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À Comunidade do Instituto de Psicologia e da Universidade de São Paulo,

No dia 4 de junho de 2021, ocorreu uma Assembleia Intersetorial, que chegou a ter a
presença de 137 presentes, com representantes do SINTUSP, Levante Indígena, Pode Contar,
Coletivo de RDs, DCE, CAII, coletivo Escuta Preta, Atléptica, Histeria, Cursinho da Psico,
coletivo Aurora Furtado, Rede Não Cala e LANPP, e foi aprovada a suspensão das atividades
didáticas e dispensa dos funcionários para participação do movimento entre os dias 9 e 11
junho. Essa carta busca formar uma síntese das discussões e encaminhamentos construídos
coletivamente ao longo dos três dias.

A suspensão das atividades se dá em um contexto de erupção de sofrimento mental


universitário em conjunto com a evidência da precariedade das condições materiais do
Conjunto Residencial da USP. Os membros do Instituto de Psicologia apontaram a
importância de debater as causas e origens do sofrimento, bem como o lugar do Instituto
perante essas questões. O tipo de acolhimento que é prestado para a comunidade USP
(incluindo docentes, discentes e funcionários), em especial a respeito da saúde mental, foi um
assunto amplamente discutido. Fica evidente que a Universidade tem responsabilidade sobre
isso, e é necessário articular que medidas devem ser tomadas a partir disso. Os relatórios
escritos pela Rede Não Cala!, elaborados com o auxílio de docentes do Instituto, indicam que
os problemas na moradia são de conhecimento público há anos, e a falta de diálogo com a
SAS é alarmante. É importante ressaltar que são alunos - da Psicologia ou não - que são
desassistidos e negligenciados há anos, mas que passam por dificuldades ainda maiores
durante a pandemia. Ainda em 2021 o acesso à internet na moradia é baixo, o que dificulta
inclusive a comunicação e participação de moradores nos espaços de diálogo. A Intersetorial,
após uma extensa apresentação dos argumentos e exposição das dificuldades enfrentadas
pelos docentes e funcionários, decide por suspender suas atividades e trazer à luz tais
questões em três dias de mobilização.

O primeiro dia de suspensão foi marcado por discussões a respeito do tema luto e
sofrimento no espaço universitário. Contou com a participação dos docentes do IPUSP Maria
Júlia Kovacs e Pablo Castanho , além de uma roda de conversa entre docentes, discentes e
funcionários do Instituto. Maria Júlia aponta a necessidade de se pautar a questão da morte e
principalmente do suicídio na graduação - tema que carece na grade curricular. É importante
pautar que tipo de cuidado e acolhimento devem e podem ser oferecidos para o indivíduo em
sofrimento. Nesse sentido, é marcante a falta de clareza que se tem a respeito dos dados de
suicídios e tentativas no contexto da Universidade de São Paulo, o que dificulta o trabalho
com ações preventivas. Outro ponto destacado é a multifatoriedade do suicídio: não se
resume a um motivo, mas deve-se destacar o impacto das condições da moradia estudantil no
agravamento do sofrimento psíquico. O Professor Pablo traz à luz o Plano de Acolhimento
Estudantil que vem sendo elaborado em conjunto com a Comissão de Graduação. Destaca a
crise de pertencimento e os problemas acarretados com ela, bem como o mal-estar na
sociedade e a necessidade de se pensar pertencimento e acolhimento de maneira diferente nos
tempos atuais. Ressalta a importância de fortalecer laços de pertencimento tanto no CRUSP
como na USP de maneira geral. Essa colocação ganhou corpo na roda de conversa a tarde, em
relatos de isolamento, na necessidade de maior contato das turmas mais jovens com veteranos
e dos estudantes em geral com os professores, e na expressão de funcionários de que sua
categoria não se sente integrada e não se reconhece no IP, e que pouco se fala sobre isso ou há
pouca abertura para serem ouvidos. Outras questões se mostraram determinantes desse
cenários, como sobrecarga generalizada, precarização, hierarquização das relações e pouca
abertura democrática, limitações de permanência e a insuficiência das ações afirmativas, falta
de espaço de convívio, entre outros.

O segundo dia centrou-se na discussão sobre a situação do CRUSP. Pela manhã, a


presença de pesquisadores/as sobre a permanência estudantil e representante da Rede Não
Cala evidenciou o cansaço em retomar essa discussão. Não é de hoje que coletivos,
pesquisadores/as e estudantes denunciam as dificuldades de permanecer dentro da
universidade, em especial para aqueles/as que vivem no conjunto residencial da USP.
Condições materiais e imateriais são entrelaçadas e devem compor nosso horizonte por uma
mobilização constante e coletiva de permanência dentro de nossa Universidade. Não se deve
paralisar apenas em momentos agudos. No entanto, como ouvimos pela tarde, já há muitas
pessoas construindo caminhos para que as demandas estudantis sejam escutadas e
concretizadas, como o movimento pelo auxílio alimentação durante a pandemia mas que, até
o momento, a Reitoria tem ignorado os pedidos de conversa e a demanda por programas de
permanência efetivos. As políticas de permanência são recentes e faltam dados sobre a
permanência estudantil, os quais se contradizem. Questiona-se: quais informações a
universidade realmente tem sobre a permanência estudantil e sobre seus alunos que precisam
desses auxílios e programas? Sem o acompanhamento desses dados, como gerir esses
programas? E como auxiliar os alunos que precisam dessas políticas? Essa falta de
transparência sobre os dados dificulta a inserção dos funcionários e do movimento estudantil
na luta pela construção de melhores programas de permanência e a por novas contratações. A
negligência está presente no CRUSP há muitos anos, o que se intensificou durante a
pandemia. No entanto, sua história é de luta, de vida e de um valor de convivência, cultura e
criação inestimável à Universidade São Paulo, embora a Reitoria negue constantemente,
como relatado por uma moradora. Aqueles que deveriam ouvir deram as costas e, por isso,
lutar pelo CRUSP é lutar pelo projeto de Universidade que se deseja construir, e não o projeto
vigente. Entende-se, portanto, a urgência da formação de um conselho permanente de
moradores/as do CRUSP que aja em conjunto com a SAS nas tomadas de decisões que
concernem o conjunto. Por fim, é imprescindível que a Universidade São Paulo se
responsabilize pelas políticas de permanência.

O terceiro dia de paralisação trouxe como tema central a existência de redes nos
equipamentos de saúde mental que são disponibilizados à comunidade USP - ou a falta delas.
Com a presença das convidadas Henriette, professora decana do IPUSP e antiga
coordenadora do CEIP, e da Selene, assistente social do CEIP, ambas com longo histórico de
atuação junto aos nossos serviços. A organização do evento teve importante papel do
Coletivo de Representantes Discentes, a partir do questionamento a respeito da participação
do Instituto na saúde mental da comunidade, tendo em vista a criação do Escritório de Saúde
Mental, que foi criado em um contexto bastante semelhante com o que desencadeia essa
suspensão. As questões levantadas em 2018 seguem sem respostas, não sendo claro qual o
funcionamento ou o papel desse equipamento e de que forma ele se relacionaria, ou se
diferenciaria, com os outros equipamentos já existentes. Foram levantados pelos presentes
uma série de questionamentos, destacando-se nas falas a precarização dos equipamentos
existentes, inclusive do Centro Escola do Instituto de Psicologia, a ausência de uma rede
desses equipamentos bem constituídos, sendo que a rede que existe é movida por
comunicações entre as unidades ao mesmo tempo em que a reitoria parece estar alheia. Foi
apontada a constituição do Escritório de Saúde Mental como um problema nesse cenário,
que, apesar de estar sob a responsabilidade da Reitoria, é um tema do IPUSP, uma vez que
seus problemas respingam no Instituto e na clínica. As falas finais situam a importância de
que como alunos, docentes e funcionários, assumamos a posição de psicólogos ou futuros
psicólogos e consideremos que nosso campo de atuação também se insere na área da saúde,
pensada em termos amplos, e não separada do pensar e atuar politicamente, participando de
projetos de construção coletiva.

Por fim, o último dia de mobilização se encerra com uma plenária dos três setores que
tem como intuito reunir o que foi discutido ao longo da suspensão, bem como elencar
encaminhamentos possíveis. Dentre eles, destacamos como ações imediatas:

- A organização do GT de permanência, com a função de criar uma política de


permanência no Instituto. Deve-se pensar uma reunião para a próxima semana bem
como a organização do grupo, com coordenação e vice- coordenação.
- Discussão do texto disparador da política de acolhimento da CG. Será encaminhado
para os departamentos e para o Coletivo de Representantes Discentes o texto base da
política de acolhimento em conjunto com a carta síntese da suspensão, a fim de que
esses coletivos discutam as propostas da política a serem encaminhadas em uma
Congregação aberta.
- Fortalecer coletivos já existentes, como o Centro Acadêmico Iara Iavelberg. Será feita
uma reunião aberta para angariar novos membros.

Algumas propostas surgem a longo prazo, destacando-se:


- Fortalecer na luta pelo Conselho do CRUSP contendo moradores como membros.
- Fortalecer a luta por contratações.
- Fortalecer a mobilização de outras unidades a respeito das pautas saúde mental e
condições materiais e imateriais do CRUSP.
- Encaminhar a possibilidade de organização de uma Semana de Saúde Mental no
segundo semestre.
- Fortalecimento dos equipamentos já existentes e constituição de uma rede entre esses
(HU, CEIP, CSEB, CRUSP, AcolheUSP, entre outros).
- Mapeamento dos serviços oferecidos pelo CEIP contando com a participação de
bolsistas PUB.
- Aproximação da ouvidoria em um observatório
- Estabelecimento de quadro mínimo de RH para destacar a necessidade de
contratações.
- Oferecimento de atendimento psicológico para docentes do IPUSP.
Esperamos que as discussões se estendam, com escuta e participação de todos os
membros da comunidade IPUSP e USP, e que os encaminhamentos sejam levados a diante.

Atenciosamente,
Plenária Intersetorial.

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