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Tribunal de Justiça de Minas Gerais

Número do 1.0000.17.077016-8/000 Númeração 0770168-


Relator: Des.(a) Cássio Salomé
Relator do Acordão: Des.(a) Cássio Salomé
Data do Julgamento: 04/10/2017
Data da Publicação: 11/10/2017

EMENTA: HABEAS CORPUS PREVENTIVO - CRIME AMBIENTAL -


DESTINAÇÃO IRREGULAR DOS RESÍDUOS SÓLIDOS - PROMOTOR DE
JUSTIÇA QUE AMEAÇA DETERMINAR A PRISÃO EM FLAGRANTE DE
PREFEITOS E SECRETÁRIOS DO MEIO AMBIENTE DOS MUNICÍPIOS,
CUJA SITUAÇÃO ESTEJA EM DESCONFORMIDADE COM O
ORDENAMENTO JURÍDICO - COAÇÃO ILEGAL - MANIFESTAÇÃO
GENÉRICA DO PARQUET COM A FINALIDADE DE COAGIR E INTIMIDAR
OS ALCAIDES A ATUAREM - APARELHAMENTO ILEGÍTIMO DO
INSTITUTO DA PRISÃO EM FLAGRANTE - CENÁRIOS MUNICIPAIS
COMPLEXOS E QUE JÁ SE ARRASTAM DESDE LONGA DATA -
CONSTRANGIMENTO ILEGAL VERIFICADO.

- Configura constrangimento ilegal as ameaças de prisão em flagrante


proferidas pelo Promotor de Justiça durante reunião para tratar de questões
ambientais, mormente quando estas estão condicionadas ao não acatamento
de soluções propostas pelo Parquet dentro de exíguo prazo pré-estabelecido.

- Ainda que a atuação ministerial exija dos alcaides a adequação da


destinação de resíduos sólidos, nos termos de Lei Federal, verifica-se que a
questão já se arrasta desde longa data, sendo inconcebível que o Parquet,
utilizando-se de ameaças de prisão, coaja os prefeitos a agirem às pressas,
até mesmo porque o ordenamento jurídico brasileiro prevê mecanismos
legítimos outros à pretensão demandada.

- Existindo fundado temor quanto à iminente restrição ilegal do direito de


locomoção do paciente, a concessão da ordem é medida imperativa,
autorizada, portanto, a expedição de salvo-conduto.

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HABEAS CORPUS CRIMINAL Nº 1.0000.17.077016-8/000 - COMARCA DE


BELO HORIZONTE - PACIENTE(S): EDUARDO CARDOSO GARCIA
PREFEITO(A) MUNICIPAL DE CANA VERDE - AUTORI. COATORA:
REPRESENTANTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 7ª CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de


Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos,
em RATIFICAR A LIMINAR E CONCEDER A ORDEM.

DES. CÁSSIO SALOMÉ

RELATOR.

DES. CÁSSIO SALOMÉ (RELATOR)

VOTO

Trata-se de Habeas Corpus preventivo, com pedido liminar, impetrado


em favor de EDUARDO CARDOSO GARCIA, Prefeito Municipal de Cana
Verde, devidamente qualificado nos autos, em que se alega constrangimento
ilegal por parte do d. Representante do Ministério Público, em face de
ameaça de prisão lançada pelo ilustre integrante do Parquet.

Aduz a impetração, em síntese, que no dia 01/08/2017 os Municípios da


Região da Bacia do Rio Grande foram convocados para uma reunião com a
Coordenadoria Regional das Promotorias de

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Justiça da Bacia do Rio Grande - CRRG, para tratar de questões


relacionadas à adequada destinação dos resíduos sólidos da região, uma
vez que, nos termos da Lei Federal nº 12.305/10, o prazo para encerramento
dos lixões teve fim em 02/08/2014.

Na referida audiência, o Ministério Público, por meio de seu


representante, após destacar a importância do diálogo para a solução da
questão, informou que, no prazo de quinze dias, os Municípios seriam
fiscalizados pela Polícia Militar do Meio Ambiente acerca da regularização da
destinação final dos resíduos e que, aqueles que não houvessem adotado
uma das três soluções apresentadas, ou mesmo firmado TAC com o
Promotor de suas respectivas Comarcas, teriam a prisão flagrancial
decretada, especificamente, o Prefeito Municipal e o Secretário de Meio
Ambiente.

Dessa forma, diante do iminente risco ao direito deambular do paciente,


pugna a impetração pela expedição de salvo-conduto em favor de Eduardo
Cardoso Garcia.

A liminar foi deferida, às fls. 91/93.

Instada a se manifestar, a d. Autoridade Coatora prestou informações à


fls. 100/104.

A d. Procuradoria Geral de Justiça em parecer lançado nas fls. 105/108,


opinou pela denegação da ordem.

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É o relatório.

De início, vislumbro presentes os pressupostos de admissibilidade do


Habeas Corpus. Conforme se infere dos autos, o alegado ato que gerou o
risco concreto ao direito deambular do paciente fora praticado por Promotor
de Justiça contra o Prefeito Municipal da Comarca de Cana Verde.

Assim, nos termos do art. 29, X, da CRF/88, em se tratando de Prefeito


Municipal, há de se observar o foro especial por prerrogativa de função.
Vejamos:

O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o


interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da
Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos
nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes
preceitos:

(...)

X - julgamento do Prefeito perante o Tribunal de Justiça

Logo, em se tratando de competência originária deste Egrégio TJMG


para processamento da ação constitucional, conheço do writ.

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O artigo 5º, LXVIII, da Constituição Federal, autoriza concessão de


Habeas Corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer
violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou
abuso de poder.

Analisando os motivos da pretensão, bem como atento à legislação


específica aplicada ao caso, vislumbro ser a hipótese de ratificação da
liminar deferida e concessão da ordem.

No que tange às espécies, o Habeas Corpus é compreendido pela


doutrina como liberatório ou preventivo, estando configurada esta última
hipótese "quando a ordem concedida visa a assegurar que a ilegalidade
ameaçada não chegue a se consumar" (NUCCI, Guilherme de Souza.
Manual de processo penal e execução penal. 11. ed. rev. e atual. Rio de
Janeiro: Forense, 2014, ebook).

Assim, preceitua o artigo 648 do Código de Processo Penal que é cabível


a concessão de Habeas Corpus, na modalidade preventiva, sempre que o
paciente se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua
liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar.

Sobre o cabimento do HC preventivo, a mais abalizada doutrina


estabelece que:

Na esteira da jurisprudência do STJ, deve-se registrar que o cabimento do


habeas corpus preventivo está vinculado ao fundado receio de que o
paciente possa vir a sofrer coação ilegal ao seu direito de ir, vir e ficar, ou
seja, a ameaça combatida deve ser iminente, estando

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desautorizado o writ por mero receio infundado de coação tida como ilegal.
(ALENCAR, Rosmar Rodrigues; TÁVORA, Nestor; CURSO DE DIREITO
PROCESSUAL PENAL, JusPodivm, 2012; 7ª Edição)

Para que esse habeas corpus preventivo seja conhecido, a ameaça de


constrangimento ao ius libertatis deve constituir-se objetivamente, de forma
iminente e plausível. Logo, se não forem apontados atos concretos que
possam causar, direta ou indiretamente, perigo ou restrição à liberdade de
locomoção de um paciente, num caso concreto, mas apenas
hipoteticamente, será inviável a utilização do habeas corpus. Reputa-se,
assim, manifestamente incabível a utilização do habeas corpus, em sua
versão preventiva, quando o alegado risco à liberdade de locomoção for
meramente hipotético. BRASILEIRO, Renato. Manual de Processo Penal. 3ª
ed. Salvador: JusPodium, 2015, p. 1752.

No mesmo sentido é a jurisprudência deste Egrégio Tribunal de Justiça:

EMENTA: "HABEAS CORPUS" PREVENTIVO - EXPEDIÇÃO DE SALVO-


CONDUTO EM FAVOR DOS PACIENTES - POSSIBILIDADE - ORDEM
CONCEDIDA. - De acordo com o art. 5º, inciso LXVIII, da Constituição
Federal, o "habeas corpus" preventivo será cabível sempre que alguém se
achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de
locomoção por ilegalidade ou abuso de poder. - Se existe ameaça à
liberdade de locomoção dos pacientes, cabível é a expedição de salvo-
conduto. (TJMG - Habeas Corpus Criminal 1.0000.16.094166-2/000, Relator
Des.(a) Catta Preta, 2ª Câmara Criminal, Data do Julgamento: 23/02/2017,
Data da Publicação: 09/03/2017) - Destaquei.

Pois bem. In casu, verifica-se que no dia 01/08/2017 os Municípios da


Região da Bacia do Rio Grande foram convocados para uma reunião com a
Coordenadoria Regional das Promotorias de

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Justiça da Bacia do Rio Grande - CRRG, para tratar de questões


relacionadas à adequada destinação dos resíduos sólidos da região, uma
vez que, nos termos da Lei Federal nº 12.305/10, o prazo para encerramento
dos lixões teve fim em 02/08/2014.

Na referida audiência, o Ministério Público, por meio de seu


representante, após destacar a importância do diálogo para a solução da
questão, informou que, no prazo de quinze dias, os Municípios seriam
fiscalizados pela Polícia Militar do Meio Ambiente acerca da regularização da
destinação final dos resíduos e que, aqueles que não houvessem adotado
uma das três soluções apresentadas, ou mesmo firmado TAC com o
Promotor de suas respectivas Comarcas, teriam a prisão flagrancial
decretada, especificamente, o Prefeito Municipal e o Secretário de Meio
Ambiente. (Ata de Audiência de fls. 15/21).

Ora, vislumbra-se uma tentativa por parte do i. Promotor de Justiça de


aparelhar o instituto da prisão em flagrante, a fim de ver alcançada a
finalidade ambiental de extinção dos chamados "lixões", mediante instalação
de aterros sanitários licenciados.

Não se discute aqui a notável preocupação ministerial ou mesmo sua


legitimidade para a pretensão de resguardar o interesse público, difuso e
coletivo por meio da proteção ambiental, matéria, inclusive, prevista na
Legislação Federal nº 12.305/10.

Todavia, a tentativa do d. Promotor de Justiça de ver materializada a


pretensão social, não o autoriza, de forma espúria, a deliberadamente
ameaçar o Alcaide e o Secretário Municipal, a fim de que estes se vejam
pressionados por uma eventual prisão e tomem

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decisões que possam, inclusive, comprometer suas atividades


administrativas, com eventuais consequências na execução orçamentária,
desaguando nas já combalidas finanças municipais. E não é só: correr-se-ia
o risco de cair na lei de improbidade e daí se ver vinculado, ad infinitum, às
sendas do ilícito penal administrativo. Tudo no intuito de lhe resguardar o
status quo de atual liberdade.

Diversos outros são os mecanismos previstos na legislação Pátria para


se propugnar os interesses ora questionados. Não se pode relevar a situação
socioeconômica atravessada pelo País e, tampouco, a realidade de parte dos
municípios mineiros (esperando-se que a situação seja resolvida em ínfimos
quinze dias), cuja questão socioambiental, em especial a dos aterros
sanitários, já se arrasta por longa data (expirado o prazo para a adequação
em 2014).

E não é só. O d. Promotor de Justiça, conquanto oriente a Polícia Militar


do Meio Ambiente a proceder à prisão em flagrante do Prefeito ou Secretário
do Meio Ambiente, caso verifique a ausência de destinação final adequada
dos resíduos sólidos em aterro sanitário ou o acatamento de uma das
soluções propostas (adesão aos consórcios, Termo de Ajustamento de
Conduta ou formalização de acordo judicial), fá-lo de forma genérica, sem a
avaliação de caso a caso, sequer demonstrando se a situação do Município
se enquadra na tipificação legal.

Ora, sugere o representante do Parquet a eventual violação dos


seguintes dispositivos legais:

Lei nº 9.605 - Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em

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níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou


que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da
flora:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

§ 1º Se o crime é culposo:

Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa.

§ 2º Se o crime:

I - tornar uma área, urbana ou rural, imprópria para a ocupação humana;

II - causar poluição atmosférica que provoque a retirada, ainda que


momentânea, dos habitantes das áreas afetadas, ou que cause danos
diretos à saúde da população;

III - causar poluição hídrica que torne necessária a interrupção do


abastecimento público de água de uma comunidade;

IV - dificultar ou impedir o uso público das praias;

V - ocorrer por lançamento de resíduos sólidos, líquidos ou gasosos, ou


detritos, óleos ou substâncias oleosas, em desacordo com as exigências
estabelecidas em leis ou regulamentos:

Pena - reclusão, de um a cinco anos.

§ 3º Incorre nas mesmas penas previstas no parágrafo anterior quem deixar


de adotar, quando assim o exigir a autoridade competente, medidas de
precaução em caso de risco de dano ambiental grave ou irreversível. -
Destaquei.

Lei nº 9.605 - Art. 60. Construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar,
em qualquer parte do território nacional, estabelecimentos,

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obras ou serviços potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos


órgãos ambientais competentes, ou contrariando as normas legais e
regulamentares pertinentes:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa, ou ambas as penas


cumulativamente - Destaquei.

Trata-se, no entanto, de artigos com elevado grau de abstração e,


inclusive, de norma penal em branco (art. 54, §2º, inciso V).

Não é recomendável que o Promotor de Justiça, a fim de ver atendidos


os interesses difusos e coletivos, como os ambientais, oriente a Polícia Militar
de forma a lhe dar "carta branca" para atentar indiscriminadamente contra a
liberdade da autoridade executiva municipal máxima.

Desconhece-se estudos técnicos ou mesmo instauração de prévio


inquérito, civil ou policial, a fim de se apurar a responsabilidade do Prefeito,
até mesmo porque tal questão atrairia a competência da d. Procuradoria-
Geral de Justiça, haja vista o foro por prerrogativa de função.

Nessa linha, os elementos angariados me conduzem à concessão da


ordem.

Ante o exposto, ratifico a liminar deferida e concedo a ordem de Habeas


Corpus em favor de Eduardo Cardoso Garcia, renovando o salvo-conduto já
expedido, agora em caráter de definitividade, de modo que o paciente não
seja preso, por qualquer autoridade, em razão de suposta infringência da Lei
de Crimes Ambientais, relativamente à adequação/promoção de aterro
sanitário licenciado no Município de Cana Verde/MG.

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Intime-se o paciente e oficie-se a Coordenadoria Regional das


Promotorias de Justiça do Meio Ambiente da Bacia do Rio Grande, o d.
Representante do Ministério Pública ora tido como Autoridade Coatora, bem
como o d. Procurador-Geral do Estado para que tenha ciência do contexto
fático analisado neste writ.

Sem custas.

DES. SÁLVIO CHAVES - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. MARCÍLIO EUSTÁQUIO SANTOS - De acordo com o(a) Relator(a).

SÚMULA: "RATIFICARAM A LIMINAR E CONCEDERAM A


ORDEM."

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