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A pandemia de COVID-19 no Brasil: crônica de uma crise sanitária anunciada

A pandemia da Covid-19 tem sido um dos maiores desafios sanitários em escala global
desse século, com uma enorme quantidade de casos e mortes no mundo mesmo poucos
meses depois do início da epidemia na China. Há uma grande incerteza sobre quais as
melhores estratégias para o enfrentamento, isso por fatores como a falta de conhecimento
científico sobre o novo coronavírus, a alta velocidade de disseminação e a capacidade de
provocar mortes em populações vulneráveis. No Brasil, há ainda mais desafios, porque é
preciso levar em conta também o contexto de desigualdade social, com condições precárias
de habitação e saneamento e com situação de aglomeração.
Resumindo, a resposta à pandemia da Covid-19 poderia ser dividida em 4 fases: (a)
contenção, que inicia antes do registro de casos em um país ou região e tem objetivo de
evitar ou postergar a transmissão comunitária; (b) mitigação, quando a transmissão já está
instalada no país e visa diminuir os níveis de transmissão para os grupos de maior risco de
apresentarem gravidade do quadro clínico; (c) supressão, necessária quando as medidas
anteriores não são efetivas (por terem uma implementação inadequada e tardia ou porque a
redução alcançada não é suficiente para impedir o colapso na atenção à saúde), na qual há
medidas mais radicais de distanciamento social para adiar ao máximo a explosão do número
de casos por tempo suficiente até que a situação se estabilize no campo da assistência à
saúde ou até que uma nova ferramenta terapêutica ou preventiva esteja disponível (ex:
vacina); (d) recuperação, que ocorre quando há involução da epidemia e o número de casos
se torna residual, sendo importante que haja organização da sociedade e intervenção do
Estado para reestruturar o país.
Quando se fala sobre intervenções em saúde pública, esse debate é muito influenciado pelo
trabalho de Geoffrey Rose, que as divide em “estratégias de alto risco” (aquelas para a
redução do impacto da doença e suas complicações em um subconjunto populacional de
alto risco) e “estratégias populacionais” (que faz uma abordagem preventiva para toda a
população). Se tratando de doenças crônicas, há preferência pelas estratégias
populacionais, pois assim os benefícios seriam sentidos por todos. Já em relação à doenças
transmissíveis, a abordagem da população de maior risco (de transmitir e/ou de adquirir a
infecção) seria mais eficiente para limitar o processo de transmissão para toda a população.
Também é possível adotar uma combinação dessas duas estratégias.
Em diversos países, como nos EUA e na Itália, o isolamento vertical foi inicialmente usado,
mas foi preciso adotar o isolamento horizontal mais tarde devido à rápida evolução do
número de casos. O isolamento vertical geralmente começa com o cancelamento de
grandes eventos, seguido por ações como suspensão das atividades escolares, proibição de
eventos menores, fechamento de cinemas e shoppings, ou seja, recomendações para a
redução da circulação de pessoas a fim de “achatar a curva” da epidemia.
O uso de estratégias de isolamento social deve se basear na análise da situação e do
progresso da epidemia naquele contexto. Assim, um isolamento vertical efetivo poderia ser
mais eficiente por também reduzir as repercussões econômicas e sociais do isolamento
horizontal. Porém, na situação atual da epidemia do Brasil, é difícil executar um isolamento
vertical efetivo, pois há alta velocidade de expansão da infecção e dificuldade para o
monitoramento e vigilância de casos e contatos.
Além disso, a epidemia de Covid-19 encontra a população brasileira em situação de extrema
vulnerabilidade, com altas taxas de desemprego e cortes profundos nas políticas sociais,
incluindo um intenso estrangulamento dos investimentos em saúde e pesquisa.
No momento, as decisões imediatas devem buscar poupar vidas e garantir assistência de
boa qualidade ao paciente grave, também sendo indispensável minimizar os danos
econômicos, sociais e psicológicos das populações mais vulneráveis. É preciso defender o
sistema único de saúde e exigir que os governantes se engajem na defesa da vida do povo.

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