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COGNIÇÃO SOCIAL

Luciana de Carvalho Monteiro

Mario Rodrigues Louz Neto

P odemos dividir a neuropsicologia


em duas åreas hierarquicamente or-
ganizadas:
em determinado contexto do ambiente
(Adolphs, 2001). Para tanto, requer um
sistema neural subjacente que gerencia
desde o input do estimulo (percepção)
a neuropsicologia aplicada às funçóes até o resultado final do processo, ou
cognitivas básicas, ou neurocogniçdo, seja, a manifestação do comportamento
que procura examinar cada uma das adaptativo (Figura 14.1).
funçðes cognitivas individualmente;
A
neuropsicologla aplicada a outro åmbi- cognição
mento social direciona
automático e volitivo,ojuntamente
comporta-
to cerebral, de fundamental importäncia com uma variedade de outros processos
paraa adequagão do comportamento ao cognitivos, modulando a resposta compor
ambiente, denominada cogniçio social.
tamental (Adophs, 2001, Penn et al., 2008)
Entretanto, embora haja um consenso de
O termo cognição social refere-se à ha que os processos cognitfvos basico5, como
bilidade de identificação, manipulação a atenção, a memóriae as
funçöes execu
e adequação do comportamento de
tivas, sejam necessarios à cogniçao socia,
acordo com informaçQes socialmen eles são considerados construtos diferen
te relevantes detectadas e processadas tes por utiizarem sistemas de
processa
Avalilação Neuropsicológica 163

Estimulo
Sociat

Cortex sensorial ede


associação (giro fusiforme,
sulcus temporal superior)
********* *****
Processamento do
Sundi

Anga,corex
rooronta, cortex
SS cireito
iCnguado, Cortex
******

Cogniçso Emoção Motivação

:Cortexmotor, gånguob
omportanento

Figura 14.1 Manifestação do comportamento adaptativo. Fonte: Adolphs (2001, p.232)

mento
sem-independentes (Penn et al,
1997, Couture et al, 2005).
Para
com
tanto, partiu dos estudos reatizados
animais, enfocando experimentos
como competição por comida, estraté
Em relação aos substratos neurais envol- gias de proteçãoe respostas adaptativas
Vvidos no processamento dos estimulos so em meio ao ambiente social de algumas

cials, destacam-se as regióes corticats do espécies, como objetivo de


extrapolarevo- tal

lobo temporal, enquanto que a amigdala, conhecimento para compreensão da


a
o córtex somatossensitivo direito,ocórtex lução da cognição social nos seres huma-
orbitofrontal e o cingulado participam na nos (Emery e layton, 2009). Observou-se
conexdoda percepcao de tais estimulos a que o comportamento complexo foi sendo
medida de exi-
motivação, à emoção eà cognigão (Ado
phs, 2001 Ochsner, 2004. Tambem o cof
desenvolvidoå que o
grau
gencia de resposta ao ambiente fo1 aumen
tex pré-frontal medial é um componente tando, como, por exemplo, para lidar com
neurais
crucial dos sistemas
do
mediadores situaçöes imprevistase que envolvessem a
conhecimento do contexto
movendo a adaptaç o
social, pro das
do comportamento
habilidade para construir representações
relações entre si mesmo e o outro de
(Krueger et al., 2009). forma a guiar o comportamento social. As-
sim, comportamentos como cooperação e
neurociència cognitiva social tem se de altruismo foram sendo estabelecidos como
senvolvido como disciplina distinta, com fatores cruciais para em
foco no entendimento do fenómeno so-
a
convivencta
gr
po (Adolphs, 2001; Emery e Clayton, 2009).
cioemocional, ou seja, da relação entre a
análise do contexto social, o processamen Falhas no funcionamento social humano
to cognitivo e as bases neurais do cêrebro. - por exemplo, na comunicação como
164 Malloy-Diniz, Fuentes,
Mattos, Abreu e cols.
outro, na manutenção de um emprego, atributos sao menos importantes para

na convivencia comunidade e na ca-


em
pacidade de viver de forma independen
os estimulos neurocognitivos.

te -

podem ser observadas em Percepção do estimulo: A percepção de


alguns
transtornos mentais mais graves, como
no caso da
esquizofrenia. A compreen-
um estimulo neurocognitivo
unidireciona, ou seja,
tende a
somente O
ser
sujeito
são dos mecanismos envolvidos nessas
percebe estimulo, mas o estimulo (ou
o

Talhas, diferenciando-os dos déficits


cognitivos básicos, é de fundamental im-
sua origem) não percebe o sujeito. Na

cognição social, tanto o sujeito percebe


portancia tanto para o estabelecimento estimulo como o estimulo percebido
de estratégias de investigaçäo das dis- tambem percebe o sujeito, o que, conse
funçoes cognitivas ociais, como para o quentemente, afeta ambos, sujetto e es
desenvolvimento de programas de inter- timulo, influencdandoo comportamento.
venção terapéutica. A relação entre o sujefto e o estimulo na
cognição social tende a ser interativa.
CONCETODE COGNIÇ
SOCAL Avatiação do desempenho: Muitos dos
trabalhos relacionados å neurocognição
Há uma distinção são baseados na avaliaçao do desem-
entre neurocognição
(ou cogniçào básica) e cognição social, de penho frente a um grupo comparativo
modo que esta seria um mediador (população normativa ou grupo contro
entre a o
neurocogniçao e ofuncionamento social
(Couture et al, 2006). Segundo Penn e co-
1el;
dos de
foco é o deficit cognitivo. Os estu-
cognição social incluem na
sua
laboradores (1997), a cognição social e a avaliação a predisposição ou as tenden
neurocognição diferem em alguns aspec cias,além dos déficits. A
"tendència
tos fundamentais: referese ao estilo caracteristico de res

Caracteristica dos estimulos: Os estu-


postaque
não necessariamente
indica
um desempenho ruim. Nos estudos de
dos que investigam a neurocognição neurocognição, é possivel determinar
utilizam-se de estimulos
caracterizados a de
precisão resposta de cada sujeito
por "numeros, palavras, cores ou obje nos estudos de cognição social, é pos
tos", que
tendem a ser
neutros,
Ou seja, Sivel somente veriticar diferenças entre
de natureza não afetiva, e estáticos. Em
estimulos sociais são
o5
sujeitos e as condiçoes (ou seja, näão
se pode estabelecer se esta correto o
contrapartida, os
pessoalmente relevantes e mutáveis ao atributo
observado em um
comporta
mento caracteristico ou em determina
ongo do tempo. Assim, uma gama de
estímulos sociais é percebida individual da situação porque o comportamento
mente, possibilitando a compreensão social é multideterminado).
das etapas envolvidas em uma deter-
minada situação social complexa. Além A distinção entre cognição social e neuro-
disso, os atributos que não são expli cogniçao é estudada não só por psicólogos
citamente observáveis nos estimulos sociais, mas também por pesquisadores na
cognitivos ociais, como, por exemplo, area da biologia evolutiva e comportamento
inferèncias acerca da personalidade do Estes entatizam que os
pnmata. mecantsmos
outro, baseadas na observação do com- envolvidos no processamento de informa
portamento interpessoal, sio vitais. Tais ão da mente humana não são desenhados
Avatiação Neuropsicológica 165

para resolver as tarefas de forma arbitrária, sistema refiexivo corresponde aos pro-
mas para resolver problemas biológicos es cessos automáticos e inclui a amigdala,
pecificos, propostos pelo ambiente fisico, os ganglios da base, o côrtex pré-frontal
ecologico e social enfrentados pelos nossos ventromedial, o córtex cingulado dorsal
ancestrais durante o curso da evolução (Cos anterior e
o cortex temporat lateral. Essas
mides, 1989 apud Penn, 1997) regióes estão envolvidas na codificação au
tomatica de traços e na avaliação das impli
Pode-se conclutr que a neurocognição e a cações de um comportamento observado
social são diferentes formas de
cognição
análise para compreensãodo
comporta Osistema rejletivo refere-se aos
menio humano. A cogniç o social consiste voluntários e inclui o córtex pré-frontal
processos
em uma operação mental, que está na base lateral, o cortex
parietal posterior, o cor
do tuncionamento social, envolvendo a ca- tex pré-frontal medial, o córtex cingula

pacidade humana de perceber a intenção do


rostral anterior
e as regibes do lobo
ea disposição do outro determina-
em um temporal medial, incluindo o hipocampo.
do contexto. Isso inclui as habílidades nas ESsas regiöes sáo responsaveis por explo
areas da percepgão socia, atribuição e em objetivos
rar
inferidos
e assegurar na os

patia e reflete infiuéncia do contexto so informação


a
cial(Penn et al, 1997; Couture et al, 2006).
também, por apreender a
mente, comosituacional somada a outros
fim de alterar as
PROCESSAMENTO DA
conhecimentos prévios
inferências extraidas dos
a

comportamentos
INFORMAÇAO SOCIAL oDservados (Quadro 4.1).

O modelo de processamento interativo da O processamento automático é considera


percepgão social tem contribuído de for do qualitativamente diferente do proces
ma significativa para as
pesquisas compor samento controlado
tamentais na área da cognição social. não
(Lieberman, 2007).
muito
O

primeiro exige estorgo: a ava-


liação e automätica, ou seja, está fora do
Satpute e Lieberman (2006) propõem um campo da consciência, sendo considerada
modelo a partir de uma base neural divi- relativamente rápida e de dificil regulação
dida entre sis temas reflextivos e sistemas5 e controle e não sendo modulada pela
rejietivos. atençao. O processamento se dà de forma

Cuadro 141 Caracteristicas dos sistemas reflexivos e reftetivos (Satpute e Lieberman, 2006)

Sistemarefiexivo Sistema refletivo


Processamento serlal
Processamento paralelo
Operaçoes entas

Aprendizado rapido
Aprenduado lento
n a o refletiva
Estrutura filogenética mais antiga
Conscien à rerietiva

Estrutura fiogenenica may nova

relaçóes simétricas
Representaçbes de
Representaçbes de casos comuns
e oe reag oes
Kepresentacoes oe cas0s especas
assimetricas

Kepresentaçoes de concettos abstratos


166 Malloy-Diniz, Fuentes,Mattos, Abreu e cols.
paralela: é estereotipado (envolve tarefas ma refletivo ou controlado é sua capacida-
familíarese
com uma
já praticadas), partithado
e
de de
atribuição de significados, provendo
nantes e
ampla gama de especies dom-
no início
interpretação significativa para uma infor
do desenvolvimento e, mação nova e complexa (Adolphs, 2009).
muitas vezes, envolve emoções. O caráter
automatico da cognição social tem sido Independente de suas caracteristicas, já
muitas vezes enfatizado, uma vez que for se sabe que a interação entre esses dois
nece suporte aos estudos sobre os efeitos processos é de fundamental importáncia
sociais relativos ao julgamento e sobre os para a cognição social, facilitando a per
comportamentos que ocorrem sem deli- cepcão ea compreensão dos sinais sociais
berada retlexdo (Bargh e Ferguson, 2000; emitidos pelo ambiente de forma a guiar e
Fiske eTaylor, 2008; Adolphs, 2009). ajustar o comportamento.

Em contrapartida, processamento con


o
MODELOCONCETUAL DE
trolado é intencional, voluntario ou en COGNIÇAOSOOAL
volve estorco, ocorrendo
da sendo
dentro do campo
consciencia, considerado relati-
vamente lento e acessvel à regulação e
Couture e colaboradores (2006) propuse
ram um modelo de cognição social, defi-
demandando recursos atencionais. 0 nindo-o como um construto que engloba
processamento se dá em série, qual serne de
ntormacao e processada passo a pass0e
no a uma
habittdades,
como
a percep
cao emocional (PE), a percepção social
com dificeis e
permite tidar tarefas novas,
que não toram praticadas anteriormente.
(PS, a teoria da mente (ToM)
atribuição (EA) (Quadro 14.2).
eoestilo de

Ele surge tardiamente na evoluçao e no


desenvolvimento, muitas vezes envolven- Para uma melhor compreensão desse mo-
do declarativa e os
linguagem
no raciocinio e no pensamento reflexivo.
baseando-se delo, autores descrevem um exemplo
de uma situação social especifica, na qual
Utiliza-se, ainda, de níveis mais elevados um sujeito reage ao comportamento de
e complexos do processamento cognitivo um colega de trabalho que tinha passado
tanaise semantica, stntese, abstração). por eie apressadamente sem cumprimen
Uma das caracteristicas centrais do siste- ta-lo (Figura 14.2).

Cuadro 14.2 Componentes da CogniçãoSocial(Couture et al, 2006)


Percepção Emoclonal (PE) das
emocionalsdas tf ooconala partir expressões

Percepção Soctat (P5) Capacidade de extrair certas pistas do comportamento manifesto dentro
de um determinado contexto social Também se inclf a capacidade de
aas regras socias.
Teoria da Mente (ToM)
ompreensao ecas comvengoes
Capacidade de compreender que os demats pos5uem estados mentafs

diferentes dos nossos e de fazer inferências relativas aos conteúdos des


ses estados mentals.
Estlo de Atribuição (EA)
Tendéncdacaracteristica de explicar as causas dos acontecimentos n
propnaVida.
Avatlação Neuropsicológica 167

Conclusão: Atribulção Comportamento:


Atua e fo ma
Meu colega esta
bravo
Meu colega está
bravo comigo"
hostil em relacão
ao colega

Estilo de Atribuição {EA}


Percepção da Emoção (PE)

Percepção Social (PS)

Falhas na Teoria da Mente (ToM)

odem
de
impedir osujeito de agir
forma contrària ao que fol
atnouido por ete inictalmente

Flgura 14.2 Exemplo de processamento de uma situação social. Fonte: Couture et al, VoL32, 51,
2006 p. 545, (tradução e adaptação).

ESTIMLOSOCIAL próprio estado mental (ToM). Em suma, o


sujeito mostra-se incapaz de compreender
De acordo como modelo (Figura 14.2), o o contexto emocional e social do compor
sujeito percebeu de forma equivocada a tamento do colega de trabalho. Conse
expressão emocional (PE] do colega de tra quentemente, sente-se ressentido, com-
balho, ou seja, percebeu como hostiidade portando-se de forma hostil em relação ao
em vez de pressa ou distração. Imediata colega (inadequação social), que, por 5ua
tal ao so- Dentro de ciclo
mente associou percepcão sinal
cial detectado por ele tambem de torma
vez, passa a evitá-lo. um
vicioso, tal situação passa a gerar cada vez
equivocada (observou a pressa como des mais desconfortoe insatisfação do sujei-|
sem adicionar to no local de trabalho,
caso), outras informaçóes
relevantes ao contexto (Ps). Essa inter
gerando
outras
dificuldades no âmbito social e funcional
pretação errada resultou em uma talsa (couture et al, 2006).
conclusao de que o colega
estava bravo.
Posteriormente, como segunda fase do O modelo conceitual de cognição social
processamento do estimulo, o sujeito atr tem sido utilizado para investigar tanto o
buiu à percepção e à conclusdo equivoca- funcionamento relacionado à competên
das explicação o
a (EAJ de que colega es cia
tava bravo com ele (ideta pre-concebida).
social, atraves de instrumentos padro
nizados (escalas de funcionamento e ha-

Em contrapartida, essa ideia formada não bitidades sociais, teste de reconhecimento


póde ser corrigida pelo fato de o sujeito de faces, provas sobre Teoria da Mente)
ter grande dificuldade de colocar-se na como as estruturas ernvolvidas nesse fun-
posição do
outro, não dife-
conseguindo cionamento, a partir de estudos de neuroi-
renciar o estado mental do colega de seu magem.
168 Malloy-Diniz, Fuentes, Mattos, Abreu e cols.
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