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DE EDUCAÇÃO
PATRIMONIAL
Fazendas São Joaquim e Dourada Uma Comunidades da
AID – Água Preta e Valdício Barbosa Municípios de
Conceição da Barra e Pedro Canário/ES
Processo IPHAN nº 01409.000622/2015-01
TERCEIRA RELATÓRIO –
Quarta etapa de campo
Elaborado por:
Júlio Jader Costa
Letícia Moura Simões de Souza
Fernando Walter da Silva Costas
Maio de 2023
Sumário ......................................................................................................................................... 2
1 APRESENTAÇÃO .................................................................................................................. 3
2 METODOLOGIA ..................................................................................................................... 4
3 DESENVOLVIMENTO ............................................................................................................ 5
3.1 Sensibilização ................................................................................................................. 5
4 ATIVIDADES DESENVOLVIDAS EM ÁGUA PRETA ............................................................. 6
4.1 Situação Atual (S2).......................................................................................................... 6
4.2 Oficina de Educação para o Patrimônio Cultural ........................................................... 10
4.3 Cenários e Desenhos de Futuro Água Preta ................................................................. 44
5 ATIVIDADES DESENVOLVIDAS EM VALDÍCIO BARBOSA................................................ 44
5.1 Situação atual de Valdício Barbosa - Consentimento tácito ........................................... 44
5.2 Oficina de Memória e História 12/04/23 ......................................................................... 47
5.3 Etnoregistro da Festa da Colheita/Aniversário do Assentamento Valdício
Barbosa/Inauguração do secador de café e de pimenta do reino (15/04/2023) ........................ 61
5.4 Cenários e Desenhos de Futuro .................................................................................... 68
5.5 6. Referências Bibliográficas ......................................................................................... 69
1 APRESENTAÇÃO
O estado atual da situação dos trabalhos e a projeção de futuro pode ser aferido
no quadro abaixo.
3 DESENVOLVIMENTO
3.1 Sensibilização
Cada etapa de campo é precedida por contato virtual com as lideranças locais. A
chegada nas comunidades equivale ao ajuste dos ponteiros de um relógio para
adentramos em uma temporalidade que, em certa medida, é própria de cada comunidade.
É preciso sensibilidade para perceber que as pessoas estão em seu cotidiano, com suas
tarefas produtivas, familiares e até mesmo no exercício do tempo livre para recreação.
Neste momento, o importante é a escuta e até mesmo uma certa informalidade. O
proselitismo normativo e a parafernália conceitual da salvaguarda podem soar reativos e
uma boa aproximação se dá mais pela via do afeto do que da racionalidade instrumental.
As abordagens se dão nos pontos de convívio cotidiano, como bancos de madeira rústica
sob as árvores sombreiras, ruas e portas de casas.
Fotos 01-03: Sensibilização e abordagem dos comunitários de Água Preta.
1Desde o início das atividades em Água Preta, a equipe conversou com a secretaria de educação, solicitando
autorização para a utilização do equipamento público. Antes da realização da primeira oficina Memória e
História de Água Preta, o uso da escola para a atividade foi solicitado mediante ofício protocolado na
Secretaria de Educação de Conceição da Barra.
Figuras 01-02: ofício e folder de divulgação protocolados na secretaria de
educação de Conceição da Barra/ES.
Todavia, é possível adiantar que não será fácil sua efetivação, uma vez que
o MST se posiciona de forma veementemente contrária à municipalização do
equipamento, conta em sua defesa com a autonomia inerente à proposta
pedagógica do movimento e seu avançado grau de organização e engajamento.
A valoração cultural do ativo 1 de Água Preta atualiza sua potência como Bem
reconhecido e declarado pela comunidade (detentores).
Através das pedagogias circulares, do caminhamento reflexivo e do
compartilhamento de suportes da cultura digital, os participantes foram provocados a
refletirem sobre o paço de entrada da comunidade, que funciona como um receptivo
natural para os visitantes.
Fotos 11-12: Castanheira com figueira ao fundo e tronco de sucupira para sentar.
Também adjacente à igreja estão localizadas duas cajazeiras com banco rústico
de madeira nobre não identificada à sombra.
Fotos 13-15: Cajazeiras com vista oblíqua, posterior e lateral com banco rústico sob copa
sombreira
Até o momento não foi possível precisar um contexto cronológico preciso para a
Igreja do Sagrado Coração de Jesus. Através da oralidade, a zeladora do templo, Sueli,
indica que foi erguida em período que a densidade demográfica dos assentamentos da
região era incomensuravelmente maior que na atualidade, como atesta a casuísticas da
festa do padroeiro, de outras extintas como juninas e até mesmo profanas como o forró,
que recebiam romeiros e festeiros de várias localidades.
Fato é que em sua singela torre está um sino que teve o badalo e o cone interior
invadidos por um enxame de marimbondos, exigindo precauções complementares no
exercício do ofício do toque. Na parte frontal da campânula tem uma inscrição onde se lê
"SINO ECONOMICUS". Além disso possui um brasão, onde está forjada uma cruz em X
trespassada verticalmente por um cajado, de onde se deduz tratar-se de um tipo de cruz
cristã antiga, que após pesquisa comparada do detalhe mostrou ser precisamente de o
“monograma Cajado de Cristo”2.
2
https://fasbam.edu.br/2019/07/03/13-tipos-de-cruzes-cristas-antigas/ Consulta em 01/05/2023.
Fotos 16-17: Igreja com torre à esquerda e sino em destaque
Outras espécies identificadas a partir de seu nome popular são aroeira, macadame,
ingá de metro, umbu do sertão, coco dendê e coco bahia. Neste último caso, as espécies
são tão antigas que suas folhas ressecam e caem formando aquilo que é chamado
popularmente de barba do profeta.
A localização do quintal do Sr. Arlindo se dá nas margens do riacho Água Preta, à
jusante da unidade doméstica do casal Sr. Vila & Dona Maria, o que certamente contribuiu
para sua fertilidade, dado que na mesma foi identificada uma área remanescente de cultura
de várzea, onde se praticava o cultivo de arroz, hoje extinto, mas que teve ativada a
memória de sua trituração via pilagem. Esta disponibilidade de recurso hídrico no fundo do
quintal vem permitindo a existência de um pequeno e modesto poço para a prática de
piscicultura.
Além das quitandas e bolos de Dona Nitinha, Dona Regina já havia colaborado no
etnoregistro do feito de ximango e beiju. No campo transcrito em tela, completou seu
portfólio de prazeres gastronômicos locais com uma bela receita de salgados. Ela relatou
que essa receita era vendida no bar que mantinham na entrada de Água Preta.
Cumpre lembrar que Dona Regina é a esposa do Sr. Avelar, atualmente residindo
em Valdício Barbosa, mas mantiveram um pequeno comércio em Água Preta de onde
migraram há cerca de dois anos, bem como a unidade doméstica que foi destinada ao
filho, nora e netos.
Durante o etnoregistro dos salgados, Dona Regina, Moábia e Sr. Avelar aproveitaram
para externar sua preocupação acerca da água disponível para os moradores de Água
Preta. Eles relataram que a SUZANO SA vai instalar um poço artesiano na comunidade,
mas falta a liberação do prefeito de Conceição da Barra. Disseram que o mesmo prefeito,
quando criança, frequentava muito Água Preta.
Foto 35: comunidade de Água Preta, vista a partir da Fazenda Perote, destaque da cultura
ecológica de seus quintais produtivos, entre pastos e monocultivo de eucalipto da paisagem
circundante.
Aqui é um lugar muito antigo, o pessoal é muito antigo, igualmente, uma igreja igual
a essa, a gente conhece essa igreja há 50 anos atrás, né? Como é que uma coisa
pode ir assim de água abaixo?
Voltando a conversar com vocês sobre o distanciamento ali do eucalipto. (...)
Quantos metros é o distanciamento da comunidade? Mas existe um distanciamento.
(...) aquela parte ali, a gente não entrou cortando ao menos uns cem metros ali,
porque a gente quer saber tudo certinho se existe. Porque eles falaram que existe
sim, esse direito e esse distanciamento, mas a gente realmente não sabe qual é o
distanciamento. A gente não quer mexer com nada sem saber qual é o motivo.
(Sueli, durante a Oficina Educação para o Patrimônio Cultural de Água Preta)
A oficina contou com espaço para as crianças exercitarem sua criatividade, através
de desenhos e brincadeiras com potencial de simbolizar aspectos cotidianos ligados aos
quintais de suas unidades domésticas e ao cotidiano da vida rural.
Figuras 03-06: desenhos da Isabela, 8 anos, sua casa, quintal produtivo, unicornios,
bandeiras do Brasil e do MST.
Figuras 07-09: Rodrigo, 8 anos, desenhou sua casa, o quintal produtivo com mangueira,
palmeiras e, em frente de casa, os carros do pai e do avô.
Figuras 10-11: desenhos do Matheus, 9 anos, simbolizando sua casa e a roça do pai,
Mauro, herança da falecida avó Maria Helena.
Figura 12: Kemilly, 10 anos, desenha sua casa e seu quintal produtivo, herança do sr.
Avelar e Dona Regina.
Estas iniciativas poderiam contribuir para ampliar o tempo livre das mães, que
poderiam destinar para processos de qualificação profissional e inserção produtiva?
Mais uma vez, a equipe insistiu no esforço de operar com materiais empíricos
recolhidos, sempre que possível, nos contextos locais e regionais, procurando encurtar a
distância entre os repertórios dos comunitários e os conteúdos de educação patrimonial
prescritos no âmbito das normativas de proteção e salvaguarda de bens culturais.
De igual modo, extratos dos materiais registrados abriram campo para o diálogo
com personagens históricos que representam a cultura local, como Zacimba Gaba, Negro
Rogério e Mestre Terto. Durante um breve histórico, Camila, a presidente da associação,
manifestou conhecimento sobre o assunto. Ela se lembrou que já havia feito trabalhos
sobre essas importantes lideranças durante sua trajetória escolar. Sueli destacou a
presença quilombona na região em que se insere Água Preta.
As pinturas nas paredes da praça central de Conceição da Barra relembram o
protagonismo da Zacimba Gaba e omenageiam o saudoso Mestre Terto, figura lendária
do Ticumbi de São Benedito. Dois artistas pretos, Thiago Balbino e Luham Gaba, por meio
do projeto Cores de Reis, realizaram em 2015 essa arte, que mantém viva a memória preta
do norte capixaba. As obras foram feitas com recursos próprios. Em 2023, os artistas
viram seus painéis serem alterados e a sua autoria apagada. A quem interessa o
apagamento dos artistas pretos?
Figuras 24-25: murais originais, pintados no centro histórico de Conceição da Barra ativam a
memória local. Fonte: https://www.seculodiario.com.br/cultura/paineis-de-artistas-pretos-
sao-descaracterizados-em-conceicao-da-barra
Figura 26: tirinha trás reflexão sobre a acenstralidade e rainhas negras, como Zacimba
Gaba. Fonte: https://lunetas.com.br/tirinhas-o-mundo-de-tayo/
Fotos 42-44: Ponto de Cultura Dendê e Museu reis de Boi no Porto de São
Matheus, ES.
Fotos 45-47: Repertórios utilizados na reflexão criativa sobre manifestações
regionais
Fotos 50-51: indígenas botocudos do rio Doce, em 1887. Fonte: Walter Garbe, Arquivo
Publico do ES.
https://ape.es.gov.br/Media/ape/PDF/Livros/MIOLO_LivroIndiosBotocudos_Jun2014_041
214.pdf
Os Masakari da região de Pedro Canário, onde hoje se situa Água Preta e sua
vizinhança, destacado do mapa de Nimuendaju, eram tribos ainda existentes na segunda
metade do século XX, com sedes abandonadas, oriundas do vale do Mucuri (MG). Esses
povos eram da família linguística Maxacali, pertencente ao tronco linguístico Macro-Jê.
Segundo o Instituto Socio Ambiental (ISA), até o século XIX muitos grupos Maxacali
foram aldeados por capitães-mores nas povoações litorâneas, entre as quais Itaúnas,
Conceição da Barra e Santana, no Espírito Santo. Mas a intensificação do contato após
1808 fez com que o deslocamento dessas tribos passasem a ser constantes, na tentativa
de fugirem da dominação, seja de colonos ou dos povos ditos botocudos. A maioria, numa
estratégia de sobrevivência, acabou cedendo à dominação dos brancos e embarcando na
guerra aos Botocudos.
De volta a São Mateus, foi apresentado como repertório reflexivo o quadro que
retrata a Batalha do Cricaré, ocorrida no século XVI, início da colonização. O painel é
estampado na parede externa do equipamento museológico, que funciona na antiga Casa
de Câmara e Cadeia. Nesse momento também foi apresentado como repertório a Igreja
Velha.
Fotos 53-58: mosaico Batalha do Cricaré, de Thiago Rabelo, exposto na casa de câmara
e cadeia, atual museu municipal de São Mateus; vista do rio Cricaré (ou rio São Mateus).
Thiago detalha que o painel retrata a batalha, com índios às margens do Rio
Cricaré empunhando lanças, arcos e flechas, combatendo e expulsando os
colonizadores enquanto observam duas embarcações. “Uma delas tem a
inscrição morte, pois acredito que os portugueses trouxeram a morte para
essas terras que eram o lar dos índios” – complementa.
Foto 59-60: mosaico em detalhe. Fonte: https://tconline.com.br/artista-
mateense-retrata-a-batalha-do-cricare-em-mosaico/
Foto 61: Igreja Velha, São Mateus/ES, obra inconcluida de uma construção do
estilo colonial português da metade do século XIX.
Fotos 69-72: prática e saberes tradicionais do povo Guarani Mbya da aldeia Três Palmeiras.
Fotos de Anderson Guarani.
No Brasil atual, apenas 13,8% das terras do território nacional são reservadas aos
povos indígenas. A maior parte das terras indígenas (98,25%) se situa na Amazônia legal,
o restante (1,75%) espalha-se pela demais regiões do país
(https://pib.socioambiental.org/pt/Localiza%C3%A7%C3%A3o_e_extens%C3%A3o_das_
TIs).
Figura 29: terras indígenas (TI) do Brasil, com detaque para localização das aldeias Guarani
Mbya e Tupiniquim do ES.
Figura 30: Datações de Sítios Tupiguarani. Fonte: Correa & Samia Cronologia da
Tradição Arqueológica Tupiguarani | Angelo Correa - Academia.edu
Fonte: http://www.amaacervos.com.br/item_de_acervo/bola-de-boleadeira-2/
a b 1 cm
a b
1 cm
cm
a b
A situação atual (S2) para Valdício será apresentada tendo como parâmetro de
medição a situação anterior (S1) descrita no RT2- Etapa de Campo 3, onde foi destacado
o consentimento tácito por parte das lideranças do assentamento acerca da presença e
trabalho da equipe técnica no Valdício Barbosa, especialmente na execução de
etnoregistros. Foi destacada a intensa agenda de lideranças locais e assentados, fator que
dificultava a formação de uma arena de concertação coletiva para deliberar sobre o PIEP.
Esta situação foi intensificada devido ao Abril Vermelho, jornada de lutas organizada
anualmente pelo MST neste mês e que tem como objetivo afirmar um projeto de
democratização fundiária para a produção diversificada de alimentos saudáveis e combate
à fome, contraposto ao latifúndio e à monocultura no campo.
A visita ao assentamento se deu num momento em que havia uma escalada de
tensão (desde o início de março de 2023), quando emergiram pautas represadas entre o
MST e grandes empresas, com a ocupação de várias fazendas na região e configurando
um conflito direto que demandou a mediação do governo federal.
Figura 41: O Globo. Política. 17/04/2023 21h29
Na abertura foi exibida a versão em projeção do mural de fotos antigas montado por
alunos da Escola Valdício Barbosa (EEEFVBS) e cuja versão impressa foi exposta na
Festa do Assentamento.
Em seguida teve início uma mística preparada por estudantes da EJA e algumas
crianças, que consistiu em uma dramatização da mensagem que demarca o horizonte
ético do MST na relação com a terra e humanidade, sendo também utilizados elementos
naturais como folhas, flores, frutos e sementes.
Fotos 89-92: mística inicial sobre a terra, com diversas frases – “respeitar os bens da natureza”,
“cultivar solidariedade”, “valorizar a terra”, “lutar pela terra” e “produzir na terra”. (12/04/2023)
O passo seguinte foi a apresentação de uma poesia em forma de cordel por Roberto
Silva da Paixão, assentado e liderança do MST. A narrativa transita entre a história das
Ligas Camponesas com o martírio de João Pedro Teixeira até a criação do MST a partir
de famílias camponesas expulsas de uma reserva indígena, gerando a Primeira Ocupação
no Rio Grande do Sul.
Também foi lembrada a primeira palavra de ordem “Terra de Deus, Terra de Irmãos
e Terra para Todos!” O rodeio poético prossegue circulando pela primeira reunião
organizativa envolvendo 03 estados do Brasil em Cascavel no Paraná no ano de 1984,
são citados nomes de Marx, Paulo Freire, Margarida Alves, Che Guevara e novas palavras
de ordem são lembradas:
“Ocupar, Resistir e Produzir! Reforma agrária, uma luta de todos! Enquanto o
Latifúndio quer guerra, nós queremos terra.” (Trecho da fala do Roberto em
12/04/2023).
Fonte: https://mst.org.br/2009/07/06/nosso-hino/
Foto 96: Maria Aparecida Pereira da Silva durante sua fala sobre a história do Assentamento
Valdício Barbosa e a repercussão na Escola dos preparativos do 27º aniversário (12/04/2023).
Dinâmica de apresentação dos participantes
Fotos 100-103: breve fala dos consultores do PIEP durante a Oficina de Memória e História.
(12/04/2023).
Palestra geradora
Foi convidada uma família de lideranças históricas do MST. Ademilson, que milita
há 37 anos no movimento. Sua companheira Eliandra Rosa Fernandesi, que faz parte da
direção nacional do MST e Olga Açucena, filha do casal.
Os convidados residem no assentamento Vale da Vitória, em São Mateus, que foi
apresentado como a primeira conquista sob bandeira do MST no Espírito Santo.
Ele ainda explanou que o MST tem hoje cerca de 4 mil assentados no estado, mas
que as famílias sem-terra somam mais de 70 mil, que a luta só começou e que é preciso
ver a memória e a história como parte deste processo de exclusão e luta pela terra,
envolvendo expropriados da terra versus o latifúndio.
Ademilson fez um panorama retrospectivo da luta pela terra desde a primeira fase
de negociação pela terra através de sindicatos rurais junto com igreja (CPT), culminando
com alguns assentamentos no norte do ES: Onze de Agosto, Nova Vitória, Bela Vista,
Córrego de Areia, Córrego do Balão, São Roque e Córrego Grande.
Mas esta tendência se estancou, devido a reação dos fazendeiros. Iniciou-se, pois,
o processo de organização para a ocupação, com a içamento da bandeira do MST em
1984 e tendo como marco inaugural de ocupação no ES da Fazenda Georgina, em 27 de
Outubro de 1985, na cidade de São Mateus. Esta é considerada a primeira grande
conquista do MST no norte do estado e que hoje é conhecida como Vale da Vitória.
Depois vieram Pontal de Jundiá, Castro Alves e também Valdício cuja força de
brigada é muito grande pela história de enfrentamento que fez e precisa continuar a fazer,
devido à força da UDR e dos latifundiários que também se organizam como milícias de
longa duração e que, segundo Ademilson, foram responsáveis pelo assassinato de várias
lideranças, entre elas Valdício Barbosa em 1989.
Valdício Barbosa, há época com 44 anos, saia de seu trabalho no sindicato de
trabalhadores rurais quando praticamente ante porta de casa foi emboscado, daí a
homenagem tanto o nome da Brigada regional como do assentamento para mais este
mártir da luta pela terra no Brasil.
Figura 42: Valdício Barbosa representado por um aluno (não identificado) em mural
comemorativo do XXVII Aniversário do assentamento
Valmir Paim, que esteve presente no Assentamento Valdício Barbosa desde o seu
início, lembrou que o apoio ao movimento, que ajudou a construir há quase 40 anos, se
deu e se dá por várias portas de entrada, não apenas pelas ocupações. Ele disse que
alguns entram pela formação, pela educação, outros pela saúde, pela assistência técnica,
pelo estudo, por portas diversas.
“Às vezes a pessoa mora lá na cidade e é um militante. O MST não só está no
acampamento, ele está no campo e na cidade. Eu mesmo, antes de ser assentado,
há 27 anos, militava pelo movimento morando na cidade. Então eu entrei por essa
porta.” (Trecho da fala do Valmir Paim, 12/04/2023)
Rosiene dos Santos Lima (Nininha) também deu seu depoimento sobre a chegada
da sua mãe ao assentamento, que, mesmo depois de devidamente documentada, teve
muitas dificuldades para produzir na terra, por ser mulher. Por isso, junto a outras
mulheres, participou da criação da Associação de Mulheres Agricultoras (AMAG).
Hoje dentro do assentamento Valdício Barbosa nós conseguimos montar uma
Associação de Mulheres onde nós queremos incentivá-las a continuar no campo, a
produzir, conhecer a luta das mulheres, claro, de toda família, mas em especial da
mulher. (...). A mulher tem uma experiência diferenciada de um pai de família,
porque a mulher em si, a luta da mulher, a dificuldade da mulher é mais que a do
homem quando se tem filhos.
A minha mãe tinha três filhos, mais um que ela adotou, são quatro crianças e foi
muito difícil ela chegar até aqui. Hoje eu estou produzindo no lote que é da minha
mãe, com muita dificuldade, mas que ela veio plantando maxixe e lá na cidade
trocando por arroz. Essa luta eu vivenciei, vendo a minha mãe passar e hoje
querendo dar o crédito a ela, por ela ter conseguido permanecer onde muitas
pessoas não acreditaram que a mulher também consegue ter um lote e sobreviver
sobre ele também.” (Trecho da fala da Rosiene Santos Lima, 12/ 4/2 23)
Outro participante que não se identificou, descreveu sua emoção de participar desta
festa, pois se considera filho do Assentamento, desde 1995, viveu os momentos ruins do
acampamento e fica emocionado de viver os momentos bons, de festejo.
“A minha vivência toda, a minha vida, foi no Assentamento Valdício Barbosa, fui
para o acampamento com cinco anos de idade, vim para aqui com 7 anos. (...) Essa
luta não foi minha só, não foi do meu pai, da minha mãe ou da minha família só,
essa luta foi de todo o Movimento Sem Terra. Então as pessoas que derramaram o
sangue por nós, hoje a gente tem que contar o fato com muito orgulho do nosso
Assentamento. Hoje nós temos uma estrutura que faz inveja às pessoas da cidade,
à sociedade. O MST não é só ocupar terras, é produzir também, é vivenciar esses
momentos, é compartilhar esse momento, é importante a gente ter esse momento
de confraternização e fotografar e mostrar também esses momentos. O momento
nosso não é só o momento de dificuldade, é o momento de festa também!”
(Depoimento de participante morador desde o início do acampamento – não
identificado,12/04/2023)
Fotos 110-111: entrega da muda de jabuticabeira feita pela estudante Laura à visitante Olga e
seus pais (12/04/2023).
A fala final foi feita pela educadora Ronimarcia M. Lima. Ela agradeceu aos
convidados e presentes, mencionou a importância do registro e trocas com o PIEP,
ressaltando que já se passavam duas semanas de tarefas construtivistas na escola, tendo
em vista a comemoração do aniversário, com a realização de gincana na escola que chega
até o núcleo familiar através das atividades que envolvem a participação dos pais, além
de coletas e doações de alimentos e prendas para os festejos e preparativos.
Deste modo, ficou claro que os exercícios reflexivos e criativos sobre memória e
história não se encerrariam neste momento, estando previstas várias atividades na Festa
de Aniversário e inauguração do secador a serem realizadas dentro de 03 dias. Na ocasião
seriam socializadas todas as produções da comunidade escolar e estava sendo preparada
mais uma grande mística para a ocasião.
Também foram espalhadas pelo chão bandeiras que sintetizam o horizonte ético
dos valores do MST e outros repertórios como ferramentas, indumentárias (chapéus de
palha).
Fotos 119-122: preparativos para a festa e a mística. (15/04/2023)
Fotos 126-127: desfecho da mística com poema recitado pela Cida. (15/04/2023)
Fotos 132-133: café do MST vendido pela COOP TERRA de São Mateus e briquetes para
reaproveitamento nas fornalhas dos secadores.
Após o cerimonial teve início o jantar a partir de alimentos arrecadados junto aos
assentados, inclusive churrasco de carne bovina e suína doada por assentados. Notável a
abundância e variedade de alimentos, composta inclusive no painel demonstrativo
(resultado da gincana da EEEFVBS), além dos que foram preparados e que alimentaram
satisfatoriamente cerca de duas centenas de pessoas presentes.
A Festa seguiu à noite e varou a madrugada com muita música boa e forró arrasta
pé, bem ao gosto do MST.
ALMEIDA, Ceciliano Abel de. O desbravamento das selvas do Rio Doce. Rio de
Janeiro: Editora José Olympio,1978.
____________. Ação Cultural para a liberdade e outros escritos. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1981.
____________. Professora sim, tia não. Cartas a quem ousa ensinar. São Paulo:
Olho D’Água, 1997.
PEIXOTO, Silvia Alves. Pequenos aos montes: uma análise dos processos
de formação dos sambaquis de pequeno porte do litoral sul de Santa
Catarina. Dissertação de mestrado em arqueologia, Museu Nacional – UFRJ,
2008.
Sites:
https://www.gov.br/incra/pt-br/assuntos/governanca-fundiaria/quilombolas