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ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA

1. Relevância do crédito e da garantia

- Introdução:

. Na idade média, a usura era vista como um ato imoral. Por conta de influência
religiosa, a atividade era taxada como proibida. Entendia-se que a exploração da
pessoa que precisava de dinheiro seria contrária aos dogmas da igreja e que
dinheiro jamais poderia gerar dinheiro. Contudo, com a revolução industrial,
aumentou-se a demanda por grande volume de capitais para financiamento de
empreendimentos de maior dimensão e para sustentação da sociedade de consumo
em franca formação, não sendo mais possível conter a demanda por crédito.

- Conceito de crédito e seu merecimento de tutela:

. Conceito de Crédito (Paulo Cesar Pinheiro Carneiro): É a transferência de


valores de uma pessoa – em sentido lato – a outra, mediante remuneração, nas
condições pactuadas. A remuneração consiste, basicamente, no pagamento de
juros que variam de acordo com diversas circunstâncias e elementos, dentre eles
o risco de mercado, decorrente da desvalorização da quantia objeto do crédito, e
o risco do crédito, que resulta da probabilidade de o credor não receber que lhe
cabe e foi pactuado.1

. Conceito de Crédito (Carvalho de Mendonça): É a operação em que alguém


efetua uma prestação presente, contra a promessa de uma prestação futura2.

- Há atualmente um alto spread bancário influenciado, ainda que em parte, pelo


inadimplemento e insegurança quanto à vigência das cláusulas contratuais e condições de
pagamento.

1
CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Tutela judicial do crédito. TEPEDINO, Gustavo. FACHIN, Luiz
Edson. (Coord.) O Direito e o Tempo: Embates Jurídicos e Utopias Contemporâneas. Estudos em
Homenagem ao Professor Ricardo Pereira Lira. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 463.
2
MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado de direito comercial brasileiro. Parte 2, V. 5, Rio de Janeiro:
Freitas Bastos, 1938, p. 50
- O Banco Mundial3 determina que uma economia moderna deve proporcionar um amplo
acesso ao crédito, oferecer uma considerável gama de opções ao consumidor, promover
proteção ao crédito e minimizar os riscos de inadimplência. Assim, considerando que a
garantia é estruturada para funcionar em cenário de crise e inadimplemento, é
extremamente relevante para o preço do crédito a qualidade e higidez das garantias.

2. Conceito e Estrutura

- Conceito de Alienação Fiduciária (Orlando Gomes):4 Negócio jurídico mediante o qual


uma das partes adquire em confiança a propriedade de um bem, obrigando-se a devolvê-
la quando se verificar o acontecimento a que se tenha subordinado tal obrigação, ou lhe
for pedida a restituição.

- Conceito (Fabio Ulhoa Coelho): “É o negócio jurídico em que uma das partes
(fiduciante), proprietário de um bem, aliena-o em confiança para a outra (fiduciário), que,
por sua vez, se obriga a devolver-lhe a propriedade do mesmo bem nas hipóteses previstas
em contrato”.
Art. 22, L. 9514/97 - A alienação fiduciária regulada por esta Lei é
o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo
de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da
propriedade resolúvel de coisa imóvel.

OBS1: A alienação fiduciária é um contrato acessório ao contrato de Mútuo Feneratício


(art. 591 do CC).

3
BANCO MUNDIAL. PRINCIPIOS Y LÍNEAS RECTORAS PARA SISTEMAS EFICIENTES DE
INSOLVENCIA Y DE DERECHOS DE LOS ACREEDORES
http://documents.worldbank.org/curated/en/123531468159317507/pdf/481650WP02001110Box338887B
01PUBLIC1.pdf.
Acesso em 07.05.2017.
4
GOMES, Orlando. Alienação fiduciária em garantia. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
1971.
OBS2: Direitos Reais DE Garantia x Direitos Reais EM Garantia (Fabio Ulhoa):

. Direitos Reais DE Garantia: Consistem na atribuição ao credor de uma


garantia real sobre bem que continua a ser de propriedade do devedor, mesmo
após a constituição da obrigação garantida. São três as garantias reais desta
espécie: hipoteca, penhor e anticrese.

. Direitos Reais EM Garantia: A garantia real recai sobre bem originariamente


do devedor, mas que passa à propriedade do credor – propriedade resolúvel,
desconstituída com o adimplemento da obrigação garantida. São duas:
alienação fiduciária em garantia e cessão fiduciária de direitos
creditórios5.

Súmula 28. STJ: “o contrato de alienação fiduciária em garantia


pode ter por objeto bem que já integrava o patrimônio do devedor”.
(Assim, é irrelevante a quem o bem pertencia antes, uma vez
constituída a propriedade fiduciária, o bem passa a ser de
propriedade do credor).

3. Objeto da alienação fiduciária

Art. 22, §1o , L. 9514/97 - A alienação fiduciária poderá ser


contratada por pessoa física ou jurídica, não sendo privativa das
entidades que operam no SFI, podendo ter como objeto, além da
propriedade plena: (Renumerado do parágrafo único pela Lei nº
11.481, de 2007)
I - bens enfitêuticos, hipótese em que será exigível o pagamento do
laudêmio, se houver a consolidação do domínio útil no
fiduciário; (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007)
II - o direito de uso especial para fins de moradia; (Incluído pela
Lei nº 11.481, de 2007)

5
COELHO, Fábio Ulhoa. A trava bancaria. Revista do advogado. n. 105, São Paulo: AASP, 2009, p. 62.
III - o direito real de uso, desde que suscetível de
alienação; (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007)
IV - a propriedade superficiária. (Incluído pela Lei nº 11.481, de
2007)
§ 2o Os direitos de garantia instituídos nas hipóteses dos incisos III
e IV do § 1o deste artigo ficam limitados à duração da concessão
ou direito de superfície, caso tenham sido transferidos por período
determinado. (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007)

4. Desdobramento da posse. Propriedade Fiduciária. Consolidação da propriedade

Art. 23. Constitui-se a propriedade fiduciária de coisa imóvel


mediante registro, no competente Registro de Imóveis, do contrato
que lhe serve de título.
Parágrafo único. Com a constituição da propriedade fiduciária, dá-
se o desdobramento da posse, tornando-se o fiduciante possuidor
direto e o fiduciário possuidor indireto da coisa imóvel.

- Propriedade Resolúvel/Fiduciária:

. A alienação fiduciária não significa, como consequência, a alienação plena


e definitiva da propriedade, mas sim uma propriedade resolúvel6. Trata-se de
uma condição resolutiva presente na operação contratada.
. Adimplida a obrigação, resolve-se a propriedade do credor fiduciário em
favor do devedor fiduciante.

. Chalhub7: O domínio da propriedade fiduciária é transitório e seus poderes


são limitados pela função que tiver sido atribuída ao bem objeto da
titularidade fiduciária, até o limite da satisfação do crédito. É assegurado ao

6
Francisco dos Santos Amaral Neto, sobre a condição resolutiva, ressalta que “na verdade, não é a
propriedade que é resolúvel, mas o negócio jurídico que ela se origina. Resolvendo-se o ato, pelo
implemento da condição, resolvem-se os direitos reais concedidos na sua pendência” (NETO, Francisco
dos Santos Amaral. A irretroatividade da condição suspensiva. Revista de direito civil imobiliário, agrário
e empresarial v. 8, n. 28, p. 17–55, abr./jun., 1984, p.27)
7
CHALHUB, Melhim Namen. Direitos Reais. São Paulo: RT, 2014, p. 86.
credor titular da propriedade fiduciária o direito de apropriar-se do produto
da cobrança dos bens cedidos fiduciariamente mesmo em caso de insolvência
do fiduciante, até o limite do crédito garantido.

. A garantia recai sobre objeto cujo domínio se transfere para o titular do


crédito assegurado, posto que sob condição resolutiva. A propriedade sofre
restrição e, nos termos do artigo 1.361 do Código Civil,8 a posse se desdobra,
tornando-se o devedor possuidor direto da coisa, mas sem a propriedade, que
é transmitida ao credor, possuidor indireto do bem. Tais limitações ao direito
de propriedade se fazem necessárias para atender, justamente, ao escopo de
garantia9.

- Consolidação da propriedade (Cesar Amendolara)10: A consolidação da propriedade


para o fiduciante ocorre ipso facto, sem a necessidade de intervenção judicial. Verificada
a condição, o negócio resolve-se sem que as partes possam renunciar a esse direito ou que
o juiz possa operar intervenção para suprimi-lo.

5. Requisitos do Contrato que serve de título ao negócio

Art. 24. O contrato que serve de título ao negócio fiduciário


conterá:
I - o valor do principal da dívida;
II - o prazo e as condições de reposição do empréstimo ou do
crédito do fiduciário;

8
Art. 1.361. Considera-se fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel infungível que o devedor, com
escopo de garantia, transfere ao credor.
§ 1o Constitui-se a propriedade fiduciária com o registro do contrato, celebrado por instrumento público ou
particular, que lhe serve de título, no Registro de Títulos e Documentos do domicílio do devedor, ou, em
se tratando de veículos, na repartição competente para o licenciamento, fazendo-se a anotação no certificado
de registro.
§ 2o Com a constituição da propriedade fiduciária, dá-se o desdobramento da posse, tornando-se o devedor
possuidor direto da coisa.
§ 3o A propriedade superveniente, adquirida pelo devedor, torna eficaz, desde o arquivamento, a
transferência da propriedade fiduciária.
9
AMENDOLARA, Cesar. Alienação fiduciária como instrumento de fomento à concessão de crédito.
FONTES, Marcos Rolim Fernandes. WEISBERG, Ivo. (coord.) Contratos bancários. São Paulo: Quartier
Latin, 2006, p. 162.
10
AMENDOLARA, Cesar. Alienação fiduciária como instrumento de fomento à concessão de crédito.
FONTES, Marcos Rolim Fernandes. WEISBERG, Ivo. (coord.) Contratos bancários. São Paulo: Quartier
Latin, 2006, p. 161.
III - a taxa de juros e os encargos incidentes;
IV - a cláusula de constituição da propriedade fiduciária, com a
descrição do imóvel objeto da alienação fiduciária e a indicação do
título e modo de aquisição;
V - a cláusula assegurando ao fiduciante, enquanto adimplente, a
livre utilização, por sua conta e risco, do imóvel objeto da alienação
fiduciária;
VI - a indicação, para efeito de venda em público leilão, do valor
do imóvel e dos critérios para a respectiva revisão;
VII - a cláusula dispondo sobre os procedimentos de que trata o art.
27.
Parágrafo único. Caso o valor do imóvel convencionado pelas
partes nos termos do inciso VI do caput deste artigo seja inferior ao
utilizado pelo órgão competente como base de cálculo para a
apuração do imposto sobre transmissão inter vivos, exigível por
força da consolidação da propriedade em nome do credor
fiduciário, este último será o valor mínimo para efeito de venda do
imóvel no primeiro leilão. (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

6. Alienação Fiduciária em Garantia e Cessão Fiduciária de Direitos Creditórios:

- Tanto na alienação quanto na cessão há transferência em garantia da titularidade


resolúvel de um bem. Diferenças:

. Alienação Fiduciária: O bem objeto da transferência é corpóreo.

. Cessão Fiduciária: O bem é incorpóreo, ainda que materializado em documento


ou em título de crédito.

OBS: São na essência, portanto, o mesmo negócio jurídico, distinguindo-se apenas


quanto à materialidade do objeto dado em garantia.
7. Função Social do Contrato de Financiamento com Garantia de Alienação
Fiduciária

- De acordo com a CRFB/88 todo direito patrimonial deve ser funcionalizado com
objetivo de atender valores extrapatrimoniais, dando, portanto, prevalência à pessoa
humana, frente as relações patrimoniais, que só merecerão tutela quando promoverem
esses valores constitucionais11.

- Função exercida pela garantia fiduciária:

STJ - REsp 1622555/MG - “a função social do contrato de


financiamento com garantia de alienação fiduciária é precisamente
ensejar a circulação de riqueza, com a concessão de empréstimos a
taxas melhores do que as que seriam obtidas por meio de outras
linhas de crédito sem tal garantia12”.

8. Evolução Legislativa

(i) Lei nº 4.728, de 1965: Quando a alienação fiduciária em garantia surgiu no


ordenamento jurídico brasileiro. Lei destinada à estruturação e ao desenvolvimento do
mercado de capitais.

(ii) Decreto-Lei nº 911 de 1969: Alterou o artigo 66 da Lei 4728/6513 e introduziu regra
específica sobre a alienação fiduciária de veículos.

11
MORAES, Maria Celina Bodin de. A caminho de um direito civil constitucional. Revista de direito civil
imobiliário, agrário e Empresarial, n. 65, a. 17, jul./set. 1993, p. 26.
12
Voto da Ministra Maria Isabel Galotti no REsp 1622555/MG, Rel. Ministro Marco Buzzi, Rel. p/
Acórdão Ministro Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, julgado em 22/02/2017, DJe 16/03/2017.
13
Art. 66. A alienação fiduciária em garantia transfere ao credor o domínio resolúvel e a posse indireta da
coisa móvel alienada, independentemente da tradição efetiva do bem, tornando-se o alienante ou devedor
em possuidor direto e depositário com todas as responsabilidades e encargos que lhe incumbem de acordo
com a lei civil e penal.
§ 1º A alienação fiduciária somente se prova por escrito e seu instrumento, público ou particular, qualquer
que seja o seu valor, será obrigatoriamente arquivado, por cópia ou microfilme, no Registro de Títulos e
Documentos do domicílio do credor, sob pena de não valer contra terceiros, e conterá, além de outros dados,
os seguintes:
a) o total da dívida ou sua estimativa;
b) o local e a data do pagamento;
c) a taxa de juros, as comissões cuja cobrança for permitida e, eventualmente, a cláusula penal e a
estipulação de correção monetária, com indicação dos índices aplicáveis;
(iii) Artigo 130 da Lei 6.015 de 197314: Surge pela primeira vez o registro da alienação
fiduciária, especificamente para que surta efeito perante terceiros.

(iv) Súmula nº 92, STJ: “a terceiro de boa-fé não é oponível a alienação fiduciária não
anotada no Certificado de Registro do veículo automotor”.

(v) Lei 9.514 de 1997 (dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário):

- Diante do fracasso do Sistema Financeiro de Habitação (SFH) e cenário de grande


inadimplência, principalmente pela concordata da Encol e atraso das obras, para tentar
promover o crédito para aquisição de imóveis, foi promulgada a Lei 9.514/97 que dispõe
sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI) e instituiu a alienação fiduciária em
garantia de bem imóvel.

- Até a promulgação desta lei, a alienação fiduciária só era admitida para bens móveis.

(vi) Código Civil de 2002:

- Com a edição do CC/02, o registro passou a ser relevante para constituição da garantia.

d) a descrição do bem objeto da alienação fiduciária e os elementos indispensáveis à sua identificação.


§ 2º Se, na data do instrumento de alienação fiduciária, o devedor ainda não for proprietário da coisa objeto
do contrato, o domínio fiduciário desta se transferirá ao credor no momento da aquisição da propriedade
pelo devedor, independentemente de qualquer formalidade posterior.
§ 3º Se a coisa alienada em garantia não se identifica por números, marcas e sinais indicados no instrumento
de alienação fiduciária, cabe ao proprietário fiduciário o ônus da prova, contra terceiros, da identidade dos
bens do seu domínio que se encontram em poder do devedor.
§ 4º No caso de inadimplemento da obrigação garantida, o proprietário fiduciário pode vender a coisa a
terceiros e aplicar preço da venda no pagamento do seu crédito e das despesas decorrentes da cobrança,
entregando ao devedor o saldo porventura apurado, se houver.
§ 5º Se o preço da venda da coisa não bastar para pagar o crédito do proprietário fiduciário e despesas, na
forma do parágrafo anterior, o devedor continuará pessoalmente obrigado a pagar o saldo devedor apurado.
§ 6º É nula a cláusula que autoriza o proprietário fiduciário a ficar com a coisa alienada em garantia, se a
dívida não fôr paga no seu vencimento.
§ 7º Aplica-se à alienação fiduciária em garantia o disposto nos artigos 758, 762, 763 e 802 do Código
Civil, no que couber.
§ 8º O devedor que alienar, ou der em garantia a terceiros, coisa que já alienara fiduciariamente em garantia,
ficará sujeito à pena prevista no art. 171, § 2º, inciso I, do Código Penal.
§ 9º Não se aplica à alienação fiduciária o disposto no artigo 1279 do Código Civil.
§ 10. A alienação fiduciária em garantia do veículo automotor, deverá, para fins probatórios, constar do
certificado de Registro, a que se refere o artigo 52 do Código Nacional de Trânsito.
14
Art. 130. Estão sujeitos a registro, no Registro de Títulos e Documentos, para surtir efeitos em relação a
terceiros: (...) 5º) os contratos de compra e venda em prestações, com reserva de domínio ou não, qualquer
que seja a forma de que se revistam, os de alienação ou de promessas de venda referentes a bens móveis e
os de alienação fiduciária.
Art. 1.361. Considera-se fiduciária a propriedade resolúvel de coisa
móvel infungível que o devedor, com escopo de garantia, transfere
ao credor.
§ 1º Constitui-se a propriedade fiduciária com o registro do
contrato, celebrado por instrumento público ou particular, que lhe
serve de título, no Registro de Títulos e Documentos do domicílio
do devedor, ou, em se tratando de veículos, na repartição
competente para o licenciamento, fazendo-se a anotação no
certificado de registro.

- Contradição: O CC/02 prevê (art. 1.267)15 que a propriedade dos bens móveis é
transmitida pela tradição, e não pelo registro. O registro constitui meio hábil inter vivos
de transmissão apenas da propriedade imóvel (art. 1.245 do CC)16.

- O CC/02 inovou ao delegar a qualquer financiador (qualquer pessoa, física ou jurídica,


dotada de capacidade para os atos da vida civil) a possibilidade de constituir propriedade
fiduciária com escopo de garantia.

- DL nº 911/69: Específico para instituições financeiras, sendo aplicado nos casos de


alienação ou cessão em garantia de bens móveis infungíveis.

- Art. 1.368-A do CC: Prevê a vigência das leis especiais e a aplicação do CC/02 apenas
naquilo que não for incompatível. As regras constantes no CC/02 sobre alienação
fiduciária são disposições gerais. Essa convivência entre as normas especiais e a previsão
geral do CC/02 pode significar a incidência, ora alternativa, ora simultânea, “de acordo
com as características subjetivas e objetivas do caso concreto17”.

15
Art. 1.267. A propriedade das coisas não se transfere pelos negócios jurídicos antes da tradição.
16
Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro
de Imóveis.
§ 1o Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.
§ 2o Enquanto não se promover, por meio de ação própria, a decretação de invalidade do registro, e o
respectivo cancelamento, o adquirente continua a ser havido como dono do imóvel.
Art. 1.246. O registro é eficaz desde o momento em que se apresentar o título ao oficial do registro, e este
o prenotar no protocolo.
17
TEPEDINO, Gustavo. BARBOZA, Heloisa Helena. MORAES, Maria Celina Bodin de. Código civil
interpretado conforme a constituição da república, vol. III, Rio de Janeiro: Renovar, 2011, p. 747
Art. 1.368-A. As demais espécies de propriedade fiduciária ou de
titularidade fiduciária submetem-se à disciplina específica das
respectivas leis especiais, somente se aplicando as disposições
deste Código naquilo que não for incompatível com a legislação
especial.

STJ, REsp 1622555/MG: Em julgamento controvertido sobre a


não incidência do adimplemento substancial aos casos de alienação
fiduciária, o Superior Tribunal de Justiça deixou claro que o
Código Civil incidiria apenas de forma excepcional em casos de
bens regulados por lei especial. Ainda mais considerando que a
propriedade fiduciária foi concebida para conferir segurança às
operações de crédito18.

(vii) Lei 10.931 de 2004:

- Fundamento: Diversas decisões judiciais se recusavam a reconhecer a natureza


fiduciária de várias garantias, em razão da natureza do seu objeto. Por isso, essa lei veio
disciplinar a alienação fiduciária de bens móveis fungíveis e a cessão fiduciária de
créditos (inclusive títulos de crédito).

- A Lei 10931/2004 revogou o artigo 66 da Lei 4.728/65 (que disciplinava o registro) e


incluiu na Lei o art. 66-B, sem qualquer menção ao registro.

Art. 66-B. O contrato de alienação fiduciária celebrado no âmbito


do mercado financeiro e de capitais, bem como em garantia de
créditos fiscais e previdenciários, deverá conter, além dos
requisitos definidos na Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 -
Código Civil, a taxa de juros, a cláusula penal, o índice de
atualização monetária, se houver, e as demais comissões e
encargos. (Incluído pela Lei 10.931, de 2004)

18
STJ, REsp 1622555/MG, Rel. Ministro MARCO BUZZI, Rel. p/ Acórdão Ministro MARCO AURÉLIO
BELLIZZE, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 22/02/2017, DJe 16/03/2017.
§ 1o Se a coisa objeto de propriedade fiduciária não se identifica
por números, marcas e sinais no contrato de alienação fiduciária,
cabe ao proprietário fiduciário o ônus da prova, contra
terceiros, da identificação dos bens do seu domínio que se
encontram em poder do devedor. (Incluído pela Lei 10.931, de
2004)

§ 2o O devedor que alienar, ou der em garantia a terceiros, coisa


que já alienara fiduciariamente em garantia, ficará sujeito à pena
prevista no art. 171, § 2o, I, do Código Penal. (Incluído pela Lei
10.931, de 2004)

§ 3o É admitida a alienação fiduciária de coisa fungível e a cessão


fiduciária de direitos sobre coisas móveis, bem como de títulos
de crédito, hipóteses em que, salvo disposição em contrário, a
posse direta e indireta do bem objeto da propriedade fiduciária
ou do título representativo do direito ou do crédito é atribuída
ao credor, que, em caso de inadimplemento ou mora da obrigação
garantida, poderá vender a terceiros o bem objeto da
propriedade fiduciária independente de leilão, hasta pública ou
qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, devendo aplicar o
preço da venda no pagamento do seu crédito e das despesas
decorrentes da realização da garantia, entregando ao devedor
o saldo, se houver, acompanhado do demonstrativo da operação
realizada. (Incluído pela Lei 10.931, de 2004)

§ 4o No tocante à cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis


ou sobre títulos de crédito aplica-se, também, o disposto nos arts.
18 a 20 da Lei no 9.514, de 20 de novembro de 1997. (Incluído pela
Lei 10.931, de 2004)

§ 5o Aplicam-se à alienação fiduciária e à cessão fiduciária de que


trata esta Lei os arts. 1.421, 1.425, 1.426, 1.435 e 1.436 da Lei nº
10.406, de 10 de janeiro de 2002. (Incluído pela Lei 10.931, de
2004)

§ 6o Não se aplica à alienação fiduciária e à cessão fiduciária de


que trata esta Lei o disposto no art. 644 da Lei nº 10.406, de 10 de
janeiro de 2002. (Incluído pela Lei 10.931, de 2004)

- O art. 66-B não faz menção a registro, mas o art. 42 da Lei 10.931/2004, que inseriu o
art. 66-B na Lei 4.728/65 faz menção a registro nos casos de Cédula de Crédito
Bancário, mas apenas para que produza efeitos contra terceiros.

Art. 42, L. 10931/2004 - A validade e eficácia da Cédula de Crédito


Bancário não dependem de registro, mas as garantias reais, por
ela constituídas, ficam sujeitas, para valer contra terceiros, aos
registros ou averbações previstas na legislação aplicável, com as
alterações introduzidas por esta Lei.

(viii) Lei nº 11.795/2008 (Consórcios):

- Mencionando expressamente que o registro serviria apenas para produção de efeitos


contra terceiros.

Art. 14, Lei nº 11.795, de 2008 - No contrato de participação em


grupo de consórcio, por adesão, devem estar previstas, de forma
clara, as garantias que serão exigidas do consorciado para utilizar
o crédito. [...] § 7º A anotação da alienação fiduciária de veículo
automotor ofertado em garantia ao grupo de consórcio no
certificado de registro a que se refere o Código de Trânsito
Brasileiro, Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, produz efeitos
probatórios contra terceiros, dispensado qualquer outro registro
público.
(ix) Art. 67 da Lei 13.465/2017: Alterou dispositivos da Lei 9.514/97.

Art. 67. A Lei no 9.514, de 20 de novembro de 1997, passa a


vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 24. ...............................................................
Parágrafo único. Caso o valor do imóvel convencionado pelas
partes nos termos do inciso VI do caput deste artigo seja inferior ao
utilizado pelo órgão competente como base de cálculo para a
apuração do imposto sobre transmissão inter vivos, exigível por
força da consolidação da propriedade em nome do credor
fiduciário, este último será o valor mínimo para efeito de venda do
imóvel no primeiro leilão.” (NR)

“Art. 26. ...............................................................


.....................................................................................
§ 3º-A. Quando, por duas vezes, o oficial de registro de imóveis
ou de registro de títulos e documentos ou o serventuário por eles
credenciado houver procurado o intimando em seu domicílio ou
residência sem o encontrar, deverá, havendo suspeita motivada de
ocultação, intimar qualquer pessoa da família ou, em sua falta,
qualquer vizinho de que, no dia útil imediato, retornará ao imóvel,
a fim de efetuar a intimação, na hora que designar, aplicando-se
subsidiariamente o disposto nos arts. 252, 253 e 254 da Lei
no 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).
§ 3º-B. Nos condomínios edilícios ou outras espécies de conjuntos
imobiliários com controle de acesso, a intimação de que trata o §
3o-A poderá ser feita ao funcionário da portaria responsável pelo
recebimento de correspondência.
............................................................................” (NR)

“Art. 26-A. Os procedimentos de cobrança, purgação de mora e


consolidação da propriedade fiduciária relativos às operações de
financiamento habitacional, inclusive as operações do Programa
Minha Casa, Minha Vida, instituído pela Lei no 11.977, de 7 de
julho de 2009, com recursos advindos da integralização de cotas no
Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), sujeitam-se às normas
especiais estabelecidas neste artigo.
§ 1o A consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário
será averbada no registro de imóveis trinta dias após a expiração
do prazo para purgação da mora de que trata o § 1o do art. 26 desta
Lei.
§ 2o Até a data da averbação da consolidação da propriedade
fiduciária, é assegurado ao devedor fiduciante pagar as parcelas
da dívida vencidas e as despesas de que trata o inciso II do § 3o do
art. 27, hipótese em que convalescerá o contrato de alienação
fiduciária.”

“Art. 27. .................................................................


§ 1º Se no primeiro leilão público o maior lance oferecido for
inferior ao valor do imóvel, estipulado na forma do inciso VI e do
parágrafo único do art. 24 desta Lei, será realizado o segundo leilão
nos quinze dias seguintes.
......................................................................................
§ 2º-A. Para os fins do disposto nos §§ 1o e 2o deste artigo, as datas,
horários e locais dos leilões serão comunicados ao devedor
mediante correspondência dirigida aos endereços constantes do
contrato, inclusive ao endereço eletrônico.
§ 2º-B. Após a averbação da consolidação da propriedade
fiduciária no patrimônio do credor fiduciário e até a data da
realização do segundo leilão, é assegurado ao devedor fiduciante o
direito de preferência para adquirir o imóvel por preço
correspondente ao valor da dívida, somado aos encargos e despesas
de que trata o § 2o deste artigo, aos valores correspondentes ao
imposto sobre transmissão inter vivos e ao laudêmio, se for o caso,
pagos para efeito de consolidação da propriedade fiduciária no
patrimônio do credor fiduciário, e às despesas inerentes ao
procedimento de cobrança e leilão, incumbindo, também, ao
devedor fiduciante o pagamento dos encargos tributários e
despesas exigíveis para a nova aquisição do imóvel, de que trata
este parágrafo, inclusive custas e emolumentos.
......................................................................................
§ 9º O disposto no § 2o-B deste artigo aplica-se à consolidação da
propriedade fiduciária de imóveis do FAR, na forma prevista
na Lei no 11.977, de 7 de julho de 2009.” (NR)

“Art. 30. ................................................................


Parágrafo único. Nas operações de financiamento imobiliário,
inclusive nas operações do Programa Minha Casa, Minha Vida,
instituído pela Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009, com recursos
advindos da integralização de cotas no Fundo de Arrendamento
Residencial (FAR), uma vez averbada a consolidação da
propriedade fiduciária, as ações judiciais que tenham por objeto
controvérsias sobre as estipulações contratuais ou os requisitos
procedimentais de cobrança e leilão, excetuada a exigência de
notificação do devedor fiduciante, serão resolvidas em perdas e
danos e não obstarão a reintegração de posse de que trata este
artigo.” (NR)

“Art. 37-A. O devedor fiduciante pagará ao credor fiduciário, ou a


quem vier a sucedê-lo, a título de taxa de ocupação do imóvel, por
mês ou fração, valor correspondente a 1% (um por cento) do valor
a que se refere o inciso VI ou o parágrafo único do art. 24 desta
Lei, computado e exigível desde a data da consolidação da
propriedade fiduciária no patrimônio do credor fiduciante até a data
em que este, ou seus sucessores, vier a ser imitido na posse do
imóvel.
Parágrafo único. O disposto no caput deste artigo aplica-se às
operações do Programa Minha Casa, Minha Vida, instituído
pela Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009, com recursos advindos
da integralização de cotas no Fundo de Arrendamento Residencial
(FAR).” (NR)
“Art. 39. Às operações de crédito compreendidas no sistema de
financiamento imobiliário, a que se refere esta Lei:
...................................................................................
II - aplicam-se as disposições dos arts. 29 a 41 do Decreto-Lei nº
70, de 21 de novembro de 1966, exclusivamente aos procedimentos
de execução de créditos garantidos por hipoteca.” (NR).

9. Sistematização dos Tribunais

- Diante desse cenário de diversas legislações, a doutrina e os tribunais tendem a separar


os institutos e interpretá-los como microssistemas, não de forma sistemática.

- O tratamento, em regra, se dá pela natureza do objeto e tipo de credor fiduciário:

(i) Propriedade Fiduciária dos Bens Móveis Infungíveis adquirida por quem não é
instituição financeira: Aplicação do Código Civil.

STJ, REsp 1622555/MG – “o Código Civil limitou-se a tratar da


propriedade fiduciária de bens móveis infungíveis, não se
aplicando às demais espécies de propriedade fiduciária ou de
titularidade fiduciária disciplinadas em lei especial, como é o caso
da alienação fiduciária dada em garantia, regida pelo Decreto-Lei
n. 911/1969, salvo se o regramento especial apresentar alguma
lacuna e a solução ofertada pela "lei geral" não se contrapuser às
especificidades do instituto regulado pela mencionada lei” (Rel.
Ministro MARCO BUZZI, Rel. p/ Acórdão Ministro MARCO
AURÉLIO BELLIZZE, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em
22/02/2017, DJe 16/03/2017).

(ii) Propriedade Fiduciária dos Bens Móveis Infungíveis adquirida por entidades
específicas: Regida pelo DL 911/69.

(iii) Propriedade Fiduciária dos Bens Imóveis adquirida por entidades específicas:
Regida pela Lei 9.514/1997.
Art. 2º, L. 9514/97 - Poderão operar no SFI as caixas econômicas,
os bancos comerciais, os bancos de investimento, os bancos com
carteira de crédito imobiliário, as sociedades de crédito imobiliário,
as associações de poupança e empréstimo, as companhias
hipotecárias e, a critério do Conselho Monetário Nacional - CMN,
outras entidades.

(iv) Propriedade Fiduciária de Bem fungível e a cessão fiduciária de direitos sobre


coisas móveis, bem como de títulos de crédito, no âmbito do Mercado Financeiro e
de Capitais: Regida pela Lei 4.728/1965.

OBS: De todas as normas acima destacadas, apenas o CC/02 exige o registro da garantia
como elemento constitutivo. Todas as demais leis que preveem o registro o designam para
o plano da eficácia perante terceiros. Cabe ressaltar, igualmente, que o próprio CC/02 ao
diferenciar os bens móveis dos imóveis, delega apenas a estes o registro como elemento
essencial para transmissão do bem; para aqueles, bastaria a tradição.

10. O registro da garantia

10.1. Doutrina

- Apenas o CC/02 estabeleceu que o registro da alienação fiduciária em garantia apresenta


eficácia constitutiva. Assim, o direito real de propriedade fiduciária só surge com o
instrumento levado a registro, restringindo-se a relação entre fiduciante e fiduciário ao
campo do direito obrigacional.

- Controvérsia: O registro é necessário para a validade da garantia ou apenas para fazer


com que o contrato produza efeitos perante terceiros?
. 1a Corrente (José Carlos Moreira Alves e Melhim Namen Chalhub): O registro
é imprescindível para constituição da garantia19 e 20.

. 2a Corrente (Orlando Gomes): A exigência de registro “não é requisito de


validade. Constitui imposição legal para o fim específico de valer contra
terceiros”. A publicidade não seria constitutiva, mas meramente declaratória21.

10.2. Jurisprudência

STF

- Ao julgar conjuntamente três casos: Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs)


4227, 4333 e o Recurso Extraordinário (RE) 611639, o plenário do Supremo Tribunal
Federal promoveu uma alteração em relação ao momento de constituição das garantias.

- Alienação Fiduciária de Veículos: Para o relator da matéria, ministro Marco Aurélio,


em casos de alienação fiduciária de veículos, o simples pacto entre as partes “é
perfeitamente existente, válido e eficaz” sem que seja necessário qualquer registro, “o
qual constitui mera exigência de eficácia do título contra terceiros”.

STJ

- Ao julgar dois casos, REsp. 1.559.457/MT e REsp. 1.412.529/SP, o Ministro Belizze


aplicou o entendimento do STF para casos de cessão fiduciária, entendendo que o crédito
seria extraconcursal mesmo que não registrado à data do pedido de recuperação judicial.

19
ALVES, José Carlos Moreira. Da alienação fiduciária em garantia. São Paulo: Saraiva, 1973, p. 59.
"Antes do registro, o contrato de alienação fiduciária em garantia é apenas título de constituição de
propriedade fiduciária que ainda não nasceu. Não se havendo constituído ainda a propriedade fiduciária,
inexiste para o credor, garantia real, o que implica a possibilidade de que o terceiro, com quem
posteriormente venha a celebrar contrato de alienação fiduciária com relação às mesmas coisas móveis, se
torne o proprietário fiduciário delas se registrar esse título posterior antes que o faço o primeiro credor.”
20
CHALHUB, Melhim Namen. Negócio fiduciário, 3a Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 393.
21
GOMES, Orlando. Alienação fiduciária em garantia. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
1971, p. 58.
- O Min. ressaltou que a necessidade de registro seria exclusiva do CC/02, uma vez que a
cessão fiduciária não seria regida por essa lei, não seria necessário o registro e ele valeria
apenas para ser oposto a terceiros. Também, pela natureza da propriedade fiduciária, o
bem nunca integrou o patrimônio da recuperanda e por isso estava alheio aos efeitos da
recuperação judicial e, como tal, sem repercussão na esfera de direitos dos demais
credores da recuperanda.

- Conclusão: A propriedade fiduciária se encontra devidamente constituída a partir de


sua contratação, afigurando-se absolutamente válida e eficaz entre as partes. A garantia,
para valer contra terceiros, precisa do registro22.

11. Boa – Fé Objetiva e alegação do devedor de invalidade da garantia em razão da


ausência de registro

- É comportamento contraditório a hipótese em que a devedora que tomou o empréstimo,


outorgou bem em garantia e, ciente desta obrigação, recorra ao Judiciário para alegar que
pela falta de registro, a garantia não foi constituída. O contrato, por si só, vincula os
contratantes23.

- É contraditório que a empresa, após obter o capital desejado, alegue supostas


irregularidades no negócio jurídico. Trata-se da aplicação do princípio do venire contra
factum proprium, pautado na teoria dos atos próprios, cuja fonte é o princípio da boa-fé
objetiva.

22
Em sentido contrário, (i) TJMG, AI 1.0079.10.007321-6/001, 2ª Câmara Cível, julgado em 15/03/2011,
Relator Desembargador Caetano Levi Lopes (não é necessário o registro para fins de constituição da
garantia, mas que ela não seria oponível à massa de credores). De acordo com o Desembargador o “crédito
representado por cédulas de crédito bancário, garantidas por alienação fiduciária de bens móveis e cessão
fiduciária de certificado de depósito bancário concretiza a hipótese excepcional prevista no art. 49, § 3º, da
Lei nº 11.101, de 2005. Está, portanto, excluído dos efeitos da recuperação judicial. 2. A falta de prova de
registro de contratos no domicílio do devedor é irrelevante. O registro é feito para ser oposto a terceiros,
jamais entre as partes contratantes.” e “a lei referida não exige essa providência, determinando apenas que
os contratos devem ser registrados de modo a evitar simulação em detrimento dos demais credores. Como
houve o registro, não subsiste essa afirmação, tendo o contrato pactuado efeito erga omnes, diante da
publicidade inerente ao registro realizado” e “A constituição da alienação fiduciária fica a depender do
registro do contrato, sem o qual não será a alienação fiduciária oponível a terceiros, de modo que, perante
a comunhão de credores sujeitos à recuperação judicial, o crédito será apenas quirografário, desprovido de
qualquer privilégio.” (AYOUB, Luiz Roberto. CAVALLI, Cássio. A construção jurisprudencial da
recuperação judicial de empresas. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 83).
23
TEPEDINO, Gustavo. Novos princípios contratuais e teoria da confiança: a exegese da cláusula to the
best knowledge of the sellers. In: TEPEDINO, Gustavo. (org.) Temas de direito civil. Rio de Janeiro:
Renovar. t. II, p. 249.
- Concluiu-se, independente do registro, que o contrato produz efeitos entre as partes que
dele participam. A falta de registro tem repercussão na tutela do terceiro.

- Decorre também da boa-fé os deveres de lealdade, retidão e probidade. Ao contratar


com terceiros, cabe ao devedor informar e esclarecer a sua contraparte a verdade sobre as
condições, riscos e limitações. Não age de forma proba o devedor que, ciente que tal bem
não lhe pertence até a implementação da condição ou mesmo foi gravado por qualquer
outra garantia, o aliena, grava ou onera a um terceiro de boa-fé.

- Não pode a eficácia erga omnes decorrente do registro da garantia real ofuscar as
particularidades dos casos analisados pelo Judiciário, notadamente casos em que
ressobram evidência de que os terceiros têm – ou teriam como saber – da garantia. O
argumento é mais intenso quando a reclamação da falta de registro ocorre por parte do
próprio devedor contratante, configurando o venire contra factum proprium.

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