Você está na página 1de 17

1

ÍNDICE

1. INTRODUÇÃO...................................................................................... 2

2. PARTE PRINCIPAL............................................................................... 3

2.1 Definição de tentação ............................................................... 3

2.2 As causas da tentação ............................................................ 5

2.2.1 A carne ...................................................................... 6

2.2.2 O mundo .................................................................... 7

2.2.3 O demônio ................................................................. 8

2.3. Os mecanismos da tentação ................................................... 9

2.3.1 As faculdades sensíveis: os sentidos externos e internos .10

2.4. As etapas da tentação ............................................................. 12

2.4.1. A sugestão .................................................................. 12

2.4.2 A dúvida ....................................................................... 13

2.4.3 O diálogo ...................................................................... 13

2.4.5 O consentimento ......................................................... 14

2.5 Os “remédios” contra a tentação .............................................. 15

3. CONCLUSÃO........................................................................................ 16

BIBLIOGRAFIA......................................................................................... 17
2

1. INTRODUÇÃO

Todo atleta (profissional), todo soldado de guerra (experiente), procura, dentro


do possível, antes de entrar em combate, conhecer, estudar seu adversário, seu inimigo,
pois isto traz inúmeras vantagens no combate, assegura, de certo modo, a vitória. Ora,
sendo nós atletas e soldados que pelejam pelo Reino de Cristo, que lutam contra
adversários e inimigos mais fortes e numerosos do que nós, é mister conhecê-los,
estudá-los.

O presente trabalho é um estudo de um dos nossos inimigos e adversários, o


mais forte entre eles: o demônio. O mesmo pretende contribuir para um maior
conhecimento, não da pessoa do demônio, mas da sua ação.

A demonologia clássica procura classificar a ação do demônio de dois modos:


ordinária e extraordinária. A ordinária consiste na tentação; sua finalidade imediata é o
pecado, e por isso, o presente trabalho ocupar-se-á com a mesma. A extraordinária:
obsessão, infestação e possessão, não tem como finalidade imediata o pecado, mesmo
que o demônio, de qualquer modo, sempre o deseje.

Permeado da Sagrada Escritura, procurar-se-á tratar de alguns aspectos que


concernem a este assunto.

A tentação é uma realidade que faz parte de toda a nossa vida, algo com o qual
temos que combater dia e noite, pois suas consequências são nefastas. Não é uma
realidade puramente espiritual, pois visa o homem, formado de corpo e alma, de uma
realidade física e espiritual. Além disso, para que esta alcance seu fim (o pecado),
necessita da colaboração do homem, de um ato de sua vontade livre.
3

2. PARTE PRINCIPAL

2.1 Definição de tentação

“Santo Agostinho estabeleceu uma distinção... entre a tentação probatória (tentatio


probationis) e a tentação enganadora ou sedutora (tentatio decepcionis vel
seducionis)... A tentação probatória não visa levar ao pecado, e sim tornar patente a
virtude de alguém ou fortalecê-la por meio da provação... A tentação enganadora ou
sedutora visa levar o homem à ruína espiritual; ela propõe-lhe uma mal sob a
aparência de um bem, procurando arrastá-lo ao desejo desse mal, isto é, ao pecado.”1

Não concordo com esta distinção feita por Sto. Agostinho, pois não existem dois
tipos de tentação, ou seja, uma enganadora ou sedutora, e outra probatória. Existem
modalidades diferentes sobre a mesma realidade, isto é, a tentação vista objetivamente e
a tentação vista subjetivamente.

Objetivamente, uma tentação, em si mesma, sempre será enganadora e sedutora,


devido a suas causas naturais: o carne (enquanto tendência para o mal) e o mundo
(enquanto realidade pecaminosa), e a causa preternatural: o demônio2 (“cujo ofício
próprio é tentar”3), com a finalidade de levar-nos ao pecado, pois, ninguém, quando for
tentado, diga: É Deus quem me tenta. Deus é inacessível ao mal e não tenta a ninguém
(Tg 1,13). Subjetivamente, isto é, segundo a visão daquele que a sofre, a tentação,
também, pode ser uma prova, tendo como Causa (somente enquanto prova), o próprio
Deus, que se utiliza da tentação, permitindo-a, com a finalidade de fazer-nos crescer na
virtude, pois o demônio não quer ver ninguém crescer na virtude: “Feliz o homem que
suporta a tentação. Porque, depois de sofrer a provação, receberá a coroa da vida que
Deus prometeu aos que o amam” (Tg 1, 12).

A tentação, sempre, repito, sempre, vai apresenta-se a mim, como algo


enganador e sedutor (objetividade da tentação), porém, com a graça de Deus, posso vê-
la como uma oportunidade de crescer na virtude4 (subjetividade da tentação), então ela

1
G. A. SOLIMEO; L. S. SOLIMEO, Anjos e Demônios. A luta contra o poder das trevas, Atpress, São
Paulo 1944, 86-87: itálico do autor.
2
Cf. J. A. FORTEA, Summa Demoníaca. Tratado de demonologia e manual de exorcistas, Palavra &
Prece, São Paulo 2010, q. 29, 51-52: a distinção entre natural e preternatural.
3
Cf. TOMÁS DE AQUINO, Suma Teológica, I. q. 114, a. 2 em: ibid., 89.
4
Cf. G. HUBER, O diabo, hoje, Quadrante, São Paulo 1999, 44-45.
4

será, também, uma prova; caso eu não consiga enxergá-la como prova, então ela será,
aquilo que realmente é, e nunca deixará de ser: tentação, que objetivamente, não tem
outra finalidade, se não, levar-me a pecar. Isto fica claro com o fato que, o demônio
também tenta pessoas que nem sabem o que são virtudes e muito menos a desejam.

O livro onde se encontra a citação supracitada, ao falar sobre a tentação


probatória, dá-nos o exemplo bíblico de Jó: “Nesse sentido é que se pode falar de
tentação de Deus, como, por exemplo, as provações que o Criador, servindo-se do
demônio, enviou a Jó para provar sua fidelidade”5.

Primeiramente, penso que, em nenhum sentido se pode falar de tentação de


Deus, nem por analogia, por causa da origem e da finalidade da tentação, que é sempre
um mal (o pecado), e de Deus jamais pode proceder qualquer tipo de mal, pois vós não
sois um Deus a quem agrade o mal, o mau não poderia morar junto de vós, porém, Ele
pode permiti-lo, para provar-nos, inclusive utilizando-se do demônio que, não quis
provar Jó, mas realmente tentá-lo, ou seja, levá-lo ao pecado: “Mas estende a tua mão e
toca em tudo o que ele possui; juro-te que te amaldiçoará na tua face” (Jó 1,11); “Mas
estende a tua mão, toca-lhe nos ossos, na carne; juro que te renegará em tua face” (Jó
2,5).

Amaldiçoar a Deus, renegá-lO, é uma finalidade má, pecaminosa, ou seja,


provém da tentação enquanto uma solicitação para o mal e não enquanto provação,
porém, no caso de Jó, prevaleceu esta última, mas por causa de Jó (e da sua colaboração
com a graça de Dues, é claro), que viu nesta tentação, também, uma provação, ou seja,
uma oportunidade de crescer na virtude: “Aceitamos a felicidade da mão de Deus; não
devemos também aceitar a infelicidade? Em tudo isso, Jó não pecou por palavras” (Jó
2,10).

Para a tentação no fim, alcançar sua única finalidade, que é o mal (o pecado), ou
vir a ser um bem para mim (crescimento na virtude), dependerá de mim mesmo – e
neste último caso, também da minha colaboração com a graça de Deus –, de como a
encaro – somente como engano ou sedução, ou também, como provação –, e da minha
livre decisão em face dela, pois a tentação, de si mesma, não é pecado.

5
Ibid., 86: itálico do autor.
5

Bem, uma vez deixado claro sobre esta questão de tentação e provação, ou seja,
que a tentação, sempre será uma tentação, ela “pode então ser definida como uma
incitação ao pecado. Consiste em um estímulo, uma solicitação da vontade para o mal.
Quando procede de nós mesmos (tentação interna), pode ser indicada mais bem como
inclinação, arrebatamento, estímulo; se provém de outros inclusive do demônio
podemos referir-nos a ela como convite, solicitação, incitação.”6

Sem discordar das definições mencionadas, nestes dois parágrafos anteriores,


aliás, referidas por diversos outros autores, particularmente, penso que, a melhor
definição seria: sugestão para o mal, pois, é a que melhor reflete a realidade da
tentação, pois o cerne da mesma é semear a dúvida, assunto que veremos mais adiante,
quando tratarmos das “etapas da tentação”.

2.2 As causas da tentação


Como já mencionado, anteriormente, três são as causas da tentação: as naturais:
a carne e o mundo, e a preternatural: o demônio.

Pelo fato do presente trabalho ter como foco, a causa preternatural, ou seja, o
demônio, mais especificamente, sua ação (ordinária), não entrarei em muitos detalhes
sobre as causas naturais, que, aliás, são muito bem vindas ao demônio, como
“munições” das quais ele pode utilizar-se para realizar o seu ofício próprio.

“De tal modo que, embora, os teólogos aceitem no plano teórico a possibilidade de a
tentação por ter uma causa apenas natural o mundo ou a carne sem entrar
necessariamente a ação do demônio, no plano prático, em geral, admitem que o
Maligno, sempre à espreita, se aproveita de todas as circunstâncias para cavalgar a
tentação natural e aumentar a sua intensidade ou malícia.”7

“Por outro lado, é indiscutível que o demónio (sic!) se pode servir da nossa
situação, da inclinação para o pecado que trazemos em nós, e potenciá-la através da
sedução e da mentira. é exatamente nisto que reside o se caráter de tentador.”8

6
Ibid., 87: itálico do autor. Na tentação que provém de outros, pode incluir-se também, as outras pessoas,
e o mundo.
7
Ibid., 89.
8
J. A. SAYÉS, O Demônio, realidade ou mito?, Paulus, Portugal 1999, 112-113.
6

São Paulo deixa-nos bem claro, esta verdade, quando nos diz: “Se sentirdes
raiva, seja sem pecar: não se ponha o sol sobre vossa ira, para não dardes
oportunidade ao demônio” (Ef 4,26-27).

2.2.1 A carne

Aqui se trata da causa principal.

Vícios, paixões (desordenadas), concupiscência, temperamento, etc., são todos


estes, elementos que fazem parte da natureza humana, enquanto consequências do
pecado original ou não, porém, todos estes elementos geram influências sobre nós,
inclusive sendo causas de tentação.

“A raiz mesma da tentação está na própria natureza humana, livre, porém


demasiado frágil, sobretudo depois que decaiu de sua integridade, em conseqüência
(sic!) do pecado original.”9

“Cada um é tentado pela sua própria concupiscência, que o atrai e alicia. A


concupiscência, depois de conceber, dá à luz o pecado; e o pecado, uma vez
consumado, gera a morte” (Tg 1,14-15)

“Donde vêm as lutas e as contendas entre vós? Não vêm elas de vossas paixões,
que combatem em vossos membros?” (Tg 4,1).

São Tomás ensina: “Nem todos os pecados são cometidos por instigação do
demônio, mas alguns são cometidos pela livre vontade e corrupção da carne”10.

Quantas tentações, então, procedem por instigação do demônio ou do próprio


homem?

“Não há nada que possa dizer quantas tentações procedem do demônio e quantas de
nosso interior. Mas parece razoável pensar que maior parte das tentações procede de
nós mesmos. Não necessitamos de ninguém para sermos tentados... É certo que o
demônio tentou a primeira mulher. Mas sem o demônio poderíamos pecar
igualmente. A tentação não necessita dele ela basta a si mesma. Se não, quem tentou
o demônio?”11

9
SOLIMEO, 87.
10
TOMÁS DE AQUINO, Suma Teológica, I. q. 114, a. 2 em: Ibid.
11
FORTEA, q. 18, 40.
7

O Catecismo da Igreja Católica12 afirma acerca do homem, que este “conserva o


desejo do bem, mas sua natureza traz a ferida do pecado original. Tornou-se inclinado
ao mal e sujeito ao erro”, e acrescenta citando a Constituição Pastoral, Gaudium et Spes,
do Concílio Vaticano II, n. 13, 2: “O homem está dividido em si mesmo. Por esta razão,
toda a vida humana, individual e coletiva, apresenta-se como uma luta dramática entre o
bem e o mal, entre a luz e as trevas.”

Esta luta dramática entre o bem e o mal, entre a luz e as trevas que ocorre dentro
de nós, São Paulo explicita-nos muito bem:

“Sabemos, de fato, que a lei é espiritual, mas eu sou carnal, vendido ao pecado. Não
entendo, absolutamente, o que faço, pois não faço o que quero; faço o que aborreço.
E, se faço o que não quero, reconheço que a lei é boa. Mas, então, não sou eu que o
faço, mas o pecado que em mim habita. Eu sei que em mim, isto é, na minha carne,
não habita o bem, porque o querer o bem está em mim, mas não sou capaz de efetuá-
lo. Não faço o bem que quereria, mas o mal que não quero. Ora, se faço o que não
quero, já não sou eu que faço, mas sim o pecado que em mim habita. Encontro, pois,
em mim esta lei: quando quero fazer o bem, o que se me depara é o mal. Deleito-me
na lei de Deus, no íntimo do meu ser. Sinto, porém, nos meus membros outra lei, que
luta contra a lei do meu espírito e me prende à lei do pecado, que está nos meus
membros. Homem infeliz que sou! Quem me livrará deste corpo que me acarreta a
morte?...” (Rm 7,14-24).

2.2.2 O mundo

“Também o mundo procura arrastar-nos ao pecado, pois „está sob o julgo do


maligno‟ (1Jo 5,19), e „a amizade deste mundo é inimiga de Deus‟ (Tg 4,4).”13

Claro que aqui não se trata do mundo material, que Deus criou, contemplou e
viu que tudo era muito bom (cf. Gn 1,31).

“Em este sentido „mundo‟ es la materilización del mal que el hombre comete. „Mundo‟
son las actitudes soberbias de la vana aparencia, las venganzas cometidas que se
pregonan y ensalzan, el afán de riqueza plasmado em el lujo o la injusticia, los
desordenes sexuales practicados y exaltados eróticamente, el deseo de consumir por
puro disfrute, las ideas proclamadas de felicidad como sinônimo de placer, la
vanagloria em la exaltación de la persona, el despretigio que se sigue de la ofensa del
honor ajeno...

Continua:

Tanbién se engloban em „mundo‟, las denominadas „estructuras de pecado‟. Em una


palabra, todo lo que em la sociedad induce al individuo al mal. Em la predicadición de

12
Catecismo da Igreja Católica, Loyola, São Paulo ¹º2000, 467, n° 1707.
13
SOLIMEO, 88.
8

Jesus se denomina lo que produce „escándalo‟, que em original arameo significaba


aquello que „hace de tropezio‟ y, como consecuencia, ante él se „cae‟. Pues bien, el mal
practicado a vista de otros hace de tentación, por cuanto Le incita a „caer‟. De ahí, la
sinonímia entre „caida‟ y „pecado‟.”14

São João alerta-nos:

“Não ameis o mundo nem as coisas do mundo. Se alguém ama o mundo, não está nele
o amor do Pai. Porque tudo o que há no mundo - a concupiscência da carne, a
concupiscência dos olhos e a soberba da vida - não procede do Pai, mas do mundo. O
mundo passa com as suas concupiscências, mas quem cumpre a vontade de Deus
permanece eternamente” (1Jo 2,15-17).

“Si se pretende acer una exégesis del texto de san Juan acerca de las „fuentes por las
que el mundo ocasiona el mal‟, los exegetas y los teólogos las ejemplifican de este
modo: La „concupiscencia de la carne‟, indiscutiblemente, que tiene un sentido literal
de lo que se llama desorden sensual; pero, referido al mundo, se puede entender
como el conjunto de los desordenes sensuales que ofrece la sociedad y que actúan
como tentación sobre la propria concupiscencia desbocada.

Continua:

La „concupiscencia de los ojos‟ se podría traducir por la tentación mundanal de


sobreestimar solamente los valores temporles, los que producen placer, los que
satisfacen las necesidades imediatas del hombre. Hoy se plasmarían em esse afán
desmedido de disfrute que ejerce el ambiente sobre el hombre, em medio de lo que se
há venido em llamar la „sociedad de consumo‟.

Finaliza:

Finalmente „la soberbia de la vida‟, se traduciría por lo que cabia calificar como
„concepción humana y racionalista de la realidad‟, en una palabra, la soberbia
autosuficiente.”15

“As demais causas da tentação – o mundo e carne – podem atuar


independentemente umas das outras; entretanto, é comum que, nas tentações, a atração
do mundo se uma à revolta da sensualidade, e a ambas se some a ação aliciante do
demônio.”16

2.2.3 O demônio

“Sede sóbrios e vigiai. Vosso adversário, o demônio, anda ao redor de vós como
o leão que ruge, buscando a quem devorar” (1Pd 5,8).

14
A. FERNÁNDEZ, Diccionario de Teología Moral, Monte Carmelo, Burgos 2005, 1316, col. I.
15
Ibid., 1316, col. II.
16
SOLIMEO, 89.
9

Esta afirmação de São Pedro, tem algo de muito valioso: o fato do demônio
andar ao redor de nós; isto quer dizer, em outras palavras, que ele está, o tempo todo, a
nos observar atentamente, para que, como um leão, ataque no momento certo, para ter a
certeza que não irá perder a sua presa.

E está observando o que? A nossa relação com a “carne” e o “mundo”.

Não necessariamente, o demônio, precisa entrar em cena, pois, como já vimos,


bastam as causas naturais, para que caiamos, pequemos e percamo-nos; porém, se ele
percebe que as causas naturais, não são suficientes, para conduzir-nos ao pecado, então
ele atacará; e quando ele ataca, a luta torna-se mais árdua, pois, mesmo que a “carne”,
seja a causa principal das tentações, segundo os diversos demonólogos, é o demônio, a
causa mais forte, aliás, bem mais forte, por causa da sua natureza angélica; por isso, São
Paulo nos diz: “Pois não é contra homens de carne e sangue que temos de lutar, mas
contra os principados e potestades, contra os príncipes deste mundo tenebroso, contra
as forças espirituais do mal (espalhadas) nos ares” (Ef 6, 10-11).

“O demônio pode estar ao nosso lado durante muito tempo, analisando-nos,


conhecendo-nos e tentado-nos, atacando-nos em nosso ponto mais fraco. O demônio
pode ser extraordinariamente pragmático, ou seja, sabe quando tem suas possibilidades
de êxito, por isso tenta somente quando sabe que tem alguma possibilidade.”17

“Os demônios podem nos tentar, mas não podem ler nossos pensamentos. Embora, dada
sua inteligência, possam adivinhar o que pensamos. Por serem seres mais inteligentes d
que nós, eles deduzem muito mais coisas com maior segurança do que deduziríamos
com poucos sinais exteriores.”18

A participação do demônio, ou seja, a necessidade da sua intervenção numa


tentação (mesmo tendo a possibilidade dele intervir em todas, mas necessariamente não
precisa), vai depender da pessoa que a sofre, ou seja, se o demônio perceber que é uma
pessoa que, basta a si mesma, para “tropeçar nas próprias pernas”, ele, talvez, ainda,
pode “dar um empurrãozinho”, porém, se é uma pessoa, que busca a vida virtuosa,
ascética, que tende ao caminho da santidade, da perfeição, então certamente ele tem que
entrar em jogo, pois sabe que, a “carne” e o “mundo”, não serão suficientes para levá-la
a queda.

Há muita especulação, por parte dos diversos demonólogos, em querer saber:


quando a causa da tentação é natural, e quando é preternatural, isto é, quando vem de

17
FORTEA, 45.
18
Ibid., 57: Cf. TOMÁS DE AQUINO, Suma Teológica, I. q. 57, a. 4.
10

nós mesmos ou quando vem do demônio. Pois bem, fica realmente difícil distinguir sua
origem, pois, independente de onde vem, é a nós apresentada do mesmo modo, ou seja,
como uma espécie inteligível19.

Minha opinião é que, a tentação vem certamente do demônio, se não houve um


estímulo provocado pela “carne” ou pelo “mundo.

2.3 Os mecanismos da tentação

Deixaremos as causas naturais da tentação de lado, para priorizarmos a causa


preternatural, o demônio, que é o nosso foco.

Neste ponto, trataremos, particularmente, podemos assim dizer, quais são as


“portas de entrada” do demônio na nossa alma, isto é, como a tentação se forma em nós.

2.3.1. As faculdades sensíveis: os sentidos externos e internos

As citações elencadas abaixo deixam bem claro, toda esta questão, sem
necessidade de maiores explicações.

“Pois bem, iluminada pela Revelação e guiada por uma sã filosofia, a Igreja ensina-me
que o demônio tem certo poder sobre mim... Não pode atingir diretamente a minha
inteligência e a minha vontade, faculdades completamente espirituais e unicamente
acessíveis a Deus, mas pode, com os seus poderes, afetar os meus sentidos externos,
como a vista, o tato, o ouvido, e os meus sentidos internos, como a memória, a fantasia
e a imaginação.”20

“No que se refere às funções próprias da vida intelectiva, os demônios só podem chegar
a elas indireta e mediatamente, quer dizer, atuando sobre a parte corpórea e sobre a vida
sensitiva, das quais a alma deve servir-se para desenvolver suas atividades espirituais.
Em outros termos, os demônios podem agir... apenas indiretamente sobre sua
inteligência e a sua vontade.”21

“Se os homens só podem alcançar as nossas faculdades da inteligência e da vontade


através dos nossos sentidos externos – pela palavra oral ou escrita, ou por sensações
diversas: ver, tocar, etc., que despertam na nossa alma imagens e sentimentos –, já os
demônios podem atuar diretamente sobre nossa sensibilidade e nossa imaginação.

19
Cf. FORTEA, q. 22, 43-44.
20
HUBER, ibid, 69: Na nota de rodapé do editor, referente a esta citação, este explica que, sobre a ação
do demônio sobre os sentidos externos, como por exemplo, a vista, ele age “não tanto diretamente, isto é,
sugerindo ilusões ou miragens, mas dirigindo o nosso olhar para que se fixe no que não nos convém, em
imagens de crueldade, sexualidade crua, etc.”
21
SOLIMEO, 78.
11

Continua:

Embora jamais possam alcançar diretamente as nossas faculdades espirituais, podem


suscitar imagens em nós, agrupá-las, e assim, sugerir-nos ideias, excitar movimentos da
nossa sensibilidade e, como consequência, da nossa vontade.

Finaliza:

Por conseguinte, podem o que os homens não podem, pois podem agir imediatamente
sobre os nossos sentidos interiores: a nossa imaginação, a nossa sensibilidade e as
reações orgânicas mais profundas do nosso corpo. E este será o campo próprio da sua
atividade tentadora. Far-nos-ão imaginar relações falsas, provocarão em nós temores
vãos, movimentos desordenados, etc.”22

“Conforme ensina São Tomás (Suma Teológica, I-II. q. 80, a. 1-3), o entendimento, por
inclinação própria só move quando algo o ilumina em ordem ao conhecimento da
verdade. Ora, os demônios não querem conduzir o entendimento à verdade, mas, pelo
contrário, entenebrecê-lo como meio de levar o homem ao pecado. Por isso, eles não
conseguem mover diretamente a inteligência do homem, e procuram então influir sobre
ela indiretamente, através da sua ação sobre a imaginação e a sensibilidade.”23

“Os demônios não podem tampouco mover diretamente a vontade humana, pois isto só
o próprio homem ou Deus podem fazer; mesmo que o Maligno, por permissão divina,
se assenhoreie do corpo do homem e entenebreça sua mente – como se dá na possessão
–, ele não pode obrigá-lo a pecar, pois a vontade não participaria dos atos maus assim
realizados, os quais seriam em conseqüência pecados apenas materiais.”24

“Para mover a vontade do homem, os demônios precisam, de algum modo,


convencê-lo, persuadi-lo a praticar uma ação má, ainda que sob a aparência de um
bem.”25

“São Tomás (Suma Teológica, I-II. q. 80, a. 1) também se refere a essa persuasão do
demônio, explicando que a vontade humana só se move internamente por ação do
próprio homem ou de Deus; externamente ela pode ser solicitada pelo objeto que,
entretanto, não força o homem a escolher o que não quer.”26

“O Pe. Cândido Lumbreras O.P. (Tratado de los vícios y los pecados – Introducción, p.
766.), assim comenta essa passagem do Doutor Angélico: „Que influência pode sexercer
o demônio nos pecados dos homens?... O demônio pode oferecer aos sentidos seu
objeto, falar à razão, seja interiormente, seja exteriormente; alterar os humores e
produzir imagens perigosas, excitar enfim as paixões que podem mover a vontade e
assenhorear-se do entendimento.”27

“Em comentário a outra passagem de São Tomás, explica o Pe. Jesus Valbueno O.P.
(Tratado del Gobierno del Mundo – Introducciones, p. 898.): „Que os anjos possam

22
J. GUILBERT, Leçons de theologie spirituelle, 1955, vol. I, 1. 23, págs. 281-282 em: HUBER, 70-71.
23
SOLIMEO, 78.
24
Ibid., 78-79.
25
Ibid., 79. Cf. FORTEA, q. 17, 39-40.
26
SOLIMEO, 79.
27
Ibid., 79: itálico do autor.
12

iluminar e de fato iluminam o entendimento humano, é uma verdade que se atesta uma
multidão de lugares nas Sagradas Escrituras... Também os anjos maus são capazes de
produzir, com sua virtude natural, falsas iluminações no entendimento dos homens,
conforme nos admoesta São Paulo para que estejamos alerta pois o próprio Satanás se
disfarça em anjo de luz (2Cor 11,14)

Continua:

Afirma São Tomás que nos sentidos do homem, sejam internos, sejam esternos, os anjos
podem influir e agir a partir de fora e a partir de dentro dos mesmos, quer dizer,
extrínseca e intrinsecamente; mas em relação ao entendimento e à vontade humanas, só
os podem mover e influir indireta e exteriormente, quer dizer, propondo a estas
potências espirituais de uma maneira acomodada a elas seus objetos, que são a verdade
e o bem e influindo nelas indiretamente mediante os sentidos, as paixões, as alterações
corporais sensíveis, etc.‟.”28

2.4 As etapas da tentação


Já compreendida de que maneira a tentação é formada em nós, vamos tentar
entender, agora – tomando exemplos das Sagradas Escrituras29 –, como o demônio tenta
nos persuadir, em vista de alcançar sua finalidade, ou seja, pecarmos, isto é, quais
etapas percorremos e o que acontece em cada uma delas, até realmente consentirmos
com a tentação.

2.4.1. A sugestão

A primeira destas etapas é a tentação em si mesma, ou seja, aquele primeiro


estímulo que sentimos para realizar um mal – mas claro, como já vimos acima, sob a
aparência de um bem –, o que eu preferi chamar de sugestão. É-nos apresentado um
objeto sedutor e enganador, que deve ser algo sugestivo. Este objeto é algo que vai
contra as diversas leis: a natural, a positiva divina e a positiva humana.

Aqui temos o momento mais importante das etapas, o mais decisivo, onde
podemos alcançar mais seguramente a vitória, pois, se negamos imediatamente esta
sugestão, este objeto apresentado, a tentação, ao menos naquele instante – mesmo
sabendo que ela pode retornar –, cessa, ou seja, é o momento onde devemos “cortar o
mal pela raiz”.

28
Ibid. 80: itálico do autor.
29
Cf. Gn 3,1-6: nesta passagem que retrata a queda dos nossos pais, fica muito claro todas estas etapas.
13

O grande exemplo bíblico, para nós – e não poderia ser outro – é o de Nosso
Senhor, quando tentado pelo demônio no deserto30. Logo que apresentada a sugestão, o
objeto, por meio da Palavra de Deus, negava aderir aos mesmos.

É interessante, também, ao analisarmos o pedido que fazemos na oração do Pai


Nosso , e o pedido de Jesus aos discípulos no Getsêmani32, que, em ambos os casos,
31

pedimos, segundo a expressão grega “me eisenegkes”, que significa “não permitas
entrar em”, de literalmente, não darmos passos ao longo das outras etapas da tentação,
pois, o Pai e Jesus, sabem mais do que nós, que cada vez que avançamos as etapas, a
possibilidade de consentirmos com a tentação é cada vez maior, ou seja, a derrota fica
mais evidente, pois começamos a combater o demônio de modo mais direto, alguém
muito mais forte do que nós.

2.4.2. A dúvida

À sugestão segue-se a dúvida, isto é, questiono-me se desobedecer, seja a lei


natural, seja a lei positiva de Deus, realmente tem algum problema. Começam os “será
que...?”. O grande problema, aqui, ou seja o âmago da dúvida, está na desconfiança, de
Deus, do seu amor, da sua bondade, isto é, começo a duvidar que, aquilo que Deus
estabeleceu para mim por meio das leis, foi estabelecido para o meu bem, começo a ver
a coisa como sendo hostil, ruim, que me atrapalha, que tira a minha “liberdade”, etc. Se
não repilo logo a duvida, abro espaço para o diálogo, um perigoso diálogo, talvez, um
fatal diálogo.

2.4.3. O diálogo

Neste momento, realmente, fico a “um passo do abismo”, pois, entro em diálogo
– como já mencionei acima – com alguém que, por causa da sua natureza angélica, é
extremamente mais forte, mais inteligente do que eu; que, por ofício, sabe como
enganar, seduzir, aliciar, e convencer que, aquilo que é mal, é na verdade “bom”. É
exatamente para esta etapa que o demônio quer conduzir-nos, pois sabe que a vitória
dele é “quase” certa.
30
Cf. Mt 4,1-11.
31
Cf. Mt 6,13.
32
Cf. Mt 26,41.
14

O que fazer, então, diante da tentação? Pergunta o Pe. José Fortea:

“Repeli-la de pronto. A tentação nada pode fazer se a repelimos; se não dialogamos com
ela, é inofensiva. Porque desde o momento que dialogamos com ela, em que
ponderamos os prós e os contras do que nos diz, em que consideramos o que nos
propõe, desde este instante nossa fortaleza se enfraquece, nossa oposição se debilita.
Uma vez iniciado o diálogo, necessitamos de muito mais força de vontade para repeli-
la.”33

“O demônio é um ser inteligente, não é nenhuma força ou energia. Portanto, devemos


compreender que a tentação tende a ser um diálogo. Um diálogo entre a pessoa que
resiste e o tentador. Se a pessoa resiste a considerar a tentação, essa não será mais que a
insistência por parte do demônio, porém sem resposta da nossa parte.”34

2.4.4. O consentimento

“Podemos ser tentados, mas ao final fazemos o que queremos. Nem todos os
poderes do Inferno podem forçar alguém a cometer o mais leve pecado.”35

O consentimento é o nosso “sim” àquela solicitação ao mal, àquele objeto


apresentado, independentemente da fonte.

Seja aquele que passou por todas as etapas apresentadas, muitas vezes lutando
tenazmente, mas mesmo assim, no final de tudo, consentiu; seja aquele que na mínima
solicitação ao mal, logo consente, o que normalmente acontece com quem já perdeu o
“sentido de pecado”, que vive em função do mesmo; em ambos os casos a culpa é
unicamente deste que consentiu, pois nada, absolutamente nada pode fazê-lo consentir,
nenhuma das fontes, que, aliás, são fontes de tentação, não de pecado; se chego a pecar,
é unicamente por “minha culpa, minha tão grande, minha máxima culpa”.

Não posso como Adão, dizer: “A mulher que pusestes ao meu lado apresentou-
me deste fruto, e eu comi” (Gn 3,12).

Claro, não podemos ignorar que, devido algumas circunstâncias, a vontade está
enfraquecida e, por este motivo, torna-me mais susceptível a consentir, mas mesmo
assim, no fim de tudo, o consentimento foi um ato deliberado, no fim, é necessário um
ato livre da minha vontade, para que realmente a tentação alcance sua finalidade: o
pecado.

33
FORTEA, ibid. 44, q. 23.
34
Ibid. 45, q. 24.
35
Ibid. 45, q. 23.
15

2.5 Os “remédios” contra a tentação


Graças a Deus, inúmeros são os remédios na luta contra o pecado, que tem,
geralmente, sua origem na tentação: a graça de DEUS, em primeiro lugar, que nos vem
de modo abundante por meio dos Sacramentos, a Virgem Maria, os Stos. Anjos,
particularmente nosso Sto. Anjo da Guarda, os Santos. Jesus, Nosso Senhor, porém,
deixa claro que devemos colaborar, ou seja, orar e vigiar.

Neste ponto, deter-me-ei, não com os remédios apresentados acima, mas outro
remédio muito importante nesta luta, que manifesta também nossa colaboração: a
ascese.

Como já foi falado, quando tratamos sobre “os mecanismos da tentação”, está é
formada em nós por meio dos sentidos: externos e internos.

“Ter o domínio da sensibilidade e, muito especialmente, possuir um controle


perfeito da memória imaginativa é guardar „a porta e a entrada da alma‟. É por em
xeque o Maligno.”36

“O diabo – escreve outro autor espiritual, Emílio Bertone – desenvolve as suas energias,
para dizê-lo de algum modo, no vestíbulo da alma, na região fronteiriça em que se
encontram o espírito e a matéria. Quanto mais indisciplinados forem os sentidos, mais
forte será a tendência para o prazer, mais poder terá o orgulho, mais impressionável será
a fantasia, mais fácil e mais segura a ação de Satanás.”37

“Sertillanges dá explicações análogas: „Ao demônio, basta-lhe entrar na corrente das


nossas inclinações, no sorriso das coisas que nos seduzem; basta-lhe apoiar-se naquilo
que dá mostras de ceder, opor-se àquilo que tende a subir. A influência expande-se
como um gás deletério que se absorve sem perceber‟”.38

“Compreende-se, por conseguinte, a importância que os santos atribuem à luta ascética:


dominar a imaginação, controlar a memória. Estão em jogo a conduta do homem e o seu
destino eterno. Um fósforo basta por vezes para fazer arder um bosque. Uma imagem
perniciosa pode desviar uma existência inteira para o mal.”39

36
HUBER, ibid, 71.
37
E. BERTONE, Satana. Ma esiste davvero?, Roma, 1967, 20 em: Ibid, 73: itálico do autor.
38
cit. por BERTONE, ibid., 20-21 em: Ibid, 73.
39
Ibid, 73.
16

3. CONCLUSÃO

“... as forças demoníacas se desencadeiam principalmente, não nos poucos seres


possuídos por ele e que são objeto virtual dos exorcismos, mas na cabeça e no coração
do comum dos homens, para realizarem sua tarefa de ódio e de mentira. E isto acontece
sem que a imensa maioria dos homens e das mulheres, jovens ou menos jovens, cultos
ou incultos, sejam conscientes disso.

Continua:

Sobre a superfície da terra, legiões e legiões de demônios estão agindo continuamente


sobre a memória e a imaginação dos homens para os afastar de Deus. Não é isto uma
verdadeira guerra de dimensões planetárias, certamente invisível, mas muito real.”40

“Em resumo – como dizia o santo Cura d‟Ars –, não se deve pensar que exista algum
lugar na terra onde possamos escapar à guerra que nos faz o demônio através da nossa
imaginação e da nossa memória: „Encontraremos o demônio por toda a parte, e por toda
a parte tentará tirar-nos o céu; mas por toda parte e sempre poderemos vencer‟”.41

Duas cenas de dois filmes diversos, chamaram-me a atenção: no primeiro,


intitulado “Constantine”, um exorcista pergunta à repórter ascética que o acompanhava:
“Você acredita no demônio”, ela de pronto respondeu: “Não”, então Constantine
retrucou: “Ele acredita em você”; no outro filme, intitulado “O Monge”, durante uma
confissão, logo no início do filme, o penitente pergunta ao confessor: “Quanto poder
tem o demônio sobre nós”, o que segue a resposta do confessor: “O quanto de poder
damos a ele”.

40
Ibid, 72.
41
J. M. VIANEY em: Ibid, 70: itálico meu.
17

BIBLIOGRAFIA:

BERTONE, Emilio, Satana. Ma esiste davvero?, Roma, 1967: HUBER.


Catecismo da Igreja Católica, Loyola, São Paulo 2000, 10° edição revisada de acordo
com o texto oficial em latim.

FERNÁNDEZ, Aurélio, Diccionario de Teología Moral, Monte Carmelo, Burgos 2005.

FORTEA, José Antônio, Summa Demoníaca. Tratado de demonologia e manual de


exorcistas, Palavra & Prece, São Paulo 2010.

GUILBERT, Joseph, Leçons de theologie spirituelle, 1955 em: HUBER.

HUBER, Georges, O diabo, hoje, Quadrante, São Paulo 1999.

JOÃO MARIA VIANEY em: HUBER.

SAYÉS, José António, O Demônio, realidade ou mito?, Paulus, Portugal 1999.

SOLIMEO, Gustavo Antônio; SOLIMEO, Luiz Sérgio, Anjos e Demônios. A luta


contra o poder das trevas, Atpress, São Paulo 1944.

TOMÁS DE AQUINO, Suma Teológica, I. q. 114, a. 2 em: FORTEA.

Você também pode gostar