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PROJETO INTEGRADO

DE EDUCAÇÃO
PATRIMONIAL
Fazendas São Joaquim e Dourada Uma Comunidades da
AID – Água Preta e Valdício Barbosa Municípios de
Conceição da Barra e Pedro Canário/ES
Processo IPHAN nº 01409.000622/2015-01
TERCEIRA RELATÓRIO –
Quarta etapa de campo

Elaborado por:
Júlio Jader Costa
Letícia Moura Simões de Souza
Fernando Walter da Silva Costas

Maio de 2023

Validado em Agosto de 2023


Sumário

Sumário ......................................................................................................................................... 2
1 APRESENTAÇÃO .................................................................................................................. 3
2 METODOLOGIA ..................................................................................................................... 4
3 DESENVOLVIMENTO ............................................................................................................ 5
3.1 Sensibilização ................................................................................................................. 5
4 ATIVIDADES DESENVOLVIDAS EM ÁGUA PRETA ............................................................. 6
4.1 Situação Atual (S2).......................................................................................................... 6
4.2 Oficina de Educação para o Patrimônio Cultural ........................................................... 10
4.3 Cenários e Desenhos de Futuro Água Preta ................................................................. 44
5 ATIVIDADES DESENVOLVIDAS EM VALDÍCIO BARBOSA................................................ 44
5.1 Situação atual de Valdício Barbosa - Consentimento tácito ........................................... 44
5.2 Oficina de Memória e História 12/04/23 ......................................................................... 47
5.3 Etnoregistro da Festa da Colheita/Aniversário do Assentamento Valdício
Barbosa/Inauguração do secador de café e de pimenta do reino (15/04/2023) ........................ 61
5.4 Cenários e Desenhos de Futuro .................................................................................... 68
5.5 6. Referências Bibliográficas ......................................................................................... 69
1 APRESENTAÇÃO

A peça em tela refere-se ao trabalho realizado entre 11 e 16 de abril de 2023,


compreendendo o campo 4 com as comunidades de Água Preta e Valdício
Barbosa.

O estado atual da situação dos trabalhos e a projeção de futuro pode ser aferido
no quadro abaixo.

TABELA 1: Resumo do trabalho executado e em andamento


data início entrega fim
Início 17 out. 22 11 nov. 22
CAMPO 1 (1ª navegação) 01 nov. 22 05 nov. 22
Relatório 1 (RT1) 07 nov. 22 05 dez. 22
CAMPO 2 (2ª navegação) 16 dez. 22 21 dez. 22
Informação complementar RT1 16 jan. 23 18 jan. 23
Relatório 2 - primeira versão 23 dez. 22 13 jan. 23
CAMPO 3 (3ª navegação) 25 jan. 23 31 jan. 23
Relatório 2 - segunda versão 03 fev. 23 23 fev. 23
CAMPO 4 (4ª navegação) 11 abril 23 16 abril 23
Validação do Relatório 2 pela comunidade 11 abril 23 16 abril 23
Relatório 3 17 abril 23 25 agosto 23
CAMPO 5 (5ª navegação) 04 maio 23 08 maio 23
Validação do Relatório 3 pela comunidade de Água
Preta 04 maio 23 08 maio 23
Relatório 4 09 maio 23 21 agosto 23
Validação do Relatório 3 pela comunidade de Valdício 25 de Agosto
Barbosa 19 Julho 23 23

Como pode ser observado, o Mapa da 4ª Navegação estipulou em seu


trajeto para Água Preta: validação do relatório 2 (RT2) , incluindo etnoregistros já
realizados e a oficina de memória e história, a execução da Oficina 2 - Patrimônio
Cultural, além da continuidade dos etnoregistros (quintais produtivos, memória da
água e direito à paisagem). Já para a comunidade de Valdício Barbosa estavam
previstos o etnoregistro da Festa da Colheita, das Místicas e Pedagógicas de Roda,
continuidade do etnoregistro Memória da Agrovila e da Escola. Seguindo as
orientações dos assentados, se deu nesse momento também a Oficina Memória e
História do Assentamento Valdício Barbosa.
2 METODOLOGIA

Nas atividades propostas, além da legislação vigente, Artigo 216 da Constituição


Federal de 1988 (BRASIL, 1988), IN 2015 (IPHAN, 2015) e Portaria nº 137/2016 (IPHAN,
2016) foi utilizado o referencial teórico-metodológico disponível no site do IPHAN, como o
Manual de Aplicação - Educação Patrimonial: Inventários Participativos (2016), Educação
Patrimonial, Histórico, conceitos e processos (2014), mas, principalmente, foram tomados
os ensinamentos do patrono da pedagogia da autonomia (FREIRE, 1979, 1981, 1996,
1997, 2008).
As ações de cunho patrimonial sugeridas foram desenvolvidas no âmbito da educação
não formal que zela pelos conhecimentos e experiências partilhadas em uma interação
sociocultural. O processo de ensino/aprendizagem não formal caracteriza-se, dentre
outros critérios, pela inexistência de obrigatoriedade e flexibilidade de tempos e espaços.
Visa à capacitação do indivíduo para o mundo, abrindo-o às janelas do conhecimento e
envolvendo-o com os conteúdos relativos à sua situação social e cultural.
A metodologia pode ser compreendida a partir das seguintes dimensões:
A primeira refere-se ao caráter integrativo dos produtos que compõem o PIEP. Não
obstante possuírem objetos distintos, a sinergia do PIEP opera estas ligações em um
conjunto (sistema) dotado de interações processuais. Resulta que os registros de campo
vão se acumulando e contribuindo progressivamente para uma melhor aproximação com
os detentores e a valoração de seus bens culturais em contextos cotidianos que não se
organizam segundo a “compartimentação de alguns domínios do real”[1] típica das
epistemes científicas (disciplinas).
Isto coloca um impasse inicial, pois não estamos aqui exercitando as ciências duras
ou exatas com esquemas rígidos e projeções matemáticas. Tampouco operamos entre
as ciências da vida (biológicas), onde o estudo dos organismos permite inferir certos
padrões de funcionamento e previsibilidade.
Nossos agenciamentos inscrevem-se no campo das Humanidades, com seus
cenários qualitativos não preditivos[2] e recheados de variáveis de incerteza social. Aqui,
jaz absolutamente fundamental a distinção entre a lógica formal e a lógica da vida,
notadamente se nos apoiamos em procedimentos de pesquisa etnográfica.
Esta constatação impõe como imperativo metodológico a flexibilidade na
implementação das ações, obedecendo a dois níveis distintos de respostas: 1º Nível da
Estratégia (Prescrição) - corresponde ao que é formalmente prescrito nas
normativas/instruções técnicas de salvaguarda, nas informações sistematizadas já
existentes sobre as comunidades e nos métodos de pesquisa em uso.
2º Nível das Táticas (Real)[3] - corresponde à realidade acontecimal dos comunitários.
A aproximação do método etnográfico das atividades cotidianas, bem como sua
capacidade de adaptar-se às mudanças situacionais imediatas é chamada de tática. Seu
objetivo é manter no horizonte de alcance a estratégia, isto é, os objetivos de salvaguarda.
O pacote de ferramentas técnicas de campo pode ser acessado a partir de nomeações
como “pólo acontecimal”, “horizonte dos detentores”, “contextos cotidianos”, “sentidos
êmicos" (auto atribuições), “configurações rizomáticas” e “patrimônio imaterial como um
todo”.
A este universo semântico juntam-se a palavra colaborativa, significado co = junto;
labor= trabalho e ativa = fazer, significando fazer o trabalho junto com…a comunidade.
Sendo vivo o patrimônio imaterial e referindo-se aos detentores humanos e seus
grupos sociais, não poderia ser de outra forma. Nesta injunção construtivista, os
comunitários assumem posição ativa de trabalho na valoração de suas práticas culturais.
Dadas estas preliminares, justificam-se as atualizações em tempo real no Mapa de
Navegação, aferido como bússola orientadora das tarefas, mas com capacidade de
operar em cenários sociais móveis e dinâmicos.

3 DESENVOLVIMENTO

3.1 Sensibilização

Cada etapa de campo é precedida por contato virtual com as lideranças locais. A
chegada nas comunidades equivale ao ajuste dos ponteiros de um relógio para
adentramos em uma temporalidade que, em certa medida, é própria de cada comunidade.
É preciso sensibilidade para perceber que as pessoas estão em seu cotidiano, com suas
tarefas produtivas, familiares e até mesmo no exercício do tempo livre para recreação.
Neste momento, o importante é a escuta e até mesmo uma certa informalidade. O
proselitismo normativo e a parafernália conceitual da salvaguarda podem soar reativos e
uma boa aproximação se dá mais pela via do afeto do que da racionalidade instrumental.
As abordagens se dão nos pontos de convívio cotidiano, como bancos de madeira rústica
sob as árvores sombreiras, ruas e portas de casas.
Fotos 01-03: Sensibilização e abordagem dos comunitários de Água Preta.

Fotos 04-05: Sensibilização e abordagem dos comunitários de Valdício Barbosa.

4 ATIVIDADES DESENVOLVIDAS EM ÁGUA PRETA

4.1 Situação Atual (S2)

A situação atual (S2) será apresentada tendo como parâmetro de medição


a situação anterior (S1) descrita no RT2-Etapa de Campo 3, onde se destacaram
os avanços na organização comunitária e no fortalecimento institucional de Água
Preta, através da criação da associação de agricultores e do acesso a fomentos da
SUZANO/SA para pequenos projetos produtivos. Em contraste, também foi
apontada a incerteza quanto ao futuro do equipamento escolar local.

A mudança situacional mais destacada no 4º campo é exatamente o


fechamento da escola, o que gerou um problema inusitado para a equipe de
salvaguarda, pois o PIEP é um programa educacional e o equipamento correlato
possui centralidade no tocante aos processos formativos e de participação social
previstos em seu escopo.
Foto 06: caminhão para transporte da mobília da escola de Água Preta. Fonte: Moábia
Dutra dos Santos, em mensagem enviada para equipe via whatsapp em 17 fevereiro 2023.

Neste contexto, foi necessário o deslocamento até a Secretaria Municipal de


Educação de Conceição da Barra/ES para esclarecimento da pauta, além da
solicitação formal de autorização para uso do equipamento junto ao órgão gestor 1.
Na ocasião, a coordenadora pedagógica das escolas rurais de Conceição da
Barra/ES: Ariane Godinho Almeida, informou que o status atual da escola é
INATIVA, sendo que a turma de 05 alunos (03 regulares e 02 ocasionais) do ensino
fundamental foi transferida para a escola do assentamento Valdício Barbosa.

A gestora reiterou os pontos elencados no Relatório 1 (DCC, pp.14-15),


especialmente a preferência de pais que trabalham em fazendas e assentamento do
entorno de enviarem os filhos para Pedro Canário, que estaria associada a ausência
de seriação na escola de Água Preta, com impactos na aprendizagem, resultando
no fracasso da busca ativa de alunos realizada pela pasta. Outrossim, a autorização
para a realização da Oficina de Patrimônio Cultural foi concedida e Ariane
esclareceu que estuda a disponibilização da escola para a realização de atividades
educativas e comunitárias, desde que informadas com antecedência.

1Desde o início das atividades em Água Preta, a equipe conversou com a secretaria de educação, solicitando
autorização para a utilização do equipamento público. Antes da realização da primeira oficina Memória e
História de Água Preta, o uso da escola para a atividade foi solicitado mediante ofício protocolado na
Secretaria de Educação de Conceição da Barra.
Figuras 01-02: ofício e folder de divulgação protocolados na secretaria de
educação de Conceição da Barra/ES.

Paralelamente, a equipe técnica de salvaguarda procurou captar as


percepções dos comunitários acerca da desativação da única turma de alunos que
frequentava regularmente a escola, cumprindo lembrar que a mesma foi configurada
como ativo cultural potencialmente valorado como bem, compondo conjunto
paisagístico com a igreja, campo esportivo, cemitério e cobertura arbórea do paço
de entrada e receptivo da comunidade (Relatório 1 - DCC, pp. 19-20).

A este respeito, as ponderações principais dos pais referem-se à falta de


transparência e participação comunitária no processo, contrastando com
impressões positivas dos primeiros dias de aula na escola de Valdício Barbosa, no
tocante a melhoria inquestionável da qualidade de ensino. Há um sentimento
relativamente dúbio, que contrapõe as preocupações com os filhos, que agora estão
fora do campo visual de controle dos pais, com a segurança oferecida pelo aparato
pedagógico e institucional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST).

Por sua vez, as crianças transferidas pululam de felicidade, dada a existência,


na nova escola, de equipamentos de lazer e maior quantitativo de alunos, ampliando
as oportunidades de socialização e fruição da cultura do brincar.

A análise da situação indica que, em que pese a ausência de participação


social, a mudança pode ter resultados positivos no que se refere à aprendizagem
e socialização dos alunos, caso a municipalidade cumpra seu dever de garantir a
regularidade do transporte escolar.
Todavia, como foi atestado pela própria equipe de salvaguarda, nos períodos
chuvosos as condições das estradas dificultam o fluxo dos comunitários. Os pais
temem que o deslocamento e a frequência das crianças de Água Preta para a nova
escola, sejam impactados durante o período de condições climáticas adversas,
devido a piora das estradas e condições de acesso e circulação entre as
comunidades.

Outra preocupação dos comunitários é com o sucateamento e a depreciação


do equipamento, ainda que permaneçam alocadas duas zeladoras residentes na
comunidade, responsáveis pela limpeza e abertura eventual para ventilação. De
fato, no curto período em que está fechada, a escola já teve o roteador de internet
furtado. Considerando que a falta de uma função útil para o equipamento tende a
agravar a situação, a associação vem problematizando o seu uso como espaço para
reuniões comunitárias e projetos educacionais e de capacitação profissional.

Fotos 07: Escola de Àgua Preta desativada

Uma outra variável importante a ser considerada na transferência das


turmas de ensino fundamental de Água Preta para Valdício Barbosa é o processo
de municipalização da escola desta última, que atualmente pertence ao nível de
gestão estadual. Este ponto será tratado mais adiante no tópico referente à situação
atual de Valdício Barbosa.

Todavia, é possível adiantar que não será fácil sua efetivação, uma vez que
o MST se posiciona de forma veementemente contrária à municipalização do
equipamento, conta em sua defesa com a autonomia inerente à proposta
pedagógica do movimento e seu avançado grau de organização e engajamento.

4.2 Oficina de Educação para o Patrimônio Cultural

Preliminarmente, é preciso reiterar alguns pontos da metodologia do PIEP e


elencar outros, com vistas a esclarecer a dinâmica dos trabalhos quando o
planejamento dos produtos é colocado à prova das situações concretas.

O primeiro diz respeito à necessidade de compreender a oficina de patrimônio


cultural distintamente, indo além da noção de atividade estanque que ocorre em
espaço delimitado e separado do cotidiano dos comunitários. Inscrita na realidade
viva e dinâmica da comunidade, a oficina de educação para o patrimônio cultural
se configura como um dia de mobilização social e engajamento dos participantes,
que têm seus corpos e mentes colocados em posição de trabalho e com tarefas
reflexivas, o que define a transversalidade colaborativa subjacente a todos os
produtos do PIEP.

Nesta direção, caminhamos em conformidade com os princípios e métodos


da educação popular inspirada em Paulo Freire, onde o exercício de ensino-
aprendizagem deve ocorrer de forma dialógica, partindo sempre dos repertórios
locais e configurando-se como uma troca entre todos os envolvidos. No âmbito do
trabalho etnográfico, esta postura traduz-se na exigência de estreita proximidade
com o pólo acontecimal e contexto de vida dos comunitários ou, em outros termos,
deve situar-se o máximo possível junto do seu horizonte êmico.

Em estreita observância a estas diretrizes metodológicas, a


abordagem do patrimônio cultural junto com Água Preta é pensada desde o singular
local, valorizando os repertórios e auto atribuições próprias dos comunitários.

Dadas as preliminares, passamos ao desenvolvimento da Oficina de Educação para


o Patrimônio Cultural.

Momento 1 - Etnoregistro colaborativo “Conjunto Paisagístico Receptivo da


Comunidade” - Data: 12/04/2023

Em termos práticos, o exercício consiste na aplicação de uma técnica para a projeção


vital de comunidades vulneráveis, com objetivo de desenvolver competências críticas,
reflexivas e criativas dos participantes.
Se nossa régua de medição tem como marco o Relatório 1 (DCC), temos aí descrito
o Ativo Cultural 1 de Água Preta como Lugar Simbólico/Paisagem Cultural:

Complexo formado por Igreja Católica (Comunidade Sagrado Coração de Jesus) e


Cemitério, Escola, árvore sombreira na interseção destes equipamentos. Direitos difusos
e coletivos associados à paisagem e preservação de elementos do sagrado e de
ancestralidade (sepultamentos). (Ver: Relatório 1 - Diagnóstico Cultural Colaborativo, p.19)

A valoração cultural do ativo 1 de Água Preta atualiza sua potência como Bem
reconhecido e declarado pela comunidade (detentores).
Através das pedagogias circulares, do caminhamento reflexivo e do
compartilhamento de suportes da cultura digital, os participantes foram provocados a
refletirem sobre o paço de entrada da comunidade, que funciona como um receptivo
natural para os visitantes.

Fotos 08-10: Pedagogias de Roda e Caminhamento Reflexivo - auto atribuição e valoração


cultural

A patrimonialização cultural de conjuntos paisagísticos é hegemonicamente


associada aos contextos históricos e urbanos, apoiada no saber da arquitetura e na
episteme que demarca o universo pedra e cal, onde se destacam a monumentalidade e
suntuosidade de casarios, igrejas e edificações.
Em contraste, o conjunto paisagístico receptivo de Água Preta é definido a partir de
uma simplicidade que oculta seu enorme poder de ressonância, isto é, sua capacidade de
ativar memórias e operar vínculos sociais no presente etnográfico.
A igreja e a escola são edificações simples, o cemitério rudimentar, mas, suas
paredes e túmulos contam histórias.
Estabelecendo um contraste fronteiriço natural e visual com a paisagem do entorno
tomada por eucaliptos e pastos, as belas e suntuosas árvores sombreiras de Água Preta
não se restringem à função de marcadores territoriais e de memória. São operadores de
vínculos sociais no presente etnográfico vivo e dinâmico dos comunitários. Todas as
árvores do conjunto são apontadas com idade superior há 50 anos, algumas bem mais.
A mais importante do ponto de vista simbólico é a castanheira em cuja sombra se
reúnem espontaneamente os comunitários e aconchegam-se naturalmente os visitantes.
Trata-se da ágora natural da comunidade. Sob sua sombra estão dois troncos rústicos de
madeira nobre (sucupira) que funcionam como bancos. Há um outro banco plainado de
eucalipto conformando a cena receptiva e acolhedora.
A castanheira está localizada na rua principal, próxima e quase em frente à escola,
que possui outras árvores adjacentes como mangueiras e coqueiros. Outra árvore
relevante é uma idosa figueira, demarcando o acesso principal à comunidade e bem em
frente à igreja. Olhando de dentro para fora da comunidade, desde a perspectiva da rua
principal, a figueira pode ser vista ao fundo da castanheira

Fotos 11-12: Castanheira com figueira ao fundo e tronco de sucupira para sentar.

Também adjacente à igreja estão localizadas duas cajazeiras com banco rústico
de madeira nobre não identificada à sombra.
Fotos 13-15: Cajazeiras com vista oblíqua, posterior e lateral com banco rústico sob copa
sombreira

Até o momento não foi possível precisar um contexto cronológico preciso para a
Igreja do Sagrado Coração de Jesus. Através da oralidade, a zeladora do templo, Sueli,
indica que foi erguida em período que a densidade demográfica dos assentamentos da
região era incomensuravelmente maior que na atualidade, como atesta a casuísticas da
festa do padroeiro, de outras extintas como juninas e até mesmo profanas como o forró,
que recebiam romeiros e festeiros de várias localidades.
Fato é que em sua singela torre está um sino que teve o badalo e o cone interior
invadidos por um enxame de marimbondos, exigindo precauções complementares no
exercício do ofício do toque. Na parte frontal da campânula tem uma inscrição onde se lê
"SINO ECONOMICUS". Além disso possui um brasão, onde está forjada uma cruz em X
trespassada verticalmente por um cajado, de onde se deduz tratar-se de um tipo de cruz
cristã antiga, que após pesquisa comparada do detalhe mostrou ser precisamente de o
“monograma Cajado de Cristo”2.

2
https://fasbam.edu.br/2019/07/03/13-tipos-de-cruzes-cristas-antigas/ Consulta em 01/05/2023.
Fotos 16-17: Igreja com torre à esquerda e sino em destaque

O salão da igreja é eventualmente usado para reuniões comunitárias, o que pode


constituir-se em fator restritivo de crença que obstaculiza avanço na organização
comunitária, já que a comunidade também possui uma igreja evangélica. Mas, o espaço
eclesiático chegou a ser cogitado para a realização da oficina, antes que a equipe de
salvaguarda garantisse a agenda na escola por meio de diligência ao órgão gestor.
Na ocasião da vistoria estava repleto de excrementos de morcegos e a umidade e
cheiro indicava a presença de bolor (mofo) no ar. E era exatamente por este motivo que
estava sendo aberto pela zeladora Sueli, uma vez que era preciso o ar circular e arejar o
templo face uma celebração que se avizinhava.
Outro espaço interessante é o fundo da igreja, que segundo a zeladora foi solicitado
ao novo pároco - João Batista - concessão desta área para plantio de alimentos. A
demanda teria sido acolhida positivamente pelo mesmo, mas exige formalização e
autorização junto à Arquidiocese responsável pela igreja.
É interessante notar que este impulso para ocupação de novas áreas visando o
plantio de alimentos insinua-se como tendência e pode estar ligado à sobrevivência e
necessidade de reprodução cultural dos comunitários frente ao parcelamento familiar das
unidades domésticas e terras cada vez mais escassas devido à expansão da monocultura
nas fazendas vizinhas. Mais precisamente, Sueli é irmã de Geraldo que plantou uma horta
anexa à escola, sendo ambos filhos de Dona Imaculada e detentores herdeiros da maioria
dos saberes e fazeres tradicionais que vêm sendo registrados em Água Preta.
Fotos 18-20: Sombra da cajazeira, interior e fundos da igreja.

Confinando com os fundos da igreja está o campo de futebol e em sequência o


cemitério, ambos em condições precárias e deploráveis e exigindo medidas urgentes de
benfeitoria e salvaguarda. A situação da escola já foi tratada em tópico anterior e ganhará
novos desenvolvimentos um pouco mais adiante.
O esquema reflexivo-colaborativo ampliou-se em direção ao outro acesso limítrofe da
comunidade, no pólo oposto ao conjunto paisagístico valorado. No local estão os fornos e
estruturas abandonadas da fazenda do Perote, onde teria funcionado uma carvoaria
próspera e que gerava muitos postos de trabalho para a comunidade.
Aqui, mais uma vez, os territórios culturais em trânsito dinâmico não coincidem com
as métricas espaciais. É a ressonância na memória comunitária o indicador de sua
valoração. O percurso encerrou-se na sede da Fazenda do Perote, no único núcleo ativo
que sobrou da mesma e onde reside a caseira Dona Nitinha, cujas habilidades
gastronômicas já são conhecidas e apreciadas pelos comunitários. Na ocasião, a mesma
fez a entrega da encomenda de quitandas contratadas para o lanche da oficina.

Fotos 21-22: Fornos na Fazenda do Perote e quitandas da Nitinha na sede.

Momento 2 - Etnoregistro colaborativo “Quintal Produtivo do Sr. Arlindo”


13-05-2023
Esta atividade soma-se ao etnoregistro dos quintais produtivos, ajustando as lentes
para a unidade doméstica e familiar do Sr. Arlindo, que passa a compor conjunto com o
quintal do casal Sr.Vila & Dona Maria. Além destes moradores que são os remanescentes
mais antigos de Àgua Preta, o etnoregistro dos quintais captou imagens de alguns plantios
e iniciativas isoladas de outros comunitários, mesmo que incipientes, como forma de
reconhecimento de seus esforços de viver da terra.
Atendo-nos por ora no quintal do Sr. Arlindo, dada a precária saúde deste, o mesmo
nos foi introduzido pelo seu genro Carlos Antônio Alexandre Coelho. Iniciamos pela casa
de pau a pique ou stuck, que se constitui em remanescente raro desta técnica de
construção na comunidade, tal como foi descrita detalhadamente pelo nosso anfitrião,
incluindo a indicação das luas corretas para a coleta da madeira ser traçada, de modo a
evitar o surgimento de brocas e outras pragas.
Esta era a habitação original do Sr. Arlindo, por isso está mais abaixo e cercada de
exuberantes árvores frutíferas como mangueira, laranjeira, limeira, bananeiras. Um
destaque é a profusão de cacau , tendo sido descrito um saber do pilão extinto e que
consistia na produção de chocolates feitos por pilagem de sementes secas deste delicioso
fruto.

Fotos 23-25: Técnicas de pau a pique, de extração de sementes de cacau e de coleta de


coco dendê, apresetadas por Carlos Coelho.

Outras espécies identificadas a partir de seu nome popular são aroeira, macadame,
ingá de metro, umbu do sertão, coco dendê e coco bahia. Neste último caso, as espécies
são tão antigas que suas folhas ressecam e caem formando aquilo que é chamado
popularmente de barba do profeta.
A localização do quintal do Sr. Arlindo se dá nas margens do riacho Água Preta, à
jusante da unidade doméstica do casal Sr. Vila & Dona Maria, o que certamente contribuiu
para sua fertilidade, dado que na mesma foi identificada uma área remanescente de cultura
de várzea, onde se praticava o cultivo de arroz, hoje extinto, mas que teve ativada a
memória de sua trituração via pilagem. Esta disponibilidade de recurso hídrico no fundo do
quintal vem permitindo a existência de um pequeno e modesto poço para a prática de
piscicultura.

Fotos 26-28: Barba do profeta, área remanescente de várzea (arroz) e poço de


piscicultura

Os quintais produtivos foram inicialmente configurados como Ativo Cultural 5


(Relatório 1 0 DCC, p 22). A atualização de campo possibilitou captar sentidos êmicos e
de pertencimento internos aos comunitários, deslocando a valoração cultural dos mosaicos
produtivos domésticos para o conjunto paisagístico que define a singularidade de Água
Preta como trincheira fértil e florida, que contrasta com a paisagem uniforme dos pastos
(manga) e eucalipto do entorno.

Momento 3 - Etnoregistro Colaborativo Produção de Salgados de Dona Regina


13 e 14 -05-2023

Além das quitandas e bolos de Dona Nitinha, Dona Regina já havia colaborado no
etnoregistro do feito de ximango e beiju. No campo transcrito em tela, completou seu
portfólio de prazeres gastronômicos locais com uma bela receita de salgados. Ela relatou
que essa receita era vendida no bar que mantinham na entrada de Água Preta.
Cumpre lembrar que Dona Regina é a esposa do Sr. Avelar, atualmente residindo
em Valdício Barbosa, mas mantiveram um pequeno comércio em Água Preta de onde
migraram há cerca de dois anos, bem como a unidade doméstica que foi destinada ao
filho, nora e netos.

Fotos 29-30: Produção de salgados por Dona regina

Durante o etnoregistro dos salgados, Dona Regina, Moábia e Sr. Avelar aproveitaram
para externar sua preocupação acerca da água disponível para os moradores de Água
Preta. Eles relataram que a SUZANO SA vai instalar um poço artesiano na comunidade,
mas falta a liberação do prefeito de Conceição da Barra. Disseram que o mesmo prefeito,
quando criança, frequentava muito Água Preta.

Momento 4 - Socialização dos etnoregistros e auto atribuições culturais


Entrelaçando educação popular/antropologia social/saberes locais, as
pedagogias de roda configuram-se como arenas circulares dinâmicas que
propiciam exercícios de auto atribuição. Através do espelhamento reflexivo, os
comunitários geram novas sínteses criativas em torno de suas memórias e práticas
sociais.

Mais do que o apanágio de experts da ciência multidisciplinar do patrimônio,


a valoração de um bem cultural local tem como ponto de partida exatamente este
auto reconhecimento por parte dos próprios detentores.

Partindo da singularidade dos saberes locais, o compasso vai sendo ajustado


progressivamente para as questões mais gerais e universais que definem o
patrimônio cultural como ciência multidisciplinar integrada, permitindo a introdução
na relação dialógica de educação patrimonial de recortes regionais e pautas
relacionadas com a ocupação cultural do norte do Espírito Santo.
Fotos 31-34: Diferentes ângulos da socialização

A realização prévia do exercício de projeção vital para valoração cultural do conjunto


paisagístico deixou o conteúdo fresco na memória dos participantes. Por isso, foi escolhida
como porta de entrada para a reflexão criativa.
Um exemplo foi a confrontação dos comunitários com a imagem de Água Preta numa
perspectiva distante, a partir da Fazenda Perote, para valoração da paisagem e sua
promoção como direito coletivo. A imagem e a vivência reflexiva sobre o longo ciclo de
vida das frondosas árvores sombreiras que marcam a comunidade, contraposta ao curto
ciclo da monocultura dos territórios envolventes. A paisagem deixa evidente que Água
Preta representa uma ilha promotora de cultura ecológica verde com cobertura arbórea
abundante.

Foto 35: comunidade de Água Preta, vista a partir da Fazenda Perote, destaque da cultura
ecológica de seus quintais produtivos, entre pastos e monocultivo de eucalipto da paisagem
circundante.

A partir da foto a tesoureira da associação, Sueli Pires da Conceição, trouxe reflexões


sobre a antiguidade da cultura local e os imapctos do plantio de eucalipto na comunidade.
Assim como outros comunitários, expressou preocupação sobre o limite do plantio de
eucalipto, que começou a ser implantado na fronteira da comunidade de Água Preta.

Aqui é um lugar muito antigo, o pessoal é muito antigo, igualmente, uma igreja igual
a essa, a gente conhece essa igreja há 50 anos atrás, né? Como é que uma coisa
pode ir assim de água abaixo?
Voltando a conversar com vocês sobre o distanciamento ali do eucalipto. (...)
Quantos metros é o distanciamento da comunidade? Mas existe um distanciamento.
(...) aquela parte ali, a gente não entrou cortando ao menos uns cem metros ali,
porque a gente quer saber tudo certinho se existe. Porque eles falaram que existe
sim, esse direito e esse distanciamento, mas a gente realmente não sabe qual é o
distanciamento. A gente não quer mexer com nada sem saber qual é o motivo.
(Sueli, durante a Oficina Educação para o Patrimônio Cultural de Água Preta)

Extensivamente, dada a dimensão transversal que lhes é imanente, todos os


etnoregistros colaborativos contribuíram para a geração de material empírico-reflexivo
socializável na arena circular da oficina.
A ênfase especial foi conferida às técnicas de visualização participativa com suportes
da cultura digital e uso de recursos áudio visuais, pois a exibição sequencial de todos os
etnoregistros colaborativos com abundantes imagens dos comunitários tornou propício o
campo para a problematização e reconhecimento de suas práticas sociais e culturais.

Fotos 36-37: Visualização participativa dos etnoregistros

No estado atual da situação, temos como resultado da oficina a valoração como


patrimônio cultural, segundo critérios de autoatribuição comunitária, os seguintes bens em
Água Preta:

- Conjunto paisagístico eco cultural incluindo os lugares simbólicos e quintais


produtivos com toda sua diversidade de plantas alimentícias, ornamentais e
farmacopéia popular;
- Os Saberes do Pilão, compreendendo: a) o café torrado no fogão de lenha,
pilado e coado com garapa da engenhoca (Detentores: Sr. Vila e Dona Maria)
b) O feitio de óleos como mamona, coco e coco dendê (Detentora Dona
Imaculada e filha Sueli). Também foi valorado o ofício do pilaozeiro (Geraldo:
fazedor de pilões)
- - O Extrativismo e pesca artesanal, compreendendo o feito do artesanato em
cipó e a pesca tradicional. Detentores: Dona Imaculada (Mestre) e filhos,
além de outros comunitários esporadicamente.
- As quitandas e os prazeres gastronômicos locais. Detentoras: Dona Regina,
Dona Nitinha e Angélica.

Momento 5 - Promoção da cultura do brincar e da criatividade infantil

A oficina contou com espaço para as crianças exercitarem sua criatividade, através
de desenhos e brincadeiras com potencial de simbolizar aspectos cotidianos ligados aos
quintais de suas unidades domésticas e ao cotidiano da vida rural.

Fotos 38-41: crianças produzindo suas expressões artísiticas de Água Preta.

Figuras 03-06: desenhos da Isabela, 8 anos, sua casa, quintal produtivo, unicornios,
bandeiras do Brasil e do MST.

Figuras 07-09: Rodrigo, 8 anos, desenhou sua casa, o quintal produtivo com mangueira,
palmeiras e, em frente de casa, os carros do pai e do avô.

Figuras 10-11: desenhos do Matheus, 9 anos, simbolizando sua casa e a roça do pai,
Mauro, herança da falecida avó Maria Helena.

Figura 12: Kemilly, 10 anos, desenha sua casa e seu quintal produtivo, herança do sr.
Avelar e Dona Regina.

Figura 13: desenho do Gabriel Mello, 5 anos.


Figuras 14-15: Desenhos da Duda, ou Dudinha.

Figura 16-18: desenhos do Artur.

Figuras 19-20: desenhos da Julia, 5 anos.

Figuras 21: desenho do Hiago, 4 anos.

Figuras 22-23: desenhos da Helena (1 ano).

A presença de mais de uma dezena de crianças na oficina, levadas pelos pais,


recoloca em outro patamar a pauta do fechamento do equipamento escolar. Inúmeras
vezes as crianças questionaram à pesquisadora: “tia, você é a nova professora?”.

Não estaríamos frentes a um caso de deslocamento da demanda? Apesar da


vacância das séries de ensino fundamentais, não haveria espaço para atividades
pedagógicas, ainda que complementares, para o público infantil?

Estas iniciativas poderiam contribuir para ampliar o tempo livre das mães, que
poderiam destinar para processos de qualificação profissional e inserção produtiva?

São cenários potenciais para a reflexão e concertação social dos comunitários em


espaços próprios de organização, como a associação local.

Momento 6 - Estética de aproximação dialógica com o processo de ocupação


cultural no contexto regional do Norte do Espírito Santo

Este momento apresentou como desafio introduzir de forma dialógica questões


universais associadas ao patrimônio cultural e que o definem como ciência multidisciplinar
integrada.

Mais uma vez, a equipe insistiu no esforço de operar com materiais empíricos
recolhidos, sempre que possível, nos contextos locais e regionais, procurando encurtar a
distância entre os repertórios dos comunitários e os conteúdos de educação patrimonial
prescritos no âmbito das normativas de proteção e salvaguarda de bens culturais.

Nesta perspectiva, foram incorporados etnoregistros empreendidos pela própria


equipe de salvaguarda no contexto municipal e regional.

Optando por recuar na cronologia a partir do período histórico, foram apresentados


para visualização participativa fragmentos de etnoregistros realizados no Porto de São
Mateus, que além de permitirem digressões sobre a categoria do patrimônio edificado
introduziram os participantes no universo regional da diáspora africana, problematizando
o histórico da escravização e a marcante presença negra no norte do E.S. na atualidade.

Operando com repertórios oriundos do ponto de cultura da Associação de Capoeira


Dendê e do Museu Comunitário Bois de Reis, foi possível estabelecer pontes dialógicas
com alguns comunitários e identificar reminiscências de memórias ou curiosidade ativa em
relação à manifestações como Capoeira, Jongo, Caxambu, Ticumbi, e Bois de Reis.

De igual modo, extratos dos materiais registrados abriram campo para o diálogo
com personagens históricos que representam a cultura local, como Zacimba Gaba, Negro
Rogério e Mestre Terto. Durante um breve histórico, Camila, a presidente da associação,
manifestou conhecimento sobre o assunto. Ela se lembrou que já havia feito trabalhos
sobre essas importantes lideranças durante sua trajetória escolar. Sueli destacou a
presença quilombona na região em que se insere Água Preta.
As pinturas nas paredes da praça central de Conceição da Barra relembram o
protagonismo da Zacimba Gaba e omenageiam o saudoso Mestre Terto, figura lendária
do Ticumbi de São Benedito. Dois artistas pretos, Thiago Balbino e Luham Gaba, por meio
do projeto Cores de Reis, realizaram em 2015 essa arte, que mantém viva a memória preta
do norte capixaba. As obras foram feitas com recursos próprios. Em 2023, os artistas
viram seus painéis serem alterados e a sua autoria apagada. A quem interessa o
apagamento dos artistas pretos?

Figuras 24-25: murais originais, pintados no centro histórico de Conceição da Barra ativam a
memória local. Fonte: https://www.seculodiario.com.br/cultura/paineis-de-artistas-pretos-
sao-descaracterizados-em-conceicao-da-barra
Figura 26: tirinha trás reflexão sobre a acenstralidade e rainhas negras, como Zacimba
Gaba. Fonte: https://lunetas.com.br/tirinhas-o-mundo-de-tayo/

Fotos 42-44: Ponto de Cultura Dendê e Museu reis de Boi no Porto de São
Matheus, ES.
Fotos 45-47: Repertórios utilizados na reflexão criativa sobre manifestações
regionais

Fotos 48-49: Repertórios utilizados na reflexão criativa sobre ofícios tradicionais

Figura 27: Quilombos situados no município de Conceição da Barra e Pedro Canário.


Fonte: https://www.gov.br/incra/pt-br/assuntos/governanca-fundiaria/quilombolas
Figura 28: territórios quilombolas no Brasil e, 2019, com destaque para o ES. Fonte:
https://educa.ibge.gov.br/jovens/materias-especiais/21311-quilombolas-no-brasil.html

Após o exercício reflexivo com os repertórios provenientes do Porto de São Mateus


e majoritariamente ligados à contribuição e lutas dos africanos escravizados e seus
descendentes, as lentes da reflexão criativa foram ajustadas para os povos originários no
contexto pré e pós contato colonial.

A este respeito é comum no repertório dos comunitários de Água Preta a alusão


entre uma possível relação toponímica com a localidade do “Buticudo” e os indígenas
conhecidos pelo nome de botocudos. Tal entrada permitiu abordar alguns pontos da
Guerra de Extermínio declarada por D. João VI (1808) contra este povo, seguida de
considerações sobre sua rota de fuga das cordilheiras centrais mineiras na direção jusante
leste do Rio Doce e seus afluentes.

Esses povos originários eram diversos e falavam diferentes línguas. O termo


“Botocudos” é uma denominação pejorativa, cunhada pelos portugueses para aqueles que
utilizavam alargadores de discos de madeira no lábio inferior ou nas orelhas, semelhantes
a botoques, palavra que designava os tampões de tonéis de vinhos.

Fotos 50-51: indígenas botocudos do rio Doce, em 1887. Fonte: Walter Garbe, Arquivo
Publico do ES.
https://ape.es.gov.br/Media/ape/PDF/Livros/MIOLO_LivroIndiosBotocudos_Jun2014_041
214.pdf

Explicamos que quando os portugueses chegaram no território, hoje conhecido


como o Espírito Santo, havia diferentes populações nativas, em especial as dos trocos
linguísticos Macro-Jê e Tupi-guarani. Ainda hoje, em todo o Brasil são faladas pelos povos
indígenas 160 línguas e dialetos; antes da chegada dos brancos, estima-se que esse
número devia ser próximo de 1000 (https://pib.socioambiental.org/pt/L%C3%ADnguas).
Portanto, herdamos uma visão generalista desses povos, que não corresponde à
diversidade que havia e ainda há até o presente.
Figura 28: localização de Água Preta no mapa de Nimuendaju, indicando a
presença da etnia Masakari em 1787. Fonte: IPHAN 2017.

Os Masakari da região de Pedro Canário, onde hoje se situa Água Preta e sua
vizinhança, destacado do mapa de Nimuendaju, eram tribos ainda existentes na segunda
metade do século XX, com sedes abandonadas, oriundas do vale do Mucuri (MG). Esses
povos eram da família linguística Maxacali, pertencente ao tronco linguístico Macro-Jê.

Segundo o Instituto Socio Ambiental (ISA), até o século XIX muitos grupos Maxacali
foram aldeados por capitães-mores nas povoações litorâneas, entre as quais Itaúnas,
Conceição da Barra e Santana, no Espírito Santo. Mas a intensificação do contato após
1808 fez com que o deslocamento dessas tribos passasem a ser constantes, na tentativa
de fugirem da dominação, seja de colonos ou dos povos ditos botocudos. A maioria, numa
estratégia de sobrevivência, acabou cedendo à dominação dos brancos e embarcando na
guerra aos Botocudos.

Os deslocamentos das tribos indígenas passaram a ser constantes


na tentativa de fugirem ao contacto e à dominação, tornando a
disputa por territórios uma dura realidade que as levou a
estabelecerem estratégias distintas. Os Kamakã-Mongoió e os
Maxakalí, já conhecidos por essa denominação, ao avaliarem a
impossibilidade de continuarem a enfrentar, simultaneamente, os
colonos e os grupos Botocudos que avançavam em direção ao sul,
optaram por aceitar o aldeamento compulsório e o engajamento
como trabalhadores e soldados sob a direção de diretores de aldeias
civis e militares e comandantes de divisões militares, criadas para
promoverem a guerra justa defensiva e ofensiva aos Botocudos
decretada pelas Cartas Régias de 1808.
A partir de então, multiplicaram-se os aldeamentos dos grupos
Maxakalí, nessa época também conhecidos por Naknenuk, uma
palavra da língua dos Botocudos e que passou a ser usada como
sinônimo de "índios mansos, aliados e aldeados". O único subgrupo
apontado como resistente a essa política de aliança foi o dos Pataxó,
sempre considerados como arredios e resistentes ao avanço da
sociedade dominante.
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Maxakali#Cultura_material

Foto 52: indígena Maxacali por Curt Nimuendajú, 1939. Fonte:


https://img.socioambiental.org/d/225693-1/maxacali_5.jpg

De volta a São Mateus, foi apresentado como repertório reflexivo o quadro que
retrata a Batalha do Cricaré, ocorrida no século XVI, início da colonização. O painel é
estampado na parede externa do equipamento museológico, que funciona na antiga Casa
de Câmara e Cadeia. Nesse momento também foi apresentado como repertório a Igreja
Velha.
Fotos 53-58: mosaico Batalha do Cricaré, de Thiago Rabelo, exposto na casa de câmara
e cadeia, atual museu municipal de São Mateus; vista do rio Cricaré (ou rio São Mateus).

Thiago detalha que o painel retrata a batalha, com índios às margens do Rio
Cricaré empunhando lanças, arcos e flechas, combatendo e expulsando os
colonizadores enquanto observam duas embarcações. “Uma delas tem a
inscrição morte, pois acredito que os portugueses trouxeram a morte para
essas terras que eram o lar dos índios” – complementa.
Foto 59-60: mosaico em detalhe. Fonte: https://tconline.com.br/artista-
mateense-retrata-a-batalha-do-cricare-em-mosaico/

Foto 61: Igreja Velha, São Mateus/ES, obra inconcluida de uma construção do
estilo colonial português da metade do século XIX.

A estratégia de operar com materiais empíricos oriundos do contexto regional


contribui para uma maior troca e participação entre os presentes, que mostraram
aproximação satisfatória com um ou outro repertório destacado. Cumpre reiterar a
configuração dos comunitários de Água Preta como campesinato, que oscila de forma
pendular com relativa mobilidade regional.

Prosseguindo na tarefa aproximativa e procurando destacar a diversidade dos


povos originários, o compasso temporal deslocou seus ponteiros para o presente
etnográfico dos povos Guarani Mbya e Tupiniquim de Aracruz/ ES, destacando desafios
para sua sobrevivência existencial e reprodução cultural.
Fotos 62-68: artesanato da aldeia Três Palmeiras, índigenas Guarani Mbya, Anderson e Félix.

Fotos 69-72: prática e saberes tradicionais do povo Guarani Mbya da aldeia Três Palmeiras.
Fotos de Anderson Guarani.
No Brasil atual, apenas 13,8% das terras do território nacional são reservadas aos
povos indígenas. A maior parte das terras indígenas (98,25%) se situa na Amazônia legal,
o restante (1,75%) espalha-se pela demais regiões do país
(https://pib.socioambiental.org/pt/Localiza%C3%A7%C3%A3o_e_extens%C3%A3o_das_
TIs).

Figura 29: terras indígenas (TI) do Brasil, com detaque para localização das aldeias Guarani
Mbya e Tupiniquim do ES.

Com o mapa acima trouxemos a reflexão sobre a ocupação do território brasileiro


após 1500. Será que o número menor de TI fora da Amazônia tem relação com a ocupação
portuguesa e das colonias européias, uma vez que essas invasões/ocupações foram
iniciadas pelo litoral?
Os locais onde havia aldeias antes da chegada dos portugueses ou mesmo após
a colonização, mas hoje não existem mais, são considerados sítios arqueológicos. Nesses
locais encontramos os objetos que se preservaram ao longo de centanas ou até milhares
de anos.

Fotos 73-75: exemplos de cerâmica Tupiguarani. Fonte: SOUZA, 2010.

Figura 30: Datações de Sítios Tupiguarani. Fonte: Correa & Samia Cronologia da
Tradição Arqueológica Tupiguarani | Angelo Correa - Academia.edu

Na feira de Conceição da Barra encontramos descendestes de um povo originário,


apresentado como repertório resultante de registro etnográfico. Uma senhora, que vendia
mangaba e carangueijos, falou da suas raízes indígenas, remetendo aos saberes de sua
bisavó, que ela julga ter herdado. Ela contou que sua ancestral era chamada de “índia
boleteira”, pois ela arremesava o instrumento ou um pedaço de madeira no coqueiro e era
“certeira”; disse que hoje ela, às vezes, faz o mesmo e também consegue derrubar a fruta.
Foto 76: feirante de Conceição da Barra, relatando prática ancestral de sua bisavó
indígena.

O relato da feirante provavelmente remete a um instrumento conhecido como bola de


boleadeira, presente em registros arqueológicos de povos Guarani, e incorporado na cultura
regional das Missões Jesuíticas do sul do país (Santo Ântonio das Missões, RS).

Foto 77: Evidência arqueológica, bola de boleadeira


Bola de boleadeira com sulcos transversais encontrada na região da Serra do Sudeste, Pelotas.

Fonte: http://www.amaacervos.com.br/item_de_acervo/bola-de-boleadeira-2/

Figuras 31-32: exemplos de utilização da boleadeira para abater um animal ou


como arma de guerra nos pampas gauchos. Fonte:
https://www.portaldasmissoes.com.br/site/view/id/1369/boleadeira.html
Considerando que este etnoregistro foi realizado na feira de Conceição da Barra, o
repertório incluiu também a Colônia de Pescadores da cidade e provou a reflexão dos
comunitários de Água Preta acerca de quão antigas e diversas são essas práticas na
região e, recuadas no tempo, podem ser algumas das atividades executadas pelos
mesmos em Água Preta e entorno.

Momento 7 - Apresentação (power point) com a Cronologia da Ocupação


Regional
Aproveitando o gancho com a questão da pesca e coleta, recuando muito no tempo,
há cerca de 4000/3000 anos A.P., chegamos aos primeiros habitantes do litoral, que
deixaram evidências chamadas de Sambaquis. Explicamos que Sambaqui é uma
denominação tupi-guarani, que significa “lugar de muita concha”.
Mostramos a diversidade de evidências encontradas nesses sítios, material ósseo,
lítico, mais raramente fibras trançadas. Nas camadas superiores desses sítios é comum
encontrar cerâmica de outras culturas, como a Tupiguarani.
b c

a b 1 cm

a b

1 cm
cm

a b

Figuras 33-39: Apresentação sobre Sambaquis.

Momento 8 – Sítios arqueológicos cadastrados no município de Conceição da Barra e Pedro


Canário
No município de Pedro Canário há registro de um sítio apenas denominado Nova Canaã,
mas não existe nenhuma descrição do mesmo disponível no site do IPHAN. Juntos, durante a
oficina supomos que seja regitro histórico da vila pequena como Água Preta, que existiu na região
e é descrita pelos comunitários como local abandonado.
Por outro lado, em Conceição da Barra há uma diversidade de sítios cadastrados. Treze
sítios são históricos, dentre os quais seis apresentam datações relativas que remetem ao período
de transição entre o século XIX e XX.
Nesse momento mostramos imagens da exposição arqueológica do Parque Estadual de
Itaúnas, quando várias crianças disseram que já visitaram.
Fotos 78-81: Exposição arqueológica do Parque Estadual de Itaúnas.

Momento 9 - Encerramento da oficina e Fruição Gastronômica


Momento em que foram degustados os produtos locais, que além de conferirem visibilidade
ao patrimônio gastronômico valorado, contribuem para a geração de renda local.

Fotos 82-83: mesa de encerramento da oficina.


Figura 40: lista de presença da oficina 2 – Educação para o patrimônio cultural.
4.3 Cenários e Desenhos de Futuro Água Preta

Tendo em vista a aderência dos comunitários para a 2ª oficina, o cenário é


a realização imediata da 3a. oficina (Produto 4).

O próximo campo também incluirá a finalização dos etnoregistros, mais


precisamente a conclusão da documentação dos saberes do pilão (coco, mamona
e coco dendê) e num horizonte otimista o ofício do pilaozeiro.

Neste cenário descrito, pretendemos no próximo campo delimitar o universo


empírico dos dados recolhidos para passar à conclusão das oficinas.

Restando-nos pois, ao final da próxima etapa, a sistematização dos dados


de campo na forma de inventário de referências culturais.

5 ATIVIDADES DESENVOLVIDAS EM VALDÍCIO BARBOSA

5.1 Situação atual de Valdício Barbosa - Consentimento tácito

A situação atual (S2) para Valdício será apresentada tendo como parâmetro de
medição a situação anterior (S1) descrita no RT2- Etapa de Campo 3, onde foi destacado
o consentimento tácito por parte das lideranças do assentamento acerca da presença e
trabalho da equipe técnica no Valdício Barbosa, especialmente na execução de
etnoregistros. Foi destacada a intensa agenda de lideranças locais e assentados, fator que
dificultava a formação de uma arena de concertação coletiva para deliberar sobre o PIEP.
Esta situação foi intensificada devido ao Abril Vermelho, jornada de lutas organizada
anualmente pelo MST neste mês e que tem como objetivo afirmar um projeto de
democratização fundiária para a produção diversificada de alimentos saudáveis e combate
à fome, contraposto ao latifúndio e à monocultura no campo.
A visita ao assentamento se deu num momento em que havia uma escalada de
tensão (desde o início de março de 2023), quando emergiram pautas represadas entre o
MST e grandes empresas, com a ocupação de várias fazendas na região e configurando
um conflito direto que demandou a mediação do governo federal.
Figura 41: O Globo. Política. 17/04/2023 21h29

No contexto local do norte do Espírito Santo e Sul da Bahia esta conjuntura se


mostrou extremamente desafiadora para o desenvolvimento dos trabalhos de campo, mais
especificamente para a deliberação coletiva junto à direção do assentamento acerca dos
rumos do PIEP, dada a perspectiva democrática e construtivista inerente à pedagogia do
MST.
Frente a este impasse a estratégia adotada foi a insistência etnográfica, que
consistiu em manter a proximidade com os comunitários através de duas vertentes: a
primeira margeando pelas bordas do assentamento através dos etnoregistros e a segunda
através de contato com as lideranças isoladamente.
Através da intensificação desta estratégia, que já vinha sendo implementada desde
o início dos trabalhos de campo, foi possível construir progressivamente esclarecimentos
sobre os objetivos do PIEP e ampliar sua reverberação no assentamento.
Outro fator essencial foi o uso de plataformas audiovisuais, lembrando que a equipe
de campo já havia documentado a Festa da Primavera, a Festa de São Sebastião, bem
como percorrido alguns trajetos de memória oral e quintais produtivos através dos
etnoregistros. A carência destes instrumentos de documentação de eventos e calendário
cultural foi apontada por lideranças da escola local e da agrovila como uma demanda real
a ser suprimida pelo PIEP, especialmente na cobertura das atividades do XXVII
Aniversário do Assentamento Valdício Barbosa.

Fotos 84-85: Equipe do PIEP registrando as atividades desenvolvidas no XXVII Aniversário do


Assentamento Valdício Barbosa (12/04/2023).

Constituindo-se em ponto de virada para o PIEP, este evento aconteceu entre os


dias 12/04/23 e 15/04/23, apresentando extensa programação que unificava a inauguração
da Unidade de Beneficiamento de Café e Pimenta do Reino (Secador/Agro-indústria),
antecipava em cerca de 1 mês a tradicional Festa da Colheita e fortalecia a agenda de luta
dos educadores e da comunidade escolar contra a agenda de municipalização da Escola
Estadual de Ensino Fundamental Valdício Barbosa dos Santos (EEEFVBS).
Foto 86: Agrovila 15/04/23.

Portanto, a ocasião serviu de brecha para a consolidação da equipe no contexto


organizacional e institucional do assentamento. Em outros termos, a presença no campo
neste período funcionou como um ritual de iniciação da equipe subsumida na
temporalidade da agenda intensa dos comunitários, impulsionando a etnografia para noites
e madrugadas de trabalho.
A partir deste ponto o consentimento tácito para as tarefas colaborativas do PIEP
junto com os comunitários tornou-se consentimento explícito, tendo como expoentes a
realização da oficina de memória e os etnoregistrros descritos a seguir.

5.2 Oficina de Memória e História 12/04/23

Para a compreensão do modo de organização da oficina e da inserção da equipe


do PIEP na atividade é necessário recapitular um trecho do Diagnóstico Cultural
Colaborativo onde está escrito:

Sob a inspiração de Paulo Freire, patrono da educação nacional, e em conformidade


com os princípios da pedagogia da alternância, a escola em Valdício Barbosa afirma
a autonomia e a memória da luta pela terra como ativos culturais presentificados no
cotidiano. Tomada neste contexto, a escola não é apenas um equipamento, pois
funciona como termômetro refletor, proposta e grau organizativo do MST. Portanto,
não é possível pensar em um programa de educação patrimonial que não lhe confira
centralidade (DCC, p.24)
Mais ainda:
Em Valdício Barbosa a Escola não está só, é integrada ao cotidiano, seguindo a
lógica da vida. Através de suas místicas, promoção da cultura da infância (sem
terrinha) e como local de encontro, festa, organização do trabalho, mutirão,
assembleia. A arquitetura e disposição circular dos equipamentos - quadra,
escola/salas, Igreja de São Sebastião - tudo aí caminha para a Ágora Central
(arena) onde se abre a Roda exercita-se a primazia da convivência (DCC, p.25).

Portanto, é neste contexto de circularidade que se questiona o padrão unilinear na


produção de conhecimento e se dá a inserção do PIEP na atividade. Para a pedagogia
revolucionária autogestionária do MST faz pouco sentido uma equipe de experts se
apresentarem como portadores do conhecimento sobre a realidade local. A memória e a
história são conhecidas, devem ser contadas e refletidas a partir dos assentados com seus
próprios repertórios vocabulares, materiais, estéticos, corporais e outros que estiverem a
seu alcance.
Dada estas preliminares, a oficina pode ser compreendida a partir dos momentos
que se seguem,

1º Momento - Multilinguagens Artísticas - Projeção Visual, Poesia de Cordel, Música


e Mística (dramatizações)

Na abertura foi exibida a versão em projeção do mural de fotos antigas montado por
alunos da Escola Valdício Barbosa (EEEFVBS) e cuja versão impressa foi exposta na
Festa do Assentamento.

Fotos 87-88: memória fotográfica do Assentamento Valdício Barbosa, projetada (12/04/2023) e


impressa (15/04/2023).

Em seguida teve início uma mística preparada por estudantes da EJA e algumas
crianças, que consistiu em uma dramatização da mensagem que demarca o horizonte
ético do MST na relação com a terra e humanidade, sendo também utilizados elementos
naturais como folhas, flores, frutos e sementes.
Fotos 89-92: mística inicial sobre a terra, com diversas frases – “respeitar os bens da natureza”,
“cultivar solidariedade”, “valorizar a terra”, “lutar pela terra” e “produzir na terra”. (12/04/2023)

O passo seguinte foi a apresentação de uma poesia em forma de cordel por Roberto
Silva da Paixão, assentado e liderança do MST. A narrativa transita entre a história das
Ligas Camponesas com o martírio de João Pedro Teixeira até a criação do MST a partir
de famílias camponesas expulsas de uma reserva indígena, gerando a Primeira Ocupação
no Rio Grande do Sul.

Fotos 93-94: declamação feita por Roberto Silva da Paixão, (12/04/2023).

Também foi lembrada a primeira palavra de ordem “Terra de Deus, Terra de Irmãos
e Terra para Todos!” O rodeio poético prossegue circulando pela primeira reunião
organizativa envolvendo 03 estados do Brasil em Cascavel no Paraná no ano de 1984,
são citados nomes de Marx, Paulo Freire, Margarida Alves, Che Guevara e novas palavras
de ordem são lembradas:
“Ocupar, Resistir e Produzir! Reforma agrária, uma luta de todos! Enquanto o
Latifúndio quer guerra, nós queremos terra.” (Trecho da fala do Roberto em
12/04/2023).

Por fim, são semiotizados poeticamente os massacres de Corumbiara, Eldorado


dos Carajás, Carandiru e Candelária, além de homenageados mártires da luta pela terra
como Oziel, João Pedro e Teixeirinha, além de exaltados prêmios recebidos pelo MST
como o Nobel Alternativo e UNICEF Educação.
“Nossa luta é social, disso não duvido não! Tem o índio, o branco e o negro para
moldar essa Nação. Depois das lutas camponesas, com mortes, vitórias e
desenganos, com muitas lutas e organicidade, o MST completa 39 anos. Já dizia
Paulo Freire: educar e educar-se, na prática da liberdade, é tarefa dos que sabem
e pouco sabem, transformando o seu pensar para mudar a sociedade.” (Trecho da
fala do Roberto em 12/04/2023).

Assim que foi encerrada a declamação, a organização convocou os presentes para


se levantarem e aclamarem de pé o Hino do MST. Este foi sem dúvida um momento muito
forte e marcante da atividade, com uma entrega dos assentados que em conjunto entoam
o canto que une a memória e o presente etnográfico da luta pela terra.

Foto 95: declamação do hino do MST (12/04/2023).

A música e a musicalidade são repertórios muito importantes para o MST e o


assentamento Valdício Barbosa. A história de lutas é musicalizada e cantada e por meio
das místicas, de palavras de ordem e outras vivências circulares. O Hino, cuja íntegra em
sua versão oficial é reproduzida a seguir, pode ser descrito como síntese da potência do
canto e da musicalidade no universo êmico dos assentados.

Hino do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra


Letra: Ademar Bogo
Música: Willy C. de Oliveira
Ouça aqui o Hino do MST
Vem teçamos a nossa liberdade
braços fortes que rasgam o chão
sob a sombra de nossa valentia
desfraldemos a nossa rebeldia
e plantemos nesta terra como irmãos!
Refrão:
Vem, lutemos punho erguido
Nossa Força nos leva a edificar
Nossa Pátria livre e forte
Construída pelo poder popular
Braços Erguidos ditemos nossa história
sufocando com força os opressores
hasteemos a bandeira colorida
despertemos esta pátria adormecida
o amanhã pertence a nós trabalhadores!
Refrão:
Vem, lutemos punho erguido
Nossa Força nos leva a edificar
Nossa Pátria livre e forte
Construída pelo poder popular
Nossa Força regatada pela chama
da esperança no triunfo que virá
forjaremos desta luta com certeza
pátria livre operária camponesa
nossa estrela enfim triunfará!
Refrão:
Vem, lutemos punho erguido
Nossa Força nos leva a edificar
Nossa Pátria livre e forte
Construída pelo poder popular

Fonte: https://mst.org.br/2009/07/06/nosso-hino/

Reunimos neste primeiro todos os dispositivos e técnicas de emulação, mobilizadas


para produzir aderência, incentivo à participação, através da ativação de multilinguagens
artísticas da poesia, da ludicidade, da musicalidade, de materialidades, de corporalidades
e de outros repertórios que são próprios da pedagogia transformadora do MST. A própria
disposição circular do espaço reflexivo induz para esta direção dialógica da
problematização da realidade através de repertórios da arte-educação.

Trata-se de perspectiva educadora decolonial que desloca com um baque os


proselitismos normativos e acadêmicos da salvaguarda. Não são as operações mentais
abstratas as fiadoras da cognição no espaço escolar dos Sem Terra. Bem ao contrário e
em termos singelos, são os afetos inscritos na materialidade circular dos corpos em relação
(trocas).

2º Momento - Problematização da Memória e História a partir da perspectiva êmica


do MST

A educadora Maria Aparecida Pereira da Silva explicou a importância da atividade


no contexto do aniversário do assentamento, a importância de unir gerações passadas e
futuras, celebrando juntas a grande conquista que é a conquista da terra.
“O objetivo de a gente estar aqui hoje é de a gente então reviver essa história,
conhecer, para alguns de nós (quem sabe?), conhecer um pouco mais sobre esta
história e, acima de tudo, nos reconhecer nesta história. (...) É preciso que a gente
continue a contar a nossa história, a história do povo que luta pela terra, para que
os nossos filhos, para que quem chegou depois, conheça essa história. Porque essa
história precisa ser valorizada, essa história precisa ser continuada. Nosso objetivo
é celebrar juntos essa grande conquista que a gente teve, que foi a conquista da
terra.” (Trecho da fala da professora Maria Aparecida Pereira da Silva , 12/04/2023)

Retoma a projeção dizendo da emoção provocada pelas fotos que permitem a


comparação da situação atual com os tempos de lona. Informa que as crianças, os
adolescentes e estudantes da EJA da escola estiveram há mais de duas semanas
envolvidos com tarefas construtivistas para a produção de maquetes, miniaturas,
desenhos, pinturas, místicas e trabalhos escolares com o tema da Memória e História do
Assentamento para serem socializados no grande evento de inauguração dos secadores
de café e pimenta do reino programado para a agrovila.

Foto 96: Maria Aparecida Pereira da Silva durante sua fala sobre a história do Assentamento
Valdício Barbosa e a repercussão na Escola dos preparativos do 27º aniversário (12/04/2023).
Dinâmica de apresentação dos participantes

A educadora Cida prosseguiu com uma dinâmica de apresentação dos participantes


de acordo com uma cronologia de chegada ao assentamento desde os tempos da lona até
os moradores mais recentes. Na medida em que ela chamava os grupos por período de
chegada os mesmos se levantavam, se apresentavam e eram aplaudidos pelos demais
presentes.

Fotos 97-99: Dinâmica de apresentação dos assentados, celebrando juntos a presença de


todos. (12/04/2023).
Apresentação dos objetivos do PIEP

Os consultores apresentaram o PIEP, destacando tanto os objetivos de registro


para fins de inventariamento, enfatizando uma abordagem que prioriza a escuta, como a
convergência da reflexão crítica e criativa sobre a realidade local subjacente ao programa
com a Oficina de Memória e História organizada pela Escola Estadual Valdício Barbosa
(EEVB), segundo seus métodos e práticas de autogestão pedagógica.

Fotos 100-103: breve fala dos consultores do PIEP durante a Oficina de Memória e História.
(12/04/2023).
Palestra geradora

Foi convidada uma família de lideranças históricas do MST. Ademilson, que milita
há 37 anos no movimento. Sua companheira Eliandra Rosa Fernandesi, que faz parte da
direção nacional do MST e Olga Açucena, filha do casal.
Os convidados residem no assentamento Vale da Vitória, em São Mateus, que foi
apresentado como a primeira conquista sob bandeira do MST no Espírito Santo.

Foto 104: palestra do Ademilson. (12/04/2023).

Ademilson convidou-nos a refletir, enfatizando a fala anterior da educadora Cida,


sobre os objetivos do assentamento Valdício Barbosa, como era há 27 anos atrás e como
está agora. A importância de conectar isso com as novas gerações e os outros que vão
chegando.
Ressaltou que 27 anos é um período muito pequeno em relação aos mais de 500
anos de colonização, que envolveu a luta indígena, quilombola, procurando situar a história
de Valdício Barbosa como parte de um processo histórico que envolve conquista dos
trabalhadores, lembrando trechos do cordel já mencionado.
Foi destacada a importância da Brigada Valdício Barbosa na história da conquista
da terra não apenas no assentamento codinome. Mas em todo o norte do Espírito Santo,
lembrando que Conceição da Barra uma extensa parte do território é dedicada ao cultivo
de eucaliptos, seguida pela presença significativa de atividades pecuárias.
Que a luta do assentamento Valdício Barbosa não está isolada, mas dentro de um
processo de lutas que inclui outros assentamentos dentro e fora da brigada, além de
quilombolas e indígenas.
“Essa luta nossa é histórica. Então nós só estamos aqui hoje, porque teve isso lá
atrás, teve muita luta, teve muito enfrentamento. Os índios enfrentaram tanto que
foram expulsos daqui, tanto que estão lá em Aracruz construindo suas aldeias,
resistindo depois de tudo isso, há mais de 500 anos. Nós já temos 27. Então é
importante a gente saber que somos parte de um processo histórico. Então o que
nós temos aqui não é nosso. Não é meu lote individual, minha casa individual, não
é a minha escola do Assentamento Valdício Barbosa. Nós temos aqui tudo que foi
uma conquista dos trabalhadores. Porque alguém lutou para gente estar aqui,
alguém morreu para gente estar aqui.” (Trecho da fala de Ademilson, 12/04/2023)

Ele ainda explanou que o MST tem hoje cerca de 4 mil assentados no estado, mas
que as famílias sem-terra somam mais de 70 mil, que a luta só começou e que é preciso
ver a memória e a história como parte deste processo de exclusão e luta pela terra,
envolvendo expropriados da terra versus o latifúndio.
Ademilson fez um panorama retrospectivo da luta pela terra desde a primeira fase
de negociação pela terra através de sindicatos rurais junto com igreja (CPT), culminando
com alguns assentamentos no norte do ES: Onze de Agosto, Nova Vitória, Bela Vista,
Córrego de Areia, Córrego do Balão, São Roque e Córrego Grande.
Mas esta tendência se estancou, devido a reação dos fazendeiros. Iniciou-se, pois,
o processo de organização para a ocupação, com a içamento da bandeira do MST em
1984 e tendo como marco inaugural de ocupação no ES da Fazenda Georgina, em 27 de
Outubro de 1985, na cidade de São Mateus. Esta é considerada a primeira grande
conquista do MST no norte do estado e que hoje é conhecida como Vale da Vitória.
Depois vieram Pontal de Jundiá, Castro Alves e também Valdício cuja força de
brigada é muito grande pela história de enfrentamento que fez e precisa continuar a fazer,
devido à força da UDR e dos latifundiários que também se organizam como milícias de
longa duração e que, segundo Ademilson, foram responsáveis pelo assassinato de várias
lideranças, entre elas Valdício Barbosa em 1989.
Valdício Barbosa, há época com 44 anos, saia de seu trabalho no sindicato de
trabalhadores rurais quando praticamente ante porta de casa foi emboscado, daí a
homenagem tanto o nome da Brigada regional como do assentamento para mais este
mártir da luta pela terra no Brasil.
Figura 42: Valdício Barbosa representado por um aluno (não identificado) em mural
comemorativo do XXVII Aniversário do assentamento

A intervenção seguinte coube à Eliandra Rosa Fernandes, da direção nacional do


MST, que desenhou o panorama atual dos cerca de 70 assentamentos do MST no Espírito
Santo, mais 07 acampamentos, um dos quais - Fidel Castro - está na área da Brigada
Valdício Barbosa. Destaca ainda a presença do MST em todos os estados da federação
e seu reconhecimento internacional.

Foto 105: Palestra da Eliandra. (12/04/2023).

A palestrante recapitula momentos importantes dos últimos 40 anos de história da


luta pela terra, passando pelas marchas até Brasília, os congressos do MST sendo que o
último teve 12 mil participantes, ressaltando que a luta pela terra não ficou no passado,
mas está presente nos dias atuais. Conclui destacando o papel de resistência ativa dos
assentamentos do MST durante a pandemia, quando se recolheram para produção de
alimentos, com aumento da produção que foi destinada a doações, beneficiando
solidariamente mais de 3000 pessoas com toneladas de abóboras, mandioca, farinha,
feijão, isso apenas no Natal Sem Fome da Catedral Centro Vitória.
Após as palestras geradoras teve início a reflexão crítica junto com os presentes.
Foram várias participações que aprofundaram os repertórios apresentados. Foi destacada
a importância da contextualização da memória e história de Valdício Barbosa nesta história
mais geral do MST e da luta pela terra no Brasil, sem a qual o assentamento não existiria,
daí a responsabilidade dos presentes de continuar construindo esta história.
Fotos 106-109: Reflexão coletiva sobre os temas geradores. (12/04/2023).

Valmir Paim, que esteve presente no Assentamento Valdício Barbosa desde o seu
início, lembrou que o apoio ao movimento, que ajudou a construir há quase 40 anos, se
deu e se dá por várias portas de entrada, não apenas pelas ocupações. Ele disse que
alguns entram pela formação, pela educação, outros pela saúde, pela assistência técnica,
pelo estudo, por portas diversas.
“Às vezes a pessoa mora lá na cidade e é um militante. O MST não só está no
acampamento, ele está no campo e na cidade. Eu mesmo, antes de ser assentado,
há 27 anos, militava pelo movimento morando na cidade. Então eu entrei por essa
porta.” (Trecho da fala do Valmir Paim, 12/04/2023)

Rosiene dos Santos Lima (Nininha) também deu seu depoimento sobre a chegada
da sua mãe ao assentamento, que, mesmo depois de devidamente documentada, teve
muitas dificuldades para produzir na terra, por ser mulher. Por isso, junto a outras
mulheres, participou da criação da Associação de Mulheres Agricultoras (AMAG).
Hoje dentro do assentamento Valdício Barbosa nós conseguimos montar uma
Associação de Mulheres onde nós queremos incentivá-las a continuar no campo, a
produzir, conhecer a luta das mulheres, claro, de toda família, mas em especial da
mulher. (...). A mulher tem uma experiência diferenciada de um pai de família,
porque a mulher em si, a luta da mulher, a dificuldade da mulher é mais que a do
homem quando se tem filhos.
A minha mãe tinha três filhos, mais um que ela adotou, são quatro crianças e foi
muito difícil ela chegar até aqui. Hoje eu estou produzindo no lote que é da minha
mãe, com muita dificuldade, mas que ela veio plantando maxixe e lá na cidade
trocando por arroz. Essa luta eu vivenciei, vendo a minha mãe passar e hoje
querendo dar o crédito a ela, por ela ter conseguido permanecer onde muitas
pessoas não acreditaram que a mulher também consegue ter um lote e sobreviver
sobre ele também.” (Trecho da fala da Rosiene Santos Lima, 12/ 4/2 23)

Um participante, que não se identificou, mas mora com a família há pouco no


assentamento, demostrou suas impressões sobre o MST na prática, que contrapôs à visão
que possuía anteriormente, em virtude do que conhecia pelas notícias das mídias.
“Nós somos os últimos que levantamos porque, outro dia nós estávamos na igreja
e o padre João falou: - ‘Poxa!’ Mas eu tinha uma visão de sem-terra de
assentamento, eu tinha mesmo, porque a gente vê nas mídias. O que é o
assentamento? Você não veve (sic.) o assentamento. Pelo pouco tempo que nós
temos no assentamento, muda totalmente a visão, o saber o que é que é. Claro que
nós não vivemos o que a maioria passou, só que a gente vê que não é o que a mídia
mostra, que apresenta. Pelo que vocês estão falando aí, hoje a visão já é outra.
Antes era ‘ali só tem gente que não quer nada com nada’. Mentira! É isso, para
gente que chegou há pouco tempo, mudou totalmente a visão do que é o
assentamento.” (Depoimento de participante novato no assentamento – não
identificado,12/04/2023)

Outro participante que não se identificou, descreveu sua emoção de participar desta
festa, pois se considera filho do Assentamento, desde 1995, viveu os momentos ruins do
acampamento e fica emocionado de viver os momentos bons, de festejo.
“A minha vivência toda, a minha vida, foi no Assentamento Valdício Barbosa, fui
para o acampamento com cinco anos de idade, vim para aqui com 7 anos. (...) Essa
luta não foi minha só, não foi do meu pai, da minha mãe ou da minha família só,
essa luta foi de todo o Movimento Sem Terra. Então as pessoas que derramaram o
sangue por nós, hoje a gente tem que contar o fato com muito orgulho do nosso
Assentamento. Hoje nós temos uma estrutura que faz inveja às pessoas da cidade,
à sociedade. O MST não é só ocupar terras, é produzir também, é vivenciar esses
momentos, é compartilhar esse momento, é importante a gente ter esse momento
de confraternização e fotografar e mostrar também esses momentos. O momento
nosso não é só o momento de dificuldade, é o momento de festa também!”
(Depoimento de participante morador desde o início do acampamento – não
identificado,12/04/2023)

Luciano Souto, presidente da Associação de Agricultores Familiares Valdício


Barbosa (AAFAB), também deu seu depoimento e direcionou sua fala em especial às
famílias que estão há pouco tempo no assentamento:
“Não se isole, porque o Movimento não é de uma pessoa só, então para eu
conseguir o meu direito eu tive ajuda. (...) Então o que eu peço a vocês é que não
se isolem, se juntem, sempre que tiver uma reunião aqui, participem.” (Trecho da
fala de Luciano Souto, 12/04/2023)

Adelso Rocha Lima falou na sequência, lembrando de uma dimensão maior do


Movimento Sem Terra, mostrou em exemplos que o MST não está só, hoje tem alcance
internacional, seja por seus produtos, que são vendidos no mundo, assim como as pessoas
do movimento, que muitas vezes vão visitar, viver, estudar e trabalhar fora do Brasil. Ele
comentou ainda que pessoas de fora apoiam o movimento, lembrou de um congresso do
MST em que estiveram presentes pessoas de 20 países. Nessa perspectiva, ele trouxe
uma reflexão sobre a bandeira do movimento, na imagem vemos trabalhadores com um
facão, que não é uma arma, mas sim uma ferramenta de trabalho, e este aponta para além
dos limites do Brasil.
“Enquanto movimento, a gente se vê no nosso convívio, a gente se vê na nossa
bandeira, a gente se enxerga nas mais diversas ações. A gente se torna maior, a
gente se vê mais engrandecido no sentido de grande mesmo. E ao comemorar,
comemorar não é comer e morar, é com memória, é memória coletiva. A gente está
festejando os 27 anos em memória, a gente quer memorizar, relembrar é memória.
(...)
Amanhã, quinta, sexta e sábado vão ter várias atividades a serem feitas para gente
festejar junto. O movimento contribui nas mais variadas formas, isso internamente,
para fora, quando falamos das campanhas que nós fizemos e faremos muito mais,
é para além do MST.
Quando a gente lê lá na Bíblia, quando Jesus deu os pães e os peixes e sobraram
12 cestos, não é que - alguns padres dizem, né - não é porque aquilo se multiplicou
de uma hora para outra. É que todo mundo viu lá, pegou a sua sacola, o pouquinho
que tinha e colocou à disposição dos outros. Aí foi se dar conta que tinha muita
coisa. Assim é nós, né! Quando sai aquele caminhão de alimento é porque tem
produção. A gente não é tão miserável que não possa contribuir e a gente não é tão
enriquecido que não possa receber a contribuição”. (Adelso Rocha Lima,
12/04/2023)

Como agradecimento aos palestrantes a criança e estudante Laura presenteou-os


com uma muda de jabuticabeira, representando a árvore da vida que desenvolve a partir
da semente, esperando que as palavras e memória refletidas fiquem plantadas no coração
e na mente das novas gerações, como bem ressaltou a adolescente Olga.

Fotos 110-111: entrega da muda de jabuticabeira feita pela estudante Laura à visitante Olga e
seus pais (12/04/2023).

A fala final foi feita pela educadora Ronimarcia M. Lima. Ela agradeceu aos
convidados e presentes, mencionou a importância do registro e trocas com o PIEP,
ressaltando que já se passavam duas semanas de tarefas construtivistas na escola, tendo
em vista a comemoração do aniversário, com a realização de gincana na escola que chega
até o núcleo familiar através das atividades que envolvem a participação dos pais, além
de coletas e doações de alimentos e prendas para os festejos e preparativos.

Foto 112: fala final da educadora Ronimárcia M. Lima (12/04/2023).

Deste modo, ficou claro que os exercícios reflexivos e criativos sobre memória e
história não se encerrariam neste momento, estando previstas várias atividades na Festa
de Aniversário e inauguração do secador a serem realizadas dentro de 03 dias. Na ocasião
seriam socializadas todas as produções da comunidade escolar e estava sendo preparada
mais uma grande mística para a ocasião.

5.3 Etnoregistro da Festa da Colheita/Aniversário do Assentamento Valdício


Barbosa/Inauguração do secador de café e de pimenta do reino
(15/04/2023)

No dia 15/04/23 foi realizada a Festa da Colheita / Aniversário do Assentamento


Valdício Barbosa na agrovila, mais precisamente na agroindústria onde se localiza o
galpão de estocagem e os novos secadores de café e pimenta do reino.
A festa em 2023 apresentou alguns pontos inusitados devido à inauguração da
estrutura, a ocasião escolhida foi o aniversário do assentamento. Outro destaque é que a
festa da colheita, que geralmente ocorre no fim de julho foi também antecipada para
compor a programação.
Deste modo, através da unificação de 03 calendários foi jogado um peso político
muito grande no evento, o que se conformou através da participação de várias autoridades
e convidados, além de ampla mobilização e adesão dos assentados de Valdício e
moradores de comunidades vizinhas, dentre as quais a comunidade de Água Preta.
O evento pode ser compreendido a partir dos seguintes momentos.
1º Momento: Mística sobre Memória e História do assentamento

Preparada pela escola com ampla participação da comunidade escolar e dos


assentados. Constitui-se em momento de dramatização da própria história de ocupação e
conquista da terra, recapitulando momentos importantes da vida comunitária como a
primeira escola, a construção do posto de saúde, da igreja, do galpão de secagem, entre
outros equipamentos representados. Fato singelo é a presença de vários livros/cartilhas
educativas junto às maquetes, compondo material pedagógico e formativo do MST, com
destaque para canções de luta, reforçando mais uma vez o uso de repertórios da
musicalidade por este movimento.

Foto 113-118: elementos da agrovila representados nos preparativos da mística, trabalhos


desenvolvidos pelos estudantes da EEEFVBS (15/04/2023 – 18:30h).

Também foram espalhadas pelo chão bandeiras que sintetizam o horizonte ético
dos valores do MST e outros repertórios como ferramentas, indumentárias (chapéus de
palha).
Fotos 119-122: preparativos para a festa e a mística. (15/04/2023)

Quando os personagens entraram em cena, foram recolhendo todos os repertórios


distribuídos no cenário e percorram o trajeto circular da própria história de conquista,
impulsionados pela música e viola do MST.
Fotos 123-125: mística sobre a memória do acampamento Valdício Barbosa. (15/04/2023)

Após a performance, a educadora Maria Aparecida Pereira da Silva (Cida) recitou


um poema em exaltação à história do acampamento, emendando com a luta contra a
municipalização da escola e outras pautas atuais. A frente do público os protagonistas da
mística foram apresentados e ovacionados pelos presentes.

Fotos 126-127: desfecho da mística com poema recitado pela Cida. (15/04/2023)

Além da mística, outras produções da comunidade escolar referentes à memória e


história do Valdício Barbosa e que contaram com participação de todas as turmas foram
expostas no evento, como os alimentos arrecadados na gincana, maquetes, quadros com
desenhos e pinturas, além de outros trabalhos escolares como o já referido painel de fotos
da memória e história.
Fotos 128-131: exposição de trabalhos dos estudantes da EEEFVBS. (15/04/2023)

2º. Momento - Cerimonial oficial de inauguração do secador

Configurou-se em momento de grande peso político, mostrando a força do MST,


representado pelo membro de sua direção nacional, Marco Carolino. Em sua saudação ele
enfatizou o caráter indesejado da parceria forjada a partir de uma compensação gerada
por um crime ambiental e humano de dimensões internacionais que o MST preferia que
não houvesse ocorrido. Todavia, compondo uma área diretamente relacionada com a
Bacia do Rio Doce e considerando a oferta de recursos legitimamente destinados aos
afetados, optou-se por elaborar o projeto do novo secador e ampliação das estruturas
logísticas de armazenamento (galpão).
Cumprindo notar que a produção cafeeira de Valdício Barbosa e dar curso às
melhorias em prol do assentamento. Registrando que a produção cafeeira de Valdício
Barbosa já é destinada para sistemas de beneficiamento mais complexos como refino
qualificando a pureza a excelência do produto, que tem sido destinado inclusive para a
exportação. A nota justifica a presença na mesa de Akeles Carolino Presidente da COOP
TERRA com sede em São Mateus.
Além da excelência e qualidade do produto, atestada pelos índices de pureza, nota-
se a preocupação com a sustentabilidade a partir da reutilização da palha de café para a
produção de briquetes destinados à incineração nas fornalhas dos secadores.

Fotos 132-133: café do MST vendido pela COOP TERRA de São Mateus e briquetes para
reaproveitamento nas fornalhas dos secadores.

Entre as lideranças locais do assentamento com assento são nomeados Luciano


Souto, presidente da Associação Agricultores Familiares de VB, Rosiene Santos Lima,
presidente da AMAG (Associação de Mulheres Agricultoras de VB), além dos professores
Thiago Rodrigues Cosme e Maria Aparecida Silva Lima. Completaram a mesa a Sra.
Penha Lopes, recém empossada Superintendente do INCRA no ES, e Marcelo Micherif e
Ana Lage, representantes da Fundação Renova.

Foto 134: mesa de inauguração do secador de café e pimenta. (15/04/2023)


3º Confraternização com Jantar (churrasco) e Bolo de aniversário

Após o cerimonial teve início o jantar a partir de alimentos arrecadados junto aos
assentados, inclusive churrasco de carne bovina e suína doada por assentados. Notável a
abundância e variedade de alimentos, composta inclusive no painel demonstrativo
(resultado da gincana da EEEFVBS), além dos que foram preparados e que alimentaram
satisfatoriamente cerca de duas centenas de pessoas presentes.

Fotos 135-140: jantar e confraternização do aniversário. (15/04/2023)

E este é um ponto a ser destacado, que toda a festa de aniversário do


Assentamento Valdício Barbosa foi realizada com recursos próprios, arrecadados em
ações de ajuda mútua como rifas, bingos, doações e participações em mutirões para
garantir o evento.
4º Forró e Bingo

A Festa seguiu à noite e varou a madrugada com muita música boa e forró arrasta
pé, bem ao gosto do MST.

Foto 141: festa do assentamento após sorteio do bingo.


(16/04/2023, por volta de 2h da madrugada)

A equipe técnica acompanhou o evento até aproximadamente 02:00 horas da


madrugada, momento em que foi sorteado o bingo, tendo como prêmio 1 saca de café em
grãos.

5.4 Cenários e Desenhos de Futuro

A estratégia de insistência etnográfica em Valdício Barbosa mostrou-se bem-


sucedida e permitiu o avanço da posição de consentimento tácito para consentimento
explícito no registro etnográfico em plataformas audiovisuais. A entrega e presença da
equipe em campo permitiu a conexão direta via afeto e convivência com os assentados.
Mais ainda, como desenho de futuro garantiu a marcação de uma atividade para a
VALIDAÇÃO RETROATIVA de todos os etnoregistros já realizados, oitivas de oralidade,
validação do Diagnóstico Cultural Colaborativo (DCC), além de concertação colaborativa
sobre o desenho das oficinas subsequentes de Patrimônio Cultural e Cartografia Social.
Esta reunião importantíssima para a continuidade do PIEP com a direção do
Valdício Barbosa foi agendada para o dia 08/05/2023 na escola do assentamento.
5.5 6. Referências Bibliográficas

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iA palestrante Eliandra é autora da seguinte monografia: FERNANDES, Eliandra Rosa. As mulheres no


processo de organização e produção no assentamento do MST: Vale da Vitória, São Mateus (ES).
2015. 99 f. Trabalho de conclusão de curso (Graduação em Serviço Social) - Escola de Serviço Social,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.

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