p. Trecho Página Assim se foi gerando um processo de subdesenvolvimento como 27 resultado da divisão internacional do trabalho, a troca desigual de mercadorias e a degradação ambiental gerados no processo de globalização do capital. As diferenças de nível de desenvolvimento entre as nações resultam da 28 transferência de riqueza, gerada mediante a sobre-exploração dos recursos naturais e da força de trabalho – principalmente das populações camponesas e dos povos indígenas – dos países dominados, para os países dominantes. O “desenvolvimento do subdesenvolvimento” não se produz só pela 29 transferência permanente do excedente econômico dos países periféricos para os países centrais, impedindo seu reinvestimento para o desenvolvimento autônomo e sustentável dos primeiros. Também implica o efeito acumulativo de custos ecológicos e o desaproveitamento de um potencial ambiental que seria produzido por meio da revalorização e do uso integrado dos recursos produtivos de uma formação social – e de cada região geográfica particular -, harmonizando suas condições ecológicas, tecnológicas e culturais. Este processo de dependência e exploração destruiu o patrimônio 34 cultural e ambiental dos povos da América Latina, degradando o potencial produtivo dos ecossistemas naturais. A aceitação passiva destes padrões tecnológicos (por falta de uma 38 política eficaz de assimilação e produção autônoma de tecnologias) levou os países “subdesenvolvidos” a adotar estratégias de desenvolvimento subordinadas à inércia geral do desenvolvimento capitalista, gerando uma crescente polarização entre nações e grupos sociais. Sendo assim, a perspectiva ambiental obriga a rever as teorias da 41 dependência e do subdesenvolvimento Os recursos desconhecidos e não aproveitados (as terras e a biomassa 48 desperdiçadas) pelas atuais formas de exploração dos recursos oferecem um potencial significativo para o desenvolvimento da região. Isso requer políticas eficazes para descobrir o potencial produtivo dos 49 recursos naturais e culturas, para gerar tecnologias apropriadas e destinadas à sua transformação e pra transferir esses conhecimentos às comunidades rurais através de um diálogo de saberes para hibridizá- los com os seus saberes locais, com o fim de conseguir a autogestão dos recursos produtivos. A satisfação das necessidades básicas da população está associada a 54-55 padrões de aproveitamento de recursos, seus processos de produção e formas de consumo. Isto, por sua vez, depende de uma estratégia de desenvolvimento sustentável e duradouro, capaz de promover atividades produtivas que permitam um aproveitamento ecologicamente racional dos recursos naturais, reduzindo os custos ecológicos mediante a utilização de fontes renováveis de recursos energéticos, como a radiação solar, e potencializando processos naturais altamente eficientes de produção de recursos bióticos, como o fenômeno fotossintético. Estas funções naturais poderão ser incrementadas mediante o resgate de saberes tradicionais e a aplicação dos avanços da ciência e da tecnologia moderna. Estas considerações permitem ver a complexidade de todo o projeto de 72-73 ecodesenvolvimento que tente uma transformação produtiva sobre bases ecológicas e não só a resolução temporária dos problemas demográficos e políticos que geram a racionalidade produtiva dominante. Assim, o colonialismo ecológico, entendido como a exploração das terras tropicais tão só acrescenta os problemas que deveriam resolver-se com a aplicação de reformas agrárias e através de formas mais racionais de aproveitamento múltiplo e integrado dos ecossistemas naturais. A planificação do ecodesenvolvimento implica a necessidade de 80 conhecer as relações e interdependências entre os recursos do subsolo, da biosfera e da cultura. Tudo isso leva à necessidade de integrar a produtividade primária dos 81 ecossistemas naturais, a produtividade tecnológica dos processos produtivos e a produtividade social dos processos de trabalho, fundadas num progresso científico-tecnológico socialmente controlado. [...] Por esta razão, o conceito de produtividade econômica contrapõe-se ao de produtividade ecotecnológica. As estratégias de ecodesenvolvimento fundamentam-se, pois, numa 81 reorganização produtiva, que integra os níveis de produtividade natural e tecnológica. O estudo das práticas produtivas das culturas pré-capitalistas aparece 99 como um recurso na construção de padrões tecnológicos mais adequados para o aproveitamento do potencial produtivo dos ecossistemas. As sociedades pré-capitalistas mostram já dois tipos claramente 102 diferenciáveis de racionalidade produtiva: uma que tende a assegurar a reprodução sociocultural a partir das condições de equilíbrio do ecossistema; outra que tende a maximizar os benefícios comerciais, o intercâmbio econômico e a produção de excedentes. Num caso, a estrutura funcional do ecossistema condiciona a divisão do trabalho, a organização produtiva e as formações simbólicas de uma formação social. No outro, as práticas sociais e produtivas vão se subordinando à produção capitalistas, impondo-se as leis de mercado sobre as condições ecológicas da reprodução social. Os estudos etnobotânicos adquirem uma importância relevante nesta 105 reconstrução historiográfica das relações entre as diferentes culturas e seus recursos bióticos, merecendo, por isso, especial atenção. Pelo que foi dito anteriormente, as disciplinas etnológicas não são 113 ciências “puras”, mas um conjunto de saberes úteis para a reconstrução histórica das conexões entre a sociedade e a natureza na perspectiva de um desenvolvimento sustentável, fundado nos princípios de uma racionalidade ambiental. Deste modo, prevaleceu a busca por uma solução tecnológica da 145-146 problemática ambiental dentro da racionalidade da economia de mercado. [...] A fé numa solução tecnológica para a crise de recursos vai além de uma avaliação do potencial científico existente para descobrir novos recursos e sua capacidade de substituição das matérias-primas esgotadas [...]; A aplicação dos princípios de uma racionalidade ambiental a partir da 164 articulação de processos que dão suporte a uma produtividade ecotecnológica requer uma série de mudanças institucionais e a elaboração dos instrumentos para a gestão ambiental do desenvolvimento. Estas mudanças relacionam-se com a produção de novas categorias e métodos para a avaliação social desta estratégia de desenvolvimento e com um programa prospectivo de inovações científicas e tecnológicas. O paradigma ecotecnológico se insere dentro de uma nova 168 racionalidade produtiva, orientado para um novo projeto de civilização. A problemática ambiental, que assim se acentua e perpetua, não só se 171 manifesta nos altos e crescente níveis de contaminação gerados por estes processos, mas também no aproveitamento irracional dos recursos energéticos, na perda de fertilidade dos solos, no aumento das áreas desertificadas, na erosão de terras produtivas, no aquecimento global do planeta e na destruição de diversas formas culturais de aproveitamento de recursos. O avanço das políticas neoliberais, a partir da década de 80, limitou a 186 intervenção do Estado na economia e, assim, deixou0se que os problemas ambientais fossem regulados pela economia e normatizados por novos marcos jurídicos. O discurso do ecodesenvolvimento passou de suas propostas para uma 187 planificação ambiental, dirigida a partir do Estado, para uma visão do desenvolvimento sustentável na qual se conjugariam os mecanismos do mercado como um novo campo de concertação entre o Estado, os agentes econômicos e os grupos sociais. O principio da equidade é, pois, indissociável dos objetivos do DS: mais 197 que uma questão de solidariedade diacrônica, ou seja, de um compromisso com os direitos das gerações futuras de dispor de recursos para o seu sustento e desenvolvimento, trata-se de um principio de equidade intrageracional, ou seja, de acesso dos grupos sociais atuais aos recursos ambientais do planeta. Pouco a pouco, a luta dos povos indígenas pela sua autonomia local e 201 regional vai reivindicando o direito a autogerir o manejo produtivo de seus recursos naturais. A possibilidade real de erradicar a pobreza e melhorar a qualidade de 203 vida das populações indígenas e camponesas depende das condições de acesso, manejo e controle de seus recursos produtivos. Neste sentido, a racionalidade econômica intenta internalizar os 226 objetivos da sustentabilidade ecológica. Todavia, isso não consegue limitar, e menos reverter, os processos de degradação ambiental [...]. Isto está levando a uma reacomodação das estratégias do capital às condições de crise e globalização ecológica, sob o signo do neoliberalismo econômico e político. Na perspectiva neoliberal, os problemas ecológicos não surgem como 235 resultado da acumulação de capital, nem por falhas do mercado, mas por não se haver atribuído direitos de propriedade e preços aos bens comuns. Uma vez que seja feito isso, as milagrosas leis de mercado encarregaram-se de ajustar os desequilíbrios ecológicos e as diferenças sociais gerando a sustentabilidade. O discurso da sustentabilidade procura reconciliar os dois aspectos 239-240 contraditórios da dialética do desenvolvimento: o MA e o crescimento econômico. [...] A tecnologia se encarregaria, assim, de reverter os efeitos da degradação entrópica nos processos de produção, distribuição e consumo de mercadorias, e de fazer desaparecer a escassez de recursos através do manejo indiferenciado de matéria e energia. Contudo, a importância dos povos indígenas não pode reduzir-se ao 273 papel que como sujeitos sociais podem ter na conservação da biodiversidade. Além da integração funcional a uma sustentabilidade global do valor conservacionista das empresas comunitárias [...], a cultura e a natureza constituem os pilares fundamentais de uma nova racionalidade social e produtiva capaz de desconstruir a globalização de uma racionalidade econômica que atenta contra a diversidade cultural e a diversidade biológica e de construir uma racionalidade ambiental, de cuja produtividade sustentável derive o bem-estar das comunidades. A natureza é destruída, ao não serem valorizados os processos de 288 equilíbrio ecológico e a contribuição da produtividade prismática dos ecossistemas para a produção de bens de consumo e de outros satisfactores não materiais. Desta maneira, o ambientalismo vem fazendo uma crítica radical ao capitalismo e à racionalidade econômica. A qualidade de vida está entrelaçada, assim, com a qualidade do 293 ambiente e com a satisfação das necessidades básicas, com a conservação do potencial produtivo dos ecossistemas, com o aproveitamento integrado dos recursos naturais e com a sustentabilidade ecológica do habitar. Mas essa qualidade também depende de formas inéditas de identidade, cooperação, solidariedade, participação e realização, assim como da satisfação de necessidades e aspirações mediante uma nova racionalidade social e um novo modo de produção. A questão ambiental requer a construção de novas bases jurídicas, 295-296 fundadas nos bens comuns e nos direitos das coletividades. A ética ambiental coloca-se tanto na conservação da diversidade 296 biológica do planeta, como no respeito à heterogeneidade étnica e cultural da humanidade. Os dois princípios conjugam-se num objetivo de gestão cultural do ambiente. Entrelaçam-se, aqui, os direitos das comunidades indígenas, camponesas e urbanas tentando conservar suas tradições para conseguir um etnodesenvolvimento autogestionário, ou seja, o direito a forjar seu próprio destino a partir de seus valores e de sua significação do mundo, mediante o manejo sustentável de seus recursos, dos quais deriva a satisfação de suas necessidades materiais e simbólicas. As sociedades tradicionais desenvolveram sistemas de conhecimentos 297 mediante os quais se decodifica a natureza e se estabelecem as regras sociais de acesso e apropriação de seus recursos. No movimento ambientalista articulam-se as lutas das comunidades 325 indígenas e das organizações camponesas, operárias e populares, com a luta da classe média urbana, das associações civis para o desenvolvimento de tecnologias alternativas e dos novos grupos ecologistas. A sociedade civil está emergindo como resposta aos processos de 327 dominação, marginalização e empobrecimento das maiorias provocados pelas classes dominantes e os grupos privilegiados, questionando as relações de poder econômico e político da ordem estabelecida. [...] Diante disso, a sociedade civil reclama uma maior participação na tomada de decisões, nas políticas públicas e na autogestão de seus recursos produtivos que afetam as suas condições de existência. O movimento ambientalista, diferente das lutas de classes dos 329 movimentos operários e camponeses anteriores, define-se por seu caráter transclassista sendo constituído por diversos atores sociais, cuja força tende a diluir-se na multiplicidade de seus interesses e demandas e pela dificuldade de articular uma frente comum. A globalização do mercado, como projeto civilizador da modernidade, 351 fechou o caminho às estratégias produtivas fundadas no potencial ecológico dos povos ignorando os saberes e desqualificando as exigências de muitas organizações indígenas e camponesas para reconstruir seus modos de produção. Assim, o indigenismo ambientalista está provocando mudanças na 354 ordem jurídica, mas tem em seu cerne o germe de uma transformação da racionalidade produtiva dominante. Os movimentos indígenas estão ultrapassando os espaços ganhos anteriormente pelos direitos humanos e já sancionados na lei. A desconstrução do processo de racionalização econômica do mundo, 356 da globalização guiada pelo discurso e pelas políticas do desenvolvimento sustentável, implica a ativação de uma estratégia de transição para a sustentabilidade. A construção social de uma racionalidade ambiental é sua 357 territorialização em espaços bioculturais, onde a cultura não só ressignifica e imprime seus valores culturais nos seus processos de intervenção sobre a natureza, como também onde os direitos culturais à natureza se traduzem em movimentos sociais de reapropriação da natureza, em processos de r-existência fundados nos princípios da sustentabilidade. Para além da pluralidade política circunscrita a uma via unidimensional 404 de progresso, a perspectiva ambiental do desenvolvimento promove outra racionalidade produtiva, novas formas de vida social e uma diversidade de projetos culturais. Contudo, a experiencia recente da AL mostra a dificuldade das políticas 405 neoliberais para resolver a crise econômica e ambiental da região, a qual se reflete no incremento da miséria extrema que sofrem mais de 200 milhões de habitantes na região, questionando as frágeis democracias do continente. O projeto de democracia neoliberal se mostra inconsistente porquanto continua incrementando a desigualdade social e devastando as bases ecológicas e sociais de sustentabilidade do desenvolvimento. A racionalidade ambiental abre assim novas perspectivas para uma 408 transição democrática, gerando novos direitos humanos vinculados com a preservação da diversidade cultural e ecológica e articulando as exigências da sociedade e de participação numa política plural de descentralização econômica baseada na reapropriacao social da natureza por parte das comunidades, capaz de integrar a população marginalizada em projetos de autossuficiência produtiva.