CAPÍTULO UM onde o jovem Bennosuke morava com seu tio, o padre Dorinbo.
Como o discípulo de Kihei informou ao padre que seu mestre
O Caminho da Espada: Banshu para a Ilha Ganryu
PRIMEIRO ATAQUE
Certa manhã de 1596, nos arredores da aldeia de Hirafuku, na
província de Banshu, Arima Kihei, um espadachim do Shinto-ryu,
esperava um pedido formal de desculpas. Esta deveria ser
entregue por um menino de treze anos, Miyamoto Bennosuke, o
gaki daisho local,1 ou “comandante-chefe” de todos os rufiões
da área e o principal instigador de todos os ultrajes em Hirafuku.
Kihei havia chegado na área alguns dias antes, colocou uma
cerca simples de bambu e ergueu um cartaz anunciando em
grandes letras douradas que ele aceitaria uma partida com
qualquer pessoa disposta a participar de uma competição de
habilidade com ele. Por que ele escolheu vir para um lugar tão
distante como Hirafuku é incerto. Ele pode ter ouvido que um
mestre da espada e do jitte, um certo Hirata Munisai, morava
não muito longe e esperava atrair sua atenção. Ele, no entanto,
ficaria desapontado. Foi um jovem Bennosuke, e não o
experiente Munisai ou qualquer outro espadachim errante, que
notou o cartaz.
A caminho de casa na hora de uma aula de caligrafia, Bennosuke
pegou seu pincel e tinta, passou sobre as letras douradas do
letreiro de Kihei e, em um ataque de bravata, escreveu:
“Miyamoto Bennosuke, residente no Shoren-in, vai dar-lhe um
jogo amanhã.” Quando Kihei voltou ao local e viu esse pouco de
vandalismo, ele respondeu enviando um discípulo ao Shoren-in,
desejava aceitar o desafio deste Bennosuke, o padre ficou pálido
e explicou que Bennosuke tinha apenas treze anos e que seu
desafio era apenas uma brincadeira de adolescente.
Quando informado disso, Kihei magnanimamente enviou uma
mensagem a Dorinbo que ele entendia, mas precisaria de um
pedido formal de desculpas de o menino para limpar sua honra.
O padre aceitou prontamente esses termos. Então, na manhã
seguinte, Kihei ficou esperando que o padre e o menino
resolvessem o assunto. Vários aldeões que ouviram falar do
incidente também se reuniram, provavelmente para
testemunhar e apreciar a humilhação dessa criança rebelde que
sempre causava tantos problemas. Mas quando Dorinbo e
Bennosuke se aproximaram, as pessoas notaram que o último
estava carregando um cajado de 1,80m. Então, para surpresa de
todos, bem no momento em que o pedido de desculpas deveria
ser feito, em vez de se curvar em humildade, Bennosuke acusou.
Kihei não esperava por isso e pode ter sido pego de surpresa,
mas ele era um espadachim experiente.
Esquivando-se do golpe, ele desembainhou sua espada e se
posicionou. Certamente os espectadores devem ter pensado
que o jovem desafiador não tinha chance alguma. Mas depois de
algumas trocas, Bennosuke de repente jogou seu cajado no chão
e lutou com Kihei. Ele então pegou o espadachim e o jogou de
cabeça no chão. Recuperando seu cajado, ele espancou Kihei até
a morte e voltou para casa. Muito antes de escrever O Livro dos
Cinco Anéis, Bennosuke se tornaria conhecido como Miyamoto
Musashi.
Nesse livro, ele se refere a essa luta de maneira bastante
simples: “Desde muito tempo atrás, na minha juventude, eu me
concentrei nas artes marciais e tive minha primeira luta aos
treze anos.
Meu oponente era um artista marcial do Shinto-ryu, Arima Kihei,
que eu derrotei.” Mas outro registro, o Tanji hokin hikki, fornece
informações sobre a atitude mental de Bennosuke no momento
da partida: “Neste ponto [Bennosuke] pensou: ‘Eu estava invicto
pelo inimigo porque não pensei na minha vida. Eu simplesmente
entrei e bati.” Essa atitude informaria sua psicologia pelo resto
de sua vida e se tornaria uma das principais correntes ocultas de
O Livro dos Cinco Anéis. Seu “inimigo”, Arima Kihei, foi
provavelmente um dos muitos shugyosha daquele período; um
praticante de espadas que aperfeiçoou suas habilidades e
aumentou sua reputação vagando pelas províncias do Japão em
combate - muitas vezes mortal - com outros espadachins. Um
shugyosha levava discípulos ou estabeleceu seu próprio estilo ou
escola, mas também sempre esperava ser notado pelo senhor
local, que poderia lhe oferecer uma posição oficial como
instrutor de espada para seu clã.
A vida do shugyosha não era nada fácil. Envolvia uma longa lista
de práticas ascéticas rigorosas: em suas viagens, o shugyosha
era exposto ao clima frio e quente, muitas vezes dormindo nas
montanhas e campos com pouco abrigo do vento e da chuva;
suportava a fome sem levar dinheiro ou rações para suas
viagens; ele andava pelos lugares mais inacessíveis e sempre
corria o risco de perder sua reputação ou sua vida em uma
partida casual ao longo do caminho.
Do próprio infeliz Kihei, quase nada se sabe, mas ele pode não
ter sido o mais exemplar de shugyosha.
Um relato, o Sayo gunshi, publicado na Prefeitura de Hyogo em
1926, relata: “Havia um certo Arima Kihei que jogava e agia de
forma ultrajante. Embora fosse um exímio espadachim do
Shinto-ryu, na cidade era desprezado como se fosse uma cobra
ou escorpião.” Seu estilo, o Shinto-ryu, era o do lendário
Tsukahara Bokuden, um mestre espadachim de uma geração
anterior; mas a palavra “Shinto-ryu” pode indicar qualquer
número de estilos ou subestilos. Havia, e ainda há, o Katori
Shinto-ryu, o Kashima Shinto-ryu e o estilo de Bokuden também.
Todos estes vieram das províncias orientais naquela época e
eram ramificações de uma tradição básica. (Curiosamente,
também havia um Arima Shinto-ryu criado por um certo Arima
Yamato no kami, e pode ser que Kihei fosse um membro dessa
família ou um discípulo da escola.) Nada mais está claro: apenas
que Kihei era morto por Bennosuke de treze anos (deve-se notar
em defesa de Kihei que, de acordo com alguns relatos,
Bennosuke tinha a estatura de um jovem três ou quatro anos
mais velho).
De sua parte, Bennosuke retornou friamente ao Shoren-in para
continuar seus estudos em caligrafia, confucionismo e budismo
sob a direção solta — e talvez, depois dessa reviravolta, tímida
— de seu tio Dorinbo. Ele também estudou alguma pintura,
provavelmente por conta própria; quando ele deixou o templo
para sempre, ele deixou uma pintura do patriarca zen, Daruma,
pressagiando seu surgimento cerca de trinta e cinco anos depois
como um dos melhores pintores de nanquim do Japão. Mas, nos
três anos que se seguiram à partida, ele morou agora em
Shoren-in, perto de Hirafuku,4 e agora com sua irmã, Ogin, na
vila de Miyamoto, perto da fronteira da província de Sakushu.
Finalmente, no início da primavera de 1599, ele doou todos os
bens de sua família – armas, móveis e árvore genealógica – para
o marido de sua irmã, Yoemon, e saiu de Miyamoto e subiu as
colinas com um de seus amigos. Em Kama Slope, tendo sido
presenteado com o cajado de Bennosuke como lembrança, seu
amigo voltou-se para Miyamoto e a obscuridade.
Bennosuke - que a partir deste ponto ficou conhecido como
Miyamoto Musashi - saiu da obscuridade e se tornou o
espadachim mais famoso e singular do Japão.
ORIGENS
Não há nada particularmente notável nas baixas montanhas e
colinas entre as aldeias de Hirafuku e Miyamoto. No final de
1500, a área continha aldeias agrícolas dispersas pontilhadas de
casas e campos e, em Miyamoto, um rio de tamanho não muito
grande. No entanto, embora a paisagem fosse geralmente de
paz e tranquilidade, se um viajante subisse a encosta Kama,
como Musashi fez em sua partida, ele sairia em uma passagem
no meio das montanhas.
Esta era a estrada entre Harima (Banshu) e Mimasaka (Sakushu),
que durante o período Edo que se seguiu (1603-1868) fazia
parte da estrada usada para o sankin kotai, a viagem para Edo
(Tóquio) feita pelo daimyo a cada dois anos.
A estrada em si era antiga, provavelmente usada como trilha
primeiro pelos ursos e veados que habitavam as florestas,
depois pelos caçadores e, finalmente, pelos mercadores que
transportavam mercadorias da costa oeste para a capital. Sem
dúvida, teria sido uma maravilha para um garotinho de grande
curiosidade e imaginação, crescendo em uma dessas aldeias
rurais remotas.
Era a saída. Harima, no entanto, teve uma história colorida. O clã
Akamatsu havia se estabelecido lá no início do século XII,
eventualmente construindo o Castelo Shirahata e se
estabelecendo como a família daimyo local.
Os Akamatsu eram descendentes de um Minamoto Morofusa,
que por sua vez vinha da linhagem Genji do Imperador
Murakami, e assim o clã podia se considerar parentes distantes
da família imperial.
Os Akamatsu se saíram bem na área por trezentos anos, mas
chegaram ao fim em 1441 quando o chefe do clã, Mitsusuke,
cometeu o grande erro tático de assassinar o shogun Ashikaga,
Yoshinori. Embora o xogunato em si não fosse muito forte na
época, outros daimyo liderados por Hosokawa Mochiyuki
aproveitaram a oportunidade para destruir Mitsusuke e o
castelo de seu clã.
O Bessho, uma linha júnior do Akamatsu, sobreviveu a este
desastre e prosperou o suficiente para construir vários castelos
em Harima. Um desses castelos, comandado por um Bessho
Shigeharu, foi atacado e caiu em 1578; Shigeharu escapou por
um triz para a vila de Hirafuku, onde mudou seu nome para
Tasumi, literalmente “aquele que vive nos campos”. Foi a filha
de Shigeharu, Yoshiko, que deu à luz Musashi em 1584, ligando-
o assim aos Akamatsu, aos Minamoto ou Genji e, antigamente, à
linha imperial.
O pai de Musashi era Hirata Munisai, um samurai com o status
de vassalo sênior do clã Shinmen, cujo sobrenome ele acabou
recebendo permissão para usar como seu. A família Shinmen era
um pilar da comunidade guerreira em Mimasaka e seu
progenitor foi Tokudaiji Sanetaka, o descendente da vigésima
oitava geração do famoso Fujiwara Kamatari. Envolvido na
tentativa de restauração do imperador Godaigo entre 1334 e
1338, Sanetaka foi exilado para Awai-no-cho em Mimasaka. Seu
filho, Tokuchiyo, foi a Kyoto e pediu absolvição (shamen; 赦免)
dos crimes da família.
Isso foi concedido, e o clã recebeu o status de guerreiro e
mudou seu nome para Shinmen ( 新免), ou “recém-absolvido”.
Tokuchiyo, agora chamado Shinmen Norishige, casou-se com a
filha de Akamatsu Sadanori, o governador de Mimasaka; seu
filho Naganori também se casou com o clã Akamatsu.
Finalmente, o pai de Munisai casou-se com o clã Shinmen e a
primeira esposa de Munisai, Omasa, era filha de Shinmen
Munesada, a quarta geração de Shinmen.
É à luz dessa genealogia que Musashi às vezes afirma que seu
nome completo é Shinmen Musashi Fujiwara Genshin. Munisai
tornou-se assim uma potência menor na área e foi investido de
um pequeno feudo; sua casa em Miyamoto era uma mansão de
estilo antigo, cercada por um bom pedaço de terra cercado por
muros de pedra e sem dúvida incluindo um belo dojo.
Foi aqui que Musashi brincava quando criança, subindo nas
árvores e perambulando pelas montanhas baixas.5 Sua irmã
mais velha, Ogin, casou-se com uma família vizinha Hirao, e no
jardim daquela casa hoje há uma árvore zelkova que dizem ser a
segunda geração daquela da qual o jovem Musashi pegou um
galho para fazer a primeira de suas muitas espadas de madeira.
Instrutor do clã Shinmen, Munisai era mestre em várias artes
marciais, incluindo o estilo de duas espadas, o uso de jitte, jiu-
jitsu e o uso adequado de armaduras. o Tori-ryu de esgrima, um
estilo que ele usaria com bons resultados contra Yoshioka Kenpo
em Kyoto.
Munisai também ensinou jujitsu para Takenouchi Hisamori, que
ficou como hóspede na casa Hirata quando Musashi tinha cerca
de quatro anos e que mais tarde estabeleceria o Takenouchi-ryu
dessa arte. Assim, Musashi foi criado em uma casa que dava
grande ênfase às artes marciais e ele provavelmente começou a
receber alguma instrução de seu pai em tenra idade.
Certamente armas de todos os tipos estavam constantemente
ao seu redor e ele deve ter muitas vezes sentado fascinado com
as conversas dos homens talentosos que iam e vinham,
reunindo-se ao redor do severo Munisai para instrução e
edificação.
Mas a infância de Musashi não foi feliz. Não muito tempo depois
que ele nasceu, Munisai se divorciou de sua segunda esposa,
Yoshiko, que era a mãe de Musashi, e ela voltou para sua casa
em Harima.
Munisai então se casou novamente, e Musashi parece não ter
se dado bem com sua nova madrasta. Além disso, havia rumores
dolorosos de que sua mãe verdadeira não era Yoshiko, mas na
verdade era Omasa, a primeira esposa de Munisai - uma
alegação de que a vila de Miyamoto (agora Miyamoto, Ohara-
machi, Aida-gun, Prefeitura de Okayama) oficialmente faz até
hoje.
Quando ele tinha cerca de oito anos, o relacionamento de
Musashi com seu pai começou a se deteriorar a ponto de o
menino começar a fazer a difícil viagem pelas montanhas para
visitar Yoshiko e sua filha.
família, eventualmente dividindo seu tempo entre Harima e
Mimasaka. Foi nessa época que sua educação formal foi
colocada nas mãos de seu tio, o padre Dorinbo. Um dia, a
situação com seu pai veio à tona. A história a seguir é
encontrada no Tanji hokin hikki: Bennosuke assistiu às artes
marciais de seu pai desde muito jovem. À medida que
envelhecia, ele gradualmente começou a expressar comentários
críticos.
Munisai começou a achar que aquela criança não era muito
simpática, apesar de ser seu próprio filho. Um dia, enquanto
Munisai estava esculpindo um palito, seu filho se aproximou e
começou a criticar sua técnica de jitte. Irritado, Munisai pegou a
adaga que estava usando para esculpir o palito e jogou-a em seu
filho como se fosse uma shuriken.
Bennosuke desviou da arma e ela se alojou no pilar atrás dele.
Munisai ficou ainda mais irritado, pegou sua espada curta e a
usou também como shuriken. Bennosuke se esquivou disso
também e fugiu para fora. Depois disso, ele nunca mais voltou
para a casa, mas viveu com um padre relacionado com sua mãe
em Banshu.
Assim, ele abandonou sua cidade natal. Musashi agora
considerava Hirafuku seu verdadeiro lar, e pode ser por essa
razão que ele declara em O Livro dos Cinco Anéis: “Sou um
guerreiro nascido em Harima”.
Mas registros locais em Miyamoto copiados já em 1689 afirmam
claramente que Musashi – pelo menos oficialmente – viveu
naquela aldeia até 1596, e assim teria mantido um forte senso
de seus ritmos e ambiente.
Um de seus lugares favoritos teria sido, assim como é para as
crianças da aldeia no Japão hoje, o santuário local, com seus
amplos espaços e árvores antigas. Nos tempos antigos, o
Aramaki, ou santuário Sanomo, ficava no topo da montanha nos
fundos da vila – daí o nome da vila: Miyamoto, “ao pé do
santuário”. O santuário foi posteriormente transferido para a
base da montanha, perto do lado norte do rio Miyamoto.
Aqui o jovem Musashi teria observado os sacerdotes xintoístas
enquanto eles batiam um enorme tambor ao longo do dia; à
noite ele teria adormecido com o mesmo som: o de duas
baquetas, constantemente em movimento, rodopiando como
espadas em mãos habilidosas.
ENCONTRANDO SUA FORÇA
Quando Musashi escalou o Kama Slope aos dezesseis anos, ele
embarcou na vida ascética e sem-teto de um shugyosha, uma
vida que ele continuaria de uma forma. ou outro até seus
últimos anos.
Seus pertences eram poucos: as roupas nas costas, talvez um
pequeno kit de costura, um cantil de bambu, no máximo uma
pequena quantia de dinheiro de bolso, um bastão de tinta e
pincel e, claro, sua espada. caminhava pelos caminhos
pedregosos da montanha, ele usava um par de sandálias de
palha que muitas vezes precisariam ser consertadas ou
substituídas.
Se tivesse sorte, poderia encontrar um chapéu de palha para a
cabeça. Era improvável que houvesse algum lugar para parar
para comer quando estivesse com fome, ou um lugar agradável
para se deitar quando estivesse cansado. Para aqueles que
acreditavam em contos populares, as montanhas escuras
estavam cheias de raposas e tanuki (uma espécie de texugo),
ambos especialistas em enfeitiçar os desavisados.
Para aqueles que não acreditavam em tais histórias, ainda havia
o perigo real dos bandidos. Na primavera de 1599, Musashi
caminhou pelas montanhas e entrou na província vizinha de
Tajima.
Aqui ele teve uma partida com um espadachim chamado
Akiyama, a quem ele derrotou. Nada se sabe sobre onde
ocorreu a partida ou sobre a linhagem de Akiyama e, no Livro
dos Cinco Anéis, esse oponente é simplesmente descrito como
“forte”. Mas a memória dessa luta deve ter sido intensa para
Musashi, de dezesseis anos.
De todas as suas mais de sessenta lutas por vir, ele parece ter se
lembrado dessa talvez mais claramente quando revisou sua vida
cerca de quarenta anos depois, sozinho na Caverna Reigan.
Enquanto Musashi caminhava sozinho, grandes grupos de
guerreiros começaram a se reunir lentamente ao redor de
Sekigahara, uma grande planície ao norte e leste de Tajima. Em
outubro do ano seguinte, seria travada ali uma batalha que
definiria tanto o curso do Japão pelos próximos três séculos e
meio quanto a direção da vida de Musashi. Por várias décadas,
dois homens dirigiram a reunificação de um Japão severamente
dividido pelo ineficaz xogunato Ashikaga.
Oda Nobunaga (1534-82) emergiu de um pequeno feudo no
meio do nada para quase conseguir unificar o país com seu
gênio militar implacável e criativo, e só foi detido quando foi
assassinado por um de seus próprios generais, Akechi.
Mitsuhide. Toyotomi Hideyoshi (1536-1598), outro dos generais
de Nobunaga, rapidamente reprimiu a rebelião e levou o país à
beira da total unificação e controle quando ele também faleceu,
possivelmente de um tumor cerebral.
Antes de morrer, Hideyoshi nomeou um conselho de cinco tairo,
ou ministros-chefes, para governar o país até que seu filho
Hideyori alcançasse a maioridade, esperando que assim o clã
Toyotomi continuasse a governar o país. Agora, um desses
tairos, Tokugawa Ieyasu (1542-1616), estava acabando com
essas esperanças.
Devido a um equilíbrio complicado de lealdades em constante
mudança, o Japão no ano de 1600 foi essencialmente dividido
em dois campos: os generais e daimyo que favoreciam o clã
Toyotomi mais ou menos incumbente (em grande parte de
Kansai e oeste do Japão), considerado o forças; e aqueles que
apostavam a crescente força das forças de Ieyasu
(principalmente de Kanto e da parte oriental do país), as forças
orientais.
Houve várias batalhas em diferentes locais, mas a batalha
principal ocorreu em Sekigahara na manhã enevoada de 21 de
outubro de 1600. Não se sabe quantas tropas eventualmente se
envolveram na luta, mas o equilíbrio inicial foi
aproximadamente igual, em cerca de oitenta mil homens em
cada lado.
Quando a batalha terminou, em algum momento durante a Hora
das Ovelhas (da uma às três da tarde), os exércitos Tokugawa
haviam derrotado os Toyotomi, ajudados em parte pela perfídia
de alguns generais do lado perdedor. As baixas foram na casa
das dezenas de milhares. Muitos dos derrotados que não foram
mortos na própria batalha foram caçados na chuva e na lama e
massacrados nos dias e semanas seguintes.
Alguns, no entanto, conseguiram escapar para lutar outro dia.
Musashi, embora ainda adolescente, era um deles. A Batalha de
Sekigahara era o sonho de um shugyosha. Junto com a vida de
autodisciplina ascética pela qual ele se submeteu, ele daria
boas-vindas à chance de participar de uma batalha – isso era
chamado de “empréstimo do campo de batalha” – para provar
sua coragem.
Para um guerreiro desempregado, lutar na batalha lhe dava a
chance de ser notado por suas habilidades e, se ele se
destacasse, ser contratado como instrutor de artes marciais sob
o patrocínio do senhor cujas forças ele havia se unido. Assim, ele
pode se tornar um samurai no verdadeiro significado da palavra,
“aquele que serve”.
Então Musashi agora viajou em direção a Sekigahara,
eventualmente se juntando às forças do clã Shinmen. Este clã
estava sob o comando de Ukita Hideie, que havia sido um dos
favoritos de Toyotomi Hideyoshi; ele havia sido escolhido para
ser um dos cinco tairos pelo moribundo Hideyoshi e era um pilar
das forças ocidentais. O pai de Hideie, Naoie, havia conquistado
Bizen, Mimasaka e Bitchu e estabelecido o Castelo de Okayama
uma geração antes, e os Ukita eram considerados um dos clãs
mais poderosos da região. Com a conexão de sua mãe com os
Shinmen, não é de surpreender que Musashi tenha se juntado a
esse clã, mas também pode ser que a ascensão onírica de
Hideyoshi ao poder do status de camponês tenha inspirado
Musashi a se juntar ao lado desse grande homem.
Musashi tinha seis anos quando Hideyoshi destruiu o poderoso
clã Hojo, e sete quando Hideyoshi conquistou a grande cidade
de Odawara. Dois anos depois, Hideyoshi começou sua invasão
da Coréia.
Essas histórias eram o assunto da nação, e o jovem Musashi as
ouviria como qualquer criança faria, sonhando com o que faria
quando crescesse. Todas as fontes indicam que Musashi lutou
com extraordinária bravura em Sekigahara, apesar de sua
juventude. Um relato típico, do Musashi yuko gamei, declara:
“As realizações de Musashi se destacaram da multidão e eram
conhecidas pelos soldados em todos os campos.” De acordo
com o monumento Kokura Hibun erguido em 1654: “O valor e a
grande fama de Musashi não poderiam ser exagerados, mesmo
que os oceanos tivessem bocas ou os vales tivessem línguas”.
Se olharmos para os comentários do próprio Musashi sobre a
batalha, no entanto, ficaremos desapontados, pois ele faz alusão
a ela apenas uma vez, em uma nota para Hosokawa Tadatoshi
escrita décadas depois, e apenas nos termos mais amplos: “Eu
participei de mais de seis batalhas desde a minha juventude.”
No final, as forças ocidentais perderam a batalha. Ukita Hideie
foi condenado à morte por Ieyasu, mas sua sentença foi
comutada para exílio permanente em uma ilha ao largo da
Península de Izu.
Ele finalmente raspou a cabeça e se tornou um monge, vivendo
até a idade avançada de noventa. Outros comandantes não
tiveram tanta sorte: muitos perderam seus feudos e suas
famílias e, claro, muitos perderam suas vidas. A batalha foi uma
das mais definitivas da história do Japão, marcando seu curso
pelos próximos duzentos e cinquenta anos.
E por mais que definisse o clã Yagyu, que lutou pelos Tokugawa,
como membros permanentes do establishment, também
definiria Musashi – que lutou do lado perdedor – como um
forasteiro pelo resto de sua vida.
A hegemonia Tokugawa agora era evidente em todos os lugares
e marcou o futuro dos participantes da batalha muito além do
túmulo. Mesmo os compositores do Kokura Hibun, erguido na
distante Kyushu nove anos após a morte de Musashi,
precisavam ser cautelosos em sua linguagem. Eles não
mencionaram, por exemplo, de que lado ele havia lutado, e até
se sentiram compelidos a descrever as ações das forças
ocidentais como uma “insurreição do retentor favorito do Taiko
Toyotomi, Ishida Jibunosuke”.
Após a batalha, Musashi, de dezessete anos, estava novamente
sozinho. Ele havia perdido sua aposta na guerra e quase perdera
a vida. Mas ele ganhou o orgulho de ter servido os Shinmen, os
Ukita e até mesmo o falecido herói Hideyoshi. Ele também
ganhou experiência em uma batalha prolongada. Ele pensaria
nessa experiência pelo resto de sua vida e registraria muitos
desses pensamentos em suas declarações finais no Livro dos
Cinco Anéis.
É interessante notar que o pai de Musashi, Munisai, também
participou desses conflitos, mas em Kyushu e para as forças
orientais.9 Por razões desconhecidas, ele já havia renunciado ao
clã Shinmen e ido para Nakatsu em Buzen para servir Kuroda
Yoshitaka ( Josui), recebendo um salário anual de duzentos
koku.10 Como parte das forças de Ieyasu no sudoeste, os
Kuroda atacaram o Castelo Tomiki em Bungo, e Munisai teria
visto ação ali.
Foi em Kyushu que Munisai conheceu o importante vassalo
Hosokawa, Nagaoka Sado no kami Okinaga, e se tornou seu
instrutor nas artes marciais. Essa relação desempenharia um
papel crítico na carreira de Musashi.
Como a maioria dos sobreviventes do lado perdedor da Batalha
de Sekigahara, Musashi passou vários anos após a guerra
mantendo um perfil discreto, fazendo o possível para manter
corpo e alma juntos. Ele passou algum tempo isolado nas
montanhas, mas também viajou muito, sem dúvida conhecendo
outros shugyosha na estrada e testando suas habilidades.
O que logo se tornaria aparente, no entanto, era que sua
autodisciplina e treinamento durante esse período devem ter
sido rigorosos e intensos. Em 1604, aos 21 anos, ele entraria em
Kyoto e arruinaria uma das mais respeitadas escolas de esgrima
da época.
QUIOTO E PARTIDAS COM OS MESTRES
O clã Yoshioka era um conhecido residente de Kyoto há
gerações.
O primeiro Yoshioka Kenpo, cujo nome pessoal era Naomoto,
era um mestre em produtos tingidos de preto e cor de chá na
área de Shijo da capital. Foi no constante movimento para frente
e para trás dos instrumentos de tingimento que um dia ele se
iluminou para o estilo especial de manuseio de espadas pelo
qual sua escola se tornaria famosa.
O nome “Kenpo”, que se tornou o título hereditário do chefe da
família, conota um homem que adere à retidão, e seus métodos
e preços de tingimento eram considerados justos e adequados.
Foi este Naomoto que atraiu a atenção do décimo segundo
shogun Ashikaga, Yoshiharu, com seus grandes feitos em
batalha, e que assim se tornou o primeiro instrutor Yoshioka
daquela casa.
A segunda geração foi seu irmão mais novo, Naomitsu, que
também adotou o nome de Kenpo e se tornou um instrutor de
artes marciais do clã Ashikaga. Foi Naomitsu quem foi instrutor
do “Swordsman Shogun” Yoshiteru, que também empregou
Tsukahara Bokuden e Kamiizumi Ise no kami Nobutsuna,
fundador do Shinkage-ryu.
E foi Naomitsu quem abriu o Heihosho, ou Lugar das Artes
Marciais, na seção Imadegawa de Kyoto. O filho de Naomitsu,
Naokata, tornou-se a terceira geração e instrutor do décimo
quinto e último shogun Ashikaga, Yoshiaki. Finalmente, havia os
filhos de Naokata, Seijuro e Denshichiro. Os anais da família, os
Yoshioka-den, comentam sobre eles:
Aqui, então, os irmãos Yoshioka. Ganharam fama no estilo das
artes marciais, e foram inéditos no passado ou no presente nos
mistérios das artes.
O irmão mais velho, Seijuro, e seu irmão mais novo,
Denshichiro, eram os chamados Irmãos Kenpo. Foi a partir do
tempo dos Irmãos Kenpo que a arte se renovava diariamente,
tornando-se cada dia mais próspera e transcendendo a arte de
gerações anteriores.
Seijuro, em particular, era considerado um excelente
espadachim. Ele havia se tornado o chefe da quarta geração do
clã Yoshioka, mas o xogunato Ashikaga estava extinto e o clã não
desfrutava de uma posição especial. Um de seus métodos de
treinamento era sair tarde da noite para uma floresta nos
arredores de Kyoto e, como disciplina espiritual, exercitar a
prática de “fixar a visão” (shikan; 止観).
Esta era originalmente uma prática do Budismo Esotérico em
que, em contraste com a prática Zen de preencher a mente com
o Vazio, o praticante deveria se concentrar em um único objeto
de adoração e, assim, varrer quaisquer outros pensamentos
extemporâneos.
Dizia-se que Seijuro atingiu tal nível de concentração que,
quando ele focava seu pensamento em um único pássaro no
topo de uma árvore na floresta, centenas de pássaros voavam
para o topo das árvores de uma só vez. Foi este Seijuro, o
descendente quase transcendentalmente habilidoso do
respeitado clã Yoshioka de Kyoto, que o autodidata Musashi de
21 anos desafiou para um duelo. A decisão de Musashi de
desafiar Seijuro não foi aleatória.
Ao derrotar Seijuro, ele não apenas mostraria ao mundo
inteiro o que ele poderia fazer, mas também demonstraria
uma ou duas coisas para seu pai, Munisai, que ainda ensinava
artes marciais em Kyushu. Uma geração antes, o talento de
Munisai chamou a atenção do shogun Ashikaga, que o chamou a
Kyoto para uma “comparação de técnicas” com o próprio
instrutor do shogun, Yoshioka Naokata.
O Kokura Hibun dá esta breve descrição: “Com um limite de
três partidas, Yoshioka levou vantagem uma vez e Shinmen
venceu duas. Neste ponto, Shinmen Munisai foi premiado com
a designação de um artista marcial 'sem igual sob o sol.'” Pode-
se imaginar que Seijuro teria sido rápido em aceitar este desafio,
independentemente do fato de que Musashi parecia não ter
experiência, não status, e provavelmente pouca habilidade. Com
essa luta, Seijiro planejava garantir que a mancha residual no
nome de sua família fosse erradicada para sempre.
O local da partida seria fora da capital, na charneca adjacente ao
templo Rendaiji. Seijuro estava armado com uma espada de
verdade, enquanto Musashi carregava a arma que se tornaria
uma de suas marcas registradas - o bokuto, ou espada de
madeira. O
Kokura Hibun descreve a luta: Musashi e Seijuro lutaram com o
poder do dragão e do tigre no Rendaiji Moor11 fora de Kyoto,
mas com um golpe da espada de madeira de Musashi, Seijuro
desmaiou e caiu inconsciente.
Esta partida havia sido prometida de antemão para terminar
com um único golpe, então Seijuro escapou com vida. Seus
discípulos o levaram em uma prancha e cuidaram dele até que
ele ficasse saudável. Ele finalmente abandonou as artes marciais
e se tornou um sacerdote budista.
O jovem não comprovado do campo havia espancado o chefe
da família Yoshioka com tanta força que o homem humilhado se
retirou da profissão de seu famoso clã e recebeu a tonsura. Sem
dúvida Musashi derrotou Seijuro com habilidade inesperada,
mas ele também usou a psicologia para chegar tarde o suficiente
para que o homem orgulhoso, ansioso para limpar esse pequeno
embaraço do nome de sua família, ficou agitado com raiva e
expectativa.
Musashi havia quebrado a famosa concentração de Seijuro
antes que a luta começasse, e assim garantiu sua vitória de
antemão. Nenhum pássaro voou para as copas das árvores nesta
partida. Os Yoshioka, no entanto, tinham o dever de recuperar a
honra da família.
A derrota de Seijuro não foi um simples acaso? Poderia a
respeitada escola Yoshioka, por gerações instrutoras do
xogunato na capital, perder sua reputação - e, portanto, seu
futuro - para um ronin sem nome e rude de uma vila agrícola?
Deixar o desastre terminar nesta conjuntura seria inimaginável.
E assim uma segunda partida foi organizada, desta vez
colocando Musashi contra o irmão mais novo de Seijuro,
Denshichiro. Denshichiro tinha fama de homem muito forte e
era, afinal, um dos Irmãos Kenpo.
Ele carregava uma espada de madeira com mais de um metro e
meio de comprimento e afiada na ponta, uma arma que exigiria
uma força considerável para ser manuseada, muito menos com
qualquer habilidade. A luta seria realizada em um local fora da
capital, e um horário foi marcado. Seria surpreendentemente
curto.
Musashi, tendo estudado o personagem Yoshioka e avaliado o
temperamento de Denshichiro, apareceu atrasado mais uma
vez, com o efeito desejado. Quando Denshichiro fez um ataque
agressivo e furioso, Musashi se esquivou do golpe, arrancou a
espada de seu oponente e o esfaqueou. De acordo com vários
registros, “Denshichiro caiu onde estava e morreu”.
A partida acabou em questão de segundos, e os discípulos
atônitos que tinham ido ver seu professor fazer um trabalho
rápido com o novato Musashi não podiam fazer nada além de
carregar o corpo sem vida de Denshichiro de volta a Kyoto. A
quarta geração do Yoshioka Kenpo chegou a um fim devastador.
Não é difícil adivinhar o que aconteceu a seguir. Histórias de
vingança, ou adauchi, sempre ocuparam um lugar importante na
história japonesa, o que não é surpreendente, dado o papel
crucial que a honra desempenha na cultura tradicional japonesa.
Se o dano à honra de alguém era flagrante ou sutil, esperava-se
que a parte ferida se vingasse.
E em uma sociedade onde as notícias se espalhavam como
ondas de uma pedra atirada em um lago parado, não havia
escapatória: o partido desonrado estava absolutamente fadado
à ação. Não agir significaria desgraça perpétua.
Esta foi a situação em que os remanescentes do clã Yoshioka,
seus discípulos e alunos, se encontraram: eles tinham uma
obrigação inescapável de agir, independentemente de quão
trágicas fossem as consequências.
E assim mais uma partida foi marcada com Musashi, desta vez
contra o filho de Seijuro, Matashichiro, agora considerado a
quinta geração do Kenpo. Mas a partida foi apenas um ardil - um
fato que parece ter sido conhecido por todos, incluindo
Musashi. Matashichiro era apenas um símbolo da honra do clã.
O plano real era para a batalha.
O local seria novamente nos arredores de Kyoto, no famoso
pinheiro espalhado no templo Ichijoji.12 Para garantir que não
houvesse chance de sofrer outra derrota, os Yoshioka trouxeram
mais de cem homens, armados com tudo, desde espadas e
lanças a arcos e flechas. Enquanto isso, a reputação de Musashi
disparou, e ele próprio havia contratado alguns alunos muito
ansiosos.
Pouco antes da partida, vários desses alunos souberam dos
planos da família Yoshioka, avisaram o professor e se
ofereceram para acompanhá-lo na luta. Musashi, no entanto,
sabia que envolver alunos em um adauchi seria considerado o
mesmo que inscrevê-los em uma batalha, algo estritamente
proibido pelas autoridades. O clã Yoshioka estava
essencialmente acabado e talvez não tivesse outro recurso. Mas
Musashi tinha sua vida pela frente e, de alguma forma, ganhou
uma confiança e uma força interior muito além da dos homens
comuns.
Seus alunos foram proibidos de andar com ele na armadilha
preparada pelo Yoshioka. No início do ano, quando lutou contra
Seijuro e Denshichiro, Musashi colocou seus oponentes em
desvantagem psicológica, fazendo com que os homens
esperassem e, assim, perdessem o equilíbrio mental. Desta vez
ele inverteu sua estratégia e começou cedo. No caminho, ele
passou por um santuário para Hachiman, o deus da guerra, e
parou por um momento para rezar pela vitória. Mas quando ele
caminhou até o altar e estava prestes a sacudir a corda do gongo
para chamar a atenção do deus, ele de repente percebeu que,
em tempos comuns, ele nunca havia depositado fé nos deuses e
budas.
Fazer isso agora seria errado. Desgostoso, ele soltou a corda e se
afastou. Por que os deuses o ouviriam agora, quando ele nunca
havia confiado neles antes? Na verdade, ele deveria confiar nos
deuses ou em si mesmo? Pingando suor de vergonha, ele se
curvou para o santuário em agradecimento pela revelação e se
apressou.
Esse incidente causou uma profunda impressão em Musashi - e
ao escrever O Livro dos Cinco Anéis quase quarenta anos depois,
ele deixou claro que os princípios da esgrima devem ser
entendidos como se o próprio aluno os tivesse descoberto. Este
foi um grande afastamento de outros estilos de espada do
tempo de Musashi. Do grande número de estilos que surgiram
em meados do
No século XVI, muitos de seus progenitores fizeram saber que
aprenderam esses estilos não por conta própria, mas por
revelação divina. Tsukahara Bokuden do Shinto-ryu, por
exemplo, recebeu um “decreto divino” no Santuário Kashima; e
Ito Ittosai, o fundador do Itto-ryu, teve seu estilo revelado a ele
após sete dias e sete noites de reclusão no Grande Santuário de
Mishima.
A lista continua: os olhos de Okuyama Kyugasai do Shinkage-ryu
foram abertos pela graciosa divindade de Mikawa Okuyama;
Jion do Nen-ryu foi esclarecido sobre os segredos de seus estilos
no Templo Kurama em Kyoto; Hayashizaki Jinsuke, fundador do
iai-do, descobriu seu novo Caminho no Santuário Dewa Tateoka
Hayashizaki; e Fukui Hei'emon teve os princípios do Shindo
Munen-ryu revelados a ele pelo Izuna Gongen em Shinshu.
Musashi curvou-se em veneração aos deuses e até mesmo
adorou os bodhisattvas budistas, mas o espadachim sempre
prático tinha pouca paciência com revelações ou segredos.
Estes, ele sentiu, não eram nada mais do que impedimentos
para a autossuficiência. Enquanto morria anos depois, ele
escreveu em “The Way of Walking Alone”, seu último
testamento para seus discípulos, que se deve “respeitar os
deuses e budas, mas não confiar neles”. Musashi caminhou e
estudou a topografia no caminho: a bifurcação na estrada que
passava pelo trecho norte do rio Shirakawa, os campos de arroz
com caminhos estreitos passando entre eles e até o Monte
Ichijoji e o Monte Uryu na parte de trás da estrada .
Ao amanhecer, ele estava esperando para enfrentar o Yoshioka
no Spreading Pine. Logo, Matashichiro e suas “tropas”
acompanhantes chegaram ao pinheiro, carregando lâmpadas e
resmungando que seu oponente provavelmente chegaria
atrasado novamente. De repente, Musashi pulou de trás do
pinheiro e gritou: “Eu deixei você esperando?” Mais uma vez,
sua tática psicológica funcionou perfeitamente.
Os Yoshioka ficaram confusos e, ainda não sendo capazes de
enxergar bem à meia-luz do amanhecer, cada um sem dúvida
tinha o medo sombrio de que Musashi pudesse estar logo atrás
dele.
De sua parte, Musashi correu direto para a multidão de homens
enquanto eles se atrapalhavam em busca de suas espadas,
encontrou o encolhido Matashichiro13 e o cortou no meio. Os
alunos chocados atacaram, empurraram suas lanças e
dispararam flechas em total desordem. Aproveitando-se do
pânico geral, Musashi reuniu os homens assustados como se
fossem gado, cortando-os um após o outro antes de finalmente
se retirar pela rota que havia planejado anteriormente. Foi uma
derrota completa.
Os homens Yoshioka que de alguma forma escaparam com vida
agora fugiram de volta para a capital, sua desgraça tão completa
que nenhuma chance de recuperação era possível. O último da
linha Yoshioka havia sido cortado nos primeiros momentos da
batalha, e um único espadachim havia reduzido a nada um estilo
de espada. que foi comemorado por gerações.
Embora uma flecha tenha perfurado sua manga, o próprio
Musashi não recebeu um único ferimento. Nada resta do estilo
Yoshioka hoje, por isso é difícil saber o que realmente implicava.
O Musashi koden afirma: “Quanto à sua arte marcial, ou eles
estudaram com Gion Toji, um homem que havia entendido os
mistérios da esgrima e continuavam sua linha; ou eram
descendentes das Oito Escolas de Kyoto na linha de Kiichi
Hogen.” Tanto Gion Toji quanto Kiichi Hogen são figuras
lendárias sem origens históricas claras, mas as “Oito Escolas de
Kyoto” representam o estilo ocidental de esgrima e são
frequentemente comparadas às “Sete Escolas de Kashima”,
representando a tradição oriental.
Em relatos tradicionais, pelo menos, Hogen viveu no século XII
no Canal Ichijo em Kyoto e era um mestre do estudo esotérico
do yin/yang.
Diz-se que ele ensinou as artes marciais ao famoso general e
estrategista do século XII Minamoto no Yoshitsune, mas ele
transmitiu as habilidades verdadeiramente secretas da espada
apenas aos “Oito Sacerdotes de Kurama”, e foi com eles que os
Oito As escolas começaram. Hogen era famoso por sua
estratégia, parte da qual está contida em seu enigmático ditado:
Se o oponente vier, então o cumprimente; se ele for, então
mande-o embora.
A cinco adicione cinco e faça dez; a dois adicione oito e faça dez.
Com isso, você cria harmonia. Julgue a situação, conheça o
coração; o grande está além de três metros quadrados, o
pequeno entra no menor átomo. A ação pode ser feroz, mas ao
encarar o que está à sua frente, não mova a mente. De acordo
com um livro que circulou entre os adeptos do estilo de Hogen
durante o período Edo, sua esgrima era em grande parte a do
Chujo-ryu.
O tachi que eles usavam era curto, e a característica distintiva de
sua técnica marcial era pressionar bem o peito do oponente.
Voltaremos a encontrar esse estilo em conexão com a famosa
luta de Musashi em uma pequena ilha bem ao sudoeste. A
famosa escola do Yoshioka foi fechada, para nunca mais reabrir.
Os membros restantes do clã voltaram, ou talvez nunca tivessem
realmente saído, de seu ofício de produtos tingidos; e por
algumas gerações após esses eventos, sua loja permaneceu
aberta no distrito de Nishitoin, em Kyoto, onde uma vez eles
haviam negociado orgulhosamente sua habilidade em uma arte
muito diferente.
O sonho do primeiro Yoshioka, Naomoto, flutuava como uma
bolha ao longo do Kamo Rio através da cidade de Kyoto, apenas
para desaparecer com o flash de uma nova luz da manhã.
A essa altura, as pessoas estavam, sem dúvida, começando a se
perguntar e falar sobre a qualidade daquela luz. Mas quem
podemos ter certeza que não estava interessado em falar sobre
esse assunto era o próprio Musashi.
O estilo lacônico de Musashi é bem conhecido: mesmo sobre
suas famosas lutas com o Yoshioka ele não escreveu nada
específico, mas anotou no Livro dos Cinco Anéis que “Fui à
capital e me encontrei com muitos artistas marciais famosos; e
embora eu tenha lutado várias partidas, nunca fui incapaz de
conquistar a vitória.”
AFIANDO SUAS FERRAMENTAS
No capítulo Terra de O Livro dos Cinco Anéis, Musashi compara
o guerreiro a um carpinteiro, observando que “o carpinteiro
prepara habilmente todos os diferentes tipos de ferramentas,
aprende a melhor maneira de usar cada uma, tira seu esquadro
de carpinteiro , trabalha corretamente de acordo com os planos,
faz seu trabalho infalivelmente e abre caminho pelo mundo”.
Como vimos, seu pai, Munisai, era um especialista na espada, no
jitte, no uso adequado de armaduras e até no jiu-jitsu. Assim,
como foi mencionado, Musashi deve ter sido exposto desde
cedo a uma grande variedade de armas. Pouco depois de
derrotar o clã Yoshioka, ele voltou sua atenção para outras
formas de artes marciais e seus passos em direção à antiga
capital de Nara.
Os monges budistas de Nara eram conhecidos há muito tempo
por sua destreza com armas militares e sua disposição de usá-las
em tempos de conflito. Uma de suas armas favoritas era a lança,
e o templo mais associado à lança era o Hozoin, um subtemplo
do famoso Kofukuji. A primeira geração do estilo Hozoin de
técnica de lança foi Kakuzenbo Hoin In'ei. Nascido em 1512
durante os anos violentos do xogunato Ashikaga, ele primeiro
estudou a lança com o artista marcial Daizen Taibu Shigetada.
Certa vez, In'ei foi visitado pelo famoso espadachim Kamiizumi
Ise no kami, que o derrotou. Kamiizumi já havia derrotado o
amigo de In'ei, Yagyu Muneyoshi (Sekishusai), e então os dois
amigos agora se tornaram discípulos de Kamiizumi.
In'ei tornou-se um especialista tanto com a espada quanto com
a lança sob Kamiizumi, mas sua especialidade era a lança
bifurcada, que ele desenvolveria com grande letalidade. In'ei era
do famoso clã Nakamikado, e era da mesma geração dos
famosos generais Takeda Shingen e Uesugi Kenshin.
Este foi um período de intenso interesse pelas artes marciais - e
In'ei, embora sacerdote, estava na vanguarda de seu tempo.
Eventualmente banido do templo Hozoin por seu amor de
armamento, ele aproveitou a oportunidade para vagar pelas
províncias e visitar mais de quarenta artistas marciais antes de
poder retornar ao templo.
Um desses artistas marciais foi o mencionado Daizen, de cujas
lições In'ei desenvolveu sua própria técnica de kamayari, ou
lança de foice. Os sacerdotes-soldados tradicionalmente usavam
a alabarda, que consideravam uma arma sagrada para a
proteção do budismo, em oposição à lança reta, a arma dos
soldados comuns.
O inovador In'ei, no entanto, descobriu que fixar uma lâmina
em forma de foice na lança aumentava sua eficiência. Este era o
kamayari. O poema secreto que expressa a virtude da arma diz:
Impulso, e é uma lança;
Arremesse,
e é uma alabarda; Puxe, e é uma foice.
Em todo e qualquer evento, você não deve perder.
Esta arma era muito mais eficiente do que a lança ou alabarda
regular. Era usado não apenas para empurrar, mas para varrer,
cortar, arrastar e golpear. Por causa dessa inovação, a fama de
In'ei se espalhou pelas áreas vizinhas e ele atraiu muitos
discípulos.
Quando In'ei completou oitenta e três anos em 1603, ele chegou
à conclusão de que os sacerdotes budistas não deveriam ter
nada a ver com instrumentos de violência e morte. Ele fechou o
dojo que já havia empregado mais de quarenta professores e
proibiu seu sucessor, Kakuzenbo Inshun, de ensinar artes
marciais.
Morreu quatro anos depois, aos oitenta e sete anos. Mas a
tradição da lança Hozoin não morreu com In'ei, pois, alguns anos
após sua morte, foi restabelecida por Inshun, que se tornou
abade daquele templo. Nascido em 1589, Inshun era cinco anos
mais novo que Musashi e havia rumores de que era filho de
In'ei.
Ele continuou estudando a técnica de lança de um sacerdote
Nitiren no templo vizinho de Ozoin, que também havia estudado
com In'ei. Foi esse sacerdote de Ozoin - conhecido por nós
apenas pelo nome de seu templo - que Musashi encontrou em
uma luta não muito depois da luta no templo Ichijoji. O
sacerdote estava armado com uma kamayari, enquanto Musashi
se manteve firme com uma espada curta de madeira. Apesar de
sua aparente desvantagem, Musashi venceu o homem em
ambas as partidas, não mostrando nenhuma preocupação em
estar em um complexo cercado por sacerdotes guerreiros que
queriam muito que seu homem vencesse.
De sua parte, o monge não sentiu rancor, mas, pelo contrário,
ficou tão impressionado que mandou Musashi ficar para uma
refeição suntuosa. Os dois ficaram tão engajados em conversar
sobre as artes marciais que o sol nasceu antes que eles
percebessem a hora.
Em seguida, Musashi agradeceu ao anfitrião-adversário e seguiu
seu caminho.15 Depois que Musashi deixou Nara e o Hozoin, ele
desapareceu dos registros escritos por cerca de três anos.
Mas há pouca dúvida de que durante esse tempo ele continuou
a viver a vida de um shugyosha, conhecendo outros homens e
vagando pelo país. Musashi, como outros shugyosha, aprendeu
em primeira mão em suas viagens sobre a natureza, topografia,
costumes locais e o caráter dos homens – especialmente de
outros espadachins.
Ele também, sem dúvida, aprendeu sobre as características e
características dos castelos locais, a produção de bens locais e as
culturas das várias províncias. Esse era exatamente o tipo de
informação valorizada pelos senhores feudais, que ficavam
felizes em contratar shugyosha com experiência em tais
assuntos.
Por sua vez, este era o resultado que a maioria dos espadachins
errantes buscava: uma posição como servo de confiança de um
mestre próspero e um salário digno de seus talentos. Musashi,
no entanto, não transformou nem seu conhecimento nem seu
talento em segurança prática. Suas vistas estavam muito mais
altas. Em 1607, Musashi estava passando pela província de Iga
quando conheceu um homem conhecido apenas pelo
sobrenome, Shishido, que era um mestre da foice e corrente, o
kusarigama.
Este Shishido vivia em uma parte relativamente isolada das
montanhas em Iga, onde cultivava e administrava uma ferraria
local informal, fazendo suas próprias armas. A foice era
originalmente um instrumento agrícola, mas de acordo com as
crônicas das guerras de Genpei, foi usada como uma arma
chamada naikama, ou nagikama, já no século XII. O naikama era
uma foice presa a uma longa alça e era usada para cortar os pés
e tornozelos do oponente com uma espécie de movimento de
corte.
Segundo a tradição, quando usada como arma na China, era
presa a uma corrente de nove ou dez pés. A corrente estava
presa à parte superior ou inferior do cabo da foice, que tinha
pouco mais de um metro e meio de comprimento. A corrente
era então usada para imobilizar o corpo ou arma do oponente,
enquanto o contrapeso no final era usado para feri-lo ou matá-
lo. A foice foi empregada para acabar com ele.
A partida entre Musashi e Shishido ocorreu em campo aberto, e
mais uma vez Musashi teve que lutar enquanto era observado
de perto por vários discípulos de seu oponente. Depois de
prender com sucesso a espada de Musashi com a corrente,
Shishido moveu-se lentamente para acabar com ele com a foice,
quando Musashi de repente desembainhou sua wakizashi e,
jogando-a como uma shuriken, perfurou fatalmente o peito do
homem.
Neste ponto, os discípulos chocados de Shishido sacaram suas
espadas e atacaram o agressor de seu líder. Musashi, no
entanto, os perseguiu e eles se dispersaram, fugindo “nas quatro
direções”. Musashi era um especialista em lançar lâminas. O
Kokura Hibun afirma:
Ele soltou uma espada de verdade ou jogou uma de madeira.
Mas não havia como uma pessoa em fuga ou em fuga evitar isso.
Sua força era exatamente como liberar a força de um arco feito
de pedra: cem lançamentos, cem golpes. Não se pode pensar
que mesmo Yang Yu-chi [um famoso arqueiro do período de
primavera e outono na China] tenha uma habilidade misteriosa
como essa. Ele também ensinou essa habilidade a seus
discípulos.
De acordo com o Watanabe koan taiwa, publicado cerca de
vinte e cinco anos após a morte de Musashi, Takemura Yoemon,
que era filho adotivo de Musashi ou seu discípulo, não era
menos especialista em shuriken do que o próprio Musashi.
Yoemon, observa, “poderia flutuar um pêssego no rio e depois
perfurá-lo até o centro com uma faca de dezesseis polegadas”.
Tokugawa Ieyasu unificou politicamente o Japão em dezembro
de 1602.
No ano seguinte, a corte imperial concedeu-lhe o antigo título
de Sei-I Tai-Shogun, ou Grande General que Conquista os
Bárbaros Ocidentais, que deu aprovação tácita do tribunal à sua
afirmação de autoridade suprema. . Em fevereiro do ano
seguinte, ele começou a reconstruir o castelo de Edo (Tóquio),
que seria a nova capital. Em junho, ele havia declarado que todo
daimyo, de feudos de todo o país, seria obrigado a deixar
membros de sua família imediata em Edo o ano todo, para
garantir suas “boas intenções” em relação ao governo
Tokugawa; em outras palavras, os membros da família de todos
os daimyos deveriam ser mantidos como reféns na capital para
evitar que rebeliões começassem no campo.
Para garantir que esses reféns pudessem viver com dignidade
compatível com o status de seus clãs, mansões foram
construídas, alojamentos para samurais foram estabelecidos e
estradas foram construídas. Com a mão de obra, materiais e
negócios de apoio envolvidos na reconstrução, Edo foi
subitamente transformado de uma cidade atrasada para o novo
centro da política, negócios e, se não alta cultura, pelo menos
atividade cultural.
Dinheiro e poder chegaram à cidade. Espadachins também
chegaram em grande número. Yagyu Munenori tornou-se
instrutor de espada do filho de Ieyasu, Hidetada, já em 1601, e
agora estabeleceu sua linhagem do Yagyu-ryu na nova capital. O
Toda-ryu também estava lá, e o Itto-ryu sob o comando de Ono
Tadaaki, que também era um instrutor da família do xogunato.
Edo tornou-se um ímã para aqueles shugyosha que esperavam
ser notados por um daimyo visitante ou conhecer outros artistas
marciais e aprimorar suas habilidades. Musashi estava em Edo
em 1608 e, precedido pela reputação que conquistara em
Kyoto, conheceu vários homens talentosos. Para sobreviver, ele
começou seu próprio pequeno escola e aceitou alunos como
Hatano Jirozaemon, que mais tarde teve vários discípulos.
Outro discípulo foi Ishikawa Sakyo, um retentor da Honda
Masakatsu. Diz-se que Sakyo foi habilidoso o suficiente para
combinar as técnicas da Espada Imóvel e da Espada de
Diamante, e essa síntese acabou sendo adicionada ao estilo
Musashi. É fácil imaginar que o dojo de Musashi fosse um lugar
movimentado, apesar de ele ter apenas vinte e cinco anos.
Um dia antes, um homem chamado Muso Gonnosuke entrou no
dojo de Musashi acompanhado por oito discípulos e pediu uma
partida. Gonnosuke era um homem grande – bem mais de um
metro e oitenta – que aprendeu os segredos mais profundos do
Shindo-ryu e foi investido com os segredos da técnica de Uma
Espada do Kashima-ryu. Depois de mais estudos em Hitachi sob
um Sakurai Yoshikatsu, ele viajou pelas províncias do norte
usando um haori que tinha uma grande crista de um sol
carmesim sobre um fundo branco.
Em seus ombros estava bordado em caracteres dourados:
“Maior Artista Marcial do Reino, Fundador do Hinomoto-ryu,
Muso Gonnosuke”.
Deve-se notar aqui que, embora Gonnosuke possa ter um
talento especial para o estilo, seu vestido e fanfarronice não
eram mais incomuns para shugyosha do que o cartaz de
autopromoção de Arima Kihei com letras douradas. Espadachins
extravagantemente vestidos não eram raros durante este
tempo. Suas roupas eram um meio de chamar a atenção e
carregavam duas mensagens: “Sou um espadachim habilidoso
pronto para ser contratado por um lorde agradecido” e
“Qualquer um, a qualquer momento, é bem-vindo para testar
suas habilidades contra as minhas”. As roupas de vez em quando
faziam ou desfaziam o homem, dependendo da habilidade
relativa do espadachim que o notava. Musashi, por outro lado,
não se conformava com esse estilo e, de fato, não cumpria
muitas das regras de alfaiataria de sua época. Ele era um
independente e, em grande parte, um inconformista. Ele se
vestia e tomava banho como queria.
De qualquer forma, Gonnosuke entrou no dojo de Musashi e
pediu uma partida, e um de seus discípulos tirou uma espada de
madeira de um metro e meio de uma bolsa de brocado.
Musashi, que na época estava esculpindo um pequeno arco de
salgueiro, rapidamente aceitou o desafio e pegou um pedaço de
lenha como sua única arma. Gonnosuke atacou sem mais
delongas, e Musashi o derrubou com um único golpe.
Gonnosuke foi humilhado e saiu sem dizer uma palavra,16 mas
era um homem de grande determinação e habilidade, e isso não
seria o fim da questão. Dispensando seus discípulos e retirando-
se para o Monte Homan em Chikuzen para orar e meditar sobre
esta derrota, ele foi respondido uma noite em um sonho com as
palavras: “Conheça o reflexo da lua na água com um tronco”.
Gonnosuke entendeu que este “log” era o bastão de um metro e
meio, ou jo, e a lua na água significava o centro do peito de seu
oponente. Logo depois, ele foi contratado pelo clã Kuroda no
feudo Fukuoka de Chikuzen para o jo técnica que ele então
originou.
Muito depois, ele voltou a desafiar seu inimigo novamente, com
a partida desta vez resultando no único empate da carreira de
Musashi.
A técnica que Gonnosuke criou é chamada de Shindo Muso-ryu,
e é praticada até hoje. Musashi permaneceu em Edo por mais
dois anos, continuando a ensinar os alunos e enfrentar
adversários.
Suas lutas em 1610 com dois desses oponentes, Osedo Hayashi,
um estilista Yagyu, e Tsujikaze Tenma, conhecido mais por sua
força do que por sua esgrima, são descritas no Nitenki: Quando
Musashi estava residindo em Edo, Osedo Hayashi, um samurai
do clã Yagyu, foi com um certo Tsujikaze, um forte artista
marcial, para pedir lutas com o espadachim. Musashi deu seu
consentimento e imediatamente se levantou e os encarou.
Osedo avançou e estava prestes a atacar, mas Musashi tomou a
iniciativa e atacou primeiro.
Osedo caiu onde estava. Em seguida, Tsujikaze atacou, mas por
algum motivo caiu para trás, bateu as costas em um jarro de
água na beira da varanda e morreu.17 De modo geral, esse
Tsujikaze era um homem de grande força. Ele foi capaz, por
exemplo, de correr ao lado de um cavalo a galope e pará-lo
passando os braços em volta do pescoço. Em 1612, a situação
em Edo tornou-se tediosa para Musashi.
Ele foi essencialmente impedido de comparar habilidades com
os melhores espadachins da época, como Yagyu Munenori, por
causa da conexão de Munenori com os Tokugawa e por causa do
status político precário que Musashi tinha depois de lutar pelos
Toyotomi. Para piorar as coisas, a tensão entre esses dois clãs
aumentava dia a dia.
Os Toyotomi estavam abrigados em seu castelo em Osaka e
ainda tinham o apoio de vários daimyo e ronins.
Assim, no início do ano, Musashi viajou a pé para a área de
Fujiwara, na província de Shimousa, ostensivamente para a
abertura de novas terras. Isso provavelmente foi um ardil,
porque ele não ficou lá por muito tempo, nem provavelmente
decidiu, aos 29 anos, desistir da espada e começar uma carreira
na agricultura.
Musashi claramente tinha outra coisa em mente - e em
fevereiro ou março, ele já havia começado a longa viagem para a
ilha de Kyushu, no sudoeste.
DEMÔNIO DAS PROVÍNCIAS OCIDENTAL
A marca de Musashi para uma partida apropriada foi Sasaki
Kojiro, um espadachim popularmente conhecido como o
Demônio das Províncias Ocidentais.
Kojiro havia chegado à cidade portuária de Kokura em Buzen
cerca de dois anos antes e, como seu apelido indica, alcançou
grande fama. Certamente ele chamou a atenção de todos com
sua aparência impressionante - ele usava um haori carmesim
com sua longa espada, conhecida como Vara de Secagem,
pendurada nas costas - mas sua habilidade também era
surpreendente e até agora ele havia derrotado todos os
oponentes que enfrentou.
Hosokawa Tadatoshi, que seis anos depois se tornaria o senhor
de Kokura, era apaixonado pelas artes marciais desde sua
juventude e era ele próprio um hábil praticante da espada.
Assim, quando as notícias da presença de Kojiro em Kokura
chegaram a ele, ele entrevistou o homem alegremente e logo o
contratou como instrutor do clã Hosokawa.
Embora Kojiro não tenha sido contratado como um retentor do
clã, ele recebeu uma taxa substancial e conseguiu abrir seu
próprio dojo na cidade do castelo, eventualmente ganhando um
grande número de discípulos. Ganryu Sasaki Kojiro nasceu na
vila Jokyoji em Ichijogatani em Echizen. Ichijogatani era o lar do
próspero e culto clã Asakura, que havia sido os senhores de
Echizen ao longo de cinco gerações por mais de cem anos. Seu
instrutor de artes marciais era um Toda Seigen, o principal
herdeiro do Chujo-ryu. Ele, como o Shinto-ryu e o Kage-ryu, era
um estilo fundamental das artes marciais japonesas e foi
estabelecido já no período Kamakura (1185-1333) por Chujo
Hyogonosuke.
O próprio Seigen era um praticante extraordinariamente
talentoso que continuou a aperfeiçoar sua arte marcial depois
que se aposentou do ensino na velhice devido a uma doença
ocular. Isolando-se em sua casa na vila de Jokyoji, ele era
comumente conhecido como “o espadachim cego”. Seu ideal
havia sido uma técnica chamada “Sem-Espada” (muto),
exemplificada pela frase: “Se a brevidade [da espada] for levada
ao extremo, torna-se nada” (Tan kiwamareba mu); à medida que
sua arte avançava, sua espada curta ficava cada vez mais curta.
Seigen conhecera Kojiro quando este era muito jovem e
reconhecera nele as qualidades de um grande espadachim. Para
fins de sua própria pesquisa, ele contratou o adolescente Kojiro
como parceiro de treino.
Em suas partidas diárias, Seigen empunhava um tachi curto com
cerca de um metro e meio de comprimento, enquanto exigia
que Kojiro se opusesse a ele com uma lâmina muito mais longa.
Com esse treinamento intenso, Seigen desenvolveu um estilo
que ele esperava que eventualmente levasse ao abandono da
espada como arma; mas, por sua vez, Kojiro acabou ganhando
grande habilidade com a espada longa e se tornou um dos
principais discípulos de Seigen.
O momento da verdade veio quando Kojiro conseguiu derrotar o
irmão mais novo de Seigen, Jibuzaemon, em uma partida;
momento em que Kojiro saiu por conta própria. Ele vagou pelas
províncias do Japão como um shugyosha, chegando
eventualmente a Kokura e estabelecendo-se sob o patrocínio de
Tadatoshi.
Musashi chegou a Kokura vindo de Kyoto em abril de 1612,
visitando a mansão de Nagaoka Sado no kami Okinaga, um chefe
retentor do feudo Kokura e, lembre-se, um ex-aluno do pai de
Musashi, Munisai. Musashi tinha agora vinte e nove anos.
Depois de um curto período de tempo, ele fez seus desejos
conhecidos ao seu anfitrião em um pedido formal, que registra a
seguinte nota: “Parece que um Ganryu Sasaki Kojiro está agora
residindo nesta área, e ouvi dizer que sua técnica é excelente. .
Meu pedido é para que tenhamos uma 'comparação de
técnicas'. Faço isso em referência ao seu relacionamento com
meu pai, Munisai.
Okinaga, seja por deferência a seu antigo professor ou por sua
impressão do intenso Musashi, foi rápido em obedecer.
Colocando Musashi em sua própria mansão, ele contatou seu
senhor, Tadaoki, e fez sua petição. Entusiasta das artes marciais
que era, Tadaoki sem dúvida tinha ouvido falar das lutas de
Musashi com o Yoshioka em Kyoto, e deve ter ficado bastante
curioso sobre esse homem. Mas ele também estava agindo por
respeito a Sado, um retentor confiável e respeitado, quando deu
sua permissão para uma partida a ser realizada no dia seguinte,
13 de abril.
O local seria uma pequena e solitária ilha entre Kokura e Nagato
Shimonoseki. , um pouco menos de duas milhas e meia de cada
margem.
Conhecido nos tempos antigos como Anato no Shima, era no
tempo de Musashi chamado Mukaijima (“a ilha ali”) pelas
pessoas em Buzen no lado de Kyushu, e Funa Island (“ilha dos
barcos”) por aqueles em Shimonoseki no lado de Honshu , por
causa de sua aparência de barco daquela costa. A partida estava
marcada para começar durante a primeira metade da Hora do
Dragão (sete às nove da manhã). Um decreto foi afixado em
toda a cidade do castelo e arredores declarando que
absolutamente nenhum favoritismo deveria ser mostrado a
nenhum dos homens e que os espectadores eram estritamente
proibidos de viajar para a ilha. Okinaga rapidamente informou
Musashi da decisão e se ofereceu para escoltá-lo até a ilha no
dia seguinte em seu próprio barco.
Muito feliz, Musashi agradeceu a Okinaga por seus esforços em
organizar a partida que ele tanto esperava. Naquela noite, no
entanto, Musashi desapareceu. Uma busca foi feita pela cidade
do castelo, mas ele não estava em lugar algum. A notícia se
espalhou rapidamente, assim como os rumores de que Musashi,
quando confrontado com a perspectiva de um ataque com o
Demônio das Províncias Ocidentais, virou as costas e fugiu.
Okinaga, como se poderia imaginar, estava envergonhada. Ele
tinha seu próprio prestígio em jogo neste assunto, tendo
aceitado a petição de Musashi e encorajado Lord Tadaoki a
concordar com o casamento.
Se Musashi tivesse realmente fugido agora, seria uma fonte de
constrangimento não apenas para ele, mas pior, para Tadaoki
também. Após alguma reflexão, no entanto, Okinaga percebeu
que se Musashi realmente fosse um
covarde, ele não teria esperado até a noite anterior ao jogo para
escapar. Ele também raciocinou que, como Musashi tinha vindo
de Shimonoseki para Kokura, ele pode muito bem ter voltado
para aquela cidade para passar a noite longe das inevitáveis
distrações em Kokura, e provavelmente iria para a ilha de lá.
Um mensageiro foi enviado e, com certeza, Musashi foi
encontrado hospedado em Shimonoseki na residência de um
atacadista, Kobayashi Tarozaemon. O mensageiro explicou a
situação em Kokura, e Musashi respondeu com uma carta que
demonstrava tanto seu respeito por Okinaga quanto sua
circunspecção. Ouvi dizer que, em relação ao jogo de amanhã,
você me enviaria no barco de Vossa Excelência, e estou muito
honrado por sua solicitude. No entanto, neste momento, Kojiro
e eu somos oponentes hostis; e se Kojiro for enviado pelo barco
do Senhor Tadaoki e eu for enviado pelo barco de Vossa
Excelência, eu me pergunto se isso não o colocaria em oposição
ao seu senhor.
Por favor, deixe-me não ser uma preocupação para você neste
caso. Eu considerei falar com você sobre isso imediatamente,
mas pensando que você não concordaria, propositalmente não
fiz nenhuma menção a isso. Devo recusar veementemente o
barco de Vossa Excelência. Amanhã de manhã vou cruzar para
Mukaijima deste lugar. Por favor, não se preocupe nem um
pouco, e esteja convencido de que chegarei em tempo útil.
12 de abril
Miyamoto Musashi —Ao Senhor Sado—
Musashi estava claramente preocupado que qualquer sinal de
favoritismo por parte de Okinaga pudesse resultar em algum
atrito entre o senhor e o retentor, e ele estava determinado a
evitar isso. Suas ações previsivelmente resultaram em dúvidas
sobre sua coragem e sinceridade, mas Musashi parece estar
preocupado apenas com o relacionamento de Okinaga com os
Hosokawa. Era importante para ele que esse relacionamento
continuasse sem problemas para seu patrocinador muito depois
que a luta do dia seguinte terminasse. No entanto, quando o sol
nasceu na manhã seguinte, Musashi ainda estava dormindo. O
dono da casa, Tarozaemon, o acordou e informou que a Hora do
Dragão já havia chegado. Nesse momento, um mensageiro veio
de Kokura, informando a Musashi que o barco de Kojiro já havia
partido e feito a travessia. Musashi respondeu que estaria lá em
breve, mas depois se levantou, lavou as mãos e o rosto e comeu
um café da manhã sem pressa.
Pedindo um remo a Tarozaemon, ele sentou-se e esculpiu uma
grande espada de madeira até que outro mensageiro chegou
pedindo que ele fizesse a travessia imediatamente. Musashi
então se vestiu com uma roupa forrada de seda, dobrou uma
toalha sobre sua faixa, colocou uma roupa de algodão amassada
sobre a de seda, embarcou no barco e partiu. No leme estava o
servo de Tarozaemon.
Musashi estava sentado no meio do barco torcendo um
barbante de papel, com o qual amarrava as mangas. Finalmente,
colocando a roupa de algodão amassada sobre a cabeça e os
ombros, deitou-se. Na ilha, Kojiro e os oficiais de verificação
esperavam com impaciência e consternação.
No barco, Musashi aparentemente estava dormindo. No final,
Musashi chegou a Mukaijima após a Hora da Serpente (nove às
onze da manhã). Ele fez o servo de Tarozaemon parar o barco
em um pequeno e estreito banco de areia que se projetava da
ilha e removeu a roupa de algodão amassada.
Colocando sua espada no barco e sua espada curta na faixa, ele
puxou as mangas para cima e saiu do barco, descalço, na água
rasa. Segurando sua espada de madeira em posição abaixada,
ele deu vários passos nas pequenas ondas e caminhou até a
praia. Enquanto caminhava, ele pegou a toalha de mão de sua
faixa, dobrou-a no comprimento de um hachimaki e amarrou-a
em volta da cabeça com o nó no meio da testa. Em contraste
com Musashi, Kojiro estava vestido de forma colorida com um
haori escarlate sem mangas e uma calcinha de couro tingida.
Nos pés havia novas sandálias de palha e na mão uma espada de
mais de um metro de comprimento, supostamente fabricada
por um dos grandes ferreiros de Bizen. Kojiro se sentiu insultado
por ter sido obrigado a esperar. Vendo Musashi se aproximando
ao longe, ele correu para a beira da água. Ele com raiva
informou seu oponente que ele próprio estava na ilha na hora
marcada e exigiu saber se Musashi havia chegado atrasado por
medo.
Musashi o ignorou silenciosamente e simplesmente avançou.
Com raiva, Kojiro desembainhou sua espada e jogou
dramaticamente a bainha na água. Musashi ficou de pé no raso,
sorriu e pronunciou suas palavras agora famosas: “Você perdeu,
Kojiro. O vencedor jogaria fora sua bainha?” Inflamado, Kojiro
moveu-se rapidamente em direção a Musashi e balançou sua
espada para frente, mirando no meio da testa. No mesmo
instante, Musashi atacou com sua espada de madeira da mesma
forma, acertando Kojiro diretamente na cabeça. Kojiro caiu onde
estava.
A ponta de sua espada cortou o nó do hachimaki de Musashi, e a
toalha de mão caiu no chão, mas a espada de madeira de
Musashi acertou em cheio. Musashi abaixou sua espada e ficou
imóvel por um momento, então rapidamente a ergueu para
atacar novamente. Kojiro estava deitado no chão - mas, naquele
momento, ele empunhou sua espada para o lado em um
movimento de corte, apontando para a coxa de Musashi.
Musashi saltou para trás e recebeu um corte de três polegadas
no revestimento de seu hakama, provavelmente a menos de
uma polegada de sua artéria femoral.
A espada de madeira de Musashi agora caiu, dividindo as
costelas de Kojiro, e Kojiro, com sangue escorrendo de sua boca
e nariz, perdeu a consciência. Musashi se agachou e colocou a
mão sobre a boca e o nariz de Kojiro, verificando se havia sinais
de vida. Não havia nenhum.
Ele se virou para os oficiais de verificação, curvou-se
brevemente, depois se levantou e caminhou rapidamente até a
praia. Saltando habilmente para o barco, ele ajudou o timoneiro
a se afastar da ilha e logo pôde ser visto apenas vagamente ao
longe.
Era meio-dia, e no mar de primavera entre Kokura e
Shimonoseki, o sol brilhante refletiu nas ondas e uma brisa
começou a subir. Musashi havia travado a maior luta de sua
vida, que ainda é discutida com grande animação quase
quatrocentos anos depois. A abordagem de Musashi para a luta
com Kojiro parece ter envolvido uma estratégia de dois níveis. O
primeiro nível envolvia psicologia, a mesma arma que ele havia
usado contra os irmãos Kenpo.
Ao fazer o oponente esperar, ele perturbou seu equilíbrio: raiva
e consternação frustraram a concentração necessária. Kojiro
teve que esperar sob o sol brilhante da manhã, eventualmente,
sem dúvida, cerrando os punhos em frustração. Quando
Musashi chegou, revigorado e totalmente focado, seu oponente
estava completamente distraído por seu orgulho ferido e
impaciência. O segundo nível era o conhecimento de Musashi de
que Kojiro tinha preferência por espadas longas e
provavelmente contaria com a vantagem desse comprimento.
Era uma espada longa que ele usou para derrotar o irmão de
Toda Seigen, Jibuzaemon, e todos os adversário desde então.
Musashi, portanto, transformou seu remo em uma espada de
madeira um pouco mais longa que a arma de Kojiro, para tirar
vantagem de Kojiro e torná-la sua. De acordo com o Kokura
Hibun: Ganryu disse: “Eu gostaria de acertar a partida com
espadas reais”. Musashi respondeu: “Você manuseia uma
lâmina nua e me mostra todos os mistérios que ela tem. Eu
levantarei minha espada de madeira e manifestarei seus
segredos.” Assim, a promessa foi feita tão dura quanto laca. O
“segredo” de Musashi pode ter sido tão pequeno quanto uma
polegada.
De qualquer forma, muitos anos depois, no capítulo Vento do
Livro dos Cinco Anéis, ele alertaria seus alunos contra depender
do comprimento de uma arma: Existem outros estilos que
preferem uma espada longa.
Do ponto de vista da minha própria arte marcial, isso pode ser
visto como um estilo fraco. A razão é esta: não sabendo derrotar
os outros em qualquer situação, eles colocam a virtude no
comprimento de sua espada e pensam que podem vencer pela
distância de seu oponente. Aqueles que preferem espadas
longas terão sua explicação, mas é apenas sua própria argúcia
individual. Não é razoável quando visto do Verdadeiro Caminho
neste mundo.
Mas Kojiro era igualmente famoso por seu estilo letal tsubame-
gaeshi (“retorno da andorinha”). O próprio Seigen parece ter
iniciado esse estilo, mas foi Kojiro quem o desenvolveu ainda
mais, ou pelo menos o tornou famoso.
A técnica em si não é bem compreendida hoje, mas parece ter
sido baseada em um retorno instantâneo da lâmina após o
primeiro golpe, e provavelmente foi modelada ou comparada à
andorinha mostrando sua parte inferior branca ao inverter
repentinamente seu curso em pleno voo .
O Ganryu hidensho descreve assim: A espada é segurada para a
frente, como se fosse atingir o oponente na testa. Avançando
em linha reta, você fica de olho na ponta do nariz do seu
oponente.
Então, golpeando todo o caminho até o chão, você
imediatamente se agacha, traz sua espada por cima do ombro e,
assim, derrota seu oponente. Em outras palavras, o primeiro
golpe é uma finta, e é o golpe de retorno que é o ataque real.
Essencialmente, esta é uma kaeshiwaza, ou “técnica de
retorno”.
Kojiro, no entanto, não usou sua famosa técnica contra Musashi,
a menos que o golpe final na coxa de Musashi pudesse ser
considerado o “retorno”. Em vez disso, ele foi direto para seu
oponente em uma posição jodan, sua longa espada erguida
acima de sua cabeça.
O que aconteceu? Kojiro estava muito abalado para usar a
técnica que sempre lhe trouxe sucesso? Houve um fator de
medo? Certamente ele também estava ciente de que Musashi
havia desmontado o Yoshioka sozinho, mas isso foi uma década
antes.
Ele simplesmente não teve tempo para um golpe de retorno
quando a espada de madeira de Musashi quebrou em seu
crânio? Nós nunca saberemos. Mas o ditado dos antigos
espadachins: “Para pegar um tigre, você deve entrar na cova do
tigre”, pode se aplicar aqui.
Neste único golpe, Musashi deve ter estado a uma polegada da
lâmina muito real e muito afiada de Kojiro enquanto fazia seu
balanço para baixo. Seu timing e senso de distância tinham que
ser perfeitos. Como estava, seu hachimaki foi cuidadosamente
cortado pela espada de Kojiro, e foi o nó daquela toalha que
recebeu a ponta da lâmina da Vara de Secagem. Dizer que
Musashi calculou perfeitamente os golpes das duas espadas erra
o ponto, no entanto, pois o que lhe trouxe a vitória não foi nada
tão cerebral. O próprio Musashi abordou o assunto no capítulo
Vazio do Livro dos Cinco Anéis, observando que todas as
técnicas e ações da mente ou do corpo devem ter seus
fundamentos no Vazio Zen Budista: “O coração do Vazio está na
ausência de qualquer coisa com forma e a incapacidade de ter
conhecimento do mesmo. Isso eu vejo como Vazio. O vazio, é
claro, é o nada.
Conhecendo o existente, você conhece o inexistente. Isso,
exatamente, é o Vazio.” O leitor sente que, na ausência da
intuição e disciplina de Musashi, a própria linguagem falha aqui.
Assim, voltamos à Ilha Mukai (Mukaijima), agora chamada Ilha
Ganryu (Ganryujima; jima significa “ilha”), uma e outra vez,
procurando a chave para a luta mais famosa da história
japonesa. Até que possamos entrar no espírito de Musashi
naquele dia, no entanto, ficaremos apenas com a areia e o som
das ondas nesta pequena ilha.
É interessante notar que Musashi foi perguntado anos depois
por que ele não entregou um todome, ou coup de grâce, a
Kojiro. Sua resposta foi que tal ação era para verdadeiros
inimigos, e não havia inimizade entre ele e seu oponente. A
partida deles foi uma “comparação de técnicas”. Existem dois
significados para a palavra todome que podem se aplicar a este
caso. O primeiro e mais comum significado é uma simples facada
na garganta que termina de forma rápida e confiável a vida de
um homem caído, mas isso faria pouco sentido no contexto
desta partida: Kojiro morreu imediatamente pela combinação
dos dois golpes de Musashi.
O significado mais esotérico, no entanto, é acabar com o
oponente de uma maneira que impeça que seu espírito raivoso
volte para se vingar. Nisso
Nesse caso, o todome teria sido entregue esfaqueando-o “logo
abaixo do mamilo esquerdo e torcendo a lâmina de ponta a
ponta para baixo à medida que era retirada”. que não havia
necessidade de tal todome.
O próprio Kojiro estava ansioso pela partida e, embora seu
espírito pudesse lamentar o resultado, honraria Musashi por sua
vitória. Mas se o espírito de Kojiro honrava Musashi, havia
aqueles que ainda viviam que não. O Yoshioka sobrevivente o
caluniou, alguns declarando que Musashi havia realmente sido
espancado por Seijuro e depois fugido de uma briga com
Denshichiro. Outros circularam uma história de que a luta com
Seijuro havia sido um empate, ou que ambos cortaram o
hachimaki um do outro, mas que o sangue simplesmente não
apareceu no hachimaki cor de caqui de Musashi e fez no branco
de Seijuro. Como eles explicaram o desaparecimento completo
dos irmãos Yoshioka e sua escola da cena de esgrima é
desconhecido.
No caso da luta na Ilha Ganryu, houve partidários a favor de
Kojiro, ou discípulos dele, que alegaram que Kojiro só havia sido
temporariamente inconsciente pelo golpe de Musashi, e que os
discípulos de Musashi, que se esconderam na ilha, correu para a
frente e acabou com Kojiro quando ele começou a recuperar a
consciência. Como os discípulos de Musashi podem ter
conseguido entrar na pequena ilha, escapar da detecção pelos
oficiais de verificação de Hosokawa e escapar não é explicado.
Algumas pessoas podem ter parado e ouvido essas histórias,19
mas Musashi não era uma delas. Depois de retornar
diretamente a Shimonoseki, ele escreveu uma carta para
Nagaoka Sado Okinaga, agradecendo-lhe por sua gentileza e
ajuda, e partiu novamente para portos desconhecidos.

CAPÍTULO DOIS
O Caminho da Espada e o Caminho do Pincel: Do Castelo de
Osaka a Kokura
O FOGO DA BATALHA
A luta com Sasaki Kojiro na Ilha Ganryu foi um divisor de águas
para Musashi. Até então, ele havia focado sua atenção em
partidas de um espadachim contra outro, e tinha chegado a um
entendimento preliminar de sua arte. Com sua derrota do
Demônio das Províncias Ocidentais, ele deve ter sentido uma
intensa confiança em suas próprias habilidades inatas e em sua
prontidão para se voltar para um terreno mais profundo e
amplo. No capítulo de abertura de O Livro dos Cinco Anéis,
depois de anotar suas sessenta partidas entre as idades de treze
e vinte e oito ou vinte e nove anos, ele escreve: Quando passei
dos trinta anos e pensei em minha vida, compreendi que eu não
tinha sido um vencedor por causa de uma habilidade
extraordinária nas artes marciais.
Talvez eu tivesse algum talento natural ou não tivesse me
afastado dos princípios naturais. Ou ainda, as artes marciais dos
outros estilos estavam faltando em algum lugar? Depois disso,
determinado ainda mais a alcançar uma compreensão mais clara
dos princípios profundos, pratiquei dia e noite. Dali em diante
haveria muito menos correspondências pessoais e muito mais
disciplina mais profunda que refinaria sua arte e a esclareceria
até o ponto de articulação. Os interesses de Musashi na área das
artes marciais também estavam se expandindo, e ele começou a
olhar além das lutas individuais para conflitos de maior escala.
Embora seus rastros não estejam claros neste momento, parece
que ele agora subiu lentamente a área de San’yo, ao longo do
Mar Interior, talvez parando em Akashi e Himeji para visitar os
feudos dos clãs Ogasawara e Honda no caminho. Musashi agora
era famoso, e muitas pessoas - praticantes de espada
particulares e senhores provinciais - queriam conhecê-lo e pedir
instruções. Sua fama também lhe deu entrada para observar
outras artes que ele achava interessantes, como pintura a tinta
nanquim, escultura e até jardinagem formal, e ele pode ter
conhecido o famoso artista Kaiho Yusho nessa época.
De qualquer forma, ele viajou lentamente para Kyoto e,
eventualmente, para Osaka, onde os preparativos para uma
batalha em grande escala estavam sendo feitos.
Há poucas razões para supor que Musashi chegou a este local
estritamente por acaso. Embora as forças Tokugawa tenham
conquistado uma vitória decisiva em Sekigahara, a família
Toyotomi permaneceu rica, estava firmemente estabelecida no
Castelo de Osaka e não estava sem aliados. Lentamente, no
entanto, os aliados da família começaram a morrer.

Dos homens poderosos que intervieram entre os dois clãs,
Asano Nagamasa morreu em 1610, seguido por Kato Kiyomasa
em 1611 e Maeda Toshinaga em 1614. Outros antigos
apoiadores, como os Ukita, foram desapropriados e banidos.
Esses homens e seus exércitos foram substituídos, no entanto,
por milhares de ronins que deviam seu status de sem mestre à
destruição dos clãs de seus mestres pelo regime Tokugawa.
No final do outono e início do inverno de 1614, havia mais de
noventa mil guerreiros dentro do Castelo de Osaka que não
sentiam nada além de rancor por Tokugawa Ieyasu e seu filho
Hidetada. Os Tokugawa sabiam que teriam que agir logo para
erradicar seus únicos rivais e completar a hegemonia.
Fortalecidos pelas tropas de seus feudatários e agora superando
consideravelmente as forças dentro do Castelo de Osaka, os
Tokugawa atacaram a fortificação em meados de dezembro,
apenas para serem repelidos e eventualmente paralisados.
A luta duraria dois meses, mas finalmente uma trégua foi
chamada, e a chamada Campanha de Inverno terminou em 21
de janeiro de 1615.
Os Tokugawa imediatamente começaram a preencher os fossos
do castelo e a destruir as muralhas externas, de modo que em
meados de fevereiro as muralhas do castelo estavam
diretamente expostas ao ataque. Com essa vantagem
estabelecida, no entanto, eles se retiraram. Apesar do estado
enfraquecido do castelo, os ronins continuaram a chegar das
províncias e, na primavera de 1615, eram mais de cem mil. Isso
foi, de certa forma, um grande benefício para Ieyasu e seus
sucessores, pois reuniu os mais virulentos de seus oponentes em
um local concentrado que, independentemente de ser um
castelo de grande tamanho, também estava exposto por todos
os lados.
Que tantos homens estivessem dispostos a se posicionar dentro
do castelo fala eloquentemente sobre como eles viam os
Tokugawa e sobre os princípios altruístas do código samurai,
agora conhecido como Bushido. Em maio daquele ano, os
Tokugawa chegaram com quase o dobro de homens
estavam escondidos dentro da guarnição. A luta foi sangrenta,
intensa e prolongada, mas no início de junho ficou claro que as
forças no castelo não podiam mais resistir.
Hideyori, comandante do castelo e herdeiro dos Toyotomi,
suicidou-se quando se entendeu que sua vida não seria
poupada. Sua mãe, Yodogimi, foi despachada por um samurai
leal para poupá-la de qualquer outra humilhação nas mãos do
inimigo. Dessa forma, o único filho de Hideyoshi, sua concubina
favorita, e todas as esperanças que ele nutria em sua ascensão
ao poder desapareceram juntos sob o sol do início do verão, e o
sangue do clã foi lavado pelas chuvas das monções.
A Campanha de Verão acabou — e os Toyotomi, como rivais
realistas, se foram para sempre. Musashi participou ativamente
desses eventos, possivelmente na posição de comandante de
unidade, e certamente usando armadura e empunhando suas
armas. Anos depois, Musashi escreveu a Hosokawa Tadatoshi:
Desde jovem, fui seis vezes ao campo de batalha.
Em quatro dessas ocasiões, não havia ninguém em campo antes
de mim. Este fato é amplamente conhecido, e também há
provas. Desde minha juventude, tenho pensado na composição
das armas e como elas são usadas apropriadamente no campo
de batalha. Uma dessas seis batalhas foi claramente a
Campanha em Osaka.
No Nitenki, encontramos o seguinte: “Houve prova de suas
habilidades militares na Campanha de Osaka em 1614. Ele tinha
trinta e um anos. O castelo caiu no ano seguinte.” A “prova”,
infelizmente, não foi dada, mas o Musashi kenseki kensho ehon
observa: “Musashi participou das campanhas de inverno e verão
em Osaka.
Embora ele desprezasse o lado Tokugawa um pouco, não
sabemos nenhum dos detalhes.” Embora ele “desprezasse nem
um pouco os Tokugawa”, é provável que Musashi lutasse ao
lado daqueles que investiram o castelo.1 Aos 31 anos, ele ainda
era um ronin, um independente sem juramento de lealdade a
ninguém.
Seu antigo clã comandante, o Ukita, se foi, seu grande
comandante, Ukita Hideie, agora um sacerdote em uma ilha
solitária na península de Izu; e o remanescente do clã Shinmen,
liderado pelo velho senhor, Shinmen Iga no kami, agora servia
em Kyushu sob o poderoso Kuroda, também originário de
Banshu e aliados dos Tokugawa. Embora não haja provas, é mais
provável que Musashi “pegou emprestado o campo de batalha”
do clã Ogasawara e lutou ao lado de suas tropas. Suas ações em
combate devem ter impressionado o herdeiro do clã, Ogasawara
Tadazane, dois anos depois, quando este foi transferido de seu
feudo em Shinano Matsumoto para
Akashi, o homem que ele encarregou de projetar a cidade em
torno de seu novo castelo sobre o litoral – de acordo com os
registros do clã Ogasawara – foi Miyamoto Musashi.2 Durante a
Campanha de Verão em Osaka, Tadazane, seu pai, Hidemasa, e
seu O irmão mais velho, Tadanaka, partiu junto para a ação em
Tennoji e abriu o feroz ataque às forças de Mori Katsunaga do
lado Toyotomi. Seu pai e irmão foram mortos em ação, e
Tadazane ficou gravemente ferido. Parece improvável que um
homem que sofreu perdas tão grandes contrate um inimigo para
um trabalho tão importante.
ARTES DA PAZ, ARTES DA GUERRA
Tadazane reconheceu uma variedade de talentos de Musashi.
Não apenas Musashi era um espadachim e estrategista
extraordinariamente talentoso, mas seus anos como shugyosha
errante lhe deram a oportunidade de visitar várias cidades-
castelos que agora cresciam sob o regime de Tokugawa.
Além disso, seus astutos poderes de observação lhe
proporcionaram uma compreensão profunda de como uma
cidade pode ser melhor organizada tanto para o funcionamento
diário quanto para a defesa em caso de emergência.
Não seria disposta em uma grade simples como a capital,
Heiankyo, no final do século VIII. Aquela cidade, agora Kyoto,
fora modelada segundo o modelo chinês, e seus projetistas não
se preocuparam muito com ataques vindos de fora. As cidades
dos castelos, por outro lado, e especialmente as seções de
samurais dentro delas, foram projetadas com ruas estreitas e
sinuosas que os habitantes saberiam bem o suficiente para
manobrar, mas que qualquer tropa invasora acharia
irremediavelmente confusa. Sob esse prisma, não é difícil
imaginar Musashi em meio à ação sangrenta das Campanhas de
Inverno e de Verão, observando uma cena muito maior do que
qualquer questão de sua própria sobrevivência. Muito mais
tarde, em O Livro dos Cinco Anéis, ele discutiria a diferença
entre “observação” ampla e apenas “ver”.
É interessante notar também que Musashi não apenas trabalhou
no projeto da cidade-castelo durante sua estada em Akashi, mas
também ajudou a projetar os jardins do templo em Enkakuin e
Honshoji.
O design do jardim é geralmente associado a monges zen como
Muso Kokushi e Kobori Enshu, mas para Musashi ter se engajado
de forma semelhante nessa arte não é tão estranho quanto
pode parecer à primeira vista.
O primeiro designer de jardins na história registrada do Japão foi
um imigrante coreano, Michiko no Takumi, um homem com
pigmentação tão manchada que algumas pessoas o
consideraram um leproso, ou pelo menos uma figura azarada.
Quando foi sugerido que ele fosse levado para uma ilha
desabitada e deixado sozinho, Takumi respondeu que se as
pessoas se ofendiam com a pele manchada, não deveriam
levantar cavalos e gado com manchas brancas. Ele também
observou que possuía um talento para retratar montanhas e
colinas em paisagens, e que esse talento seria uma bênção para
seu país adotivo.
Os responsáveis decidiram colocar Takumi para trabalhar e,
pouco depois, ele criou um jardim em estilo chinês para a
imperatriz Suiko (r. 593–628). A imperatriz deve ter gostado da
reformulação artística da natureza, pois foi seu parente, Ono no
Imoko, que foi para a China com a primeira delegação do Japão
e trouxe de volta a arte do arranjo de flores - uma arte que se
desenvolveu a partir de exibições florais em altares budistas. . A
partir desses modestos primórdios, a arte do desenho de jardins
floresceu entre a aristocracia japonesa, tanto que, no século XI,
livros estavam sendo escritos sobre o assunto.
Todos os que podiam pagar tinham jardins com lagos, pequenas
montanhas e até cachoeiras instaladas nos arredores de suas
mansões. Estes eram jardins destinados principalmente ao
prazer - ver a mudança sazonal da folhagem, observar os vários
pássaros atraídos para os jardins e até passear de barco nos
pequenos lagos acompanhados por músicos.
Com o passar do tempo, no entanto, o design do jardim ficou
sob forte influência dos pergaminhos da natureza budistas e
taoístas, e o próprio jardim tornou-se um objeto de
contemplação. Os fenômenos naturais estavam começando a
ser vistos como repletos de significados mais profundos do
universo.
O design do jardim agora tendia a se preocupar em exibir a
essência da natureza, em vez da natureza em sua plenitude. Na
época de Musashi, a aristocracia vinha passando por um longo
declínio, e os jardins tendiam – tanto pelo aumento da
população em um espaço urbano limitado quanto pelo
empobrecimento da aristocracia – a se tornarem menores e
mais apropriados para templos e residências relativamente mais
modestas.
Assim, os melhores jardins estavam localizados nos templos
budistas e nas casas dos daimyo. A essa altura, o projeto do
jardim havia mudado quase completamente para as mãos dos
sacerdotes zen-budistas (e, em alguns casos, de seus
trabalhadores), com o resultado de que o propósito do jardim –
em termos gerais – era um catalisador para meditação e
contemplação. .
Os jardins tornaram-se estritamente eufemismos e sugestões do
mundo natural mais amplo. A ênfase era muitas vezes colocada
no espaço, ou Vazio, e não em uma infinidade de folhagens. O
conceito budista de mujo, ou transitoriedade, foi sugerido pelos
elementos artisticamente organizados do jardim, manifestando
o mundo em seu estado de eterna mudança.
O designer do jardim, então, tinha que ser um homem que
entendesse os conceitos budistas envolvidos e estivesse bem
familiarizado com as complexidades da natureza. Ele deve saber
quais plantas floresceram onde, como elas cresceriam no sol ou
na sombra, e como elas reagiriam à presença da água, seja ela
corrente ou parada. Além disso, ele precisava ser um artista que
pudesse destilar os elementos da natureza ao seu mais essencial
e abstrato.
Assim, Musashi aplicou sua mão com grande interesse neste
trabalho.3 Ele era artístico por natureza e tinha um
conhecimento íntimo das montanhas e rios, penhascos e
nascentes, flores e animais. Suas longas viagens e aguçado senso
de observação proporcionaram-lhe uma familiaridade com a
natureza que poucas pessoas jamais teriam.
Por mais que os japoneses amem a natureza, a maioria ficou
feliz em observá-la à distância, ou de dentro dos limites de suas
residências ou áreas urbanas. Alguns dos poemas da natureza
mais comoventes da literatura tradicional japonesa, por
exemplo, foram inspirados não pelo mundo natural em si, mas
por representações da natureza em pergaminhos e telas.
Musashi, no entanto, seguia a tradição dos grandes artistas-
viajantes japoneses – Saigyo, Enku, Basho e Hiroshige, entre
outros – e suas inspirações artísticas vinham do coração da
própria natureza. Quanto à sua educação sobre as restrições do
projeto de jardins, ele não teria problemas para visitar os
grandes jardins já estabelecidos em Kyoto e em outros lugares.
Enquanto Musashi contemplava as pequenas áreas reservadas
para seus projetos de jardim em Akashi e mais tarde em Himeji,
ele não teria problemas para refletir sobre suas memórias da
natureza livre das restrições humanas e, em seguida, reduzir
essas memórias aos seus fundamentos mais abstratos e
estéticos. Mas há algo mais aqui. No final do primeiro capítulo
de O Livro dos Cinco Anéis, Musashi incentiva seus alunos a
meditar sobre certas regras para colocar em prática sua arte
marcial.
Duas dessas nove regras parecem ter pouco a ver com o estudo
da esgrima: —Toque em todas as artes. — Desenvolva um olho
perspicaz em todos os assuntos. A escrita de Musashi, no
entanto, é famosa por sua economia e franqueza de expressão.
Ele era muito cuidadoso com cada frase que escrevia e não
incluía nada que pudéssemos considerar atualmente como
“preenchimento”. Quando consideramos sua vida, vemos que
ele não escreveu nada que não tenha sido parte integrante de
sua própria experiência.
Musashi constantemente enfatizava que o estudante deve se
desenvolver no Caminho. A espada era seu principal veículo,
mas ele não a estudou excluindo todas as outras artes, ou
mesmo “todos os assuntos”. Cada arte era uma disciplina para
Musashi, e cada arte informava a outra. Outra perspectiva desse
mesmo princípio é uma frase zen-budista com a qual Musashi
estaria familiarizado: “Jogue isso fora e tudo será como está”
(hoshin shizen).
O “isto” desta frase é o preconceito ou preferência de alguém
por uma única prática ou artigo dessa prática, ou realmente
qualquer coisa. “Tudo será como é” refere-se à visão do olho
interior que capta a essência das coisas. Musashi tinha esse olho
interior e, portanto, não é de surpreender que o homem que
sobreviveu a mais de sessenta partidas individuais e às
campanhas de inverno e verão em Osaka estivesse igualmente
em casa supervisionando a colocação de pedras, areia e plantas
em Akashi.
O trabalho de Musashi para os Ogasawara nas áreas de
planejamento de defesa e jardinagem não passou despercebido
– e, alguns anos depois, ele seria contratado pelo clã Honda, que
era parente dos Ogasawara por casamento, nas proximidades de
Himeji.
Mais uma vez, ele trabalhou no delineamento da cidade do
castelo e projetou os jardins de alguns de seus templos,
enquanto desenvolvia continuamente seu próprio estilo de
espada. Musashi era respeitado e muito procurado tanto pelos
Ogasawara quanto pelos Honda, e parece que ele passou pelo
menos alguns dos seus trinta e poucos anos vivendo
alternadamente nas duas novas cidades-castelo de Akashi e
Himeji.
Imagina-se que sua fama e prestígio devem ter sido
consideráveis, e que ele foi capaz de preservar a liberdade que
tanto amava conseguindo manter o status de “hóspede” em vez
de “samurai”. de cidades-castelo durante séculos. Akashi havia
sido ocupada pelos Takayama, Hachisuka, Bessho e Kuroda
antes do castelo ser reconstruído pelos Ogasawara por volta de
1617.
Localizado perto do extremo nordeste do Mar Interior, com um
clima ameno e até relativamente ensolarado, ainda hoje é
famoso por a dourada capturada no Estreito de Akashi, entre a
principal ilha japonesa de Honshu e a pequena ilha de Awaji, ao
norte. Esta localização também deu a Akashi uma importância
estratégica como um porto perto da entrada de Kobe e Osaka.
Os parentes distantes de Musashi, os Akamatsu, construíram um
castelo em Himeji em 1350, mas o local era controlado por
vários clãs quando Toyotomi Hideyoshi assumiu o controle da
cidade e reconstruiu o castelo em 1577. Conhecido hoje como o
Hakurojo, ou Castelo da Garça Branca, é considerado o castelo
mais bonito e gracioso do Japão. Após a Batalha de Sekigahara,
Ieyasu deu o controle do castelo para Ikeda Terumasa, que
mudou seu nome de Himeyama para Himeji. O clã Honda foi
estabelecido neste local em 1617, e foi a partir dessa época que
Musashi começou seu trabalho lá.
Durante este período, como Musashi encontrou-se com mais e
mais alunos, ele continuou a desenvolver seu próprio estilo de
espada para incluir conceitos que poderiam ser ensinados, em
vez de simplesmente intuídos por ele mesmo. Já em 1604,
quando estava em Edo (Tóquio), ele havia escrito um pequeno
“livro” intitulado The Mirror of the Way of War, que era um
esboço do Enmei-ryu, ou Estilo de Iluminação Perfeita, que ele
estava criando.
A primeira edição deste livro continha apenas dezoito artigos,
mas depois foi ampliada para trinta e cinco e tinha uma forte
semelhança com seus trabalhos posteriores, Os Trinta e cinco
Artigos das Artes Marciais e O Livro dos Cinco Anéis.
Enfatizou, em particular, tomar a iniciativa – e provavelmente foi
um protótipo para os dois últimos trabalhos. O Enmei-ryu foi
claramente um precursor do Estilo de Duas Espadas de Musashi,
mas fora isso, pouco se entende sobre ele.
A palavra enmei, além de seu significado de "iluminação
perfeita", tem conexões com uma frase para dois tipos de
sabedoria budista, daienkyochi ( 大 円 鏡 智 ) e myokansatsuchi
( 妙 観 察 智 ), que se traduzem respectivamente como "Grande
Espelho Perfeito". Sabedoria” e “Maravilhosa Sabedoria de
Observação”. Curiosamente, é também uma “palavra de
travesseiro” (ou referente literário bem conhecido) para Akashi
na poesia clássica, um assunto com o qual Musashi estava
começando a se familiarizar. Um homem que se familiarizou
com o Enmei-ryu de perto foi um certo Miyake Gunbei.
Sua história é relatada em grande detalhe no Miyamoto
Musashi monogatari nenpyo, publicado em 1910. O ano era
1621, e Musashi tinha trinta e oito anos:
Na cidade de Himeji havia um homem famoso por seu Togun-ryu
chamado Miyake Gunbei. Ele era um homem muito grande, era
muito bom nas técnicas de derrubada do Araki-ryu e teve muitas
experiências em batalhas reais. Gunbei não tinha nada além de
desprezo por Musashi e riu dele com desdém. Um dia, ele
finalmente pediu um casamento com Musashi e foi à residência
deste último acompanhado por três de seus companheiros. Eles
foram conduzidos juntos para uma sala de quatorze esteiras. De
repente, Musashi apareceu do corredor estreito que passava
pela cozinha. Ele carregava casualmente duas espadas de
madeira; um longo, um curto. Sem mudar sua maneira ou
posição, ele disse: “Agora!” sobre o qual Gunbei e os outros
foram lançados em confusão. Musashi acrescentou: “Enfrentar
vocês quatro juntos também seria bom”. Castigado, Gunbei
avançou indignado. Os dois se enfrentaram a uma distância de
cerca de sete metros. Finalmente, Musashi recuou lentamente
até o canto da porta. Gunbei também gradualmente recuou e se
posicionou na porta de papel deslizante para a varanda. De
repente, Musashi combinou suas espadas em um enkyoku
(círculo), ou gassho (forma de campanário), e avançou em
direção a Gunbei. Gunbei levantou sua espada sobre
sua cabeça na posição jodan, avançou e golpeou diretamente
para baixo. Musashi separou suas duas espadas e evitou o golpe
de Gunbei. Combinando suas espadas novamente e contendo o
ataque de Gunbei, Musashi deu um passo para trás. Gunbei
balançou sua espada livre dessa restrição e, com uma espécie de
salto, atacou novamente.
Musashi repetiu sua própria manobra, mais uma vez segurando
a espada de Gunbei e recuando. Essa ação foi repetida várias
vezes até que Musashi estava de costas para a parede e parecia
estar preso. Desta vez Gunbei apontou sua espada diretamente
para Musashi na posição chudan e, certo de sua vitória,
apunhalou para frente com ambas as mãos no punho. Musashi
gritou: “Cuidado!”, aparou Gunbei com o tachi curto que ele
segurava na mão esquerda e esfaqueou a bochecha do homem
com o tachi que ele segurava na mão direita.
Gunbei caiu no local e seus companheiros chocados correram até
ele. Musashi calmamente trouxe alguns remédios e uma tira de
pano de algodão e os aplicou na ferida de Gunbei. Mais tarde,
Gunbei curvou-se a Musashi como professor e o manteve em
profundo respeito.
Este Gunbei5 era um retentor de Honda Tadamasa, o daimyo do
Castelo de Himeji, e era o principal espadachim do feudo. Ele
relatou mais tarde na vida que havia conhecido apenas dois
momentos assustadores em toda a sua carreira.
Um foi na Campanha de Verão no Castelo de Osaka, quando os
exércitos adversários estavam no ponto de contato, e o outro foi
quando ele encontrou Musashi pela primeira vez – aquele
instante em que o espadachim apareceu com suas duas espadas
abaixadas. Gunbei tinha várias coisas para agradecer nesta luta.
A primeira foi que não havia acontecido dez anos antes, quando
Musashi ainda decidia suas lutas com “extremo preconceito”.
A experiência com Sasaki Kojiro afetou profundamente Musashi
e, depois de 1612, suas lutas individuais nunca mais terminariam
em morte ou nas terríveis feridas que incapacitaram Yoshioka
Seijuro por toda a vida.
Sem dúvida, sua crescente familiaridade com o budismo e as
artes do chá, poesia e pintura com nanquim estava surtindo
efeito. A segunda foi o fato de que o próprio Gunbei era um
retentor do clã Honda, com quem Musashi estava em excelentes
termos.
Certamente ele não teria ferido gravemente um retentor
daquele clã, independentemente da arrogância e das más
maneiras do homem. E terceiro, pode-se dizer que Gunbei teve
a sorte de ter realmente visto uma “comparação de técnica”
nesta luta, enquanto Musashi o conduzia, ou na verdade, o
puxava pela sala, demonstrando seu estilo.
Foi apenas a impetuosidade de Gunbei que o levou à ponta da
espada do melhor homem; e se Gunbei não tivesse trazido seus
amigos, na frente dos quais ele não podia recuar, ele poderia ter
se safado apenas com um machucado.
ego.
Como se viu, Musashi foi gentil o suficiente para cuidar da
ferida de Gunbei, um ato de simpatia e preocupação. Musashi
estava agora caminhando firmemente no caminho que havia
sido prescrito para o verdadeiro guerreiro desde os tempos
Heian no Japão, e na China até o tempo de Confúcio.
Esse era o caminho que incluía tanto as artes da guerra quanto
as artes da paz (bunbu no michi), e talvez ele se tornasse mais
realizado nesse ideal do que qualquer outro guerreiro na
história do Japão. O RENASCIMENTO DE QUIOTO Nas páginas
iniciais de O Livro dos Cinco Anéis, Musashi afirma que “nunca
tive um professor enquanto estudava os Caminhos das várias
artes e realizações, ou em qualquer coisa”.
Isso é notável vindo de um homem que não era apenas um dos
espadachins mais singulares de seu tempo, mas também um
pintor, escultor e metalúrgico extraordinariamente habilidoso.
Como vimos, ele também conhecia bem a poesia —
especialmente o estilo clássico do período Heian (794-1185) — e
o Caminho do Chá; e ele era adepto da recitação de drama Nô,
desenho de jardins e talvez até carpintaria.
Se ele não teve professores e viveu sua vida da maneira solitária
que tantas vezes é retratada, como ele poderia ter se realizado
em tantas artes? É importante notar que Musashi, embora
excêntrico e intransigente em muitos aspectos, certamente não
era o quase sociopata que seus detratores o fizeram parecer.
Ele estava, afinal, em boas relações com Ogasawara Tadazane e
Honda Tadamasa e Tadatoki, e uma de suas cartas ainda
existentes indica que ele era amigo de um ou dois outros
daimyo também. Tais homens estavam no topo da hierarquia
em um mundo muito estratificado.
Musashi, no entanto, era um homem intelectualmente e
artisticamente curioso de talentos surpreendentes, e viveu em
uma época em que a comunicação entre os vários níveis da
sociedade havia se aberto dramaticamente. Generais,
mercadores ricos e artesãos talentosos agora podiam se sentar
juntos e se misturar durante a cerimônia do chá de uma maneira
que antes seria quase impossível. Indivíduos artísticos como
Musashi tiveram muitas oportunidades de contato uns com os
outros e com aqueles que apreciavam seus talentos.
A arte transcendeu a classe social no Japão do século XVII como
talvez em nenhum outro momento da história, e na capital
Kyoto – a dois ou três dias a pé de Himeji e Akashi – essa
tendência se concentrava como em nenhum outro lugar do
mundo. .
Musashi esteve ativo durante um período apropriadamente
chamado de Renascimento de Kyoto, um período de cerca de
um século, de 1550 a 1650.
século e meio de guerras civis durante as quais inúmeros
tesouros de arte foram destruídos, templos e edifícios antigos
queimados e bibliotecas perdidas para sempre, o Japão foi
trazido de volta à unificação e à paz final após as batalhas
decisivas em Sekigahara e Osaka. Depois de tantos anos de
agitação social, essa paz trouxe uma onda de prosperidade
econômica e um florescimento das artes em quase todas as
áreas.
A arquitetura do castelo floresceu, houve um interesse
renovado pela poesia e pela pintura clássica, a arte da cerimônia
do chá atingiu seu auge, o mundo da cerâmica se espalhou em
novas direções e as escolas que ofereciam treinamento nas artes
marciais proliferaram, com cada novo discípulo se destacando
sozinho e pendurando sua própria telha.
Como os vários atores deste período influenciaram Musashi não
está documentado, mas considerando seu talento e curiosidade
artística, sua insistência em que seus alunos aprendam todas as
artes e o tempo que ele passou nos centros urbanos da área de
Kansai, é apropriado que olhamos brevemente para dois
homens representativos do período com os quais ele
provavelmente se associou.
No centro estético do Renascimento de Kyoto estava Hon'ami
Koetsu (1558-1637), um homem que a tradição, se não a
evidência registrada, liga a Musashi. Koetsu veio de uma família
de polidores e avaliadores de espadas - bem conhecido nesse
campo desde o século XIV - e era muito requisitado por suas
habilidades neste trabalho. Além disso, havia poucas outras
artes que ele não praticava.
Concedido pelo xogum uma área de terra — Takagamine, ou
Takaramine — nos arredores de Kyoto, ele estabeleceu uma
colônia de arte composta por cinquenta e cinco amigos e
parentes que funcionariam como uma espécie de plataforma de
lançamento para tudo, desde fabricação de papel a laca e
cerâmica. O próprio Koetsu é mais conhecido hoje por sua
caligrafia e cerâmica, mas seus fortes laços com a espada
samurai e sua personalidade intensa e amigável o tornaram um
companheiro envolvente para Musashi. O talento extraordinário
do espadachim, seus amplos interesses e seu caráter notável,
por outro lado, provavelmente teriam parecido ao artista mais
velho uma brisa fresca em um dia quente de verão.
As amplas atividades artísticas de Koetsu provavelmente foram
uma inspiração para Musashi. Os laços do esteta refinado com a
recitação do Noh podem ter desencadeado a participação
posterior de Musashi nessa arte; e um dos amigos de Koetsu,
Sakon Tayu, era o chefe da escola Kanze de Noh.
Não é improvável que Musashi o tenha conhecido, junto com
muitos outros nas artes. Entre os associados de Koetsu também
estavam Tawara Sotatsu, designer de tecidos e pintor; Furuta
Oribe, o guerreiro e mestre do chá; Raku Don'yu, o oleiro dos
mestres do chá; e Hayashi Razan, o erudito confucionista.
Musashi não poderia ter deixado de ser influenciado, mesmo
que apenas perifericamente, por essa sociedade de homens
talentosos, e o caráter forte e reputado de Koetsu e sua intensa
aversão à ganância teriam se encaixado bem nas mesmas
tendências da personalidade do próprio espadachim.

Musashi insistiu que através de um intenso estudo e prática do
Caminho das Artes Marciais, os Caminhos de todas as outras
artes seriam compreendidos.
É possível que esses pensamentos tenham começado a se
formar em sua mente enquanto conversava com o velho polidor
de espadas transformado em esteta na colônia de artistas
Takagamine, nos limites de Kyoto, e que ele encontrou uma
certa confirmação deles quando se sentou na roda de oleiro ou
pegou ele próprio o martelo de um metalúrgico.
Visitas a Takagamine teriam dado a Musashi o material físico
para trabalhar suas próprias ideias emergentes na realidade da
arte. Dessa forma, a sombra de Hon’ami Koetsu parece passar
pelas páginas do Livro dos Cinco Anéis, em tons sutis, mas
convincentes.
Takuan Soho (1573-1645), também tradicionalmente ligado a
Musashi, foi um sacerdote zen-budista da seita Rinzai e outra
figura influente no Renascimento de Kyoto. Como Koetsu,
Takuan era um polímata que se destacava em caligrafia, pintura,
poesia, jardinagem e na cerimônia do chá. Ele também deve ter
gostado de estar na cozinha, pois dizem que ele inventou o
picles que é uma constante na dieta japonesa e até hoje
mantém seu nome. Takuan foi um escritor prodigioso cujas
obras completas ocupam seis volumes.
Ele era um conselheiro do imperador e do xogum, e tornou-se
abade do Daitokuji, um importante templo zen em Kyoto, com a
improvável idade de apenas trinta e cinco anos. Musashi teria
apreciado a personalidade do homem. Ao contrário de vários
outros prelados budistas que, de tempos em tempos, sentiam a
necessidade de bajular o xogunato, Takuan manteve seu terreno
idealista e teve problemas por isso. Em um desses incidentes, o
Robe Robe Affair de 1628,6 ele foi punido e eventualmente
enviado para o exílio na parte norte do Japão; ele não foi
perdoado até 1632. Ele tinha o suficiente do “bad boy” nele para
ter apelado para o ex-gaki daisho de Hirafuku e Miyamoto. A
tradição que nomeia Takuan como mentor de Musashi é
colocada em foco no ensaio de Takuan, “O Registro Misterioso
da Sabedoria Imóvel”. de esgrima. Ele lida em parte com a
relação entre mente, corpo e técnica, um assunto também
abordado extensivamente em O Livro dos Cinco Anéis. No
ensaio, Takuan escreve:
Quando você notar pela primeira vez a espada que está se
movendo para atingi-lo, se você pensar em encontrar aquela
espada exatamente como ela é, sua mente irá parar na espada
exatamente naquela posição, seus próprios movimentos serão
desfeitos e você será cortado. pelo seu oponente. . . . O que é
chamado de Fudo Myo-o [uma manifestação irada do Buda
Vairocana]8 é a mente imóvel e o corpo inabalável. Inabalável
significa não ser detido por nada.
Olhar para algo e não parar a mente é chamado de imóvel. Isso
ocorre porque quando a mente se detém em alguma coisa,
enquanto o peito está cheio de vários julgamentos, há vários
movimentos dentro dela. Quando seus movimentos cessam, a
mente parada se move, mas não se move de forma alguma. Se
dez homens, cada um com uma espada, vierem até você com
espadas cortando, se você aparar cada espada sem parar a
mente em cada ação, e for de um para o outro, não faltará uma
ação adequada para cada um deles. os dez. . . . [A] ação de
Spark e Stone. . . ressalta que a mente não deve ser detida pelas
coisas; diz que mesmo com velocidade é essencial que a mente
não pare. Quando a mente parar, ela será apreendida pelo
oponente. Por outro lado, se a mente contemplar ser rápida e
entrar em ação rápida, ela será capturada por sua própria
contemplação. . . . Colocar a mente em um lugar é chamado de
cair na unilateralidade. Diz-se que a unilateralidade é o viés em
um lugar. Correção está em se mover em qualquer lugar. A
Mente Correta se mostra estendendo a mente por todo o corpo.
Não é tendencioso em nenhum lugar. . . . O esforço para não
parar a mente em apenas um lugar – isso é disciplina. Não parar
a mente é objeto e essência. Não coloque em nenhum lugar, ele
estará em todos os lugares. Mesmo movendo a mente para fora
do corpo, se for enviada em uma direção, faltará em outras
nove. Se a mente não estiver restrita a apenas uma direção,
estará em todas as dez.
Não surpreendentemente, a relação entre mente, corpo e
técnica é um dos principais temas, principalmente implícitos,
que percorrem O Livro dos Cinco Anéis, e é importante notar
que Takuan escreveu essas palavras durante seu exílio em
Kaminoyama em Dewa, em algum momento entre 1629 e 1632.
Foi em 1631 que Musashi também esteve em Dewa,
provavelmente visitando Takuan e discutindo exatamente esses
assuntos, além de dar uma demonstração de seu estilo ao
daimyo Matsudaira Dewa no kami Ienaka. Assim, Musashi
provavelmente foi tão influente nos escritos de Takuan sobre a
espada quanto Takuan foi nos escritos de Musashi sobre o Vazio
no capítulo final de O Livro dos Cinco Anéis. Pode-se facilmente
imaginar Musashi e Takuan conversando baixinho, cada um
ganhando com as experiências do outro. Tampouco se
limitariam a discussões durante o chá.
Ambos os homens acreditavam absolutamente no valor da
experiência real, e o assunto inevitavelmente os levaria da
esteira para o dojo. Nascido em uma família de samurais,
Takuan deve ter segurado sua espada de madeira com prazer.
Mais tarde, ele pegaria o pincel e escreveria uma das obras mais
importantes sobre o Zen e a espada da literatura japonesa.
Embora a passagem citada acima deste ensaio não esgote de
forma alguma o assunto da relação entre a espada e o Zen
Budismo, ela certamente expressa o cerne do assunto, e afetou
Yagyu Munenori tão profundamente que ele parafraseou a obra
mais de uma vez em seu livro.
próprio livro, The Life-Giving Sword (Heiho Kadensho,
literalmente, The Book of Clan Traditions on the Martial Arts).
Mais tarde, examinaremos mais de perto o círculo de influência
que conectou esses três homens.
No final, Takuan pode ter tido outro efeito na vida de Musashi.
Já em 1603, um ano antes de Musashi derrotar o clã Yoshioka,
Takuan tornou-se um bom amigo de Hosokawa Yusai, o general,
diplomata e homem de bom gosto, cuja abordagem aos
escolásticos era surpreendentemente semelhante à abordagem
de Musashi às artes em seu ecletismo.

A relação amistosa entre o sacerdote e o clã Hosokawa se
estenderia por três gerações daquela família guerreira, e o nome
de Musashi, sem dúvida, entrou em suas conversas e cartas
várias vezes antes que o próprio Musashi fosse morar com o clã
em seus últimos anos.
A associação de Musashi com os artistas e sacerdotes budistas
do Renascimento de Kyoto não pode ser documentada com
precisão, mas também não pode ser descartada.
É claro em termos de seu próprio desenvolvimento - desde seu
nascimento rural até sua ascensão ao status de espadachim
invicto e artista multitalentoso - ele teria tido, se não
professores, companheiros e associados no Caminho.
Kyoto é e sempre foi uma sociedade intimamente
interconectada, com fortes laços entre pessoas de altas
habilidades e gostos estéticos. Essa rede social também não se
limitava a Kyoto. Mesmo em suas andanças pelo país, do norte
de Kyushu a Edo, Musashi pode muito bem ter encontrado
excêntricos artistas zen (seu contemporâneo, o excêntrico
pintor zen Fugai, vem à mente), assim como ele encontrou os
sessenta e poucos artistas marciais que ele luta e derrota.
NOME DE FAMÍLIA
Por volta de 1619, Musashi começou a ter preocupações
diretamente relacionadas com esgrima ou arte. Ele tinha
entendido desde cedo que ter uma família seria um
impedimento para seu progresso na esgrima e, de fato, para
todos os outros Caminhos. Ter escolhido a vida de uma
shugyosha perpétua naturalmente impedia um relacionamento
de longo prazo com qualquer mulher, e ter filhos estava fora de
questão.
Embora Musashi não fosse filho único, ele sem dúvida sentiu um
certo dever de continuar a linhagem familiar, pois a importância
de continuar o nome da família é primordial no Japão. Por
exemplo, não é incomum que uma família sem filhos
adotar o marido da filha mais velha, garantindo assim a
continuidade da linhagem e do nome da família por pelo menos
mais uma geração.
O noivo, é claro, teria que ser o segundo ou terceiro filho de sua
própria família para não comprometer sua própria árvore
genealógica. Quando Musashi tinha trinta e seis anos, ele
também sentiu que não podia mais evitar essa responsabilidade.
Assim, em algum momento durante este ano, enquanto
cavalgava na área de Amagasaki em Banshu, ele encontrou um
jovem condutor de carga chamado Mikinosuke, que parecia ter
habilidades muito além de sua atual posição em vida.
Intuindo que o menino poderia apresentar uma solução para
seus próprios problemas de sucessão e uma oportunidade de
orientar um guerreiro de primeira linha, Musashi perguntou a
Mikinosuke se ele gostaria de ser educado como aprendiz sob a
tutela do próprio espadachim. O jovem respondeu alegremente
que ficaria feliz em fazê-lo se não fosse pelo fato de ter dois pais
idosos para sustentar. Essas eram suas circunstâncias, no
entanto, e ele não podia de forma alguma abandonar seu pai e
sua mãe.
Com essa resposta, Musashi ficou ainda mais impressionado
com as qualidades de Mikinosuke e interrompeu o andamento
de sua jornada para visitar a casa dos pais do menino. Depois de
alguma discussão e garantias, ele forneceu ao velho casal
dinheiro suficiente para cuidar de si e partiu com um novo
aprendiz e herdeiro.
A intuição de Musashi não estava errada. Embora menos
extrovertido e agressivo que Musashi, Mikinosuke estudou e
praticou muito, tornando-se um excelente estudioso e
espadachim. Mais tarde, ele se tornou um pajem para o
conhecido de Musashi, Honda Tadatoki, que confiava no jovem
por suas muitas qualidades diferentes.
Desde então, Tadatoki tornou-se o segundo marido de Senhime,
filha do xogum Tokugawa Hidetada, e seu salário foi aumentado
substancialmente. Entre as responsabilidades que Mikinosuke
tinha para com esse senhor rico estava a de instrutor de
espadas.
Esse trabalho havia sido anteriormente de Musashi, mas ele
passou a posição para seu filho adotivo. Tragicamente para
Mikinosuke e Musashi, a carreira do jovem foi interrompida pela
morte inesperada de Tadatoki aos trinta e um anos em 7 de
maio de 1626. Mikinosuke estava em Edo quando Tadatoki
faleceu em Himeji e, ao ouvir a notícia, rapidamente começou
seu retorno ao domínio de seu senhor.
Musashi, que estava residindo em Osaka na época, de alguma
forma sentiu que Mikinosuke estava vindo para lhe dar uma
despedida final. Aos que o cercavam, ele afirmou que se seu
filho viesse visitá-lo, ele receberia “uma grande refeição como
lembrança desta vida”.
Aconteceu exatamente como Musashi havia intuído. Mikinosuke
parou em Osaka, e os dois trocaram xícaras de saquê de
despedida sem mencionar o
evento que inevitavelmente ocorreria em breve. O jovem então
partiu para Himeji e cometeu junshi, ou suicídio ritual em
solidariedade ao seu senhor, no dia seguinte. Ele tinha vinte e
três anos.
Miyamoto Mikinosuke era conhecido por ser bonito, inteligente
e sensível ao mundo da literatura. Deixou o seguinte poema de
morte:
Atraído pela tempestade
no pico do Monte Tatsuta, as folhas vermelhas no vale também
estão caindo
Dois anos antes da morte de Mikinosuke, Musashi adotou outro
menino, Iori, que conheceu enquanto passava por uma planície
isolada chamada Shohojigawara, na distante Dewa. Musashi
encontrou pela primeira vez Iori vendendo peixe-lama na beira
da estrada. Quando o espadachim disse que gostaria de um, o
menino respondeu: “Pegue o cacho inteiro”, empurrou o balde
de peixe nas mãos de Musashi e saiu sem olhar para trás.10 Na
noite do dia seguinte, Musashi se perdeu no planície, e parou
para pedir hospedagem em uma pequena cabana não muito
longe do caminho.
O mesmo menino, Iori, apareceu e relutantemente lhe deu
permissão para ficar. Naquela noite, enquanto Musashi estava
deitado sem dormir, ele ouviu o som de uma espada sendo
afiada no quarto ao lado. Desconfiado do menino que já havia
agido de forma bastante excêntrica, Musashi bocejou alto, como
um aviso de que estava bem acordado.
Com isso, Iori riu alto e acusou o viajante de ter medo de uma
criança magra de doze anos. Na discussão que se seguiu,
Musashi veio a entender que o pai do menino havia acabado de
falecer e, sendo pequeno demais para carregar o corpo morro
acima para enterrá-lo ao lado da esposa do homem, a criança
criativa e obediente se preparava para cortar o corpo ao meio. ,
para que ele pudesse transportá-lo para o local adequado.
Este foi o segundo ato de piedade filial que Musashi encontrou
nos jovens que adotaria, e deve tê-lo impressionado
profundamente. Ele e seu próprio pai não se davam bem e,
como vimos, o jovem Bennosuke deixou a casa de Munisai
muito jovem.
A determinação e desenvoltura de Iori afetaram tanto o
espadachim que, depois de carregar o corpo do velho colina
acima inteiro e dar-lhe um enterro adequado, ele perguntou ao
jovem se ele gostaria de se tornar um aprendiz. Iori confundiu as
intenções de Musashi e declarou que nunca assumiria o status
de servo, pois era seu sonho se tornar um samurai com cavalo e
lança.
Se não conseguisse isso, disse ele, seria melhor permanecer
como estava — sozinho, mas livre. Musashi assegurou-lhe que o
treinaria para se tornar um grande guerreiro e realizar seu
sonho, e assim chegou-se a um acordo.
Musashi foi extremamente bem por Iori. Apenas alguns anos
depois, quando Ogasawara Tadazane lhe ofereceu o cargo de
retentor em Akashi, Musashi se sentiu confiante o suficiente
para propor que Iori fosse empregado em seu lugar. Musashi
não tinha nenhum desejo de se tornar um oficial. Para isso, teria
que abrir mão de sua liberdade e a relativa independência que
os guerreiros desfrutaram durante o período dos Reinos
Combatentes (1333-1568).
Ele percebeu, no entanto, que muito poucos homens foram
talhados para viver a vida que ele havia traçado para si mesmo.
Despejando todo seu conhecimento e treinamento em Iori, ele
preparou o garoto para ser o melhor homem que pudesse para
esta nova era de paz e gestão burocrática.
Desta forma, Miyamoto Iori foi colocado em serviço como
retentor pessoal do daimyo para Ogasawara Tadazane em 1626
na cidade-castelo de Akashi, no mesmo ano em que Mikinosuke
cometeu suicídio ritual em Himeji.
Claramente, Musashi havia realizado mais nessas duas cidades
do que apenas planejamento urbano e construção de jardins.
Sua personalidade, circunspecção e muitos talentos lhe
trouxeram um tremendo respeito também nos círculos do poder
político. A carreira de Iori estava destinada a ser longa e distinta.
Em 1631, ele havia ascendido à posição de retentor-chefe,
embora ainda mal tivesse vinte anos. Musashi também havia
ensinado ao menino esgrima e coragem, e na Batalha de
Shimabara em 1637, à qual retornaremos, Iori recebeu elogios
extraordinários de Kuroda Takayuki, daimyo do vizinho feudo de
Fukuoka, por realizar atos meritórios distintos. Após esta
batalha, seu salário foi aumentado para quatro mil koku, e
quando o clã Ogasawara foi transferido para Kokura em Kyushu,
Iori recebeu terras no Monte Tamuke, no lado leste da cidade do
castelo.
Foi lá que ele ergueria o Kokura Hibun, o monumento gravado
com a história da vida de Musashi, oito anos após a morte de
Musashi. Miyamoto Iori morreu em 8 de março de 1678. A
família Miyamoto continuou a herdar a ocupação de retentores
seniores, mas a linhagem de Iori finalmente acabou na sexta
geração. No final, o irmão mais novo do senhor do clã Nitta, um
clã ramo dos Ogasawara, foi oficialmente declarado a sétima
geração, assumindo o status de família da casa que Musashi
começara a construir na planície de Shohojigawara.
UM SER HUMANO REAL VIVO
Em 1628, mesmo ano em que Takuan foi punido no Caso do
Manto Roxo, Musashi estava no Castelo de Nagoya, na província
de Owari, a pedido de Tokugawa Yoshinao, sétimo filho de
Ieyasu e daimyo daquele feudo. Solicitado a dar uma
demonstração de seu estilo de espada, Musashi teve uma
partida com um habilidoso artista marcial do que agora era
chamado de clã Owari. Musashi usou duas espadas de madeira
e, cortando a espada de seu oponente, impediu-o de realizar
qualquer ação significativa. Sem prejudicar o homem, ele o
conduziu em um círculo ao redor
no dojo e comentou: “É assim que uma partida deve ser
conduzida”, demonstrando que com seu estilo não havia
necessidade de lesão. Yoshinao estava procurando algo um
pouco mais dramático do homem que havia derrotado o
Demônio das Províncias Ocidentais, no entanto, e não mostrou
mais interesse no estilo de Musashi. à distância e comentou com
seus discípulos: “Finalmente encontrei um ser humano vivo de
verdade”.
À medida que os dois homens se aproximavam, eles chamavam
os nomes um do outro, embora esta fosse a primeira vez que se
encontravam. Os registros então afirmam que os dois homens
rapidamente abriram seus corações um para o outro como se
fossem amigos há cem anos. O homem levou Musashi para sua
mansão, onde trocaram copos de saké, jogaram go, mas nunca
cruzaram espadas em comparação de técnica. Mais tarde,
Musashi explicou a psicologia de seu encontro: “Esse
reconhecimento mútuo pode ser chamado de atitude mental
sutil ou princípio transcendental.
O fato de não termos cruzado espadas foi um reconhecimento
mútuo em silêncio das habilidades um do outro.” O homem
neste curto episódio foi Yagyu Hyogonosuke Toshiyoshi (1577-
1650), chefe do Yagyu-ryu em Owari e instrutor de espada do
mencionado Tokugawa Yoshinao. Ele é o único membro do clã
Yagyu registrado que conheceu Musashi. Foi seu tio, Munenori,
que escreveu The Life-Giving Sword e que era amigo do padre
Takuan.
Como a família Yagyu se tornaria o principal clã no mundo da
esgrima durante o tempo de Musashi e por várias gerações Nobutsuna concordou e passou os dois anos seguintes na
depois, é importante dar pelo menos uma breve olhada em sua mansão de Sekishusai. No final dessa época, em abril de 1565, o
ascensão à fama. mestre de espadas concedeu a Sekishusai um certificado,
informando que ele havia passado todas as tradições ocultas de
O clã Yagyu traçou sua ascendência até Sugawara no Michizane seu estilo para o jovem.
(845-903), o grande santo da literatura, vinculando-o assim a
Ele também transmitiu sua atitude de que o estudo da esgrima
outras artes que não as marciais. Não se sabe quando o clã
não deveria ser usado com o propósito de matar pessoas, mas
realmente se mudou para a vila de Yagyu – parcialmente
sim para revigorar tanto um homem quanto seu oponente.
escondida entre as montanhas baixas nas fronteiras das
Sekishusai não se esqueceria disso e mais tarde se tornaria
prefeituras de Nara e Kyoto – mas, por volta de 1600, eles
famoso, não apenas por sua extraordinária habilidade e
parecem ter residido lá por séculos.
modéstia,12 mas também por sua filosofia da “espada
mortífera” e da “espada vivificante”.
A área tinha tradicionalmente gerado homens de grandes
habilidades de espada, e os Yagyu figuravam fortemente nesta
Sekishusai já era um mestre do estilo Toda de esgrima e, após a
tradição. Yagyu Muneyoshi Sekishusai (1529-1606) foi
partida de Nobutsuna, dedicou o resto de sua vida ao
considerado o melhor espadachim na área ao redor da capital
desenvolvimento de uma amálgama de estilos, cuja culminação
de Kyoto quando seu amigo, o lanceiro Hozoin In'ei, arranjou
foi seu famoso Muto-ryu, ou estilo sem espada.
para que ele lutasse em uma luta com Kamiizumi Ise no kami
Nobutsuna (1508-1577). ), um homem cuja estatura é agora
Nesse estilo, o praticante cultiva seus poderes intuitivos e
lendária entre espadas
destreza a ponto de conseguir deter o golpe de seu oponente
praticantes.
pouco antes de sua execução. Isso é feito agarrando o punho ou
a lâmina da espada do oponente com as próprias mãos – unidas
O concurso, que alguns consideram o início do Yagyu Shinkage-
em uma chave de oração (dedos estendidos, não entrelaçados)
ryu, foi realizado no templo Hozoin e terminou em minutos.
e, desnecessário dizer, requer um extraordinário senso de
Paralisado pelo olhar de Nobutsuna, o famoso Sekishusai não
tempo.
conseguiu nem mesmo erguer sua espada.
Ele tinha trinta e cinco anos na época; Nobutsuna, cinquenta e
Sekishusai teve onze filhos — cinco meninos e seis meninas. Seu
cinco. Tanto In'ei quanto Sekishusai imploraram para se
filho mais velho, Yoshikatsu, foi gravemente ferido em batalha e
tornarem discípulos de Nobutsuna.
não pôde seguir seu pai como sucessor de sua escola. Essa honra
iria, em parte, para seu filho mais novo, Munenori (1571-1646),
um homem habilidoso em esgrima e dotado de um senso
superior de tato político. Em 1594, Tokugawa Ieyasu convidou
Sekishusai, de 66 anos, e seu filho Munenori para uma exposição
em Kyoto e ficou tão impressionado com a habilidade do velho
que rapidamente se declarou discípulo e redigiu um contrato
prometendo seu apoio ao Clã Yagyu. Sekishusai, no entanto,
recusou a oferta para si mesmo, desejando oferecer a posição
de instrutor para seu filho. Ieyasu concordou e, neste único
golpe, o Yagyu tornou-se parte do establishment, já abrindo um
precedente para uma posição hereditária com os Tokugawa. A
carreira de Munenori está bem documentada.
Após sua nomeação, além de instruir três gerações de xoguns
Tokugawa, ele também realizou ações meritórias para eles em
batalha – provavelmente envolvendo espionagem em
Sekigahara, mas também salvando a vida de Hidetada durante a
Campanha de Verão no Castelo de Osaka. Seu salário foi
aumentando constantemente, assim como sua posição, e ele
acabou se tornando um conselheiro respeitado, junto com seu
antigo mentor, Takuan, ao terceiro shogun, Iemitsu. Mas
embora Munenori tenha estabelecido a linhagem Yagyu em Edo,
ele talvez não fosse o verdadeiro favorito de seu pai.
Sekishusai se dedicou à arte da espada e se envolveu com
política apenas quando absolutamente necessário para a
continuidade do clã. Munenori, por outro lado, embora
demonstrando forte influência zen-budista em seu estilo de
espada, envolveu-se progressivamente com o governo
Tokugawa, desde o xogunato de Hidetada até o de Iemitsu.
Nenhuma briga pública foi registrada, mas em sua
aposentadoria, o velho Sekishusai pode muito bem ter se
perguntado para onde seu filho estava indo com todos esses
negócios fora da tradição de esgrima da família.
Independentemente da causa, foi Yagyu Hyogonosuke
Toshiyoshi, filho de Yoshikatsu, que Sekishusai iniciou nos
segredos do Yagyu Shinkage-ryu, e foi a este neto que ele deu o
manuscrito dos segredos registrados conferidos a ele por
Nobutsuna.
Assim, foi Hyogonosuke, não Munenori, que se tornou o
sucessor de Sekishusai. E, após um breve período de serviço sob
Kato Kiyomasa em Kumamoto, foi este mesmo Hyogonosuke
que se tornaria o instrutor do ramo Owari dos Tokugawa e que
eventualmente conheceria Musashi e desfrutaria de uma tarde
de saké, go e conversa com o famoso espadachim.
É difícil imaginar os sentimentos ou a conversa que deve ter
passado entre esses dois naquela tarde. Hyogonosuke dominou
o Muto-ryu e estudou as seitas Shingon e Zen do budismo como
caminhos que poderiam levar a uma maior concentração em sua
arte.
Sua reputação como espadachim superou a de seu tio mais
politicamente conectado e famoso em Edo, e sua escola é
considerada por muitos como a linha ortodoxa Yagyu. Musashi,
enquanto isso, estabeleceu sua reputação como um dos
melhores espadachins do país e um artista de talentos únicos.
Por toda a segurança que Hyogonosuke e outros de seu clã
devem ter sentido no patrocínio dos Tokugawa, é de se
perguntar se esse mestre do ramo Owari do Yagyu não sentiu
um grande respeito - e talvez uma pitada de inveja - pela
independência de Musashi. e liberdade.
De qualquer forma, esses dois homens, ambos talentosos em
suas artes e imersos em anos de disciplina, devem ter
compartilhado uma profunda apreciação pela experiência do
outro. Sem dúvida, seus discípulos esperavam ansiosamente nos
bastidores pela partida que provaria um homem superior ao
outro, mas ficariam desapontados. O que os dois espadachins
haviam entendido era que cada um era um mestre que estava
verdadeiramente além de qualquer consideração ou
comparação dualista. Não havia necessidade de provar sua
habilidade, então eles simplesmente passaram a tarde como
fizeram. Quaisquer esperanças voyeurísticas que seus discípulos
pudessem ter – ou qualquer esperança que nós pode ter hoje -
ficaria insatisfeito.
PARA KOKURA
Mesmo depois de Sekigahara e das batalhas no Castelo de
Osaka, o mapa político estava mudando.
Os Tokugawa estavam sempre buscando oportunidades para
reforçar sua própria posição e estavam constantemente fazendo
esforços para garantir a hegemonia total. Um desses esforços
afetaria diretamente Musashi e ocorreu em Kyushu, não muito
longe do lugar onde ele se tornara tão famoso anos antes. Kato
Kiyomasa, que era um dos maiores aliados da família Toyotomi e
conhecido por sua ferocidade e coragem na batalha, havia
morrido, talvez já em 1611.
Agora, embora Kato tenha se aliado aos Tokugawa em
Sekigahara e recebido uma mulher em casamento, que havia
sido criado por Ieyasu, seus verdadeiros sentimentos e lealdade
para com o xogunato nunca foram considerados totalmente
confiáveis.
Quando ele morreu, possivelmente por envenenamento, seu
filho Tadahiro assumiu o comando de seu feudo em Kumamoto
em Kyushu, mas com um status desconfortável em relação aos
Tokugawa. Finalmente, enquanto viajava de Kumamoto para
Edo em 1632, Tadahiro foi preso e acusado de conspirar contra
Tokugawa Iemitsu. No final, seu feudo foi desmantelado e ele foi
enviado para o exílio em Tsuruoka em Dewa, onde morreria
vinte e um anos depois.
Em 1632, o velho amigo de Musashi, Ogasawara Tadazane, foi
transferido pelos Tokugawa de Akashi para Kokura, o feudo
geograficamente sensível no estreito entre a principal ilha
japonesa de Honshu e a ilha de Kyushu, que era o centro do
comércio exterior e o ponto mais próximo da Coréia e do
continente chinês.
Este feudo foi desocupado em outubro pelos Hosokawa, que,
recordemos, governaram a área durante o tempo da luta na Ilha
Ganryu. Eles, por sua vez, foram transferidos para o feudo maior
em Kumamoto, para assumir o que os Kato haviam governado
anteriormente. Em 1634, Musashi veio visitar seu filho adotivo
Iori e seu velho amigo Tadazane, e foi recebido calorosamente
pelo novo daimyo do Castelo Kokura. Previsivelmente, uma luta
de espadas foi organizada com um dos próprios instrutores de
Tadazane, sem dúvida para satisfazer a curiosidade de Tadazane
sobre a habilidade do homem.
Este era Takada Mataemon, que era cinco anos mais novo que
Musashi e um habilidoso praticante do estilo Hozoin de técnica
de lança. A luta foi armada e testemunhada pessoalmente por
Tadazane – mas, depois de três rounds, Mataemon de repente
jogou sua lança no chão e gritou: “Estou derrotado!” Tadazane
ficou um pouco surpreso e rapidamente lembrou a Mataemon
que nenhum vencedor ainda havia sido determinado.
Mataemon respondeu que uma lança, por causa de seu
comprimento, deveria ter sete vezes mais vantagem sobre uma
espada, e então continuou: “Eu tenho a arma mais longa, mas
ainda não consigo vencer em três rodadas. Isso é o mesmo que
perder.” Musashi não fez nenhum esforço para ferir o homem,
mas simplesmente lhe mostrou a futilidade de seus ataques. Ele
tinha cinquenta e um anos nessa época.
Mais uma vez Tadazane ofereceu emprego a Musashi, e mais
uma vez este recusou. Em vez disso, ele aceitou o status de
convidado em Kokura, com sua concomitante liberdade de
movimento. Muito se falou sobre a independência de Musashi e,
em muitos casos, esses comentários foram críticos. Alguns
escritores ignoram seu desejo de independência e, em vez disso,
declaram que ele era muito sujo e de aparência estranha para
ser contratado por qualquer pessoa.
Aqui estão as descrições de Musashi do Tanji hokin hikki e do
Watanabe koan taiwaki, respectivamente, que adicionaram fogo
ao combustível dessa teoria.
Quando Musashi era jovem, ele foi afligido com um carbúnculo
na cabeça, e por esta razão, disse que era feio raspar a testa
(como era o estilo naquela época). Ele passou a vida inteira sem
raspar a testa e, em vez disso, ficou com a cabeça cheia de
cabelos. Seus olhos eram de um marrom amarelado e às vezes
brilhavam como âmbar. De acordo com seus discípulos, ele
sempre se limpava com uma toalha úmida e nunca tomava
banho. O pior ponto de Musashi era que ele odiava o pé e as
banheiras e passou a vida inteira sem tomar banho. Quando ele
saiu descalço e seus pés ficaram sujos, ele simplesmente os
limpou. Por isso, suas roupas estavam sujas e, para disfarçar o
quanto estavam sujas, ele usava roupas de veludo dos dois
lados.
Mas a associação constante de Musashi com o Ogasawara, o
Honda e, mais tarde, o daimyo Hosokawa argumentaria
fortemente contra essas histórias. Rumores sobre Musashi eram
frequentemente repetidos, embelezados e finalmente
transformados em histórias que beiravam o fantástico (ver
Apêndice 1).
Também deve ser lembrado que a cultura japonesa coloca uma
ênfase extraordinária na limpeza pessoal e que, com a forma
como os rumores são espalhados, qualquer infração às regras
provavelmente seria discutida e exagerada à medida que as
histórias circulassem de aldeia em aldeia. No entanto, os
retratos mais confiáveis que ainda existem de Musashi o
mostram bem vestido em trajes normais. Sua famosa aversão a
banheiras pode ter sido resultado de seus primeiros dias como
shugyosha desejando evitar ataques repentinos, mas é duvidoso
que mesmo Tadazane se dignasse chegar perto dele se ele não
estivesse limpo e apresentável.
Vários eventos ocorreram durante a estadia de Musashi com os
Ogasawara em Kokura que dão uma indicação de seu caráter.
Uma é a vez em que um cozinheiro que achava Musashi
arrogante decidiu derrotar o espadachim ficando à espreita e
pegando-o de surpresa. Por acaso, o homem se escondeu e
esperou por Musashi, mas assim que viu sua chance e fez seu
ataque, Musashi se esquivou do golpe e atingiu o braço do
cozinheiro com as costas de sua espada.
O homem nunca mais pegou um cutelo, mas escapou com vida e
provavelmente se considerava sortudo. Musashi se defendera,
mas não dera ao cozinheiro uma punição tão pesada por sua
presunção como outros espadachins poderiam ter feito. Em
outro caso, havia um artista marcial residente em Kokura
chamado Aoki Kuwaemon. Este homem era amplamente
conhecido por ser muito capaz com a espada.
Quando insultado por alguém e movido para contestar a
provocação com uma partida, no entanto, ele produzia uma
vistosa espada de madeira laqueada em vermelho de uma bolsa
de pano como a arma de sua escolha.
Musashi sentiu que esse tipo de exibição era pretensioso e
vulgar, e quando conheceu o homem, disse-lhe em termos
inequívocos que ele era tolo, acrescentando que usar tal espada
em uma partida real era impensável.
Como ele podia ver a raiva de Kuwaemon aumentando, ele
colocou um grão de arroz no topete de uma página e depois
dividiu o grão em dois com um golpe. Musashi era bem
conhecido por sua habilidade em tsumeru, ou “retenção” no
momento certo, e Kuwaemon era avançado o suficiente para
perceber que essa habilidade sugeria outras ainda mais
profundas que estavam muito além de sua compreensão.
Musashi então deixou o jovem com uma observação cáustica,
mas instrutiva: “Embora sua habilidade esteja madura, será
difícil vencer um oponente com tal espada. Tê-lo envernizado de
vermelho é ultrajante.” A esgrima era um negócio sério para
Musashi.
Não era algo para ser transformado em espetáculo ou diversão,
e ele criticava francamente aqueles que o fariam. No capítulo
Vento do Livro dos Cinco Anéis, ele escreveu: “[Outras] escolas
se dão bem com isso [esgrima] como uma arte performática,
como um método de ganhar a vida, como uma decoração
colorida ou como um meio de forçar flores em flor.
Este pode ser o verdadeiro Caminho se foi transformado em um
item vendável?” O status de convidado KUMOI em Kokura
garantiu a Musashi a considerável liberdade de que ele
precisava; na verdade, sua necessidade de viajar parece
corresponder à de Matsuo Basho, o grande poeta haicai que
nasceria no ano anterior à morte de Musashi. Mesmo depois de
estabelecer uma base confortável em Kokura, ele continuou sua
antiga vida na estrada
Enquanto na cidade de Matsue na área costeira de Izumo em
1638, o espadachim foi convidado a dar uma demonstração de
sua habilidade pelo Senhor Matsudaira Izumo no kami Naomasa.
Lá ele derrotou o praticante de espada mais habilidoso em todo
o feudo em uma luta em que nenhum dos homens foi ferido.
Não acreditando que isso tivesse sido feito com tanta facilidade
aparente, o próprio Lord Matsudaira pegou uma espada de
madeira e se declarou pronto para uma partida.
Musashi pegou duas espadas de madeira e perseguiu Naomasa
pela área três vezes antes de encurralá-lo em um canto.
Terminada a partida, Musashi seguiu seu caminho. No ano
anterior a este evento, Musashi havia viajado para a animada
nova capital de Edo a negócios que não tinham nada a ver com
esgrima.
Embora ele tenha enfatizado que um homem realmente sério
sobre o desenvolvimento de sua esgrima deve ficar longe das
mulheres, e até escreveu em seu conselho final, “The Way of
Walking Alone”, que não se deve “ter coração para abordar o
caminho do amor”, na época em que tinha cinquenta e quatro
anos, ele parece ter sido um visitante frequente dos aposentos
da cortesã Yoshiwara em Edo, e até mesmo ter se apaixonado
por uma jovem chamada Kumoi.
Este Kumoi foi classificado como um tsubone, que era a segunda
mais baixa das seis classes das mil e quinhentas cortesãs e
prostitutas no Yoshiwara na época. Essa relação foi registrada
por Shoji Kasutomi, descendente de sexta geração do fundador
dos Yoshiwara, Shoji Jin'emon, em seu livro Dobo goen,
publicado em 1720. De acordo com este trabalho: “Entre as
mulheres de Kawai Kenzaemon em Shinmachi , havia uma dama
de companhia chamada Kumoi.
Na época, ela se familiarizou com Miyamoto Musashi, o mestre
de duas espadas. Ela também freqüentava o bordel de Jinzaburo
no mesmo bairro.”13 Não deveria ser surpreendente que
Musashi pudesse ter buscado os afetos de uma mulher,14 ainda
que brevemente, particularmente na meia-idade.
Ele escreveria que devemos conhecer “todos os Caminhos”, e
provavelmente foi convidado para casas de cortesãs várias vezes
por amigos artistas em Kyoto e em outros lugares.
Também não é de surpreender que Musashi escolhesse uma
cortesã para namorar, pois o compromisso com uma família e
outros laços emocionais e práticos estaria fora de questão, e sua
liberdade – dadas as restrições de seu comércio e sua renda
limitada – permaneceria. intacto. Certamente, ele não foi
“arrastado” por este caso, e mais tarde escreveria o seguinte
poema:
Quando se trata de amor, não escreva cartas,
Não escreva poemas. Por um único centavo, observe seu
dinheiro com cuidado.
Kumoi parece ter sido brincalhona e popular com as mulheres
de seu ofício e, considerando os interesses sustentados de
Musashi nas artes, ela provavelmente não era totalmente
inculta. Mas se estivermos lendo nas entrelinhas, teremos
notado que Musashi também tinha seu lado mais leve e pode
ter desenvolvido seu relacionamento com Kumoi estritamente
por causa dos prazeres humanos transitórios que proporcionava.
SHIMABARA
Enquanto Musashi estava em Edo, as circunstâncias
conspiravam para preparar o terreno para uma grande e
importante batalha na distante Kyushu.
Matsukura Shigemasa, o daimyo de Shimabara em Hizen, havia
sido outro aliado dos Toyotomi antes da aniquilação daquela
família em Osaka; e, como no caso de Kato Kiyomasa, sua
lealdade ao governo Tokugawa nunca foi realmente provada.
Quando Shigemasa morreu em 1630, seu filho, Shigeharu,
governou o feudo de uma forma tão econômica e politicamente
repressiva que se tornou um embaraço até mesmo para os
outros daimios em Kyushu.
Sua mão extraordinariamente pesada tornou-se demais para os
camponeses suportarem e em 1637 eles se uniram em revolta.
Nisso, juntaram-se a eles cristãos da área vizinha de Amakusa,
que encontraram uma figura messiânica no jovem de dezessete
anos Masuda Tokisada, a quem chamavam de Amakusa Shiro.
As pessoas da nova fé cristã estavam mais fortemente
concentradas em Kyushu e foram perseguidas por algum tempo
tanto pelas leis locais do daimyo de Amakusa, Terasawa
Katataka, quanto pelas promulgações anticristãs do governo
Tokugawa.
Esses dois grupos – os agricultores mais pobres do Japão e os
cristãos perseguidos – que provavelmente nunca haviam sido
completamente distintos, agora se reuniam no castelo de Hara,
na península de Shimabara, para uma última resistência. Dada a
necessidade do clã Tokugawa de controle total do país, essas
ações por si só provavelmente fariam com que o governo se
opusesse diretamente aos abrigados no castelo.
Mas, acrescentando insulto à injúria, incluídos nas forças de
oposição estavam vários samurais veteranos de Konishi
Yukinaga, um líder das forças Toyotomi em Sekigahara e um
homem intimamente ligado a Ukita Hideie.
Yukinaga foi capturado e decapitado depois de Sekigahara, mas
muitas de suas tropas, que ganharam grande experiência
durante a invasão da Coréia, a Batalha de Sekigahara e a
campanha do Castelo de Osaka, permaneceram leais ao
memória de seu senhor (que, aliás, havia sido batizado como
cristão já em 1583).
O tempo estava maduro para sua obliteração final. Este grupo
combinado de rebeldes no Castelo de Hara contava com mais de
trinta e sete mil homens. O governo Tokugawa ordenou que o
daimyo de Kyushu levantasse um exército para atacar o castelo
e reprimir a rebelião.
As tropas sancionadas pelo Estado acabaram chegando a mais
de cem mil, e os Ogasawara, é claro, estavam entre eles.
Quando, na primavera de 1637, Musashi recebeu notícias da
ação iminente em Kyushu envolvendo tropas com as quais
estava conectado, ele tomou providências imediatas para entrar
na briga. Pouco antes de partir de Edo, despediu-se de Kumoi.
De acordo com o Dobo goen, “Quando ele estava prestes a sair
para (Kyushu), ele foi à casa de Jinzaburo para se despedir de
Kumoi e preparou sua saída do bordel”.
Musashi colocou uma bolsa que havia sido tecida para ele pelo
carinhoso Kumoi em duas “espátulas” e a colocou nas costas
como uma espécie de estandarte. Então, vestindo um haori de
cetim preto que ela também havia costurado para ele, no peito
do qual havia um fulvo vermelho de seda amassada, ele partiu
dos aposentos de prazer de Yoshiwara. Uma multidão de
cortesãs veio vê-lo partir.
Após essa partida bastante incomum, que deve ter colocado um
sorriso no rosto de todos, talvez até do próprio Musashi, ele foi
direto para Kyushu.
Não se sabe se ele voltou, nem nada sobre Kumoi foi registrado
após este evento. Pode haver pouca dúvida, no entanto, sobre o
que estaria em seu coração quando ela voltou para Jinzaemon
quando a figura de Musashi finalmente desapareceu.
Ela teve acesso íntimo ao lado mais terno de um homem que
iria deixar uma marca tão forte na cultura japonesa que sua
lenda viveria por séculos. Kumoi realmente conheceu um “ser
humano vivo real”.
Em Shimabara, Musashi foi nomeado, possivelmente em
deferência à sua idade, como inspetor da equipe do xogum sob
o clã Kuroda. Seu filho adotivo, Iori, tornou-se comandante de
uma das unidades do Ogasawara, que, no entanto, havia sido
colocada na retaguarda da ação.
A ação não foi especialmente boa para as tropas do governo.
Eles podem ter sofrido algum excesso de confiança em sua
própria capacidade e alguma falta de confiança em seu
comandante nomeado por Tokugawa, Itakura Shigemasa. Mas
eles não teriam desejado reunir-se com o desagradável
Matsukura Shigeharu.
As tropas que atacaram o Castelo de Hara careciam de
entusiasmo e coordenação suficientes. Quando o governo
Tokugawa fez um show de mudança de comandantes, Itakura
liderou um ataque desesperado às muralhas do castelo e foi
morto por seus esforços.
No isso, os Tokugawa enviaram ainda mais tropas e deram o
comando a Matsudaira Nobutsuna, que, em 14 de abril de 1638,
invadiu o castelo e entregou à espada todos aqueles que haviam
sobrevivido ao ataque. Logo depois, Matsukura Shigeharu foi
condenado a cometer harakiri, provavelmente tanto por suas
conexões com os Toyotomi quanto por causar a revolta com sua
severa opressão aos agricultores.

Seu filho foi posteriormente banido para a ilha de Shikoku e seu CAPÍTULO TRÊS
feudo foi concedido a outros. Tanto Musashi quanto Iori devem
ter se irritado com suas posições relativamente seguras entre as O Caminho do Pincel: Kumamoto
forças atacantes. Iori finalmente conseguiu manobrar suas
tropas para a frente e conseguiu uma série de atos meritórios CONEXÕES
pelos quais foi bem recompensado. Musashi, por outro lado, ´
como inspetor de equipe, teve que se conter.

Finalmente, incapaz de se conter por mais tempo, ele se juntou

ao ataque na base do castelo. Com essa demonstração de
gratidão e lealdade aos Ogasawara, no entanto, ele foi atingido
e ferido por uma pedra arremessada das muralhas do castelo.
Sua recuperação não demoraria muito, mas o afastou da ação
pelo resto do cerco.

Após a queda do castelo, Musashi retornou a Kokura e fez dela

sua base de operações pelos próximos dois anos. Em 1640, no
entanto, ele recebeu a visita de um homem chamado Iwama
Rokubei que levaria ao florescimento dos últimos anos de
Musashi e, finalmente, ao nosso próprio conhecimento do
homem.