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3-Fundamentos Socioantropológicos Da Educação
3-Fundamentos Socioantropológicos Da Educação
PROPÓSITO
Oferecer instrumentos teóricos, por meio da Antropologia e da Sociologia, que permitam a
reflexão sobre Educação, práticas docentes e cotidiano escolar.
OBJETIVOS
MÓDULO 1
Identificar as principais linhas sociológicas aplicadas à Educação
MÓDULO 2
MÓDULO 3
INTRODUÇÃO
Quando convivemos, podemos vivenciar o espaço social de forma recorrente, mas tendemos a
não pensar sobre ele. Geralmente, não refletimos sobre como foram definidas suas regras e
como alguns comportamentos passaram a ser naturalizados ou negados. Ao estudar sobre as
sociedades, somos provocados a perceber que todo o palco de relações humanas é composto
por construções sociais.
Neste tema, analisaremos como o conhecimento sobre as Ciências Sociais pode ser
fundamental para compreender o que representa a Escola, sua relação com a Educação e a
dinâmica de como o professor, ao se instrumentalizar com conceitos desse campo, torna-se
mais bem preparado para a atuação docente.
NÃO SÃO AS RESPOSTAS QUE MOVEM O
MUNDO. SÃO AS PERGUNTAS
CONSTRUÇÃO SOCIAL
Compreendida como a ideia de que uma composição social não é algo natural, mas
organizada, pensada, “criada” no limite pelo conjunto das interações humanas.
MÓDULO 1
Assista ao vídeo que aborda a importância de Ciências Sociais para a Educação – com um
olhar especial para Durkheim, Weber e Marx.
RENASCIMENTO
SÉCULOS XV A XVI
Movimento intelectual que propunha romper com as tradições intelectuais medievais,
retomando ideias do mundo grego.
MERCANTILISMO
ILUMINISMO
O Renascimento marcou a entrada da Europa, até então medieval, na Idade Moderna, com o
resgate de referências da Antiguidade Clássica em diversas esferas da cultura e da sociedade:
Artes, Ciência e Filosofia.
O Iluminismo, período entre o final do século XVII e início do século XVIII, foi marcado pelos
esforços do homem em analisar a sociedade em que vive sob um novo viés: o científico.
Vieram à tona os avanços e comprometimentos do homem em relação ao estudo de seus
modos de vida a partir da Ciência, da pesquisa e do debate – iniciados no Renascimento.
ILUMINISMO
Seus pensadores, filósofos e economistas se entendiam como propagadores da luz
justamente pelo compromisso com o conhecimento e sua difusão – daí vem o termo
Iluminismo.
Liberdade econômica
A Revolução Francesa tem destaque quando nos propomos a analisar o contexto histórico do
surgimento da Sociologia. A Revolução, que derrubou o Antigo Regime, possuía como base a
rejeição ao modelo de governo da monarquia e sua manutenção de poder justificado pela
vontade divina. Assim, os ideais defendidos pelos revolucionários estavam alinhados com as
novas propostas de pensar o mundo e a sociedade.
Nesse contexto, surgiu a Sociologia, apesar de ainda não ser compreendida como ciência.
Nasceu com Auguste Comte e o Positivismo, buscando uma forma de enxergar a sociedade
que ajudasse a trazer estabilidade nos campos da política, da economia e da sociedade.
AUGUSTE COMTE
Auguste Comte (1798-1857) foi um pensador francês cujas ideias deram forma à corrente
filosófica do Positivismo.
POSITIVISMO
Sistema filosófico elaborado por Comte, baseado na ideia de que a cultura e a sociedade
passam por três estados: o teológico, o metafísico e o positivo.
Grandes intelectuais se debruçavam sobre as relações sociais, sobre o seu sentido, como os
indivíduos se relacionavam. Esse campo, dentro da nova perspectiva de Ciência (afinal, o
século XIX é o século da Ciência), fazia com que os relatos sobre outras sociedades servissem
de comparativos e, da comparação, emergiam as concepções universais, com perspectivas
globais que explicariam desde o domínio europeu até o estudo sobre como as dominações
eram validadas.
Sempre foi difícil defender a Sociologia como uma ciência, pela ausência de um resultado de
pesquisas desenvolvidas de maneira direta. No entanto, seus pensadores defendiam que o
vasto campo de história e a análise de sua perspectiva seriam mais do que suficientes para
alcançar tais resultados.
Ao longo do século XIX, foram fundadas as bases do pensamento sociológico. Ainda que
profundamente alterado, discutido e com autores importantes, todos, de algum modo, são
reconhecidos como tributários de três importantes pensadores: Emile Durkheim, Karl Marx e
Max Weber. Tendo posições antagônicas, não sendo contemporâneos em sua produção, os
três são entendidos como pedras angulares para conhecer, desenvolver e entender o
pensamento sociológico.
Sobre cada um desses autores, no entanto, há rios de tinta de análise de suas ideias. Há
muito mais material do que nossa abordagem ou qualquer outra poderia, de uma única vez,
alcançar. Assim, a partir de agora, você conhecerá os fundamentos básicos de seu
pensamento e, especialmente, como influenciam esse campo comumente chamado de
Sociologia da Educação.
RIOS DE TINTA
Expressão que faz alusão à quantidade de tinta gasta para escrever todas as
informações no papel.
SOCIOLOGIA E EDUCAÇÃO
Sociologia e Educação se entrelaçam como forma de analisar, compreender e debater os
processos sociais no campo do ensino e da aprendizagem. Essa vertente, a Sociologia da
Educação, tem interesse tanto pelo aspecto institucional e organizacional da Educação
como pelas relações sociais entre os indivíduos envolvidos nesse processo.
ASPECTO INSTITUCIONAL E
ORGANIZACIONAL DA EDUCAÇÃO
Depende de quem fomentou a criação dessas Escolas, dos planos estabelecidos, das
propostas que a cercam. Uma Escola não é um ato de amor! Escola é uma instituição social
que dialoga com interesses, e as pessoas que a frequentam são sujeitos que possuem
interesses, normas e cultura.
Perdendo o lirismo idealizado que temos sobre a Escola como uma instituição de natureza
positiva, devemos vê-la como uma parte do complexo social em que vivemos. Temos um
desafio: estudar como essas dinâmicas podem ser estabelecidas. O caminho será o mesmo
que todos os grandes nomes da Sociologia propuseram: conhecer Durkheim, Marx e Weber e,
depois, voltar a olhar para essa Escola.
ÉMILE DURKHEIM
Émile Durkheim (1858-1917), sociólogo e psicólogo francês, é considerado o criador da
Sociologia como ciência e pai da Sociologia da Educação. O primeiro sociólogo recebeu esse
título por ter sido o primeiro a elaborar um método bem estruturado que consolidou a
Sociologia como ciência.
Émile Durkheim
Para Durkheim (1978), "a Educação é uma socialização da jovem geração pela geração
adulta", que deveria seguir em forma de um processo eficiente, buscando o melhor
desenvolvimento possível da comunidade na qual a Escola estivesse inserida.
A construção do ser social, feita em boa parte pela Educação, é a assimilação pelo indivíduo
de uma série de normas e princípios – morais, religiosos, éticos ou de comportamento – que
baliza a conduta do indivíduo em um grupo. O ser humano, mais do que formador da
sociedade, é um produto dela.
A Educação para Durkheim tinha um papel de garantir que a sociedade humana não se
perdesse em uma tábula rasa, ou seja, o homem não traz elementos definidos de antes do
nascimento; todas as relações e construções vêm da relação com o mundo e cada indivíduo
preenche a sua tábula ao longo da vida, sendo a garantia da continuidade dos valores morais,
religiosos, políticos e científicos de uma sociedade.
A função de todos que optam por atuar na Escola é garantir a compreensão desses fatores, o
que avaliza o processo social.
Durkheim e sua teoria recebiam a denominação de funcionalista até por conta da percepção de
uma sociedade que funciona como um relógio. Para que efetivamente haja precisão, é
necessário que cada um entenda e reproduza plenamente seu papel social. Dinâmicas de
ruptura, de quebra dos processos, mesmo que em busca de uma ascensão social, deveriam se
reprimidas.
TÁBULA RASA
Expressão derivada do latim, significa folha de papel em branco, usada por inúmeros
filósofos ao longo da história como metáfora para categorizar as pessoas que não têm
conhecimento.
Para Durkheim, a sociedade era perfeita e o papel da Educação era manter essa sociedade
perfeita?
Era uma proposta que defendia os poderosos e queria garantir que os mais pobres aceitassem
sua condição?
A Resposta é: não!
DURKHEIM, 1978
KARL MARX
Se a busca de Durkheim era entender o presente e a dinâmica social, a de Marx era observar
como a história poderia nos ajudar a compreender a dinâmica de transformações da
sociedade. Se o primeiro buscava compreender os mecanismos do equilíbrio social, Marx, em
uma posição antagônica, propunha compreender como o equilíbrio representava a vitória da
dominação de um grupo.
Karl Marx
Observa-se a inovação de Karl Marx em relação às ciências humanas como eram vistas até
então. Ele propunha o entendimento de uma Sociologia que notasse que a história e as
sociedades eram feitas por pessoas e que disputas e ordenamentos abririam importantes
perspectivas sobre a noção de progresso.
Com Marx, temos a criação do materialismo histórico, que trazia um conceito novo para a
interpretação dos acontecimentos sociais, pois chamava fatores técnicos e econômicos para a
leitura e compreensão da história.
Marx partia da premissa de que toda a história humana é baseada na existência de indivíduos
humanos e vivos, e essa premissa é fundamental para compreender a relação existente entre o
homem e a natureza.
Para Marx, a partir dessa percepção pode-se distinguir o homem da natureza, pois torna
possível perceber que o ser humano apresenta uma concepção de religião e, mais importante,
a noção da necessidade de produção do seu meio de subsistência, ou seja, de sua vida
material.
HEGEL
Georg W. F. Hegel (1770-1831) foi um dos principais filósofos alemães do século XIX. Era
notório nas universidades e formou importantes seguidores. Sua dialética – a dinâmica da
transformação do pensamento por uma ideia construída, tese, que uma vez contraposta,
por uma antítese, leva a um novo conhecimento, síntese. Marx levou essa dinâmica para
observação e transformação das estruturas sociais.
DIALÉTICA
A Sociologia não deve ser pensada como um campo possível de pensamento, ele é
material, estrutura-se nas demandas e disputas presentes no cotidiano.
Quem domina os meios de produção domina a sociedade. Mas, o que impede que os
dominados, normalmente mais numerosos, lutem e tomem para si os meios de produção? É o
estudo desses mecanismos que passam à ordem do dia do autor.
Junto com o inglês Engels, um autor mais prático, mas que auxilia na difusão das ideias
marxistas, Marx entende que as sociedades são divididas em classes sociais, nas quais
existem as classes dominantes e as classes oprimidas. As ideias das classes dominantes são,
para ele, em todas as épocas, as ideias dominantes.
Conceito de Marx exposto em muitos materiais e mais famoso pela forma clara que é
apresentado no chamado Manifesto Comunista. No limite, quem controla os meios de
produção aliena um conjunto de bens, que é social, do coletivo. Essa tomada dos bens –
político, culturais e principalmente econômicos – é o motivo legitimador dos
dominantes.
NA SOCIOLOGIA DE MARX, A
EDUCAÇÃO É ALGO NEGATIVO?
Direta e indiretamente, a obra de Marx serviu como base para diversas linhas pedagógicas
voltadas para a mudança da sociedade. Autores que seguiam o marxismo debateram como a
Educação é parte integrante do processo de transformação das condições sociais ao mesmo
tempo em que é controlada por ele.
MAX WEBER
Chegamos ao terceiro autor considerado pilar da Sociologia: Max Weber (1864-1920).
Sociólogo, jurista e intelectual alemão, Weber apresentou ideias muito valiosas para o debate
metodológico de diversas áreas das ciências sociais, pois, enquanto a abordagem de Durkheim
valorizava a coerção social e o coletivo sobre o indivíduo, Weber aponta para a valorização
da escolha do indivíduo. Ele é o agente, que medeia seus interesses, atende e se permite
estar submetido a regras, assim como opta, por interesse como indivíduo, pelo rompimento de
regras. Assim, segundo Weber, determinados pontos e conflitos internos são possíveis e
adequados à estrutura social, inclusive à realidade educacional.
Max Weber
Em relação a Marx, a História tem mais uma vez papel vital, não seria racional em si mesma,
mas o historiador seria capaz de racionalizá-la parcialmente. Quer dizer, não existe um modelo
de transformação ou conservação social, mas os indivíduos se espelham em modelos,
interpretativos, constantemente reproduzidos e que permitem ser observados e interpretados.
RESUMINDO
Imagine alguém que pregue uma mensagem em uma sociedade:
Para Durkheim, se sua voz tiver consonância social, ele terá um papel;
Ele propõe que pregadores em diversas sociedades sejam tratados como sujeitos estranhos,
com hábitos excêntricos que se afastam da média das pessoas. Esse é o modelo, vamos ver
como ele, por comparação, ajuda a entender o pregador específico dessa sociedade, o que ele
fala, para quem fala, no que se afasta ou se aproxima do modelo. Essa é a operação
sociológica.
Weber sugere a construção de um modelo teórico que, como tal, tem a função de oferecer um
formato ideal que, porém, é inexistente na prática. Pode-se compreender isso ao se pensar
em um manequim de uma loja. Ele é um modelo, aquele corpo não existe, constituindo apenas
uma aproximação genérica, idealizada; o que os clientes fazem é traçar comparações para
decidirem se querem experimentar a roupa ou não.
As ações, para Weber, partem do indivíduo e podem ser organizadas por suas motivações.
Segundo Weber, podemos dividi-las em:
AÇÃO RACIONAL
Você observa e vê que no fim daquilo obterá ganhos. Exemplo: Vou colocar meu filho na
melhor escola que puder, pois, assim, ele terá mais possibilidades de ter boas condições
financeiras no futuro.
AÇÃO TRADICIONAL
Relacionada aos atos rotineiros, entendidos como comuns em uma sociedade, praticados por
recorrência. Exemplo: Criança pergunta à mãe por que precisa usar um tênis todo preto para
uniforme da escola; na aula sobre futebol, os meninos separam os times, e, se alguma menina
quiser jogar, tem que avisar.
AÇÃO AFETIVA
Relacionada a impulsos do indivíduo, lógicas construídas por ele a partir de sua observação e
sentimentos. Exemplo: Aluno invade escola e atira nos colegas, motivado por alguma vingança.
Weber entende a Educação como o meio pelo qual os indivíduos se preparam para o exercício
de funções determinadas pelas transformações provenientes da racionalização de suas vidas.
Assim, o modelo de Educação possui três finalidades básicas:
DESPERTAR O CARISMA
Encontrar os dons, despertar o gosto pelo aprender e ser capaz de levar isso à sociedade.
PREPARAR O ALUNO PARA A VIDA
É a pedagogia do cultivo, que consiste em uma forma de ensino que visa a formação de
sujeitos cultos.
PRESTÍGIO SOCIAL
WEBER, 1982.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
AS AFIRMATIVAS SÃO:
B) Dissonantes, uma vez que esses conceitos misturam as proposições de Marx na primeira e
Durkheim na segunda.
C) A afirmativa I pode ser entendida como um ponto de convergência da teoria de Durkheim e
Marx.
A) Para Marx, a dissonância entre capital e trabalho promovida pela burguesia é criada pela
escola e passa a ser disseminada como algo natural e necessário.
B) Para Weber, a formação do carisma, criado pela sociedade burguesa, foi fundamental para
consolidação do capitalismo.
C) Para Marx, a alienação promovida pela escola faz com que esta instituição deva ser
combatida como uma das forças legitimadoras do domínio burguês.
D) Para Weber, a valorização do status como componente de valor social assumiu condições
singulares nas sociedades por ele estudadas, gerando a intensificação da busca de diplomas e
certificações.
GABARITO
As afirmativas são:
A alternativa "C " está correta.
Para Weber, o crescimento das sociedades estruturais fomentou uma característica modelar:
sociedades são hierarquizadas e a busca por esse posicionamento sempre fomentou a disputa
por determinados bens e conhecimento, nesse sentido, a Educação tornou-se uma
necessidade para a condição de status contemporâneo e acabou por gerar uma movimentação
em garantir a regulação e consolidação do papel dos diplomas e certificados.
MÓDULO 2
Neste módulo, você perceberá como a Antropologia pode ajudar a identificar a Escola como
um lugar muito mais complexo do que a maior parte da sociedade vê quando olha para essa
instituição.
Assista ao vídeo que trata do tema da Escola como um espaço singular e de como a visão da
Antropologia é fundamental ao educador.
O olhar para o outro buscando conhecer, entender ou negar a sua cultura é recorrente em
diversas sociedades. Não é acidental que o grego Heródoto fosse chamado de filobárbaro, o
amante dos bárbaros, por ter dedicado sua vida a retratar e escrever sobre os povos não
gregos. Poderíamos fazer um longo passeio pela história para perceber esse processo de
relações entre a construção de culturas singulares que se estruturam na negação de outras
culturas, mas vamos a um momento singular: a construção da modernidade e, em especial,
o colonialismo e o neocolonialismo.
HERÓDOTO
Geógrafo e historiador grego, autor da obra Histórias, que narra a invasão persa à Grécia
no século V, ao mesmo tempo em que descreve, com grande riqueza de informações,
características culturais e étnicas dos povos com os quais os gregos tinham contato à
época.
Ao longo dos séculos XVI e XVII, a Europa consolidou lenta e continuamente o seu domínio no
continente americano. Nesse processo, o encontro de civilizações passou a ser parte do
ideário europeu. Aqueles homens eram retratados ora como sujeitos angelicais, puros, livres de
pecados, ora como selvagens perigosos que comiam carne humana (antropofagia).
A Europa domina o mundo, sua cultura está presente em toda parte, como espelho ou
negação. A ideia de uma tradição correta, verdadeira, racional e civilizada é posta na mesa e
torna-se o padrão.
ETNOGRAFIA
Alguns exemplos desses relatos: Mundus Novus, de Américo Vespúcio; Duas Viagens ao
Brasil, de Hans Staden; Viagem à Terra do Brasil, de Jean de Léry e o Relato de Viagem,
de Francisco Orellana.
A etnografia tem grande impulso no século XIX com a partilha da África e Ásia, e as disputas
neocolonialistas. Os registros serviam para afirmar os ideais de superioridade europeia e a
ideia de hierarquização de culturas – positivistas dividiam as sociedades entre civilizadas,
bárbaras e selvagens – como forma de legitimar a própria dominação da cultura europeia
ocidental.
O capital e as disputas, sendo fortalecidos, criaram uma ordem mundial. As trocas de uma
sociedade mundial, ainda que tivessem formas próprias, estavam o tempo todo em
comparação com a sociedade europeia.
ORDEM MUNDIAL
Ordem mundial, nesse sentido, não é o termo histórico atual dado ao fim da Guerra Fria,
mas, em vez disso, designa a ideia da formação de um sistema internacional pautado nas
relações capitalistas.
Quando você lida com uma língua europeia, você a chama de idioma. Já quando a
língua é de um grupo local, um traço não europeu, você tende a chamá-la de
dialeto.
É importante ressaltar que esses termos têm finalidades próprias no campo da Antropologia,
não são compostos de forma genérica como mostramos aqui, estamos apontando para suas
percepções do senso comum e o regime de historicidades dessas ideias.
A chegada ao século XX trouxe uma série de mudanças à etnografia de gabinete. Uma série
importante de autores passou a atuar em campo (Default tooltip) , buscando compreender a
lógica da composição dessas culturas. Muitos consideram que a efetiva dinâmica de
construção da Antropologia só aqui se estrutura.
GRANDES PENSADORES DA
ANTROPOLOGIA
Antropólogo polonês, tido como um dos fundadores de uma Antropologia social, de uma
etnografia funcionalista. Mais do que o detalhamento de suas teorias, o que nos interessa é
perceber sua proposição do que é função da etnografia. Percebia-se a possibilidade de outra
sociedade, outra forma de entender a humanidade, sem a proposição de hierarquização que
fundamentava o movimento anterior. Isso levou finalmente à percepção da existência do outro.
Bronislaw Kasper Malinowski
Malinowski tem uma história pitoresca em meio aos esforços de guerra. Diante da
impossibilidade de retorno à Inglaterra em um momento de conflito, acabou intensificando sua
observação de campo de forma singular, experimentando e testando uma série de técnicas que
modificariam a história da Antropologia.
Antropólogo americano que observou as profundas distinções entre grupos que, apesar de
próximos do ponto de vista geográfico, culturalmente, pareciam pertencer a mundos diferentes,
conforme procurou demonstrar ao comparar esquimós e índios americanos. Seu pensamento
reforça e modifica a construção de Malinowski, já que, para ele, a classificação dos povos
baseada na ideia de um processo evolutivo cultural unilinear era arbitrária e não bastaria para a
caracterização dos diversos grupos etnográficos.
Franz Boas
O objetivo é atravessar o espelho, não descrever o outro, não simplesmente perceber o outro
para que possa notar suas diferenças, mas atravessar o espelho. Finalmente, reconhecer o
seu direito de ser, de denunciar, de uma sociedade que possui outras formas.
DISPUTAS COLONIALISTAS
Depois dos conflitos mundiais, as guerras pela independência da África e da Ásia, que já
tinham se iniciado, ampliaram seu escopo. Revelaram atrocidades dos colonizadores e
chocaram os idealistas do mundo civilizado. Das mãos cortadas pelo rei Leopoldo no
Congo à cerca de crânios na Tunísia, o olhar para o colonizador, se em algum momento
foi paternalista, passou a ser destruído e negado. Esse exercício também modifica a
antropologia.
ATRAVESSAR O ESPELHO
Conceito apresentado por Claude Lévi-Strauss para criticar a Antropologia que não via o
outro, mas queria criar uma forma da sua própria sociedade ser compreendida pela
comparação. Atravessar o espelho significa efetivamente ir ao encontro de entender o
outro.
O francês, famoso na música de Caetano Veloso, foi um dos importantes estudiosos das
etnias indígenas, criador da Antropologia Estrutural. Em um dos seus mais famosos artigos,
Raça e História, o autor apresenta os desafios da construção histórica do sujeito, apontando
características que permitem perceber que, para além de uma natureza humana, o homem é
composto por acúmulos culturais, próprios e inerentes àquelas comunidades. Não é um
acúmulo no sentido histórico, mas uma percepção de que conseguiríamos classificar as
sociedades em pontos evolutivos diversos, em uma comparação que em qualquer sentido não
teria fundamento.
Claude Lévi-Strauss
VOCÊ SABIA
Lévi-Strauss viajou pelo Brasil entre 1935 e 1939, realizando estudos de sociedades indígenas,
e foi professor de Sociologia na USP aos 26 anos de idade. Quando, em visita ao Rio de
Janeiro e depois de um sobrevoo à Baía de Guanabara, perguntaram a Lévi-Strauss o que
teria achado daquela beleza, ele respondeu que parecia uma boca banguela. A resposta
indignou alguns brasileiros e Caetano utilizou a referência na música O Estrangeiro de 1989.
François Hartog afirma sobre o entendimento da Antropologia estrutural proposta por Lévi-
Strauss:
HARTOG, 2006.
CULTURAS ÁGRAFAS
Culturas que não mantêm sistemas de escritas regulares, apesar de muitas delas terem
simbolismo, ícones e até caracteres que remetem a fonemas.
ATENÇÃO
O relativismo cultural proposto por Geertz e pelos demais não significa aceitação e
naturalização de fenômenos de exploração e violência, mas o exercício de observação de
como funciona aquela cultura, ainda que o posicionamento seja de não aceitação em nossa ou
em outra sociedade.
Clifford Geertz
A ANÁLISE CULTURAL É (OU DEVERIA SER) UMA
ADIVINHAÇÃO DOS SIGNIFICADOS, UMA AVALIAÇÃO
DAS CONJECTURAS, UM TRAÇAR DE CONCLUSÕES
EXPLANATÓRIAS A PARTIR DAS MELHORES
CONJECTURAS E NÃO A DESCOBERTA DO
CONTINENTE DOS SIGNIFICADOS E O MAPEAMENTO
DA SUA PAISAGEM INCORPÓREA.
GEERTZ, 1989.
Cultura é fruto de uma concepção das teias culturais. Sociedades são complexas e constroem
e reconstroem sentidos culturais constantemente. O estudo dessas interpretações de mundo,
de construções de sentido (ainda que sejam constantemente rediscutidos e remodelados), é o
processo de entendimento antropológico.
Toda sociedade é múltipla em símbolos e em trocas. Por isso, não devem ser entendidas como
culturas puras ou isoladas a serem preservadas a qualquer custo. Cultura não é algo limitado a
grandes conjuntos isolados. Esses conjuntos não existem. Os grupos sociais, as diversas
culturas estão sempre vivas trocando e se reinventando.
Claro que o contexto influencia na mudança trazida por Geertz. Se Lévi-Strauss produziu no
período de Guerra Fria e descolonização, Geertz convive com a sociedade das décadas de
1980 em diante, vivencia a formação de sociedades em rede e a globalização. Vê a
multiplicação de conceitos antropológicos, que põem em xeque as noções clássicas de pureza.
Vivemos um amadurecimento dos conceitos construídos por esses autores e não são escritos
em livros de Antropologia para dificultar a compreensão dos que iniciam seus estudos. Eles
estão nos livros, mas é diante de nós que esses conceitos se materializam. Cada vez que
usamos um celular ou computador; cada vez que saímos à rua, que conversamos, esses
conceitos aparecem.
CONCEITOS DE CULTURA
Kuper afirma que a cultura foi trabalhada durante muitos anos como algo material, a posse que
definia um grupo, um conjunto de práticas, hábitos, formas de explicar o mundo. E essa visão
chega ao senso comum, é a maneira mais recorrente dos homens definirem cultura: um
conjunto de práticas e pensamentos que os constituem como pertencentes a uma cultura A ou
B.
No entanto, essa materialização foi debatida por autores diversos mostrando que seu
entendimento precisava ser repensado. Levando para o contexto da Escola, corresponde às
ideias que muitas vezes norteiam as festas de folclore ou as representações de outras etnias,
como as comemorações do Dia do Índio.
Cultura seria tudo aquilo que o homem produz. Identificados com uma leitura estruturalista de
mundo que associa cultura à ação efetiva do homem na sociedade. Ainda que não fosse mais
algo que pudesse ser possuído, passava a ser algo que constituía o meio. Pensando nessa
leitura no contexto da Escola, a cultura passava a ser um exercício de consciência dos alunos
sobre as condições de trabalho, as formas de exploração, as classes sociais a que pertencem,
os modelos de produção, consumo e identidade dos quais eles fazem parte.
LEITURA ESTRUTURALISTA
É a percepção de que cultura é um direito, uma prática, uma identidade e que cada um tem
necessidade de ostentar em um mundo complexo, ou seja, o conceito de multiculturalismo,
criado nos anos de 1980.
O historiador italiano Carlo Ginzburg oferece uma importante contribuição ao debate sobre a
noção de cultura, exemplificando em seu célebre livro O Queijo e os Vermes que cultura não
deve ser interpretada como um campo de exclusão ou segmentação, mas que culturas
circulam, reinventam-se, recriam-se. Um grupo pode transformar sua negação em elemento
identitário.
EXEMPLO
Durante anos, os chamados clubes de massa (Corinthians em São Paulo, Flamengo no Rio de
Janeiro e Bahia em Salvador, por exemplo) eram agredidos verbalmente pelos seus
adversários com a acusação de serem torcidas de marginais, maloqueiros, ladrões, favelados
etc. As torcidas desses times de massa, no entanto, passaram a utilizar essa agressão como
marca de identidade, com comemorações que exaltavam a condição de loucos, favelados e
afins. Aquilo que era negação tornou-se uma forma de diferenciação e identidade.
São muitos os exemplos do mesmo tipo: a identificação do outro, em função da cor da pele,
como “negro”, que acaba depois se autodenominando “preto”, revelando duas formas de
reconhecer o outro pela cor e não como pessoa, como ocorria durante o período da
escravidão. Diante da desnaturação, da negação e da violência, o grupo se reinventa, afirma-
se pelas características de superação, criando, redesenhando e inventando uma nova
dinâmica cultural afirmativa.
Outras formas de conceito de cultura têm sido adotadas, como as lentes pelas quais os
homens veem o mundo. Essa ideia vem de cultura como um discurso, uma representação,
uma simbologia.
São muitos conceitos possíveis, mas todos com o propósito de tirar do sentido de cultura algo
material, palpável, e transformá-la em uma construção, torná-la parte da maneira como uma
sociedade se vê, pensa a si mesma e se relaciona. Ao mesmo tempo que define interpretações
de mundo, ao ser debatida, a cultura faz com que as lentes se transformem e se modifiquem. É
uma estrutura estruturante.
EXEMPLO
Tornou-se uma exigência, com a noção de que se você deseja ser alguém na vida, você
precisa da escola. Era necessário obedecer e cumprir.
A Escola não é o espaço em que se ensina a ser alguém, mas é o espaço do aprender.
Segundo a Base Nacional Comum Curricular, a Escola é o local onde o aluno desenvolve
habilidades e competências necessárias ao seu desenvolvimento. É uma Escola que deve
reproduzir menos e produzir – construir efetivamente – mais.
A Escola tem um forte grau de integração social, os problemas do cotidiano são lá vivenciados
e, assim, cada professor, cada aluno, cada transformação do bairro, da cidade, do país, e do
mundo influenciam no conjunto de relações culturais. As visões comuns aproximam pessoas,
as antagônicas as afastam.
CONCEITO DE ETNOCENTRISMO
EXEMPLO
É uma história bíblica (Gênesis 9:18 - 10:32) que ocorre depois do episódio da arca de Noé e
do dilúvio. Cam vê Noé, seu pai, embriagado e, em vez de ajudá-lo, debocha dele. Isso teria
gerado uma maldição para os descendentes de Cam, que ficaram para sempre marcados.
Não há referência à cor negra, mas é esta a associação construída por certa tradição religiosa,
adotada pela ciência do século XIX, que justificava que homens de cor preta eram inferiores ou
amaldiçoados. Os estudos científicos da época apontavam que qualquer mistura representava
a fragilização das raças puras, como aconteceria com animais de espécies diferentes. Então,
não haveria nada pior do que um mestiço de raças humanas diferentes.
Assim, havia ideias políticas que defendiam que o Brasil precisava romper com a maldição de
Cam, escolher uma raça e ir direcionando toda a população nesse sentido. Nesse contexto,
políticas públicas foram então pensadas buscando o branqueamento da sociedade brasileira.
Imigrantes brancos de todo o mundo eram estimulados a vir para o Brasil.
A redenção de Cam, por Modesto Brocos y Gómez
SAIBA MAIS
Essa não é uma exceção; no século XX, personalidades importantes como Rui Barbosa diziam
que os traços de mistura da cultura brasileira era um sinal de atraso, de um Brasil não
civilizado.
Etnia é um conceito antropológico que não lidava somente com a identificação biológica dos
sujeitos, mas com sua composição social, cultural, suas práticas e relações pessoais e
coletivas para definir uma sociedade. No entanto, não abandonava a noção de raça ou da
composição de superioridade, agora cultural.
A oposição entre civilizado versus selvagem demorou a ser vencida. Entretanto, o senso
comum ainda é fortemente marcado pela composição de um etnocentrismo vital: existem
hábitos e comportamentos aceitáveis e aqueles que devem ser corrigidos.
Etnocentrismo é uma marca de negação, um conceito que define padrões sociais e de
comportamentos como corretos e, por consequência, aqueles que devem ser negados,
destruídos ou persuadidos a serem modificados.
Gilberto Freyre, famoso por estudar as relações étnicas brasileiras, ainda entendidas como
raciais, identificou na afetividade entre colonizados e escravizados (índios e africanos) a
construção de uma estrutura singular.
GILBERTO FREYRE
Gilberto Freyre (1900-1987) foi um importante sociólogo brasileiro, além de ter sido
escritor, jornalista, poeta e pintor.
Gilberto Freyre nunca propôs esse conceito. Em seu livro Casa Grande e Senzala, ele não
reduz a violência do colonizador, mas defende que na condição da colonização uma
relação afetiva acabou sendo constituída.
Uma família brasileira do século XIX sendo servida por escravos, por Jean-Baptiste Debret
O conceito de raça biológica foi derrubado pelos estudos modernos de Biologia, que acabaram
ratificando que homens contemporâneos pertencem a uma mesma espécie,
independentemente de suas variações físicas, oriundas de processos diversos, e que estão em
constante modificação.
Esse conceito ganhou outra composição sociológica, como forma de identificação étnica. As
“tribos” que compõem a diversidade social dentro de um mesmo espaço, marcam traços
identitários múltiplos, e a composição histórica de raça – como forma de negação – passou a
ganhar força de identidade do grupo. Um grande exemplo é a construção nazista de
superioridade de uma raça, como os arianos e sua origem caucasiana.
Com essas novas configurações, o conceito de etnocentrismo passou a ser entendido como
um exercício a ser negado, considerado uma forma de violência.
IDENTIDADE DE GRUPO
Um dos ícones dessa relação uma vez mais são os chamados movimentos negros e
indígenas. Traços de negação reconfigurados para uma identidade de luta pelos seus
direitos.
MAS, QUAL A RELAÇÃO DISSO
COM A ESCOLA? UM
PROFESSOR NÃO É
ETNOCÊNTRICO. ELE É
CUIDADOSO. SERÁ?
CONCEITO DE IDENTIDADE
Qual a sua identidade? Podemos imaginar a multiplicidade de respostas que essa pergunta
pode causar: brasileiro, pai de família, mulher, negro, engenheiro. Não precisaria ter dúvida,
bastaria olhar sua carteira de identidade e lá estaria escrita a resposta.
O século XX trouxe com força uma nova noção de identidade: a ideia de nacionalismo. Sua
identidade era a sua nação, a fidelidade à sua terra, a seus familiares e às pessoas que
conviviam diretamente com você. Por elas, você deveria viver, por elas você deveria morrer. Se
durante o século XIX isso aparecera nos campos de batalha, no século XX eram elementos do
cotidiano, como rádios, festividades e governos defendendo a ideia de civismo e luta por sua
identidade.
Mahatma Gandhi durante a Marcha do Sal, protesto que marcou o início do movimento de
independência da Índia
A definição de fronteiras, as composições dos Estados-Nação, a reafirmação de novas mídias,
o fortalecimento de discursos que defendiam o seu espaço vital, foram os responsáveis por
grandes conflitos do fim do século XIX até a metade do século XX. As Guerras Mundiais são
ícones da força da identidade nacional da primeira metade do século XX, mas não são únicas.
As disputas pela descolonização e a consolidação da influência do republicanismo, da
democracia representativa, acabam fortalecendo a nação, que era a principal marca identitária.
SAIBA MAIS
Adolf Hitler era o comandante da Alemanha e seu objetivo era exibir o poderio da raça ariana,
mas também mostrar ao mundo como a Alemanha era um lugar especial, civilizado, o futuro da
humanidade.
Os Estados Unidos, interessados na mesma coisa, não por uma afirmação ariana, mas pelos
seus princípios de capitalismo e liberalismo, veem no envio de seus atletas uma ameaça
nacional, a possiblidade de legitimar o discurso do alemão.
Mas, a participação dos atletas seria a chance de disputar a “superioridade” e vencer. Assim,
todos os atletas são enviados para defender os princípios norte-americanos.
O maior nome é Jesse Owens, do atletismo, jovem negro que sofre, como toda sua
comunidade, com o sistema de segregação racial, e, por causa disso, às vésperas do evento
decide não ir, pois não se via respeitado em sua identidade como cidadão americano,
tampouco gostaria de dar legitimidade ao regime de Hitler. No entanto, ele acaba indo, vence,
mas mantém o discurso crítico de que nunca se sentiu verdadeiramente americano.
EXEMPLO
DESAFIOS DOCENTES
VERIFICANDO O APRENDIZADO
A) A Educação que ocorre na Escola incorpora sempre uma perspectiva de gerar e promover a
igualdade; nesse ponto, os conceitos antropológicos ajudam a perceber o que o aluno traz da
sua vida.
C) A educação sistemática e a escola regular têm os mesmos conteúdos, mas cada uma deve
preservar seus espaços de atuação.
GABARITO
Relacionando-a às frases abaixo e com a história da Antropologia, você diria que a sua
melhor interpretação é:
Essa questão trata da instrumentalização ofertada aos docentes ao discutir a relação entre
Antropologia e Educação. Não basta reconhecer um grupo, perceber suas relações
econômicas, tampouco imaginar que a função da Escola é transmitir conteúdo. A Escola é uma
instituição, é social, é palco de dinâmicas diversas e se quiser ser mais eficiente no
aprendizado precisará lidar com a dinâmica sociocultural da realidade dos alunos.
MÓDULO 3
Assista ao vídeo sobre a escola como um campo de estudo das ciências humanas.
O ENCONTRO ENTRE A EDUCAÇÃO E A
SOCIEDADE
Sociedades humanas educam. Sempre existem responsáveis por passar as regras, incutir
valores, treinar e desenvolver habilidades. Os métodos variam, historicamente, de coerção a
interesses. Sem entrar em paradigmas biológicos, essa é uma característica que reproduzimos
como espécie.
Imagine a seguinte situação: Eu tenho algo e você tem outra coisa, temos o interesse em
trocar, trocamos. Em outra situação, eu tenho algo e você entende que aquilo deveria ser seu,
mas eu tenho uma força que não permite que você tome, ou então você cria estratégias e
adquire forças que podem levar o que tenho.
Atualmente, todos temos alguma coisa e há sistemas monetários que garantem um valor para
tudo, sistemas jurídicos que ajudam a definir quais são os direitos de quem, configurando
processos bem diversos. Saímos da condição do mundo natural e criamos complexos
conjuntos sociais que podem se diversificar a cada momento.
Como funciona essa formação? Como ocorre essa relação em meio à sociedade? Essas
perguntas apontam para o objeto das Ciências Sociais.
Onde entra a Educação? Ora, faz parte da nossa condição o acúmulo e a transformação das
experiências e do conhecimento, essa dinâmica é transmitida, repetida, ensinada e finalmente
aprendida geração após geração.
IMPORTANTE
Aquele que almeja assumir a condição de docente, de se relacionar com a Educação, nunca
poderá desistir de observar como se relacionam os homens e como eles constituem a
sociedade.
Imagine que você é um peixe que nasceu no aquário. Para você, tudo o que existe é o aquário.
Você é capaz de elaborar teorias para o funcionamento do aquário e do mundo no entorno
dele. Mas, suas verdades são postas em xeque quando outros peixes chegam ao seu
ambiente. Eles falam de rios e natureza. Sua construção pessoal, sua forma de pensar, poderá
ser influenciada pelos relatos recebidos, afinal o aquário é o mundo que você conhece, mas, ao
menos em hipótese, existem outras culturas e outras sociedades. Você poderá falar sobre rios,
comparar o que ouviu sobre eles e a natureza que outros vivenciaram, mas sua relação diária é
com seu lugar, seu espaço, suas relações pessoais. Mesmo tendo conhecido outros peixes,
acreditado no relato deles, seu olhar sempre será marcado pelas suas experiências.
A Escola fez parte de nosso cotidiano, antes mesmo de termos uma opinião sobre ela. Todos
se acham especialista em Escola, como ela funciona bem, o que é uma Escola boa e uma
Escola ruim. Poucos são os peixes que percebem que são peixes, que estão em um aquário.
Poucos refletem a Escola como um espaço cultural, marcado por interações humanas, com
convivências muitas vezes inimagináveis. Poucos reconhecem a importância singular de
sujeitos que se atrevem a conviver com a juventude e os desafios que ela enfrenta.
CARACTERIZAÇÃO: EDUCAÇÃO E ESCOLA
Depois de conhecermos uma ampla gama de ciências sociais e entender sua relação com a
Educação, o convite é para que você assuma a condição de educador, de professor, usando a
velha característica histórica.
IMPORTANTE
É preciso que você faça um esforço a mais: tente desnaturalizar sua visão mais recorrente e
pense sobre como as relações do cotidiano escolar são ricas de possibilidades.
A professora Nilda Alves desenvolve seus trabalhos demarcando o trinômio cultura, Educação
e cotidiano. Sua proposta é compreender como elementos formais são reproduzidos no
cotidiano e de que maneira reconstroem elementos culturais com o objetivo de ensinar suas
benesses e restrições no meio social.
Capa da obra Praticantepensante de Cotidianos, da Professora Nilda Alves
NILDA ALVES
Você se lembra das discussões sobre a necessidade de aprender raiz quadrada ou por que
estudar História? Isso é o que chamamos de distanciamento, as pessoas passam a não
entender por que a Escola trata de determinado assunto. Mas é ilusório achar que essa
educação formal fica fora da sociedade. Ela acaba chegando aos espaços assimétricos de
educação, reformulados e adaptados. Também é falso que a Escola se isole em seus
conhecimentos, pois a tradição e as trocas sociais sempre chegam a ela, ainda que de forma
adaptada.
Nilda Alves traz o conceito de Educação em múltiplos espaços, constituindo um sistema de
interações em que elementos escolares influenciam e são influenciados por um discurso que
apresenta, inclusive, características próximas, mas para espaços e fins diversos. Sua
exposição permite que compreendamos os espaços escolares como imersos na sociedade em
que convivem, são transformados e transformam as discussões.
EDUCAÇÃO ASSIMÉTRICA
É uma educação sem um condutor, sem uma formalidade de tal construção, mas
produzida pelas trocas sociais.
JULIA, 1993.
Educação formal
Tem forte tentativa de controle de forma, objetivos e processos – independe do grau de
institucionalização.
Educação informal
As relações não são ordenadas, mas estabelecidas por interesses diversos, fruto das relações
sociais do indivíduo, das afetividades.
IMPORTANTE
Não crie o sinônimo organizado versus desorganizado. As duas têm ordenamento, só que
diversos. Ambas são objetos da Sociologia e o educador precisa saber que seu cotidiano
formal, necessariamente se relaciona a conceitos informais, gerando o já sinalizado movimento
de troca das escolas.
ENSINAR
No sentido de transmitir conteúdo, conduta que o outro deve seguir.
QUALIFICAR
Para que o outro possa ter acesso a locais específicos, aos quais só os que alçam essa nova
posição podem ser considerados de alguma forma aptos.
ESCLARECER
Como forma de desfazer dúvidas e iluminar questões obscuras.
VIGIAR
À medida que o educador fornece ao educando pressupostos de comportamento, permite ao
grupo dos primeiros o controle frente ao não cumprimento dos comportamentos recebidos.
DISCIPLINAR
Uma vez que o detentor do conhecimento passa a ser o delimitador das regras, permitindo-lhe,
portanto, aplicar punição quando do não cumprimento.
Essas dinâmicas têm ganhado novas possibilidades de análise, por exemplo, com a ideia de
mediação, em que o professor atua como um facilitador para o processo de despertar do
aluno. Necessário, mas em processo de consolidação.
Pierre Bourdieu
PIERRE BOURDIEU
Um conceito muito importante é o da ação pedagógica. Esta ocorre dentro de uma dinâmica
em que necessariamente o autor precisa estar imbuído da preocupação de ensinar. São três
passos para a ação pedagógica:
Definir a forma e os teores que serão ensinados, demarcando as vantagens para que o
proposto seja alcançado e, dependendo da situação, os recursos a serem adotados, caso
aquele processo falhe.
A TEORIA DA AÇÃO
Ao tratarmos de Educação, devemos considerar um conjunto de valores e hábitos próprios,
especificamente os valores da cultura cristã. Pierre Bourdieu ressalta que a Educação tem o
papel de estabelecer ordem, não necessariamente transformar, mas, sim, introjetar práticas
que permitam aos educandos se posicionarem na sociedade a que pertencem.
HABITUS
Ressalta que um grupo é regido por práticas comuns que têm o papel de integrar, fundamentar
e legitimar determinados interesses. Podemos verificar esse conceito como o elo integrador,
que aproxima esses elementos em torno de um conhecimento comum, suas práticas e formas
de obtê-las.
CAMPO
É um espaço que agrupa os membros que compartilham do mesmo habitus, mas que são
marcados por disputas entre dominantes e dominados. É importante salientar que os campos
são caracterizados pela disputa em todos os seus segmentos, não existindo a visão dualista de
dominantes e dominados. Pelo contrário, o campo sobrevive e se modifica pela constante ação
dos seus membros, por meio dos confrontos entre os diversos dominantes e dominados.
CAPITAL SIMBÓLICO
É um conjunto de bens válidos no mercado interno de cada campo disputado por seus
membros como forma de ascensão na estrutura social. Esse capital se reflete como um todo no
campo. Um grupo terá mais legitimidade junto à sociedade a partir do momento em que os
seus bens simbólicos sejam conhecidos e reconhecidos pelos demais campos, constituindo
nesse reconhecimento o poder simbólico.
Bourdieu identifica a Educação como um conjunto de práticas, inscrito no habitus, e pelo qual a
intenção dos dominantes no campo é vender aos demais participantes seu olhar e sua forma
de ver o mundo. O autor rompe com a ideia de a Educação ser um instrumento inovador, mas,
sim, uma prática que garante a reprodução, algo que oferece regras e lógicas às disputas
sociais.
A CIDADANIA
Depois da caracterização, do entendimento da relação entre Educação e Escola, falta um
conceito muito antigo e também bastante atualizado, mas que precisa estar presente no olhar
de cada professor: cidadania.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
GABARITO
1. Considerando que a sociologia da educação estuda dinâmicas entre a Escola e a
sociedade, analise as afirmativas a seguir:
A Educação, como processo social global que ocorre em toda a sociedade, deve ser compreendida
como um fenômeno escolar.
Os sistemas escolares, ou seja, o conjunto de uma rede de escolas e sua estrutura de sustentação como
partes do sistema social mais global é um objeto possível da sociologia da educação.
A Escola como unidade sociológica e a sala de aula como subgrupo de ensino antropológico, assim, a
Escola é entendida como um espaço em que é possível a formalização de pesquisas de ciências sociais.
A sociologia da educação, ainda que compreenda Educação e Escola como fenômenos diversos, analisa
que é fundamental compreender essa relação na diversidade social.
Educação e Escola na sua relação com os aspectos sociais são estudadas pela sociologia da
educação. A afirmativa I falha em generalizar Educação e Escola como algo indissociável. Já a
terceira tenta criar uma classificação em modelo de etiquetas que não tem sentido nas ciências
humanas. As afirmativas II, que define bem Escola, e IV, que demonstra a relação entre os dois
fenômenos de forma correta, fazem com que a resposta seja a letra A.
CONCLUSÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O tema que acabamos de estudar ofereceu uma visão dos conceitos antropológicos e
sociológicos aplicados à Educação. A partir desse estudo, aqueles que visam à docência
podem perceber a possibilidade de ampliação de sua observação e ação como docente a partir
da busca de instrumentos vinculados às Ciências Sociais.
Futuro professor, educar parte de sua intenção, parte de sua formação, sem dúvida. Você
precisa ter vontade de estar ali, precisa entender seus compromissos institucionais, mas não
esqueça da demanda dos alunos. É no aprendizado que você deve focar seu olhar, e o
aprendizado, ao mesmo tempo, não é apenas sua responsabilidade, mas fomentar, levar
fundamentos bem estruturados e constituir estratégias é seu ofício.
Mais do que isso, lembre-se de que uma aula não é um sonho, não será realizada
necessariamente conforme você planejou e organizou. Ela é uma proposta a ser construída
pela sua interação com os alunos e as demandas e experiências que eles trazem para o
ambiente escolar.
A proposta deste tema, portanto, é fomentar a reflexão sobre a prática docente e o cotidiano
escolar a partir de autores que pensaram a fundo os conceitos de Sociologia e Antropologia e
sua relação com a Educação. Desse modo, os conceitos teóricos formulados pelas Ciências
Sociais, destacando-se a Antropologia e a Sociologia, permitem observar as relações entre
Educação, Escola e prática docente.
AVALIAÇÃO DO TEMA:
REFERÊNCIAS
ALVES, N. Sobre movimentos das pesquisas nos/dos/com os cotidianos. In: Revista
Teias. Rio de Janeiro, v.4, p. 1-8, 2007.
BOURDIEU, P. Método científico e hierarquia social dos objetos. In: NOGUEIRA, M. A.;
CATANI, A. (orgs.). Pierre Bourdieu. Escritos de Educação. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2001.
BOURDIEU. P. Gostos de classe e estilos de vida. In: ORTIZ, R. Bourdieu. São Paulo: Ática,
1994.
DURKHEIM, E. As regras do método sociológico. 17. ed. Tradução de Maria Isaura Pereira
de Queiroz. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2002. p. 11.
JULIA, D. Educação. In: BURGUIÈRE, A. (org.) Dicionário das Ciências Históricas. Rio de
Janeiro: Imago, 1993.
KUPER, A. Cultura, a visão dos antropólogos. Bauru, SP: EDUSC, 2002.
LÉVI-STRAUSS, C. Raça e História. In: Antropologia Estrutural II. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1976.
NOGUEIRA, M. A. Educação, saber, produção em Marx e Engels. São Paulo: Cortez, 1990.
MARX, K.; ENGELS, F. O Capital–Livro I, Volume I. São Paulo: Nova Cultural, 1988.
WEBER, M. A Ética Protestante e o “Espírito” do Capitalismo. São Paulo: Cia. das Letras,
2004.
EXPLORE+
Para saber mais sobre Karl Marx, assista ao filme O jovem Karl Marx, uma produção
conjunta de França, Alemanha e Bélgica, dirigido por Raoul Peck.
Para conhecer a complexa relação da Antropologia com a Escola, assista ao filme Faça a
Coisa Certa, o primeiro grande sucesso do diretor norte-americano Spike Lee, em 1989.
Para entender a relação do homem com a cidadania de forma não inocente e idealizada,
leia o livro Eichmann em Jerusalém, de Hannah Arendt.
Para saber mais sobre a cultura europeia ocidental, leia o poema O Fardo do Homem
Branco, de Rudyard Kipling.
CONTEUDISTA
Rodrigo dos Santos Rainha
CURRÍCULO LATTES