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- Introdução:
. Na idade média, a usura era vista como um ato imoral. Por conta de influência
religiosa, a atividade era taxada como proibida. Entendia-se que a exploração da
pessoa que precisava de dinheiro seria contrária aos dogmas da igreja e que
dinheiro jamais poderia gerar dinheiro. Contudo, com a revolução industrial,
aumentou-se a demanda por grande volume de capitais para financiamento de
empreendimentos de maior dimensão e para sustentação da sociedade de consumo
em franca formação, não sendo mais possível conter a demanda por crédito.
1
CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Tutela judicial do crédito. TEPEDINO, Gustavo. FACHIN, Luiz
Edson. (Coord.) O Direito e o Tempo: Embates Jurídicos e Utopias Contemporâneas. Estudos em
Homenagem ao Professor Ricardo Pereira Lira. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 463.
2
MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado de direito comercial brasileiro. Parte 2, V. 5, Rio de Janeiro:
Freitas Bastos, 1938, p. 50
- O Banco Mundial3 determina que uma economia moderna deve proporcionar um amplo
acesso ao crédito, oferecer uma considerável gama de opções ao consumidor, promover
proteção ao crédito e minimizar os riscos de inadimplência. Assim, considerando que a
garantia é estruturada para funcionar em cenário de crise e inadimplemento, é
extremamente relevante para o preço do crédito a qualidade e higidez das garantias.
2. Conceito e Estrutura
- Conceito (Fabio Ulhoa Coelho): “É o negócio jurídico em que uma das partes
(fiduciante), proprietário de um bem, aliena-o em confiança para a outra (fiduciário), que,
por sua vez, se obriga a devolver-lhe a propriedade do mesmo bem nas hipóteses previstas
em contrato”.
Art. 22, L. 9514/97 - A alienação fiduciária regulada por esta Lei é
o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo
de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da
propriedade resolúvel de coisa imóvel.
3
BANCO MUNDIAL. PRINCIPIOS Y LÍNEAS RECTORAS PARA SISTEMAS EFICIENTES DE
INSOLVENCIA Y DE DERECHOS DE LOS ACREEDORES
http://documents.worldbank.org/curated/en/123531468159317507/pdf/481650WP02001110Box338887B
01PUBLIC1.pdf.
Acesso em 07.05.2017.
4
GOMES, Orlando. Alienação fiduciária em garantia. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
1971.
OBS2: Direitos Reais DE Garantia x Direitos Reais EM Garantia (Fabio Ulhoa):
5
COELHO, Fábio Ulhoa. A trava bancaria. Revista do advogado. n. 105, São Paulo: AASP, 2009, p. 62.
III - o direito real de uso, desde que suscetível de
alienação; (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007)
IV - a propriedade superficiária. (Incluído pela Lei nº 11.481, de
2007)
§ 2o Os direitos de garantia instituídos nas hipóteses dos incisos III
e IV do § 1o deste artigo ficam limitados à duração da concessão
ou direito de superfície, caso tenham sido transferidos por período
determinado. (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007)
- Propriedade Resolúvel/Fiduciária:
6
Francisco dos Santos Amaral Neto, sobre a condição resolutiva, ressalta que “na verdade, não é a
propriedade que é resolúvel, mas o negócio jurídico que ela se origina. Resolvendo-se o ato, pelo
implemento da condição, resolvem-se os direitos reais concedidos na sua pendência” (NETO, Francisco
dos Santos Amaral. A irretroatividade da condição suspensiva. Revista de direito civil imobiliário, agrário
e empresarial v. 8, n. 28, p. 17–55, abr./jun., 1984, p.27)
7
CHALHUB, Melhim Namen. Direitos Reais. São Paulo: RT, 2014, p. 86.
credor titular da propriedade fiduciária o direito de apropriar-se do produto
da cobrança dos bens cedidos fiduciariamente mesmo em caso de insolvência
do fiduciante, até o limite do crédito garantido.
8
Art. 1.361. Considera-se fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel infungível que o devedor, com
escopo de garantia, transfere ao credor.
§ 1o Constitui-se a propriedade fiduciária com o registro do contrato, celebrado por instrumento público ou
particular, que lhe serve de título, no Registro de Títulos e Documentos do domicílio do devedor, ou, em
se tratando de veículos, na repartição competente para o licenciamento, fazendo-se a anotação no certificado
de registro.
§ 2o Com a constituição da propriedade fiduciária, dá-se o desdobramento da posse, tornando-se o devedor
possuidor direto da coisa.
§ 3o A propriedade superveniente, adquirida pelo devedor, torna eficaz, desde o arquivamento, a
transferência da propriedade fiduciária.
9
AMENDOLARA, Cesar. Alienação fiduciária como instrumento de fomento à concessão de crédito.
FONTES, Marcos Rolim Fernandes. WEISBERG, Ivo. (coord.) Contratos bancários. São Paulo: Quartier
Latin, 2006, p. 162.
10
AMENDOLARA, Cesar. Alienação fiduciária como instrumento de fomento à concessão de crédito.
FONTES, Marcos Rolim Fernandes. WEISBERG, Ivo. (coord.) Contratos bancários. São Paulo: Quartier
Latin, 2006, p. 161.
III - a taxa de juros e os encargos incidentes;
IV - a cláusula de constituição da propriedade fiduciária, com a
descrição do imóvel objeto da alienação fiduciária e a indicação do
título e modo de aquisição;
V - a cláusula assegurando ao fiduciante, enquanto adimplente, a
livre utilização, por sua conta e risco, do imóvel objeto da alienação
fiduciária;
VI - a indicação, para efeito de venda em público leilão, do valor
do imóvel e dos critérios para a respectiva revisão;
VII - a cláusula dispondo sobre os procedimentos de que trata o art.
27.
Parágrafo único. Caso o valor do imóvel convencionado pelas
partes nos termos do inciso VI do caput deste artigo seja inferior ao
utilizado pelo órgão competente como base de cálculo para a
apuração do imposto sobre transmissão inter vivos, exigível por
força da consolidação da propriedade em nome do credor
fiduciário, este último será o valor mínimo para efeito de venda do
imóvel no primeiro leilão. (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)
- De acordo com a CRFB/88 todo direito patrimonial deve ser funcionalizado com
objetivo de atender valores extrapatrimoniais, dando, portanto, prevalência à pessoa
humana, frente as relações patrimoniais, que só merecerão tutela quando promoverem
esses valores constitucionais11.
8. Evolução Legislativa
(ii) Decreto-Lei nº 911 de 1969: Alterou o artigo 66 da Lei 4728/6513 e introduziu regra
específica sobre a alienação fiduciária de veículos.
11
MORAES, Maria Celina Bodin de. A caminho de um direito civil constitucional. Revista de direito civil
imobiliário, agrário e Empresarial, n. 65, a. 17, jul./set. 1993, p. 26.
12
Voto da Ministra Maria Isabel Galotti no REsp 1622555/MG, Rel. Ministro Marco Buzzi, Rel. p/
Acórdão Ministro Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, julgado em 22/02/2017, DJe 16/03/2017.
13
Art. 66. A alienação fiduciária em garantia transfere ao credor o domínio resolúvel e a posse indireta da
coisa móvel alienada, independentemente da tradição efetiva do bem, tornando-se o alienante ou devedor
em possuidor direto e depositário com todas as responsabilidades e encargos que lhe incumbem de acordo
com a lei civil e penal.
§ 1º A alienação fiduciária somente se prova por escrito e seu instrumento, público ou particular, qualquer
que seja o seu valor, será obrigatoriamente arquivado, por cópia ou microfilme, no Registro de Títulos e
Documentos do domicílio do credor, sob pena de não valer contra terceiros, e conterá, além de outros dados,
os seguintes:
a) o total da dívida ou sua estimativa;
b) o local e a data do pagamento;
c) a taxa de juros, as comissões cuja cobrança for permitida e, eventualmente, a cláusula penal e a
estipulação de correção monetária, com indicação dos índices aplicáveis;
(iii) Artigo 130 da Lei 6.015 de 197314: Surge pela primeira vez o registro da alienação
fiduciária, especificamente para que surta efeito perante terceiros.
(iv) Súmula nº 92, STJ: “a terceiro de boa-fé não é oponível a alienação fiduciária não
anotada no Certificado de Registro do veículo automotor”.
- Até a promulgação desta lei, a alienação fiduciária só era admitida para bens móveis.
- Com a edição do CC/02, o registro passou a ser relevante para constituição da garantia.
- Contradição: O CC/02 prevê (art. 1.267)15 que a propriedade dos bens móveis é
transmitida pela tradição, e não pelo registro. O registro constitui meio hábil inter vivos
de transmissão apenas da propriedade imóvel (art. 1.245 do CC)16.
- Art. 1.368-A do CC: Prevê a vigência das leis especiais e a aplicação do CC/02 apenas
naquilo que não for incompatível. As regras constantes no CC/02 sobre alienação
fiduciária são disposições gerais. Essa convivência entre as normas especiais e a previsão
geral do CC/02 pode significar a incidência, ora alternativa, ora simultânea, “de acordo
com as características subjetivas e objetivas do caso concreto17”.
15
Art. 1.267. A propriedade das coisas não se transfere pelos negócios jurídicos antes da tradição.
16
Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro
de Imóveis.
§ 1o Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.
§ 2o Enquanto não se promover, por meio de ação própria, a decretação de invalidade do registro, e o
respectivo cancelamento, o adquirente continua a ser havido como dono do imóvel.
Art. 1.246. O registro é eficaz desde o momento em que se apresentar o título ao oficial do registro, e este
o prenotar no protocolo.
17
TEPEDINO, Gustavo. BARBOZA, Heloisa Helena. MORAES, Maria Celina Bodin de. Código civil
interpretado conforme a constituição da república, vol. III, Rio de Janeiro: Renovar, 2011, p. 747
Art. 1.368-A. As demais espécies de propriedade fiduciária ou de
titularidade fiduciária submetem-se à disciplina específica das
respectivas leis especiais, somente se aplicando as disposições
deste Código naquilo que não for incompatível com a legislação
especial.
18
STJ, REsp 1622555/MG, Rel. Ministro MARCO BUZZI, Rel. p/ Acórdão Ministro MARCO AURÉLIO
BELLIZZE, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 22/02/2017, DJe 16/03/2017.
§ 1o Se a coisa objeto de propriedade fiduciária não se identifica
por números, marcas e sinais no contrato de alienação fiduciária,
cabe ao proprietário fiduciário o ônus da prova, contra
terceiros, da identificação dos bens do seu domínio que se
encontram em poder do devedor. (Incluído pela Lei 10.931, de
2004)
- O art. 66-B não faz menção a registro, mas o art. 42 da Lei 10.931/2004, que inseriu o
art. 66-B na Lei 4.728/65 faz menção a registro nos casos de Cédula de Crédito
Bancário, mas apenas para que produza efeitos contra terceiros.
(i) Propriedade Fiduciária dos Bens Móveis Infungíveis adquirida por quem não é
instituição financeira: Aplicação do Código Civil.
(ii) Propriedade Fiduciária dos Bens Móveis Infungíveis adquirida por entidades
específicas: Regida pelo DL 911/69.
(iii) Propriedade Fiduciária dos Bens Imóveis adquirida por entidades específicas:
Regida pela Lei 9.514/1997.
Art. 2º, L. 9514/97 - Poderão operar no SFI as caixas econômicas,
os bancos comerciais, os bancos de investimento, os bancos com
carteira de crédito imobiliário, as sociedades de crédito imobiliário,
as associações de poupança e empréstimo, as companhias
hipotecárias e, a critério do Conselho Monetário Nacional - CMN,
outras entidades.
OBS: De todas as normas acima destacadas, apenas o CC/02 exige o registro da garantia
como elemento constitutivo. Todas as demais leis que preveem o registro o designam para
o plano da eficácia perante terceiros. Cabe ressaltar, igualmente, que o próprio CC/02 ao
diferenciar os bens móveis dos imóveis, delega apenas a estes o registro como elemento
essencial para transmissão do bem; para aqueles, bastaria a tradição.
10.1. Doutrina
10.2. Jurisprudência
STF
STJ
19
ALVES, José Carlos Moreira. Da alienação fiduciária em garantia. São Paulo: Saraiva, 1973, p. 59.
"Antes do registro, o contrato de alienação fiduciária em garantia é apenas título de constituição de
propriedade fiduciária que ainda não nasceu. Não se havendo constituído ainda a propriedade fiduciária,
inexiste para o credor, garantia real, o que implica a possibilidade de que o terceiro, com quem
posteriormente venha a celebrar contrato de alienação fiduciária com relação às mesmas coisas móveis, se
torne o proprietário fiduciário delas se registrar esse título posterior antes que o faço o primeiro credor.”
20
CHALHUB, Melhim Namen. Negócio fiduciário, 3a Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 393.
21
GOMES, Orlando. Alienação fiduciária em garantia. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
1971, p. 58.
- O Min. ressaltou que a necessidade de registro seria exclusiva do CC/02, uma vez que a
cessão fiduciária não seria regida por essa lei, não seria necessário o registro e ele valeria
apenas para ser oposto a terceiros. Também, pela natureza da propriedade fiduciária, o
bem nunca integrou o patrimônio da recuperanda e por isso estava alheio aos efeitos da
recuperação judicial e, como tal, sem repercussão na esfera de direitos dos demais
credores da recuperanda.
22
Em sentido contrário, (i) TJMG, AI 1.0079.10.007321-6/001, 2ª Câmara Cível, julgado em 15/03/2011,
Relator Desembargador Caetano Levi Lopes (não é necessário o registro para fins de constituição da
garantia, mas que ela não seria oponível à massa de credores). De acordo com o Desembargador o “crédito
representado por cédulas de crédito bancário, garantidas por alienação fiduciária de bens móveis e cessão
fiduciária de certificado de depósito bancário concretiza a hipótese excepcional prevista no art. 49, § 3º, da
Lei nº 11.101, de 2005. Está, portanto, excluído dos efeitos da recuperação judicial. 2. A falta de prova de
registro de contratos no domicílio do devedor é irrelevante. O registro é feito para ser oposto a terceiros,
jamais entre as partes contratantes.” e “a lei referida não exige essa providência, determinando apenas que
os contratos devem ser registrados de modo a evitar simulação em detrimento dos demais credores. Como
houve o registro, não subsiste essa afirmação, tendo o contrato pactuado efeito erga omnes, diante da
publicidade inerente ao registro realizado” e “A constituição da alienação fiduciária fica a depender do
registro do contrato, sem o qual não será a alienação fiduciária oponível a terceiros, de modo que, perante
a comunhão de credores sujeitos à recuperação judicial, o crédito será apenas quirografário, desprovido de
qualquer privilégio.” (AYOUB, Luiz Roberto. CAVALLI, Cássio. A construção jurisprudencial da
recuperação judicial de empresas. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 83).
23
TEPEDINO, Gustavo. Novos princípios contratuais e teoria da confiança: a exegese da cláusula to the
best knowledge of the sellers. In: TEPEDINO, Gustavo. (org.) Temas de direito civil. Rio de Janeiro:
Renovar. t. II, p. 249.
- Concluiu-se, independente do registro, que o contrato produz efeitos entre as partes que
dele participam. A falta de registro tem repercussão na tutela do terceiro.
- Não pode a eficácia erga omnes decorrente do registro da garantia real ofuscar as
particularidades dos casos analisados pelo Judiciário, notadamente casos em que
ressobram evidência de que os terceiros têm – ou teriam como saber – da garantia. O
argumento é mais intenso quando a reclamação da falta de registro ocorre por parte do
próprio devedor contratante, configurando o venire contra factum proprium.