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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CCHLA – CENTRO DE CIENCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA

TEORIA DO CONHECIMENTO

DOCENTE: DANILO FRAGA DANTAS

O testemunho se define como o conhecimento cuja fonte é externa ao individuo,


sendo um conhecimento que estabelecemos por meio de um outro. Essa abordagem de
se obter conhecimento se contrapõe a uma abordagem antes bem consolidada na
epistemologia, a abordagem individualista, em que se entende a busca por
conhecimento como um caminho solitário, em que o sujeito apenas com o contato
direto, sendo por meio de seu próprio raciocínio ou de sua própria percepção, obterá um
conhecimento válido sobre o objeto.

Os meios nos quais o conhecimento por testemunho se manifesta podem ser os


mais diversos, sendo o que é dito por um conhecido, ou mostrado em um documentário
ou o que é exposto pelo jornal. Para haver testemunho, é preciso de um intermédio que
ligue o conhecimento ao sujeito. Contudo, a epistemologia se demora em entender as
condições e momentos em que esse conhecimento testemunhal é considerado válido. E
para essa questão, alguns filósofos pensaram algumas respostas.

Primeiramente, destaca-se David Hume (1771-1776) como um dos pensadores


iniciais sobre o testemunho, em que o tem como fonte importante, comum, útil e
necessário para o cotidiano do homem. Hume suscita que seria impossível que a
humanidade se desenvolvesse e produzisse conhecimento utilizando apenas uma
abordagem individualista, voltando sempre as questões primais, sem poder partir de
algo estabelecido por um terceiro.

Entretanto, Hume estabelece um modo como o conhecimento testemunhal pode


obter justificação, essa se fazendo por meio de uma avaliação do histórico do mediador,
discernindo outras situações que garantem sua confiabilidade sobre o assunto, utilizando
um raciocínio sobre o passado do falante, assim inferindo uma posição. A este processo
de avaliação, se dá o nome de abordagem reducionista. Essa configuração é nomeada de
reducionista pois a justificação do testemunho se reduz a outras capacidades epistêmicas
que o sujeito possui, como a memória, inferência e percepção.

Diante disso, a abordagem reducionista apresenta dois grandes furos ao seu


método. O primeiro deles é a que o processo cai em uma consequente circularidade,
visto que grande parte das afirmações que justificam algum conhecimento testemunhal
também são de origem testemunhal, como por exemplo, é justificável acreditar na
recomendação de um médico, pois na minha avaliação sobre esse médico lembro que
ele é devidamente educado para fazer essas recomendações, além de que outras pessoas
já o elogiaram e garantiram sua qualidade e eficiência. Porém, agora a de avaliar se a
instituição que diplomou esse médico oferece uma educação apropriada para o exercício
da profissão, se possui uma grade curricular adequada e se seus professores e
funcionários fizeram o melhor para formar futuros profissionais plenos de suas
atividades. Aí está o problema da circularidade. Assim como a abordagem
individualista, a abordagem reducionista não mostra eficiência, já que leva a uma cadeia
espiralada de pequenas buscas por um testemunho que justifique o outro.

Há nessa questão outra redução. A redução significativa que o conhecimento


sofreria se houvesse essa cadeia de avaliações de cada um dos informantes. Os
pensadores de linha reducionista colocam o critério de inferência na correlação entre o
relator e o conteúdo do que foi relatado. Utilizando o exemplo anterior, a inferência é
possível, pois é um médico que faz recomendações sobre algum fator que melhore seu
bem-estar, visto que logicamente e comumente, médicos são confiáveis em oferecerem
suas recomendações, pois há uma relação entre o objetivo do médico e o que ele relata.

Sobre isso, a abordagem reducionista oferece uma solução pobre e inexata para o
problema da circularidade. Além de uma avaliação sobre o histórico de confiabilidade
do falante, além da avaliação de correlação entre o falante e o que é falado, é preciso
uma avaliação do modo como o falante se apresenta a explicitar seu conhecimento, se o
faz em uma aparência x, com uma pose y, se é notado um comportamento z. Esse
processo se mostra ineficaz, pois se alheia as diversas variáveis não epistêmicas que
interferem nessa avaliação da apresentação do falante, visto que há uma diversidade de
modos e formas de se pôr em uma sociedade, esta que ainda atribui valor a umas,
enquanto a outra não.
Contemporâneo a Hume, o filosófo Thomas Reid oferece uma nova visão acerca
da epistemologia testemunhal. Baseado no que acredita ser uma faculdade inata aos
seres humanos, o homem está disposto a acreditar no relato do outro, seguindo o
princípio da credulidade. Reid exemplifica esse princípio com a completa credulidade
que temos quando somos crianças, sempre inclinados a acreditar no que nos é falado.
Apesar de haver essa natureza, a justificativa para qual um testemunho pode ser
considerado falso ou incorreto está em uma razão sólida que leve a desconfiança.

Reid ainda fala sobre como somos propensos não só a acreditar, mas a
manifestar a verdade, seja de forma verbal ou não. Segundo Thomas Reid, mentir é algo
que vai contra a natureza humana e que corpo e mente tendem a verdade. É a partir
desses preceitos que se justifica o conhecimento por testemunho, pois confiar, assim
como contar a verdade, é um caminho natural a se seguir.

Com isso, Reid não descarta a ocorrência de testemunhos falsos ou incorretos,


havendo a possibilidade de revogação de testemunho, mesmo com os pressupostos de
nossa natureza crédula e verdadeira. As provas empíricas que se fazem presente na
avaliação humeana, também se mostra na perspectiva de Reid, porém com outra função:
a função de revogar determinado testemunho. Reid também é contrário ao reducionismo
humeano de reduzir o testemunho a outras faculdades epistemológicas, como memória e
percepção, sendo o testemunho uma forma plena de justificação, sem derivar de outros
meios. Ele atenta para os três fundamentos no qual o testemunho se faz independente e
suficiente para obtenção de conhecimento justificado, sendo os casos em que os relatos
de outros prevalece o sentido do indivíduo, como quando uma pessoa cega confia no
que uma outra pessoa diz pois essa tem a habilidade de enxergar.

Ademais, é com o testemunho que adquirimos linguagem, significados,


significantes. É com o intermédio dos outros, aos relatos que desenvolvemos que
conseguimos a capacidade de representar nossas abstrações e verbalizar o que é
pensado. Com isso, conseguimos também, passar de geração em geração de forma
eficiente, toda uma gama de conhecimento fundamental para o desenvolvimento e bem-
estar de nossos semelhantes. É aí que está guardado a importância do testemunho em
uma sociedade. Reid rejeita a abordagem individual, entendendo que conhecimento e
desenvolvimento só se dão de forma a utilizar o elemento coletivo da humanidade.
Diante a esse fato, Reid se distancia de Hume, pois não acredita na utilização de uma
abordagem individual, mantendo um registro de confiabilidade de um terceiro,
baseando-se na memória e inferência. Não é necessário esse método, já que somos
justificados por nossa natureza de confiar e contar a verdade.

Outro pensador que se debruça sobre a epistemologia testemunhal é Tony Coady


(1936- ). Coady argumenta a partir de tópicos da abordagem reducionista de Hume,
imaginando que, se a justificação ocorre a partir da avaliação do histórico de
confiabilidade do falante, se em uma sociedade só houvesse relatos incorretos, não seria
possível haver justificação que baseasse a crença em determinado fato. Essa sociedade,
que não oferece um ambiente epistêmico favorável para a crença verdadeira justificada,
é possível para os humanos. Coady apelida essa sociedade de “marcianos”.

Para Coady, essa sociedade é impossível, contrário a afirmação dos humeanos.


Coady leva em consideração a variação epistêmica de que cada sociedade estabelece
correlações diferentes entre linguagem e realidade. O que torna o senso de
confiabilidade diferente, visto que a tradução dos significados é impossível e que as
correlações não se transpõem de uma comunidade para a outra. Coady ainda fala sobre a
inacessibilidade que nos deparamos quando diante a linguagem marciana, em que não
conseguimos absorver o conhecimento dessa linguagem pois não a utilizamos.
Concluindo que a comunidade marciana não oferece testemunho, porque eles não
possuem linguagem próxima da nossa e a tentativa de relacionar essa linguagem com a
nossa é impossível.

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