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TREINAMENTO

DESPORTIVO

Salma Hernandez
Periodização completa
de treinamento
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Identificar as etapas fundamentais na montagem da periodização


completa de treinamento.
 Considerar as especificidades na montagem de periodização completa
de treinamento.
 Discutir o heterocronismo da aplicação das cargas em cada ciclo do
treinamento.

Introdução
Modelos de periodização de treinamento físico são cruciais para o plane-
jamento a longo prazo. Tais modelos descrevem fundamentos propostos
por estudiosos da área que aplicaram e teorizaram seus achados e emba-
saram a proposição desses modelos até a atualidade. Esses fundamentos
contemplam indicações sobre, por exemplo, como direcionar a carga de
trabalho e em que momento utilizar mais intensidade ou volume a fim
de alcançar a forma desportiva.
Neste capítulo, você vai conhecer as características dos principais
modelos teóricos da periodização em treinamento desportivo, consi-
derando suas especificidades a longo prazo. Além disso, vai estudar a
importância do heterocronismo na aplicação das cargas e seus efeitos
em termos de periodização.

1 Modelos de periodização de treinamento


Há muito tempo autores buscam fundamentar proposições de periodizações
eficientes em treinamento físico. Como cada autor contribui caracteristi-
camente para alguma modalidade desportiva ou performance, ressalva-se
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que não há um modelo melhor que os demais, e sim aqueles que melhor
se adequam às condições desta ou daquela modalidade, geralmente se
modernizando ao longo do tempo. Dentre os diversos modelos ou métodos
de periodização existentes, vamos discutir os principais: clássico, modular,
pendular, por blocos e ondulatório (PLATONOV, 2008; BOMPA, 2012;
FUNDAÇÃO VALE, 2013).
O modelo mais utilizado na prática, cujos primórdios remontam à década
de 1950, é o modelo clássico proposto por Leo Matveev (1997), considerado
o pai da teoria da periodização. Tal modelo se fundamenta na síndrome de
adaptação geral, que consiste em diferentes fases para se atingir a forma
desportiva: desenvolvimento, conservação e perda. Assim, nesse modelo de
periodização o ciclo anual de treinamento, ou macrociclo, é dividido em três
períodos bem definidos: preparatório, competitivo e transitório, relacionados às
diferentes fases de forma desportiva, em que deverão ser realizadas diferentes
proposições entre volume e intensidade dos estímulos.
Por sua vez, o modelo modular surge em meados dos anos 1970, pro-
posto por Vorobjev. O racional desse modelo era oposto àquele proposto por
Matveev, uma vez que no treinamento modular preconiza-se a preparação
específica (e não a geral), com mudanças intensas e frequentes de volume e
intensidade das cargas de treinamento durante toda a temporada. No recorte
histórico da periodização, esse é o primeiro modelo a se afastar do modelo
clássico e do emprego da preparação geral (PLATONOV, 2008; BOMPA,
2012; FUNDAÇÃO VALE, 2013).
Já o modelo pendular foi proposto por Arosjev e Kalinin também nos
anos 1970 (FORTEZA DE LA ROSA, 1994). Trata-se de um aperfeiçoa-
mento do método proposto por Matveev, em que são mantidos os períodos
de preparação, mas são acrescidos pressupostos sobre o descanso ativo e
sua relação positiva com a capacidade no restabelecimento do trabalho.
Esse método também preconiza a sequência de microciclos básicos e de
regulação (discutidos no próximo tópico) no restabelecimento eficaz e na
capacidade de suportar ritmos elevados e reduzidos de trabalho geral pelo
organismo do atleta. Desse modo, quanto maiores forem os pêndulos, maior
será a manutenção da forma desportiva. O fundamento básico do modelo
pendular é impor vários picos de rendimento durante uma temporada,
aproximando-se do calendário competitivo anual (Figura 1) (PLATONOV,
2008; BOMPA, 2012; FUNDAÇÃO VALE, 2013).
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Figura 1. Ilustração da distribuição de intensidade de cargas específicas e gerais ao longo dos


ciclos (períodos) de treinamento anual. O modelo pendular é caracterizado pela alternância
de cargas com ênfase nos períodos pré-competição.
Fonte: Adaptada de Tavares Junior (2014).

O modelo por blocos foi proposto por Yuri Verkhoshanski em 1983 e


apresenta mudanças importantes no que vinha sendo preconizado até então,
mas ainda com forte influência do método clássico. Este é um método de
cargas concentradas propício aos desportos com caracterização de força. Para
isso, são propostos três blocos: bloco A (preparação física especial), bloco B
(preparação técnico-tática) e bloco C (competições). Portanto, é um método
adequado para atletas de elite (repare que não há preparação geral).
A ideia central do método por blocos consiste em sobrepor parte dos conte-
údos dos blocos aproveitando os efeitos retardados do bloco anterior, utilizando
cargas concentradas, unidirecionais e com elevados volumes e promovendo
recuperações incompletas e processo de supercompensação. O modelo por
blocos apresenta dois grandes blocos, preparação e competição, um mais
volumoso e menos intenso e o outro mais intenso e menos volumoso, no qual
deverão ocorrer os melhores resultados (PLATONOV, 2008; BOMPA, 2012;
FUNDAÇÃO VALE, 2013).
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Por fim, o modelo ondulatório é caracterizado pela variação frequente de


volume e intensidade durante as sessões de treinamento, buscando estimular
diferentes qualidades físicas. Por essas características, o modelo pode ser
aplicado por períodos curtos (semanas ou meses), longos (anos) ou para prepa-
ração competitiva. Por meio dessa variação frequente de volume e intensidade,
esse modelo visa diminuir o risco de lesões e overtraining, eliminar o tédio
e melhorar a recuperação do indivíduo entre os estímulos. Os mesociclos de
treinamento são divididos de maneira similar à periodização clássica, mas
levam o nome do objetivo a ser alcançado, como mesociclo de força máxima,
de força rápida, de descanso ativo, etc. (Figura 2) (PLATONOV, 2008; BOMPA,
2012; FUNDAÇÃO VALE, 2013).

Figura 2. Ilustração da distribuição variada entre volume e intensidade durante um ma-


crociclo do modelo ondulatório. Esse modelo se caracteriza pela variação entre volume e
intensidade ao longo de macrociclos, mesociclos ou até mesmo microciclos.
Fonte: Adaptada de Tavares Junior (2014).

Como se pode observar, cada um dos modelos de treinamento ilustrados


apresenta fundamentos e características peculiares que devem ser utilizadas
nas periodizações em treinamento físico, considerando aquelas que melhor se
adequem a cada desporto, atleta, condições de temporada/competições, etc.
Assim, seguimos para o próximo tópico, em que discutiremos de forma mais
aprofundada como manipular todas as fases do treinamento.
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2 Especificidades da periodização completa


de treinamento
A elaboração de um treinamento físico rege etapas bem elaboradas e con-
troladas por variáveis agudas e princípios do condicionamento que poderão
ser aplicados em diferentes modelos de periodização descritos na literatura.
De acordo com Forteza de La Rosa (2000), o processo de preparação de um
atleta é não intuitivo e suas finalidades devem estar em concordância com os
problemas e necessidades, que precisam ser claramente identificados, levando-
-se em conta fatores climáticos e ambientais. Assim, o processo de preparação
de um atleta é considerado um processo sequencial, lógico e sistematizado,
em que gradualmente se desenvolve a forma desportiva.
Diante disso, para que esse planejamento e suas etapas sejam cumpridas,
alguns conceitos ou classificações são aplicáveis, como preparação plurianual,
anual, macrociclo, mesociclo, microciclo e sessão de treinamento (PLATONOV,
2008; BOMPA, 2012).
A preparação plurianual é composta por várias preparações anuais (tempo-
radas). Já a preparação anual compreende geralmente a um macrociclo, que,
por sua vez, é composto por mesociclos constituídos por vários microciclos,
que correspondem às sessões de treinamento. Como observado, esses conceitos
atuam em rede hierárquica no planejamento do treinamento.
Uma preparação plurianual também se relaciona com a definição etária ótima
em que atletas podem apresentar melhores performances em diferentes modalida-
des. De maneira geral, é necessário seguir durante vários anos um determinado
treinamento para se obter resultados esportivos de elite, ou seja, uma preparação
e formação ao longo da vida do indivíduo (PLATONOV, 2008; BOMPA, 2012)
Frequentemente, utiliza-se a preparação anual ou temporada, visando a forma
desportiva ao longo do planejamento, geralmente de 12 meses, culminando nos
melhores resultados perto das competições principais. Considerando que um
macrociclo corresponde a uma preparação anual, existirão vários mesociclos
ao longo da temporada, cujas durações são, em média, de três a seis semanas.
Os mesociclos possibilitam a sistematização da preparação de acordo com
a tarefa principal de determinado período, garantindo uma dinâmica ótima de
cargas e uma composição racional dos vários métodos de preparação. Assim,
de acordo com Platonov (2008), uma correta aplicação dos mesociclos garantirá
um bom direcionamento dos microciclos, organizando-os para diferentes tipos
de cargas de treinamento e visando um acúmulo de estímulos.
Nesse contexto, vejamos uma classificação dos diferentes mesociclos de
treinamento (MATVEEV, 1997; PLATONOV, 2008):
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 Mesociclo de introdução — o objetivo é a melhora do trabalho especí-


fico, embora a carga de treinamento ainda seja voltada para a preparação
física geral.
 Mesociclo de base — visa ao aumento das capacidades funcionais
globais, bem como o preparo técnico, tático e psicológico do atleta,
com utilização de volume e intensidade altos.
 Mesociclo de preparação e controle — busca o desenvolvimento da
capacidade integral e a finalização da forma desportiva (decorrente das
etapas anteriores). É a fase mais específica de treinamento e mimetiza
as condições de competição.
 Mesociclo de pré-competição — é tido para apurar pequenas falhas
em busca do aperfeiçoamento da capacidade técnica do atleta.
 Mesociclo de competição — definido pela especificidade de cada
modalidade desportiva.

Ao planejar mesociclos para mulheres, convém avaliar seu biorritmo mensal, ou seja, a
alteração de seu estado funcional em decorrência do ciclo biológico menstrual. Alguns
estudos comprovam uma variação da capacidade de trabalho durante o ciclo menstrual,
sendo atribuída a flutuações das capacidades de força, velocidade e resistência especial e
por perturbações na coordenação motora, bem como por alterações de humor, como irri-
tabilidade e instabilidade emocional. Gomes (2009) propõe a seguinte aplicação de variação
de carga dentro de um mesociclo (Quadro 1) considerando um ciclo menstrual de 28 dias.
Quadro 1. Variação da carga durante um mesociclo de treinamento para mulheres de
acordo com um ciclo menstrual de 28 dias

Dia Fase Característica da carga Tipo de microciclo

1º–3º Menstrual Média Ordinário

4º–12º Pós-menstrual Média Choque

13º–14º Ovulatória Média Estabilizador

15º–25º Pós-ovulatória Alta Choque

26º–28º Pós-menstrual Baixa Recuperativo

Fonte: Adaptado de Gomes (2009).


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Os microciclos correspondem às unidades estruturais do planejamento a


longo prazo, constituídos por sessões de treinamento que atendem ao cumpri-
mento de um mesociclo. Geralmente possuem durações semanais ou mensais.
Esses ciclos sofrem influência das condições ambientais e externas, mas não
devem repercutir no desenvolvimento e nos objetivos traçados no mesociclo
e macrociclo (PLATONOV, 2008; TUBINO; MOREIRA, 2003). Vejamos
uma classificação dos diferentes microciclos de treinamento de acordo com
a temporada (PLATONOV, 2008).

 Microciclos de treinamento:
■ microciclo de choque — caracteriza-se por altas cargas de treina-
mento, próximas ou mesmo no limite do atleta (80–100%), o que leva
a uma mobilização máxima das reservas energéticas do organismo;
■ microciclo ordinário — impõe cargas de treinamento moderadas,
de 60 a 80% do máximo do atleta;
■ microciclo estabilizador — tem como objetivo a manutenção da
forma física do atleta, cuja grandeza das cargas ficam entre 40 e
60% do seu máximo;
■ microciclo recuperativo de manutenção — o objetivo principal deste
microciclo é assegurar a recuperação do atleta, mas possibilitando ao
mesmo a manutenção de certas adaptações obtidas nos microciclos
anteriores e da condição integral do atleta (cargas entre 30 e 40%
do máximo).
■ microciclo recuperativo — visa a recuperação completa do atleta,
com cargas de treinamento por volta de 10–20% do seu máximo e
com dias de descanso.
 Microciclo preparatório de controle: geralmente é aplicado ao final
de etapas de preparação, incorporando ao treinamento participação em
situações próximas ou até mesmo idênticas ao que o atleta encontrará
nas competições.
 Microciclo pré-competitivo: é o período de preparação que se encon-
tra próximo às competições objetivadas pelo atleta. Não é indicada a
utilização de cargas máximas e os treinamentos de alta intensidade se
alternam com fases de recuperação.
 Microciclo competitivo: o objetivo deste microciclo é transferir o que
foi realizado durante os treinamentos para as competições.
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Toda essa fragmentação do planejamento do treinamento tem como ob-


jetivo possibilitar o alcance da forma desportiva em uma sequência de fases:
aquisição, manutenção e perda temporária. Para que isso ocorra dentro de um
macrociclo, devem estar presentes três fases de desenvolvimento da forma
esportiva: período preparatório, período competitivo e período transitório
(BOMPA, 2012; PLATONOV, 2008; TUBINO; MOREIRA, 2003).

Período preparatório
Subdividido em preparação geral e específica. Na preparação geral, o objetivo
é potencializar as capacidades coordenativas e motoras, criando uma base
para posteriormente progredir em atividades específicas à modalidade, além
de desenvolver as qualidades técnico-desportivas e psicológicas. Por sua vez,
a preparação específica garante o estabelecimento direto da forma esportiva
impondo estímulos específicos e muitas vezes idênticos aos realizados nas
competições.

Período competitivo
É o período que envolve a competição em si. Nele, o objetivo do treinamento
é a manutenção da forma adquirida nos períodos anteriores, bem como pro-
gressivamente desenvolver ainda mais o rendimento competitivo, culminando
em um nível excelente de condicionamento do atleta, além do cumprimento
dos resultados traçados no início da temporada.

Período transição
É o período entre a competição e o início da próxima temporada ou ma-
crociclo. O objetivo desse período é a recuperação completa do atleta de-
pois dos períodos extenuantes de treinamento e competição, reduzindo-se
drasticamente os volumes e as intensidades do treinamento. No entanto, é
importante ressalvar que não se trata de um destreinamento, e sim de uma
fase de manutenção básica da forma física, principalmente por meio do
descanso ativo. Este também é o período de recuperação das possíveis lesões
decorrentes da temporada.
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Embora essa fragmentação em períodos e ciclos de treinamento seja bem aceita


na literatura, alguns aspectos vêm sendo criticados ao longo do tempo, desde sua
proposição teórica por Matveev. Dentre eles pode-se destacar a dificuldade, por
exemplo, de desenvolver todos os períodos preparatórios em calendários competi-
tivos com várias competições ao ano, ou então a questão da preparação geral para
específica, em que alguns autores não veem tanta vantagem na aplicação específica
nas modalidades desportivas, sendo um fundamento para tal crítica a consequente
linearidade (propiciando monotonia) da proposição dos períodos. Todas essas críticas
justificam novas proposições de modelos teóricos para a periodização em treinamento
desportivo (PLATONOV, 2008; BOMPA, 2012).

Seja como for, ao entender melhor cada um dos modelos e suas caracterís-
ticas, o treinador pode optar por aquele que mais casa com suas necessidades.
O domínio das ferramentas e de suas partes constituintes de periodização a
longo prazo é fundamental para que a forma desportiva seja alcançada com
sucesso. Contudo, a mera aplicação sistemática de estímulos segundo um
modelo teórico não basta para alcançar a forma desportiva. Na verdade, é no
processo de relação entre estímulo e recuperação que essa forma se desenvolve.
O controle desse processo é o que veremos no próximo tópico.

3 Heterocronismo nos ciclos de treinamento


Para Verkhoshanski (2002), o heterocronismo se manifesta pela diversidade
de duração inerente ao processo de evolução dos diferentes componentes do
desempenho, em função das transformações ocorridas no organismo. Isto
é, trata-se de um fenômeno dado pelos diferentes tempos exigidos por cada
capacidade orgânica para que se atinjam níveis de adaptação importantes.
Resumidamente, o desempenho esportivo pode ser maximizado pela rela-
ção entre duas variáveis: carga e adaptação. A primeira representa a quebra
da homeostase e a segunda, o aprimoramento do estado funcional/orgânico
(PLATONOV, 2008).
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Diante disso, para que seja alcançada uma otimização ao longo de várias
sessões de treinamento, é preciso controlar os componentes isolados em cada
uma delas, isto é, o estímulo gerado em cada sessão de treinamento, obser-
vando aspectos quantitativos (duração, volume e frequência) e qualitativos
(intensidade e densidade) desse estímulo (Figura 3) (PLATONOV, 2008;
WEINECK, 1999; FUNDAÇÃO VALE, 2013).

Figura 3. Ilustração dos componentes do estímulo no treinamento físico. O estímulo


em cada sessão de treinamento deve ser observado mediante parâmetros qualitativos e
quantitativos para que a otimização da soma dos microciclos seja alcançada.
Fonte: Fundação Vale (2013, p. 49).

A medida mais frequente para quantificar a intensidade nos treinamentos


que buscam o desenvolvimento de resistência, força muscular, velocidade e
flexibilidade é dada pela porcentagem do desempenho máximo individual.
No entanto, outros parâmetros como a densidade desses estímulos, sua du-
ração e seu volume também exercem impacto no desenvolvimento da forma
desportiva ao longo da periodização. Assim, se o intervalo entre os estímulos
for curto demais (densidade alta), se a distância do percurso for longa demais
(duração longa) ou ainda se o número de repetições for muito elevado, todos
esses aspectos levarão a uma maior intensidade dos estímulos (PLATONOV,
2008; WEINECK, 1999; FUNDAÇÃO VALE, 2013; GOMES, 2009).
Ainda cabe destacar que a relação entre carga e adaptação será mediada do ponto
de vista biológico em decorrência da quebra da homeostase orgânica do atleta. Essa
quebra homeostática, por sua vez, será decorrente especificamente do metabolismo
celular e da utilização das vias energéticas para a produção do movimento (PLA-
TONOV, 2008; WEINECK, 1999; FUNDAÇÃO VALE, 2013; GOMES, 2009).
Por tudo isso, a melhora do desempenho esportivo também depende da obser-
vação de períodos de descanso ou recuperação. Acompanhar apenas o estímulo
ou observar o período de recuperação de forma insuficiente pode comprometer o
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desenvolvimento da forma desportiva. Essas duas variáveis devem seguir muito


bem controladas para a efetividade do treinamento. Assim, o heterocronismo
da recuperação se dá em decorrência do acúmulo de estímulos e/ou de sessões
de treinamento de acordo com a graduação do tempo de recuperação. Quando
essas relações se estabelecem de forma positiva, há um estado de aumento da
capacidade de trabalho e desempenho, fenômeno chamado de supercompensação.
Com isso em mente, teremos a recuperação classificada em duas grandes cate-
gorias: recuperação ativa (caminhada, corrida, etc.) e passiva (massagens, banhos
quentes, sauna, etc.). Esta última remonta à era antiga, em que banhos eram propostos
não somente como medidas recuperativas para esportistas, mas também profiláti-
cas e relacionadas à saúde. Já a recuperação ativa surgiu um pouco depois, com a
observação dos resultados em diferentes modelos de periodização em treinamento
(PLATONOV, 2008; WEINECK, 1999; FUNDAÇÃO VALE, 2013; GOMES, 2009).
Alguns estudos apontam que uma recuperação ativa traz diversos benefícios,
como aumento da irrigação local, favorecendo a eliminação de metabólitos
decorrentes do trabalho muscular. Kindermann verificou que a alta concentração
de lactato decorrente da prática de corrida retoma os níveis basais em 30 minutos
quando há uma recuperação ativa, acrescentando que esse período é signifi-
cativamente mais longo em caso de recuperação passiva (WEINECK, 1999).
Segundo Gomes (2009), as relações entre as fases de recuperação e as
formas de intervalo devem ser conforme as ilustradas na Figura 4.

Figura 4. Correspondência entre as diferentes fases de recuperação e as formas de intervalo.


Fonte: Gomes (2009, p. 85).
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A fase de recuperação imediata abrange os primeiros minutos de descanso


após o trabalho, e caracteriza-se por um ritmo acelerado de reações recuperativas,
ligadas à eliminação dos produtos dos processos anaeróbicos que se acumulam
durante a execução do exercício e à reposição do débito de O2 que se formou (PLA-
TONOV, 2008; WEINECK, 1999; FUNDAÇÃO VALE, 2013; GOMES, 2009).
A fase de recuperação lenta pode levar muitas horas de descanso, depen-
dendo do caráter do exercício executado. Essa fase caracteriza-se pelo reforço
dos processos de restauração do equilíbrio iônico e endócrino no organismo,
perturbado durante o exercício.
Depois de algum tempo, após a recuperação completa, as reservas energéticas
podem superar o nível verificado antes do trabalho (supercompensação). O grau
de superação do nível inicial e a duração da fase de supercompensação dependem
da duração total da execução do trabalho e da profundidade de mobilização das
reservas funcionais do organismo. A continuação posterior do descanso leva ao
retorno paulatino das reservas energéticas e ao nível inicial (PLATONOV, 2008;
WEINECK, 1999; FUNDAÇÃO VALE, 2013; GOMES, 2009).
Correspondendo às fases de recuperação (Figura 4), os cinco tipos de
intervalo de descanso podem ser definidos da seguinte forma:

 Intervalo rígido de descanso — corresponde à primeira fase de recu-


peração e caracteriza-se por um período insuficiente de recuperação.
A observação desse tipo de intervalo leva ao desenvolvimento da fadiga
em progressão rápida.
 Intervalo curto de descanso — corresponde à segunda fase de recu-
peração, quando a capacidade de trabalho ainda não se restabeleceu,
mas já se aproxima do nível que antecede o trabalho.
 Intervalo completo de descanso (ordinário) — a duração do descanso
assegura, no momento da carga repetida, a recuperação completa ou
quase completa. Esse intervalo permite empregar a carga repetida com
o estado relativamente estável do atleta.
 Intervalo supercompensatório — caracteriza-se por permitir a res-
tauração das fontes energéticas e propiciar a supercompensação. Nesse
caso, é possível a manifestação da capacidade de trabalho elevada com
a mesma reação de resposta do organismo.
 Intervalo prolongado de descanso — supera essencialmente a dura-
ção de recuperação completa. Significa o retorno ao nível inicial da
capacidade de trabalho. No caso de um descanso prolongado demais,
mudanças orgânicas podem implicar a redução da capacidade de trabalho
(princípio da reversibilidade).
Periodização completa de treinamento 13

Uma aplicação da manipulação do intervalo de recuperação foi estudada por Jambassi


Filho et al. (2012), que analisaram o efeito de dois intervalos de recuperação (de 1 minuto
e de 3 minutos) sobre a quantidade e a sustentabilidade de repetições e volume total em
idosas não treinadas na realização do leg press em três séries máximas (até a fadiga). Após
a análise dos dados, os autores encontraram reduções significativas na quantidade e na
sustentabilidade das repetições observadas entre a primeira e a segunda e terceira séries
e entre a segunda e a terceira série, para ambos intervalos de recuperação. No entanto, o
volume total da sessão realizada com 3 minutos de intervalo foi estatisticamente superior
quando comparado à sessão com recuperação de 1 minuto de intervalo.
Os autores concluíram que, no âmbito de sua amostra, a quantidade e a sustenta-
bilidade das repetições e o volume total de treino são influenciados pelo intervalo de
recuperação entre as séries, sendo que maiores intervalos de recuperação devem ser
utilizados quando a intenção é otimizar o volume de treino por meio da sustentabilidade
das repetições. Em contrapartida, intervalos de recuperação mais curtos devem ser
utilizados quando a meta for obter maiores níveis de fadiga muscular.

Assim, frente ao reconhecimento dos diferentes modelos teóricos de pro-


posição e periodização em treinamento desportivo e suas peculiaridades,
intervenções eficazes com performances máximas poderão ser alcançadas
promovendo não somente avanços na díade conhecimento teórico e prático na
área da educação física, mas também treinamento seguros que reafirmem uma
relação mais saudável possível, evitando lesões e afastamentos profissionais
precoces em decorrência do alto desgaste da forma desportiva.

BOMPA, T. D.; HAFF, G. G. Teoria e metodologia do treinamento: periodização. 5. ed. São


Paulo: Phorte, 2012.
FORTEZA DE LA ROSA, A. Entrenamiento deportivo. La Habana: Instituto Cubano del
Libro, 2000.
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FUNDAÇÃO VALE. Treinamento esportivo. Brasília: UNESCO, 2013. (Cadernos de Refe-
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14 Periodização completa de treinamento

GOMES, A. C. Treinamento desportivo: estruturação e periodização. 2. ed. Porto Alegre:


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TAVARES JUNIOR, A. C. A formação profissional e a aplicação dos modelos de periodização
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ção (Mestrado em Ciências da Motricidade) — Instituto de Biociências, Universidade
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TUBINO, M. J. G.; MOREIRA, S. B. Metodologia científica do treinamento desportivo. 13.
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Leituras recomendadas
VIRU, A. Postexercise recovery period: carbohydrate and protein-metabolism. Scandi-
navian Journal of Medicine & Science in Sports, v. 6, nº. 1, p. 2–14, 1996.
VOROBJEV, A. Halterofilia: ensayo sobre fisiologia y entrenamiento deportivo. México:
Libros de México, 1974.

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