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DESAFIOS NO ATENDIMENTO DE ARTETERAPIA NO TRANSTORNO DO

ESPECTRO AUTISTA (TEA)

Fernanda de Oliveira Viana1


Professor Orientador Sérgio Henrique Gonçalves da Rocha 2

Resumo: O Transtorno do Espectro Autista (TEA) ainda é visto como um desafio


para muitos, por se tratar de um espectro, cada indivíduo possui características
distintas que devem ser consideradas pelo terapeuta ao acolher esta criança para o
atendimento. Esse relatório trata-se da análise das sessões de arteterapia do estágio
curricular do curso de pós-graduação realizadas em uma sala particular adaptada
para o trabalho com uma criança com TEA, com sessões individuais semanais com
duração de 50 a 60 minutos, realizadas de junho a outubro de 2022, com um e as
vezes dois encontros semanais. Os instrumentos utilizados foram anamnese
(entrevista elaborada para coleta de informações) com a mãe e registro das sessões.
Foram realizadas 23 sessões incluindo a entrevista e feedback com a mãe. A
criança, não possuía os pré-requisitos necessários para uma comunicação verbal
adequada e só ficava parada quando estava focada em algo de seu interesse.
Quebrar a barreira de uma criança que era resistente a qualquer tipo de interação,
fazer com que ela responda a estímulos, aceite coisas que até pouco tempo atrás
não conseguia aceitar, introduzir novos materiais, novas experiências e ter como
resultado disso uma criança mais feliz, mais preparada para aceitar novas trocas e
interação, é algo que engrandece o estudo e uso dos aprendizados. Apesar dos
desafios encontrados, as práticas de arteterapia foram muito bem aceitas
gradativamente e conseguiram trazer resultados positivos, mesmo não sendo
possível utilizar técnicas elaboradas para cada sessão e não ter uma projeção
simbólica espontânea da criança, houve um avanço significativo em seu
desenvolvimento.
Palavras-chave: Arte. Arteterapia. Autismo. TEA. Saúde Mental.

1
Fernanda de Oliveira Viana. Curso de Pós-graduação Latu sensu em Arteterapia. E-mail:
r.fernandaviana@gmail.com
2
Professor (a) Orientador (a). Sérgio Henrique Gonçalves da Rocha E-mail:
sergio.rocha@censupeg.com.br
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INTRODUÇÃO

Transtorno do Espectro Autista (TEA)

O Transtorno do espectro autista (TEA) é um transtorno do


neurodesenvolvimento caracterizado por déficits nas áreas de comunicação social e
padrões restritos e repetitivos. Por ser um espectro, essas características são
distintas em cada indivíduo, sendo classificados em diferentes níveis de gravidade.
O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais DSM-5 classifica o
Transtorno do espectro Autista em três níveis conforme tabela abaixo:

.
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Fonte: (DSM-5, 2014)


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A nova Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas


Relacionados à Saúde (CID – 11) coloca o TEA com um código próprio. A CID divide
as características em códigos, que ajudam os médicos a compreender e identificar
as características de cada normalidade. O TEA na CID-11, é prescrito código 6A02,
que subdivide em:

 6A02 – Transtorno do Espectro do Autismo (TEA):

 6A02.0 – Transtorno do Espectro do Autismo sem deficiência intelectual (DI)


e com comprometimento leve ou ausente da linguagem funcional;
 6A02.1 – Transtorno do Espectro do Autismo com deficiência intelectual (DI)
e com comprometimento leve ou ausente da linguagem funcional;
 6A02.2 – Transtorno do Espectro do Autismo sem deficiência intelectual (DI)
e com linguagem funcional prejudicada;
 6A02.3 – Transtorno do Espectro do Autismo com deficiência intelectual (DI)
e com linguagem funcional prejudicada;
 6A02.4 – Transtorno do Espectro do Autismo sem deficiência intelectual (DI)
e com ausência de linguagem funcional;
 6A02.5 – Transtorno do Espectro do Autismo com deficiência intelectual (DI)
e com ausência de linguagem funcional;
 6A02.Y – Outro Transtorno do Espectro do Autismo especificado;
 6A02.Z – Transtorno do Espectro do Autismo, não especificado.
Fonte: (Instituto Singular, 2022)

O diagnóstico é estabelecido com base em critérios comportamentais e


entrevista com os pais ou responsáveis para coleta de dados, entretanto avaliação
médica e da equipe multiprofissional são imprescindíveis para um diagnóstico
diferencial e assertivo. A avaliação psicológica é fundamental pois fornece
informações sobre o funcionamento cognitivo e adaptativo da criança,
proporcionando um plano de intervenção individualizado. Outras condições são
investigadas como problemas sensoriais, de linguagem, alimentares e de sono.
O TEA não tem cura, por isso não é considerado uma doença, entretanto tem
tratamento para melhora e/ou redução dos sintomas.
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Arteterapia no TEA

A arteterapia é um processo que visa através da prática terapêutica buscar o


autoconhecimento, ampliando a consciência do indivíduo sobre si mesmo e sua
existência por meio de técnicas expressivas como: desenho, escrita, pintura, recorte,
colagem, modelagem, fotografias, expressão corporal, sons, dentre outros. Segundo
a American Art Therapy Association (Associação Americana de Arteterapia)
“Arteterapia é uma profissão que utiliza o processo criativo para melhorar e
aperfeiçoar o bem estar físico, mental e emocional de indivíduos de todas as idades.”
(AATA apud SANTOS, 2019).
De acordo com Valadares e Silva, “A arteterapia contribui significativamente
na humanização dos cuidados à saúde, gerando maior liberdade de expressão, alívio
de tensão, de ansiedade e dor, propiciando assim modificações nos comportamentos
das crianças evidenciadas pelo afeto que se tornou mais rico e profundo, além de,
maior controle emocional.”
De acordo com Penha, a Arteterapia promove a inclusão de pessoas com
TEA, amplia capacidades sensoriais, comunicativas, sociais, simbólicas, motoras,
criativas e comportamentais, contribuindo na redução dos sintomas do TEA,
potencializando a criatividade e proporcionando uma melhor qualidade de vida. A
Arteterapia traz a oportunidade para os terapeutas trabalharem com as crianças com
TEA para se expressarem de diversas formas, de uma maneira que pode ser mais
lúdica e confortável do que a língua falada. (PENHA, 2019)
Penha diz ainda “que crianças com TEA, costumam apresentar problemas de
integração sensorial e isso pode afetar sua resposta a vários materiais de arte”. A
atuação do arteterapeuta é importante para cessar com essas questões,
identificando os interesses e motivações da criança criando meios que forneçam
segurança, previsibilidade e confiança. Oferecendo material adequado para cada
cliente e atingi-lo de maneira dinâmica. (PENHA, 2019)
Segundo Rudy, alguns artigos escritos e apresentados sobre o assunto,
sugerem que a arteterapia pode fazer a diferença. Citou alguns benefícios como
resultado: melhor capacidade de imaginar e pensar simbolicamente, reconhecer e
responder as expressões faciais, controlar desafios sensoriais, e coordenações
motoras finas. “A arte é uma forma de expressão que requer pouca ou nenhuma
interação verbal que pode abrir portas para a comunicação”. (RUDY, 2021)
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MÉTODOLOGIA

O método se trata de uma pesquisa intervenção de ordem qualitativa sob


forma de estudo de caso com criança com Transtorno do Espectro Autista (TEA),
com sessões individuais semanais com duração de 50 a 60 minutos. Trata-se da
análise das sessões realizadas em uma sala particular adaptada para o trabalho com
uma criança com TEA.
As sessões foram realizadas de junho a outubro de 2022, com um encontro
semanal. Os instrumentos utilizados foram anamnese (entrevista elaborada para
coleta de informações) com a mãe e registro das sessões. Além da subjetividade da
pesquisadora, com suporte de cursos, estudos e vivências pessoais no TEA que
estiveram presentes para a prática da arteterapia no TEA.
Foram realizadas 23 sessões incluindo a entrevista e feedback com a mãe.
Menino, 5 anos, identificado por Isaac, nome fictício relacionado ao significado “ele
sorri” que marcou algumas sessões de arteterapia.

ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Isaac, menino de 5 anos, verbal com dificuldade em processar a linguagem,


falava palavras soltas e frases inteligíveis. Apresentava ecolalia, repetindo as
palavras escutadas. Não ficava parado para realizar uma atividade, não olhava nos
olhos, apresentava pouca habilidade de imitação, compreensão, concentração e
inflexibilidade às demandas. Filho de pais separados, mora com a mãe, padrasto e
irmã. A mãe relatou na anamnese que o filho tinha “atraso” em seu desenvolvimento
devido ao TEA e que a arteterapia poderia ajudá-lo a desenvolver mais. Na época
que foi realizado o estágio, estava cursando o infantil 5 numa escola da rede
municipal de Londrina.
No período dos atendimentos, apresentava resistência para realizar a
atividades propostas, buscava somente objetos de seu próprio interesse e
movimentava-se frequentemente pela sala.
Nas primeiras sessões foi observado alguns hiper focos como bolhas de
sabão, brinquedos com cores, objetos que giram, piano musical e canudos. O intuito
das primeiras sessões foi de sondar, conhecer a criança, seus gostos e preferências
e criar um vínculo entre atendido/terapeuta.
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 “Construindo Vínculo”. Foram dispostos os materiais de


fácil acesso de acordo com os dados obtidos na anamnese
com a mãe e outros que julguei necessário para a criança.
 O arteterapeuta deve ser o facilitador, motivador e com
criatividade e afetividade torna-se apto a oferecer o
acolhimento á criança nos momentos necessários da
experiência.
 Foram utilizados objetos de interesse da criança para a
criação do vínculo com a terapeuta e aos poucos foi
aceitando a interação.
Figura 1: “Criando Vínculo” (Isaac)

 Elemento água e ar: Soprar bolhas de sabão


coloridas.
 Soprar bolhas de sabão de diferentes cores
em cartolina fixada na parede, para promover
a percepção de poder criar algo interessante,
estimular coordenação motora e
visual, percepção e atenção de forma lúdica.
Figura 2: “Elementos água e ar” (Isaac)

 Pintura com a mão (tema peixe)


 Através da mistura de cores, utilizar a
mão como carimbo para projeção do peixe
para desenvolver estimulação do potencial
criativo.
 O quadro visual tem muitas funções e
pode ser utilizado para desenvolver
diversas habilidades. Foi criado um quadro
de rotinas da sessão para melhor
Figura 3: “O Peixe” (Isaac) organização e aceitação das demandas.
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Após algumas sessões foi elaborado um quadro visual das atividades, alternando
coisas de interesse da criança com atividades propostas para apresentação dos
materiais da arteterapia. A criança aceitou realizar as atividades propostas do
quadro., o que antes recusava sujar as mãos de tinta.

 Manuseio da massinha de modelar


 Através da brincadeira de montar um lanche
com ingredientes de plástico, foram
confeccionados os mesmos com massinha de
modelar, pois a criança se recusava a manipular
a massinha. Neste formato, houve uma melhor
aceitação.

Figura 4: “Manuseio da massinha de modelar” (Isaac)

 Foram apresentadas algumas técnicas


(rasgar papel crepom, amassar e colar na folha e
pintura com aquarela) de acordo com o foco de
interesse apresentado nas sessões – a maçã.
 Nesta sessão além de estimular o potencial
criativo e manuseio de novos materiais, também
foi estimulado a coordenação motora,
pareamento de cores e figuras, flexibilidade,
contar com os números apresentados pelo
brinquedo da maçã e expressão facial.

Figura 5: “A Maçã” (Isaac)


 Na sessão posterior a essas, a criança
espontaneamente me chamou pelo nome e
pediu o brinquedo da fruta utilizando a frase
completa e compreensível.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nas primeiras sessões Isaac apresentou-se disperso, inflexível a realização
de atividades e trocas das mesmas, sendo sempre levado por um foco específico de
seu interesse. Foi utilizado da criatividade e experiencia da terapeuta através dos
objetos de interesse para criar um vínculo atendido/terapeuta, porém dispersava
bastante, só queria os objetos de interesse, parecia difícil manter um contato visual
e compreensão do ambiente. e das atividades propostas. Levando em consideração
a previsibilidade, foi elaborado um quadro de rotina visual, onde poderia verificar o
que seria feito na sessão, havendo uma significativa aceitação das propostas.
Porém, houveram ausências das sessões e a cada retorno foi ficando mais difícil
acessar a criança, foi preciso recomeçar todo o processo de vínculo e aceitação,
quando a mesma foi restaurada, o atendido se ausentava e assim era preciso
retomar muitas vezes, pois apresentou-se inflexível para as atividades novamente.
Contudo, as sessões de arteterapia proporcionaram a Isaac uma
oportunidade de vivenciar experiências, conhecer diversos materiais, estimular a
criatividade e imaginação. O vínculo atendido/terapeuta foi essencial para a
realização desse trabalho. Todas as sessões foram planejadas, porém com
utilização de algumas técnicas e materiais a disposição, não foi possível utilizar
somente uma técnica pois muitas vezes o atendido não aceitava, assim a terapeuta
utilizava a outra e também muitas vezes houve recusa. Então, foi através da
criatividade e intuição que foi possível ter um resultado positivo na sessão, dando
um direcionamento para seu hiper foco de forma funcional.
Atender a criança com Transtorno do Espectro Autista (TEA) através da Arteterapia
foi desafiador. O TEA é uma condição complexa que afeta a forma como uma criança
se comunica, se relaciona e se comporta. Por causa disso, as crianças com TEA
podem ter dificuldades em participar de atividades terapêuticas convencionais,
incluindo a arteterapia. No entanto, percebeu-se que a arteterapia pode ser uma
ferramenta valiosa para ajudar as crianças com TEA a expressarem suas emoções
e desenvolver habilidades sociais e emocionais. Para que isso aconteça, é
importante que o terapeuta tenha conhecimento específico sobre o TEA e que
consiga adaptar sua abordagem para atender às necessidades individuais da
criança.
Alguns dos desafios comuns no atendimento de arteterapia para crianças com
TEA incluem a dificuldade em se concentrar e seguir as instruções, a dificuldade em
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expressar suas emoções de maneira verbal, a flexibilidade a mudanças no ambiente


e a rotina, e a necessidade de apoio adicional para participar das atividades
artísticas. No caso de Isaac ele não possuía os pré-requisitos para o
desenvolvimento dessas habilidades, não apresentava contato visual, tinha pouca
habilidade de imitação, não compreendia o que estava fazendo ali, o que estava
sendo proposto. Houve sim um avanço significativo em seu desenvolvimento e
também foi realizado orientação e encaminhamento para profissionais específicos
para avaliação e conduta.
Ao enfrentar estes desafios, foi preciso trabalhar de forma colaborativa com a
criança, adaptando a abordagem de acordo com as necessidades da criança e
usando técnicas artísticas que fossem acessíveis e significativas para ela. Notou-se
que com esse trabalho, é possível ajudar as crianças com TEA a desenvolver
habilidades emocionais e sociais, além de melhorar sua saúde mental e bem-estar.
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REFERÊNCIAS

APA (American Psychiatric Association) DSM-5. Manual Diagnóstco e Estatístico


de Transtornos Mentais. 5 ª ed ver. Porto Alegre: Artmed, 2014.

CHEVALIER, J. GHEERBRABT, A. Dicionário de Símbolos: mitos, sonhos, costumes,


formas, figuras, cores, números. 34ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2020

DINIZ, Lígia. Arte. Linguagem da Alma Arteterapia e Psicologia Junguiana. Rio de


Janeiro:Wak, 2018

COUTINHO, Vanessa. Arteterapia com Crianças.4ªed. Rio de Janeiro: Wak, 2013.

GAIATO, Mayra. S.O.S. Autismo: Guia completo para entender o Transtorno do


espectro Autista. São Paulo: nVersos, 2018.

OLIVEIRA, Marcela Aparecida Eustáquio de. A Arteterapia no Transtorno do


Espectro Autista (TEA) Teoria e Metodologia. Editora Novas Edições Acadêmicas,
2018. E-book Kindle.

PENHA, Sandra Erica S. Ícaro: O voo do menino autista nas asas da Arteterapia.
Campinas: Editora Evidência.br, 2019.

RUDY, Lisa Jo. How Art Therapy Helps People with Autism. VeryWellHelth, 2021.
Disponível em: https://www.verywellhealth.com/art-therapy-for-autism-260054.
Acesso em: 28 de abr.de 2022.

SANTOS, Monica. De que modo é que a Arteterapia ajuda pessoas com


Autismo? Vencerautismo, 2019. Disponível em:
https://vencerautismo.org/2019/02/modo-arteterapia-ajuda-pessoas-autismo/.
Acesso em: 28 de abr. de 2022.

SINGULAR, Equipe Instituto. CID 11: O que é? Qual sua importância para o
diagnóstico de autismo?. Disponível em: https://institutosingular.org/cid-11-
autismo/ Acesso em 26/11/2022.

TOMMASI, Sonia B. (Org.) Arteterapeuta: um cuidador da psique.1ªed. São Paulo:


Vetor, 2011.

URRUTIGARAY, Maria. C.. Arteterapia. A transformação pessoal pelas imagens.


5ªed. Rio de Janeiro: Wak, 2011.

VALADARES, A.C. A. SILVA, M.T. D. A arteterapia e a promoção do


desenvolvimento infantil no contexto da hospitalização. Ver. Gaúcha Enferm.
2011, vol.32, n.3. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1983-
14472011000300002. Acessado em 28 de abr. de 2022.

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