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Nome: Victória Cristina Dos Santos Lage

RA: 202587
Comentário: Tensão entre autonomia e dominação no diagnóstico de Max Weber
sobre a modernidade

Em suas obras “A ética protestante e o espírito do capitalismo” e “Ciência como


vocação”, o sociólogo Max Weber desenvolve uma tese acerca de fenômenos essenciais
que moldaram a modernidade na Europa, se propondo a analisar de forma neutra como
a lógica do capitalismo começou a operar em diferentes esferas da sociedade alemã.
Contrastando com a teoria revolucionária de Karl Marx, o autor expande a ênfase do
processo do capitalismo para além da esfera econômica e traz novas concepções de
como estudar a realidade estabelecida, através de um trabalho paradoxal que perpassa o
liberalismo, os tipos de dominação legítima, a ideia de autonomia e por muitas vezes
uma estagnação em frente ao sistema vigente.
Primeiramente, buscando compreender os processos de transformações que
constituem a modernidade ocidental europeia a partir do conceito de racionalização do
mundo, Weber começa por destrinchar as afinidades eletivas estabelecidas pelo
protestantismo e o capitalismo. O processo conta com dois momentos de construção: a
desmagificação e a secularização.
A desmagificação é explicada através da novidade da cultura protestante em
relação à católica, onde a ascensão humana ao reino dos céus é atrelada diretamente
com a conduta de trabalho seguida. Assim, ocorre um desencantamento do mundo
moderno trazido pela ética da igreja que impacta os valores usados pelos indivíduos
para interpretarem sua realidade. A secularização é decorrente desse processo, pois
desse modo a religião é alocada como apenas mais uma esfera de valor
instrumentalizada pelo pensamento capitalista.
Além da esfera religiosa, um importante pilar na sociedade tradicional, o autor
subdivide as esferas em: econômica, política, intelectual, estética e erótica. Dentro
dessas esferas de valor há diversos conceitos em colisão, então essas são descritas como
estando em permanente tensão entre si ‒ de uma forma inevitável ‒ na disputa pela
importância na sociedade. Ainda é importante ressaltar que os valores passam por
indivíduos e suas percepções da realidade; são aplicados em suas relações; formados
socialmente, levando a tipos distintos de ações sociais que tentam elencar um
emaranhado caótico dessa complexidade humana.
Dentre sua descrição de relações sociais, a ação racional com relação a fins é a
chave essencial para fazer sentido do diagnóstico da modernidade de Max Weber. De
acordo com o sociólogo, essa tende a se impor diante da ação racional com relação a
valores, ação afetiva e ação tradicional, sugerindo que as esferas de valor são tanto mais
racionais e mais autônomas, quanto mais elas permitem o desenvolvimento da ação
racional com relação a fins.
Sendo assim, o processo do avanço da racionalização e da própria modernidade
autonomiza as estruturas a um ponto que essas se tornam destacadas dos agentes, o que
gera um caráter objetivo, impessoal e coisificado para as mesmas e impõem uma
dominação do campo racional que caracteriza a modernidade. Onde se dá uma
racionalização do mundo e de suas estruturas, logicamente culmina uma falta de
autonomia do indivíduo frente a um processo em que esse não tem controle.
Portanto, pelas transformações contextualizadas, a liberdade individual toma
uma posição emblemática no pensamento do sociólogo, onde o mesmo chega no
“paradoxo das consequências” na modernidade, podendo ser explicado da seguinte
forma: antes o protestante trabalhava devido sua moral com fins de poupança, agora
aquilo que era um valor moral vira imposição através do trabalho. Ou seja, observa-se
que conforme a modernidade avança, são criadas novas dominações que se alienam do
controle dos indivíduos, o que implica a perda da liberdade individual e o declínio da
autonomia. Porém, mesmo com este viés, Max Weber é capaz de defender uma política
de liberdade individual dentro do sistema.
Sua crença liberal é intrínseca à sua visão sobre como a realidade é dada e vaza
para todos os aspectos de sua obra. Realidade essa, na qual é teorizado que os agentes
conservam um nível de autonomia em relação a valores e ao conceito de obediência nas
diferentes dominações ‒ onde os indivíduos aceitam obedecer ‒, a ideia de autonomia
esteve presente até mesmo no pensamento sobre o mundo construído pela junção da
ética protestante e o espírito do capitalismo, onde, para Weber, este seria criado com
mais possibilidades para a “liberdade” pessoal.
O alemão defende em vários momentos o politeísmo de ideias e valores, uma
democracia com o Estado forte a fim de preservar as liberdades individuais, evitando o
totalitarismo, o que traz consequências para sua interpretação sobre a modernidade. Há
a imagem de um Weber que não quer abrir mão da autonomia, este pensamento
podendo ser interpretado como uma fuga à “jaula de aço” teorizada pelo autor.
O pensador marxista brasileiro Michael Löwy que “estabelece um diálogo mais
explícito do marxismo com a leitura de Max Weber da modernidade” (QUERIDO,
2010, p. 128) em seu livro “A jaula de aço”, afirma que o lado crítico de Weber nunca
chegou a formular uma teoria geral da modernidade, para Weber ela ainda estava em
construção, então pode-se extrair apenas um diagnóstico da modernidade que abarca
autonomia e dominação em vários momentos de seu pensamento.
Através da contextualização posta em seu diagnóstico, está claro que autonomia
e dominação não são antagônicos e absolutos ‒ poucos são na teoria weberiana ‒ desse
modo, conclui-se que a relação entre os dois conceitos é estabelecida como complexa,
localizando Weber na tensão permanente entre os mesmos em diferentes campos de seu
raciocínio. Sempre há presente em sua obra uma dimensão onde o social passa pelo
individual, podendo ser analisados como afinidades negativas, sua coexistência leva a
uma realidade paradoxal de uma modernidade inevitavelmente racionalizada teorizada
por um autor que deixa várias interpretações a serem feitas até os dias atuais.
REFERÊNCIAS

LÖWY, Michael. A Jaula de Aço. Max Weber e o marxismo weberiano. São Paulo:
Boitempo, 2014.

QUERIDO, Fabio Mascaro. Crítica da modernidade e “marxismo weberiano”: aspectos


da trajetória indisciplinada de Michael Löwy. Unesp.br. Disponível em:
<https://periodicos.fclar.unesp.br/perspectivas/article/view/4103/3739>‌

Weber, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. São Paulo: Companhia


das Letras, 2004.

WEBER, Max. Economia e sociedade. Vol. 1. Brasília: Ed. UNB, 1991, p. 3-35.

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