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LEFF, Enrique. Ecologia, capital e cultura.

Rio de Janeiro: Vozes, 2009, 440


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Assim se foi gerando um processo de subdesenvolvimento como 27
resultado da divisão internacional do trabalho, a troca desigual de
mercadorias e a degradação ambiental gerados no processo de
globalização do capital.
As diferenças de nível de desenvolvimento entre as nações resultam da 28
transferência de riqueza, gerada mediante a sobre-exploração dos
recursos naturais e da força de trabalho – principalmente das
populações camponesas e dos povos indígenas – dos países
dominados, para os países dominantes.
O “desenvolvimento do subdesenvolvimento” não se produz só pela 29
transferência permanente do excedente econômico dos países
periféricos para os países centrais, impedindo seu reinvestimento para
o desenvolvimento autônomo e sustentável dos primeiros. Também
implica o efeito acumulativo de custos ecológicos e o
desaproveitamento de um potencial ambiental que seria produzido por
meio da revalorização e do uso integrado dos recursos produtivos de
uma formação social – e de cada região geográfica particular -,
harmonizando suas condições ecológicas, tecnológicas e culturais.
Este processo de dependência e exploração destruiu o patrimônio 34
cultural e ambiental dos povos da América Latina, degradando o
potencial produtivo dos ecossistemas naturais.
A aceitação passiva destes padrões tecnológicos (por falta de uma 38
política eficaz de assimilação e produção autônoma de tecnologias)
levou os países “subdesenvolvidos” a adotar estratégias de
desenvolvimento subordinadas à inércia geral do desenvolvimento
capitalista, gerando uma crescente polarização entre nações e grupos
sociais.
Sendo assim, a perspectiva ambiental obriga a rever as teorias da 41
dependência e do subdesenvolvimento
Os recursos desconhecidos e não aproveitados (as terras e a biomassa 48
desperdiçadas) pelas atuais formas de exploração dos recursos
oferecem um potencial significativo para o desenvolvimento da região.
Isso requer políticas eficazes para descobrir o potencial produtivo dos 49
recursos naturais e culturas, para gerar tecnologias apropriadas e
destinadas à sua transformação e pra transferir esses conhecimentos
às comunidades rurais através de um diálogo de saberes para hibridizá-
los com os seus saberes locais, com o fim de conseguir a autogestão
dos recursos produtivos.
A satisfação das necessidades básicas da população está associada a 54-55
padrões de aproveitamento de recursos, seus processos de produção e
formas de consumo. Isto, por sua vez, depende de uma estratégia de
desenvolvimento sustentável e duradouro, capaz de promover
atividades produtivas que permitam um aproveitamento ecologicamente
racional dos recursos naturais, reduzindo os custos ecológicos
mediante a utilização de fontes renováveis de recursos energéticos,
como a radiação solar, e potencializando processos naturais altamente
eficientes de produção de recursos bióticos, como o fenômeno
fotossintético. Estas funções naturais poderão ser incrementadas
mediante o resgate de saberes tradicionais e a aplicação dos avanços
da ciência e da tecnologia moderna.
Estas considerações permitem ver a complexidade de todo o projeto de 72-73
ecodesenvolvimento que tente uma transformação produtiva sobre
bases ecológicas e não só a resolução temporária dos problemas
demográficos e políticos que geram a racionalidade produtiva
dominante. Assim, o colonialismo ecológico, entendido como a
exploração das terras tropicais tão só acrescenta os problemas que
deveriam resolver-se com a aplicação de reformas agrárias e através de
formas mais racionais de aproveitamento múltiplo e integrado dos
ecossistemas naturais.
A planificação do ecodesenvolvimento implica a necessidade de 80
conhecer as relações e interdependências entre os recursos do
subsolo, da biosfera e da cultura.
Tudo isso leva à necessidade de integrar a produtividade primária dos 81
ecossistemas naturais, a produtividade tecnológica dos processos
produtivos e a produtividade social dos processos de trabalho, fundadas
num progresso científico-tecnológico socialmente controlado. [...] Por
esta razão, o conceito de produtividade econômica contrapõe-se ao de
produtividade ecotecnológica.
As estratégias de ecodesenvolvimento fundamentam-se, pois, numa 81
reorganização produtiva, que integra os níveis de produtividade natural
e tecnológica.
O estudo das práticas produtivas das culturas pré-capitalistas aparece 99
como um recurso na construção de padrões tecnológicos mais
adequados para o aproveitamento do potencial produtivo dos
ecossistemas.
As sociedades pré-capitalistas mostram já dois tipos claramente 102
diferenciáveis de racionalidade produtiva: uma que tende a assegurar a
reprodução sociocultural a partir das condições de equilíbrio do
ecossistema; outra que tende a maximizar os benefícios comerciais, o
intercâmbio econômico e a produção de excedentes. Num caso, a
estrutura funcional do ecossistema condiciona a divisão do trabalho, a
organização produtiva e as formações simbólicas de uma formação
social. No outro, as práticas sociais e produtivas vão se subordinando à
produção capitalistas, impondo-se as leis de mercado sobre as
condições ecológicas da reprodução social.
Os estudos etnobotânicos adquirem uma importância relevante nesta 105
reconstrução historiográfica das relações entre as diferentes culturas e
seus recursos bióticos, merecendo, por isso, especial atenção.
Pelo que foi dito anteriormente, as disciplinas etnológicas não são 113
ciências “puras”, mas um conjunto de saberes úteis para a reconstrução
histórica das conexões entre a sociedade e a natureza na perspectiva
de um desenvolvimento sustentável, fundado nos princípios de uma
racionalidade ambiental.
Deste modo, prevaleceu a busca por uma solução tecnológica da 145-146
problemática ambiental dentro da racionalidade da economia de
mercado. [...] A fé numa solução tecnológica para a crise de recursos
vai além de uma avaliação do potencial científico existente para
descobrir novos recursos e sua capacidade de substituição das
matérias-primas esgotadas [...];
A aplicação dos princípios de uma racionalidade ambiental a partir da 164
articulação de processos que dão suporte a uma produtividade
ecotecnológica requer uma série de mudanças institucionais e a
elaboração dos instrumentos para a gestão ambiental do
desenvolvimento. Estas mudanças relacionam-se com a produção de
novas categorias e métodos para a avaliação social desta estratégia de
desenvolvimento e com um programa prospectivo de inovações
científicas e tecnológicas.
O paradigma ecotecnológico se insere dentro de uma nova 168
racionalidade produtiva, orientado para um novo projeto de civilização.
A problemática ambiental, que assim se acentua e perpetua, não só se 171
manifesta nos altos e crescente níveis de contaminação gerados por
estes processos, mas também no aproveitamento irracional dos
recursos energéticos, na perda de fertilidade dos solos, no aumento das
áreas desertificadas, na erosão de terras produtivas, no aquecimento
global do planeta e na destruição de diversas formas culturais de
aproveitamento de recursos.
O avanço das políticas neoliberais, a partir da década de 80, limitou a 186
intervenção do Estado na economia e, assim, deixou0se que os
problemas ambientais fossem regulados pela economia e normatizados
por novos marcos jurídicos.
O discurso do ecodesenvolvimento passou de suas propostas para uma 187
planificação ambiental, dirigida a partir do Estado, para uma visão do
desenvolvimento sustentável na qual se conjugariam os mecanismos do
mercado como um novo campo de concertação entre o Estado, os
agentes econômicos e os grupos sociais.
O principio da equidade é, pois, indissociável dos objetivos do DS: mais 197
que uma questão de solidariedade diacrônica, ou seja, de um
compromisso com os direitos das gerações futuras de dispor de
recursos para o seu sustento e desenvolvimento, trata-se de um
principio de equidade intrageracional, ou seja, de acesso dos grupos
sociais atuais aos recursos ambientais do planeta.
Pouco a pouco, a luta dos povos indígenas pela sua autonomia local e 201
regional vai reivindicando o direito a autogerir o manejo produtivo de
seus recursos naturais.
A possibilidade real de erradicar a pobreza e melhorar a qualidade de 203
vida das populações indígenas e camponesas depende das condições
de acesso, manejo e controle de seus recursos produtivos.
Neste sentido, a racionalidade econômica intenta internalizar os 226
objetivos da sustentabilidade ecológica. Todavia, isso não consegue
limitar, e menos reverter, os processos de degradação ambiental [...].
Isto está levando a uma reacomodação das estratégias do capital às
condições de crise e globalização ecológica, sob o signo do
neoliberalismo econômico e político.
Na perspectiva neoliberal, os problemas ecológicos não surgem como 235
resultado da acumulação de capital, nem por falhas do mercado, mas
por não se haver atribuído direitos de propriedade e preços aos bens
comuns. Uma vez que seja feito isso, as milagrosas leis de mercado
encarregaram-se de ajustar os desequilíbrios ecológicos e as diferenças
sociais gerando a sustentabilidade.
O discurso da sustentabilidade procura reconciliar os dois aspectos 239-240
contraditórios da dialética do desenvolvimento: o MA e o crescimento
econômico. [...] A tecnologia se encarregaria, assim, de reverter os
efeitos da degradação entrópica nos processos de produção,
distribuição e consumo de mercadorias, e de fazer desaparecer a
escassez de recursos através do manejo indiferenciado de matéria e
energia.
Contudo, a importância dos povos indígenas não pode reduzir-se ao 273
papel que como sujeitos sociais podem ter na conservação da
biodiversidade. Além da integração funcional a uma sustentabilidade
global do valor conservacionista das empresas comunitárias [...], a
cultura e a natureza constituem os pilares fundamentais de uma nova
racionalidade social e produtiva capaz de desconstruir a globalização de
uma racionalidade econômica que atenta contra a diversidade cultural e
a diversidade biológica e de construir uma racionalidade ambiental, de
cuja produtividade sustentável derive o bem-estar das comunidades.
A natureza é destruída, ao não serem valorizados os processos de 288
equilíbrio ecológico e a contribuição da produtividade prismática dos
ecossistemas para a produção de bens de consumo e de outros
satisfactores não materiais. Desta maneira, o ambientalismo vem
fazendo uma crítica radical ao capitalismo e à racionalidade econômica.
A qualidade de vida está entrelaçada, assim, com a qualidade do 293
ambiente e com a satisfação das necessidades básicas, com a
conservação do potencial produtivo dos ecossistemas, com o
aproveitamento integrado dos recursos naturais e com a
sustentabilidade ecológica do habitar. Mas essa qualidade também
depende de formas inéditas de identidade, cooperação, solidariedade,
participação e realização, assim como da satisfação de necessidades e
aspirações mediante uma nova racionalidade social e um novo modo de
produção.
A questão ambiental requer a construção de novas bases jurídicas, 295-296
fundadas nos bens comuns e nos direitos das coletividades.
A ética ambiental coloca-se tanto na conservação da diversidade 296
biológica do planeta, como no respeito à heterogeneidade étnica e
cultural da humanidade. Os dois princípios conjugam-se num objetivo
de gestão cultural do ambiente. Entrelaçam-se, aqui, os direitos das
comunidades indígenas, camponesas e urbanas tentando conservar
suas tradições para conseguir um etnodesenvolvimento autogestionário,
ou seja, o direito a forjar seu próprio destino a partir de seus valores e
de sua significação do mundo, mediante o manejo sustentável de seus
recursos, dos quais deriva a satisfação de suas necessidades materiais
e simbólicas.
As sociedades tradicionais desenvolveram sistemas de conhecimentos 297
mediante os quais se decodifica a natureza e se estabelecem as regras
sociais de acesso e apropriação de seus recursos.
No movimento ambientalista articulam-se as lutas das comunidades 325
indígenas e das organizações camponesas, operárias e populares, com
a luta da classe média urbana, das associações civis para o
desenvolvimento de tecnologias alternativas e dos novos grupos
ecologistas.
A sociedade civil está emergindo como resposta aos processos de 327
dominação, marginalização e empobrecimento das maiorias provocados
pelas classes dominantes e os grupos privilegiados, questionando as
relações de poder econômico e político da ordem estabelecida. [...]
Diante disso, a sociedade civil reclama uma maior participação na
tomada de decisões, nas políticas públicas e na autogestão de seus
recursos produtivos que afetam as suas condições de existência.
O movimento ambientalista, diferente das lutas de classes dos 329
movimentos operários e camponeses anteriores, define-se por seu
caráter transclassista sendo constituído por diversos atores sociais, cuja
força tende a diluir-se na multiplicidade de seus interesses e demandas
e pela dificuldade de articular uma frente comum.
A globalização do mercado, como projeto civilizador da modernidade, 351
fechou o caminho às estratégias produtivas fundadas no potencial
ecológico dos povos ignorando os saberes e desqualificando as
exigências de muitas organizações indígenas e camponesas para
reconstruir seus modos de produção.
Assim, o indigenismo ambientalista está provocando mudanças na 354
ordem jurídica, mas tem em seu cerne o germe de uma transformação
da racionalidade produtiva dominante. Os movimentos indígenas estão
ultrapassando os espaços ganhos anteriormente pelos direitos
humanos e já sancionados na lei.
A desconstrução do processo de racionalização econômica do mundo, 356
da globalização guiada pelo discurso e pelas políticas do
desenvolvimento sustentável, implica a ativação de uma estratégia de
transição para a sustentabilidade.
A construção social de uma racionalidade ambiental é sua 357
territorialização em espaços bioculturais, onde a cultura não só
ressignifica e imprime seus valores culturais nos seus processos de
intervenção sobre a natureza, como também onde os direitos culturais à
natureza se traduzem em movimentos sociais de reapropriação da
natureza, em processos de r-existência fundados nos princípios da
sustentabilidade.
Para além da pluralidade política circunscrita a uma via unidimensional 404
de progresso, a perspectiva ambiental do desenvolvimento promove
outra racionalidade produtiva, novas formas de vida social e uma
diversidade de projetos culturais.
Contudo, a experiencia recente da AL mostra a dificuldade das políticas 405
neoliberais para resolver a crise econômica e ambiental da região, a
qual se reflete no incremento da miséria extrema que sofrem mais de
200 milhões de habitantes na região, questionando as frágeis
democracias do continente. O projeto de democracia neoliberal se
mostra inconsistente porquanto continua incrementando a desigualdade
social e devastando as bases ecológicas e sociais de sustentabilidade
do desenvolvimento.
A racionalidade ambiental abre assim novas perspectivas para uma 408
transição democrática, gerando novos direitos humanos vinculados com
a preservação da diversidade cultural e ecológica e articulando as
exigências da sociedade e de participação numa política plural de
descentralização econômica baseada na reapropriacao social da
natureza por parte das comunidades, capaz de integrar a população
marginalizada em projetos de autossuficiência produtiva.

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