do interior do país e ainda persiste essa pratica no ministério Ipiranga),
ainda continuam a praticá-la a Congregação Cristã do Brasil e a IPDA.
Nesse caso as mulheres sentam todas juntas do lado esquerdo do púlpito
e os homens do lado direito para lembrar que elas são responsáveis pelo
pecado original, segundo relato de pertencentes dessas comunidades.

181
Sempre reconhecem a importância da mulher, mas as relegam ao
serviço social e de oração da igreja. Algo pouco relatado é o
preconceito que as mulheres têm delas mesmas, é observado pelas
próprias mulheres que mulheres que trabalham fora, “não estão na
visão”, e que o “certo seria não trabalhar”. Porém com a emancipação
recente da mulher e a crescente conquista dos seus direitos esse
preconceito tem diminuído, ainda mais porque houve a percepção de
que família em que a mulher trabalhava aumentava a arrecadação do
dizimo. Os cultos ultimamente têm dado grande importância para as
mulheres e são homenageadas e chamadas para vários outros trabalhos
na igreja14. Pode ser ou não por interesse, mas a mulher tem sido mais
valorizada.

Divórcio e casamento.

Quanto à moral sobre o casamento ainda é soberano o fato de se


manter a família, quase que a qualquer custo15, sabe-se que o
pentecostalismo tem uma visão machista (MARIZ, 1994 p.192), e o
divórcio não era aceito pelas ADs, porém o preconceito com mulheres

14
Por exemplo, a esposa do autor consagrada a diaconisa, como é publicitária e
designer é constantemente procurada para fazer a arte dos cartazes de campanhas e
outros serviços.
15
Mesmo em caso de traição e agressão familiar há o estímulo para que o membro
vítima perdoe o outro e haja reconciliação de casal, o ministério de casal tem sido um
dos mais poderosos das igrejas.

182
separadas antes de serem convertidas já inexiste, e está diminuído o
preconceito com mulheres separadas antes da sua conversão16, porém
estas são estimuladas a perdoar e continuar com seus maridos. O
divórcio antes impensável hoje é possível apenas na possibilidade de
adultério, e mesmo assim a pessoa deve ser “tratada espiritualmente”
antes de se relacionar de novo com alguém. O que antigamente era
impossível. Ainda é um assunto tabu e desafio para a igreja (STRECK,
2007 p.32), porém o poder da mulher dentro da igreja tem aumentado e
proporcionalmente a isso o apoio e diminuição de preconceito ao
divórcio também (FONSECA; MARIN; NASCIMENTO DE FARIAS,
2010 p.28).
Os pentecostais tradicionais demonizavam a televisão até
ocorrer dois fatores: a influência e o sucesso dos televangelistas nos
anos 1970. Há de se considerar o crescente acesso econômico para a
televisão, ficava fácil demonizar algo que não tinha acesso, desde 1990
ficou permitido à televisão para ver desde que se evitassem programas
de nudez ou indecentes, estimulando apenas aos programas religiosos e
telejornais.

16
Há pouco preconceito com homem separado ou divorciado, tanto é que há vários
pastores consagrados que são separados, porém todos passam por “tratamento
espiritual” nesse caso, que pode ser alguns anos ou meses sem pregar, estando no
Banco sendo orientado por um pastor e tendo um grupo de intercessores orando por
ele (a).

183
Hoje, em face desses fenômenos, é permitida a televisão, tanto
que ocorre a boca miúda o seguinte exemplo de testemunho: o
Assembleiano antigamente dando testemunhos (oportunidades para que
as pessoas que não são pregadores falem das suas experiências
religiosas.) no púlpito – “irmãos, Jesus me salvou e já vendi a
televisão”; já o Assembleiano hoje dando testemunhos – “irmãos, Jesus
me abençoou e já comprei três televisores”. Já rádio, especialmente
programas evangélicos foi permitido, mas só após ampla discussão na
década de 1940 (Alencar, 2010 p. 72).
Evidentemente, o maior acesso à mídia, a televisão introduziu
novas ideias antes impensáveis as irmãs, tal como acesso a moda,
ideários de beleza, que embora manipuláveis por uma indústria cultural
de interesses escusos deu novas escolhas as pertencentes às assembleias
de Deus em sua autoimagem (Mira, 2003 p. 40), além do mais o acesso
ao computador e a internet, trouxe tremenda possibilidade de
comunicação informacional ao mundo pentecostal (CAMPOS JR., 2012
p. 14), no que se refere à opressão tradicionalmente machista da AD’s
trouxe uma liberdade de trocas de ideias e conversas para as crentes
femininas antes impossível e restrita ao seu círculo de amizade.
Trouxe diversas ideias antes totalmente alienadas além do
padrão de beleza, trouxe também a ideia de introdução no mercado de
trabalho e ideários de independência financeira trazida pelo capitalismo.
Hoje a assembleiana segue certos costumes de beleza apresentado na

184
mídia televisiva, comentam a novela e de como a protagonista estava
vestida.

Teologia da prosperidade X teologia da salvação.

A teologia da prosperidade também influencia as relações de


gênero, portanto fazem-se necessários breves considerações sobre a
mesma. A prosperidade para Assembleia de Deus é uma visão bem
diferente das neopentecostais. Essas seguem a teologia ou evangelho da
prosperidade que teve suas origens nos EUA, por volta dos anos 30 e 40
(Mariano, 1999, p. 151). No Brasil, segundo Mariano (op. Cit, p. 157),
a Teologia da Prosperidade iniciou a sua trajetória nos anos 70,
penetrando em muitas igrejas e ministérios, em especial: Internacional
da Graça, Universal, Renascer em Cristo, Sara Nossa Terra, Nova Vida,
Bíblica da Paz, Verbo da Vida, Cristo Salva, Cristo Vive, Nacional do
Senhor Jesus Cristo. Cada uma delas deu de diferentes maneiras e de
diferentes modos às doutrinas desse evangelho da prosperidade que se
baseava em escritos de Hagin tais como: "Não ore mais por dinheiro
[...] Exija tudo o que precisar." (HAGIN, p. 17 apud ROMEIRO, 1998,
p. 43, grifos nossos). A Teologia da Prosperidade encontrou terreno
fértil no Brasil há partir os anos 70, encontrando espaço nos grupos
evangélicos pentecostais. Após certo tempo os pentecostais verdadeiros
começaram a rejeitá-lo (PIERATT, 1993 p.81) o que ocasionou para
quem acreditava uma ampla difusão de novas igrejas e divisões que
185
acreditavam nesse tipo de evangelho. Surgiu daí as chamadas igrejas
neopentecostais.
A prosperidade para os assembleianos não significam ter vários
carros, belas casas, ter um alto salário, ou uma vida com fartura de bens
materiais como é pregada pelas igrejas neopentecostais, e sim paz
harmonia e segurança, em várias pregações é constante a definição
“prosperidade é viver bem com aquilo que Deus permite que você
viva”. Ou seja, é um ato continuo de gratidão a Deus pelo que você tem
não uma luta para conquistar coisas que o fiel ainda não tem.
Isso gera um verdadeiro conflito para o fiel, porque ele ouve
num dia desses grandes pregadores, seja ao vivo ou na rádio, a teologia
da prosperidade, mas na sua igreja, também assembleiana, o pastor
alerta para o cuidado das falsidades da teologia da prosperidade. Na
bíblia de estudo pentecostal (CPAD – 1995), no estudo “Riqueza e
Pobreza” observa-se a seguinte afirmação: “o crente não deve se
preocupar com acúmulos materiais nem amontoar bens... para o cristão
as verdadeiras riquezas são o amor e fé...”. O que ocorre é que certos
germes da teologia da prosperidade tem entrado entre os pentecostais
tradicionais fazendo com que muitos creiam nisso, o que pode explicar
o crescimento tanto da ADs, que estão aceitando tais mensagens, mas
não com ponto central da sua teologia que ainda é a salvação das almas.
Simplesmente as igrejas pentecostais ortodoxas estão sofrendo
influência de outras pentecostais, tais como as neopentecostais e
deutero- pentecostais. Assim há diversas e inúmeras mudanças no que
186
chamamos de pentecostais ortodoxos inclusive nas relações de gênero.
Aos poucos a teologia da prosperidade tem chegado aos pentecostais
ortodoxos, se por um lado aliena e escraviza os seus fiéis, e segue uma
rígida lógica de mercado (CAMPOS, 1999) por outro possibilita uma
coisa no que se refere ao gênero, induz a mulher a procurar e se inserir
no mercado do trabalho. Antes a mulher que era relegada as tarefas do
lar era o modelo a ser seguido, porém agora o modelo é a da mulher
formada, empresaria e principalmente dizimista na Igreja.
A mulher antes relegada nos discurso ao papel de dona de casa,
agora é estimulada em diversas pregações a trabalhar, a se tornar
empresaria, de certo modo uma melhora na mentalidade, não motivada
pelos ideais de libertação e autonomia da mulher, mas sim pelo dinheiro
que essa pode trazer como dizimista.

Considerações finais

Como pode se notar as igrejas pentecostais a que se


classificam aqui de pentecostais ortodoxas, especialmente as
Assembleias de Deus, passam por profundas mudanças em seus
direcionamentos morais e teológicos. O mundo está passando por
grandes mudanças em todas as áreas. Mudanças há sempre na
história, mas a intensidade do momento é única.
A mídia também muda o modo de com a igreja se relaciona
com o seu fiel e vice versa. Santos Correa (2012, p.87) afirma: "A
187
relação que é criada através da mídia social, oferece exatamente a
associação que se busca no espaço público", assim o fiel antes negado
no espaço público pela discrepância econômica, o encontra na igreja,
na mídia social em vários espaços, este começa a aparecer e a gostar
disso, o sentimento de humildade cristão vai sumindo, e criando
novas relações sociais dentro do grupo religioso que muda cada vez
mais as Igrejas.
Note-se que é a mensagem da teologia da prosperidade e da
estrutura organizacional da Igreja, a conversão do mercado religioso,
os fiéis e como a religião influencia cada vez mais mudanças em uma
causalidade circular. É o surgimento de uma comunidade religiosa,
que é de consumo de bens, e de um sentido de pertença, onde há uma
reunião simbólica de interesses a partir de um encurtamento da
distância através da mídia em influenciar suas teologias e práticas
tradicionais mesmo entre os pentecostais ortodoxos. Aliado a isso, há
um medo da perda de fieis por parte da liderança da Igreja, esses
então permitem certas mudanças que devem ser cuidadosamente a
estudadas, a fim de direcionar o estudo do campo religioso brasileiro
atual.
É necessário um novo estudo religioso e a constante
observação participante para manter atualizados os estudos dessas
religiões que preocupam cada vez mais pela sua crescente influência
na política e economia.

188
Não vamos dizer que já há uma total independência da mulher,
aliás independência é um conceito contraio na tradição pentecostal seja
para homem seja para mulher. Porém já alguns passos têm sido dados e
isso é motivo para se observar um avanço nas relações de gênero nessa
pertença religiosa. Claro que ainda existem as AD’s que mantém o seu
tradicionalismo machista (ex. as AD’s ministério Ipiranga que ainda
mantém homens e mulheres em lados opostos da igreja), mas isto deve
mudar com a constante influência apontada nesse trabalho.

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195
O PROBLEMA DE DEUS EM TILLICH E A PÓS-MODERNIDADE:
DEUS ESTÁ MESMO MORTO?*
Dossiê

Otávio Barduzzi Rodrigues da Costa**

Resumo: este artigo pretende traçar considerações filosóficas e históricas sobre religião
e seu papel na (pós) modernidade. Conclui abordando o pensamento de Paul Tillich
diante da questão do pensamento moderno de que Deus estaria morto ou de que não
teria lugar no pensamento racional humano. Assim se propõe a traçar o que é o moderno
em relação à religião e considerar, a partir do pensamento de Tillich, o papel da religião
e de Deus no contexto moderno.

Palavras-chave: Religião. Modernidade. Tillich.

THE PROBLEM OF GOD IN TILLICH AND THE POST MODERNITY: GOD


IS REALLY DEAD?

Abstract: this article intends draw philosophical and historical considerations on religion
and its role in (post) modernity. Conclue by addressing the Paul Tillich thought on the
question of modern thought that God would be died or that would take place in rational
thinking human. Thus sets out trace what is modern in relation with religion and consider,
from thought of Tillich, the role of religion and God in the modern context.

Keywords: Religio. Modernity. Tillich.

N
ão é fácil localizar a modernidade na história (HUYSSEN, 1986), vários autores divergem.
Alguns dizem que começou com a invenção dos estados - nação, outros com queda da
bastilha, outros dizem que foi com a invenção da máquina a vapor de James Watt, mas a
maioria das escolas históricas está de acordo que começou com as grandes navegações e a queda de
Constantinopla (REIS, 2006). Modernidade é a denominação de um conjunto de fenômenos sociais e
é também o resultado de uma série de eventos marcantes no mundo ocidental ocorridos nos últimos
quinhentos anos, aproximadamente.
Mais do que uma focalização e um ponto fixo na história, a modernidade é uma condição
humana, é uma crença na certeza do cientificismo e da racionalidade, na qual as relações sociais são

* Recebido em: 25.05.2014. Aprovado em: 20.06.2014.


** Doutorando em Ciências da Religião pela Umesp. Mestre em filosofia pela UNESP. Professor no IFSP nas
áreas de Antropologia e Sociologia. Sociólogo. Historiador. Advogado. E-mail: adv.otavio@ymail.com.

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mudadas. Seu termo seguido: pós-modernidade não é algo dividido dela, é apenas a maximização do
individualismo, enquanto na modernidade o seu ápice ideológico, a focalização dos supostos direi-
tos foram direitos políticos, hoje o foco é o indivíduo, mas considero isso apenas uma consequência
da modernidade e não um período disjuntivo dela. Talvez a melhor definição de pós-moderno seja
a de Lyotard. O pós-moderno, como Lyotard (1984, p. 28) o definiu, é “a incredulidade para com as
metanarrativas”, inclusive é uma crítica às representações religiosas. E uma maximização do projeto
moderno de independência de Deus (LYOTARD, 1984, p. 28) ao homem que fica individualizado na
história e, portanto, egoísta.
A modernidade trouxe uma nova consciência do sentido histórico, uma nova representação da
temporalidade histórica e, com ela, o mundo se fragmentou em valores distintos. O espírito capitalista
é moderno, desencantado, secularizado, racional. A modernidade é o desenvolvimento do processo de
progresso, revolução, utopia; a ideia de história está dominada pelos conceitos de razão, consciência,
sujeito, verdade e universal.
Desde o advento e aceitação geral do Positivismo lógico, cujo objetivo era tornar toda forma
de conhecimento científico, ou melhor, a busca por uma nova verdade pura, surgiu um ideário de
que o cientista não deveria se envolver com seu objeto de pesquisa, ou seja, deveria estar distante
do seu objeto de pesquisa para poder analisá-lo com neutralidade. Como afirma Gonsalves (2007),
não é possível contrapormos atividade científica aos elementos subjetivos, afeto e emoção, como os
positivistas acreditavam.
Antes da modernidade, ainda que com sérios problemas sobre liberdade, Deus era a referência
do ser humano. A religião era um guia de mundo, uma visão pela qual o homem se pautava, mas agora
o homem caminha só, sem um guia, uma referência de mundo que não seja ele mesmo. O principal
orientador que é Deus, o próprio homem dispensou.
Ainda é bom lembrar que Hinkelammert, (2008. p.2) faz referência ao mito de Prometeu1,
segundo o autor esse mito é um dos grandes mitos da modernidade, formula o espaço mítico da
modernidade e aparece nos pensamentos críticos sobre a mesma. Marx relaciona o mito de prome-
teu a uma libertação do proletariado, do homem que trabalha. O mito de qualquer maneira é visto
como uma emancipação e rebeldia do homem frente aos deuses. A consequência dessa rebeldia causa
é a autoconsciência humana, entendida como a consciência de ser consciente, está por sua vez, causa
outra consequência, agora é o humano sua própria divindade suprema. Antes de Marx, Hegel (2007)
já falava de uma autoconsciência humana, o ser humano despertou em seu espírito, não precisando
mais das divindades, mas sujeitando-as a razão humana. Assim a nova referência do homem a saber:
a razão, diminuiu Deus, cuja característica deveria ser a incompreensibilidade está agora sujeita a
razão humana2.
O mito prometeiano tem um fundo de verdade, o triunfo da técnica (por sinal produto da ra-
zão), na qual tecnologicamente e científicamente, fez o homem tornar-se providência para si mesmo, e
hoje, para acabar com a fome, as doenças, as inundações, as epidemias, não recorre a Deus, ou deuses,
como faziam seus antepassados, mas sim à medicina, à engenharia, à indústria, etc. A modernidade
proporcionada pela tecnologia, que é mitologicamente atribuída a Prometeu, ao mesmo tempo em
que é um período histórico indefinido, é uma crença na certeza do cientificismo e da racionalidade,
na qual as relações sociais são mudadas.
O ponto alto da modernidade é perceptível com a confirmação de Marx de que não existe Deus
e o homem se torna sua divindade suprema. Vale apontar que, o livro “idolatria do mercado”, escrito
por Hinkelammert com Hugo Assmann (1989) denuncia o resultado do mercado como hispóstases,
ou seja, sua suprema personalização-atribuição como agente autônomo. A esse agente é aplicado fé
em sua total confiança (GIDDENS, 2002, p.127) de modo a pensar que nada vai dar errado. Com tal
fé no mercado, os homens atribuem a ele uma confiança ilimitada, ou seja, uma divindade que pode
resolver todos os problemas humanos. Deus se faz homem, na cultura cristã nossa leitura aponta para
um conflito entre o deus libertador que se fez homem por querer uma aproximação de sua criação.
Já o homem que se fez Prometeu para se afastar de Deus, entendendo que isso iria se auto-libertar.
A própria configuração da religião cristã ocidental se tornou algo digno de ser combatido e uma pri-
são do qual o homem deve escapar. Essa opinião é observada por Las Casas (FREITAS NETO, 2003)
quando o autor reflete sobre a dominação espanhola e portuguesa sobre as Américas e o sangue que

Revista Mosaico, v. 7, n. 1, p. 69-81, jan./jun. 2014. 70


isso trouxe. Ocorre que o homem deveria ter se libertado da religião não de Deus, porém ao libertar-se
da religião rompeu-se com Deus e ao que parece é o homem se faz Deus agora.
Essa visão de que Deus tornava o homem preso é errônea, o que na verdade o homem queria
se libertar era do próprio homem, ou melhor, da religião humana de mortais que queriam se auto-
proclamar porta-vozes da divindade. Com isso distorceram segundo seus interesses a mensagem
divina, confundiram a mensagem de Deus com os muitos corruptos mediadores (PONDÉ, 2001).
O ser humano na verdade quer se libertar de outros homens e acaba se separando de Deus. Com isso
se torna um ser humano ridículo (PONDÉ, 2001), vazio de origem, sozinho no universo sem algo que
explique sua origem e seu papel no universo. Não aceita uma consciência externa superior e externa
ao próprio humano. Deus é reduzido à religião como manifestação social, esvaziando de significado
a divindade. O professor Diego Klautau analisando a obra de Pondé diz:

A redução do fenômeno do religioso em suas formas psicológicas ou sociais é a base da crítica


religiosa ao pensamento moderno. Assim, ao aprofundar a epistemologia das mediações, Pondé
entende que a crítica religiosa pode se valer dessas mediações para atingir o projeto falido da
contingência do homem auto-sustentável, seja essa sustentação de um projeto ético-político, seja
na falência, ou insuficiência, de atingir a felicidade. A liberdade pós-adâmica se traduz numa
nova expulsão do Paraíso. Sem Deus, não há alívio, não há trégua no tormento humano, que em
si mesmo é vazio (KLAUTAU, 2009, p.136).

Assim, a religião é reduzida à compreensão social, econômica, científica, reduzida à ciência, só


esse entendimento cientifico é aceito segundo as ciências do homem, antropologia sociologia, história
e afins, na verdade um pensamento humano que sempre reduz a uma única compreensão científica
desprezando outras formas de conhecimento. Comete-se assim o reducionismo científico do pensa-
mento divino. Perde-se o significado da transcendência nesse reducionismo (LEPARGNEUR, 2004,
p. 98), a ciência é um produto da modernidade. E a Modernidade ao mesmo tempo que é um período
histórico (indefinido), é uma crença na certeza do cientificismo e da racionalidade, na qual as relações
sociais são mudadas, há uma limitação das formas de conhecimento de que só a ciência formal é válida.
A visão de mundo no moderno e em sua crise - o pós-moderno - foi a certeza de que o mundo
devia ser visto através de uma lente racionalizada e cientificista, na qual Deus ou a teologia não teriam
lugar, ocorre que essa visão falhou fragorosamente em termos sentimentais, porém, teve sucesso em
conquistar o mundo.
Em primeiro lugar falhou em sua própria certeza, as ideias Popperianas, a crise de paradigma
de Khun, o fim das certezas de Prigogyne, bem como de outros cientistas como Feyerabend, Richard
Rorty, Maturana e Morin, demonstraram que o racionalismo poderia ser questionado e que haveria
novas possibilidades de uma nova consciência ser descoberta. Ora o mundo na modernidade só pode
ser válido por aquilo que poderia ser dado em um gráfico matemático através do que Morin (2006)
chama de paradigma newtoniano-Baconiano-Cartesiano ou grande paradigma do ocidente.
O Dr. Vitor Westhelle analisando essa questão diz: “Além disso algo que o mundo moderno
proporcionou são as múltiplas “leituras da vida” através de formulas matemáticas e físicas. As coisas
se tornam uniformes, ...com figuras diagramas, lista e texto (WESTHELLE 1995, p.263), observa ainda
a pergunta de Latour (apud Westhelle. p. 267): “Que sociedade é esta onde uma fórmula matemática
tem mais credibilidade do que qualquer outra coisa: o senso comum, outros sentidos além da visão,
uma autoridade política ou mesmo as escrituras?”. A ciência se torna uma forma hegemônica de
conhecimento, esse conhecimento se torna poder econômico, economia se torna números e gráficos.
Assim, nesse mundo moderno coisas abstratas como Deus, Amor, arte etc... são consideradas menos
importantes que o dinheiro e material. Assim a ciência, um conhecimento humano, de modo pedante,
se coloca como única verdade disponível no universo rompendo com a religião e erroneamente com
Deus causando uma crise no modo de conhecer o mundo sem precedentes.

TILLICH E O ENTENDIMENTO DE DEUS

Nessa situação histórica como fica o papel de Deus? Paul Tillich vem oferecer uma resposta,
ou melhor, oferecer questões filosóficas para orientar-se em relação a Deus em meio à modernidade.

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Uma das questões mais preocupantes para Tillich é o Problema de Deus. O autor afirma sobre
a impossibilidade de se tentar provar a existência de Deus uma vez que não é possível haver evidências
ou argumentos capazes de provar sua existência ou inexistência. Desse modo há uma crítica tillichiana
sobre a racionalidade pura. Enquanto ser absolutamente transcendente Deus não poderia ser captado
pela racionalidade limitada humana.
Ao afirmar que o Ser Absoluto “como ser-em-si é o fundamento da estrutura ontológica do
ser, não estando, contudo, submetido a esta estrutura. Deus é a estrutura” (TILLICH, 2000, p. 239),
Tillich cria um entendimento de que quem está dentro da estrutura não pode ver sua totalidade pela
sua limitação cognitiva.
Deus é infinitude e o ser humano é finitude, isso cria uma tensão ontológica na qual o ser hu-
mano não aceita ou não compreende completamente sua realidade: “o sistema teológico desenvolve o
problema de Deus como uma questão implícita do ser; o conceito de finitude é o centro das análises
que se seguem, pois é a finitude do ser que nos conduz ao problema de Deus”, a teologia enquanto
logia, conhecimento sistematizado e cientifizado, limitado e falho do humano, não pode compreen-
der o Theos, assim haverá sempre uma separação ontológica do Theos e do Logia. Michel de Certeau
lembra que a teologia uma ciência do objeto ausente ou incompreensível3.
Porém a modernidade desprezou os conhecimentos que não pudessem ser apreendidos em sua
lógica racional. O que não pode ser aprendido e traduzido em uma matriz científica, matematizada
e cartesiana não serve para o mundo unidimensional moderno. Assim, assuntos como Deus, amor,
arte não valem a pena ser discutidos. O aspecto de Deus é negado pela modernidade não pelo fato de
ser incompreensível, mas porque a razão moderna não aceita o incompreensível. Prefere não discutir.
Já o entendimento tillichiano não deixa de discutir Deus por ser incompreensível.
De fato todo conhecimento científico não pode compreender algo incompreensível como a
existência de Deus, assim a ciência conclui que se não se pode provar ele não existe. Tillich neste
sentido dá um outra resposta. Tillich condena qualquer tentativa de se provar a existência de Deus.
Para ele, não haverá fatos ou argumentos capazes de provar a existência de Deus e toda tentativa irá
somente afirmar essa impossibilidade. Daí o sentido se torna ontológico, não há porque se preocupar
em provar cientificamente a existência de Deus. Uma vez que tal conhecimento seria apenas inútil,
assim Deus pode até existir, mas não ser provado em um método científico.
Tillich diz que Deus “como ser-em-si é o fundamento da estrutura ontológica do ser”, não es-
tando, contudo, submetido a esta estrutura. “Deus é a estrutura” ele afirma. A partir desse pensamento
não há possibilidade de compreensão de Deus. O que não significa que não deve haver espiritualidade,
mas em outro nível que não o meramente racional.
Tiilich era um homem do seu tempo nascido e formado em meio à modernidade e presenciou
conflitos terríveis, tal como a guerra motivada por motivos imperialistas. Era um sábio no desvendar
o pensamento moderno. Percebia a crise da teologia, e fez contribuições tão influentes que fez com
que a teologia não pudesse ser desprezada do pensamento (pós) moderno. Ao estabelecer um método
de correlação propôs uma teologia inserida na cultura moderna.

OS NOVOS MITOS

Segundo Hinkelammert (2005, p. 47), os mitos antagonizam a razão instrumental. Porém a


razão instrumental vive, quando do seu interesse, certos mitos tal como a mão invisível do mercado.
O autor afirma que a modernidade cria mitose ao mesmo tempo essa mesma modernidade é contra
os mitos antigos, que confunde com religião. O pensamento moderno é contra os mitos gregos, mas
criam mitos como o do progresso, do crescimento patológico, da democracia racial, da igualdade de
oportunidade de igualdades, da verdade absoluta da ciência (que pretende explicar tudo) e vive se-
gundo esses mitos. Os mitos segundo Campbell, são as histórias que conduzem nossas vidas, “Mitos
são pistas para as potencialidades espirituais da vida humana” (CAMPBELL, 2007, p. 14) assim esses
mitos, sobretudo o do progresso, é o que tem pautado a sociedade moderna. Não importa quem ex-
clua ou quem deixe ferido, essa é a certeza que tem pautado nossa sociedade assim os sofrimentos e
exclusões são justificados porque alguém disse que é assim que os mundo deve funcionar, é a própria
essência do mito.

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Um deles é que a ciência e o seu produto comercializável, as tecnologias, que foram apropriadas
pelo capitalismo para gerar dinheiro, tem as potencialidades para resolver todos os problemas humanos.
De comunicação a depressão, da produção material à fome, da impotência sexual ao deslocamento
espacial, a tecnologia quer resolver todos os problemas, às vezes até os espirituais e emocionais através
de remédios caros e globalizados.
A habilidade e a facilidade com que o homem cria técnicas sempre novas e mais perfeitas pro-
vocou nas gerações recentes uma confiança sem limites no progresso humano, nas possibilidades de
levá-lo à frente até a realização do paraíso na terra e à feliz solução de todos os problemas e mistérios
do homem. Mas é realmente verdade que as ciências e a técnica têm o poder de resolver todos os
problemas e enigmas humanos? Não tem.
Aliado a toda manutenção de conhecimento único, surge à ideia de que conhecimento é poder
(WESTHELLE, 2008) e que esse poder foi jungido ao capital e a serviço deste, ou seja, a ciência foi
submetida ao “interesse do capital” (PANIKKAR, 2005 p. 20), sendo assim o poder ao qual se refere
Marcuse (1973) em sua crítica a modernidade é o próprio capital. Para entender o trunfo do capital
sobre os valores antes religiosos, houve um triunfo da comunicação que trouxe e confirmou a mo-
dernidade e propôs sua própria crise.
Surgiram, no seio da modernidade, novas tecnologias da comunicação, produtos dessa ciência
racionalizada, que levou o homem a um movimento de consumo desmedido e capitalizado. As pessoas
passaram a ser valoradas não pela sua essência, e sim pela sua capacidade de consumo. Termos antes
caros a humanidade como a teologia como alma, bondade, caridade não tiveram mais lugar.
A modernidade a tudo racionaliza. A tudo matematiza, a tudo contabiliza, a tudo registra de tal
maneira, que o homem fica reduzido a um negócio de contabilidade, que interessa particularmente aos
registros das taxas e dos seguros (Steuerug und Sicherrung), para utilizar uma expressão de Heidegger
(2007, p. 113). A razão dita racionalizada que serve para equilibrar o mercado, nunca produziu tanta
loucura, quem não se encaixa no sistema e tem uma crise é considerado louco. Esse suposto diagnós-
tico só serve aos interesses do sistema de poder político e econômico estabelecido (FOUCAULT, 1972)
Hinkelammert (2005, p. 57) remete a uma frase de Goya “a razão ao sonhar produz monstros”,
visto que a razão não sonha: planeja, não abstrai: calcula. A razão substituiu as necessidades humanas
pelas preferências do mercado (HINKELAMMERT, 2005, p. 58). Nem a morte pode se discutir mais.
A modernidade criou segundo Giddens (2002, p. 9) certo sequestro de experiências, ou seja, através
do sistema auto-referênciado de conhecimento e de poder separa-se da vida certos conhecimentos
naturais, como enfermidade loucura, criminalidade, morte, sexualidade. São direitos raptados e postos
a serviços da racionalidade e da garantia de pagamento civil.
As garantias de direitos humanos foram cooptadas por direitos que na verdade só garantem a
globalização do mercado, a propriedade privada e a miséria e morte dos excluídos. Embora o mundo
possa reagir e enfrentar tais problemas, quem enfrenta leva a peja de terrorista e criminoso e outra
vez combatidos por leis que só atendem as necessidades globalizantes.
É criado um mito do poder, um dos vários mitos pela qual a sociedade humana se configura,
assim como o mito do sucesso, do crescimento patológico, da mão invisível, do capital justo etc...,
ocorre que a mesma modernidade que não considera verdade os mitos antigos gregos se fundamenta e
se relaciona nesses novos mitos. O que é pior mitos protegidos pela lei e pelo suposto estado democrá-
tico de direito. São os mitos modernos. Mitos que direcionam a visão da sociedade, o do crescimento
ilimitado patológico (que causa problemas mentais e ecológicos), o da democracia racial (ledo engano),
o da igualdade de oportunidades e de direitos (igualdade? Onde?), o da liberdade (apenas para con-
sumir) o do livre-mercado (como se fora possível ele estar livre de forças que o dominam) etc...apesar
da sociedade viver todos esses mitos, despreza os mitos fundantes de uma melhor visão de mundo.
No próprio cristianismo, o Deus que se fez homem é considerado um mito e ridicularizado,
porém, se utilizam vários mitos para parametrizar a modernidade. Deus deixa de ser a reposta e se
transforma em um homem, um semelhante a quem não se deve nada de superior, (HINKELAM-
MERT, 2005, p.73) criando de certo modo o cerne da modernidade: o humanismo, agora é o ser
humano, e não Deus, o centro do universo. O cristianismo nasce com uma teologia da Culpa, da
dívida e do perdão e nasce daí uma nova religião, uma religião sem culpa – o capitalismo (BEN-
JAMIN, 2013).

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Benjamin (1987, p. 69) evoca os termos “dívida” e “culpa”. Segundo ele numa perspectiva his-
tórica não podemos separar esses dois termos, no sistema da religião capitalista, a “culpa mítica” da
dívida econômica, surge como algo sem culpabilizaçao. O capitalismo é um culto que não resgata,
mas deixa um sentimento de culpa apenas nos sensíveis. Neste sentido, este sistema religioso, surge
após o colapso do cristianismo. Uma enorme sensação de culpa, incapaz de se render, deu proveito
a esse culto, e sua culpa, em vez de ser resgatada é universalizada, gravada na consciência, até que
o próprio Deus é preso na rede da culpa, de modo que, finalmente, Ele próprio está interessado em
sua expiação. Não se pode, portanto, esperar que isso aconteça no próprio culto, ou a reforma dessa
religião, uma vez que teria de agarrar-se a algo sólido que aparentemente não existe na história (isso
seria o verdadeiro cristianismo mas foi rejeitado e tido como mito). A essência deste movimento re-
ligioso que é o capitalismo é parte de sua capacidade de percorrer todo o caminho, de fornecer todas
as repostas finais, até culpar a Deus, para atingir o estado de desespero no mundo.
O apocalipse cristão pode ser entendido como tradução da visão da história ocidental, é um dos
textos fundantes da sociedade ocidental (HINKELAMMERT, 2005, p. 104). De Hobbes a Locke, de Marx
a Engels, de Hegel aos capitalistas, todos compararam o apocalipse às mudanças econômicas e sociais
que perpassaram o mundo. Esse texto é usado erroneamente para legitimar as violências ao redor do
mundo bem como as injustiças produzidas pela exclusão (ora os cavaleiros do apocalipse são as mazelas
do mundo). Essa comparação apocalíptica se torna assustadora demais quando pensamos no fato de que
o mundo finalmente tem um poder auto-destrutivo causado pelo capitalismo, agravado pela oposição ao
socialismo histórico. O mundo tem ogivas nucleares, biológicas e químicas para destruir a vida na terra
mais de 400 vezes (THOMPSON, 1982), o apocalipse é rejeitado como mito. Um mito que se acredita
que não pode acontecer, porém está perto como nunca, o apocalipse impacta além do cristianismo, e
cria um “marco de categoria” (THOMPSON, 1982) do exercício de poder no ocidente.

A RELIGIÃO SEM CULPA

As ideias do humanismo que deveriam libertar o homem, na verdade o escravizam quando a


maior de todas essas ideias: o mercado livre de controle, inclusive ético, surge.
Ocorre uma divinização do homem e a humanização de Deus (HINKELAMMERT, 2005, p.107).
De como o humanismo trouxe agora na história que o homem e não Deus era o centro do universo.
Disso decorre algumas consequências tal como: propriedade é individual e um direito sagrado, por
natureza4. A isso o individuo leva como algo sacro. Outra consequência é o crescente poder da bur-
guesia, cuja vida se dá pelo comercio, o comercio não mais é um meio de subsistência, mas a atividade
pela qual as pessoas vivem e morrem. O importante nessa atividade passa a ser o lucro. Assim surgem
as condições do capitalismo selvagem.
Analisando o texto de Walter Benjamin, O capitalismo como religião (2013), chega-se a conclusão
de que o capitalismo também é uma religião, uma sem culpa. A culpa seria parte integrante das reli-
giões. Esse sentimento é responsável pela evolução espiritual e arrependimento de uma comunidade.
Pode-se fazer um paralelo com o texto de Êxodo, que mostra a culpa que o povo no deserto
sentiu, ao desobedecer a Moisés, adoraram um bezerro de ouro e realizaram desejos carnais. Esse
povo fez sua vontade sem qualquer controle, se auto adorou, pôs a vontade dos homens no lugar da
de Deus, substituiu a presença de Deus por um objeto fundido feito pelas próprias mãos do homem
o bezerro, mas aquele povo sentiu remorso e culpa quando Moisés voltou.
Já o homem moderno não sente mais arrependimento ou culpa. Mas o homem agora alimentou
e adora aquele bezerro5, já crescido e posto simbolicamente no centro do capital, em Wall Street, como
um fortalecido e crescido boi de ouro. O povo agora não sente culpa em adorar ao capital. Como
analisa Benjamin, o capitalismo é uma religião na qual o culto se emancipou de um objeto de adora-
ção e passou a ser o seu próprio ato de consumir e não há culpa, tabus, nem pecados ao contrario das
religiões, e, portanto, não há redenção há só a felicidade prometida (mas raramente alcançada). Então,
do ponto de vista da fé, o capitalismo não tem nenhum objeto: acredita no puro crédito no dinheiro
a ser alcançado por um lucro que virá.
Há um culto ao dinheiro, o objeto de desejo e de adoração não é algo transcendente, mas o vil
metal. O Deus se torna dinheiro (AGAMBEN, 2004). No capitalismo não há perdão de dívidas, mas

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sim, há garantias de dívidas, que se tornam novos lucros6. No capitalismo não se pode pagar com
sangue do Cordeiro suas dívidas. Também é pouco provável que uma divindade vá pagar as dívidas
creditícias, disso só decorre a descrença na força de Deus e a crença na força do capital.
A culpabilização da religião Cristã se dá pelo assassinato de Cristo no Calvário, não há culpa
no capitalismo apesar de várias vítimas que ele gera, assim é uma religião sem responsável pela sua
culpa e sem Deus a quem culpar. Também rejeita o seu messias, o corpo sacrificado de bilhões de
excluídos pobres. A religião tem a função de ser o fundamento da cosmovisão que legitima a ordem
social vigente, assim o capitalismo como religião legitima a ordem do lucro.
Há um vácuo na objetividade do mundo, que esta no cerne da visão sistêmica de mundo (LUH-
MANN, 1986) e na inversão dos objetos e do papel do humano, agora sãos os objetos que fazem as
coisas. E o dinheiro é quem faz o mundo girar. Tira do homem a sua responsabilidade do uso das
máquinas e do dinheiro. Esta inversão teórica desculpabiliza o ser humano. O ser humano não é o ser
que constrói o mundo em Deus. No capital, o ser humano é um objeto a ser usado, e quem constrói o
mundo agora passa a ser o dinheiro em uma inversão da objetividade do agir do homem.
Uma sociedade é produzida pelas interações entre indivíduos e essas interações produzem um
todo organizador que retroage sobre os indivíduos para co-produzi-los enquanto indivíduos humanos.
Ocorre que a causa de tudo não são mais as relações múltiplas, mas o dinheiro é a causa de tudo (e não
mais Deus) e é motivado pela ganância. A ganância é que dita o como o mundo vai se desenvolver.

UM DEUS MORTO

Assim, Deus e religiões não teriam lugar num mundo assim onde à própria racionalidade, e
suas produções, ciência e tecnologia fazem o que antes o homem recorria as suas divindades. Se hoje
o homem quer chuva em uma plantação, não mais sacrifica uma virgem ao seu deus, mas recorrer a
engenharia hidrográfica, se quer saber se vai chover não mais consulta um oráculo e sim um moderno
satélite. Há uma impressão constante, no mundo moderno, de que a frase de Nietzsche estava correta
agora “Deus está morto”. Não há mais lugar para a metafísica. Segundo ele (1979) analisando certos
mitos afirma que não há um Deus e um Satanás como fonte de bem e de mal, o homem é que é bom
ou mal, assim os valores absolutos bem e mal são tirados do plano dos deuses e entregue ao homem.
A Doutora em filosofia Luciene Félix (2008) proclama um apostrofo comum na ciência, a qual
Deus é contestado: Vem Galileu diz que a terra (e o homem) não é o centro do universo, vem Marx
e diz que religião é um ópio do povo, vem Nietzsche e diz que Deus morreu, vem Darwin e diz que
descendemos dos animais, vem Freud e diz que não somos anjos travestidos, mas animais com ego,
assim o divino, em nós é lentamente substituído pela ciência. Citando-a(s.p.):

O evolucionista Charles Darwin (1809-1882), em sua famosa obra ‘A origem das espécies’, discorre
sobre a teoria da evolução dos seres vivos mediante a seleção natural. Darwin prova por a + b que
descendemos dos primatas. Convém salientar que esse eminente britânico, embora afirmasse que
religião nada mais é que ‘estratégia tribal de sobrevivência’, acreditava que Deus era o legislador
supremo. O filólogo e filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900) bebendo nas fontes gregas
em ‘O nascimento da tragédia’, no culto ao orgiástico e desmedido Dionisíaco, em contraponto
à ordem e harmonia Apolínea, identificou tensões de forças ocultas expressas na tragédia grega,
especialmente nas dos pioneiros, Sófocles e Ésquilo. Considera Homero, insuperável. Também
estudou o antiqüíssimo Zoroastrismo, religião que professa que seu ‘deus’ Ahura-mazda abarca
o bem e o mal em si mesmo. Ou seja, que não há um Deus e um Satanás como fonte de bem e de
mal, o homem é que é bom ou mal. Já o médico austríaco Sigmund Freud (1856-1939), considerado
o ‘Pai’ da psicanálise, disciplina que intenta mapear ‘geneticamente’ a psique humana, revelou-nos
o inconsciente e suas motivações; Também recorreu aos mitos e tragediógrafos gregos e, eis outro
misterioso enlace matrimonial: as pulsões de Eros e Tânatos (pulsões de libido e de morte), ação e
repouso, vida e destruição, sempre em conjunto. Freud afirma que o sentimento religioso de um
vínculo indissolúvel, de algo ilimitado, sem fronteiras, essa sensação de eternidade, algo oceânico,
por assim dizer, não passa de uma ilusão. Para ele, todo nosso histórico biológico, encontra-se
preservado em nossa vida mental, psíquica. Tal sentimento pode ser identificado acompanhando
o feto no interior do útero, onde se encontra no verdadeiro paraíso, com todas as necessidades
satisfeitas, em prazer imperturbável e absoluto. Dessa ‘memória’ biológica (registrada em nosso

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inconsciente) deriva nossa sensação de plenitude, para onde sempre desejaremos regressar:
(omissis) E acrescenta: “É desnecessário dizer que todo aquele que partilha um delírio jamais o
reconhece como tal” isso vai causar; O Mal-Estar na Civilização.

A modernidade tem como única fonte de verdade a ciência, e a ciência é extremamente influente
no projeto moderno (RORTY, 1989). Porém “A ciência visa o controle dos objetos e das coisas e não
busca o puro conhecimento, pois sua finalidade está embotada pelo poder assim ela tira algumas
coisas do campo de visão” (RORTY, 1989, p. 62). A ciência diz o que é ou não é verdade, o que ou
não legitimo discutir. Westhelle (1992, p. 266) pergunta: “porque não discutir alquimia, astrologia,
a benzedura ou mesmo a existência de Deus?”. A ciência moderna tira de discussão tudo aquilo que
um dia foi importantíssimo ao home e dita outras coisas não humanas para serem discutidas. Na
modernidade o universo pretende ser reduzido e explicado por uma fórmula científica.
Essa formula matemática-fisica-quimica teria poder de supostamente explicar o universo (mas
não tem), falhou em várias explicações: Em dar sentido a vida, em explicar as sensações e memórias
intimas que um cheiro pode trazer, em explicar o amor e falhou, no sentido moriniano em seu próprio
projeto, visto que a ciência enfrenta agora uma crise em si mesma.
Conforme Alain Touraine (apud WESTHELLE, 2008), modernidade não se define apenas negativa-
mente. Ela não se reduz ao que a expressão modernidade racionalista indica. Tal categoria de compreensão
encerra a ideia da rejeição à tudo o que possa ser compreendido como não-racional. Portanto ideias não
racionalizadas, tal como a existência de Deus não cabem mais na modernidade (WESTHELLE, 2008).
Scheler, lembra Ferreti (1982), foi um dos principais autores a lançar uma denúncia vigorosa
contra o ídolo da técnica; ela levou a uma subversão total dos valores; os valores de espírito não contam
mais nada; a única preocupação que importa diz respeito apenas ao bem-estar, aos divertimentos,
aos prazeres. Incapaz de viver os autênticos valores do espírito, o homem, que se deixou seduzir pelo
ídolo da técnica, por fenômeno de ressentimento, os despreza e procura a afirmação de si mesmo na
vontade de dominação do mundo, não mais visto como um meio para a realização dos valores mais
altos, mas como fim em si mesmo: donde a civilização da técnica, o industrialismo e o capitalismo.
Ferreti afirma, analisando as obras de Scheler, o seguinte:

Logo não há mais plenitude de vida, não mais o amor para o mundo e para a plenitude de suas
qualidades, não mais a autocontemplação desinteressa como objetivo real do homem, mas cálculo
utilitarista com fim em si mesmo, redução da natureza ao seu aspecto exatamente mensurável
e seguramente dominável, fanatismo do trabalho e do lucro, avaliação somente das qualidades
humanas de diligência, rapidez, capacidade de adaptação, que possuem uma utilidade aos fins
lucrativos. O nascimento da ciência moderna e a concepção mecanicista da natureza não são as
causas, mas sim os efeitos dessa nova atitude, que consagrou a natureza, privando-a de Deus, da
alma, de todo valor e qualidade (FERRETI, G., 1982).

Além da perda dos valores do espírito, a ciência e a técnica causaram um desgaste profundo
nas relações humanas. Buber (2001) observou agudamente que, com o passar dos séculos, o mundo
material se engrandeceu mais e mais, enquanto o mundo das relações pessoais pouco a pouco foi
acabando. Um processo é a consequência do outro, visto que “o desenvolvimento da capacidade de
experimentar e de utilizar cresce com a diminuição da capacidade do homem de criar uma relação
dialógica” (BUBER, 2001, p. 65). Hoje, parece que a relação dialógica ficou menor, e que tenha cedido
lugar àquela do domínio entre homens e de subjugação entre estes e a natureza.
De fato o homem matou Deus, em seu coração. Extirpou toda a ideia de divino, porém, segun-
do os argumentos teológicos de Tillich isto é uma impossibilidade lógica. Como desaparecer com as
ideias de algo se não se pode ao menos perceber ou provar uma existência? Isto é uma impossibilidade
metafísica e lógica.

PAPEL DO SER HUMANO: SERVIR

Surgiu uma forma hegemônica de conhecimento é o que é válido, e conhecimento se torna


poder econômico, economia se torna números e gráficos. Assim, nesse mundo moderno coisas

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abstratas são consideradas menos importantes como Deus, Amor, arte etc... Alem disso algo que o
mundo moderno proporcionou são as múltiplas “leituras da vida” através de formulas matemáticas
e físicas. As coisas se tornam uniformes, com figuras diagramas, lista e textos, e o cientista é aquele
que é visto como a pessoa que mantém a humanidade como algo alem dela mesma (RORTY, 1982, p.
10), ou seja, exerce um sacerdócio também, assim as verdades que a humanidade busca foram imposta
serem respondidas pela ciência.
Ao fazer uma análise do mito de Édipo, Freud (1930) faz com que a ideia de Deus substituída
por uma consideração psicológica: substituí-se a ideia de divino por uma opressão, um desejo de ser
oprimido do próprio homem. Uma comparação com Deus pai as interpretações dos cânones freudianos
em relação ao Deus pai responde as pergunta reduzindo
Deus à algo compreensível pela razão, na verdade apenas uma tentativa de resposta típica da
cientifização da modernidade,que pretende cientifizar tudo. No sentido freudiano a religião responderia
ao anseio por um pai poderoso que oferece segurança, proteção (poupa os homens de uma neurose
individual ao preço de deixá-los num estado de infantilismo psicológico, submetidos ao que chama de
um delírio de massa). Freud afirma que a natureza do homem exige este tipo de controle para que ele
possa viver em sociedade. Dessa forma, se a religião fosse extinta, inevitavelmente, o homem criaria
outro sistema de doutrinas com as mesmas características para se defender. Ao que parece criou o
capitalismo, ou melhor, ao invés de uma religião com Pai se transmutou em uma religião sem pai.
Não é um novo sistema é ainda uma religião, mas sem pai a quem atribuir seus conflitos psíquicos.
Justiniano (2001) em Roma já falava de uma teoria do espelho atribuída a Marx, que afirma que
o sistema jurídico é um reflexo das relações econômicas. Por exemplo, quanto à satisfação dos débitos
para garantir as divida, já lecionava Gaio (segundo lições de Justiniano) (Digesto, 27, 10, 5) a ideia de
que só deverão ser vendidos os bens do executado que se mostrarem suficientes para a satisfação dos
seus débitos. É o princípio da satisfatividade, informativo da tutela jurisdicional executiva previsto
no artigo 659 do Código de Processo Civil Brasileiro em várias leis do ocidente. Alem disso as ques-
tões de herança eram puramente materiais como nos direito ocidental hoje e não mais patrimônio
sentimental ligado ao nome. O direito sempre teve relação intima ao econômico. O que serve para
uma analise do capital como regras imperiais de domino como aponta Jung et all (2012) pela qual o
império capitalista a tudo domina.
Assim nessa lógica, elementos de direitos humanos, como vida e liberdade, tem menos valor
que a propriedade. Até bem pouco tempo atrás na história no Brasil e em alguns países ainda persiste,
a ideia de se ir preso por dívidas materiais, o que da a liberdade um valor menor que a propriedade.
Isto para não falar nas violentas retomadas de propriedade abalizadas pelo Estado muitas vezes com
mortes7. Nesses episódios se depreende de que a vida tem menos valor do que propriedade.

CONCLUINDO

Em meio a tantos problemas é necessária uma nova teologia uma teologia que atenda as ne-
cessidades humanas, a situação do homem está em doença e é necessária uma cura, assim segundo
Tillich (2000, p. 293):

Chegamos assim à conclusão que cura e salvação se pertencem mutuamente de modo indissoci-
ável, que os múltiplos aspectos do curar/salvar devem ser claramente diferenciados, que eles são
produzidos por uma força suprema de cura e que seus portadores devem lutar juntos a favor da
humanidade. Nenhuma separação, nenhuma confusão mas um objetivo comum de todo “curar”:
o ser humano salvo, em totalidade.

Assim apresenta uma resposta à morte suposta morte de Deus, uma Deus mais próximo da
humanidade propondo uma religião humana e não de aspecto divino. “Uma religião que não possui
um poder de curar e salvar é desprovida de sentido” (TILLICH, 2000, p. 300). Assim é necessário
uma cura para os anseio religiosos da humanidade e a reposta com certeza não está na ausência da
ideia de Deus. Se assim fosse com suas centenas de anos de existência a modernidade já teria acabado
com a fome, guerra e miséria do mundo.

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A teologia de Paul Tillich tem como objetivo aplicar a mensagem do evangelho de forma
contextualizada ao homem moderno, tornando-o relevante à sua geração. Para isso, ele usa as fer-
ramentas filosóficas existenciais, tendência do pensamento humano de sua época, e as adapta para
a teologia. Ele utilizou a filosofia como base da teologia. A mensagem do evangelho perdeu seu
caráter divino e autoritativo. A revelação divina foi confundida com a cultura e a interpretação
histórica do fato. A veracidade da mensagem foi colocada em segundo plano, pondo-se em evidência
a sua interpretação. A instituição feita por homens falhos substituiu u Jesus que nunca falhou. É essa
a causa das crises e não próprio Deus.
A fé foi resumida à fé da Igreja. Com essa transformação de conceitos sobre a Palavra de Deus
e, principalmente, sobre a revelação divina, o homem fica livre para criar uma mensagem cristã mais
parecida com os seus pensamentos. A teologia perde seu caráter de confrontação de princípios, valo-
res e atitudes, para ser mais adaptável aos problemas existenciais. É sem duvida um teologia pratica
voltada para o ser humano, assim Deus não estaria morto, pois não se encaixa na definição do que
entendemos vida, mas está presente e deve estar presente nos problemas e finitudes humanas.
Assim se faz necessária uma nova ética do sujeito (HINKELAMMERT, 2005, p. 47), uma agir
do sujeito sobre o mundo. O autor propõe que uma teologia da libertação, possa ser a solução, não
um rompimento com Deus, mas com aquilo que oprime o homem, um novo ecumenismo. A resposta
para esse problema talvez esteja na proposta de uma nova Religião, digamos uma religião esclarecida
(se é que isso é possível), um que proponha como fundamentos de sua religiosidade as ideias que não
produzam vítimas (CERTEAU, 1998), onde o fundamento das configurações cristãs seja a o amor ao
próximo; das judaicas, o relacionamento com Yavhé e da sua benignidade, das mulçumanas do caminho
do servir sem escravizar e da bondade. Ou seja, que seus fundamentos sejam os condizentes com as
conquistas de direitos humanos conseguidas a muito custo pelo Estado democrático, e da promoção
de um Estado Laico que garanta o respeito as culturas e a liberdade religiosa.
Um pensamento novo teológico é necessário baseado em uma a teologia se renda a um caminho
de amor, a justiça e o poder, como no caso de um célebre texto de Paul Tillich. Em Dynamics of Faith,
prefere falar em estados de coisas que consideramos tão importantes que os identificamos como nosso
“interesse maior” (ultimate concern). A fé, portanto, tem que ver, acima de tudo, com a esperança, com
a esperança revestida de desejo que contém nosso interesse maior. A esperança que alicerça a fé tem de
ser suficientemente forte para sustenta-la. Ela tem de ser uma esperança fundamentada no desejo – desejo
que, por sua vez, é alimentado pelo amor. Amor ao próximo é um valor que só pode ser dado pela ideia
cristã e é uma qualidade em falta na modernidade e que precisa ser ressuscitada como Jesus o foi. Assim
o significado da ressurreição transcende a ciência pois pode ser entendido como o reaparecimento do
amor nos atos humanos representado pelo símbolo de Jesus.
Assim vemos de mitos que foram desconstruídos para dar lugar a outros não mais para explicar
a vida, mas para subjugar a vida a um sistema cruel de poder. Porém outros mitos surgiram para dar
certa razão ao modo de vida moderno, posso fazer uma consideração o mito da caverna de Platão: em
nossa sociedade apenas se enxerga o que quer e não percebemos que somos escravos de nosso próprio
desejo imposto por um sistema maior que nos prende a nos mesmos.

Notas
1 Basicamente te o mito diz da Mitologia, São Paulo, Editora Edipro, 1a. Edição 2007. Claro que essa é uma das
inúmeras versões que existem do mito, mas ele significa que os homens se tornaram independentes do uses
11 Basicamente o mito diz que homens e mulheres eram seres primitivos, vivendo da caça e coleta. Desco-
nheciam o fogo, por isso comiam a comida crua, e embrulhavam-se em peles espessas para se defenderem
do frio do Inverno. Não sabiam trabalhar os metais para fazerem ferramentas ou armas duradoiras. Zeus
preferia que eles continuassem assim, porque de outra forma receava que alguns viessem um dia a querer
roubar-lhe o poder. Mas o sábio Prometeu amava a Humanidade e sabia que com a sua ajuda os homens
podiam progredir, saindo do seu estado primitivo. Prometeu foi em segredo ao Olimpo e roubou o fogo dos
Deuses entregando aos humanos. Com a ajuda de Prometeu, o homem desenvolveu-se rapidamente. Ficando
assim independente dos deuses. Zeus estava furioso e mandou levar Prometeu para uma das montanhas de
leste e acorrentá-lo a uma rocha. Uma águia feroz ia todos os dias comer-lhe o fígado, e todas as manhãs o
fígado tornava a crescer, de forma que a tortura recomeçava. Passaram-se muitos anos antes de Prometeu
ser liberto - dizem que trinta mil – até que o valente Hércules que o libertou. Fonte: BINI, E., A sabedoria

Revista Mosaico, v. 7, n. 1, p. 69-81, jan./jun. 2014. 78


da Mitologia, São Paulo, Editora Edipro, 1a. Edição 2007. Claro que essa é uma das inúmeras versões que
existem do mito, mas ele significa que os homens se tornaram independentes do Deuses através do seu
trabalho. avés do seu trabalho.
2 Sobretudo no pensamento materialista dialético hegeliano, um dos ápices da razão moderna.
3 Nesse sentido, ouso dizer que a teologia deve pertencer a um campo do conhecimento mais amplo do que
ciência, diria mais próximo da filosofia, uma vez que se não há objeto para se observar, ou no caso haver um
objeto impossível de se observar, no caso Deus, a teologia não é ciência e sim um campo do conhecimento
único ou filosófico. Neste sentido se diferencia das ciências da religião que podem captar outros ramos
observáveis da religião tal como culto, antropologia, história etc..
4 É bom lembrar que o filósofo John Locke, propôs a ideia de propriedade como um direito natural durante
as ideias iluministas, ou seja bem na base da formação ideológica da sociedade moderna.
5 Cujo significado é apenas um objeto feitos pelas suas próprias mãos.
6 Boa parte do sistema capitalista funciona com o crédito, donde se deposita algo em garantia que na maioria
das vezes é um objeto de valor superior a própria divida e esse sistema de créditos e juros é a atividade mais
lucrativa do capital.
7 Podemos colocar como exemplo a violenta desocupação do Pinheirinho que foi uma ação de reintegração
de posse realizada na comunidade de Pinheirinho em janeiro de 2012 no município paulista de São José
dos Campos. O número de habitantes era estimado entre 6 e 9 mil moradores que foram jogados na rua
com varias denuncias de violência e morte por parte da polícia que protegia a propriedade privada.

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134 MONÇÕES Revista do curso de História da UFMS- campus de Coxim – out.2014/mar.2015 – ISSN 2358-6524

TECENDO ALGUMAS TÉCNICAS DE HISTÓRIA ORAL: COMO


(RE)COMPREENDER A IDENTIDADE DO PESQUISADO

Otávio Barduzzi Rodrigues da Costa*

Resumo: Este trabalho pretende expor ao pesquisador de ciências humanas alguns


guidelines sobre a técnica de pesquisa que se convencionou chamar de história oral. A
história oral é uma técnica que transcende a história oficial e acadêmica capacitando
uma visão mais subjetiva de quem participou ou testemunhou o evento histórico ou
social pesquisado. Ë uma ferramenta importante para dar outros pontos de vista aos
leitores de uma pesquisa histórica, social ou cultural.

Palavras chaves: história oral, história, sociologia, antropologia.

Considerations about the technique of oral history: how understand the identity of
research subject.
This paperwork intends teach the researcher in humans sciences some
guidelines about the technique to as referred as oral history. This technique transcends
the official and academic histories to enable a subjective vision of the historical or
social event that has researched. Is an important tool to give other perception of the
readers of some rummage instead is historical, social or cultural.

Keywords: oral history, history, sociology, anthropology.

Introdução.
A História oral permite o registro de testemunhos e o acesso à subjetividade
direta do pesquisado e assim dar um ponto de vista diverso da historia oficial, dessa
forma, amplia as possibilidades de interpretação dos fatos históricos ou eventos sociais
ou culturais estudados.
A tradição do relato oral foi o principal veículo de propagação através do tempo
vivido, sempre se constituiu como a principal comunicação entre os seres humanos, era
o conjunto de saberes divididos no contato direto entre pessoas, gerador dos
conhecimentos em conjunto e seus respectivos povos. Por não ser registrado de modo

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sistemático foi considerado carente de veracidade (por uma academia moderna que
julgava o que era ou não verdade), assim como vários saberes sequestrados1
(FOUCAULT, 1999) durante a história, no entanto, com o advento da história
científica, este relato oral foi deixado para segundo plano, sendo o argumento principal
para tal opção, o seu déficit de cientificidade.
As fontes escritas foram adotadas como únicas fontes válidas dos estudos
históricos após os registros comerciais oriundos da pós-neocolonização, em especial
para registrar os lucros da exploração das metrópoles coloniais das nações (JENKINS,
2001). A revolução histórica que trouxe a chamada nova história ocorrida em meados
do século XX, chamada Nova História, que trouxe diversas consequências contrárias ao
seu paradigma tradicional (BURKE, 1992). Uma dessas consequências foi o resgate do
relato oral como fonte histórica, possibilitando sua adesão na academia e sendo hoje um
complemento importante na análise sócio-histórica.
Na pesquisa cientifica das ciências sociais, do método de História Oral, tem por
base um projeto de pesquisa, um objetivo e com referencial teórico previamente
definido. Cada pesquisador recorre a História Oral de acordo com os pressupostos de
sua disciplina, seja ela antropologia, sociologia, história ou outra; porém todos recorrem
à palavra gravada do entrevistado, que dá origem a um documento que constitui fonte
de pesquisa.
Estes dados foram grandiosamente possibilitados e aumentados pelo surgimento
da memória eletrônica (tecnologia), que promoveu uma vertiginosa transformação na
história de utilização da memória pela humanidade. Estes registros são as emoções,
sentimentos, a memória viva de pessoas comuns que fornecem seus depoimentos. Os
registros dessas pessoas por serem comuns foram desprezados pela História Oficial
(CERTEAU, 1994). Os registros podem ser a história de vida destas pessoas ou a
história temática, nos quais, por meio de lembranças pessoais, os entrevistados relatam
suas experiências em determinados contextos. E com isto é possível obter uma visão
mais completa sobre suas visões de mundo e do grupo social a que pertencem.

1
Segundo Foucault, a historia das ciências a serviço da política e dos poderes (capital?) enterrou e
subjugou diversos saberes que não eram passiveis de ser postos em uso monetário, tais como os saberes
populares ou o ponto de vista da historia que não gerava patriotismo ou capital, ou seja foi enterrado na
historia as vozes dos excluídos, dos escravos, das mulheres, dos loucos, em suma, do povo não vencedor
e isso causou um tremenda perda de poder. A historia oficial passa a ser contada pelos vencedores.
*é sociólogo e mestre em filosofia pela UNESP, licenciado em História pela Claretianas, doutorando em
ciências da religião pela UNESP.

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Um pouco de teoria da história.


Segundo Lê Goff (1996, p.424) a história da memória dividiu-se em cinco
períodos. O primeiro predomina o conhecimento e sua divisão de modo oral, e a musica
e o poema tinham um papel preponderante no registro e difusão desse conhecimento.
No segundo período: Na antiguidade surge a escrita e os documentos tinham por função
armazenar informações. O terceiro período classificado na idade média foi valorizado a
experiência do sábio da comunidade, e dos lideres políticos e carismáticos. O sábio era
fonte de sabedoria que guardava sua experiência mais a história dos antepassados. Neste
período a escrita foi dominada pela igreja católica. Na renascença, o surgimento da
imprensa tirou de cena o interprete e o escriba e colocou o leitor que não interpretava,
apenas lia. Depois houve o surgimento da memória visual com o surgimento da
fotografia. Na história da memória contemporânea houve uma vertiginosa
transformação na história de utilização da memória pela humanidade, o surgimento da
memória eletrônica.
Para Halbawachs (1990) a história não é uma sucessão de fatos ou que um
período seja diferente do outro. A história serve, ainda, para formar um quadro
organizado de pontos de referência para as lembranças individuais e coletivas. É
necessário que exista uma lembrança anterior para que seja acessada a lembrança
histórica. O autor aponta, ainda, que não é possível a separação real da memória
individual e coletiva. O relato dos entrevistados é importante então para resgatar não só
uma memória individual, mas coletivo-histórica. (FOUCAULT, 1999).

A história oral.
Para conhecer a realidade histórica por meio da voz-relato das pessoas que nele
viveram, ouve-se a e analisa-se a voz do narrador, e como mostrou Halbwachs (1990), a
memória não é apenas individual, mas social. Vale, ainda, lembrar que registrar a
historia com outros valores, é (re)construir um documento diferente do que se apresenta
na historia. Tal processo de coleta registrada de depoimentos orais leva o pesquisador a
fazer uso das palavras e informações das testemunhas e nem sempre recorrer o registro
oficial.
As informações colhidas devem ser registradas em áudio e/ou vídeo, uma vez
que tal técnica só é registrada após a invenção do gravador (VANDERLEI SILVA e
SILVA, 2006), dando certo grau de confiabilidade, protegendo o pesquisador e permitir
futuras análises deste material por outros historiadores e ineditamente pela própria

136
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comunidade (apropriando-se de um conceito jurídico de Steakeholders2 que significa


demais interessados). Isto também preservando e vinculando em uma honesta ética
envolvida na relação pesquisador e pesquisado.
Na medida em que o vínculo com os entrevistados se firma, percebemos que
outros tipos de texto e subtexto podem emergir e servir para a pesquisa: informações
escritas, literatura, documentos, imagens entre outros. Principalmente busca o
testemunho e opinião do entrevistado sobre sua vivência em determinadas situações
dando-lhe certo poder de voz.
Empodera o excluído da historia dando lhe oportunidade de relatar o que nem
sempre é relatado na história oficial. Nesse sentido a historia oficial sempre foi as dos
vencedores (na famosa frase de G. Orwell), dos intelectuais que detinham ou
exploravam os meios de informação ou de quem tinha mais poder. Sempre foi excluído
do relato aqueles pobres, o povo, quem não tinha voz. A história oral da voz ao excluído
da historia podendo dar um relato de outro ponto de vista do registro oficial.
A historia oral é um método normalmente definido como uma forma de pesquisa
e a criação de fontes para o estudo da história contemporânea, que surgiu em meados do
século XX, após a invenção do gravador. Trata-se de entrevistas gravadas com pessoas
que testemunharam certos acontecimentos. Estas entrevistas são conduzidas como parte
de projetos de pesquisa, que determinam quantas e quais pessoas a entrevista, o que e
como perguntar, e este objetivo será dado ao material produzido (GAGNEBIN, 1997).
O trabalho com a metodologia da História Oral não termina na realização,
gravação, transcrição e arquivamento da entrevista, pois o documento gerado necessita
ser interpretado quanto à forma e conteúdo, além do estabelecimento das relações com o
contexto e outras fontes documentais, como a associação dos relatos orais a outras
fontes de dados, imprensa diária e periódica da época, registros, cartas, fotos, livros de
instituições, escolas, literatura, produções escritas dos entrevistados e outros.
(ALBERTI, FERNANDES e FERREIRA, 2000)
Esta diversidade de documentos torna-se fundamental para a confiabilidade da
pesquisa e a recorrência de fonte do pesquisador e Steakeholders, evidentemente outras
fontes documentais e até mesmo outras histórias orais podem e deveriam ser
comparadas para uma fidedignização do objeto que se pretende pesquisar (CHIZZOTTI,

2
São exemplos de outros interessados: o orientador do pesquisador, o departamento a qual ele se vincula,
órgãos de fomento, futuros outros pesquisadores, a academia em geral e principalmente a comunidade
pesquisada, a qual recomendamos retornar o resultado da pesquisa por uma questão de respeito.

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1991). Assim, este método valoriza o conhecimento popular, no sentido de responder


aos interesses sócios históricos. Esse fato não é só legitimo como é inevitável, uma vez
que, busca as origens dos fatos presentes (GAGNEBIN, 1997).
Ferreira (1994, introdução), da importância as representações obtidas nos relatos
orais, sendo necessária a análise ou intervenção para sanar as possíveis deformações e a
subjetividade contida nos relatos com documentos escritos e que atua de forma
complementar à fonte escrita.

O Trabalho.
O trabalho com a História oral se beneficia de ferramentas teóricas das Ciências
Humanas, muito comum na antropologia e sociologia quantitativa. Tem a possibilidade
de ser aplicado nas mais diversas áreas do conhecimento direito, marketing, medicina
educação etc... Em todas essas áreas já foram desenvolvidas pesquisas que adotaram a
metodologia da História oral em algum momento da sua trajetória constitutiva.
A história oral não é novidade, Flávio Joséfo usava-a em várias partes de sua
Historia do povo hebreu, bem como Hesíodo e outros historiadores da Antiguidade, já
utilizaram esse procedimento para escrever sobre acontecimentos de sua época.
(AQUINO; FRANCO; LOPES, 1980). A famosa Escola de Chicago, segundo a qual
caberia ao pesquisador sair das bibliotecas e ir para o campo, no caso, a cidade,
transformada em laboratório era celebre nesses relatos.
Houve um boom da História oral na década de 1960 acabou marcando bastante a
própria metodologia: suas práticas e a forma como passou a ser vista por historiadores e
outros cientistas sociais, ALBERTI, FERNANDES e FERREIRA, (2000) citando
Michel Trebitsch afirma:

Trebitsch, observa que, em razão dessa linha desenvolvida a partir do decênio


de 1960, durante muito tempo a identidade da História oral se baseou em um
sistema “maniqueísta de antinomias”. Opondo-se à História positivista do
século XIX, a História oral tornou-se a contra-História, a História do local e
do comunitário (em oposição à chamada História da nação). Por trás desse
movimento, estava a crença de que era possível reconciliar o saber com o
povo e se voltar para a História dos humildes, dos primitivos, dos “sem
História” (em oposição à História da civilização e do progresso que, na
verdade, acabava sendo a História das elites e dos vencedores). (op. Cit. p.
83)

A maravilhosa capacidade de gravar as experiências de grupos cujas histórias


foram mal representadas apresenta um obvio avanço das disciplinas de humanidades.

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Mas o reconhecimento só foi possível após um extenso movimento de transformação


dessas ciências, com o tempo, de já não pensar em termos de uma única história ou
identidade nacional, a reconhecer a existência de múltiplas histórias, memórias e
identidades na sociedade. Houve certa resistência. Resistência essa causada em parte,
devido à forma como as investigações foram realizadas utilizando a história oral.

Cuidados na técnica.
Acreditar que a simples relato constitui uma historia mais autentica é uma
mentira relatada por alguns historiadores, isso porque não analisar, não verificar não
cruzar com outras fontes é um erro comum nas ciências humanas (LABROUSSE, 1973)
3
, salvo se acompanhado com a exclusiva opinião do relatado avisado no texto, mesmo
assim deve ser feito com reservas é um caso em que se despreza a formação técnica e a
própria analise - opinião –problemática levantada pelo pesquisador.
É um erro comum também no que ALBERTI et al (op. cit) chamam de História
oral “militante” comum em sociólogos e antropólogos (especialmente estudantes pós-
graduandos) “deslumbrados” com seus pesquisados (o que também é muito comum): O
equívoco está em considerar que a entrevista publicada já é “História”, e não apenas
uma fonte que, como todas as fontes, necessita de interpretação e análise (idem p. 43).
Outro erro é considerar que a História é uma reparação para dar apenas voz aos
excluídos (ibidem), de fato ela faz isso, mas tratar ela como a panacéia de dar voz a uma
suposta incapacidade daqueles grupos de escreverem sobre si mesmos é inverter o
objeto de pesquisa. Dar voz para esses (em nossa opinião) é encaixá-los de fato na
justiça social e tira-los da exclusão construindo suas identidades como cidadãos que tem
voz ativa nos rumos de sua nação. O argumento principal para esse tipo de erro é
considerar um dado grupo como exótico e exatamente com intenção de considerá-lo
igual o inferioriza, o infantiliza de modo indireto, surgindo um falso e não intencional
preconceito em relação a eles acaba reforçando as diferenças sociais: de que eles não
são capazes de deixar registros eficientes sobre si mesmos (desprezando o trabalho do
arqueólogo e antropólogo). Há em todos os povos uma cultura riquíssima passível de
resgate de seu registro que vai alem de lhe dar voz e sim pela luta em lhe dar ação e não
registro, comum fazer a pesquisa e não voltar mais para lhes ajudar a lutar por sua
cidadania. Isso decorre da falta corrente de analise.

3
Sobretudo para quem como nós professores, vemos alunos vítimas da falha educação brasileira básica,
lidamos com muitas correções de trabalhos incompletos baseados nessa mera técnica.

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Com as transformações técnicas e a consequente mudança social oriunda que


mudaram os meios de fazer comunicação e de registro (COSTA, 2005), alteraram
também o conteúdo dos arquivos históricos, outros registros sonoros (músicas, jingles,
gravações radiofônicas), imagéticos, arqueológicos, divididos a velocidade eletrônica,
hoje são fontes divididas e guardadas. O documento escrito deixou de ser o repositório
exclusivo dos restos do passado (VAINFAS, 1998) podendo assim ser revalorizada a
historia oral.
Concordamos com Edgar Morin (1995) que em todas as ciências dentre a qual se
inclui a historia, deve ser mediada pela trans-multi- interdisciplinaridade. A História
beneficia- se do diálogo com a Antropologia, a Literatura, a Sociologia, a Ciência
Política e outras áreas do conhecimento. O fato de uma pesquisa de História oral ser
interdisciplinar por natureza constitui, pois, mais um fator que favorece hoje sua
aceitação por parte de historiadores e cientistas sociais. Essa reconciliação da História
oral com a academia, notadamente a partir do decênio de 1990, se deve, sobretudo a
necessidade de se contar a historia dos vencidos que não era muito bem contada4.

Para que serve?


A história oral é uma maneira nova para conhecer e gravar várias oportunidades
que surgem dar sentido histórico e voz aos vários grupos sociais em todas as camadas
da sociedade. Neste sentido, está em sintonia com as novas tendências da pesquisa em
ciências humanas, que reconhecem múltiplas influências que estão sujeitas a diferentes
grupos do mundo globalizado, sobretudo os que eram excluídos da historia (CERTEAU,
1994).
Vale observar, contudo, que há todo um espaço ocupado pela História oral fora
da academia, como é o caso de algumas práticas pedagógicas e terapêuticas, já
praticadas há anos pelos médicos e psicólogos em suas anamneses (SANTANA
JÚNIOR, 2012), nos testemunhos jurídicos para descobrir a verdade e, sobretudo em
ciências da religião (ANDRADE CABRAL, 2005) a qual nós temos dedicados sérias
pesquisas.
O uso da metodologia da História oral é muito dispendiosa e nada fácil
(FERREIRA, 1994). Preparar uma entrevista, contatar o entrevistado, gravar o
depoimento, transcrevê-lo, revisá-lo e analisá-lo leva tempo e requer recursos

4
O fato de não contar se deve a teoria de Foucault (op. cit.) de que a historia oficial de certo modo estava
a serviço do poder econômico e o ponto de vista do vencido não era interessante ser contado.

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financeiros e psíquicos (FERREIRA, 1994). Como em geral um projeto de pesquisa em


História oral pressupõe a realização de várias entrevistas, o tempo e os recursos
necessários são bastante expressivos (SELAU, 2004).
O interessante da História oral está em permitir o estudo das formas como
pessoas ou grupos efetuaram e elaboraram experiências, de modo libertário. Isso
possibilita entender como pessoas e grupos experimentaram o passado, A História oral
pode trazer contribuições mais interessantes. No início, grande parte das críticas que o
método sofreu dizia respeito justamente às “distorções” da memória, ao fato de não se
poder confiar no relato do entrevistado, carregado de subjetividade (VAINFAS, 1998).
Hoje se considera que a análise oral pode levar à melhor compreensão historia de uma
pessoa, grupo ou comunidade (MARIA DE FREITAS, 2006). Devemos lembrar que o
projeto da modernidade capitalista não aceitava muito bem subjetividades
(FOUCAULT, 1999).
A capacidade de a entrevista contradizer e conter generalizações sobre o passado
amplia, pois, a percepção histórica e permite a “mudança de perspectiva” (MARIA DE
FREITAS, 2006). É no erro possível do entrevistado que o pesquisador pode encontrar
uma verdade ao confrontá-lo (de modo respeitoso claro) ou interpretar sua linguagem
nem sempre oficial e fácil. Existe uma riqueza nos resultantes da História oral que
permite o conhecimento de experiências e modos de vida de diferentes grupos e lhes dar
voz, constitui, portanto, verdadeiro instrumento para realizar uma análise mais
detalhada dos testemunhos obtidos em uma pesquisa.
A coleta de História oral (entrevista) não deve ser o objetivo final a ser analisado
pelo pesquisador, mas deve ser parte de um processo maior: o seu trabalho
(FERREIRA, 1994). Sua coleta deve ser precedida de largo conhecimento prévio da
situação sócio histórica dos entrevistados e vai ser mais eficiente se houver a confiança
participante dentro do grupo (CHIZZOTTI, 1991). Não é fácil trabalhar com a chamada
fonte oral. Como fazer para interpretar sua mensagem? É preciso considerar as
condições factuais de do momento e da situação tomando certos cuidados (MARIA DE
FREITAS, 2006).

Os elementos da história oral.


Coleta pratica de História oral há no mínimo dois agentes: o entrevistado e o
pesquisador. É recomendável a existência de um elo de confiança para que o
entrevistador fale pouco e o entrevistado mais, para permitir ao entrevistado narrar suas

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experiências, a entrevista que ele conduz é parte de seu próprio relato e também de suas
ações (SELAU, 2004), seu papel e do seu imaginário, e que o historiador interprete
melhor em seu gabinete (CHIZZOTTI, 1991).
A entrevista documenta uma ação de dupla mão: a relação comunicacional entre
entrevistado e entrevistador. Tanto um como outro têm determinadas ideias sobre seu
interlocutor e seja superando preconceito e a desconfiança. Em segundo lugar, a
entrevista de História oral é de uma ação específica, qual seja a de interpretar o um fato
(ALBERTI, FERNANDES e FERREIRA, 2000).
Deve-se levar em consideração o indivíduo em sua especificidade, o ser
psicológico, que imprimirá sentido a uma série de concepções diferentes do estudados
na academia, é colocar-se no lugar do outro (SELAU, 2004) algo que se aprende muito
mais na aula de didática do que nos cursos de pesquisa, e o pesquisador que opta por
trabalhar com a História oral deve ter consciência de que está lidando com uma fonte
que reforça esses valores. Pierre Bourdieu já alertava quanto para a “ilusão biográfica”
(BOURDIEU, 1996)5, isto é, para o fato de a unidade do eu ser, na verdade, seu aspecto
sócio cultural. Na verdade, o eu é fracionado e sócio-histórico.
O entrevistado pode dar seus próprios significados ao sentido da história
(MARIA DE FREITAS, 2006). É o entrevistador que tem de estar atento a
multiplicidade de significados atribuídos a ações e narrativas escolhidas e atribuir
sentido científico às experiências após a situação em que são narradas no seu laboratório
ou escritório e levar em conta a subjetividade e reinterpretar com o cuidado de não
falsear ou não estragar ou ainda interpretar sobre seus próprios valores os quais não
estão isentos por mais que a ciência tente alcançar sua suposta neutralidade (MORIN,
1995).
Reconhecer os paradigmas que estão na base da História oral não
implica renunciar a sua capacidade de ampliar o conhecimento sobre o
passado. Ao contrário, saber em que lugar nos situamos ao trabalhar com’
determinada metodologia ajuda a melhor aproveitar seu potencial. Uma das
principais vantagens da História oral deriva justamente do fascínio da
experiência vivida pelo entrevistado, que torna o passado mais concreto e
faz da entrevista um veículo bastante atraente de divulgação de informações
sobre o que aconteceu. Esse mérito reforça a responsabilidade e o rigor de
quem colhe, interpreta e divulga entrevistas, pois é preciso ter claro que a
entrevista não é um “retrato” do passado (ALBERTI, FERNANDES e
FERREIRA, 2000).
.

5
Embora este texto de Bourdieu fale sobre biografia as duas técnicas biografia e historia oral tem
concepções parecidas, mas são diferentes pois a biografia aponta apenas um ponto de vista.

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Ao contar seu relato, o entrevistado transforma o que foi vivenciado em texto,


selecionando e organizando os acontecimentos de acordo com determinado sentido,
sempre passível de reinterpretação (BORGES, 2009).
Uma narrativa oral que sempre é uma interação entre entrevistado e
entrevistador como em uma informal conversa, podemos dizer essa fonte é diferente em
relação a outros documentos pessoais, como as memórias e as autobiografias
(ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2007). O relato vai depender e muito das condições da
entrevista e do modo pelo qual ele percebe seu interlocutor. Quando lhe é pedido a falar
sobre o passado diante de um gravador ou uma câmera, cria-se uma situação um tanto
intimidadora, isso pode gerar graves erros ou falhas (MARIA DE FREITAS, 2006). É
claro que o entrevistado acostumado a falar em público (um pastor ou advogado, por
exemplo) terá um desempenho diferente daquele que não tem essa experiência, (como
um membro da religião ou um trabalhador simples). Para alguns, o fato de estar
concedendo uma entrevista pode ser motivo de orgulho, porque sua experiência foi
considerada importante para ser registrada. Para outros, a situação pode ser inibidora
(ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2007).
Devemos lembrar que linguagem oral é diferente da escrita, leitores
desavisados podem estranhar o texto da entrevista transcrita, menos formal do que um
texto já produzido na forma escrita. Todos esses fatores devem ser levados em conta
quando da produção, transcrição e da análise da fonte oral. Ou seja, deve-se avisá-los.
Do que se está se tratando, das dificuldades da entrevista, quem é o tipo de entrevistado,
e se autorizado, sua biografia sucinta.
Preparando.
A maioria dos autores recomenda que o trabalho de historia oral deva ser
organizado em basicamente em três momentos: a preparação das entrevistas, sua coleta
e seu tratamento (MARIA DE FREITAS, 2006). A preparação já deve vir descrita no
projeto de pesquisa bem como é recomendável a descrição do seu roteiro (CARDOSO,
1986). No projeto, deve ficar claro que a metodologia usada e se ela se afina com
questão colocada e se vai ser útil para responder (idem).
Deve ser destacado o ponto de vista dos entrevistados sobre o tema estudado e
estes devem ser coadjuvantes para os objetivos da pesquisa (CIPRIANI, 1988).
Obviamente é preciso a pré-existência ou pré - contato com entrevistados em condições
e com boa vontade de prestar seu depoimento (DURHAN, 1986). Recomenda-se que no
projeto deva pré-existir o perfil de pessoa a ser entrevistada e daí a importância de um

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levantamento do perfil sociocultural do grupo a qual ele pertence (CARDOSO, 1986)


alguns recomendam uma breve biografia (CIPRIANI, 1988).
Bom lembrar que o entrevistador não deve perder totalmente o controle da
entrevista sendo inundado por uma profusão de assuntos interessantes que podem surgir
durante a mesma, ele deve conduzir sempre que possível a conversa de volta ao tema
(CARDOSO, 1986), escolher o local, hora e procurar não fugir do roteiro (MARIA DE
FREITAS, 2006), deve-se evitar cansar, discordar, interromper ou pressionar o
entrevistado o afã de fazê-lo ouvir o que se deseja, algo normal no pesquisador
entrevistador inexperiente ou que quer provar uma tese, a entrevista pode surpreendê-lo
(DURHAN, 1986)
O tipo de pessoa e quem entrevistar deve ter relação com a pesquisa e com os
objetivos, deve se levar em conta sua experiência, sua capacidade comunicativa a
depender do contexto, seu carisma, e outros aspectos daí a necessidade de uma
sondagem prévia (BECKER, 1997). É recomendado listar os possíveis nomes dos
entrevistados com uma breve biografia6 que justifique sua escolha de acordo com os
objetivos descritos no projeto (CARDOSO, 1986), é claro que isso pode mudar, visto
que a entrevista pode ser revista pelos stakeholders, pelos fatos decorrentes e pelas
situações adversas como no caso de alguém não querer entrevistar ou não estar
disponível. Nomes novos podem surgir em meio a pesquisa prévia, ou uma coleta pode
ficar aquém das expectativas, sendo recomendável nova coleta com outra pessoa.
somente no final da pesquisa haverá uma lista definitiva de entrevistados referentes ao
trabalho (BECKER, 1997).
Outro erro comum é que durante certa entrevista o pesquisador se depare com
um relato interessante que pode levar a outra pesquisa, por exemplo, ele pode estar
pesquisando religião e acabar com um relato de causas políticas, igualmente
interessantes, mas que nada tinha haver com o projeto inicial, não se deve desistir, mas
deve-se elaborar novo projeto com objetivos específicos para tanto. Se necessário
reconduzir o entrevistado ao assunto o que não impede de após utilizar as mesmas
anotações e entrevistar novamente a mesma pessoa para uma segunda pesquisa, porém é
importantíssimo manter o foco naquele projeto inicial.
Legalmente o pesquisador deve se preservar e preservar o pesquisado deve
cumprir as normas técnicas da instituição a qual se vincula, evitar entrevistas com

6
Não confundir com metodologia biografia que outra valorosa metodologia das ciências sociais, muito
parecidas uma com outra, mas a biografia é enfocada em um personagem e não em uma situação social.

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menores e se fizer não identificar em repeito ao ordenamento jurídico do país, já na


gravação conseguir uma declaração de voz autorizando seu uso e a cada transcrição
levar um modelo de carta de anuência explicando muito bem o que se trata em um
modelo mais ou menos assim :

CARTA DE CESSÃO
(local e data)
Destinatário,
Eu, (nome, estado civil, documento de
identidade, endereço, profissão), declaro para os
devidos fins que cedo os direitos autorais de minha
entrevista gravada em (datas das entrevistas) para (nome
do entrevistador ou instituição) usá-las integralmente ou
em partes, sem restrições de prazos ou citações, desde a
presente data, desde que seja para fins específicos de
pesquisa cientifica ou teológica. Declaro também que
está autorizado a publicação de meus dados para esses
fins.
Abdicando de direitos meus e de meus
descendentes quanto ao objeto dessa cara de cessão,
subscrevo a presente.

Assinatura do Depoente

As entrevistas podem não ir de acordo com os objetivos do projeto, isto devido


a sua natureza imprevisível (CARDOSO, 1986), os entrevistados podem estar imbuídos
de um orgulho egoísta e não relacionar a questão sócio-histórica desejada (QUEIROZ,
1988). Daí é bom o pesquisador saber e manejar bem o espaço pesquisado para não
perder muito tempo atrás de outro, recomenda-se ter em mente, ou melhor, já no projeto
entrevistados alternativos (CARDOSO, 1986).
Deve-se evitar um grande numero de entrevista salvo quando a própria
pesquisa tenha como objeto a coleta de historia oral ou for quantitativa. Se este projeto
for coadjuvante de outras fontes no máximo três devem bastar para uma boa pesquisa
qualitativa (DURHAN, 1986). É claro que tal número pode ser revisto a qualquer
momento. Convém contar com diferentes pontos de vista, daí é recomendável usar
inquiridos de diferentes origens que têm papéis diferentes na realidade de estudo.
No contato com o entrevistado deve-lhe estar muito bem explicitado seu papel,
a importância da entrevista, se ele concorda em assinar um termo de autorização i.e
transcrição resumida da mesma e se possível divulgação de documentos, provas, com
cópias preferencialmente autenticadas das mesmas.

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Após o projeto estar bem amarrado deve-se traçar o roteiro de entrevista, e


melhor agendar previamente já descrito o uso do material a ser usado, deve-se por ética
deixar claro ao entrevistado o porquê e os objetivos da pesquisa e de preferência já ter
uma vivencia observativa, preferencialmente em observação participante com a
realidade social do mesmo, sobretudo em assunto tão particular como religião
(ANDRADE CABRAL, 2005).
O roteiro deve seguir uma cronologia e organização intensa, no caso da
presente pesquisa, esse roteiro já estará previamente elaborado, após os elementos
teóricos da dissertação a ser defendida. O roteiro nosso seguira a seguinte cronologia,
essa cronologia não é a mesma do projeto, mas está nele inserido, esta se refere à parte
de coleta oral:
1. Visita participante que deverá demorar mais ou menos 2 meses7
2. Pré-documentação aprovação pelo comitê de ética, 4 semanas
3. Elaboração previa com orientador de um roteiro de entrevistas, 4
semanas8
4. Coleta-gravação das entrevistas, que como já contam com endereço
certo, entrevistadores alternativos e pré-documentação não devem
passar de 3 semanas.
5. Re-coleta de entrevistas se for o caso.

Seguindo-se este roteiro pode-se partir para a preparação das entrevistas. É


sempre bom entrar em contato com o entrevistado e agendar hora e dia com pelo menos
espaço de no mínimo duas horas (o melhor será bem mais) sobre o assunto.
Recomenda-se varias visitas, isto é unanime entre os autores. É bom descrever uma
breve biografia do entrevistado com já anteriormente citado.
Feita a entrevista é certo dispor de um tempo para analise e reanalise da mesma e
se necessário nova entrevista para preencher lacunas (CARDOSO, 1986) que
eventualmente tenham sido deixadas. O pré-roteiro de entrevistas é altamente
recomendável este se possível deve ser elaborado com um orientador ou colega
experiente em entrevistas orais. Também é bom ter uma ficha previa de identificação do
entrevistado. O roteiro não deve ser fechado e sim ser uma orientação aberta e flexível.

7
Se ja são realizadas a alguns anos, em tais visitas serão realizadas conversas explicando nosso objetivos
e colhendo autorização das entrevistas entre os entrevistados.
8
Isso é uma sugestão de roteiro que pode ser mudado conforme a natureza peculiar de cada pesquisa esse
tempo e esa lista não é numerus clausus.

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Se a coleta for alem de uma sessão, convém elaborar roteiros parciais previamente
preparados e analisados (ALBERTI, FERNANDES e FERREIRA, 2000).
O tratamento do material coletado vai depender do que foi definido no projeto
inicial com relação ao destino do material produzido. O equipamento deve ser de boa
qualidade, é necessário um caderno de pesquisa de campo para anotar as lacunas e
reflexões a serem feitas a posteriori, descrições, palavras mal compreendidas, gestos,
risos percepção corporal etc.... é bom após entrevistas hoje em dia fazer imediatamente
o backup dos dados em local seguro, se for transcrever deve-se fazer com tempo e
calma. Depois deve-se tratar o texto e se necessário “traduzir” a expressões, em algumas
entrevistas com o meio pentecostal podem surgir expressões como “ e o fogo caiu em
meio ao culto” que significa manifestação de glossolalia, profecias e danças, nesse
exercício de transcrição é fundamental descrever tudo e traduzir sempre que possível. É
bom registrar em algum lugar de preferência no caderno de campo as impressões ainda
que pessoais sobre a entrevista em si e se perguntar da utilidade dela frente ao projeto,
nem tudo pode ser útil, em meio a entrevista pode ser que o entrevistado discorra
longamente sobre política, futebol e assuntos desconexos que podem até ser omitidos
após longa analise.
Quando da publicação é necessário a edição do texto para estar de acordo com o
seu projeto. Tal edição não pode comprometer a fidelidade do entrevistado se necessário
utilizar a expressão latina sic (significa assim foi dito em latim quando a citação provém
de seu autor original do mesmo modo que foi dito).
A entrevista pode não ser sempre verdade, Goff (op cit) já dizia que todo registro
é mentira e, portanto passível de interpretação ou prova, mas é importante e um dado
sempre histórico ver a opinião do entrevistado. Duvidar pode levar ao pesquisador achar
mais falhas e ir atrás de mais fontes. É interessante ter noção de semiótica, linguagem
corporal, subtexto e outras técnicas de entrevista, quando se trata de religião (nosso
campo), deve-se sempre lembrar da teoria da Crick(1994) de que as vezes não é mentira
para a pessoa ainda que absurda para a comunidade científica, pode ser um outro tipo de
verdade, mas não há de se entrar nesse imbróglio agora.
Deve-se tomar cuidado para não generalizar (FERREIRA, 1997), apenas se
utilizando de comparação com outras fontes é que se pode daí pensar em uma situação
social verdadeira e não apenas de relatos, alias a questão se é ou não verdadeira é outro
problema, o importante é o ponto de vista de alguém que está passando pela situação

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social, isso é quase uma afronta a academia tradicional porém ela gerou erros que
devem ser consertados (CERTEAU,1994).
É muito valioso e importante o ponto de vista do entrevistado: sua interpretação
do fato-problema e de sua própria história em relação ao tema, da interpretação da sua
comunidade, de como concebe o mundo em relação ao problema etc.... Tomar a
entrevista como um todo significa levar a cabo o conselho de Salomão e saber ouvir,
isso em si constitui o significado da situação para a pessoa.
Deve-se respeitar as culturas interpretando-as seguindo Geertz (1989), de acordo
com o próprio significado que o entrevistado lhe dá, de acordo com sua linguagem
levando em conta que linguagem é como ele referencia a si mesmo e ao mundo
(COSTA, 2009), e ai que surge uma reinterpretação da historia dos conhecimentos
(MORIN, 2005), uma nova riqueza de historias que foram caladas oferecendo ao leitor
uma nova ampla gama de interpretação. Os fatos são interpretados e plenos de
significação em relação dialógica a sua ressignificação pessoal do entrevistado-
entrevistador em uma representação de mundo que nem sempre está de acordo com o
registro e historia oficial (CERTEAU, 1994), o mundo para alguns filósofos é
representação e significado (COSTA, 2009) particular de cada um.
Não deve-se estar restrito a moral da historia oficial pois a oral gera riquezas e
novas interpretações e novas éticas (FERREIRA, 1997) que o pesquisador vai
compreender aceitando no mínimo ponto de vistos diversificados que aumentam a
riqueza do registro a qual se propôs escrever.

Aplicando ao projeto:
Quando se trata de eventos, tais como guerras, movimentos sociais, religião, por
exemplo, na maioria das vezes se trata de subjetividade, aliás de um velho conflito que
perfaz a própria identidade do entrevistado, por isso a coleta de história oral nem
sempre é fácil, sobretudo no Brasil, donde há desconfianças cada vez maiores sobres
múltiplos relatos de preconceito frente ao cientista e frente ao grupo(MOTT, 1997),
que pode se sentir marginalizado (quando de fato é) como favelados, afro-descendentes,
homossexuais, certos grupos religiosos etc..... com a técnica de história oral quer se
perceber como o fato, situação, inserção no grupo afeta os indivíduos de um sistema
social. Quer se perceber, por exemplo; as profundas causas em sua teologia, das marcas
e traumas do conflito, autopercepção do trabalho ou outra situação que se pesquise.

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Assim boa parte do trabalho será quebrar a desconfiança. Assim o exercício da


observação participante pode ser útil em alguns casos. Claro que isso pode ser
desnecessário em eventos urbanos de maior contato com a pesquisa cientifica e a
academia; se por acaso vai pesquisar estudantes, advogados ou padres instruídos não vai
ser necessário a quebra de desconfiança. Pretende-se aqui aplicar a técnica de historia
oral para verificar, junto com outras fontes como é percepção entre esse grupo. Claro
que sempre tem de haver outras fontes.

Interpretando
A Antropologia, em que pese o exorcismo que vem realizando desde Boas, ainda
não conseguiu, de todo, livrar-se do fantasma de Levy-Bruhl. Levy-Bruhl acreditava na
infantilidade e, portanto, na inferioridade da mentalidade primitiva do pesquisado,
acreditava que só o cientista poderia dar uma visão fiel do fato ocorrido e que o
pesquisado não tinha nada de útil a oferecer, embora tenha contribuído muito em suas
descrições, e bom lembrar que é um ponto de vista de um europeu branco, cujo ponto de
vista é diferente do pesquisado. Está na hora de por o pesquisado, melhor a vítima da
história(CERTEAU) como narrador da história. Substituir o conceito de "mito", com
suas ressonâncias semânticas negativas, pelo de "narrativa", pode representar um passo
à frente lembramos, que segundo Prandi (1999, p. 149), Franz Boas teve um importante
papel na formulação do relativismo em pesquisar as narrativas e suas funções, as
ciências sociais modernas em geral não tratam esses aspecto cultural como mito, mas
sim como uma riqueza imbuída na cultura humana (DELUMEAU, 2000).
A técnica de história oral é uma maneira de imergir na vida e cultura de quem a
faz acontecer a fim de buscar explicações inclusive se utilizando do método de historia
oral para quebrar preconceitos e trazer a baila realidades esquecidas pela história e pela
mídia oficial.

Do porque historia oral?


A intenção é perceber o imaginário e a auto-opinião que o participante tem
frente a um fato social, histórico, elemento cultural ou antropológico e principalmente a
percepção que esse público tem do evento. Tentar enfatizar o imaginário do grupo social
que relata crua e qual o seu papel, sua percepção e sua busca de explicações para certas
circunstâncias, a maneira como percebem e recriam em sua memória os fatos que
participaram.

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O que se quer é captar a percepção e subjetividade de quem teve ou participou


de um relato ou evento e aplicar tais conceitos ao fenômeno em si.
A síntese bibliográfica consiste em vários trabalhos, sobretudo da antropologia,
filosofia da mente e das ciências da Religião, Com base nos trabalhos de François
Laplatine (1999, p. 418), que procura construir, na perspectiva da antropologia da saúde
e da doença, conceitos adequados à compreensão do fenômeno mórbido, tais como
doença-sujeito (a illness ou a experiência subjetiva da doença), doença-sociedade (a
sickness, que designa os comportamentos socioculturais conectados com a doença em
uma dada sociedade) e doença-objeto (tal como apreendida pelo saber biomédico),
Laplantine propôs, para esclarecer a questão, a utilização 1) do termo illness para
designar a experiência vital do indivíduo que sofre uma afecção mórbida; 2) do termo
disease para referir-se à doença tal como definida pela biomedicina; e 3) do termo
sickness para designar o processo de socialização tanto da disease quanto da illness. Na
perspectiva de Laplantine essa socialização engloba os aspectos socioculturais, assim
como essa socialização envolve o “entendimento de uma desordem em seu senso
genérico através de uma população em relação a forças macrossociais (econômicas,
políticas, institucionais)” (Laplantine , p.201, 1999, tradução livre nossa).
Assim, desde um ponto de vista antropológico, é possível reconhecer que as
doenças, no que concerne a sinais e sintomas particulares, são atravessadas pela cultura
em diferentes épocas e sociedades. Com efeito, os significados culturais marcam tanto a
pessoa doente, imprimindo-lhe sentidos existenciais, quanto os seus cuidadores,
particularmente os pastores e os irmãos-irmãs de intercessão, que podem atribuir
significado antropológico de curandeiros (BASTIDE, 2006, p.41), os quais constituem
sua prática com base em redes semânticas culturais centradas na dimensão ritual. Na
perspectiva dos pacientes, os significados culturais subscrevem os sentidos existenciais
das pessoas enfermas, e estão inscritos na fala através de idiomas e metáforas
culturalmente determinadas que articulam desde a experiência da doença até seu aspecto
espiritual (DESROCHE, p.62,1986).
Com efeito, é na comunicação verbal que podemos reconhecer um discurso que
pode ser tratado no jogo de sua instância, que se caracteriza não por uma continuidade,
mas por rupturas e descontinuidades, sendo, então, possível considerar a existência de
múltiplas formações discursivas referentes à doença, que tomam corpo nas narrativas
sobre a doença. Estas, por seu turno, correspondem à experiência da doença, através da
qual se constituem os sentidos a ela referentes, a pessoa pensa que seus atos sociais

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(pecados ou provas) causaram certa doença e isso modifica seu contato social e ela sai
em busca de purificação mudando sua relação com o mundo ou discursando mudá-la.
Nesse item da forma de análise dos resultados, a linha do projeto é a de procurar
compreender o modo como os objetos simbólicos produzem sentidos, não a partir de um
mero gesto de decodificação, mas como um procedimento que desvenda a historicidade
contida na linguagem em seus mecanismos imaginários. Isto será feito em algumas
etapas:
A pesquisa de campo deve sempre procurar identificar individualmente cada
membro que se envolve no processo de identificação de identidade pesquisada, bem
como sua atuação sobre estes fenômenos, e sua própria análise destes. Disto vai surgir
quem deve ser escolhido para depor na história de vida.
A gravação pode e deve ser previamente agendada de preferência em local que
forme a identidade do pesquisado em que frequentam para lhes trazer evocação do seu
grupo pessoal a qual estão inseridos dando maior identificação e menos estranhamento
ao momento da coleta de entrevista. Na pratica a gravação tem de ser precedida de
“cabeçalho” da entrevista, informando o nome do entrevistado, do(s) entrevistador(es),
a data, o local e o projeto no qual a entrevista se insere.
Todo aparato legal aqui descrito será usado, é recomendável consultar o comitê
de ética e se possível advogado da instituição ligada à pesquisa. As perguntas ser podem
abertas de modo a possibilitar sempre ao entrevistado sua opinião sobre o assunto o que
não impede perguntas mais fechadas. Todo projeto tem suas especificidades e delas
nascem as perguntas certas damos aqui alguns exemplos.
Perguntas prévias de identificação (qual o seu nome, idade, pertença religiosa
etc..). Perguntas sobre a identidade pesquisada pode ser, por exemplo, religiosas: a
quanto tempo você se converteu? Você acredita que Deus Cura? Como se dá esse
processo em sua opinião? Ou do espaço pesquisado: a quanto tempo mora na favela? Há
realmente crime como se diz? Qual a sua opinião? Perguntas específicas do projeto:
Como você acha que vai ser usada essa pesquisa que estou fazendo? O que faz você se
identificar como membro da tribo Nhanderu ou como membro do povo tupi?
É importante estabelecer no projeto quando e como o pesquisador vai procurar
compreender o modo como os objetos simbólicos produzem sentidos, não a partir de um
mero gesto de decodificação, mas como um procedimento que desvenda a historicidade
contida na linguagem em seus mecanismos imaginários. Isto pode ser feito em algumas
etapas:

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A pesquisa oral procurará identificar individualmente cada membro que se


envolve no processo de identificação e de formação da identidade do grupo social
pesquisado em processos sociais a qual estão inseridos, bem como sua atuação sobre
estes fenômenos, e sua própria análise destes. Enfocar-se-á seu próprio imaginário a
qual se deve fazer analises posteriores e cruzamento com outras fontes, submetidos a
bibliografia. Essas fontes serão preferencialmente as fornecidas pelos próprios relatados
mais os testemunhos gravados nas situações de seu próprio cotidiano. Poderá ser usada
outra metodologia coadjuvante, tal como o questionário, por exemplo, aplicado com
perguntas que possam fundamentar a história oral.

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154
doi: 10.4181/RNC.2014.22.795.9p

opinião
O que é a Neuroantropologia Afinal?
Considerações e Contribuições de uma Ciência
Pouco Conhecida
What is Neuroanthropology? Considerations and Contributes of an Poorly Known Science

Otávio Barduzzi Rodrigues da Costa1

RESUMO ABSTRACT
Este artigo científico tem como objetivo trazer contribuições de uma This paper intends to explain the contributions of Neuro-anthropol-
ciência empírica de caráter interdisciplinar, a Neuroantropologia. ogy. In this work, will be propose some data and conjectures of Neu-
Nesse trabalho, são discutidos alguns dados e conjecturas da Neuro- roanthropology , that it is not much representative in Brazil, or in the
antropologia, que ainda não tem muita representatividade no Brasil hole world. Although exists the Neuro-Anthropology International
ou mesmo no mundo. Embora exista a Sociedade Internacional de Society, and it is a science that can cooperate to the growth of neuro-
Neuroantropologia, e seja uma ciência que possa cooperar muito para science, it can clarify some matters relating to this multidisciplinary
o crescimento das neurociências,a neuroantropologiatem a capacidade science and provide certain medical explanations of cognitive disor-
de explicitar certos assuntos relativos a essa ciência multidisciplinar em ders.The purpose of this articleisnot to exhaust the topic,it is just to
expansão bem como oferecer certas explicações médicas de distúrbios show the possible contributions of Neuro-Anthropologythat is still
cognitivos. O objetivo deste artigo, longe de poder esgotar o tema, incipient in the fields of neuroscience.
quer apenas mostrar as possíveis contribuições daneuroantropologia
que ainda é incipiente dentro dos campos da neurociências.

Unitermos. Ciência Cognitiva, Neurociências, Antropologia. Keywords. Cognitive Science, Neuroscience, Anthropology.

Citação. Costa OBR. O que é a Neuroantropologia Afinal? Conside- Citation. Costa OBR. What is Neuroanthropology? Considerations
rações e Contribuições de uma Ciência Pouco Conhecida. and Contributes of an Poorly Known Science.

Trabalho desenvolvido em USC, Bauru-SP, Brasil. Endereço para correspondência:


1.Antropólogo físico, Doutorando em Comunicação e Cognição pela Meto- Av. Bispo Cesar Dacorso Filho, 691, Rudge Ramos,
dista, Professor da UNESP-FAAC, professor de antropologia física do curso de CEP 09607-000, São Bernardo do Campo-SP, Brasil.
pós-graduação em antropologia da USC, jurista pela ITE – Bauru-SP, Brasil. E-mail: joebarduzzi@yahoo.com.br

Opinião
Recebido em: 26/04/12
Aceito em: 08/10/13
Conflito de interesses: não

Rev Neurocienc 2014;22(1):149-157 149


opinião

A Neuroantropologia tem como preocupação sos neurocognitivos do o que é considerado como pro-
principal estudar a neuro-evolução do sistema nervoso do priamente humano tais como compreensão de símbolos,
homem embora não se limite apenhas isso. É uma ciên- orientação diferenciada do ser humanos, uso diferenciado
cia multidisciplinar que consiste em estudar as relações de tecnologia, capacidade de design, de destreza e apontar
do sistema nervoso humano com os diversos aspectos dos as capacidades cerebrais de ascendentes do homem e de
seres humanos. Envolve estudos de comportamento e sua outras habilidades.
relação com o sistema neural, doenças mentais, relações Visa analisar um dos mais interessantes manifesta-
sociais dos doentes mentais, questões antropológicas de ções da vida: a cognição humana. Também pode contri-
saúde mental e outros aspectos. buir com explanações teóricas da psicologia, neurologia,
A neuroantropologia cognitiva consiste em um psiquiatria, ciências cognitivas e neurociência em geral.
dos ramos da bioantropologia que estuda os mecanismos A neuroantropologia ganhou destaque nos anos
de evolução biológica, herança genética, adaptabilidade e 1970, quando Oliver Sacks, professor de neurologia da
variabilidade humana, primatologia e compila o registro Escola de Medicina Albert Einstein da Universidade de
fóssil da evolução do sistema nervoso humano. A neu- Nova York, começou a trabalhar também como neuro-
roantropologia cognitiva analisa o processo da evolução logista, no Hospital Berth Abraham, no Bronx, em Nova
biológica do cérebro humano, através de estudos dos York, onde trabalhou com pacientes que se caracteriza-
crânios de homens e hominídeos; da adaptabilidade de vam, por estarem há décadas, em estado catatônico, inca-
populações extintas e realiza sua comparação com as não pazes de qualquer tipo de movimento (este caso inspirou-
extintas; do apontamento da localização de estruturas ce- -o a escrever, em 1973, o livro Awakenings, retratado no
rebrais que existem em fósseis, da primatologia cerebral filme “Tempo de Despertar”)3.
comparada a hominídeos e registro de crânios fossilizados. Dez anos depois, Oliver Sacks constatou que esses
Ainda em primeiro lugar faz-se necessário definir doentes eram sobreviventes e descendentes de portadores
alguns conceitos de antropologia tradicional: Antropolo- de uma grande epidemia da doença do sono que assolou
gia é a ciência reflexão, teoria, sobre a humanidade e sua o Alasca, entre 1916 e 1927. Tratou-os então com um
cultura, tendo como objetivo o estudo completo sobre o medicamento novo, A L-dopa, que permitiu que eles aos
homem1. poucos regressassem a vida normal4.
Como ciência do biológico e do cultural tem como A Universidade de Nova York realizou pesquisa
objeto de estudo o homem e sua evolução,esse ramo da multidisciplinar entre os cursos de medicina e antropo-
antropologia é chamado ora de antropologia física, tendo logia, analisando os crânios dos antecedentes de algumas
esse termos preferência entre autores norte-americanos, vítimas daquele estado catatônico, constatando que ha-
ora de antropologia biológica pelos europeus, hodierna- via pequenas diferenças (anomalias) nos lóbulos laterais
mente é chamada de bioantropologia2. Estuda a natureza cerebrais esquerdos, patologia também encontrada em
física do homem, conhecendo suas origens e evoluções, necropsias dos pacientes desse mesmo caso3.
estrutura anatômica e fisiológica, por exemplo: o estudo Essas diferenças foram intuídas no sentido de que
do homem fóssil, suas mudanças evolutivas, sua anatomia havia uma marca diferenciada no crânio das pessoas que
e suas produções culturais. pressupunha através de modelagem cerebral ter existido
A neuroantropologia estuda essa múltipla comple- uma anomalia, como uma protuberância irregular nos ló-
xidade do ser humano no que é relativo ao seu cérebro sis- bulos laterais cerebrais esquerdos. Descobrindo tais ano-
tema nervoso. Muita informação fica registrada nos ossos malias pode dar respostas mais completas sobre aquele
transformando estes na pista mais direta do quotidiano surto de doença isso graças à neuroantropologia3.
dosantepassados humanos. Pode ainda explicar questões como porque cer-
Aneuroantropologia cognitiva estuda as relações tas doenças surgiram durante o processo evolutivo, algo
entre alterações corporais e cerebrais, no processo da evo- muito importante desse processo foram às novas fontes
lução biológica. Tem como objetivo explicar os proces- de alimentação possibilitada pelos usos de instrumentos
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e de caça, o que afetou nossa fonte de neuroquímica. O exemplo, datar em que época e condições surgiu a área
acesso a uma grande fonte de carne pôde possibilitar uma de Broca, utilizando essas novas técnicas em cérebros de
nova fonte de carbono e fósforo tendo como consequên- ancestrais humanos8.
cia a possibilidade de hiperfosforilação da proteina TAU Hoje em dia com novas técnicas inicialmente
e excesso de acetilcolina que afetam o equilíbrio celular para a arqueologia e antropologia os neuroantropologos
em Alzheimer. Ainda com o uso de armas e descoberta podem determinar com certo grau de precisão em que
do fogo boa parte do medo de animais se perdeu, o que ponto da historia evolutiva surgiu certas áreas cerebrais e
causou diminuição da noradrenalina e também afeta o ajudar a explicar certos comportamentos e problemas de
equilíbrio neurocelular5. saúde dos humanos.
Pesquisar a evolução neurobiológica humana pode Nos primatas superiores, o neocórtex atingirá pro-
explicar muita coisa da sociabilidade e psique social e lin- porções gigantescas tais que, para caber na caixa craniana,
guagem, bem como apontar as bases neuro evolutivas da terá que se preguear e se desdobrar, gerando, assim, as cir-
aprendizagem diferenciada humana. cunvoluções. No homem, vai predominar o crescimento
Um dos tópicos mais interessantes da neuroantro- dos lobos frontais e temporais, com o desenvolvimento
pologia é o estudo da evolução do trabalho humano, suas especial da área pré-frontal, cujas estruturas fornecem o
relações com as atividades corporais, o desenvolvimento substrato anatomobiológico para as funções mais com-
cerebral e a evolução das ferramentas cognitivas tais como plexas do ser humano, inclusive algumas que parecem ser
a inteligência. Além disso, ainda pode estudar dentro da da absoluta exclusividade da espécie, como a destreza para
sua ampla gama de alcance de outros tópicos igualmente uso e fabricação de tecnologia, rituais e crença em algo
relevantes, tais como: as influências dos fatores biológi- que não estão aparente (um suposto mundo espiritual)9.
cos, como o desenvolvimento do aparelho neuropalatal e Ao analisar a evolução cerebral (dos austrelopithe-
as aquisições neurais provindas da neotenia; as alterações cus ao homo sapiens sapiens) dos ascendentes do gênero
dos fatores comportamentais, influenciados pela adoção humano, percebe-se um amplo grau de mudança cerebral
do bipedalismo; as relações de socialização; a linguagem; enquanto o cérebro dos primeiros austrelopithecus pe-
a estratégias de caça e outros. sam cerca de 400gr o do homem moderno atinge a marca
Pode dar respostas de como o cérebro evoluiu e as de 1,4 kg, alem de estruturas como o neo-cortex frontal
condições que se formaram certas partes do cérebro como exclusivo no homo sapiens sapiens8, podemos responder
o neo córtex frontal, e associar essa área que é responsável algumas das perguntas que fazemos desde o inicio da fi-
pelas atividades próprias do ser humano (imaginação, so- losofia - porque o homem tem auto - consciência, porque
nho, alucinação, etc...). é capaz de linguagem, de construir ferramentas? Dentre
Modernas técnicas de arqueologia podem remo- outras habilidades cognitivas.
delar um cérebro com alto grau de certeza utilizando Por exemplo, se hoje podemos observar e conhecer
a remodelação a laser que consiste em sistematizar um detalhadamente todo o bipedalismo (processo pelo qual
modelo de um crânio real achado e através de ligação os descendentes do homem abandonaram as arvores, e
entre pontos pode modular com alta precisão os órgãos ficaram sobre duas pernas) e sabemos que tal processo-
que estavam dentro daqueles fósseis, inclusive o cérebro, foi fundamental para o desenvolvimento diferenciado da
outra técnica muito usada é amodelagem computacional cognição humana, pois ele foi causa do aumento do cére-
tri-dimensional6, que consiste em utilizar de softwares es- bro, da sociabilidade e outros fatores que caracterizam a
pecíficos para modelar órgãos de fósseis7. cognição humana9.
Com tais tecnologias de modelação é possível le- Essa maneira única de andar,o bipedalismo apare-
vantar a modelagem de áreas que foram aparecendo a ceu nos primeiros ancestrais humanos do gênero Austra-
cada passo evolutivo humanoe no órgão mais complexo lopithecus, há cerca de quatro milhões de anos. A despeito
- o cérebro, seu formato bem como as áreas especificas da postura ereta, os Australopithecus típicos não passavam
de crescimento cerebral através da evolução humana, por do 1,2m de altura e seus cérebros não eram muito maio-
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opinião

res do que os dos chimpanzés9. Evidências paleontológi- turas exclusivas do gênero Homo tais como: um lóbulo
cas10 recentes levantaram a questão sobre qual das várias frontal, um fascículo arqueado e área de Wernick (asso-
espécies de Australopithecus fazia parte da linhagem que ciados à destreza) e área de Broca, associados à fala e des-
levou ao Homo. treza. Tais áreas no Homo habilis ainda eram incipientes11.
A expansão mais significativa do cérebro de adul- Os australopitecíneos têm seu registro fóssil mais
tos e bebês ocorreu depois dos Australopithecus, em par- antigo datado de aproximadamente quatro milhões de
ticular no gênero Homo. O fóssil Noriokotome, do Qu- anos (MA). Surgiram no continente Africano, de onde
ênia, de 1,5 milhão de anos de idade, é um adolescente, nunca saíram, até seu desaparecimento há cerca de um
frequentemente, chamado de Turkanaboy. Pesquisadores milhão de anos. Esses novos que surgiram pertencem à
estimaram que os parentes adultos do garoto, provavel- mesma família do homem atual, Hominidae, e os extintos
mente, possuíam cérebros cerca de duas vezes maiores em pertencem ao gênero Australopithecus (do latim, australo =
relação à dos Australopithecus11. sul e pithecus = macaco), significando, portanto, macaco
Neuroantropologos testam (e a maioria concorda), do sul, (isso se deve ao fato de o primeiro Australopithecus
atualmente, uma importante hipótese diz que a anatomia ter sido descoberto na África do Sul).
pélvica dos primeiros Homo pode ter limitado o cresci- Atualmente, são conhecidas sete diferentes espé-
mento do cérebro humano até o estágio evolucionário cies de Australopithecus, nomeadamente: A. ramidus (4,4-
em que o canal de nascimento expandiu-se o bastante 4 MA); A. anamensis (4,1-3,9 MA); A. afarensisou grácil
para permitir a passagem de uma cabeça de bebê maior. (3-3,4 MA); A. aethiopicus (2,6-2,4 MA); A. africanus
Essa afirmação implica que, a partir da neotenia vai haver (2,8-2,3 MA); A. robustus (1,8-1,6 MA); A. boisei (1,8-
o aumento acentuado no tamanho do cérebro humano 960 MA). Apesar de terem diferenças físicas entre eles, há
fora do útero, o que poderá causar profudas mudanças também características comuns que permitem classificá-
cognitivas, e o ser humano é único nesse nível pois seus -los a todos, dentro do mesmo gênero, tais como o bipe-
cérebros aumentam 60% até a vida adulta enquanto os dalismo, a posição ereta, a baixa capacidade craniana, a
macacos apenas 10%, ocorrido de dois milhões a cem mil baixa estatura, entre outras. Desde as primeiras descober-
anos atrás12. tas, diversos antropólogos tentaram explicar o ancestral
Fósseis que abarcam os últimos 300 mil anos de comum entre os Australopithecus e o homem atual13.
evolução humana dão suporte à conexão entre a expan- O gênero Australopithecus era essencialmente ve-
são do tamanho do cérebro e as mudanças na anatomia getariano e pesava em torno de 50kg14; sua locomoção
pélvica. Nos últimos 20 anos, cientistas encontraram três bípede ainda era imperfeita – seus espécimes já apresen-
fósseis de Homo sapiens arcaico: um macho em Sima de tavam semelhanças na conformação dos ossos pélvicos,
los Huesos, na Sierra Atapuerca, na Espanha, com mais extremidades inferiores e articulação entre o crânio e a
de 200 mil anos de idade; uma fêmea em Jinniushan, na coluna vertebral, indicando postura ereta, apesar de não
China, com 280 mil anos; e o macho Kebara Neandertal, ter sido tão perfeita como a do homem moderno15 – e
em Israel, com cerca de 60 mil anos13. o volume de seu cérebro era pouco maior do que o de
Simplesmente por causa da posição em pé, o cé- um chimpanzé que tem em média 380cm3. Seu mais co-
rebro hominídeo teve de crescer exteriormente ao corpo, nhecido representante arqueológico, com 3,15 milhões
isso porque a pelve do ser feminino do Australopithecus de anos, é Lucy, um exemplar A. afarensis feminino adul-
não suportaria uma passagem de cabeça já pronta e gran- to, que media em torno de 1,30m. Como esse animal
de, e por ter afinado a passagem de um cérebro pronto, não sobreviveu, extinguiu-se dando forma a um ser mais
para isso o filhote teve deproporcionando um cérebro di- complexo social e cerebralmente, culminando no Homo
ferente de outros seres vivos. Isso simplesmente teve de sapiens. Desapareceu por volta de dois milhões de anos
acontecer para a sobrevivência hominídea. Tal crescimen- e não deixou descendência de sua espécie evoluiu para
to possibilitou uma novidade genuína na natureza: um outra mais complexa.
cérebro complexo dotado de um crescimento de estru- Outra herança importante dos Australopithecus foi
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abipedalização, já comentada mais adiante. Além de libe- O h.h. mostrou uma habilidade diferenciada atra-
rar a mão para maior habilidade, a bipedalização acompa- vés da destreza, a qual afetou profundamente seu com-
nhou-se da neotenia: o fato de que bebês bípedes nascem portamento e vida social. A destreza só pode ter sido
antes de completar sua formação cerebral e os cérebros causada por um crescimento neurológico desta área no
crescem fora do processo de formação do feto. Tal even- córtex. Acredita-se que, tanto essa destreza como o cresci-
to trouxe inúmeras capacidades, como a de aprendizado mento cerebral, foram profundamente influenciados pela
contínuo15 e a possível redução de algumas capacidades mudança radical na alimentação13.
instintivas8 sendo necessário mudar sua maneira de se re- A interessante diferença do h.h. é a habilidade mo-
lacionar com o meio. tora que ele demonstrava. Era capaz de produzir ferra-
O Homo habilis (h.h.) trouxe uma contribuição mentas complexas e apresentar capacidade de design, ou
muito importante para a evolução do homem. A tecno- melhor, de projeto com base em outros objetos de na-
logia de fabricação própria (self-madetechnology); quando tureza. Ele manipulava objetos encontrados no meio e
começa a lascar pedra, para fazer tudo: caçar, tirar o tuta- os transformava (por exemplo, pedras transformadas em
no das carcaças, espantar outros animais e afastar grupos machados). Aself-madetecnology; essa é uma importante
rivais, o que, antes de usar tecnologia, seus antepassados diferença que, sem dúvida, pode ser vista como novidade
não podiam fazer16. genuína para a evolução do homem. Essa criatura, cer-
Este individuo, com certeza, já superava algumas tamente já desenvolvia um nível de consciência de limi-
de suas limitações corpóreas usando tecnologia, talvez tação própria e de capacidade para se superar. Como ele
seja a etapa em que o cérebro começa a se complexar em superou vários problemas apresentados pelo meio para
direção à workingmemory. Vale lembrar que é a primeira sobreviver, apenas com inteligência diferenciada16.
vez que o hominídeo tem o prenome de Homo17. Ha efeitos ressonantes evolutivos advindos do uso
Embora a “tataravó” do h.h., Lucy, uma Australo- de tecnologia, que merecem nossa atenção por sua ação
pithecusafarensis, já pudesse andar ereta, o h.h. alcançou transformadora na evolução da cognição humana uma
mudanças estruturais em sua coluna vertebral, possibili- vez que afetam o cérebro- a mão e alimentação17.
tando importantes mudanças na organização no sistema Esses instrumentos possibilitaram duas coisas im-
nervoso central e periférico. Uma grande diferença entre portantíssimas ao Homo habilis: a obtenção de alimento
o h.h. e os austrelopitecíneos é o tamanho e o formato do diferenciada, a partir da rapinagem e da caça e, conse-
cérebro; enquanto o maior macho de Australopithecus tem quentemente, maior socialização, elemento fundamental
o cérebro de no máximo 600cm3, só as menores fêmeas para a aquisição da linguagem18.
de h.h. têm esse órgão na medida de ≈650cm3, enquanto Essa alimentação proporcionou uma riqueza pro-
os machos têm acima de 800 centímetros cúbicos10. téica duas vezes necessária:
A capacidade diferenciada de inteligência humana • As mudanças na estrutura óssea que estavam
não está associada ao tamanho relativo do cérebro-corpo, acontecendo em sua coluna vertebral13 e em suas
nem em número de neurônios, nem no potencial de velo- mãos16.
cidade sináptica, mas, no formato e no desenvolvimento • A mudança estrutural em seu próprio cérebro,
do córtex pré-frontal do ser humano, até então único da que, em nossa opinião, influenciou na aquisição
evolução. As fases evolucionárias depois do h.h., como da cognição complexa do homem. Uma mudança
Homo dmanisensise Homo erectus14 demonstram desen- cerebral necessitaria de grande quantidade de ali-
volvimentos cada vez mais crescentes dessa área cortical. mentação e de mudança radical na dieta, o que re-
Aparece um início de um córtex pré-frontal, ainda que sultou no desenvolvimento do córtex pré-frontal14.
não muito desenvolvido11, com as novas técnicas neuro- Quanto às mãos, assim como no caso da bipeda-
antropológicas torna-se possível saber em que local nos lização, verificou-se uma modificação de anatomia bási-
cranios e em que fase evolutiva do cérebro esta parte do ca dos primatas. O dedo polegar humano é mais longo
cérebro se desenvolve. que no chimpanzé ou gorila e é posicionado ligeiramen-
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opinião

te mais afastado dos outros quatro dedos, portanto, em uso de tecnologia ocasionou mutação nas estruturas ce-
oposição aos demais, possibilitando maior rotação. Signi- lulares ocorridas no cérebro humano20.
fica que o dedo polegar pode ser girado contra os dedos, Há também o aumento da ingestão de cálcio de
permitindo pegar objetos de diferentes tamanhos com a maneira radical, podendo ter afetado a quantidade de
mesma eficácia16. ATP (Adenosina trifosfato) e, possivelmente, afetou neu-
Essa sensível alteração anatômica cria amplo es- rotransmissores à base de potássio. As células do córtex
pectro de funções que os também diferenciam humanos pré-motor apresentam diferentes capacidades de absorção
dos macacos, pois nos dá tanto a precisão como a força de ATP e proteína 14-3-321 no homem e nos chimpan-
para agarrar. O alcance de atividades passíveis de serem zés, que poderia fornecer novos recursos de comunicação
executadas pelas mãos humanas é bastante diversificado, intracelular. “Sem dúvida, essas mudanças foram funda-
pois se possibilitou a utilização de ferramentas como a mentais para o desenvolvimento da área de destreza e lin-
lança, o machado, as agulhas e a linha; tornou-se possível guagem e, consequentemente, da cognição; além disso,
ninar uma criança, pintar uma obra-prima ou tocar uma outras influentes mudanças no corpo, como estômagos
música em um piano16. menores, propiciaram uma preciosa reserva de energia
O desenvolvimento da destreza (high-handeness) para o cérebro. O cérebro é o órgão que mais consome
é associado no cérebro humano ao neocórtex lateral es- energia, enquanto estômagos vegetarianos, que são sem-
querdo, o córtex pré-motor, na parte posterior do córtex pre relativamente grandes, consumiriam uma energia
frontal esquerdo, próximo e em constante comunicação preciosa, impedindo, talvez, o crescimento cerebral”22.
com a área de Broca por meio do feixe de nervos chamado Além disso, outro fator importante foi proporcio-
Fascículo Arqueado19. nado pela ampliação de variedade na alimentação dife-
Como o h.h. tinha uma habilidade diferenciada na renciada causada pelos instrumentos de pedra: o início da
destreza, isso só pode ter sido possibilitado por um cres- socialização particular do gênero Homo23.
cimento neurológico da área de destreza no córtex e uma Como se vê fez-se nessa breve introdução uma breve
mutação nas mãos, derivados do bipedalismo. Acredita-se analise das possíveis contribuições da neuroantropologia
que, tanto essa destreza como o crescimento cerebral, fo- e pudemos explicar várias mudanças ocorridas nos cére-
ram profundamente influenciados pela mudança radical bros dos ancestrais humanos e explicou-se como a neuro-
na alimentação11. antropologia funciona e pode explicar donde, em quais
Estudos com símios demonstram que células ner- condições certas complexidades e corpúsculos cerebrais
vosas específicas dessas áreas cerebrais têm boa absorção surgiram e daí inferir certos comportamentos complexos.
de proteínas encontradas em animais como peixe, por Porém longe de se limitar a isso, a neuroantropolo-
exemplo, o que não fazia parte da dieta dos Australopithe- gia pode cooperar com diversos aspectos neuroevolutivos,
cus. Uma dieta só pode ser mudada com uso de tecnolo- minha pesquisa particular por exemplo pode responder
gia (pesca, caça, cerceamento de animais)14. vários aspectos da destreza humana, que me faz capaz por
Essa mudança de dieta teve profunda influência exemplo de digitar no computador esse texto e de forma
no desenvolvimento cognitivo do homem. “O estudo de consciente.
crânios de Homo habilis demonstra que o protodesenvol- Cita-se como exemplo de uma complexa interação
vimento dessas áreas se dá nessa fase da evolução humana. social a rapinagem, na qual o hominídeo obteria ossos
Nos estágios anteriores (Australopithecus), não há espaço deixados ao léu, consumindo o tutano que extraía de den-
ou forma dentro do crânio dessas espécies que demons- tro deles com o uso de machados de pedra, uma rica fon-
trem um desenvolvimento dessas áreas corticais; estudos te protéica que quase nenhum animal tem. Como o h.h.
dos ossos nas cadeias posteriores ao H. habilis (H. dma- faria para obter os ossos? Ele teria que utilizar uma divi-
nisensis e H. erectus) demonstram um desenvolvimento são social de trabalho muito eficiente para que parte do
maior das mesmas áreas11. bando distraísse outras espécies de rapinadores enquanto
A mudança radical de dieta proporcionada pelo outra parte fugia com os ossos.
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O h.h. teria que pegar várias carcaças recém-mor- do) se desenvolvem juntas na criança22.
tas por animais maiores e mais perigosos que hienas, Já deu para perceber a importância da neuroantro-
como o tigre de dente de sabre. Como? Hoje observamos pologia para a compreensão de certos aspectos complexos
o comportamento de caça de alguns felídeos que vivem da cognição humana, porem ela pode ajudar em vários
em bando, como os leões da savana que caçam em bandos outros aspectos a saber:
como os tigres de dentre de sabre. Os felinos que caçam Tem a capacidade de estudar a neuro-evolução do
juntos marcam um território de caça, atacam um bando desenvolvimento das formas de socialização e o papel do
de mamíferos quadrúpedes que vão beber água, pegan- sistema nervoso, o sistema sono-vigilia, o aprendizado, o
do os mais fracos, depois de matar um, se o bando de sistema medo estudando as funções evolutivas da Amig-
caçadores for grande, eles abandonam por pouco tem- dala, do Hipocampo, do Fórnix e Giro Parahipocampal,
po as primeiras carcaças derrubadas e vão atrás de outro do Tálamo e Hipotálamo, do Giro Cingulado, do tronco
membro do bando. Nesse curto período de tempo, o h.h. cerebral e do córtex, chegando até o neo córtex frontal e
agia com extrema inteligência social, enquanto parte do suas relações com o medo, o stress e a ansiedade25.
bando vigiava para ver se os caçadores voltavam, outros Por exemplo, pode estudar em que ponto e con-
utilizavam seus machados de pedra para extrair pedaços dições ambientais surgiram nos mamíferos os gânglios
de carne da caça, numa atitude perigosa e que teria que Basais, ou a absorção nicotínica em busca pelo sistema
ser muito rápida, obtendo assim carne fresca o suficiente. prazer-recompensa26.
No caso de caçadores que caçavam solitários, como a che- Tem os meios de estudar as estruturas e em que
eta pré-histórica e o cinogato, cuja habilidade seria capaz condições surgiram a linguagem8. Os sistemas vivos em
de matar um búfalo, mas não de comê-lo inteiro, deixan- geral podem ser entendidos como sistemas de comuni-
do boa parte da carcaça fresca, confiando no seu territó- cação14. Os seres humanos alimentam-se não apenas de
rio marcado pelo seu cheiro. Entrar no território de um matéria, mas também de informação, trocando-as entre
caçador poderoso pode ser extremamente perigoso, mas si, com outros seres vivos e com o meio ambiente23.
agindo em bando, com vigia e aumentando sua socializa- As formas de comunicações dos demais seres vivos,
ção, o h.h. seria capaz de obter o tão precioso alimento24. como o canto de uma espécie determinada de pássaro no
O aumento da socialização também se prova pelo acasalamento, possuem e produzem sentido, mas, mes-
ensino das técnicas de caça e rapinagem aos mais jovens mo quando apresentam alguma possibilidade de recom-
das famílias de h.h. Isso envolve o ensino de fabricação de binação e modulação, como nos pássaros mais admira-
instrumentos. O aprendizado dessa instrumentação era dos pelos seres humanos por seu canto ou capacidade de
adquirido muito rápido, ainda quando criança, pois os imitação, são formas de comunicação bastante rígidas de
instrumentos oduvaidenses, bem pequenos, que só cabe- cada espécie em que - e apenas para um reduzido núme-
riam em mãos pequenas (de crianças e adolescentes, con- ro de espécies - a variabilidade permissível ao indivíduo
siderando o tamanho dos fósseis encontrados)24. Nenhum restringe-se a poucas séries de combinações14.
outro símio tem esta capacidade de aprender a lidar com Alem do mais, não há função de referência ou cri-
instrumentos desde filhote. Apenas o chimpanzé mais ha- térios semânticos de relevância nas formas de comunica-
bilidoso conseguirá manipular instrumentos apenas de- ção de outros seres vivos, o que nos faz hesitar em classifi-
pois de adulto e bem treinados por humanos, porém, sem cá-las como linguagem, porem a neurodestreza de gritos,
capacidade de transformar o objeto as suas necessidades25. guinchos, uivos e outros sons de comunicação, sobretudo
Crê-se que o fator de socialização foi muito importante sobre situação de medo, stresse, acasalamento pode ser
na formação do processo cognitivo. entendido como uma proto-linguagem26.
A neuroantropologia observa ainda a relação in- A linguagem humana ultrapassa a fronteira do
tracerebral entre destreza e linguagem e que as estruturas simples em direção ao hipercomplexo: constitui um siste-
cerebrais que são responsáveis pela linguagem (área de ma de infinitas combinações e não somente mero veículo
Broca e de Wernicke) e destreza (neocórtex lateral esquer- de transmissão de informações; tanto reflete o real quanto
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por si mesma cria outras realidades, especificamente hu- seres humanos e fornecer explicações para os fenômeno
manas, como a arte, o sonho e a música. isso depende de perceptivos que se encontram na evolução29.
presença de interlocutores e de estruturas específicas no Ainda pode fornecer dados que facilitem o pro-
cérebro e no corpo23. cessamento e a modelagem matemática de seres que não
Pode estudar as questões de cultura e diferenciação mais existem os ancestrais dos seres humanos para forne-
cerebral em questõesde gênero em face dos dados de que cé- cer explicações e modelagens de explicações computacio-
rebros de homem e mulher e homossexuais são diferentes27. nais cognitivas30.
Podem-se analisar as questões de saúde mental pu- Pode estudar a relação que ha entre cérebro, êxta-
blica, com vistas a dar um melhoramento das instituições se religioso, entre diversas constatações de neurocientis-
de atendimento mental. tas que pesquisam o êxtase religiosos, a mais intrigante
Pode analisar o imaginário popular de pacientes foi a diminuição da atividade do lobo parietal superior,
com problemas mentais destruindo preconceitos e este- uma área na parte alta do cérebro que influencia nossa
reótipos da sociedade em relação aos pacientes mentais. orientação espacial e de tempo. Sabe-se que Utilizando
Pretende se integrar a antropologia da saúde que ressonância magnética funcional, prova-se que partes do
tem abordado ofenômeno da doença em duas perspec- córtex pré-frontal e do córtex cingulado anterior, podem
tivas: como ele éexperimentado pelos doentes e como é ser alteradas em certos rituais causando sensações psico-
a experiência dos profissionais de saúde1 e que procura físicas31.
construir, na perspectiva da antropologia da saúde e da- Dentro deste viés da religião pode pesquisar e coo-
doença, conceitos adequados à compreensão do fenôme- perar com o estudo de psicoses raras como a Síndrome de
no doença, tais como doença-sujeito (a illness ou a expe- Jerusalém31. Ainda nesse viés pode cooperar com o estudo
riência subjetiva da doença), doença-sociedade (a sickness, da sensação de paz que traz a prece e os fenômenos neuro
que designa os comportamentos socioculturais conecta- - fisiológicos que podem trazer a meditação, ou o feno-
dos com a doença em uma dada sociedade) e doença- meno de glossolalia31. Pode estudar o fenômeno histérico
-objeto (tal como apreendida pelo saber biomédico). conhecido vulgarmente como possessão demoníaca e suas
A neuroantropologia pode ajudar a compreender causas cerebrais.
tanto esses sentidos existenciais como se especializar e Na história da Humanidade os sintomas de alte-
estudar a questão dosickness, illness and disease tanto do rações no sistema nervoso foram comparados à casos de
ponto de vista subjetivo, do cultural, e também no que se possessão demoníaca e efeitos de feitiçaria29. Segundo
especifique as doenças de base neurológica. Freud33 são manifestações de sintomas histéricos, onde
Pode ajudar tremendamente a psiquiatria e a psi- pode-se observar uma série de distúrbios psíquicos: al-
cologia, que deve em seus aspectos de tratamento psicote- terações no curso e na associação de idéias, inibições na
rápico que deve compreender todos os aspectos culturais atividade da vontade, exagero e repressão de sentimentos.
e imaginários relativos ao cérebro e não apenas medicar.A Ainda pode estudar dentro dos fenômenos reli-
neuroantropologia pode cooperar decididamente com a giosos o processo de oração em relação a Psiconeuroimu-
psicologia evolutiva. Ainda poderá ajudar a humanizar o nologia32: mostra que a meditação e a oração é capaz de
tratamento tradicional psicoterápico a exemplo de Nise desempenhar papel importante na resistência das chama-
da Silveira. das doenças infecciosas, que até então eram consideradas
A neuroantropologia criminal pode compreender como “estritamente fisiológicas”. Sendo assim, todo uma
os aspectos culturais e cerebrais da violência e do crime, imensa área da medicina foi aberta para se estudar os es-
bem como pesquisar em que momento da evolução sur- tímulos psicológicos destas doenças,assim como é sabido
giram os aspectos neurológicos de violência, sexo e estru- que o estresse afeta o sistema imunológico31.
turas inibitórias da violência do cérebro28. Pode ajudar a estudar a parte neuro-social do uso
Pode estudar a neuro-evolução dos sistemas per- de tóxicos e álcool ajudando tremendamente no estudo
ceptivos, das estruturas perceptivas nos antepassados dos relativo aos danos cerebrais. Estudando ainda os fenô-
156 Rev Neurocienc 2014;22(1):149-157
opinião
menos da drogas pode explicar certos fenômenos sociais Oxford Press Inc., 1993,184p.
10.Mithen S. A Pré-história da Mente: uma busca da arte da religião e da ciên-
por exemplo, alguns antropólogos defendem que as pri-
cia. São Paulo: Ed. UNESP, 2003, 426p.
meiras idéias religiosas surgiram do consumo de cogu- 11.Falk D. Braindance. New York: Henry Holt and Company. Inc., 1992, 502p.
melos alucinogenos pelos povos antigos33. Dentro desse 12.Buss DM, Reeve HK.Evolutionary psychology and developmental dyna-
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levantamento, crê-se que o papel da neuroantropologia
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se fez fundamental, inferindo através das formas craniais 13.Godoy JA. El Origen del Hombre. Madrid: Ediciones Palabra, 1987,146p.
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É analisando a totalidade dos ancestrais humanos
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que se pôde observar como eles puderam vencer as difi- humano. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998, 432p.
culdades que o meio lhes apresentava, significando de- 16.Susmam RL. Hand function and tool behavior in early hominids. J Hum
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REVISTA REFLEXÕES, FORTALEZA-CE - Ano 5, Nº 9 - Julho a Dezembro de 2016
ISSN 2238-6408

RESENHA:
HINKELAMMERT, FRANZ J. HACIA UNA CRÍTICA DE LA RAZÓN MÍTICA:
EL LABIRINTO DE LA MODERNIDADE. MÉXICO:
EDITORIAL DRIADA, 2011 –

Otávio Barduzzi Rodrigues da Costa1

Para uma critica da razão mítica: o labirinto da modernidade de Franz Hinkelammert

O autor é economista e teólogo natural da Alemanha, é reconhecidamente um


importante teólogo na área da teologia da libertação, que é famoso por seus escritos contra o
capitalismo, é co-fundador do departamento ecumênico de investigações, órgão que combate o
desrepeito a dignidade humana, em San José, Costa Rica junto com Hugo Assmann e Pablo
Richard. Doutorou-se em economia na universidade livre de Berlin e atuou como professor na
universidade católica do Chile até 1973 sendo perseguido pelo governo de Pinochet. Ainda
produz livros e palestras ao redor do mundo 2.
O livro em questão foi lançado originalmente em 2008, edição em espanhol pelo
próprio autor, pela editora Palabra Comprometida de La Paz – Bolívia. O livro é rico em figuras
mitológicas apesar de tratar de dois (um?) assunto extremamente importantes, o capitalismo e
religião, duas fundamentais estruturas as a quais servem para estruturar as relações humanas.
Prefacio:
Prefacio: a humanidade se encontra perdida em um labirinto, nesta obra o autor
oferecerá um fio de Ariadne 3 para a saída desse labirinto, o inicio desse fio é o Deus que se fez
homem e veio para o homem no primeiro século e nunca mais se ouviu falar agora o Deus que
existe é o homem, não é um Deus que veio para o homem, mas sim o próprio homem virou
Deus, é e isso que construiu o labirinto. Ou seja, o homem criou um labirinto donde não vê saída

1
Antropólogo, filósofo e mestre em filosofia pela UNESP, doutorando em Ciências sociais pela
UNESP, professor substituto de ética e cidadania da UNESP-FAAC.
2
Fonte: pagina oficial do departamento ecumênico de investigações, frame - história, acesso em
02/12/2013, disponível em http://www.dei-cr.org/conozcanos/historia/.
3
Conta a mitologia grega que Ariadne, a filha do rei Minos, ajudaria Teseu, herói grego, a enfrentar seu
irmão bastardo e monstro o Minotauro, se Teseu prometesse casar com ela. Teseu reconheceu aí a única chance
de vitória e aceitou. Ariadne, então, deu-lhe uma espada mítica e única que poderia derrotar o monstro e um
novelo de linha que não tem fim (Fio de Ariadne), para que ele pudesse achar o caminho de volta dentro do
labirinto do Minotauro, do qual ficaria segurando uma das pontas. Significa um apontar de saída para um
labirinto cheio de perigos. Fonte: BINI, E., A sabedoria da Mitologia, São Paulo, Editora Edipro, 1a. Edição
2007.

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pra si, em nossa opinião a figura de um labirinto é estar sozinho na escuridão, sem Deus estamos
sozinhos, o monstro não é o minotauro, mas a injustiça socioeconômica que mata quem se
aventura no labirinto. Porem esse não é um labirinto que se escolhe se aventurar a humanidade se
aventurou nele e empurrou vários para esse labirinto.

A manera de introducion:

Na Parte A guisa de introdução (A manera de introducion) o autor faz referencia ao


mito de Prometeu4, segundo o autor esse mito é um dos grandes mitos da modernidade, formula
o espaço mítico da modernidade e aparece nos pensamentos críticos sobre a mesma. Marx
relaciona o mito de prometeu a uma libertação do proletariado, do homem que trabalha. O mito
de qualquer maneira é visto como uma emancipação e rebeldia do homem frente aos deuses. A
conseqüência dessa rebeldia causa a: a autoconsciência humana, entendida como a consciência
de ser consciente, está por sua causa outra conseqüência, agora é o humano sua própria
divindade suprema.

O mito prometeiano tem um fundo de verdade, o triunfo da técnica, na qual


tecnologicamente e cientificamente, a modernidade fez o homem tornar-se providência para si
mesmo, e hoje, para acabar com a fome, as doenças, as inundações, as epidemias, agora não
recorre a Deus, ou deuses, como faziam seus antepassados, mas sim à medicina, à engenharia, à
indústria, etc. A modernidade proporcionada pela tecnologia, que mitologicamente atribuída a
Prometeu é ao mesmo tempo em que é um período histórico indefinido, é uma crença na certeza
do cientificismo e da racionalidade, na qual as relações sociais são mudadas.
O ponto da modernidade e do seu labirinto apontado pelo autor com a confirmação de
Marx de que não existe Deus e o homem se torna sua divindade suprema. Vale apontar que, no

4
Basicamente o mito diz que homens e mulheres eram seres primitivos, vivendo da caça e coleta.
Desconheciam o fogo, por isso comiam a comida crua, e embrulhavam-se em peles espessas para se defenderem
do frio do Inverno. Não sabiam trabalhar os metais para fazerem ferramentas ou armas duradoiras. Zeus preferia
que eles continuassem assim, porque de outra forma receava que alguns viessem um dia a querer roubar-lhe o
poder. Mas o sábio Prometeu amava a Humanidade e sabia que com a sua ajuda os homens podiam progredir,
saindo do seu estado primitivo. Prometeu foi em segredo ao Olimpo e roubou o fogo dos Deuses entregando aos
humanos. Com a ajuda de Prometeu, o homem desenvolveu-se rapidamente. Ficando assim independente dos
deuses. Zeus estava furioso e mandou levar Prometeu para uma das montanhas de leste e acorrentá-lo a uma
rocha. Uma águia feroz ia todos os dias comer-lhe o fígado, e todas as manhãs o fígado tornava a crescer, de
forma que a tortura recomeçava. Passaram-se muitos anos antes de Prometeu ser liberto - dizem que trinta mil –
até que o valente Hércules que o libertou. Fonte: BINI, E., A sabedoria da Mitologia, São Paulo, Editora Edipro,
1a. Edição 2007. Claro que essa é uma das inúmeras versões que existem do mito mas ele significa que os
homens se tornaram independentes do Deuses através do seu trabalho.

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livro "idolatria do mercado", escrito por Hinkelammert com Hugo Assmann denunciam o
resultado do mercado é hispóstases, ou seja, sua suprema personalização-atribuição como agente
autônomo. A esse agente é aplicado fé em sua total confiança de modo a pensar que nada vai dar
errado. Com tal fé no mercado, os homens poderiam atribuem a ele uma confiança ilimitada, ou
seja uma divindade que pode resolver todos os problemas humanos. Ademais, apontam que o
neoliberalismo tem um sistema de apoio dominar a vontade humana, o mercado poderia ser uma
"lavagem cerebral" real em profunda consciência do ser humano. Quando a fé no paradigma do
mercado poderia sobrecarregar a mente e o coração, a solução dos problemas sociais foi
geralmente deixada ao próprio mecanismo de mercado5.
Parece que o homem se faz Deus e Deus se faz homem, na cultura cristã nossa leitura
aponta para um conflito entre o deus libertador que se fez homem e o homem que se fez
Prometeu para se auto-libertar. Apontamos que a própria configuração da religião cristã
ocidental se tornou algo digno de ser combatido e uma prisão do qual o homem deve escapar.
Essa opiniao é apontada no libro quando o autor reflete sobre a dominação espanhola e
portuguesa sobre as Américas e o sangue que isso trouxe. Ocorre que o homem deveria ter se
libertado da religião não de Deus porem ao libertar-se na modernidade da religião rompeu-se
com Deus.
O homem, representado pelo Prometeu do velho Marx grita e rompe ―odeio aos deuses‖
e envolve Deus nessa sua revolta rompendo com Ele. Ao romper-se torna-se seu próprio
Prometeu: autoconsciente, auto-suficiente, independente de toda autoridade religiosa, política e
conseqüentemente teológica a qual o homem não precisa mais de Deus. Ao romper com o mito
Greco – romano com o grande mito de Prometeu, o homem deixa de se libertar de si e procura se
libertar de Deus.
O Prometeu de Marx apresenta um ser humano humilhado, depreciado, abandonado e
subjugado, e um ser preso a maquina de trabalho, torturado por uma águia mandada pelo
opressor(Zeus). Porem de fato há um novo objeto de adoração criado e criatura pelo próprio
homem, o home agora adora a si mesmo, mas ao invés de libertar-se escraviza através do seu
novo Deus, que é homem: O mercado.
O mercado passa a ser sacralizado. O autor contradiz as ideias de F. Hayek, e suas
criticas contra o socialismo para apontar os pensamentos que trazem vantagem ao livre-mercado.
Um dos quadros desse livre-mercado é a concorrência, uma lógica de se derrotar e se sobrepor

5
ASSMANN, Hugo, HINKELAMMERT, Franz J. A Idolatria do mercado: Ensaio sobre Economia e
Teologia, Teologia e Libertação. Petrópolis: Vozes, 1989.

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aos outros que perfaz uma ética do sujeito destrutiva e competitiva. Assim a liberdade suprema
do mercado não pode ser limitada ao outro, forma-se uma ética do sujeito de uma liberdade
ilusória, uma liberdade que na verdade escraviza.
A lei existe para preservar os valores que um grupo social considera importante, tais
valores não são imutáveis, uma vez que a sociedade pode mudar seus gostos e valores através
da história, confirme a evolução das ideias humanas. Os valores de uma sociedade são aquilo
que ela, como equilíbrio de interesses considera como valioso.
Este texto manda ou proíbe algo em consonância com a justiça e para o bem da
sociedade no seu conjunto, preservando o que ela considera valiosa. Por exemplo: ―A venda
de cocaína é penalizada pela lei‖, ―A lei proíbe que uma pessoa mate outra‖, ―Um homem
nunca deve roubar outrem‖. No caso tal sociedade considera a luta contra as drogas, a vida, a
propriedade privada como valiosas.
Pode-se dizer que as leis limitam o livre arbítrio dos seres humanos que convivem
em sociedade. Funcionam como um controle externo ao ato humano que rege as condutas (os
comportamentos). Se uma pessoa considera que não tem mal em adotar uma determinada
ação, mas que esta é punida por lei, terá tendência em abster-se de o fazer independentemente
daquilo que achar pessoalmente. Exemplo uma pessoa precisa de um ―Tablet‖ vê um ao lado
que o colega de faculdade esqueceu, não vai se apropriar do objeto ilegalmente, pois ha uma
lei que o proíbe.
Existem varias fontes de leis e do direito e uma delas é a religião, visto que a religião
divulga-impõe valores. Vai emitir opiniões que as pessoas que a seguem ou que a simpatizam
com ela tomarão como importantes na sua vida social. No âmbito sócio - político, a lei é um
preceito ditado por uma autoridade competente. Par Marx a lei vai ser um prisão e de fato: Se
ela protege o que é valioso em uma sociedade nossa sociedade tornou valioso a propiedade
privada, o capital, a livre concorrência, tudo isso protegido por lei que em vários casos se
torna uma prisão.
Tal prisão garante a existência de um sistema utópico chamado mercado que deveria
resolver todos os problemas humanos mas não o faz pois isso é utopia (p.45). A globalização
nova forma de mercado so exclui e escraviza cada vez mais o homem. Crer na justiça do
mercado é uma razão mítica -utópica – impossível, pois tal sistema não pode trazer salvação.
Assim se faz necessária uma nova ética do sujeito (p. 47), uma agir do sujeito sobre o
mundo. O autor propõe que uma teologia da libertação, possa ser a solução, não um
rompimento com Deus mas com aquilo que oprime o homem, um novo ecumenismo. A

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resposta para esse problema talvez esteja na proposta de um nova Religião, digamos uma
religião esclarecida (se é que isso é possível), um que proponha como fundamentos de sua
religiosidade as idéias que não produzam vitimas6, onde o fundamento das configurações
cristãs seja a o amor ao próximo; das judaicas, o relacionamento com Yavhé e da sua
benignidade, das mulçumanas do caminho do servir sem escravizar e da bondade. Ou seja,
que seus fundamentos sejam os condizentes com as conquistas de direitos humanos
conseguidas a muito custo pelo Estado democrático, e da promoção de um Estado Laico que
garanta o respeito as culturas e a liberdade religiosa.
Capítulo 1
No capitulo 1, o autor faz uma analise dos mitos, para ele os mitos antagonizam a
razão instrumental, porem a razão instrumental pode se socorrer de certos mitos tal como a
mão invisível do mercado.segundo ele a modernidade cria mitos e são contra os mitos que se
confundem com religião. São contra os mitos gregos mas criam mitos como o do progresso.
A habilidade e a facilidade com que o homem cria técnicas sempre novas e mais
perfeitas provocou nas gerações recentes uma confiança sem limites no progresso humano,
nas possibilidades de levá-lo à frente até a realização do paraíso na terra e à feliz solução de
todos os problemas e mistérios do homem. Mas é realmente verdade que as ciências e a
técnica têm o poder de resolver todos os problemas e enigmas humanos? Não tem.
Aliado a toda manutenção de conhecimento único, surge a ideia de que
conhecimento é poder7 e que esse poder foi jungido ao capital e serviço desse, ou seja a
ciência foi submetida ao interesse do capital8, sendo assim o poder ao qual se refere Marcuse 9
é em sua critica a modernidade é o próprio capital. Para entender o trunfo do capital sobre os
valores antes religiosos, houve um triunfo da comunicação que trouxe e confirmou a
modernidade e propôs sua própria crise.
Surgiram, no seio da modernidade, novas tecnologias da comunicação, produtos
dessa ciência racionalizada, que levou o homem a um movimento de consumo desmedido e
capitalizado. As pessoas passaram a ser valoradas não pela sua essência, e sim pela sua

6
CERTEAU, M. (1998) artes de fazer, a invenção do cotidiano, 3ed. Ed. Vozes.
7
WESTHELLE, Vitor (2008) - Traumas e Opções: Teologia e a Crise Da Modernidade ,
publicações do centro de estudos anglicanos, disponível em
http://www.centroestudosanglicanos.com.br/bancodetextos/diversos/teologia_crise_modernidade_vitor.pdf,
publicado em 14/out/2008, consultado em 30/mar/2013.
8
PANIKKAR, Raimon, Morte e ressurreição da Teologia, Horizonte, Belo Horizonte, v. 4, n. 7, p.
15-29, dez. 2005
9
MARCUSE, Herbert. A Ideologia da Sociedade Industrial: O homem unidimensional. (Tradução de
Giasone Rebuá). 4.ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1973.

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capacidade de consumo. Termos antes caros a humanidade como a teologia como alma,
bondade, caridade não tiveram mais lugar.
A modernidade a tudo racionaliza. A tudo matematiza, a tudo contabiliza, a tudo
registra de tal maneira, o homem fica reduzido a um negócio de contabilidade, que interessa
particularmente aos registros das taxas e dos seguros (Steuerug und Sicherrung), para utilizar
uma expressão de Heidegger 10.
Esse capitulo pode ser traduzido na frase de Goya (p.57) a razão ao sonhar produz
monstros, visto que a razão não sonha: planeja, não abstrai: calcula. A razão substituiu as
necessidades humanas pelas preferências do mercado (p. 58). Nem a morte pode se discutir
mais A modernidade criou segundo Giddens11 um certo sequestro de experiências, ou seja
através do sistema auto-referenciado de conhecimento e de poder separa-se da vida certos
conhecimentos naturais, como enfermidade loucura, criminalidade, morte, sexualidade.
As garantias de direitos humanos foram cooptadas por direitos que na verdade so
garantem a globalização do mercado, a propriedade privada e a morte dos excluídos. Embora
o mundo posa reagir e enfrentar tais problemas, quem enfrenta leva a peja de terrorista e
criminoso e outra vez combatidos por leis que só atendem as necessidades globalizantes.
Ë criado um mito do poder, um dos vários mitos pela qual a sociedade humana se
configura, assim como o mito do sucesso, do crescimento patológico, da mão invisível, do
capital justo etc..., ocorre que a mesma modernidade que não considera verdade os mitos
antigos gregos se fundamenta e se relaciona nesses novos mitos. O que é pior mitos
protegidos pela lei e pelo suposto estado democrático de direito. São os mitos modernos.
O próprio cristianismo, o Deus que se fez homem é considerado um mito e
ridicularizado porem se utilizam vários mitos para parametrizar a modernidade. Deus deixa de
ser a reposta e se transforma em um homem, um semelhante (p.73) criando de certo modo o
cerne da modernidade: o humanismo, agora é o ser humano, e não Deus o centro do universo.
O cristianismo nasce com uma teologia da Culpa, da dívida e do perdão e nasce daí uma nova
religião, uma religião sem culpa – o capitalismo.
Benjamin12 evoca, os termos ―dívida‖ e ―culpa‖. Segundo numa perspectiva histórica
do de que não podemos separa esses dois termos, no sistema da religião capitalista, a ―culpa

10
HEIDEGGER, Martin. (2007) Nietzsche – volume II. Tradução: Marco Antônio Casanova. Rio de
Janeiro: Forense Universitária.
11
GIDDENS, Anthony. (2002) Modernidade e Identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.
12
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política. Ensaios sobre literatura e história da cultura.
Prefácio de Jeanne Marie Gagnebin. São Paulo: Brasiliense, 1987

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mítica‖ da dívida econômica, surge como algo sem culpabilizaçao. O capitalismo é um culto
que não resgata, mas deixa um sentimento de culpa apenas nos sensiveis. Neste sentido, este
sistema religioso,surge após o colapso de do cristianismo. Uma enorme sensação de culpa,
incapaz de se render, deu proveito a esse culto, e sua culpa, em vez de ser resgatadas é
universalizada, gravada na consciência, até que o próprio Deus é preso na rede culpa, de
modo que, finalmente, ele próprio está interessado em sua expiação. Não se pode, portanto,
esperar que isso aconteça no próprio culto, ou a reforma dessa religião, uma vez que teria de
agarrar-se a algo sólido que aparentemente não existe na historia(isso seria o verdadeiro
cristianismo mas foi rejeitado como mito). A essência deste movimento religioso que é o
capitalismo é parte de sua capacidade de percorrer todo o caminho, de fornecer todas as
repostas finais, até culpar a Deus, para atingir o estado de desespero no mundo.
Da pagina 83 a 115 faz um grande estudo do apocalipse como tradução da visão da
historia ocidental, é um dos textos fundantes da sociedade ocidental (p. 104). De Hobbes a
Locke, de Marx a Engels, de Hegel aos capitalistas, todos compararam o apocalipses as
mudanças econômicas e sociais que perpassaram o mundo. Esse texto é usado erroneamente
para legitimar as violências ao redor do mundo bem como as injustiças produzidas pela
exclusão(ora os cavaleiros do apocalipse são as mazelas do mundo). Esse capitulo pode ser
resumido no fato de que o mundo finalmente tem um poder auto-destrutivo causado pelo
capitalismo, agravado pela oposição ao socialismo histórico. O mundo tem ogivas nucleares,
biológicas e químicas para destruir a vida na terra mais de 400 vezes 13, o apocalipse é
rejeitado como mito, mito que se acredita que não pode acontecer, porem está perto como
nunca, o apocalipse impacta alem do cristianismo, e cria um ―marco de categoria‖ do
exercício de poder no ocidente.

Capitulo 2
Corporiedade concreta e abstrata: a espiritualidade do mercado.

O dualismo, proposto por Renée Descartes constitui o grande referencial


epistemológico do ocidente14. Hall15, lembra que ele postulou duas substâncias distintas — a
substância espacial (matéria) e a substância pensante (espírito). Ele refocalizou, assim, aquele

13
THOMPSON, E. P. (ed.) (1982a). Exterminism and Cold War. London: Verso/New Left Books.
14
MORIN, E. ―Ciência com Consciência‖. Ed. Publicações Europa-América, Lda, Portugal: 1994
15
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 10. ed. Rio de janeiro: Dp&a,
2005.

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grande dualismo que tem afligido a o pensamento filosófico desde então. Até essa proposição
não se havia pensado numa oposição entre corpo (matéria) e Espírito.
Ocorre que a modernidade se apresenta mediada por seus meios de comunicação,
apresenta uma materialidade extremada, o sucesso, as casas novas, os carros de marca
materialmente falando são a representação de algo espiritual, a felicidade que não pode ser
alcançada por todos. Cria-se um mito do progresso, que se apresenta como uma nova
espiritualidade (p. 109) ainda que baseada em materialidade. Assim o que é material é
valorizado e o que é espiritual é deixado de lado ainda que baseado no grande mito do
ocidente o mito do progresso.,
Na sua divagação do capitulo 2 (excurso p. 113) inicia-s e com uma frase bem
emblemática ― o Capitalismo surge com a pretensão de ser a instância de salvação‖, atribui o
começo desse ao mercantilismo exploratório colonial, porem sua ideologia à obra de Adam
Smith. Acusa seriamente qu a as posições cristas dos primeiros séculos eram ao contrario
fazendo uma explanação teológica de Mateus 6:24 com a citação de Jesus : "Não se pode
servir a Deus e a Mammon". Porem o que ocorreu foi ao contrario ocorreu uma
espiritualidade do mercado.
O mercado, a tudo toma conta e passa a ser o regulador das relações sociais, mais do
que isso, passa a ser o centro das sociedades, se infiltrando no dia-a-dia das pessoas. A
referencia passa a ser mercado e recursos, mercado de trabalho, de capitais, de alimentos, da
droga, mercado matrimonial, religioso e de bens simbólicos, não há expressão mais
assustadora, por exemplo do que recursos humanos: ou seja, para a produção de bens e
serviços o ser humanos é reduzido a um recurso, um bem substituível a qualquer momento.
A obra de E. Durkhein já afirma que:, ―não há religião sem comunidade (igreja) 16 ‖.
O mercado como religião marca a nova comunidade que é a sociedade moderna. As pessoas
se reconhecem e se valorizam pelo poder de compra que tem. Uma pessoa de bem é aquele
que tem poder de consumo.
A religião do mercado tem os seus comportamentos e dogmas. Como exemplo:
O mercado é causa de desigualdades; assim é um produtor de vítimas, que ou são
exploradas ou são vitimas da violência causada pela comunicação que leva desejos aos que
não podem e por isso roubam violentamente multiplicando as vitimas 17.

16
DURKHEIM, E. As formas elementares da vida religiosa. São Paulo: Martins Fontes, 2000.p.261
17
MESSNER, S. F.; ROSENFELD, R., Crime and the American Dream. Belmont: Wadsworth, 2000.

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O mercado dentro da ordem capitalista mundial gera concetração de riquezas na


mãos de poucos países e de poucos magnatas e desestruturação social e miséria para as maior
parte da humanidade18.
Não é mais a fé que move céus é terra e outra coisa. O lema fundamental é: ―o
dinheiro tudo pode, move o céu e a terra‖.
A propaganda tem a função de uma felicidade salvífica. Se você não pode ter a
mercadoria X você não é feliz. Se você não tem mercadoria y não pode ser bem sucedido
portanto é um excluído e não é uma pessoa de bem.
As mercadorias são representantes de desejos mais profundos da alma.
A propaganda é uma autentica catequese, um ensinamento do que deve ou não ter
para ser feliz.
O culto dominical são os programas televisivos.
A grande festa anual é o natal. Não para comemorar o nascimento do Salvador, mas
uma festa de consumo e presentes a quais as crianças são educadas desde cedo.
Os templos são as lojas.
A peregrinação são as novas viagens; os grandes shoppings e cidades do consumo, e
turismo, Disney World, Miami, Paris etc.
Os sacerdotes são os que conhecem as regras do jogo, advogados, que garantem a
propriedade privada e seu pagamento, economistas e banqueiros.
As vestes são as roupas de marca caríssimas tal como Ermenildo Zegna, Nike,
Lacoste etc....quando se está vestido assim o ser se torna bem-quisto na sociedade. Quando
não é um excluído dela.
A ética principal é o interesse pessoal, egoísta, competitivo com sede de crescimento
financeiro patológico.
Assim, se constrói e produze a religião da espiritualidade do mercado.
Tal religião promete felicidade a todos os que a consomem. Essa promessa falha
fragorosamente uma vez que poucos tem o poder de ter tudo o que se apresenta para
consumo. As mercadorias tem status divinos e de bênçãos. A elas se adjudicam características
salvíficas. É no contanto com o novo sagrado que surge uma nova ética de ser a da
competição e concorrência no mercado, seu semelhante passa a ser visto como concorrente. A
mística que move as pessoas no capitalismo é ganhar dinheiro para ganhar mais dinheiro;

18
HOFFMANN, R. Distribuição de renda: medidas de desigualdade e pobreza. São Paulo: EDUSP,
1998.

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comprar mais, comprar mais para consumir mais e mais. É no poder de consumo, que se mede
o caráter de uma pessoa segundo essa lógica. O ser humano é medido em Ter e não em Ser.
Numa sociedade assim, a pessoa tem a sua dignidade reconhecida nas relações mercantis, no
mercado. Os pobres são marginalizados exatamente pela sua impossibilidade de acesso ao
mercado. Esses milhares que são a maioria do mundo são invisíveis e reduzidos a mero
problemas políticos, seres humanos incapacitados de participar de acesso aos bens que na
maioria eles mesmos produzem em um total estado de alienação.
Capítulo 3
O capítulo 3 (p.117) passa a uma explicação da humanização de Deus. De como o
humanismo trouxe agora na historia que o homem e não Deus era o centro do universo. Disso
decorre algumas conseqüências tal como: propriedade é individual e um direito sagrado, por
natureza. A isso o individuo leva como algo sacro. Outra conseqüência é o crescente poder da
burguesia, cuja conseqüência se da a vida pelo comercio, o comercio não mais é um meio de
subsistência mas a atividade pela qual as pessoas vivem e morrem e o importante nessa
atividade passa a ser o lucro. Assim surge as condições do capitalismo selvagem.
O socialismo surge como uma alternativa na opinião do autor como incapaz de
resolver tais mazelas uma vez que só muda o foco da propriedade ao invés de propriedade
individual se fala em propriedade socialista. Alem disso há um grande problema a redução de
toda a historia e condição humana a luta de classes. Tal concepção marxista é impossível de
compreender toda a riqueza da experiência humana. A isso nesse seio socialista o autor critica
a teologia da libertação (p. 120).
Em suas elucubrações critica fortemente a globalização(p.122). em suma essa critica
decorre da decisão das potencias emergentes do pós guerra fria de impor ao mundo uma força
motriz comercial capitalista que possa dar mais poder as empresas transnacionais. Com essa
pratica se da estratégia ao mercado sem controle ou responsabilidade por seus atos.
O mercado disfarça sua finalidade (o lucro) em respeito a certos direitos humanos,
porem alcançar a plenitude deses direitos se tornam impossível visto a finalidade do mercado
não ser alcançar esses direitos (meio ambiente ecologicamente equilibrado, justiça, saúde,
educação pleno emprego etc..) e sim o lucro. Desse modo a finalidade do homem ( e não só
da empresa) também passar a ser o lucro, e desse modo o autor recorre a Hobbes, como nessa
lógica pessoal vai surgir o homem: a reposta é apenas como lobo do home, como concorrente
de seu semelhante.

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A liberdade humana nessa relação fica ilusória e prejudicada uma vez que o home só
tem liberdade para consumir. Ele diz da liberdade de escolher entre uma sociedade de plena
convivência e uma sociedade Hobbesiana, mas não vejo como agir sobre tais suposta
liberdades frente a força poderosa do capital. O próprio autor diz que a democracia está a
serviço do capital(p.132). não se existe liberdade para se escolher entre igualdade e
fraternidade pois isso implicaria em abrir mão da propriedade privada e do lucro o que
aparentemente ninguém quer escolher.
Capítulo 4
O capitulo 4(p. 135) inicia-se com o estudo do capitalismo e sua relação com a culpa
analisando o texto de Walter Benjamin: O capitalismo como Religião. Como analisa
Benjamin, o capitalismo é uma religião na qual o culto se emancipou de um objeto de
adoração e passou a ser o seu próprio ato de consumir e não há culpa, tabus, nem pecados ao
contrario das religiões, e, portanto, não há redenção há só felicidade prometida (mas
raramente alcançada). Então, do ponto de vista da fé, o capitalismo não tem nenhum objeto:
acredita no puro crédito no dinheiro a ser alcançado por um lucro que virá.
Há um culto ao dinheiro, o objeto de desejo e de adoração não ´[e algo transcendente
mas sim o vil metal. No capitalismo não há perdão de vividas há garantias de dividas, que se
tornam novos lucros. No capitalismo não se pode pagar com sangue do Cordeiro suas dividas.
Também é pouco provável que uma divindade vá pagar as dividas creditícias, disso só decorre
a descrença na força de Deus e a crença na força do capital.
A culpabilização da religião Cristã se dá pelo assassinato de Cristo no Calvário, não
há culpa no capitalismo apesar de varias vitimas que ele gera por ser uma religião sem
responsável pela sua culpa e sem Deus a quem culpar. a religião tem a função de ser o
fundamento da cosmovisão que legitima a ordem social vigente, assim o capitalismo como
religião legitima a ordem do lucro.
Capítulo 5
No capitulo 5 o autor percebe uma vácuo na objetividade do mundo (que esta no
cerne da visão sistêmica de mundo 19) e na inversão dos objetos e do papel do humano, agora
sãos os objetos que fazem as coisas. E o dinheiro é quem faz, tira do homem a sua
responsabilidade do uso das maquinas e do dinheiro. Esta inversão teórica desculpabiliza o ser
humano. O ser humano não é o ser que constrói o mundo, enm Deus, o ser humano é um

19
LUHMANN, Niklas. The autopoiesis of Social Systems. In: GEYER, F.; ZOUWEN, J. (Org.).
Sociocybernetic paradoxes. Cambridge: Polity Press, 1986.

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objeto a ser usado, e quem constrói o mundo agora passa a ser o dinheiro em uma inversão da
objetividade do agir do homem.
Nessa relação entre parte/parte e partes/todo, a atuação causal, destaca Morin 20, é a
causalidade circular, que atua como um princípio de organização recursiva. Desse modo, as
interações entre as partes formam um todo e este ―todo‖ emergente às mesmas e de outras
interações, retroage sobre as partes que o constituíram, determinando o modo de ser das
partes. A organização recursiva é a organização cujos efeitos e produtos são necessários à sua
própria causação e à sua própria produção. É, exatamente, o problema de autoprodução e de
auto-organização.
Uma sociedade é produzida pelas interações entre indivíduos e essas interações
produzem um todo organizador que retroage sobre os indivíduos para co-produzi-los
enquanto indivíduos humanos. Ocorre que a causa de tudo não são mais as relações múltiplas
mas sim o dinheiro causa tudo(e não mais Deus) e é motivado pela ganância. A ganância é
que dita o como o mundo vai se desenvolver.
Capítulo 6
O capitulo 6 começa com uma análise do mito de Édipo. E faz uma comparação
com Deus pai as interpretações dos cânones freudianos em relação ao Deus pai. No sentido
freudiano a religião responderia ao anseio por um pai poderoso que oferece segurança,
proteção (poupa os homens de uma neurose individual ao preço de deixá-los num estado de
infantilismo psicológico, submetidos ao que chama de um delírio de massa). Freud afirma que
a natureza do homem exige este tipo de controle para que ele possa viver em sociedade.
Dessa forma, se a religião fosse extinta, inevitavelmente, o homem criaria outro sistema de
doutrinas com as mesmas características para se defender. Ao que parece criou o capitalismo
ou melhor ao invés de uma religião com pai se transmutou em uma religião sem pai. Não [e
um novo sistema é ainda uma religião, mas sem pai a quem atribuir seus conflitos psíquicos.
Discordo do autor ao atribuir a Marx uma teoria do espelho que afirma que o sistema
jurídico é uma reflexo das relações econômicas, essa teoria já era dita por Justiano em Roma.
Por exemplo quanto a satisfação dos débitos para garantir as divida, já lecionava Gaio
(Digesto, 27, 10, 5) a ideia de que só deverão ser vendidos os bens do executado que se
mostrarem suficientes para a satisfação dos seus débitos. É o princípio da satisfatividade,
informativo da tutela jurisdicional executiva previsto no artigo 659 do Código de Processo

20
MORIN, Edgar. O método- A vida da Vida. Lisboa: Publicações Europa-América, 1987. v. II.

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Civil Brasileiro em varias leis do ocidente. Alem disso as questões de herança eram
puramente materiais como nos direito ocidental hoje e não mais patrimônio sentimental
ligado ao nome. O direito sempre teve relação intima ao econômico. O que serve para uma
analise do capital como regras imperiais de domino como aponta Jung ET all 21 pela qual o
império capitalista a tudo domina.
Assim nessa lógica elementos de direitos humanos tal como vida e liberdade tem
menos valor que a propriedade até bem pouco tempo atrás na historia e em alguns países
ainda persiste a ideia de se ir preso por dividas materiais o que da a liberdade um valor menor
que a propriedade. Isto para não falar nas violentas retomadas de propriedade abalizadas pelo
Estado muitas vezes com mortes a qual se depreende de que a vida tem menos valor do que
propriedade.
O capitalismo usa sua fabrica de guerra e morte, mas tem um fim: o lucro 22. Ele
supera suas crises com maquinas e mais maquinas de guerra donde se produz mais lucro e
impulsiona a industria, o autor faz um apanhado de exemplos históricos em seu texto (p.193).
apontando para a triste inversão de direitos humanos que pretendia Locke. Assim o
capitalismo e a técnica com sua maquina de guerra assim como sua razão produz monstros
como o autor cita a famosa obra de Goya.
Esses monstros são produzidos em uma estética de morte, corrupção, invencibilidade
e domínio ou seja a própria essência da monstruosidade.ainda o capitalismo moderno ao se
opor a certos valores produz outros monstros como o fundamentalismo.
O homem, que se deixou seduzir pelo ídolo da técnica, por fenômeno de
ressentimento, os despreza e procura a afirmação de si mesmo na vontade de dominação do
mundo, não mais visto como um meio para a realização dos valores mais altos, mas como fim
em si mesmo: donde a civilização da técnica, o industrialismo e o capitalismo. Ferreti 23
afirma, analisando as obras de Scheler, o seguinte:
―Logo não há mais plenitude de vida, não mais o amor para o mundo e para a
plenitude de suas qualidades, não mais a autocontemplação desinteressa como
objetivo real do homem, mas cálculo utilitarista com fim em si mesmo, redução
da natureza ao seu aspecto exatamente mensurável e seguramente dominável,
fanatismo do trabalho e do lucro, avaliação somente das qualidades humanas de
diligência, rapidez, capacidade de adaptação, que possuem uma utilidade aos
21
MIGUEZ, néstor; RIEGER, joerg; JUNG, sung, . Para além do espírito do império: novas
perspectivas na política e religião. São Paulo: Paulinas, 2012
22
HARVEY, David. A produção capitalista do espaço. São Paulo: Annablume, 2006
23
FERRETI G. (1982).Max Scheler, fenomenologia e antropologia personalistica, Vita e pensiero,
Milão, 1972, Trad. EDUSP – p. 14.

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REVISTA REFLEXÕES, FORTALEZA-CE - Ano 5, Nº 9 - Julho a Dezembro de 2016
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fins lucrativos. O nascimento da ciência moderna e a concepção mecanicista da


natureza não são as causas, mas sim os efeitos dessa nova atitude, que consagrou
a natureza, privando-a de Deus, da alma, de todo valor e qualidade.

Além da perda dos valores do espírito, a ciência e a técnica causaram um desgaste


profundo nas relações humanas. Buber observou agudamente que, com o passar dos séculos, o
mundo material se engrandeceu mais e mais, enquanto o mundo das relações pessoais pouco a
pouco se restringiu. Um processo é a conseqüência do outro, visto que ―o desenvolvimento da
capacidade de experimentar e de utilizar cresce com a diminuição da capacidade do homem de
criar uma relação dialógica‖ 24. Hoje, parece que a relação dialógica ficou menor, e que tenha
cedido lugar àquela do domínio entre homens e de subjugação entre estes e a natureza e
subjugando a próprio Deus.
Assim vemos de mitos que foram desconstruídos para dar lugar a outros não mais para
explicar a vida mas para subjugar a vida a um sistema cruel de poder. Porem outros mitos
surgiram para dar certa razão ao modo de vida moderno, posso fazer uma consideração o mito da
caverna de Platão: em nossa sociedade apenas se enxerga o que quer e não percebemos que
somos escravos de nosso próprio desejo imposto por um sistema maior que nos prende a nos
mesmos. A concepção Cristã nos convida a olhar ao próximo e a transcender nossos desejos em
prol de um bem comum. Termino citando uma mudança que a bíblia nos convida de deixar a
lucratividade e a viver uma ética mais cristã: Filipenses 3:7: "Mas o que, para mim, era lucro, isto
considerei perda por causa de Cristo.

24
BUBER, M. eu e vós,(2001) (original 1937) , São Paulo, editora centauro- p. 65

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MONÇÕES Revista de História da UFMS/CPCX v. 1, n° 1, Setembro de 2014 – ISSN: 2358-6524

Cultura hebraica e sua influencia na historia da legislação ocidental

Otávio Barduzzi Rodrigues da Costa

Resumo: O presente estudo pretende tecer considerações sobre as influencias que a


religião e o direito judaico, especialmente a parte conhecida como 10 mandamentos exerce no
direito ocidental em especial no Brasileiro. Especialmente mostrar que há historia nos influencia
em algo tão importante como o sistema jurídico e havia direitos sociais e individuais, tal como
acesso a justiça antes da tradicionalmente reconhecida era iluminista quebrando um paradigma
da história do direito comum em manuais jurídicos sem base histórica. Para tanto escreveremos
algo sobre a cultura religiosa e lei judaica e algumas leis ocidentalizadas em estudo histórico
comparativo.

Palavras chaves: Pentateuco, lei, moral, sociedades antigas

Abstract: This study aims to elaborate about the influences that religion and Jewish law,
especially the part known as the 10 commandments exercises in the western, Brazilian law in
particular. Especially show up that in the past was there socials rights before the historical view
of illuminist era. For both write something about law, about Jewish law and some Westernized
laws in a historical comparative study.

Key words: Pentateuch, law, moral, ancient societies

123
MONÇÕES Revista de História da UFMS/CPCX v. 1, n° 1, Setembro de 2014 – ISSN: 2358-6524

Religiosidade e cultura hebraica e sua influencia na historia da legislação


ocidental em direitos sociais.
A história está aqui, e hoje, nos influencia em vários momentos e varias
instituições importantes para o funcionamento de nossa sociedade, dentre as quais se
destaca o sistema jurídico, alguns valores estão centrados desde a antiguidade é o que
esse artigo pretende mostrar. Engana-se quem limita o nascimento e a história dos
direitos sociais apenas as vicissitudes da revolução francesa (embora essa seja uma
corrente majoritária). Já na antiguidade, há registros de direitos sociais. Consideremos
algumas definições de direitos sociais.
Alexandre de Moraes1 conceitua direitos sociais como:
(...) direitos fundamentais do homem, caracterizando-se como
verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado
Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria de condições de vida aos
hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social, e são
consagrados como fundamentos do Estado democrático...

Os direitos sociais são conhecidos como os direitos de segunda geração que


segundo o jurista tcheco Karel Vasak2 seria “a dos direitos econômicos, sociais e
culturais, baseados na igualdade (égalité), impulsionada pela Revolução Industrial e
pelos problemas sociais por ela causados;”. Assim perante a dinâmica social, o Estado,
para garantir a efetividade desses direitos, além da liberdade, base dos direitos de
primeira geração, passa agora a garantir, digo, agir diretamente para a proposição real
de uma vida digna na sociedade. Sua base seria a igualdade e não a liberdade.
O Estado, na segunda geração, agora vem agir para garantir certos direitos. O
Doutrinador Silva (2001) classifica os direitos de primeira geração como direitos
negativos, ou seja, o Estado não age contra certas liberdades e permite o livre exercício
dos direitos, e os de segunda geração recebem a classificação de direitos positivos,
direitos do bem-estar e liberdades positivas, ou direitos dos desamparados3. Positivos no
sentido de que a política vai efetivá-los4 ou tentar fazê-lo ainda que no caso Brasileiro,

1
MORAES, 2000, p. 167.
2
VASAK, 1983, p. 681.
3
ALEXANDRINO, 2012. p.102
4
Ainda que existam alguns direitos sociais que são provindos da não intervenção estatal como o direito
de greve e de reunião pacífica por exemplo.

124
MONÇÕES Revista de História da UFMS/CPCX v. 1, n° 1, Setembro de 2014 – ISSN: 2358-6524

em tela nesse trabalho, exista uma grande distancia entre a efetivação desses direitos e o
texto do ordenamento jurídico (SARLET, 2009)5.
Em que pese a grande sabedoria desses doutrinadores, data vênia, estes estão
limitados ao direito e não tem formação antropológica ou histórica. Em primeiro lugar
definiremos direitos sociais como uma atuação do Estado em favor do individuo. Isso já
existia na antiguidade pré-imperial românica e muito antes dos conceitos libertários
revolucionários franceses6. Em especial na legislação hebraica havia várias situações
que o Estado, ainda que teocrático, agia em favor do individuo, não só no sentido de
garantir, mas para atuar em sua formação.
O ser humano, enquanto ser eminentemente gregário necessita viver em
sociedade, não pode viver sozinho, quando o grupo onde vive chega a certo ponto de
complexidade, precisa regulamentar essa convivência, ou seja, precisa de normas e
regras que o ajudem a viver nessa sociedade, para viver em grupo, a partir de certo nível
populacional que vai ficando populacional e culturalmente complexo, precisará de leis,
digo de regras claras de convivência, e de modo escrito, pois estas precisam de certa
estabilidade.
As sociedades ágrafas, de nível tecnológico mais simplificado, não tinham leis
no sentido estrito da palavra, nem por isso deixavam de ter regras e tabus de
convivência grupal. Uma moral estabelecida sempre surgia para dirimir os conflitos
naturais oriundos da convivência humana. Porem com o crescimento populacional,
incremento do comércio, surgimento da moeda, descoberta/conquista de territórios
relações de trabalho dentre outros diversos fatores houve um aumento da complexidade
social que exigiu o surgimento de leis para regular as vidas das pessoas em sociedade.
Lei vem do "lex" que significa leitura, era a leitura em praça publica das
decisões do reinado na antiga Roma (GILISSEN, 1986), aos poucos adquiriu o
significado de norma, ou seja, o que aceitável e “normal” dentro de um grupo. A
definição mais precisa de lei trata-se de uma norma ou um conjunto de normas
concebidas por um poder soberano para regular a conduta social e impor sanções a
quem não às cumpre. A lei (enquanto norma jurídica) deve obedecer a diversos
princípios, como é o caso da generalidade (abranja todos os indivíduos), a

5
SARLET, introdução.
6
È comum nos manuais de direito encontrar referenciais históricos com pobre pesquisa histórica e
arqueológica, daí se produz um conhecimento defeituoso.

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obrigatoriedade (é imperativa) e a permanência (as leias são ditadas com caráter


indefinido), entre outros.
O que difere Leis de costumes ou normas gerais é a sanção, ou seja, um poder
punitivo, geral e claro para que não as cumpre ou se comporta diversamente dessas leis.
Em uma sociedade, o papel das leis é controlar os comportamentos dos indivíduos os
valores daquela sociedade. Em geral, as ações puníveis por lei são ponderadas pelos
cidadãos antes de serem praticadas. No âmbito do Direito, a lei em sentido formal é um
conjunto de normas júris-políticas, elaborados pelo poder instituído para preservar
direitos e exigir obrigações dos indivíduos.
A lei existe para preservar os valores que um grupo social considera importante,
tais valores não são imutáveis, uma vez que a sociedade pode mudar seus gostos e
valores através da história, confirme a evolução das ideias humanas. Os valores de uma
sociedade são aquilo que ela, como equilíbrio de interesses considera como valioso.
Este texto manda ou proíbe algo em consonância com a justiça e para o bem da
sociedade no seu conjunto, preservando o que ela considera valiosa. Por exemplo: “A
venda de cocaína é penalizada pela lei”, “A lei proíbe que uma pessoa mate outra”,
“Um homem nunca deve roubar outrem”. No caso tal sociedade considera a luta contra
as drogas, a vida, a propriedade privada como valiosas.
Pode-se dizer que as leis limitam o livre arbítrio dos seres humanos que
convivem em sociedade. Funcionam como um controle externo ao ato humano que rege
as condutas (os comportamentos). Se uma pessoa considera que não tem mal em adotar
uma determinada ação, mas que esta é punida por lei, terá tendência em abster-se de do
fazer independentemente daquilo que achar pessoalmente. Exemplo uma pessoa precisa
de um “Tablet” vê um ao lado que o colega de faculdade esqueceu, não vai se apropriar
do objeto ilegalmente, pois ha uma lei que o proíbe.
Existem varias fontes de leis e do direito e uma delas é a religião, visto que a
religião divulga-impõe valores. Vai emitir opiniões que as pessoas que a seguem ou que
a simpatizam com ela tomarão como importantes na sua vida social. No âmbito sócio -
político, a lei é um preceito ditado por uma autoridade competente.
A principal tese desse trabalho é de que as leis judaicas influem nos valores que
a sociedade ocidental proteger com leis, como exemplo usar-se-á na maioria dos casos
exemplo de leis brasileiras.
A lei deve ser dotada de generalidade, ou seja, não deve ser aplicada a casos
particulares, deve ser igual para todos os indivíduos e deve exercer controle. Deve

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também ser provida de legitimidade, ou seja, abarcar preceitos valiosos para a


sociedade.
Ora, não se pode escrever algo sobre a influência da legislação judaica no direito
atual se não se considerar na transcrição dos códigos legais e dos julgamentos que
tinham formado jurisprudência. Para tanto temos que falar acerca de onde os
mandamentos estão e de sua origem. Os mandamentos estão descritos no Pentateuco,
particularmente escritos em Êxodo 20:2-17 e descrito novamente
em Deuteronômio (segunda lei ou dupla lei) 5:6-21, usando palavras similares.
O Pentateuco inclusive, o Êxodo, foi tremendamente influenciado pela cultura
babilônica, isso porque essa parte da bíblia (Pentateuco) cujo texto atual deste conjunto
resultaria de uma história literária anterior, a que chamam "fontes" ou "documentos"
conhecidos com o nome de Javista (J), Eloísta (E), Sacerdotal (P) e Deuteronomista (D)
(DOZEMAN, & SCHMID, 2006). Na formação do Pentateuco, muitos exegetas
modernos – críticos de J. Wellhausen – já não falam mais de “Documentos”, mas de
“Tradições” (SKA,2012). Todavia, ao longo da história, mesmo depois de sua
composição literária, essas tradições receberam numerosas modificações (DA SILVA,
2007). Assim sendo, deve-se considerar alguns dos “escritores da Bíblia” mais como
autores do que meros compiladores dessas tradições.
Isso porque esses autores, não eram meros copistas fechados em templos, mas
sim sábios de Sião que tinham opinião própria sobre algum fato social ou teológico,
deixaram traços de caráter complexo das tradições pré-literárias em sua obra (DE
PURY). Por isso, alguns estudiosos falam em “escolas”, mais do que “documentos” e
“escritores”; outros, como Roland de Vaux, preferem chamá-las simplesmente de
“tradições” (DOZEMAN, T.; SCHMID, K. 2006), sem afirmar sua origem oral ou
literária. Embora não haja consenso entre os estudiosos sobre os “documentos” ou as
“tradições” que deram origem ao Pentateuco.
De qualquer modo, o Pentateuco não foi escrito de uma só vez nem é obra de um
único escritor. Há tendências de que foi escrita algumas partes na fase familiar, outra na
clânica, outra pós-exílica me suma em varias fases (GERSTENBERGER, 2012). Foi
escrito a partir de tradições orais e escritas que se foram juntando progressivamente e
formando unidades maiores ao longo da história. A junção de todo o material só se deu
na época pós-exílica, altura em que se pode falar da redação final do Pentateuco.
Certamente que o período à volta do Exílio influenciou a leitura de todo esse patrimônio

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histórico e religioso; mas, as tradições e outros materiais podem ser bastante antigos e
manter, na sua forma final, os traços dessa antiguidade.
Ocorre que há uma hipótese que tomaremos como correta. A hipótese de
mudança social. Ora como era o povo de Israel antes do Exílio? Saídos escravizados do
Egito, tradicionalmente era um povo agrário e de pastoreio, sem um grande costume de
ler ou de escrever, no Antigo Egito, na época da escravidão descrita em êxodo, não era
permitido aos escravos ler ou escrever (PFOH & WHITELAM, 2013), porém, toda sua
tradição foi formada nessa época e era bem mais provável que seus costumes religiosos,
assim como legais fossem narrativas orais a escritas (DOZEMAN; SCHMID, 2006),
isso porque na pratica, um povo agrário não tem interesse em escritas e registros de
modo organizado, não porque são ignorantes, mas simplesmente suas prioridades são
outras tais como a sobrevivência (MICHULIN,1960).
Provavelmente, o processo de formação dos cinco primeiros livros da Bíblia
desenvolveu-se, nas suas linhas gerais, em vários períodos. No início estaria um núcleo
narrativo histórico bastante restrito, da época de Salomão. Este núcleo é depois
retomado e ampliado por volta dos finais do séc. VIII a.C. recolhendo tradições e
fragmentos do reino do Norte e relendo tradições antigas numa nova perspectiva. No
séc. VIII aparece o Deuteronômio primitivo, descoberto no tempo de Josias (622 a.C.) e
incluindo essencialmente leis e um pequeno prólogo. É depois ampliado para dar o texto
atual de Dt 1-28. As questões levantadas pelo Exílio fazem aparecer a grande obra
histórica "deuteronomista" que se vai elaborando ao longo de várias fases, integrando,
de algum modo, todos os materiais já recolhidos anteriormente. Esta grandiosa
reconstrução provoca uma série de retoques "deuteronomistas", ao longo de todo o texto
do Pentateuco, que já estaria redigido (MEDEIROS, 1991).
Houve uma grande produção pós-exílio, isso porque a rica e comercial cultura
babilônica, que havia necessidade de escrita para melhor registro de comercio e
conquista, influenciou os exilados hebreus que se encaixavam na sociedade embora
mantivessem suas comunidades fechadas (LEMAIRE, 2011), foi dessa época que os
Hebreus herdaram seu tão famoso gosto e habilidade para o comercio (HERRICK,
1966). Se há algo que estimula a cultura é o comercio.
Embora o povo fosse literalmente escravo, estando nessa situação meio século
de cativeiro na Babilônia. Ou seja, produzindo cultura e registros de sua religião até
então predominantemente oral. Não podiam ter templo, nem culto, nem rei, nem sequer
a possibilidade de oferecer os seus sacrifícios e de fazer as suas festas sagradas. A única

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coisa que lhes resta é a fé no seu Deus e as suas tradições. E estas vão ser meditadas e
aprofundadas. Agora, paradoxalmente, vão rever a sua história para lhe descobrir o
sentido profundo, aproveitando para refletir sobre os motivos por que lhes tinha
acontecido tudo isso.
Mas, não obstante todas as dificuldades e apesar de estarem prisioneiros, eles
vivem num ambiente relativamente evoluído e com grande produção técnica,
educacional e escrita (MICHULIN, 1960). Contudo, vale lembrar que escrita naquela
época era algo extremamente caro e difícil (JENKINS, 2001).
E, com efeito, entre os babilônios, descobrem preocupações que eles nem sequer
tinham ainda amadurecido. É notório, por exemplo, o fato de haver pessoas que
procuram dar resposta às perguntas mais profundas do ser humano: como, qual a origem
das coisas, do mal e da religião, ou seja, um clima fértil para a filosofia
(GHIRALDELLI JR, 2000). Em contato com esse clima de pensamento e reflexão,
nascem também núcleos de pensadores entre a comunidade judaica. E assim, em
contacto com os opressores, por incrível que pareça, nasce uma corrente de renovação
espiritual que, no caso, é liderada pelo profeta Ezequiel (BLOCK, 1997).
Representados pelos ideais escritos no livro de Ezequiel7, esses pensadores têm a
preocupação de afirmar, acima de tudo, a santidade de Deus, e dar seu testemunho
acerca da sua ligação com Deus (BRUEGGEMANN, 1997) sem descurar as explicações
racionais para os acontecimentos e a origem das coisas. Fazem então sínteses históricas
para, a partir daí, descobrirem a vontade de Deus. Ou seja, procuram descobrir o sentido
profundo de tudo o que acontecera no passado. À luz da situação que lhes toca viver no
presente, procuram perceber o que é que Deus espera deles. É nesse âmbito que nasce o
livro da Bíblia que dá pelo nome de Levítico (DE PURY, 2002). Este é um livro
pertencente ao núcleo do Pentateuco, que trata de vários assuntos que não caberiam
aqui, mas que tem, fundamentalmente, por objetivo subordinar a Deus todas as coisas e,
como consequência, propor à consciência dos leitores a proeminência de Deus acima de
todas as coisas conforme o testemunho do povo Hebreu (BRUEGGEMANN, 1997).
No livro de Ezequiel há diversos avisos para quem se contamina com usos de
outros povos tal como, por exemplo, o descrito em Ezequiel 23, alertando para aqueles
que adorarem ou mesmo sacrificarem aos ídolos pagam um terrível destino.
7
Não há provas de que tenha existido um profeta com as características de Ezequiel, é provável que seja
um texto compilado para ministrar seus ideais. Seus ideais sociais eram avisar sobre os pecados de
afastar da identidade e fé judaica, dar esperança ao povo, mostrar a punição de quem não seguisse os
ideais religiosos de Deus. De certo modo é um aviso para se continuar judeu.

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A época de crise se perfaz não necessariamente como algo ruim, mas é a quebra
de uma situação que estávamos acostumados (Exemplo: libertação dos escravos hebreus
deve ter tido impacto na comunidade hebréia), gera uma crise que se tem que controlar.
De um lado temos sábios judeus tentando voltar a sua terra prometida, do outro, jovens
com costumes pagãos absorvidos de décadas de convívio com uma nação mais
avançada (do ponto de vista tecnológico e com leis morais menos rígidas) e
culturalmente mais atraente a essa juventude se faz necessário um rol de compilações de
leis antigas que deve ter culminado na "repetição das leis" ou deuteronômio.
As leis do Êxodo atribuídas a Moisés também são fruto de uma necessidade de
crise, de uma situação de saída do Egito onde os judeus tinham certa estabilidade apesar
de escravos (BÍBLIA, 1995 - comentários bíblicos da Bíblia de Estudo pentecostal
CPAD, comentários a Números 11:5). Ou as crises de valores percebidas pelos
sacerdotes e escribas a que estavam sujeitos a permeações da cultura babilônica, é claro
que isso gerou muitas crises sociais, para não falar das teológicas.
Essa crise para ser superada teve que ser criado um rígido código de leis com o
qual culminaram na compilação dos 10 mandamentos. Algo largamente usado nos
estudos jurídicos no que se refere à criação das leis é a teoria da necessidade social, a lei
vem quando dada situação exige que ela seja criada pela comunidade (FERRARA,
1921) de modo nem sempre repentino ou sincrônico e sim de modo que respeite sua
historicidade e o aproveitamento do arcabouço cultural de um povo (idem) tal como o
judeu.
Mas quem são os hebreus para que nos influenciem tanto? Os Hebreus são um
povo de origem semita que vivia na Mesopotâmia do segundo milênio a.C. e
culminaram na região da Palestina (IORWERTH et al, 1970). A Palestina pode ser
dividida em várias regiões: uma planície costeira no Mediterrâneo, uma região
montanhosa no centro, o vale do Jordão, que fica quase totalmente abaixo do nível do
mar. A terra dos Hebreus tem, portanto, o mar Mediterrâneo de um lado, o deserto de
outro e, o mais importante, a qualidade de ter sido o local de passagem entre a África e a
Ásia, isto é, o Egito e a Mesopotâmia (AQUINO et al, 1980).
Os Hebreus eram agricultores — pastores. Viviam do pastoreio de ovelhas,
cabras, do plantio de uvas, trigo, e outros produtos. Mas havia neste povo um
diferencial: eram Monoteístas adoravam um único Deus patriarcal. Esta característica
marca toda a história e qualquer produção cultural desse povo. A História teológica
destas pessoas pode ter fonte na Bíblia, mais especificamente pelo Antigo Testamento,

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que reúne a Torá (ou a Lei), os Profetas e os Escritos (MICHULIN, 1960). O Novo
Testamento inclui a história (e os ensinamentos) de parte dos Hebreus que acreditaram
que Jesus é o Messias que o Antigo previa.
Eles acreditavam em um só Deus, que por seu desejo havia se revelara a eles
através de Abraão, e, a partir deste momento, iniciou um relacionamento entre Ele e os
que o chamava de Povo Escolhido. Este era seu diferencial, os únicos da face da terra
com um Deus que queria uma relação com seu povo (BRUEGGEMANN, 1997).
Esta relação é tão complexa que não podemos entender tal povo sem a
interferência da sua crença do Deus de suas vidas. Para eles, Deus escolhe seus líderes,
Deus escolhe ou não dar prosperidade, Deus, da à vitória ou a derrota na guerra. Não é
de estranhar, portanto, que a lei foi inspirada por Deus e ir contra o que está escrito seria
o equivalente a ir contra Deus.
O comércio atingiu seu auge no período de pós-exílico, registrado nas historias
bíblicas do reis Davi e Salomão, a qual denotam uma diferença na realidade política, e
econômica de Israel (PFOH & WHITELAM, 2013) , portanto melhores leis de
comercio deveriam ser feitas, a partir daí o comercio passou a estar presente na vida
deste povo, visto que a região que habitam é uma verdadeira encruzilhada nas rotas da
Mesopotâmia, Egito, Mar Vermelho e do deserto, área de grande foco e
intercruzamentos de estradas (BRIGHT, 1980).
Por volta de 1800 a.C. algum fenômeno climático fez com que os Hebreus
saíssem da Palestina na direção ao Egito. Relata a Bíblia e alguns estudiosos, que no
Egito os Hebreus passaram a ser perseguidos, passando a pagar pesados impostos e
chegando até mesmo à escravidão (PFOH & WHITELAM, 2013) .
Por volta de 1200 a.C. os hebreus saíram do Egito e voltariam a palestina
supostamente sob liderança de Moisés, no que a bíblia descreve como êxodo, cuja
narrativa esta cheia de mensagens e cronologia mítico-não histórica. Nesse episódio, os
Hebreus teriam passado quarenta anos no deserto e aí teriam forjado, sob a liderança de
Moisés, toda a base de sua civilização, inclusive suas leis8.
A visão religiosa crê que a Torá (que contém a lei dos Hebreus) foi criada pelo
próprio Moisés e, embora esta tese esteja um tanto desacreditada pelos acadêmicos em
geral, ainda denomina-se a legislação de “Mosaica”, mesmo porque, provavelmente, foi
após a saída do Egito que este povo começou a estruturar as bases de seu direito. A base

8
É pouco provável que a historia de êxodo tenha sido escrita conforme a bíblia relata, não é aceito pela
comunidade de historiadores e cientifica sendo uma descrição mais religiosa que histórica.

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moral da Legislação Mosaica pode ser encontrada nos Dez Mandamentos, que teriam
sido escritos “pessoalmente” por Deus no Monte Sinai, como forma de Aliança entre
Ele e o Povo Escolhido.
A Torá, também chamada Pentateuco, é formada pelos cinco primeiros livros da
Bíblia: o Gênesis, o êxodo, o Levítico, os números e o Deuteronômio. Em toda a Torá
encontramos leis; entretanto, há no último livro uma reunião maior de leis, repetindo
inclusive alguns preceitos vistos nos outros livros, mesmo porque é esta a intenção do
Deuteronômio, que significa “segunda lei”.
A maioria dos autores aponta a lei de Moisés uma legislação apenas de direito
religioso. Não podemos esquecer que eles tinham uma relação diferenciada de constante
aliança e parceria com sua divindade em uma relação religiosa sem par na historia das
religiões (BRUEGGEMANN, 1997). A religião não é somente uma das características
dos israelitas, mas pode ser indicada a característica social que dá alicerce toda uma
sociedade, inclusive Durkheim afirmou que a religião era a “ossatura” de uma sociedade
(DURKHEIM, 1989).
Toda vez que problemas sociais, econômicos e políticos aconteceram esse povo
relacionava a alguma causa religiosa. Eles, obviamente, explicavam tais “coincidências”
como uma vingança ou desaprovação de Jeová; usavam também a característica
vingativa de Jeová ou a manipulavam quem desobedecesse as leis divinas.
Embora a tradição indicasse Moisés como autor do Pentateuco, a maioria indica
como uma obra posterior, sec. V a.C foi primordial para a formação de uma legislação
mosaica. Em 586 a.C. Nabucodonosor, na grande expansão de seu reino (MEDEIROS,
1991) conquistou a palestina e a elite social e religiosa da nação foi levada para a
Babilônia, como escravos9.
O Exílio deu azo à formação de um direito hebraico novo, visto que ao o contato
com diversas culturas diferentes que frequentavam o comercio babilônico (persas,
gregos e romanos) fez com que os hebreus fossem influenciados na eu- ser-estar cultural
e suas produções inclusive a legislativa, deve ter tido um impacto muito grande nessa
cultura (DE PURY, 2002). Este processo, iniciado na Babilônia, somente iria terminar
900 anos mais tarde (SKA, 2012).

9
Era uma tática comum dos antigos grandes reino conquistar os filhos das elites mostrando-lhes a
riquezas de sua cultura ou corrompendo -os pelo luxo e pela luxuria, quando voltavam aos seus reinos
queriam transformá-lo numa colônia do reino conquistador (ROBERTS, 1995)

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A primeira codificação do direito oral conhecida como Michná (repetição) e foi


feita pelo último dos Tanaim em 194 d.C. Esta codificação se divide em seis partes, nas
quais a primeira, a terceira e a quarta a um corpus de Direito Civil (DOZEMAN &
SCHMID, 2006). Fala de leis rurais e propriedade imobiliária, de direito matrimonial e
do divórcio, de obrigações civis, usura, danos à propriedade, sucessão, organização dos
tribunais, processo etc. enfim um corpus completo.
Para salvar a fidelidade à lei de Moisés, no uso de nova codificação, nos séculos
seguintes, foram realizadas discussões, interpretações e ideias do texto da Mishná que
produziu a Guemaras que, com a Mishná e o próprio Talmud Torah constituem no
verdadeiro corpo da lei judaica (STEINSALTZ, 1976). A elaboração do Talmud, não
colocou fim a história do direito judaico; ela continua mesmo hoje após o
estabelecimento do Estado de Israel, o chamado Knesset, é o poder legislativo na
concepção moderna do termo e mesmo na modernidade usa das influencias religiosas
mosaicas para constituir suas leis (idem).

a)Justiça
A Legislação Hebraica é bem avançada no que se refere a justiça, uma vez que
essa é um dos nomes de Deus (Jeová Tsidkenu – Senhor, Justiça nossa -Jeremias
23:6), e determina a obrigatoriedade da imparcialidade no julgamento:

E no mesmo tempo mandei a vossos juízes, dizendo: Ouvi a causa


entre vossos irmãos, e julgai justamente entre o homem e seu irmão, e entre o
estrangeiro que está com ele. Não discriminareis as pessoas em juízo;
ouvireis assim o pequeno como o grande; não temereis a face de ninguém,
porque o juízo é de Deus; porém a causa que vos for difícil fareis vir a mim, e
eu a ouvirei - Deuteronômio 1:16-17 .

Desse modo impõe valores morais que constituem as leis de imparcialidade no


ocidente de herança judaico-cristã, no Brasil10 a Constituição Federal (CF) garante a
imparcialidade do julgamento em seu preceito descrito no art. 5º, incisos. LIV e LV.
Também garante um direito social valiosíssimo, que é o acesso a justiça.
O corpus de lei judaico baseado na Torah afirma e combate a corrupção
determinando que em cada tribo seja instituída uma casa de juízes e que estes não
poderão em hipótese alguma corromper-se. A Legislação Mosaica explica esta aversão

10
O Brasil tem muito da herança judaica porque os portugueses nosso colonizadores tem muito dessa
herança, Portugal fazia parte de Sefarad , durante a ocupação sefardita na península ibérica sobre isso
recomendo: TAVARES, Maria José Ferro, A Herança Judaica em Portugal, CTT Portugal, 2004.

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ao suborno mostrando a lógica incompatibilidade entre o que é justo e a corrupção.


Inclusive esta é uma inovação no mundo antigo visto que tradicionalmente quem
poderia pagar mais para os oficiais de Estado era bem sucedido em questões judiciais já
no mundo antigo, a corrupção era institucionalizada e uma pratica comum, o direito
hebraico rompeu com essa tradição (FABIÁN CAPARRÓZ, 2000)
Juízes e oficiais porás em todas as tuas cidades que o SENHOR teu
Deus te der entre as tuas tribos, para que julguem o povo com juízo de
justiça.
Não torcerás o juízo, não farás acepção de pessoas, nem receberás
peitas; porquanto a peita cega os olhos dos sábios, e perverte as palavras dos
justos.
A justiça, somente a justiça seguirás; para que vivas, e possuas em
herança a terra que te dará o SENHOR teu Deus. Deuteronômio 16:18-20

b) Processo
A questão da investigação e do devido processo legal, no sentido de não cometer
injustiças, é muito valiosa aos Hebreus. Neste sentido, este povo é totalmente diferente
de outros da antiguidade, já que, praticamente, não admite julgamento sem investigação.
Como exemplo cita-se o crime de alguém adorar a outros deuses (considerado
gravíssimo) sendo prevista uma punição sui generis, mas não sem antes ficar provado
através de grande investigação.
Quando ouvires dizer, de alguma das tuas cidades que o SENHOR
teu Deus te dá para ali habitar:Uns homens, filhos de Belial, que saíram do
meio de ti, incitaram os moradores da sua cidade, dizendo: Vamos, e
sirvamos a outros deuses que não conhecestes;Então inquirirás e
investigarás, e com diligência perguntarás; e eis que, sendo verdade, e certo
que se fez tal abominação no meio de ti;Certamente ferirás, ao fio da espada,
os moradores daquela cidade, destruindo a ela e a tudo o que nela houver, até
os animais. Deuteronômio 13:12-15 (grifos nosso)

A parte itálica prova a grande investigação feita

c) Pena de Talião
É a Bíblia descreve o Princípio da Pena de Talião (embora o uso fosse mais
antigo), não é uma lei escrita como alguns penam, é um principio de justiça reparadora
antigo, que é baseado na proporcionalidade do dano, se você faz mal para alguém paga
da mesma proporção do mal:

Mas se houver morte, então darás vida por vida, Olho por olho,
dente por dente, mão por mão, pé por pé, Queimadura por queimadura, ferida
por ferida, golpe por golpe. Êxodo 21:23-25

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Esse princípio não é mais usado, mas deu à todas civilizações ocidentais a noção
de reparação proporcional ao dano, elemento filosófico das leis que hoje é pago
monetariamente a todos que causam dano, ainda é usado em civilização ocidental, após
todos esses anos, nos Estados que admitem a pena de morte em crimes contra a vida.

d) Cidades de Refúgio
A preocupação desta legislação com a justiça chega ao ponto de prever e obrigar
o estabelecimento de cidades de refúgio (ou asilo), onde pessoas com problemas
poderiam se refugiar para que fosse feita a justiça com calma e não no calor de fortes
emoções.

Quando o SENHOR teu Deus desarraigar as nações cuja terra te dará o


SENHOR teu Deus, e tu as possuíres, e morares nas suas cidades e nas suas
casas,Três cidades separarás, no meio da terra que te dará o SENHOR teu
Deus para a possuíres. Preparar-te-ás o caminho; e os termos da tua terra, que
te fará possuir o SENHOR teu Deus, dividirás em três; e isto será para que
todo o homicida se acolha ali.E este é o caso tocante ao homicida, que se
acolher ali, para que viva; aquele que por engano ferir o seu próximo, a quem
não odiava antes;Como aquele que entrar com o seu próximo no bosque, para
cortar lenha, e, pondo força na sua mão com o machado para cortar a árvore,
o ferro saltar do cabo e ferir o seu próximo e este morrer, aquele se acolherá a
uma destas cidades, e viverá; Para que o vingador do sangue não vá após o
homicida, quando se enfurecer o seu coração, e o alcançar, por ser comprido
o caminho, e lhe tire a vida; porque não é culpado de morte, pois o não
odiava antes.Portanto te dou ordem, dizendo: Três cidades separarás.
Deuteronômio 19:1-7

O sentido destas cidades era dar tempo a um julgamento justo é o que influencia
toda a legislação a esperar um tempo pelo julgamento na chamada prisão preventiva ou
provisória, para que o julgamento não fosse influenciado por emoção e sim feito por
equilíbrio, por isso nosso presos até hoje não são imediatamente julgados e se estão
presos não cumprem ou não deveriam cumprir suas penas em penitenciarias e sim em
locais apropriados para esperar o julgamento.

e) Testemunhas e prova testemunhal


A prova por testemunho era importantíssima na Antiguidade e entre os
Hebreus têm um preceito legal que até hoje pode ser visto, inclusive em nossa
legislação, inclusive nos debates jus filosóficos, é o que constitui a noção de verdade,
inclusive estabelecendo um principio valido até hoje que um único testemunho não é
valido e que o falso testemunho é crime até os dias de hoje: principio descrito em
Deuteronômio 17:4-7

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g) Casamento
O conceito de casamento era puramente um negócio e bem diferente do que
temos na maioria dos países ocidentais hoje, porém é interessante que no Brasil apenas
com o Código civil de 2002 é que a situação mudou dando livre escolha ao casamento,
ainda no código civil antigo de 1976 o casamento era um negocio dado em garantia
porém ainda hoje há países que usam o casamento dessa maneira antiga.

h) Adultério, cocumbinato e estupro


Na cultura hebraica como na mesopotâmica o peso maior do crime de adultério
esteja sobre a mulher casada, hoje não é mais crime na maioria dos países ocidentais,
porém da azo a reparação econômica, há um certo puritanismo no povo hebreu que leva
o peso do crime também para o homem ao contrario do código de Hammurabi. No
deuteronômio o concubinato é considerado corno algo normal (somente o Levítico 18,
ordenava que as duas esposa e concubina não fossem irmãs). O estupro sem pena para a
vítima é previsto nesta legislação, mas ela tinha que gritar e deixar claro a não
consensualidade. Descrito em Deuteronômio 22:13-29
Além disso, está bem claro no mandamento 7º, “não adulterarás”

i) Divórcio
Todo da Ásia e Europa antiga permitia o divórcio. Este só começou a ser
proibido a partir do cristianismo. Na Legislação Mosaica, entretanto, somente os
homens podem divorciar-se, às mulheres não cabe a iniciativa. Mas teria de ser provado
por testemunha algo que insultasse sua honra na esposa para que o esposo pudesse
repudiá-la. A mulher era obrigada a dar-lhe filhos, podendo ser anulado o casamento
nos casos de esterilidade como a sociedades e eram predominantemente machistas, não
se cogitava a hipótese do homem ser infértil. Fustel de Coulanges (1998: 36) já afirmava
sobre o divorcio na antiguidade:

”Tendo sido o casamento contratado apenas para perpetuar a família, parece


justo que pudesse anular-se no caso de esterilidade da mulher. O divórcio,
para este caso, foi sempre, entre os antigos, um direito; é mesmo possível
tenha sido até obrigação. Na Índia, a religião prescrevia que “a mulher estéril
fosse substituída ao fim de oito anos”. Nenhum texto formal nos prova ter

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sido este mesmo dever obrigatório, igualmente na Grécia e em Roma.


Todavia, Heródoto cita-nos dois reis de Espanha que foram obrigados a
repudiar as suas mulheres porque estas se mostravam estéreis.”

E confirmando o texto no antigo testamento dentre outros similares em


Deuteronômio 24:1-4

j) Herança e Primogenitura
O primogênito era beneficiado em detrimento dos outros filhos ainda que tivesse
preferência sobre outro filho e de outra mulher. Descrito em Deuteronômio 21:15-17.

k) Caridade
Entre os hebreus a caridade é prevista em lei, mesmo porque trata-se de um povo
que se define na questão religiosa. Descrito em Deuteronômio 15:7-8.

l) Fraude Comercial e Juros


È proibido entre os hebreus a utilização de pesos e medidas diversos, bem como
o empréstimo a juros entre israelitas. Até hoje a usura é repudiada pelas nações
ocidentais, mas não o juro até usado no meso- oriente. Descrito em Deuteronômio
23:19-20.

m) direito ambiental
Na visão judaico-cristã de que ao homem foi dado por Deus, a preocupação de
cuidar da terra, pois foi posta em gênese sob sua responsabilidade. Há uma preocupação
que poderíamos chamar de um tanto preservacionista em algumas leis do deuteronômio,
o que visa uma preocupação crescente em direito ambiental e em ministérios que
querem preservar o meio ambiente: Deuteronômio 20:19 e Deuteronômio 22:6-7
Como se pode ver toda a cultura judaica estava imbuída e cercada pelo
sentimento de lei e este profundamente ligado a sua divindade, era uma das maiores
sociedades que viviam pela sua lei religiosa e isto tem influencia nos valores sociais,
políticos e jurídicos até o dia de hoje. Ainda há analise dos dez mandamentos que
influenciam nossa cultura jurídica até os dias de hoje propondo valores.
Valores juridicamente protegidos são valores sociais que uma sociedade
considera importante preservar, nossa tese é de que os dez mandamentos influenciaram
a cultura jurídica propondo seus valores até os dias de hoje, como, por exemplo, o

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mandamento : ”não matarás”, cria um valor nem sempre protegido pela antiguidade (por
exemplo entre os espartanos, CÉSARA ,1958), o valor e a preservação da vida, matar
até hoje é crime diferenciado.
Êxodo contém mais de dez expressões. Enquanto a própria Bíblia opta pelo
número "10", usando a frase hebraica a tradução aseret had'varim-10 com palavras, ou
as coisas, essa frase não aparece nas passagens usualmente apresentadas como os "Dez
Mandamentos". Várias religiões dividem os mandamentos de modo diferente. Porém
aqui usaremos os princípios morais exarados por essa lei para verificar a influencia nas
legislaturas ocidentais.
Os dez mandamentos estão descritos em Êxodo 20,1-17 e repetidos em
Deuteronômio 5, 6-21, analisemos um a um dos mandamentos retirados da parte do
Êxodo (Bíblia,1995) com classificação:

Então falou Deus todas estas palavras, dizendo:


Eu sou o SENHOR teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa
da servidão.
1-Não terás outros deuses diante de mim.
2-Não farás para ti imagem de escultura, nem alguma semelhança do
que há em cima nos céus, nem em baixo na terra, nem nas águas debaixo da
terra.Não te encurvarás a elas nem as servirás; porque eu, o SENHOR teu
Deus, sou Deus zeloso, que visito a iniqüidade dos pais nos filhos, até a
terceira e quarta geração daqueles que me odeiam.E faço misericórdia a
milhares dos que me amam e aos que guardam os meus mandamentos.
3-Não tomarás o nome do SENHOR teu Deus em vão; porque o
SENHOR não terá por inocente o que tomar o seu nome em vão.
4-Lembra-te do dia do sábado, para o santificar. Seis dias
trabalharás, e farás toda a tua obra. Mas o sétimo dia é o sábado do SENHOR
teu Deus; não farás nenhuma obra, nem tu, nem teu filho, nem tua filha, nem
o teu servo, nem a tua serva, nem o teu animal, nem o teu estrangeiro, que
está dentro das tuas portas. Porque em seis dias fez o SENHOR os céus e a
terra, o mar e tudo que neles há, e ao sétimo dia descansou; portanto
abençoou o SENHOR o dia do sábado, e o santificou.
5-Honra o teu pai e a tua mãe, para que se prolonguem os teus dias
na terra que o SENHOR teu Deus te dá.
6-Não matarás.
7-Não adulterarás.
8-Não furtarás.
9-Não dirás falso testemunho contra o teu próximo.
10-Não cobiçarás a casa do teu próximo, não cobiçarás a mulher do
teu próximo, nem o seu servo, nem a sua serva, nem o seu boi, nem o seu
jumento, nem coisa alguma do teu próximo. Êxodo 20:1-17

Os dez mandamentos mais do que um corpo legal de leis de uma antiga


civilização, é o que uma lei é em sentido filosófico, ou seja, a expressão positiva dos
valores que devem ser resguardados que uma sociedade considera valioso e apesar de
antiguíssima ainda influencia nas leis de hoje.

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1- Os quatro primeiros mandamentos


Provavelmente não foram escritos de só uma vez e sim compilado através do
tempo se utilizando da narrativa mosaica descrita em Êxodo. Evidentemente os quatro
primeiros mandamentos falam a respeito da santidade de Deus (GERSTENBERGER,
2012) e servem mais para adoração do que para criar um comportamento social, devem
ser de um momento diferente da compilação dos outros mandamentos.
Outros mandamentos são evidentes regras de convivência social, que são a
preservação de alguns valores que a sociedade judaica considera valioso.

2- O quinto mandamento
Em especial o quinto mandamento se refere a honrar os seus ancestrais mais
velhos, em uma sociedade patriarcal isso era fundamental, sobretudo em uma sociedade
primariamente rural onde o pater família comandava tudo. Na antiguidade em geral o
patriarca exercia o pater familias, que era um direito soberano sobre os demais
membros do grupo familiar Noé de Medeiros (1997, p.24) afirma acerca da evolução
familiar “Basicamente a família segundo Homero, firmou sua organização no
patriarcado, originado no sistema de mulheres, filhos e servos sujeitos ao poder
limitador do pai”.
Fustel de Coulanges (1998, p.47) lembra que o pai, em toda antiguidade, era a
máxima autoridade no sentido político, religioso e moral, homem forte protegendo os
seus, “o pai é, além disso, o sacerdote, o herdeiro do lar, o continuador dos avós, o
tronco dos descendentes, o depositário dos ritos misteriosos do culto e das fórmulas
secretas da oração. Toda a religião reside no pai”. O iminente pesquisador e jurista da
família Orlando Gomes (2000. : 33) vai definir toda a família antiga, como sendo um
“conjunto de pessoas sujeitas ao poder do pater familia ora grupo de parentes unidos
pelo vínculo de cognição, ora o patrimônio, ora a herança”.
Ora, honrar o pai e a mãe administradora do lar (Provérbios 31;10-23) era uma
condição fundamental na sociedade antiga para se manter o comando punível até com
morte. Era a mesma coisa que atentar contra a mxima autoridade vigente.
Quando alguém tiver um filho contumaz e rebelde, que não obedecer
à voz de seu pai e à voz de sua mãe, e, castigando-o eles, lhes não der
ouvidos, Então seu pai e sua mãe pegarão nele, e o levarão aos anciãos da sua
cidade, e à porta do seu lugar;E dirão aos anciãos da cidade: Este nosso filho
é rebelde e contumaz, não dá ouvidos à nossa voz; é um comilão e um
beberrão. Então todos os homens da sua cidade o apedrejarão, até que morra;

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e tirarás o mal do meio de ti, e todo o Israel ouvirá e temerá.


Deuteronômio 21:18-21

Há lei na legislação ocidental para quem desrespeite pai ou mãe, mas não com
morte, no Brasil, Espanha, Portugal e outros se o filho atentar contra a vida do pai ou da
mãe perde o direito de herança. São as chamadas hipóteses de exclusão da sucessão que
são por indignidade e por deserdação.
Na exclusão por indignidade a pessoa comete fatos descritos no art. 1.814, do
Código Civil (BRASIL, 2002), e para tal declaração precisa ser proposta uma ação
denominada declaratória de indignidade.
Na deserdação o testador em sua vontade dispõe expressamente que está
excluindo da sucessão um dos seus herdeiros, se praticar uma das condutas descritas no
art. 1.962, do Código Civil. Os artigos 1.814, 1.962 e 1.963, todos do Código Civil de
2002 elencam as hipóteses em que há exclusão da sucessão.
Já o Art. 1.962. Além das causas mencionadas no art. 1.814, autorizam a
deserdação dos descendentes por seus ascendentes e o Art. 1.963.
Então esse princípio de respeitar o pai e a mãe está vigente em nossa sociedade
até os dias de hoje.

3- O sexto mandamento
As outras regras criam valores necessários à convivência social o 6º
mandamento diz “não matarás”, esse se tornou um princípio positivador de proteção à
vida. Ao principiarmos o estudo do Direito Constitucional brasileiro verificamos o que
nossa Carta Maior diz sobre a vida logo em seu início, mais especificamente no
TÍTULO II, Dos Direitos e Garantias Fundamentais, CAPÍTULO I, DOS DIREITOS E
DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS: “Art. 5º: Todos são iguais perante a lei,
sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes”: principiando pelo DIREITO À VIDA
(Constituição Federal, art. 5º.), Punição contra matar ou abortar, Código Penal, arts. 124
a 128, I e II).
Há uma grande proteção à vida por parte dos judeus por influência religiosa,
embora a própria bíblia não autorize execuções de seu povo, podia-se matar em casos de
guerra, com expressa autorização de Deus, e podia-se matar quem cometesse os
chamados pecados de morte (geralmente ligados à vida sexual como traições e
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homossexualismo), poderia haver pena de morte e um homem matasse


injustificadamente outro homem, nesse caso a pessoa não era mais considerada como
israelita e podia ser morta. Evidentemente o órgão julgador e a extensa complexidade
do modo processual judeu, cometiam erros. O órgão julgador era também o máximo
órgão religioso, chamado Sinédrio, como tinha o monopólio religioso e jurídico, esse
órgão era extremamente autoritário e às vezes aconteciam abusos, um desses é
exemplificado na morte de Jesus Cristo. Para o filósofo Judeu Maimônides, mesmo não
acreditando que Jesus foi o Messias Judaico, o fato de ele ter sido condenado à morte
por ir contra a opinião judaica, não constituía penalidade da crucificação, analisando o
julgamento de Cristo chegou a conclusão que foi um terrível erro do Sinédrio (MISHNÊ
TORÁ, Yessodei Hatorá, II:1-2. Ed. Pensamento, tradução Yoshef Gheller, 1986).

4- O sétimo mandamento
Além dos anteriores comentários ao adultério já feitos a preservação do adultério
tinha o sentido de preservar a família, e principalmente a confiabilidade do poder do
patriarca e a pureza da linhagem de sangue, bem como garantir a primogenitura.
Adulterar é colocar em risco toda a estrutura familiar, como já dito punível com
morte na sociedade antiga hebraica.
Hoje o adultério não é mais crime nas sociedades ocidentais em sua maioria, no
Brasil até bem recentemente era crime, porém depois de 1976 com a publicação da lei
do divórcio, dificilmente alguém ia para a prisão. Apenas com o advento da Lei nº
11.106, de 28 de março de 2005, em seu artigo 5º, foi revogado o artigo 240 do Código
Penal, onde o adultério era crime e agora não mais, demorou bastante visto que os
valores da sociedade mudarão, mas ainda é garantido ao cônjuge traído reparação de
dano financeira cuja base também se encontra no Pentateuco.

Quando um homem tomar uma mulher e se casar com ela, então será
que, se não achar graça em seus olhos, por nela encontrar coisa indecente,
far-lhe-á uma carta de repúdio, e lha dará na sua mão, e a despedirá da sua
casa. Deuteronômio 24:1

Hoje na maioria das sociedades ocidentais capitalistas o adultério só confere


reparação de dano e não é mais crime. Embora em alguns ainda seja e raramente
existam processos penais sobre. Podemos citar como exemplo alguns estados-membros

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norte-americanos, como Michigan, Maryland, Nova York, Wisconsin e Carolina do Sul,


ainda figura como um crime.

5- O Oitavo Mandamento
Não há, como há na legislação brasileira, diferença entre furto e roubo, era
simplesmente o ato de tomar algo que não era seu, em uma sociedade patriarcal a
propriedade era algo dado por Deus e sagrada, em borá a propriedade da terra era sui
generis se considerarmos que a terra poderia voltar ao seu dono após quarenta e nove
anos (Levítico 25:26-27), mesmo assim era tido um pecado grave e punível com morte
se apropriar de algo que não era seu. Que podia acontecer com pessoas, e outros bens
esse mandamento proíbe não apenas o furto e o roubo de objetos materiais, mas também
a mentira, a falsidade, o engano, a desonestidade e o sequestro.
A expressão ganav, na verdade, envolve muito mais do que apenas o furto e o
roubo de objetos pessoais e materiais. A palavra ganav aparece no Antigo Testamento é
no acordo entre Jacó e Labão sobre as ovelhas salpicadas e negras (Gn 30.33). Mas
além desse uso comum, o Antigo Testamento usa a expressão hebraica em vários outros
contextos. Há também pelo menos um caso em que esse engano diz respeito ao anúncio
da mensagem de Deus. Por intermédio de Jeremias, Deus condena aqueles profetas
autoproclamavam suas visões como sendo Palavra de Deus (Jr 23.30). Então, furtar no
sentido de enganar envolve a falta de honestidade em um negócio ou a deturpação da
mensagem de Deus (BINGEMER, 2002). Portanto se refere à enganação para obter
vantagem ilícita de outrem de qualquer maneira.
Hoje a maioria dos países ocidentais divide os crimes em furto, roubo (com
violência), furto qualificado, corrupção, peculato, mas o princípio é dado por esse
mandamento.

6- O Nono mandamento
Além do testemunho já comentado anteriormente Deus não admite a mentira,
essa interpretação é suada largamente na teologia popular e pode estar de acordo com a
intenção divina e da comunidade judaica, (TEIXEIRA-LEITE, 1946) jurar em
testemunho contra seu irmão ou em nome de Deus ou qualquer outro é largamente
condenável pela bíblia.

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Não há punição para mentir nas sociedades ocidentais salvo durante o júri ou
falsificar documentos que são crimes a parte, mas com esse mesmo principio, nossa
sociedade não gosta da mentira.

7- O Décimo Mandamento
Esta é uma regra de santidade pessoal, e de convivência pacífica em sociedade,
não há parâmetro na legislação atual ocidental, é uma regra quase exclusivamente
teológica, se interpretarmos literalmente a palavra cobiçar é de foro intimo, portanto não
condenável. Mas partir do momento em que se disputa alguma propriedade ou se tem
duvida sobre ela deve-se levar a algum juiz que de ganho de causa a alguém.

Concluindo
Como podemos perceber os principio exarados pela lei religiosa do povo hebreu
até os dias de hoje tem profunda influencia sobre a legislação ocidental. Estes princípios
estão arraigados desde a antiguidade, muito antes da religião judaico-cristã surgiram,
desde a mesopotâmia e ficou até os dias de hoje mostrando que muitos princípios
religiosos são ainda protegidos por lei demonstrando uma força da religião na
constituição de valores sociais juridicamente protegidos.
Claro que as sociedades antigas não classificavam os direitos em divisões tais
como direitos individuais, sociais, coletivos. Direito é direito, tem mais efetividade
porque além das sanções era o cumprimento da própria divindade. A classificação
tradicional, histórica, dividindo os direitos entre gerações torna-se ineficaz na
antiguidade visto não haver separação entre individuo e coletividade: o Individuo era a
coletividade, um judeu só tinha sua formação pessoal e identitária dentro da
comunidade. Assim o direito alcançaria tanto o individuo quanto a comunidade. Essa
classificação remete a uma visão euro centrista de que só a razão europeia poderia criar
o Estado. Porém o Estado já existia em uma complexidade jurídica anterior ao
iluminismo.
Esperamos que esse trabalho possa ter apontado algumas influencias culturais
históricas pré-iluministas de sociedades tradicionais tem sobre o direito. Ao apontar tal
influencia espera-se que se reconheçam outras fontes históricas dos direitos, um direito
mais preocupado com a sociedade e com suas demandas demonstradas por sua cultura.
Especialmente a influencia da cultura e religiosidade hebraica tem sobre o direito
brasileiro.

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TEENAGER WORLD VISION INSERTED IN INSTITUTIONAL RECEPTION


PROGRAM: AN APPROACH ANTHROPOLOGICAL.

ALINE MASSONI KOÇAKA*


OTÁVIO BARDUZZI RODRIGUES DA COSTA*

____________
* Graduada em Serviço Social pelo Centro Universitário de Bauru/SP, mantido pela Instituição Toledo de
Ensino no ano de 2012, em 2013 participou do Programa de Residência Multiprofissional da USP –
Universidade de São Paulo e em 2014 atuou como Assistente Social do Serviço de Acolhimento Institucional no
município de Bauru/SP. Especialista em Antropolia pelo programa de pós- graduação em Antropologia da
Universidade do Sagrado Coração de Bauru/SP. Bauru/SP – Av. Marques de Pinedo, 844 – CEP 17000-000 –
Telef. 14 3227.4332 – e-mail: alinemassoni@yahoo.com.br
** Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2000),
bacharel em Direito pela Instituição Toledo de Ensino de Bauru, graduado em filosofia pela Uniclaretianas,
Mestre em filosofia também pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, doutorado em ciências
da religião pela Universidade metodista e doutorando em Ciências Sociais donde pesquisa religião, juventude e
contemporaneidade, especialização em filosofia e educação pela Uniclaretianas. Atualmente é professor na pós-
graduação latu sensu de antropologia na Universidade do Sagrado Coração de Bauru e professor de direito
constitucional , aspectos sociológicos do direito, ciência política nas faculdades Gran Tiête. Bauru/SP – rua
Pinheiro Machado, 14-401 – CEP 17013-211 – Telef. 14 3261.1024 – e-mail: joebarduzzi@yahoo.com.br
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KOÇABA, Aline Massoni; COSTA, Otávio Barduzzi Rodrigues da. A visão de mundo do adolescente inserido em
programa de acolhimento institucional: uma abordagem antropológica.

RESUMO

Este artigo busca explorar, a partir de uma perspectiva antropológica, a visão de mundo do
adolescente inserido em programa de acolhimento institucional sob medida protetiva. Trata-se
de um estudo monográfico realizado com 10 (dez) adolescentes, do sexo masculino, de 12 à
17 anos de idade, acolhidos no município de Bauru/SP. Ao considerar a visão de mundo dos
adolescentes o objeto deste trabalho, propõe-se como principais objetivos: descrever alguns
aspectos culturais destes adolescentes, bem como identificar os valores, práticas e
representações do ponto de vista do grupo, verificar a visão dos pesquisados quanto ao
programa de acolhimento institucional, além de desvelar o conceito de família e a relação de
parentesco. Para isso, o percurso elegido para realização deste trabalho foi a observação
participante, desenvolvida por meio da presença da pesquisadora no mesmo espaço do grupo
cotidianamente, por períodos prolongados e ocasiões diferenciadas, utilizando como técnicas
primeiramente relatos do grupo, possibilitando o levantamento dos assuntos considerados
relevantes para o universo investigado, além da entrevista através de formulário realizada no
âmbito da instituição. Sendo assim, o diálogo com as reflexões teóricas e relatos dos
adolescentes apresentados, permitiu vislumbrar as forças distintas que sustentam significados
e representações, trazidos através das relações e dos valores apreendidos no meio
sociocultural a que pertencem, marcados por uma série de vulnerabilidades e conflitos com a
dimensão sociofamiliar, que justificam práticas e comportamentos e propiciam a criação de
novos laços de sociabilidade e reciprocidade.

Palavras-chave: Antropologia Social. Adolescência. Violência.

ABSTRACT

This article seeks to explore, from an anthropological perspective, adolescent worldview


embedded in institutional care program tailored protective. This is a monographic study of ten
(10) adolescents, male, 12 to 17 years old, received in Bauru / SP. When considering the
worldview of teenagers the object of this work, we propose the following main objectives: to
describe some cultural aspects of adolescents and to identify the values, practices and
representations of the group's point of view, check the view of respondents about the
residential care program, in addition to unveiling the concept of family and kinship. For this,
the route chosen for this work was the participant observation, developed through the
presence of the researcher in the same space group daily for extended periods and different
occasions, using as techniques first reports of the group, thus enabling the assessment of the
issues considered relevant to the investigated universe, beyond the interview through a form
held within the institution. Thus, the dialogue with the theoretical reflections and stories of
adolescents presented, enabled understanding the different forces that sustain meanings and
representations, brought through the relationships and values learned in the socio-cultural
environment to which they belong, marked by a series of vulnerabilities and conflicts with the
social and familial dimension, justifying practices and behaviors and foster the creation of
new sociability and reciprocity ties.

Keywords: Social Anthropology. Adolescence. Violence.


RIPE – Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos: Construindo o Serviço Social, Bauru, v.19, n. 35, p. 223-255, jan./jun.2015.
KOÇABA, Aline Massoni; COSTA, Otávio Barduzzi Rodrigues da. A visão de mundo do adolescente inserido em
programa de acolhimento institucional: uma abordagem antropológica.

1 INTRODUÇÃO

O antropólogo pode trazer as vozes


daqueles que não dispõem ainda de espaço
próprio, ajudando a criá-lo. (Alba Zaluar)

No Brasil, a violência contra crianças e adolescentes acompanha a trajetória da


humanidade manifestando-se sob múltiplas formas, nos diferentes momentos históricos e
sociais, em acordo com os aspectos culturais.
Este tema, tem introduzido intensos debates envolvendo diversas áreas do
conhecimento, mobilizando atores que buscam o enfrentamento desta questão à partir do que
sugere os princípios legalmente assegurados pelo ECA1, que paulatinamente tem se revelado
nas políticas, projetos e programas voltados à proteção da criança e adolescente, sendo este o
cenário deste estudo.
Sem exceção, os sujeitos participes deste trabalho são adolescentes que de alguma
forma sofreram algum tipo de violência, desencadeando assim, a necessidade do acolhimento
e afastamento da situação de risco. O quadro de violência é vasto, porém as ocorrências mais
comumente apresentadas revelam adolescentes submetidos a exploração do trabalho infantil,
tráfico e/ou mendicância; Abuso sexual praticado pelos pais ou responsáveis; Situação de rua;
Órfãos (morte dos pais e/ ou responsáveis); Violência doméstica; Ausência dos pais ou
responsáveis por prisão; Abandono e dependência química por parte dos pais.
Diante disto, o foco de análise desta pesquisa busca demonstrar alguns aspectos
antropológicos a partir do olhar do grupo de 10 (dez) adolescentes de 12 à 17 anos de idade,
do sexo masculino, acolhidos sob medida protetiva em Serviço de Acolhimento Institucional,
bem como compreender como estes adolescentes vivenciam a experiência do acolhimento,
uma vez que cabe ao antropólogo estudar os hiatos institucionais que criam barreiras a
comunicação entre os vários atores envolvidos, (ZALUAR, 1997, p. 23) de forma que “a
produção cultural de uma sociedade possa ser fruto da ação e manifestação de todos os seus
indivíduos, independentemente do lugar social ocupado por cada um” (JUNIOR, 2011, p. 20).
O estudo teve por objetivo: Descrever os aspectos culturais (costumes, músicas, lazer,
religião, moda) dos acolhidos; Identificar os valores, práticas e representações do ponto de

1
Estatuto da Criança e do Adolescente, 1990.
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programa de acolhimento institucional: uma abordagem antropológica.

vista do grupo; Desvelar o conceito de família e relação de parentesco dos adolescentes; e


verificar a expectativa do adolescente quanto ao programa de acolhimento institucional.
Para isso, o método de abordagem proposto foi o materialismo histórico dialético,
pois conforme aponta Gil (1991, p. 31), “a dialética é contrária a todo conhecimento rígido.
Tudo é visto em constante mudança: sempre há algo que nasce e se desenvolve e algo que
desagrega e transforma”.
O método de procedimento adotado é o estudo monográfico pois trata-se do “estudo
de determinados indivíduos, profissões, condições, instituições, grupos ou comunidades”.
(LAKATOS, 2003, p. 108)
Neste sentido, o enfoque qualitativo tornou-se fundamental por buscar o universo de
significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, que corresponde a um espaço
mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos. (MINAYO, 2001, p.21)
O percurso elegido para realização deste trabalho foi a observação participante
desenvolvida por meio da presença da pesquisadora no mesmo espaço do grupo
cotidianamente, por períodos prolongados e ocasiões diferenciadas, utilizando como técnicas
primeiramente as conversas informais e relatos do grupo, possibilitando o levantamento dos
assuntos considerados relevantes para o universo investigado e a obtenção de dados referentes
aos valores, práticas e representações dos adolescentes, e posteriormente foi realizada
entrevista semiestruturada colhida através de formulário no âmbito da instituição,
caracterizando a pesquisa de campo.
A análise foi fundamentada pela pesquisa bibliográfica e dividida em tópicos
compostos inicialmente pelo “Breve Histórico do Acolhimento Institucional”, que versa sobre
o serviço de acolhimento de acordo com a política e legislação vigente, e em seguida pelo
tópico “Acolhimento: Motivos e Expectativas” que trata dos motivos e expectativas dos
adolescentes em relação ao acolhimento, a fim de embasar o cenário da realidade pesquisada.
O corpo principal do estudo foi subdividido em itens que trazem uma abordagem
antropológica, relacionando os relatos obtidos com a pesquisa bibliográfica, estes itens foram
denominados: “Realidade social: valores, práticas e representações” composto por temas
como “Adolescência e drogas”; “A Violência”; “O Poder Público”; “Preconceito: violência
simbólica”; “A casa e seus costumes x a rua e seus costumes”; “A Família”; “Sistema de
parentesco, pertencimento e reciprocidade” e “Quando eu crescer”.
Estes temas foram elencados por se tratar de assuntos colocados pelo viver numa
sociedade de homens, oportunizando a construção dialética e reflexibilidade, uma vez que
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trará à tona as representações da realidade sob a ótica de indivíduos em situação de


vulnerabilidade muitas vezes ofuscados pela sociedade, pelo Poder Público e pelo senso
comum.

2 BREVE HISTÓRICO DO SERVIÇO DE ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL

No Brasil, anteriormente a aprovação do ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente


que ocorreu no século XX ,em 1990, pode-se citar o “Código Brasileiro do Menor (1927) e o
Código de Menores (1979) como escopo da proteção social do adolescente, ambos traziam
consigo a proposta de medida protetiva fundamentada pela visão “que culpava unicamente as
famílias das crianças acolhidas em instituições pelas suas dificuldades, classificando as
crianças e os adolescentes como vadios, libertinos e perigosos” (GULASSA, 2010, p.19).
Neste sentido, os antigos orfanatos era quem recebia as crianças e adolescentes
deixando nelas a marca da massificação, pois propunham a repressão e legitimavam as
grandes instituições de confinamento dos chamados “carentes” ou “abandonados”.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, e instauração do ECA, surgiu então a
necessidade de ruptura destes paradigmas conceituais a fim de “assegurar, com absoluta
prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária” (ECA, Art. 04,1990) essa mudança de paradigma
consequentemente impulsionou o reordenamento dos serviços de proteção, com base no que
propõe a Política Nacional da Assistência Social (2004).
O Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) apregoa sobre as medidas de proteção
em seu Artigo 98:
Art. 98 - As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre
que os direitos reconhecidos nesta Lei foram ameaçados ou violados: I - por ação ou
omissão da sociedade ou do Estado; Il - por falta, omissão ou abuso dos pais ou
responsável; lII - em razão de sua conduta.

Além disso, o ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente traz em todo seu corpo a
forma de aplicação e adequação da medida protetiva, sendo o Acolhimento Institucional uma
dentre as nove medidas explicitadas no Artigo 101.
Quanto ao Acolhimento Institucional, o estatuto proclama que trata-se de medida
provisória e excepcional, utilizada somente como forma de reintegração familiar (ECA, Art.
101 - § 1º), de modo que se suprima a massificação e institucionalização da criança e
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adolescente. Ressalta-se ainda que esta medida “não implica em privação de liberdade”,
garantindo-se a convivência comunitária e familiar.
Os princípios elegidos para organização do Serviço de Acolhimento Institucional,
podem ser verificados no Artigo 92 do ECA:
Art. 92. As entidades que desenvolvam programas de acolhimento familiar ou
institucional deverão adotar os seguintes princípios: I - preservação dos vínculos
familiares e promoção da reintegração familiar; II - integração em família substituta,
quando esgotados os recursos de manutenção na família natural ou extensa; III -
atendimento personalizado e em pequenos grupos; IV - desenvolvimento de
atividades em regime de co-educação; V - não-desmembramento de grupos de
irmãos; Vl - evitar, sempre que possível, a transferência para outras entidades de
crianças e adolescentes abrigados; Vll - participação na vida da comunidade local;
VlIl - preparação gradativa para o desligamento; IX - participação de pessoas da
comunidade no processo educativo.

No passado, como já mencionado, tinha-se como ideia predominante que o


acolhimento institucional traria ao adolescente as condições de educação e saúde não
alcançadas pela família pobre, assim sendo o acolhimento era utilizado como política pública
que supria todas as necessidades dos adolescentes. Conforme expõe Gulassa (2010, p.29):
Além dos órfãos e abandonados, iam para instituições crianças com problemas de
saúde, pois teriam melhores chances de encaminhamento adequado. Acreditava-se
que a criança especial teria cuidados especializados, o jovem com problema de
comportamento teria a disciplina austera, a criança cujos pais aspiravam uma
educação diferenciada poderia se tornar “doutor”, e assim por diante. O acolhimento
institucional era, portanto, visto pelo imaginário popular, como uma oportunidade
privilegiada de apoio à família pobre.

Em 2006 o Plano Nacional de Proteção, Promoção e Defesa do Direito da Criança e


Adolescente passa a incentivar e promover os conceitos já estabelecidos pelo ECA. “Prioriza
a família como lócus de desenvolvimento e reafirma apoio e proteção para que ela possa
cuidar de seus filhos e protegê-los. Lembra ainda que esta proteção dada às crianças e aos
adolescentes não deve isolá-los ou segregá-los da comunidade”. (GULASSA, 2010, p. 20)
O Poder Judiciário faz-se o órgão exclusivamente responsável pelo acolhimento
institucional. No entanto, nas emergências sociais em que os direitos são violados, o Conselho
Tutelar é acionado, e os conselheiros podem tomar as providências iniciais para garantir a
segurança e a proteção do adolescente e podem (em casos de extrema gravidade) encaminhar
para os serviços de acolhimento.
Portanto, o acolhimento só ocorrerá se houver necessidade absoluta, do contrário, no
caso de permanência do adolescente na família, a observação e o acompanhamento
cuidadosos na própria residência e, em rede pelo Poder Público, são absolutamente
necessários, uma vez que a situação de risco não desaparece facilmente. Para Gulassa (2010,
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programa de acolhimento institucional: uma abordagem antropológica.

p.07), o acolhimento institucional pode ser imperativo como garantia de segurança no


processo de reconstrução das redes de proteção que exigem quase sempre o esforço e
investimento de todas as políticas sociais.
Neste sentido, quando se alude ao acompanhamento de indivíduos pelo Poder Público
deve-se lembrar que há uma linha tênue entre a Proteção Social e a Higienização Social2.
A política de higienização social caracterizou-se pelas práticas médicas no início do
século XX, na qual havia um meticuloso controle e vigilância das famílias no sentido de
manter a ordem, a assepsia e a disciplina. Os médicos higienistas adentravam no ambiente
familiar e pouco a pouco passaram a cuidar inclusive de áreas que não compete a medicina. A
higiene passa então a cuidar da moral e bons costumes da vida privada e pública dos
indivíduos, tendo como alvo principal a família. “A família passa a ser moldada segundo o
código médico e a casa converteu-se em local constante de vigilância de saúde, controle de
doenças e militância moral”. Um modelo de regulação disciplinar progressivamente invadiu a
forma do funcionamento familiar. Com um padrão disciplinar estabelecido pelos higienistas o
Estado poderia combater a imoralidade, os “corpos insanos” e atitudes corrompidas.
(LUENGO, 2010, p. 33)
Para Batista (2013, p. 124) “a disciplina organiza o espaço para a vigilância, rompendo
as comunicações perigosas, cria o espaço útil, dividido e distribuído com rigor. A disciplina é
a arte de dispor em fila e técnica de transformação de arranjos”.
Foucault (2008, p. 119 apud LUENGO, 2010, p. 35) ensina que “a disciplina fabrica
assim corpos submissos e exercitados, corpos “dóceis”. A disciplina aumenta as forças do
corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas forças (em termos
políticos de obediência).” O olhar hierárquico, que estigmatiza e reprime o que não é
aceitável, tem como objetivo disciplinar o corpo dócil.
Para Michel Foucault, para essas práticas de contenção e controle adotou-se o termo
"governamentabilidade" que expressa o governo dos outros por meio de instituições,
procedimentos e táticas em nome da seguridade. (BATISTA, 2013, p. 122)
Através desta perspectiva Foucaultiana percebe-se que se não houver o respeito e a
valorização dos aspectos culturais de um grupo, o acolhimento institucional pode funcionar

2
Estudos que tratam sobre a Higienização Social podem ser verificados nas obras de Michel
Foucault, intituladas “Microfísica do Poder” (1979); “Segurança, Território e População” (1977); e
“Nascimento da biopolítica” (1978).
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mais como instrumento de higienização social, esquadrinhamento da população, controle dos


corpos e segregação dos pobres do que instrumento de Proteção Social.

2.1 ACOLHIMENTO: MOTIVOS E EXPECTATIVAS

No contexto da diversidade de suas histórias de vida, os motivos que levaram ao


acolhimento institucional abarcam situações em que suas vivencias expressam o nível de
violência, de vulnerabilidade, e de violação de direitos fundamentais a que estão expostos.
Trata-se de uma violência de base estrutural que cria desigualdades, fazendo emergir
expressões como a fome, o desemprego, o abandono, a situação de rua, a inserção na
criminalidade, que através das gerações marcam o cotidiano através de outras diferentes
formas de violência seja ela física, cultural, social e psicológica.
Isto pode ser visto nos apontamentos obtidos nas entrevistas realizada com os
adolescentes acolhidos:
Estou aqui há 1 ano e 2 meses, porque eu usava muita droga. Meu irmão foi preso,
e minha vó foi embora e eu fiquei cuidando do meu tio deficiente em casa, não tinha
o que comer, então o Conselho Tutelar foi lá. Antes de morar aqui eu já morei com
todo mundo. Quando eu cheguei aqui meu pensamento era fugir, pensava que era
uma cadeia, mas depois fui me acostumando e gostei. O que o acolhimento/ Lar
representa pra você? Tudo. Ele representa o amor, o carinho e o respeito. O que eu
mais gosto daqui é a comida e o respeito que tem comigo e sempre está tudo limpo e
me dão amor e carinho. O que eu menos gosto é quando eu faço coisa errada e
tenho que reparar o erro, por exemplo limpar toda a casa. (Sujeito 1, 14 anos,
masculino)

Eu procurei o Conselho Tutelar, porque meu padrasto estava roubando minha


pensão, eu estava passando fome e não tinha aonde ficar. Morei com minha tia e em
Minas Gerais com outra tia, com minha mãe, com meu pai, mas nenhum deu certo
por isso ficava mais na rua. Quando eu cheguei fiquei com vergonha e com medo de
não gostar. O que o acolhimento/ Lar representa pra você? Mudança na minha
vida. O que eu mais gosto daqui é a comida, o café e dos funcionários. (Sujeito 5, 16
anos, masculino)

Estou aqui há 5 meses porque eu usava muita droga, e minha irmã me abandonou.
Meu pai também me abandonou e minha mãe está presa. Quando eu cheguei aqui
meu pensamento era fugir, matar as pessoas que trabalhavam aqui. O que o
acolhimento/ Lar representa pra você? Tudo. Ele representa o amor, minha
família, pessoas que querem meu bem. O que eu mais gosto daqui é a comida é bem
melhor que a da minha casa, lá quase nem tinha o que comer. (Sujeito 6, 14 anos,
masculino)

Cheguei no abrigo há 8 meses. Porque eu não gostava muito de morar com minha
mãe. Ela bebia muito e ficava fora de casa. Então eu procurei o Conselho Tutelar.
Já morei com todo mundo. Minha expectativa quando cheguei aqui é que minha
vida seria melhor. O que o acolhimento/ Lar representa pra você? Pra quem não
tem casa é melhor abrigo que a rua. Eu queria estar na minha casa. O que eu mais
gosto daqui é a comida, e as pessoas também. (Sujeito 8, 11 anos, masculino)
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Estou no abrigo há 1 ano e 8 meses, porque eu não ia na escola e dava trabalho pra
minha vó. Antes eu morava com a sogra da minha mãe, depois com o pai dos meus
irmãos, e com a minha vó de novo, e com a moça que vendia pipoca, já morei com
bastante gente. Não tinha nenhuma expectativa quando cheguei aqui, só tinha medo.
O que o acolhimento/ Lar representa pra você? Tudo. É minha família. O que eu
mais gosto daqui é ficar brincando no escritório, e ajudando e também da comida,
só não gosto de polenta. (Sujeito 9, 13 anos, masculino)

Constata-se nestes relatos, que os adolescentes transferem para si próprios o motivo de


estarem acolhidos, sem considerar exclusão social a que foram submetidos, que inclui
pobreza, discriminação, subalternidade, não equidade, não acessibilidade e não representação
pública (SPOSATI, 1996, p.13), tão pouco reconhecem o caminho percorrido pela família,
marcado pela violação de direitos seja pela sociedade ou pelo Estado.
O acolhimento dos adolescentes em situação de risco não se trata de um processo
individual, embora atinja pessoas, mas de uma lógica que está presente nas várias formas de
relações econômicas, sociais, culturais e políticas da sociedade brasileira.
Neste sentido, pode-se verificar nas entrevistas que o acolhimento ainda traz consigo
nas expectativas dos adolescentes o ideário do abandono da pobreza, ou uma oportunidade de
inserção social e mudança de vida, mas sob nova perspectiva, para eles a inserção em
programa de acolhimento representa o abandono da violência a que foram submetidos desde a
infância, tido como um porto seguro entre um direito negado – o de viver plenamente seu
presente – e a continuidade cidadã de seus cálculos de vida, sem os sobressaltos que
comprometam, desde logo, seu futuro, demonstrando a mudança de paradigma proposto pela
legislação vigente, e pelas políticas de atendimento a infância e juventude.
Por outro lado, percebe-se ainda os traços da cultura de institucionalização, e
contenção social enraizada na sociedade brasileira, que remonta o período colonial,
evidenciado nas expressões “Quando eu cheguei aqui meu pensamento era fugir, pensava
que era uma cadeia” (Sujeito 1, 14 anos, masculino) ou “Quando eu cheguei aqui meu
pensamento era fugir, matar as pessoas que trabalhavam aqui” (Sujeito 6, 14 anos,
masculino).
Pode-se observar, que os discursos difundidos pelos adolescentes abarcam muitos
pontos e características em comum, de tal modo, que durante a entrevista surgiu a hipótese
das respostas serem elaboradas por eles de acordo com o que a instituição, a sociedade, ou a
própria pesquisadora, esperam que eles digam, uma vez que alguns destes adolescentes, já
passaram por outras instituições. Porém, ao considerar que as entrevistas foram realizadas
individualmente para que não houvesse imitação nos relatos, à todo momento reforçava-se
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com os adolescentes a importância de seu ponto de vista, que deveriam ser demonstrados
através da sinceridade para a legitimidade da pesquisa, e também que as perguntas eram
trazidas como elemento surpresa em busca de atingir a subjetividade e espontaneidade, desde
o início da entrevista garantiu-se aos adolescentes o sigilo das respostas, e por ser a
pesquisadora parte do grupo pela convivência e permanência no ambiente institucional,
gerando uma relação de confiança entre pesquisadora e pesquisado, esta hipótese foi refutada.
Assim, nestas entrevistas, outro tema que se coloca em evidência como ponto em
comum, é a comida oferecida pela instituição, que é mencionada pelo universo total dos
adolescentes pesquisados, demonstrando a dificuldade ou falta de acesso aos direitos mais
fundamentais que devem ser garantidos a todo ser humano.
Portanto, torna-se essencial que haja um clima de respeito às histórias, às mudanças,
ao tempo de reconstrução de uma cultura para todos os participantes deste processo que tem
por objetivo final: o acolhimento às pessoas em situação de vulnerabilidade a fim de
promover sua inclusão. (GULASSA, 2010, p. 16)

3 REALIDADE SOCIAL: VALORES, PRÁTICAS E REPRESENTAÇÕES

O social (e cultural) é tudo aquilo que independe da natureza interna (genética) ou


externa (fatores ambientais, naturais). Ou seja, todos aqueles fatos que não podem ser
razoavelmente resolvidos por estes fatores, sendo mais adequadamente tratados quando são
estudados uns em relação aos outros (...) o mundo social é um fenômeno coletivo,
globalizante, e múltiplo (...) (DAMATTA, 1987, p. 45) Com isso, a realidade social compõe-
se pela envoltura dos aspectos relativos ao homem em seus múltiplos relacionamentos com
outros homens e instituições sociais. (GIL, 1987, p.10)
Para antropologia social, cada aspecto da vida social só pode ser compreendido se
estudado como parte de um conjunto integrado que envolve família, política, economia,
religião, etc. O “Homem” só existe através da vida sociocultural e isolá-lo desta, mesmo em
termos puramente analíticos, pode deformar qualquer processo de conhecimento (VELHO,
2003, p.19)
Nesta perspectiva, “o indivíduo não é visto apenas como receptor de cultura, mas
como agente de mudança cultural”. Portanto, incorpora características próprias do grupo em
que vive, adquirindo uma personalidade, sendo estas características que determinaram ações e
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programa de acolhimento institucional: uma abordagem antropológica.

reações, sentimentos e comportamentos que buscam a melhor adaptação aos valores culturais
do grupo. (MARCONI, 2007, p.07)
Para Marconi (2007, p. 35):
O comportamento do indivíduo é influenciado pelos padrões da cultura em que vive.
Embora cada pessoa tenha caráter exclusivo, devido as próprias experiências, os
padrões culturais de diferentes sociedades produzem tipos distintos de
personalidades, característicos dos membros dessas sociedades. O padrão forma-se
pela repetição continua. Quando muitas pessoas, em dada sociedade agem da mesma
forma ou modo, durante um largo período de tempo, desenvolve-se um padrão
cultural.

Através dos estudos antropológicos percebe-se que isso se dá através do processo de


endoculturação, que trata-se do “processo de aprendizagem e educação em uma cultura desde
a infância”. (MARCONI, 2007, p. 47)
Cada indivíduo adquire as crenças, o comportamento, os modos de vida da
sociedade a que pertence. Ninguém aprende, todavia, toda a cultura, mas está
condicionado a certos aspectos particulares da transmissão do seu grupo.

Os valores de um grupo variam de acordo com a maior ou menor importância que os


membros lhe atribuem, sendo o valor o grande propulsor que incentiva e orienta o
comportamento humano. (MARCONI, 2007, p. 28)
De acordo com Clifford Geertz (2008, p. 93):
Os aspectos morais (e estéticos) de uma dada cultura, os elementos valorativos,
foram resumidos sob o termo "ethos", enquanto os aspectos cognitivos, existenciais
foram designados pelo termo "visão de mundo". O ethos de um povo é o tom, o
caráter e a qualidade de sua vida, seu estilo moral e estético, e sua disposição é a
atitude subjacente em relação a ele mesmo e ao seu mundo que a vida reflete. A
visão de mundo que esse povo tem é o quadro que elabora das coisas como elas são
na simples realidade, seu conceito da natureza, de si mesmo, da sociedade.

O antropólogo Clifford Geertz dispõe ainda que a cultura pode ser vista como um
conjunto de “mecanismos de controle” que governam o comportamento, que consiste no que
outros autores como George Herbert Mead chama de “símbolos significantes” sendo eles,
palavras, gestos, desenhos, sons musicais, usados para dar significado à experiência.
Foi através destes conceitos que nas entrevistas dirigidas aos adolescentes obteve-se os
dados a seguir:
As músicas que me representam são as de Rap e Funk, para me vestir procuro fazer
meu estilo, não gosto do que está na moda, não tenho tatuagem, minha religião é
evangélico, e nunca participei muito de eventos culturais, antes de ser acolhido já
tinha ido no cinema. (Sujeito 1, 14 anos, masculino)

Eu gosto de rap e funk. As roupas que uso são baseadas em favelado, porque eu
odeio ser “Boy”. Tenho várias tatuagens, um cifrão que representa o dinheiro, o
nome da minha mãe e uma gueixa que e uma japonesa. Sou evangélico, mas não
gosto de ser. (Sujeito 3, 14 anos, masculino)
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KOÇABA, Aline Massoni; COSTA, Otávio Barduzzi Rodrigues da. A visão de mundo do adolescente inserido em
programa de acolhimento institucional: uma abordagem antropológica.

Eu escuto bastante funk e rap, são as músicas que gosto. Queria me vestir igual o
Justin Bieber, não tenho tatuagem nem religião, mas acredito muito em Deus.
Nunca participei de eventos culturais, a primeira vez que fui no cinema foi agora.
(Sujeito 5, 16 anos, masculino)

Único tipo de música que gosto é funk. Eu faço meu estilo, tenho uma tatuagem de
um palhaço que significa matador de polícia. Não tenho religião. Nunca fui nem no
cinema nem no teatro, acho que não gosto. (Sujeito 7, 14 anos, masculino)

Conforme os relatos dos adolescentes, percebe-se que há uma preferência explicita


pelo funk, sendo este o estilo musical que representa sua experiência cotidiana.
O funk desenvolveu-se a partir de 1970 sobretudo para narrar as histórias de violência
na favela e posteriormente passaram a introduzir forte apelo sexual, havia uma certa
similaridade com o rap em certas abordagens da vida em comunidade, o distanciamento com
o rap ocorreu em 2008 com o surgimento do funk ostentação, que trata de vangloriar riqueza e
poder. A chamada “comunidade funk” tem hoje cerca de 10 milhões de brasileiros, destes,
77% ouve funk diariamente, 50% comparecem periodicamente aos bailes, 22% consideram o
estilo diversão e 26% exprimem ambições, ou seja, o convite a uma experiência de superação
e ascensão, muitas vezes embutida na modalidade de funk que exalta atividades de facções
criminosas (MEIRELLES, 2014, p. 109), fazendo emergir “o ethos do lucro a qualquer preço
que dominou os jovens e que criou um poder baseado no medo e no terror em alguns bairros
populares de várias cidades brasileiras”. (ZALUAR, 1997, p. 11)
As representações sociais se apresentam como uma maneira de interpretar e pensar a
realidade cotidiana, uma forma de conhecimento desenvolvido pelos grupos para fixar seus
posicionamentos. O social intervém de diversas formas, pelo contexto no qual se encontra o
grupo, pela comunicação, pela bagagem cultural, valores e ideologias ligados a vinculação
social. Ou seja, a representação social dá sustento aos eventos tidos como normais. (SÊGA,
2000, p. 128,)
De acordo Gilberto Velho (1999, p. 117):
Representações, embora não forçosamente, vincula-se com a preocupação holística,
referem-se as crenças e valores que cimentam, colam, juntam a sociedade (...)
Todavia, ao se trabalhar com o universo das representações de uma sociedade
específica, tende-se a buscar os elementos e princípios que permitem a reprodução e
continuidade da sociedade.

Isto posto, pode-se verificar que quando os adolescentes foram questionados sobre
qual música representa sua vida, as respostas foram: “O amor venceu a guerra”, do rapper
Gog, que trata sobre a vida e vitória de um traficante para abandonar a vida do crime. Além
da música “Canto por vocês” do Legionários MC’s que alude a questões sociais diversas e soa
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como um hino de solidariedade a aqueles que sofrem pela desigualdade social e estão à
margem da sociedade. E ainda, a música “Eu não pedi para nascer” do grupo Facção Central
que tem como refrão crianças pronunciando: “O seu papel devia ser cuidar de mim, cuidar de
mim,
não espancar, torturar, machucar, me bater, eu não pedi para nascer”, relato que se colocou
em evidência diante da realidade pesquisada.
Outras músicas que surgiram como referência são funks como Mc Bin Laden e Mc
Brinquedo que incentivam a criminalidade, a ostentação, a sexualidade e o consumo abusivo
de drogas, que de alguma forma, também são músicas que transmitem as práticas e modo de
vida do grupo a que pertencem.
Para Alba Zaluar (1997, p. 15):
Os jovens das Galeras funk desenvolvem um ethos de guerreiro em que aprender a
brigar e "não dar mole" é a disposição mais importante que passam a incorporar na
adolescência. E isto tem como suportes a incorporação descontrolada e acrítica do
processo de globalização da cultura, ainda tão mal estudado entre nós, assim como a
adoção de uma política extremamente repressiva em relação a alguns de seus efeitos,
como o consumo de drogas ilegais.

Estes apontamentos podem ser confirmados nos relatos dos adolescentes


principalmente quando eles expõem: “As roupas que uso são baseadas em favelado, porque
eu odeio ser “Boy” (Sujeito 3, 14 anos, masculino) ou ainda, “Eu faço meu estilo, tenho uma
tatuagem de um palhaço que significa matador de polícia” (Sujeito 7, 14 anos, masculino).
Vale ressaltar que o cenário onde nasceram e vivem os adolescentes acolhidos trata-se
dos bairros periféricos da cidade, lugar cheio de conflitos, riscos e ameaças, marcado pelo alto
índice de violência, sendo assim, adotar uma postura de “bom menino”, pode significar
colocar-se em risco, enquanto o ethos de guerreiro/ vilão, ou “menino mal” significa
sobrevivência.
Neste contexto, observa-se que a “luta do bem contra o mal” consagrada no período
medieval, principalmente nas teorias Lambrosianas, que alude ao “bem” representado pelos
seres humanos normais, e o “mal” constituído pelos criminosos, cujo mal deveria ser extinto
para conservação do bem, já discutida por Foucault3 (1926), Galeano4 (1940), Nietzsche
(1844) dentre outros autores, se coloca em evidencia a todo tempo, inclusive pode ser
observado no estilo do cabelo dos adolescentes, quando eles pintam de duas cores para
representar o “lado do mal e o lado do bem”, estilo difundido pelo funk do Mc Bin Laden.

3
Ver Michel Foucault, Vigiar e Punir, 2004.
4
Ver Eduardo Galeano, O Teatro do bem contra o mal, 2002.
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Nesse sentido, observa-se diversos costumes simbólicos como utilizar uma meia preta
e outra branca, tatuagens de palhaço – matador de polícia ou assaltante, carpa – dono de
“biqueira5”, cifrão – poder econômico, dentre outros.
Enfim, esse ethos de vilão tem se reproduzido pelos adolescentes, mesmo que não
participem de atividades criminosas, ou tão pouco tenham matado um policial, sugerindo
pertencimento, e representatividade dentro do grupo social do qual convivem, sendo esta a
cultura que se manifesta intensamente também na instituição, onde pode-se observar que não
há uma cultura institucional que sobrepõe a cultura trazida pelos indivíduos.
Vale ressaltar que ainda hoje algumas instituições, buscam o rompimento desta cultura
através do incentivo ou imposição da religião, a uniformização do modo de se vestir, ou a
proibição de quaisquer costumes considerados “cultura de rua” no âmbito institucional, como
exemplo, a linguagem, renegando o direito à preservação de sua imagem, de sua identidade,
dos seus valores culturais, ideias e crenças, garantido pelo ECA6, retroagindo ao conceito
etnocêntrico de “cultura inferior e cultura superior”. No entanto, identificar, valorizar e
respeitar a cultura trazida pelos adolescentes utilizando-a como instrumento de pertencimento
e estratégia de transformação social pode trazer resultados muito mais significativos e
duradouros diante do contexto em que estão inseridos.
Conforme expõe Junior (2011, p. 20):
Considerar apenas uma cultura em uma sociedade indica a aceitação do conceito de
cultura estabelecido pelos grupos dominantes, que reconhecem, como legítimos e
verdadeiros, apenas os seus próprios valores culturais. Por isso, localizar
socialmente os discursos, estabelecendo o seu ethos de classe, é tarefa importante
para não generalizar conceitos e valores de uma classe como verdadeiros e únicos
em toda uma sociedade.

Quanto a religião, todos os adolescentes mencionaram que são evangélicos, mas,


percebe-se que este traço cultural foi adquirido principalmente pela imposição da família, por
outro lado demonstram fé em Deus independentemente da religião que pertencem.
Ainda, outro ponto preponderante que se pode observar trata-se do processo de
aprendizagem a cultura, conforme descrito pelos adolescentes o decesso a outros meios de
internalização da cultura como teatros, cinemas ou eventos culturais diversos, não fazem parte
do cotidiano de suas vivências, conforme assegura o Estatuto da Criança e do adolescente:

5
Local de venda e uso de drogas.
6
Art. 58 - No processo educacional respeitar-se-ão os valores culturais, artísticos e históricos próprios
do contexto social da criança e do adolescente, garantindo-se a estes a liberdade de criação e o
acesso às fontes de cultura. (ECA, 1990)
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Art. 59 - Os Municípios, com apoio dos Estados e da União estimularão e facilitarão


a destinação de recursos e espaços para programações culturais, esportivas e de lazer
voltadas para a infância e a juventude.

Os antropólogos preocupam-se com as formas que os indivíduos utilizam para


assimilar sua cultura e adaptar-se convenientemente, sendo a educação e a socialização as
principais vias de aquisição da cultura e personalidade. A família, os amigos, a sociedade os
meios de comunicação exercem papel fundamental na assimilação de normas, atitudes e
formação de sistema de valores. “A sociedade não pode ser separada dos indivíduos, e por sua
vez, nenhum individuo alcançará suas potencialidades sem uma cultura em que participe.
(MARCONI, p. 185, 2007)
Neste contexto, por exemplo, as drogas podem ser vistas como porta de entrada para
esse estilo de vida e visões de mundo do que como tema central. Sua importância é
conjuntural, ou seja, funcionam basicamente como demarcador de fronteiras e de hierarquias
em determinadas situações que expressariam modos particulares de construção social da
realidade. (VELHO, 1994, p. 123)

3.1 ADOLESCENCIA E AS DROGAS

Estudos sobre adolescentes em situação de rua no Brasil demonstraram um alto


percentual de uso de droga – 88% usaram uma ou outra droga alguma vez na vida (NOTO et
al, 1997 apud SCHENKER, 2004, p. 72). Neste ponto, a categoria “situação de rua” é
atribuída os adolescentes que evidentemente moram nas ruas, e aos que passam a maior parte
do tempo nas ruas, pois o conflito, a violência, as drogas ou abuso de álcool, a vizinhança do
crime, e a separação de família forneceram razões para que eles deixassem seus lares, como é
o caso dos adolescentes participes desta pesquisa.
“Há um consenso geral de que a principal razão para deixar o lar não é o uso de drogas
e sim os maus tratos recebidos em casa e que o uso de droga é uma consequência de sair de
casa e viver nas ruas”. (SCHENKER, 2004, p. 74) E ainda, que em geral jovens e
adolescentes fazem uso de drogas pela primeira vez, devido à influência de pares e à
curiosidade, sendo esta a realidade apresentada pelos adolescentes quando questionados se já
tinham feito uso de drogas:
Sim. Maconha, cocaína, todas, menos crack. Comecei com 5 anos, com meu primo e
minha mãe também me dava. (Sujeito 1, 14 anos, masculino)

Sim. Maconha, lança-perfume, cocaína e LSD. Comecei com 11 anos, comprei de


um menino da escola. (Sujeito 2, 14 anos, masculino)
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Sim. Crack, cocaína, lança-perfume, maconha. Comecei com 14 anos, usei crack na
praça em frente da igreja. (Sujeito 5, 16 anos, masculino)

Sim. Maconha, cocaína, lança-perfume, Skank. Com 9 anos, com maconha, na rua.
(Sujeito 6, 14 anos, masculino)

Sim. Cocaína, Maconha, Cigarro, Lança – Perfume, na rua. Com 5 anos de idade.
(Sujeito 10, 13 anos, masculino)

Pode-se verificar que o consumo de drogas se iniciou na infância, ou no início da


adolescência, sendo o local de consumo a rua, ou ainda a própria casa conjuntamente com
amigos e/ ou familiares. Os adolescentes pesquisados mostraram-se conscientes de que o uso
de droga pode ser prejudicial quer fisicamente quer em termos de comportamento. Para
muitos, entretanto, o uso de droga serve como papel importante no fato de viver/ ser das ruas.
Para Espinheira (2004, p.13):
A cultura das drogas também pode ser vista como um modo social de articulação de
atitudes, de linguagem particular, que os usuários produzem para se comunicar entre
si e marcar suas identidades de indivíduos e grupos frente aos demais. Esse conjunto
de representações pode ser visto como um universo próprio, como um mundo em
que se vivencia uma pluralidade de relações que extrapolam o universo familiar e o
de vizinhança.

Ainda, pode-se observar que os adolescentes expressam uma certa discriminação


acerca do consumo de crack, que notoriamente contrapõe o posicionamento destes sobre o uso
da maconha, tida como a droga de preferência, de uso habitual e fator de pertencimento do
grupo, seja na escola, nas ruas, ou na própria instituição.
Este ponto de vista é defendido pelo antropólogo Edward MacRae (1986, p. 198), que
enfatiza os aspectos socioculturais do uso da maconha, ele menciona que o consumo desta
substância pode se revestir de significados múltiplos, como exemplo: Resistencia cultural –
afirmação de identidades sociais minoritárias ou ainda: Reforço de redes de sociabilidade –
entre os jovens principalmente, participar do mundo da maconha é uma maneira de ter acesso
a diferentes classes sociais.
Deste modo, para os adolescentes o uso de drogas é tido como padrão cultural, visto
que é um comportamento regular entre os indivíduos dos quais convivem, além disso perpassa
gerações, caracterizando a repetição continua e é tido principalmente como esfera de
pertencimento ao grupo social.
Porém, observa-se que neste arcabouço cultural do uso de drogas emerge outro
paradigma, que trata-se da violência.

3.2 A VIOLÊNCIA
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A violência, considerada como um fenômeno social, é intrínseca a qualquer tipo de


sociedade, pode ser analisada como um filtro que permite esclarecer certos aspectos do
mundo social porque denota as características do grupo, a forma sob a qual se manifesta é que
reflete seu significado para o grupo e para que ocorra depende dos estímulos provenientes da
própria sociedade. (GULLO, 1998, p. 106)
Para a autora Zaluar (1999, p. 09):
Violência vem do latim violentia, que remete a vis (força, vigor, emprego de força
física ou os recursos do corpo em exercer a sua força vital). Esta força torna-se
violência quando ultrapassa um limite ou perturba acordos tácitos e regras que
ordenam relações, adquirindo carga negativa ou maléfica. É, portanto, a percepção
do limite e da perturbação (e do sofrimento que provoca) que vai caracterizar um ato
como violento, percepção esta que varia cultural e historicamente.

No caso dos adolescentes acolhidos, quando questionou-se sobre o que é violência e se


já presenciaram algum tipo de violência, as respostas foram as seguintes:
Todas. Já vi gente levar facada, já assaltei a mão armada, já vi outro levar tiro, já
vi briga na escola, já apanhei da minha mãe e do meu pai e da polícia. (Sujeito 5,
16 anos, masculino)

Já. Já bati muito nas pessoas. Já apanhei muito também. Já vi gente morrer, meu
primo morreu com garrafada no pescoço no jogo de futebol. (Sujeito 6, 14 anos,
masculino)

Já. Na escola, em casa, meu tio me batia, minha mãe me batia. Aqui no abrigo
sempre tem briga. (Sujeito 8, 11 anos, masculino)

Já bateram na minha cara. Já vi um cara morrer, com um tiro. (Sujeito 10, 13 anos,
masculino)

Pode-se verificar que de acordo com os adolescentes o discurso sobre violência pauta-
se no que Roberto Damatta (1981, p. 23) denomina, discurso do senso comum ou popular,
trata-se das experiências cotidiana das pessoas, surge como um mecanismo, e não como um
estado na sociedade.
“De fato, a imagem que aparece quando falamos de violência neste nível é uma briga,
agressão ou conflito onde o informante visualiza frequentemente dois seres em luta ou ação
física.” (DAMATTA, 1981, 23)
Ainda, percebe-se que a violência é parte das relações que compõem o grupo,
consequentemente é tida com alguma denotação de normalidade.
Conforme expõe Ivete Walty (2003, p.87):
As armas do agressor ou do agredido, metonímias da luta pela sobrevivência, são
marcas do espaço excluído e de sua linguagem reflexiva e refratária. Reflexiva
porque traduz a violência das relações sociais, e refratária porque é devolvida sob
novas formas de violência, num jogo de bate e volta.
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A desigualdade social é apontada como uma das origens estruturais da violência e


suscita nas sociedades contemporâneas. A contradição de uma sociedade desigual contribui
para manifestações da violência física e moral. Favorece impulsos que se expressam através
de hábitos, costumes, tradições. (SOUZA, 2012, p. 21)
É por isso que a violência deve ser vista a partir de suas singularidades e seus modos
específicos de manifestação em cada sistema com seus valores, ideologias e configurações
que se combinam concretamente em situações históricas particulares. Ou seja, além de ser
inerente às relações sociais ela varia de acordo com a particularidade dessas relações em
diferentes grupos e sociedades, historicamente considerados. (GULLO, 1998, p. 106)
Para Souza (2012, p.21):
A violência contra o ser humano faz parte de uma trama antiga e complexa: antiga,
porque data de séculos as várias formas de violência perpetradas pelo homem e no
próprio homem; complexa por tratar-se de um fenômeno intrincado, multifacetado.
Podemos então considerar a violência como todo ato ao qual se aplique uma dose de
força excessiva e a agressão como uma forma de violência (força contra alguém
aplicada de maneira intencional, com a pretensão de causar um dano à outra pessoa).

Neste sentido, outro modelo que circunda o conceito de violência trata-se da violência
institucional, que se contrapõe a violência dos excluídos e pode se manifestar de diversas
formas, como exemplo a violência que se manifesta através do aparato policial que caça,
prende, tortura e mata cidadãos protegido pelo pressuposto de que se trata da luta do bem
contra o mal.

3.3 O PODER PÚBLICO

Hoje apesar dos diversos aparelhos do Poder Público existentes para atendimento da
criança e do adolescente, dentre eles, a escola, o Ministério Público, o Poder Judiciário, o
Conselho Tutelar, percebe-se que para os adolescentes há uma aguçada relação histórica entre
eles e a Polícia, para eles trata-se da primeira instância de contato e acesso ao Poder Público,
ou seja, o braço policial passa a ser o único tipo de representação do Estado. Pode-se observar
que para os adolescentes os serviços públicos ainda são mal avaliados, quando presentes nem
sempre garantem a satisfação causando um clima de desconfiança generalizado.
No caso particular das polícias militares cuja prática da violência é o seu cotidiano,
podemos analisar o comportamento de seus membros como decorrência da combinação de
quatro fatores fundamentais: concepção, ideologia, treinamento e impunidade. No que
refere-se a concepção dá-se ao fato que foram concebidas como instrumento de poder no
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período do regime militar, deveriam manter a ordem autoritária e evitar desvios. Diante disto,
desenvolveu-se nos comandantes a ideologia da repressão policial fundamentada na visão
militar de ordem, respeito à autoridade, submissão à vontade do comando e punição exemplar.
Os valores autoritário-repressivos são repassados através de treinamento onde se dá pouca
ênfase a questões ligadas aos direitos humanos ou às diferenças inerentes às camadas sociais
que compõem a sociedade. A impunidade fica sendo o fator que consolida o desvio da ação
policial militar porque, neste meio, existe uma justiça paralela e corporativa que tende a
proteger os seus pares. (GULLO, 1998, p. 111)
Diante da impunidade dos responsáveis por práticas ilegais e discriminatórias contra
os jovens, os policiais corruptos e violentos que usam suas armas com pouquíssimos controles
institucionais não criam nos jovens pobres o fascínio pelo poder militar de tal modo exercido
(ZALUAR, 1997, p.13), como pode-se verificar nas falas dos adolescentes entrevistados:
Odeio a polícia. Porque não pode fazer nada que eles já querem prender e bater.
(Sujeito 3, 14 anos, masculino)

Polícia é tudo de ruim. Porque mata, porque bate mesmo quando você não está
fazendo nada de errado. O trabalho do policial está errado. (Sujeito 5, 16 anos,
masculino)

“São coisa brava” num gosto deles. Porque são folgados todo lugar que me
encontra me bate. (Sujeito 6, 14 anos, masculino)

Eu odeio a polícia desde pequeno, desde que minha vó morreu por causa da polícia.
Ela vendia droga e teve um “revistamento” e ela teve um ataque e eles não
deixaram ela ir no médico, ficou lá com a boca espumando e ninguém fez nada. E
ela morreu lá junto comigo e eu não sabia o que fazer. (Sujeito 8, 11 anos,
masculino)

“Sem reconhecer as diferenças sociais, os policiais militares tendem a ter uma visão
distorcida da população. O pobre, o negro, o desempregado, o mal vestido, são vistos como
suspeitos e, portanto, passíveis de um tratamento repressivo”. (GULLO, 1998, p. 105)
Este clima de desconfiança e insatisfação com o Poder Público consequentemente é
transmitido a outras instâncias, inclusive para a instituição de acolhimento, visto no relato:
“Não tinha nenhuma expectativa quando cheguei aqui, só tinha medo”. (Sujeito 9, 13 anos,
masculino) A desconstrução desta representação no serviço de acolhimento institucional, só é
possível através do trabalho árduo e cotidiano dos diversos profissionais envolvidos no
processo de acolhimento.
Por outro lado, há uma dificuldade explicita para que esta desconstrução ocorra em
outros segmentos como o Poder Judiciário, uma vez que apesar das visitas e atendimentos
periódicos aos adolescentes, ainda há o distanciamento desta esfera para a realidade e
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dificuldades vivenciada pelos acolhidos, este distanciamento é mencionado por Franco (2001,
p. 177):
Estamos num mundo em que o timing das transformações não bate com o timing do
direito. O discurso jurídico está lá atrás e mundo está lá na frente. Os conceitos que
oferecemos são conceitos que hoje se mostram absolutamente superados. E tivemos
sempre na universidade, na preparação para ingresso na Magistratura a ideia de que
o juiz é um ser especial, de que o juiz é alguém que está acima do tempo e do
espaço, de que o juiz, em verdade é o dominador de todas as situações porque dispõe
de um instrumento fantástico chamado direito. (...) Não é possível que um juiz
consiga fazer um julgamento sem que conheça alguma coisa a mais que o direito.
Tem o dever de estar ao corrente de tudo que se passa na realidade.

O autor Franco (2001, p. 180) acrescenta ainda que para que este distanciamento não
ocorra, essencialmente faz –se necessário o juiz descer para estar em contato com o homem
comum. “Descer do seu linguajar específico, necessita tirar suas vestes talares, precisa
dessacralizar seus rituais de juiz e, principalmente, ver que está ali pra ser julgado um ser
humano como ele, nem melhor e nem pior”.
Em relação a escola, enquanto Poder Público tem-se um cenário ainda mais complexo
provocado por este distanciamento, pode-se observar que muitos dos estabelecimentos
educacionais não conseguem diferenciar o adolescente acolhido sob medida protetiva e o
adolescente que cumpre alguma medida punitiva por ato infracional, não que devesse ocorrer
uma diferenciação, já que o direito a educação pertence a todos adolescentes, mas para a
escola o adolescente inserido em qualquer instituição, independentemente do motivo, trata-se
de um adolescente problema. Assim sendo, os adolescentes são estigmatizados desde o
primeiro momento em que ingressam no mundo escolar, e o comportamento que reproduzem
no âmbito escolar muitas vezes ainda é tido como “caso de polícia”, o que colabora para que a
representação que o adolescente traz consigo da escola seja inevitavelmente negativa.
Para Zaluar (1997, p.06):
Muitas das lutas levadas à frente como sendo de direitos humanos, especialmente no
que se refere à violência institucional contra os pobres, na verdade são lutas para
tornar seus direitos civis reais, e não meramente formais, pois já estão na letra da lei.

Este panorama, nos leva ainda a outro paradigma da violência que trata-se da violência
simbólica, que mostrou-se em evidencia durante a realização da pesquisa.

3.4 PRECONCEITO: VIOLÊNCIA SIMBÓLICA

Estigmatizar alguém é uma violência simbólica, é uma criação social que se origina de
atitudes carregadas de pré-conceitos de elementos de um grupo sobre o outro, contribuindo
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para o surgimento e manutenção das diferenças, reafirmando estereótipos padronizadores de


conceitos sobre determinado grupo, intensificando o comportamento discriminatório.
Para Souza (2012, p. 21)
A violência simbólica parte do princípio de que a cultura simbólica ou sistema
simbólico é arbitrário, uma vez que não assenta numa realidade dada como natural, o
sistema simbólico de uma determinada cultura é uma concessão social, e sua
manutenção é fundamental para a perpetuação de uma determinada sociedade,
através de interiorização da cultura por todos os membros da mesma.

Quando os adolescentes foram interrogados sobre o preconceito e se já passaram por


situações estigmatizantes, as respostas obtidas foram:
Sim. Na escola, na rua, na família, por ser diferente. (Sujeito 2, 14 anos, masculino)

Não sei. Como vou saber o que os outros pensam? Sim, várias pessoas, na escola,
na rua, porque eu moro no abrigo. (Sujeito 3, 14 anos, masculino)

Preconceito racial. Acho que tem muita diferença comigo porque eu sou preto,
principalmente na escola. (Sujeito 5, 16 anos, masculino)

Preconceito? O que é isso? As vezes aqui no abrigo os meninos me tratam mal.


(Sujeito 8, 11 anos, masculino)

Sim. Tem gente que fala que eu uso crack. Na escola e em todos os lugares. (Sujeito
10, 13 anos, masculino)

Além das representações apresentadas acima, encontrou-se o preconceito nas falas dos
adolescentes quando questionados sobre a relação que tinham com os vizinhos da instituição,
uma vez que encontra-se afastada do território de convívio que mantinham anteriormente ao
acolhimento institucional:
Nossa, a relação é muito ruim. Qualquer coisa chama a polícia. Tem muito
preconceito porque a gente usa droga. Se eu fosse rico não tinha preconceito. Rico
tem preconceito de pobre, a gente devia entrar lá e roubar tudo. (Sujeito 6, 14 anos,
masculino)

Os vizinhos não conversam com a gente e sempre chamam a polícia, não aceitam a
gente aqui. Acho que é preconceito. E eles tem medo que a gente roube eles. (Sujeito
1, 14 anos masculino)

Neste sentido, concorda-se com as palavras da antropóloga Zaluar que explica que
“quando as discriminações raciais combinam-se com as discriminações contra o pobre, tem-se
as mais claras situações de exclusão em diversos setores, por variados processos. (ZALUAR,
1997, p. 03)
Portanto, pode-se verificar que do universo destes adolescentes emergem diversas
formas de violência, seja ela a violência física, a violência estrutural, a violência institucional,
ou ainda a violência simbólica. Trazendo à tona uma gama de representações que se
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programa de acolhimento institucional: uma abordagem antropológica.

entrelaçam e se reproduzem nas mais diversificadas formas conduzindo a manutenção da


exclusão social.

3.5 A CASA E SEUS COSTUMES X A RUA E SEUS COSTUMES

O antropólogo Roberto Damatta em sua obra “A Casa e a rua: espaço, cidadania,


mulher e morte no Brasil”, publicado em 1985 expõe que há um simbolismo nas categorias
casa e rua, posto que a casa representa o espaço que nos concede intimidade e hospitalidade
perpétuas, sendo assim “estar em casa” sugere relações harmoniosas que expressam “amor,
carinho e consideração”. De um outro lado, a rua é local de individualismo e malandragem.
Conforme Damatta (1991, p. 17) exibe:
Quando, então, digo que “casa” e “rua” são categorias sociológicas para os
brasileiros, estou afirmando que, entre nós, estas palavras não designam
simplesmente espaços geográficos ou coisas físicas mensuráveis, mas acima de tudo
entidade moral, esferas de ação social, províncias éticas dotadas de positividade,
domínios culturais institucionalizados, e por causa disso, capazes de despertar
emoções, reações, leis, orações, músicas e imagens esteticamente emolduradas e
inspiradas.

Nesta mesma obra Damatta (1991, p. 60) acrescenta ainda que a oposição casa/rua tem
aspectos complexos, primeiramente por seu uma oposição que nada tem de absoluta e ainda
porque nos espaços brasileiros rua e casa se reproduzem mutuamente, uma vez que há espaços
na rua apropriados por grupos, categorias sociais ou pessoas que vivem na rua como se
estivessem em casa. Sendo este o ponto, que os relatos coletados concordam com o autor,
quando os adolescentes dispõem sobre a representação que têm de sua casa:
Ela era muito bagunçada. Era tudo suja. Muita briga e xingamento. Minha casa era
uma biqueira. 24 por 48 na sala, no quarto da minha vó, da minha irmã, tinha gente
cheirando cocaína e fumando maconha, eu nunca gostava disso. Por isso que não
gosto de ir lá. Não tinha regras. (Sujeito 1, 14 anos, masculino)

Você viu minha casa. Era um barraco de quatro paredes, eu dormia debaixo da
telha, junto com as galinhas. Não tinha regras, mas tinha hora pra chegar e trazer
dinheiro. (Sujeito 5, 16 anos, masculino)

Casa de madeira, teto podre, eu minha mãe e meus irmãos. Depois teve uma casa de
telhado normal, que ela conquistou vendendo droga, mas depois foi presa. A gente
costumava passear no rio, no mato. (Sujeito 6, 14 anos, masculino)

A casa da minha vó era grande. Tinha até um bar, e eu ficava sempre lá. Costume,
eu não lembro, faz muito tempo que eu não vou lá. (Sujeito 8, 11 anos, masculino)

Não tinha quase nada. Queria que tivesse água, porque nunca tem. (Sujeito 10, 14
anos, masculino)
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programa de acolhimento institucional: uma abordagem antropológica.

Percebe-se portanto que as habitações prévias ao acolhimento, compunham padrões de


vida muito próximos aos que se apresentam para quem vive na rua: moradia e acolhimento
precários, falta de saneamento, de higiene e padrão alimentar incerto indicam uma fronteira
muito tênue entre a vida em casa e a vida das ruas. Ou seja, não há uma diferença explicita
significativa entre “estar em casa” e “estar na rua”. (SILVA, 2012, p.85)
Outro fator que se pode observar é que para o universo total dos adolescentes
entrevistados, obteve-se a mesma resposta quando questionados se poderiam elencar algumas
regras da rua e algumas regras da casa, sem exceção responderam que “A rua não tem regra.
E na sua casa? Também não, nenhuma regra”.
Portanto, coloca-se em cheque a existência de uma ruptura entre a casa e a rua, haja
vista as potencialidades fluídicas e relacionais que estas dimensões exibem, revelando que a
rua e a casa, no contexto deste grupo de adolescentes, nunca foram separadas por fronteiras
rígidas e definitivas. (SILVA, 2012, p.85)
Conforme Silva (2012, p. 07 apud LEAL, 2008, p. 103):
Convém indagar se há, de fato, uma transubstanciação tão significativa que respalde
a essencialização que a rua instiga. A própria terminologia “de rua” acaba por
confundir um processo dinâmico, relacional, com uma essência social, ignorando
heterogeneidades e homogeneizando os tratamentos direcionados ao referido
segmento. Em tal nível de reflexão, Eduardo Leal considera a “situação de rua”
como uma “dinâmica social delimitada e possível a crianças e adolescentes de
camadas de baixa renda, de acordo com a relação cultural estabelecida destes com o
espaço público”

E ainda, outro ponto que merece ênfase é que na visão dos adolescentes a categoria rua
esta notoriamente relacionada as representações e conceitos que tem sobre ser livre e a
liberdade.
Ser livre é fazer o que você quer, o que você pensa. No abrigo eu sou livre, mas as
vezes me sinto preso. Na rua eu sou livre. (Sujeito 1, 14 anos, masculino)

Ser livre é ficar na rua o dia inteiro. Não, aqui não me sinto livre. (Sujeito 3, 14
anos, masculino)

Liberdade é estar na rua no mundão. Aqui no abrigo me sinto livre também. (Sujeito
5, 14 anos, masculino)

Ser livre é ficar na rua e brincar. Não, aqui eu não tenho a liberdade que eu tinha,
eu não posso ficar na rua. (Sujeito 8, 11 anos, masculino)

Liberdade é quando a pessoa sai da cadeia ou da FEBEM. Não me sinto livre aqui
porque não posso ir pra minha “quebrada” (rua). (Sujeito 10, 13 anos, masculino)

Sendo assim, entende-se que para eles o conceito de liberdade esta intrinsecamente
relacionado com a vida nas ruas, é fazer parte de um espaço onde não há regras, ou mesmo
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programa de acolhimento institucional: uma abordagem antropológica.

que uma “liberdade” mascarada. Neste caso, percebe-se que muitas vezes a proteção e o
acolhimento institucional representam o cerceamento da liberdade, haja vista que no cotidiano
do serviço de acolhimento é comum ouvir os adolescentes muitas vezes expressar que vão
“fugir”, mesmo tratando-se de uma instituição de portas abertas.

4 FAMÍLIA?

A categoria família é tida como universal por estar presente em todas as sociedades
humanas, apesar das variadas regras e normas que circundam o conceito de família, diante
disto a conceituação de família sofreu adequações significativas através das transformações
societárias.
Por conseguinte, leva-se em consideração a família conforme Muniz (2011, p. 12) que
define:
A família é concebida como o conjunto de pessoas unidas por laços consanguíneos,
afetivos e ou de solidariedade, cuja sobrevivência e reprodução social pressupõem
obrigações recíprocas e compartilhamento, de renda e ou dependência econômica.
Espaço privilegiado e insubstituível de proteção e socialização primárias, provedora
de cuidados aos seus membros, mas que precisa também ser protegida.

Através de diversos estudos, foi possível elencar algumas das funções da família,
sendo elas: Sexual – atende as necessidades sexuais permitidas por meio da
institucionalização da união, por exemplo, o casamento; Reprodução – visa a perpetuação por
meio da prole; Econômica – assegura o sustento e a proteção dos filhos; Educacional – o
cuidado com a criança é de suma importância e universalmente reconhecido. (MARCONI,
2007, p. 95)
No que refere – se a função educacional pode-se combinar uma outra função de suma
importância, denominada de função socializadora que trata-se do processo de endoculturação,
onde transmite a herança cultural e social, ou seja, a linguagem, usos, costumes, valores e
crenças, como forma de preparar a criança para a vida em sociedade. (MARCONI, 2007, p.
95)
Por ser a reintegração familiar e o trabalho com a família um dos alicerces do
acolhimento institucional, os adolescentes foram questionados sobre o que é família no ponto
de vista deles. As respostas coletadas foram as seguintes:
Família é tudo. São as pessoas que te ama e sempre vão te amar. Na minha família
tem gente do bem e tem gente do mal. Eu mesmo, as vezes, sou do bem as vezes sou
do mal. (Sujeito 1, 14 anos, masculino)
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Família é algo bom por um lado porque cuida de você. Mas por outro lado é ruim,
porque acham que são seus donos e você não pode ter desejos. Minha família não é
estruturada, tem muita briga e confusão até um tempo eu morava com minha mãe
que é usuária de crack, então eu passei a morar com a minha vó, então eu passei a
usar drogas e eles não aceitam. (Sujeito 2, 14 anos, masculino)

Pra mim família não é nada. Quer te destruir. Maltratar e infernizar. Minha mãe e
meu pai são uma merda. Família tem que se ajudar e na minha isso não acontece.
(Sujeito 5, 14 anos, masculino)

Não sei o que é família. O que eu gosto do meu irmão é que ele dá droga pra eu
fumar. Minha mãe deixava eu sair quando eu quisesse, meu pai só me bate, odeio
ele. Minha mãe não era carinhosa. (Sujeito 7, 14 anos, masculino)

Através de relatos como estes, obtidos nas entrevistas é que há a tendência de


caracterização das famílias que encontram-se em vulnerabilidade social como famílias
“desestruturadas”, conforme expõe Silva (2012, p.74 apud ESCOREL, 1999, p. 134):
É a instancia familiar, de ordem privada, a que proporciona o maior número de
motivos explicativos para a presença de crianças e adolescentes nas ruas, como se
nestas famílias – além de serem pobres e não contarem com o respaldo da ação
pública governamental – faltasse um ‘gancho’ que conseguisse ancorá-los em seu
domínio. Uma parcela da opinião pública mantém uma explicação ‘naturalizada’ da
desigualdade e o ônus maior recai sobre a família pobre que seria, naturalmente,
conflituosa.

Porém, responsabilizar a estrutura familiar pelo desconserto desse múltiplo arranjo de


determinações política, econômica, social e cultural trata-se de estereotipar a família pobre,
como desagregada e promotora de seres desviantes, marginais. (SILVA, 2012, p. 74 apud
ESCOREL, 1999, p. 134).
Neste sentido, a “discussão deve ampliar-se para uma dinâmica que, ao invés de
excluir, abarque as relações familiares em termos de uma história de vida marcada por
deslocamentos e variações constantes no que tange às vinculações sociais estabelecidas”,
(SILVA, 2012, p. 72) uma vez que as famílias dos adolescentes acolhidos são oriundas dos
estratos mais pobres da população e “por trás de uma criança de abrigo sempre há uma família
que foi abandonada pelo Poder Público”.
E ainda, independentemente das condições econômicas e conflitos existentes na
estrutura familiar, são os vínculos familiares que asseguram ao indivíduo a segurança de
pertencimento social. Nessa condição, o grupo familiar constitui condição objetiva e subjetiva
de pertença e referência. (CARVALHO, 2004, p. 272)
Conforme refere Silva (2012, p. 72):
A família revela sua continuidade pelo poder de referência que comporta e que se
apresenta sob variadas formas de representações positivas, negativas, antagônicas.
São lembranças carinhosas, revoltosas, ressentidas. Evocam um poço de cobranças
ou empecilho à “liberdade”.
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Este valor conferido à família permeia diferentes dimensões temporais e fundamenta a


carga de sentidos atribuída aos laços familiares. Sendo este o motivo propulsor da
manutenção da convivência familiar e dos laços de afeto.

4.1 SISTEMA DE PARENTESCO, PERTENCIMENTO, E RECIPROCIDADE

O campo do parentesco estudado no século XIX propõe que há sistemas diferenciados


de classificação de parentes de um modo diverso e independente das relações de família,
basicamente, que a classificação de parentes não obedece a um código universal fundado na
família nuclear. Ou seja, as formas da organização da família se alteram não devendo ser
tomadas como absolutas e que a designação de parentesco apesar de variadas, são coerentes.
(DAMATTA, 1987, p.225)
Nas sociedades de pequena escala, ou comunidades humanas a importância das
relações de parentesco se dá pois as categorias básicas da relação biológicas servem como um
meio de identificar e ordenar as relações sociais.
Conforme aponta John Beattie (1971, p.117):
Assim, o parentesco pode fornecer um guia para uma grande variedade de relações
sociais em que é provável que uma pessoa se envolva no decorrer de uma vida. Mas,
acima de tudo o parentesco é muito mais comumentemente utilizado por dois
objetivos importantes. Primeiro, ele fornece um modo de transmitir status e
propriedade de uma geração a outra e, segundo, em algumas sociedades ele serve
para estabelecer e manter grupos sociais efetivos.

Para Hobel e Frost (1981, p. 237 apud MARCONI, 2007, p. 103), as relações de
parentesco consiste em funções interagentes, atribuídas, segundo o costume, por um povo, aos
diferentes status de relacionamento.
Os estudos de Marconi (2007, p. 104) explicam que:
A origem do sistema de parentesco encontra-se no fato de o indivíduo pertencer, ao
mesmo tempo, a duas famílias nucleares: a de orientação (onde nasceu) e a de
procriação (que constituiu). Pertencendo as duas, ele estabelece um elo entre os
membros de ambas. A ramificação dessas series de elos vai unindo um grupo de
indivíduos a outros, por meio dos laços de parentesco; cada família terá seus
próprios parentes.

Para além da origem biológica e da consanguinidade, diante das diversas modificações


da sociedade brasileira, percebe-se que o pertencimento exposto acima através do sistema de
parentesco pode ocorrer através da afinidade e afeto. Como é o caso, por exemplo, da adoção,
onde leva-se em consideração além do grau de parentesco, a relação de afinidade ou de
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afetividade atribuindo a condição de filho ao adotado com os mesmos direitos e deveres


inclusive sucessórios (ECA, Art. 41, 1990)
Isto posto, outro fator que interessa ao estudo, trata-se da teoria da reciprocidade,
conforme expõe a antropóloga Zaluar (1997, p.07):
Uma das correntes mais influentes da Antropologia caracterizou o social como a
esfera da reciprocidade, dos laços morais e da comunicação interpessoal (...) Hoje,
no término do século, o esgarçamento do tecido social, a violência urbana, a
fragmentação que atinge todas as formas de organização celular e a perda de ímpeto
dos movimentos sociais, além dos novos desafios colocados pela teoria econômica
neoliberal, que permanece centrada no indivíduo e no interesse, têm levado
numerosos cientistas sociais a recuperar os termos do debate no início do século.

A teoria da reciprocidade formulada por Malinowski (1961) e Mauss (1968) traz


consigo a questão do código da aliança já exposto por Lévi-Strauss centradas na ideia de
relações e configurações (1958 e 1962). O autor Eric Sabourin (2011, p.31) expõe que:
As relações de reciprocidade estruturadas sob uma forma simétrica são aquelas que
geram valores afetivos e éticos, como o havia identificado Aristóteles (1994). A
relação de reciprocidade em uma estrutura bilateral simétrica gera um sentimento de
amizade; a estrutura de divisão simétrica dos bens dentro de um grupo gera a justiça.
Assim, outros tipos de relação, em outras estruturas, podem produzir outros valores
específicos.

A reciprocidade pode ser evidenciada nos relatos dos adolescentes, quando


questionados sobre laços de afeto e pertencimento, quando indagados se havia alguém que
considerava como “família” apesar da consanguinidade e relações de parentesco.
Sim. Alex, Fabricio, Wellington, Erick, Maicon, José, Luiz, Caio... Ah! Todos os
caras que já passaram pelo abrigo. (Sujeito 1, 14 anos, masculino)

Sim. Um amigo da escola. (Sujeito 1, 14 anos, masculino)

Sim, amigos da escola e os que fiz aqui no abrigo. (Sujeito 3, 14 anos, masculino)

Sim. A turma do abrigo. (Sujeito 5, 16 anos, masculino)

Todos os caras do abrigo. São meus irmãos. (Sujeito 6, 14 anos, masculino)

No universo em pauta os amigos podem ser tão ou mais significativos que os parentes,
em termos de frequência de contato, apoio cotidiano e compartilhar de dificuldades. (VELHO,
2002, p. 28)
“Nas comunidades domésticas, onde vigoram as relações baseadas no amor e na
amizade, a reciprocidade é de natureza restrita ou generalizada, envolvendo pessoas que se
conhecem entre si e têm muitos laços de longa duração”. (ZALUAR, 1997, p. 09)
Conforme o autor Gilberto Velho (2002, p. 35) expõe:
Os laços entre amigos não obedecem a padrões rigidamente definidos de trocas e
obrigações, há maiores possibilidades de se estabelecer novas relações que
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substituam, completem ou ampliem as tradicionalmente dadas pelo universo da


família e do parentesco. Trata-se de um tipo de sociabilidade específica,
caracterizada pela grande ênfase da liberdade de escolha individual.

Neste sentido, tem-se a “família vivida” descrita por Gomes (2002, p.26) ao referir-se
à família contemporânea, onde as relações de afeto são estabelecidas através da vida
cotidiana, apontando que família é:
Um grupo de pessoas, que convive com a proposta de uma ligação afetiva
duradoura, incluindo uma relação de cuidado entre os adultos e deles para as
crianças e idosos que aparecerem neste contexto.

Assim sendo, concorda-se com o antropólogo Roberto Damatta (1987, p. 02), quando
ele menciona que “fazer parte de uma totalidade viva e atuante, são o centro mesmo da
sociabilidade humana, presentes onde quer que vivam humanidades, sob quaisquer
condições”.

5 E QUANDO EU CRESCER

Ao reduzir os problemas e dilemas dos processos sociais complexos que articulam o


local, o nacional e o global à esfera do social, faz emergir adolescentes que deixam de ter
alternativas futuras que não as drogas, a delinquência ou a morte prematura. (ZALUAR, 1997,
13)
Conforme Ivete Walty (2003, p. 92), propõe baseando-se em Michel de Certeau:
Os excluídos constroem seu cotidiano retornando nas malhas do sistema que os
excluem, o que se pode constatar é que, atualmente, a linguagem com que eles
constroem seu mundo é, como já se disse, feita dos cacos, dos detritos do mundo
excludente. Um desses detritos é a violência e as drogas.

Esta perspectiva pode ser confirmada através dos relatos obtidos, onde percebe-se que
os adolescentes tendem a enxergar seu futuro como produto da reprodução de sua condição
econômica, política e sociocultural, travando uma postura que tem em vista transmitir essas
práticas, sendo a ruptura com determinados comportamentos e costumes improváveis ou
muito distante de sua realidade, defendidas através da expressão: “Sempre foi assim!”
Meu futuro não enxergo bem. Só violência, tiro, morte. Sempre foi assim. Meu
futuro só pode trazer desgraça. Se você pudesse mudar algo em sua vida, o que
seria? Meu comportamento, meu respeito pelas pessoas e minha educação. Qual o
seu maior sonho? Fazer faculdade e ser bombeiro. Se você pudesse mudar algo no
mundo, o que seria? A violência, as drogas. (Sujeito 1, 14 anos, masculino)

No futuro me vejo um nada. Gostaria de entrar pro exército e dar a volta por cima e
encarar de frente todo mundo que me humilhava. Se você pudesse mudar algo em
sua vida, o que seria? Minha idade. Queria mudar tudo que passei, nascer de novo
e ver se as coisas seriam diferentes. Qual o seu maior sonho? Entrar no exército e
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ser capitão. Se você pudesse mudar algo no mundo, o que seria? Não haveria nem
drogas, nem crime. (Sujeito 5, 16 anos, masculino)

Eu me enxergo maconheiro, “nóia”, desgraçado. Não sei se eu vou ter família. Se


eu morar com a família acho que não vai ser assim. Se você pudesse mudar algo
em sua vida, o que seria? Não faria nada de errado, para não ter que estar aqui (no
abrigo) hoje. Qual o seu maior sonho? Morar com meu irmão que está preso
quando ele sair. Se você pudesse mudar algo no mundo, o que seria? Tirava meu
irmão da cadeia. (Sujeito 3, 14 anos, masculino)

Penso que no futuro vou ser Matador de polícia. Matador de pessoas. Me arrependi
de ter saído da escola. Se você pudesse mudar algo em sua vida, o que seria?
Parar de usar drogas. Qual o seu maior sonho? Ter um Camaro. Se você pudesse
mudar algo no mundo, o que seria? Eu seria o prefeito da cidade. Eu ia abaixar o
preço de tudo e os impostos. Um Camaro ia ser R$ 50,00. (Sujeito 10, 14 anos,
masculino)

No futuro acho que vou ser um bom menino. Que trabalha e estuda. Quero fazer
faculdade de biologia e trabalhar com plantas e animais. Se você pudesse mudar
algo em sua vida, o que seria? Nada. Qual o seu maior sonho? Que minha mãe
saia da cadeia. Se você pudesse mudar algo no mundo, o que seria? Acabar com
as drogas e os abrigos e as cadeias. (Sujeito 9, 13 anos, masculino)

As representações nascem no curso das variadas transformações que geram novos


conteúdos. Durante essas metamorfoses as coisas não apenas se modificam, são também
vistas de um ponto mais claro. Todas as coisas que nos tocam no mundo a nossa volta são
tanto o efeito de nossas representações como as causas dessas representações. (SÊGA, 2000,
p. 132)
Pode-se verificar que nas representações dos adolescentes, as drogas, o uso, o tráfico
de drogas se apresentam como parte significativa do presente, passado e futuro, deles próprios
ou de seus familiares que acabaram detidos pelo envolvimento com a criminalidade.
Em suma, sem uma política pública que modifique a atual criminalização do uso de
drogas, e sem um projeto educativo de prevenção de seu uso entre os jovens não
conseguiremos modificar o atual cenário de violência e injustiça existente no país. Por isso, é
preciso um trabalho intenso com a juventude para reconquistar seus corações e mentes
(ZALUAR, 1997, p. 17), pois “os homens não se separam por meio de espécies, mas pela
organização de suas experiências, por sua história e pelo modo com que classificam suas
realidades internas e externas” (DAMATTA, 1987, p. 10)

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O diálogo com as reflexões teóricas e relatos dos adolescentes apresentados, permitiu


vislumbrar as forças distintas que sustentam significados e representações trazidos através das
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relações e dos valores apreendidos no meio sociocultural a que pertencem, marcados por uma
série de vulnerabilidades e conflitos com a dimensão sociofamiliar, que justificam práticas e
comportamentos e propiciam a criação de novos laços de sociabilidade e reciprocidade.
Desta maneira, percebe-se que, a violência, seja ela estrutural ou simbólica é sofrida
multilateralmente, cotidianamente, fazendo-se parte integrante inclusive do processo de
endoculturação, sendo o acolhimento o microcosmo da resolução dos problemas sociais.
Deparamo-nos, portanto com a necessidade um embate permanente entre os
procedimentos postos em curso pelas instituições, programas e projetos existentes para
atendimento da criança e adolescente, desprovido de preconceitos e enganos, privilegiando o
diálogo e respeitando a cultura local, uma vez que para garantir-lhes os direitos fundamentais
e a proteção sem que se caia no abismo da reprodução das desigualdades sociais e culturais,
deverá ocorrer a customização das políticas de forma que possa adaptá-las a cada indivíduo,
respeitando-lhes as singularidades pessoais e a vontade subjetiva de valorização,
principalmente nos Serviços de Acolhimento onde o atendimento deve ser provisório e
transitório, objetivando o retorno do adolescente para o mesmo grupo social de onde foi
retirado, de forma que haja a ruptura da reprodução desta realidade social, das situações de
risco e consequentemente da representação que os adolescentes tem de seu futuro. Pois, como
diz o antropólogo Roberto Damatta é o conhecimento do homem pelo homem e da sociedade
humana em suas várias formas de relacionamento interno e externo que constitui a “grande
transformação” e a “grande esperança” deste fim de milênio.

ABSTRACT

TEENAGER WORLDVIEW UPON ENTERING AN INSTITUTIONAL CARE


PROGRAM: AN ANTHROPOLOGICAL APPROACH.

This article seeks to explore, from an anthropological perspective, the teenage worldview
upon being placed into a residential protective care program. It concerns a study of ten (10)
adolescent males from 12 to 17 years old that were in a program in Bauru, Sao Paulo, Brazil.
As the worldview of teenagers is the subject of this work, the study focuses on, as its main
objectives: to describe some cultural aspects of these teens, their identified values, practices
and group point of view, to obtain the subjects’ view of the residential care program, and to
reveal their concept of family and kinship relationships. The method chosen for this study was
participant observation by a researcher who was present with the group daily for prolonged
periods and on varying occasions. This first hand reporting technique allowed for the
assessment of subject matter considered relevant in this specific environment and allowed for
interviews to be performed within the program. A combination of dialogue, reflections and
reports from the adolescents enabled understanding of the distinct forces at work that affected
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them in the program environment. It reveals the values that hold meaning in their
relationships in the socio-cultural environment to which they belong which is influenced by
their vulnerabilities and marked by conflicts that have family social dimensions that justify
their practices and behaviors and foster the creation of new sociability and reciprocal ties.

Keywords: Social Anthropology. Adolescence. Violence.

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Data do Recebimento: 04/06/2015

Data da aceitação: 19/09/2015

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