Você está na página 1de 20

Sociologia

Cultura, etnocentrismo e evolucionismo sociocultural


Raça e História (1952), de Claude Lévi-Strauss
O texto Raça e História (1952) foi escrito pelo antropólogo Claude Lévi-Strauss,
comissionado pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência
e a Cultura).

O contexto histórico da elaboração deste texto refere-se ao final da Segunda Guerra


Mundial e à percepção global do problema do racismo e de suas consequências para a
humanidade.

Além disso, o ensaio pode ser entendido à luz dos princípios fundamentais da
Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948).
O etnocentrismo
• O terceiro capítulo do texto é iniciado pela discussão do escândalo
que a diversidade cultural geralmente representa para os grupos
humanos.

• “A diversidade humana quase nunca foi vista pelos homens como o


que realmente é: um fenômeno natural, resultante das relações
diretas ou indiretas entre as sociedades. Preferiram ver nela uma
espécie de monstruosidade ou escândalo” (p.362)
O etnocentrismo (2)
• Atitude etnocêntrica: “A atitude mais antiga, certamente assentada
em sólidas bases psicológicas, já que tende a reaparecer em cada um
de nós quando confrontados a uma situação inesperada, consiste em
repudiar, pura e simplesmente, as formas culturais morais, religiosas,
sociais ou estéticas mais afastadas daquelas a que nos identificamos.
‘Modos selvagens’, ‘isso não se faz entre nós’, ‘deveria ser proibido’ e
outras tantas reações grosseiras traduzem esse arrepio, essa repulsa
diante de modos de vida, de crença ou de pensamento que nos são
estrangeiros” (p.362)
O etnocentrismo (3)
• Termos utilizados para a expressão do etnocentrismo: “Na antiguidade, por
exemplo, confundia-se tudo o que não fazia parte da cultura grega
(posteriormente greco-romana) na denominação de ‘bárbaro’; a civilização
ocidental usaria mais tarde o termo ‘selvagem’ no mesmo sentido. Por
detrás desses epítetos, esconde-se a mesma opinião. É provável que a
palavra ‘bárbaro’ se refira, etimologicamente, à confusão e inarticulação do
canto dos pássaros, em oposição ao valor significante da linguagem
humana. E ‘selvagem’ quer dizer ‘da selva’, evocando também um modo de
vida animal, por oposição à cultura humana. Em ambos os casos, expressa-
se a recusa de admitir o próprio fato da diversidade cultural; prefere-se
rejeitar para fora da cultura, na natureza, tudo o que não se conforma às
normas que regem a vida de quem julga” (pp. 362-3).
O etnocentrismo (4)
• O falso evolucionismo:
• “ Por mais diversas e às vezes estranhas que possam ser, todas essas especulações se
reduzem na verdade a uma única receita, que a expressão falso evolucionismo é
certamente a mais apta a caracterizar. De que se trata? Justamente, de uma tentativa de
suprimir a diversidade das culturas fingindo reconhecê-las plenamente. Pois se tratarmos
os diferentes estados em que se encontram as sociedades humanas, antigas ou
distantes, como estágios ou etapas de um desenvolvimento único, com o mesmo ponto
de partida e dirigindo-se ao mesmo objetivo, é claro que a diversidade só pode ser
aparente. A humanidade torna-se una e idêntica a si mesma; mas essas unidade e
identidade só podem realizar-se progressivamente, e a variedade das culturas ilustra os
momentos de um processo que dissimula uma realidade mais profunda ou adia sua
manifestação” (p.365)
• Diferença de cientificidade entre os evolucionismos biológico e cultural.
O evolucionismo sociocultural
• O evolucionismo sociocultural propõe que se compreendam as diferentes culturas
contemporâneas como em uma ordem de sucessão no tempo. Assim, Lewis H.
Morgan (1818-1881) propõe, em sua obra A Sociedade Antiga (1877), a
classificação das culturas contemporâneas nos estágios da selvageria, da barbárie e
da civilização.
Esquema da Evolução social e cultural Culturas civilizadas
ou modernas

Culturas no
estágio da
barbárie
Culturas selvagens
ou primitivas
História estacionária e história cumulativa
• O problema da história cumulativa: “consideraríamos como cumulativa toda
cultura que se desenvolvesse num sentido análogo ao da nossa, ou seja, cujo
desenvolvimento fosse dotado de significado para nós. Ao passo que outras
culturas nos pareceriam estacionárias, não porque o sejam necessariamente, mas
porque sua linha de desenvolvimento não significa nada para nós, não é
mensurável nos termos do sistema de referências que utilizamos” (p. 374).
• O problema da historicidade: “A historicidade ou, para dizer mais precisamente, a
riqueza em eventos de uma cultura ou de um processo cultural não é função de
suas propriedades intrínsecas, mas da situação em que nos encontramos em
relação a elas, do número e da diversidade dos interesses que investimos neles”
(p.375).
História estacionária e história cumulativa (2)
• Cultura e sistema de referências para o entendimento do mundo: “Desde
o nosso nascimento, aqueles que nos cercam instilam em nós, por uma
série de procedimentos conscientes e inconscientes, um sistema complexo
de referências composto de julgamentos de valor, motivações, focos de
interesse e inclusive a visão reflexiva que a educação nos impõe do devir
histórico de nossa civilização, sem a qual esta última seria impensável ou
pareceria estar em contradição com comportamentos reais. Deslocamo-
nos literalmente junto com esse sistema de referências, e as realidades
culturais de fora só podem ser observadas através das deformações a que
ele as sujeita, quando não nos impede, simplesmente, de ver o que quer
que seja” (p.376).
História estacionária e história cumulativa (3)
• Implicações para a convivência entre pessoas de diferentes culturas:
“Sempre que tendermos a qualificar uma cultura humana como
inerte ou estacionária devemos, portanto, nos perguntar se o
aparente imobilismo não resulta de nossa ignorância quanto aos seus
verdadeiros interesses, conscientes e inconscientes, e se, tendo
critérios diferentes dos nossos, essa cultura não seria vítima, em
relação a nós, da mesma ilusão. Ou seja, pareceríamos
desinteressantes um para o outro, simplesmente porque não nos
parecemos” (p.377).
História estacionária e história cumulativa (4)
• O interesse da civilização ocidental: aumento da quantidade de
energia disponível per capita (critério utilizado por Leslie White,
antropólogo neoevolucionista, para classificar as culturas).

• Discussão do sentido de progresso da cultura moderna: ampliação


das forças produtivas e da quantidade de energia disponível per
capita (poder econômico) e dos meios de coerção (poder político).
6. História estacionária e história cumulativa (5)
Poder econômico: ampliação das
forças produtivas e da quantidade de
Análise da ideia energia disponível per capita
de progresso da
cultura moderna EUA
China

Brasil Rússia
Poder político: ampliação
dos meios de coerção
Sociedades contra o Estado
(P. Clastres)

Povos nômades e
caçadores-coletores
(M. Sahlins)
A busca do poder econômico como valor e sentido
A vida em sociedades e culturas de caçadores-
coletores: a satisfação das necessidades
“Na esfera não ligada à subsistência, as necessidades das pessoas costumam ser satisfeitas com facilidade.
Essa “fartura material” depende, em parte, da facilidade de produção, e esta, por sua vez, da simplicidade da
tecnologia e da democracia da propriedade. Os produtos são feitos em casa: com pedras, ossos, madeira ou
peles, com o tipo de materiais que “existe em abundância ao redor deles”. Usualmente, nem a extração da
matéria-prima nem seu processamento exigem esforço desgastante. O acesso aos recursos naturais é direto,
“à disposição de quem quiser pegá-los”, ao mesmo tempo que a posse das ferramentas necessárias é geral, e
o conhecimento das habilidades exigidas é comum. A divisão do trabalho é também simples,
predominantemente baseada no sexo. Acrescentem-se a isso os costumes de compartilhar as coisas com
liberalidade, pelos quais os caçadores são justificadamente famosos, e todas as pessoas podem,
habitualmente, participar da prosperidade existente, seja ela qual for.
“Mas, é claro, “seja ela qual for”: essa “prosperidade” depende também de, um padrão de vida
objetivamente baixo. É crucial que a cota costumeira de produtos a serem consumidos (bem como o número
de consumidores) seja culturalmente estabelecida num padrão modesto” (Sahlins, 2021, p. 13)
A vida em sociedades e culturas de caçadores-
coletores: a relação com a propriedade de bens
“Quem não quer, não sente falta. Mas será que os caçadores são tão pouco exigentes em termos de bens materiais por
estarem escravizados a uma busca de alimentos que “exige o máximo de energia do número máximo de pessoas”, de tal
modo que não restam tempo nem empenho para que outros confortos sejam supridos? Alguns etnógrafos atestam, ao
contrário, que a busca de alimento é tão bem sucedida que, durante metade do tempo, as pessoas não parecem saber o
que fazer. Por outro lado, a movimentação é uma condição desse sucesso, mais movimento em alguns casos do que em
outros, mas sempre o bastante para reduzir rapidamente as satisfações da posse. É verídico dizer-se do caçador que sua
riqueza é um fardo. Em suas condições de vida, os bens podem tornar-se “dolorosamente opressivos”, como observou
Gusinde, e mais ainda quanto mais longo o tempo em que são carregados” (idem, p.14)
“(...)Esse desprendimento das necessidades materiais é institucionalizado: transforma-se num fato cultural positivo,
expresso em uma multiplicidade de arranjos econômicos. Escrevendo sobre os murngin, por exemplo, Lloyd Warner
afirma que a portabilidade é um valor decisivo nos arranjos locais. Artigos pequenos, de modo geral, são melhores do
que os grandes. Em última análise, quando se trata de determinar sua disposição, “a relativa facilidade de transporte do
artigo” prevalece sobre sua escassez relativa ou seu custo de mão-de-obra. É que o “valor supremo”, escreve Warner, “é
a liberdade de movimento”” (idem, p.15).
A busca do poder político como valor e sentido
A Sociedade contra o Estado (1)
“Chefia e linguagem estão, na sociedade primitiva, intrinsecamente ligadas; a palavra é o único poder concedido
ao chefe: mais do que isso, a palavra é para ele um dever. Mas há uma outra palavra, um outro discurso,
articulado não pelos chefes, mas por esses homens que, nos séculos XV e XVI, arrastavam atrás de si milhares de
índios em loucas migrações em busca da pátria dos deuses: é o discurso dos karai, é a palavra profética, palavra
virulenta, eminentemente subversiva que chama os índios a empreender o que se deve reconhecer como a
destruição da sociedade. O apelo dos profetas para o abandono da terra má, isto é, da sociedade tal como ela
era, para alcançar a Terra sem Mal, a sociedade da felicidade divina, implicava a condenação à morte da
estrutura da sociedade e do seu sistema de normas. Ora, a essa sociedade se impunha cada vez mais
fortemente a marca da autoridade dos chefes, o peso do seu poder político nascente. Talvez então possamos
dizer que, se os profetas, surgidos do coração da sociedade, proclamavam mau o mundo em que os homens
viviam, é porque eles revelavam a infelicidade, o mal, nessa morte lenta à qual a emergência do poder
condenava, num prazo mais ou menos longo, a sociedade tupi-guarani, como sociedade primitiva, como
sociedade sem Estado. Habitados pelo sentimento de que o antigo mundo selvagem tremia em seu
fundamento, perseguidos pelo pressentimento de uma catástrofe sociocósmica, os profetas decidiram que era
preciso mudar o mundo, que era preciso mudar de mundo, abandonar o dos homens e ganhar o dos deuses”
(Clastres, 2013, p.228).
A Sociedade contra o Estado (2)
“Talvez seja preciso dizer um pouco mais e se perguntar o que o sábio guarani designa sob o nome
de Um. Os temas favoritos do pensamento guarani contemporâneo são os mesmos que
inquietavam, há mais de quatro séculos, aqueles a quem já se chamava karai, profetas. Por que o
mundo é mau? O que podemos fazer para escapar ao mal? Questões que ao cabo de gerações esses
índios não cessam de se colocar: os karai de agora se obstinam pateticamente em repetir o discurso
dos profetas de outros tempos. Estes sabiam, pois, que o Um é o mal; eles o diziam de aldeia em
aldeia, e as pessoas os seguiam na procura do Bem, na busca do não Um. Temos, portanto, entre os
Tupi-Guarani do tempo do Descobrimento, de um lado uma prática – a migração religiosa –
inexplicável se não vemos nela a recusa do Estado; do outro, um discurso profético que identifica o
Um como a raiz do Mal e afirma a possibilidade de escapar-lhe. Em que condições é possível pensar
o Um? É preciso que, de algum modo, sua presença, odiada ou desejada, seja visível. É por isso que
acreditamos poder revelar, sob a equação metafísica que iguala o Mal ao Um, uma outra equação
mais secreta, e de ordem política, que diz que o Um é o Estado. O profetismo tupi-guarani é a
tentativa heroica de uma sociedade primitiva para abolir a infelicidade na recusa radical do Um
como essência universal do Estado” (Clastres, 2013, p.229-230).
Antropologia e crítica cultural: reavaliação de
nosso ser no mundo
A História humana na perspectiva do culturalismo
Esquema da compreensão do desenvolvimento da história humana na perspectiva do culturalismo ou
particularismo histórico, proposto por Franz Boas (1858-1942).
C13 C12
C11
C10 C1

C9
C2
C8
Ser humano
C3
C14

C7 C5
C15 C4 Cn = Cultura n
C6

Você também pode gostar