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Gestão de recursos humanos em pequenas e


médias empresas

Article · June 2014


DOI: 10.17575/rpsicol.v13i1/2.568

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José Keating
University of Minho
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Título:
Gestão de recursos humanos em pequenas e médias empresas
Autores:
José Keating, Hélder Almeida & Isabel Silva
Departamento de Psicologia
Universidade do Minho
Campus de Gualtar
4700 BRAGA
Tel.: (053) 604240/1
e-mail: keating@iep.uminho.pt
Palavras-chave:
Gestão de Recursos Humanos; Pequenas e médias empresas
Gestion de ressources humaines, Petites et moyennes entreprises
Human resource management ; small and medium size Businesses
Título:
Gestão de recursos humanos em pequenas e médias empresas
Autores:
José Keating, Hélder Almeida e Isabel Silva
Departamento de Psicologia
Universidade do Minho
Resumo:
A gestão de recursos humanos em pequenas e médias empresas (PME’s) lida com
problemas relativamente diferentes dos experimentados por grandes empresas. Alguma
da literatura sobre a gestão de recursos humanos neste tipo de empresas tem procurado
descrever estas diferenças mas poucas investigações têm estudado detalhadamente os
processos através dos quais esta gestão se faz. O presente artigo apresenta os resultados
de quatro estudos de caso em empresas industriais da região do Minho em que se
procurou descrever as práticas de gestão de recursos humanos utilizadas. Deste conjunto
de casos emerge uma imagem da gestão de recursos humanos em PME’s como uma
função a que é atribuída grande importância, informalmente distribuída por diversos
agentes, muito sensível a influências ambientais, das quais se destacam as
características do mercado de trabalho, estruturada em torno de problemas e orientada
para a manutenção de formas de gestão unilaterais. A interacção entre estas
características é explorada e são sugeridas algumas prioridades de intervenção.
GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS EM PEQUENAS E MÉDIAS EMPRESAS

A gestão de recursos humanos em pequenas e médias empresas

As pequenas e médias empresas representam uma faixa significativa do tecido


empresarial português em termos do número de unidades, das pessoas empregadas e do
contributo para o Produto Nacional Bruto. Embora este contributo global para a
economia mascare uma taxa de mortalidade de empresas bastante elevada, a relevância
económica desta faixa do tecido empresarial justifica só por si o seu estudo.
No que respeita mais especificamente ao emprego, a relevância desta faixa suscita de
imediato alguma curiosidade quanto às suas práticas de gestão de recursos humanos,
tanto mais quanto é aparente que na sua maior parte é constituída por empresas onde
não é viável a diferenciação de estruturas especializadas na gestão de recursos humanos
(Nadler, 1970, citado por Rowden, 1995).
Dado o reconhecimento generalizado de que os recursos humanos constituem um dos
factores de sucesso das empresas, o estudo das práticas a este nível pode ter implicações
muito interessantes em termos de detecção de oportunidades de intervenção para a
melhoria de processos.
O reconhecimento da ligação entre o que acontece na gestão de recursos humanos e a
performance da empresa, no entanto, não tem necessariamente implicações práticas
imediatas. Wagar (1998) chama a atenção para o facto de as relações positivas
encontradas entre a realização das empresas e o cuidado na gestão de recursos humanos
poderem induzir recomendações no sentido de as pequenas empresas copiarem as
práticas de gestão de recursos humanos das empresas bem sucedidas. No entanto, como
a maior parte destas investigações se realizaram em grandes empresas, estas
generalizações devem ser consideradas com cuidado, já que as práticas das grandes
empresas podem não ser adequadas às pequenas empresas.
Existem de facto poucos estudos que abordem especificamente a gestão de recursos
humanos em pequenas empresas (Storey, 1992; Wagar, 1998). Esta lacuna é susceptível
de explicações diversas: ela poderia dever-se ao pressuposto de que a gestão de recursos
humanos seria igual quer em grandes quer em pequenas empresas; à dificuldade em
estudar PME’s, que seriam avessas a qualquer tipo de investigação; ou ainda à pouca
importância que nas PME’s seria atribuída à gestão de recursos humanos, que não as
faria potenciais clientes/intervenientes no tipo de intervenção decorrente dos
conhecimentos de gestão de recursos humanos.
Diferenças entre grandes e pequenas empresas

Uma primeira questão levantada por esta investigação é a das diferenças entre
grandes e pequenas empresas no que respeita à gestão de recursos humanos. Na
literatura sobre gestão de recursos humanos que se concentrou especificamente sobre as
pequenas empresas existe algum consenso quanto à existência de diferenças
significativas entre as grandes e as pequenas empresas.
Deshpande e Golhar (1994) encontram em média uma maior importância atribuída a
nove características da força de trabalho em pequenas empresas norte-americanas
quando comparadas com grandes empresas, concluindo que os recursos humanos estão
mais no centro das atenções nas pequenas do que na grandes empresas. Gatewood e
Field (1987) avançam uma primeira explicação chamando a atenção para o facto de
cada empregado individual representar uma percentagem maior da força de trabalho nas
pequenas empresas, o que pode só por si colocar a questão da gestão de recursos
humanos de uma forma qualitativamente diferente.
Ng e Maki (1993) encontram diferenças importantes entre pequenas e grandes
empresas quanto à importância que atribuem a diferentes actividades de gestão de
recursos humanos: por ordem decrescente de importância, as pequenas empresas
valorizam mais as funções ligadas à retenção de recursos humanos (gestão
administrativa, gestão de vencimentos, normas de higiene e segurança, mapas de férias),
seguidas das funções ligadas à sua obtenção (recrutamento e selecção) e finalmente à
previsão e planeamento; as grandes empresas começam por valorizar as funções ligadas
ao ajustamento (promoções, despedimentos, disciplina, relações industriais), seguidas
do planeamento e finalmente do desenvolvimento (formação, orientação, carreiras) dos
recursos humanos. Este trabalho confirma trabalhos anteriores que identificavam o
recrutamento e manutenção de bons empregados como actividades normalmente mais
difíceis nas pequenas do que nas grandes empresas (Hornsby e Kuratko, 1990; Mathis e
Jackson, 1991). Ele aponta também para as diferenças qualitativas na gestão de recursos
humanos de pequenas e grandes empresas. Possivelmente, como unidades menos
visíveis em termos de mercado de trabalho, com menos recursos para mobilizar no
contacto com este mercado e na gestão da sua imagem, as pequenas empresas têm que
ter uma estratégia de recrutamento e manutenção muito mais intencional. O estudo de
Hess (1987) sobre a importância relativa de diversas actividades de gestão em pequenas
empresas, em que a gestão de recursos humanos aparece classificada como a segunda
actividade de gestão mais importante, logo a seguir à gestão geral é igualmente
compatível com esta interpretação.
No entanto, esta intencionalidade é limitada pelos recursos disponíveis para a função.
As diferenças entre grandes e pequenas empresas podem dever-se ao facto de as grandes
empresas disporem de mais recursos para recorrer a especialistas de gestão de recursos
humanos, o que levaria a uma maior familiaridade com inovações na gestão de recursos
humanos; a uma maior exigência por parte de instâncias normativas no que respeita à
aplicação de legislação ligada ao trabalho e, finalmente, à maior influência de
especialistas de gestão de recursos humanos internos, como forma de aumentar o seu
valor e importância na organização (Wagar, 1998). As consequências das diferenças de
recursos disponíveis descritas por este trabalho de Wagar poderiam explicar porque é
que as grandes empresas tendem a adoptar práticas de gestão de recursos humanos mais
formalizadas, uma conclusão comum a vários autores (Jackson, Schule e Rivero, 1989;
Ng e Maki, 1993; Deshpande e Golhar, 1994).
A menor formalização das pequenas empresas sugere por sua vez que pode haver
diferenças entre grandes e pequenas empresas quanto à capacidade de interpretação das
consequências das práticas de gestão de recursos humanos. Apesar de algumas práticas
serem mais intencionais, a compreensão das consequências desta práticas pode ser mais
difícil nas pequenas empresas do que nas grandes, devido à falta de modelos de análise
que possibilitem ligar causas e consequências. Verser (1987), por exemplo, estudando
as percepções de problemas relacionados com recursos humanos de 25 proprietários de
pequenas empresas descreve formas de gestão muitas vezes arbitrárias mas que aqueles
não relacionam com a baixa motivação e produtividade identificadas como os principais
problemas no que respeita aos recursos humanos.
Esta interpretação remeteria para uma falta de sofisticação das pequenas empresas
quanto à sua gestão de recursos humanos. No entanto, esta suposta falta de alguma coisa
pode não ser mais do que o pressuposto de que a gestão de recursos humanos é a mesma
coisa quer em grandes quer em pequenas empresas, ainda que sob uma forma diferente.
Torna-se portanto necessário, tal como sugerido por Hornsby e Kuratko (1990) uma
melhor compreensão dos processos e práticas de gestão de recursos humanos, que
permita compreender a que se deve esta falta de capacidade explicativa detectada por
Verser (1987).
Esta revisão da relativamente escassa literatura sobre gestão de recursos humanos em
pequenas empresas aponta para informações aparentemente contraditórias. Por um lado
temos uma maior importância atribuída aos recursos humanos e à sua gestão nas
pequenas empresas. Por outro lado, verifica-se uma menor capacidade de mobilizar
recursos organizacionais para esta área reconhecida como crítica para o sucesso da
organização. Estes dados contraditórios sugerem por um lado a ausência de dados
relativos ao detalhe da gestão de recursos humanos e por outro a escassez de quadros
conceptuais especificamente aplicáveis à gestão de recursos humanos em pequenas
empresas.
Questões de investigação e metodologia

A menor formalidade detectada nas pequenas empresas, a ausência provável de


departamentos de gestão de recursos humanos, e de um modo geral a pouca
diferenciação desta função, levanta alguns obstáculos quanto às formas de investigação
adequadas. É por exemplo pouco provável encontrar um interlocutor único capaz de
descrever em detalhe todas as actividades relacionadas com a gestão de recursos
humanos. As investigações realizadas sobre PME’s têm utilizado questionários a
grandes amostras como forma de recolha de dados. No entanto, esta forma de
investigação suscita alguma reserva quanto à sua capacidade para compreender o
detalhe da gestão de recursos humanos. Normalmente o questionário é respondido por
uma pessoa em cada empresa, que descreve a situação de uma forma geral. Assim, o
mais provável é que a informação que resulta deste tipo de abordagem reflicta um
posicionamento geral relativo à gestão de recursos humanos e não o detalhe desta
gestão. Embora esta abordagem permita, por exemplo, fundamentar a ideia de que
existem diferenças entre grandes e pequenas empresas, ela não permite a sua
compreensão detalhada. Isto pode criar percepções desajustadas acerca da natureza da
gestão de recursos humanos nas PME’s, que podem induzir o tipo de recomendações de
importação de práticas das grandes empresas, que em última análise se procura avaliar
criticamente.
No intuito de melhor compreender o detalhe da gestão de recursos humanos em
PME’s, foi planeada uma série de estudos de caso (Yin, 1984), de modo a explorar os
seguintes aspectos:
 que práticas de gestão de recursos humanos estão presentes nas Pequenas e
Médias Empresas (PMEs);
 quem são os agentes dessas práticas e que razões apresentam para a sua
aplicação;
 que constrangimentos sentem os actores nos aspectos de gestão de recursos
humanos abordados;
 quais os efeitos dessas práticas no sistema social;
 que interdependências existem entre as práticas de gestão de recursos
humanos identificadas, e
 de que modo essas interdependências se relacionam com os problemas
identificados.
As pequenas e médias empresas, pelo seu tamanho, normalmente não têm a
possibilidade de diferenciar uma função de gestão de recursos humanos especializada.
Além disso, as práticas de gestão de recursos humanos adoptadas nestas organizações
são possivelmente práticas informais geradas a partir de tentativas e erros e muito
dependentes dos contextos sociais e culturais onde se encontram.
As razões para esta estratégia de investigação prendem-se com o pressuposto de que
a maior parte dos processos que podem ser construídos como uma função informal de
gestão de recursos humanos são constituídos por práticas distribuídas por vários actores
da organização. Algumas das práticas de interesse para a presente investigação
provavelmente não são categorizadas como práticas de gestão de recursos humanos.
Assim, uma abordagem mais estruturada, como por exemplo o uso de questionários,
poderia não detectar algumas destas práticas bem como o seu significado para os
agentes da organização.
Definir o objecto de estudo como as práticas de gestão de recursos humanos implica
situar estas práticas no sistema de acção organizacional, e fundamentar o estudo nos
pontos de vista dos diversos actores envolvidos nas acções que podem ser identificadas
como constituindo as práticas de gestão de recursos humanos.

Selecção dos casos


Optou-se por restringir o tamanho a empresas com menos de 250 trabalhadores, por
ser nesta faixa que as questões de gestão de recursos humanos começam a assumir uma
complexidade razoável, tornando a procura de soluções mais pertinente.
Para além do tamanho, foram também restringidos os sectores de actividade,
nomeadamente à indústria transformadora e dentro desta à indústria têxtil e à de fabrico
de produtos metálicos, máquinas e equipamentos. De entre os quatro tipos de actividade
predominantes na região do Minho no que respeita ao volume de emprego (Fernandes,
1994), foram excluídas as actividades de comércio e a construção civil e obras públicas,
por se revestirem de modalidades organizativas que tornariam as comparações muito
problemáticas.
A localização geográfica considerada refere-se ao triângulo industrial do Baixo
Minho (concelhos de Braga, Guimarães e Famalicão) onde se encontra a maior
concentração dos efectivos destes dois tipos de actividade. Para a constituição da
amostra foram consultadas bases de dados do Instituto Nacional de Estatística e da
Associação Industrial do Minho.
Os resultados aqui apresentados referem-se a 4 estudos de caso, dois do sector de
metalomecânica e dois do sector têxtil.

Protocolo de estudo de caso


No sentido de permitir a comparação entre casos, foi desenvolvido um protocolo de
estudo de caso (Yin, 1984) uniformizando os seguintes aspectos:
Acesso: O primeiro contacto estabelecido com as empresas seleccionadas foi através
de telefone. Neste contacto, após uma breve descrição dos objectivos do projecto de
investigação, procurava-se assegurar uma primeira entrevista preferencialmente com o
administrador. Na primeira entrevista os objectivos da investigação eram apresentados
de modo mais pormenorizado, explicando-se também a importância da existência de
condições que permitissem o acesso às pessoas na organização bem como alguma
disponibilidade de tempo por parte destas para a realização das entrevistas. Uma vez
chegado a acordo quanto a estes requisitos, prosseguia-se na entrevista com o
administrador, procurando abordar os temas de interesse para o projecto de
investigação. As entrevistas com as restantes pessoas eram marcadas neste período
inicial ou ao longo dos contactos posteriores com a organização.
Visita e deslocações à empresa: No seguimento da primeira visita, habitualmente
ocorria uma visita a toda as instalações da empresa. Esta visita, bem como as
deslocações posteriores à organização para a prossecução das entrevistas, permitia ao
longo do tempo observar aspectos como: as condições físicas de trabalho; a dimensão,
organização e estado das instalações; tecnologia e processo produtivo e interacções
entre as pessoas.
Entrevistas: As entrevistas seguiram um guião utilizado de forma flexível e aberta,
iniciando-se geralmente por uma breve apresentação do projecto de investigação ao
entrevistado, solicitando-se a este que falasse de seguida acerca da sua carreira
profissional e do como se tinha processado à sua entrada na organização. Após a
abordagem destes temas, a entrevista procurava centrar-se nos aspectos relacionados
com as práticas de gestão de recursos humanos. As entrevistas foram gravadas e
posteriormente transcritas.
Entrevistados: Foi entrevistada toda a estrutura de gestão incluindo o administrador
bem como todas as pessoas que possuíam alguma ligação formal com a gestão de
recursos humanos (ex., administrativo encarregue de fazer os contratos de trabalho e/ou
o processamento de salários), supervisores directos e um pequeno grupo de
trabalhadores (dois a três) procurando representar diferentes sectores da produção.
A análise das entrevistas procurou detectar os problemas da organização descritos
pelos entrevistados, detectar as descrições das práticas organizacionais com algum
impacto na manutenção de uma relação entre a organização e a força de trabalho e,
finalmente, detectar as relações entre estas práticas e os problemas identificados.

Finalização do estudo de caso


O estudo de caso era dado por terminado quando se tornava possível uma descrição
relativamente aprofundada da organização nas seguintes dimensões:
 História da empresa
 Estrutura da empresa
 Processo produtivo
 Estratégia de Mercado
 Práticas de gestão de recursos humanos: recrutamento, selecção e tipos de
contrato; processo de acolhimento; formação; avaliação do desempenho,
progressão; benefícios, salários e incentivos; relações industriais;
 Agentes dessas práticas e as suas razões para estas;
 Problemas identificados no domínio da gestão de recursos humanos ou que
pudessem estar relacionados com as práticas de gestão de recursos humanos;
Todas as administrações contactadas aceitaram como contrapartida para o acesso à
organização a entrega, no final do estudo, de um relatório detalhado sobre a sua
organização e a posição desta relativamente aos outros casos.
Identificação das Práticas de gestão de recursos humanos: comparação entre os

casos

De seguida apresentamos para os quatro estudos de caso uma descrição global das
práticas de gestão de recursos humanos identificadas (ver tabela 1), distribuídos pelos
dois sectores de actividade considerados: sector metalomecânico (Metal 1 e Metal 2) e
sector têxtil (Têxtil 1 e Têxtil 2). Após esta exploração dos resultados em termos
comparativos inter-casos, é apresentada uma descrição detalhada de cada caso, que
permitirá problematizar e aprofundar a análise inter-casos.
Recrutamento
Em termos das práticas de recrutamento constata-se uma semelhança bastante
acentuada nos quatro estudos de caso. Com efeito, os trabalhadores são recrutados
preferencialmente na zona de implantação da empresa sendo as principais fontes de
recrutamento adoptadas os contactos informais que se vão estabelecendo com os
trabalhadores e as candidaturas espontâneas. Na maioria dos casos observam-se
dificuldades no que respeita ao recrutamento de trabalhadores qualificados, exceptuando
um dos casos do sector têxtil (Têxtil 1).
Não obstante as semelhanças observadas entre ambos os sectores de actividade
relativamente a esta prática, é visível a existência de uma diferenciação quanto à
caracterização da força de trabalho em termos de género. Assim, enquanto que o sector
metalomecânico é constituído predominantemente por indivíduos do sexo masculino no
sector têxtil predominam indivíduos do o sexo feminino.
No sector têxtil, em particular na Têxtil 1, há a preocupação explícita em não recrutar
trabalhadores oriundos de outros sectores de actividade ao passo que no sector
metalomecânico esta preocupação não é evidente.

Selecção
Quanto à prática de selecção verifica-se que é um processo sempre centrado no
administrador. A entrevista de selecção feita pela administração é a técnica
predominante, embora possam intervir neste processo outros elementos. Genericamente
esta prática é realizada de um modo informal sem o recurso a testes de selecção,
exceptuando a Têxtil 1, que utiliza testes de papel e lápis e de aptidões (ex., destreza
manual, acuidade visual e raciocínio espacial) e trabalha com base em especificações de
cargo, e a Metal 1 que recorre a uma prova de papel e lápis informal e criada para o
efeito pelo chefe de pessoal. Os casos Metal 1 e Metal 2, confrontam-se com a escassez
de trabalhadores qualificados de forma diferente, com impacto no processo de selecção.
A Metal 1 adopta uma estratégia de formação interna, seleccionando por isso de forma
deliberada trabalhadores jovens e pouco qualificados. A Metal 2 acaba por contratar o
mesmo tipo de trabalhadores mas apresenta este procedimento como uma solução de
recurso, não desejável.
Todos os trabalhadores depois de seleccionados trabalham durante um período
experimental em que são avaliados segundo critérios estabelecidos pela empresa. Pode
dizer-se que é aqui que a selecção verdadeiramente ocorre, principalmente nos dois
casos da metalomecânica. Cabe ao administrador de cada empresa a tomada de decisão
relativamente a quem deve ou não ser admitido.

Formação
A modalidade de formação predominante é a formação no posto de trabalho que é
assegurada pelos supervisores directos e pelos trabalhadores mais experientes. Os
trabalhadores iniciam normalmente a sua actividade pelas tarefas mais simples,
excepção verificada num dos casos (Têxtil 1), em que o processo de selecção é muito
mais cuidado. Constata-se a existência de um planeamento da formação em dois dos
casos (Metal 1 e Têxtil 1). A coordenação da formação normalmente é da
responsabilidade da administração, verificando-se que no sector metalomecânico a
Direcção de Produção assume um papel relevante neste domínio. É de notar que nos
dois casos do sector metalomecânico as empresas se encontravam, no período em que
decorreu o estudo, em processo de certificação da qualidade, estando a Metal 1 bastante
mais avançada neste processo. Neste caso, as necessidades de formação são discutidas
no Núcleo da Qualidade (constituído este pelo director da qualidade, supervisores e um
representante da administração) e o plano de formação anual existe apenas desde que o
processo de certificação teve início. Adicionalmente, algumas das formações dadas
centravam-se em conteúdos relacionados com a área da qualidade sendo que algumas
pessoas foram remuneradas (prática não habitual) pela sua participação, nomeadamente
na formação em soldadura, devido ao interesse de que os formandos fossem certificados
pelo Instituto Superior da Soldadura.
O processo de certificação para além das implicações referidas na formação,
implicou o recrutamento de um licenciado em engenharia para as funções de Director de
Qualidade (Metal 1) e o contacto com uma empresa consultora bem como a admissão de
um técnico para coordenar internamente o processo (Metal 2).

Avaliação do desempenho
No que concerne à prática da avaliação do desempenho esta processa-se de modo
informal em todas as organizações estudadas. Poder-se-á considerar de modo geral a
existência de dois critérios subjacentes a esta prática: i) critérios comportamentais,
sendo neste caso de salientar a assiduidade e a disponibilidade para a realização de
horas extraordinárias e, ii) critérios de produtividade.
A tomada de decisão final relativamente a este processo é da responsabilidade
exclusiva da administração, baseando-se esta em informações obtidas através não só da
observação directa como também das informações que lhes advém dos supervisores
directos e no caso da Têxtil 2 da responsável de pessoal.
Esta avaliação é feita sempre individualmente, sendo as suas implicações notórias ao
nível da definição da remuneração e de outros incentivos. É de salientar no entanto que
a avaliação é normalmente bastante informal (exceptuando talvez o caso Têxtil 1) e é
constante, ou seja, a adequação dos comportamentos dos trabalhadores é uma
preocupação permanente da estrutura da gestão.

Progressão e promoção
Quanto às políticas de progressão e de promoção na carreira verifica-se que estas se
processam de acordo com a legislação existente no sector utilizando-se para o efeito a
antiguidade como critério principal. É interessante referir, no entanto, que em Metal 2 as
promoções a dado momento foram usadas como uma estratégia para reter os
trabalhadores mais competentes, que como veremos mais adiante é um dos principais
problemas identificados na gestão dos recursos humanos.

Remuneração
As remunerações são calculadas tendo como base o salário mínimo definido pela
legislação do sector (Contrato Colectivo de Trabalho) ao qual é adicionado um prémio.
O valor deste prémio resulta da avaliação de desempenho efectuada nos moldes
descritos. A relação entre a avaliação do desempenho e a remuneração visa
essencialmente a manutenção de uma margem de manobra bastante grande por parte da
administração.

Relações industriais
Constata-se a não existência, nos casos estudados, de relações formais com os
sindicatos. A orientação genérica vai no sentido de evitar a mediação entre
administração e trabalhadores por organizações de classe. A estratégia de
relacionamento laboral preferencial é o respeito estrito pelos aspectos mais claros dos
contratos colectivos de trabalho (CCT) relevantes, e a utilização de condições acima das
especificações mínimas dos CCT como incentivos à produtividade e à normalização de
comportamentos.

Efeitos sectoriais detectados


É possível identificar um claro efeito do sector de actividade se analisarmos os
agentes de algumas destas práticas. Nas duas empresas metalomecânicas, os
administradores/proprietários intervêm activamente em todas as dimensões de gestão de
recursos humanos. Já nas empresas têxteis, o papel dos supervisores directos (Têxtil 1) e
da responsável de pessoal (Têxtil 2) é muito mais activo. Nestes dois últimos casos,
estes agentes são os reais gestores dos recursos humanos, nomeadamente quanto às
actividades quotidianas de avaliação, disciplina e resolução de conflitos.
Entre os vários factores que podem influenciar esta diferenciação tão clara podemos
identificar a presença ou ausência de competências produtivas na administração da
empresa. Como se pode ver mais abaixo, na descrição detalhada dos casos, ambos os
administradores das empresas de metalomecânica são originalmente operários que
fundaram as suas empresas. Este conhecimento das tarefas produtivas em primeira mão
permite-lhes intervirem directamente em questões como a formação e a avaliação do
desempenho. Nas duas empresas têxteis este conhecimento em primeira mão já não
existe, o que pelo menos em parte explica a maior intervenção das chefias de primeira
linha (Têxtil 1) ou intermédias (Têxtil 2).
A relevância deste conhecimento das tarefas produtivas não se esgota aliás nas
questões de gestão de recursos humanos. De facto, as próprias chefias intermédias têm
uma natureza bastante diferente entre os dois sectores, tendo as chefias na
metalomecânica muito menos autonomia do que na têxtil. O caso Metal 2 é aliás um
caso extremo a este respeito, dado que as promoções a posições de chefia foram
utilizadas originalmente como forma de reconhecimento pela qualidade do trabalho
executado possibilitando o aumento salarial sem criar percepções de inequidade.
Podemos relacionar estas diferenças, numa primeira análise, com a situação do
mercado de trabalho em ambos os sectores: a escassez de mão-de-obra qualificada na
metalomecânica e a sua abundância relativa na têxtil criam problemas diferentes a que
as empresas respondem de forma variada.
Tabela 1 Práticas de gestão de recursos humanos nos quatro estudos de caso
Práticas de Gestão de Recursos Humanos Metal 1 Metal 2 Têxtil 1 Têxtil 2
Predominantemente local Sim Sim Sim Sim
Recrutamento

Contactos informais Sim Sim Sim Sim


Candidaturas espontâneas Sim Sim Sim Sim
Dificuldades em recrutar trabalhadores qualificados Sim Sim Não Sim

Intervenientes Adm./chefe pessoal Administração Administração Adm./Resp. pessoal


Preferência por trabalhadores sem experiência Sim Não Sim Não
Utilização de testes formais de selecção Não Não Sim Não
Entrevista de selecção com administrador Sim Sim Sim Sim
Selecção

Outras entrevistas Não Não Não Sim


Período de experiência Sim Sim Sim Sim
Tomada de decisão final pelo administrador Sim Sim Sim Sim (excepto na área
de produção)
Intervenientes Administração Administração Administração Adm., Super. Prod. e
Chefe pessoal Técnico administ. Resp. pessoal
Formação no posto de trabalho dada pelos supervisores directos Sim Sim Sim Sim
Rotação inicial pelas tarefas mais simples Sim Sim Não Sim
Formação formal (Plano de formação?) Sim Não Sim Não
Formação

Remuneração de horas de formação Sim -- Não Não


Coordenação da formação Adm/Dir Produção Adm/Dir Produção Administração Administração
Intervenientes Administração Administração Administração Administração
Dir. Produção Supervisores Supervisores Resp. pessoal
Supervisores Trab. + experientes Trab. + experientes Supervisores
Trab. + experientes Cons. Externos Trab. + experientes
Processo informal Sim Sim Sim Sim
Avaliação do Desempenho

Critérios
Assiduidade Sim Sim Sim Sim
Produtividade como % de output desejado Sim Não Sim Sim
Disponibilidade para horas extraordinárias Sim Sim Sim Sim
Fontes de informação (intervenientes) Administração Administração Supervisores Supervisores e resp.
Supervisores Supervisores de pessoal
Tomada de decisão final Administração Administração Administração Administração
Implicações Salários/ Salários/ Salários/ Salários/
Incentivos incentivos incentivos Incentivos
Tabela 1 Práticas de gestão de recursos humanos nos quatro estudos de caso (cont.)

Práticas de Gestão de Recursos Humanos Metal 1 Metal 2 Têxtil 1 Têxtil 2


A mínima definida pela legislação do sector Sim Sim Sim Sim
Progressão

promoções

Critério principal Antiguidade Antiguidade Antiguidade Antiguidade


e

Salário base mínimo definido pela legislação do sector + prémio Sim Sim Sim Sim
Vencimentos

(variável caso a caso)


Prémios baseados na avaliação do desempenho Sim Sim Sim Sim
Prémios definidos individualmente Sim Sim Sim Sim

Definição do salário Administração Administração Administração Administração


Contactos formais com associações sindicais Não Não Não Não
industriais
Relações

História de acção industrial Não Não Não ?


Estudos de caso individuais

Metal 1
O caso Metal1 refere-se a uma média empresa (116 trabalhadores) produtora de
máquinas e equipamento agrícola. O actual administrador da empresa foi o seu fundador
há cerca de duas décadas. Esta empresa opera uma tecnologia simples, incluindo todas
as tarefas de produção desde a fundição até à montagem do produto final. A empresa
trabalha principalmente para o mercado interno embora esteja a tentar comercializar os
seus produtos no mercado externo, exigindo este último que esta se encontre certificada
de acordo com a norma ISO 9000. O processo de certificação, já finalizado neste
momento, exigiu a entrada de um engenheiro para ocupar o lugar de Director da
Qualidade, o qual, juntamente com a economista responsável pela Direcção
Administrativo-Financeira são os dois únicos quadros superiores na organização. A
empresa encontra-se fortemente centralizada no administrador. Na altura em que
decorreu o estudo, o Director da Qualidade procurava intervir em algumas áreas
(produção e formação) directamente relacionadas com o processo de certificação.
O principal problema identificado pela administração da empresa prende-se com um
elevado nível de turnover. Esta ocorrência torna-se problemática na medida em que a
empresa tem dificuldades quer no recrutamento quer na manutenção de trabalhadores
qualificados. A Administração aponta várias razões para o recrutamento de
trabalhadores sem qualificação (ex., indivíduos embora tenham experiência, não têm
necessariamente neste sector; exigência de um maior nível salarial...) Uma das
consequências desta dificuldade está patente no facto de a empresa se voltar para o
recrutamento de trabalhadores jovens sem qualificações profissionais. Estes tendem a
sair da empresa quando já possuem experiência profissional e portanto valor no
mercado de trabalho. As práticas de gestão de recursos humanos identificadas neste
caso encontram-se sintetizadas na tabela 1. Os problemas identificados pelos gestores
foram interpretados como uma consequência da não coordenação de diversas práticas de
gestão de recursos humanos adoptadas. Foram detectados dois padrões principais na
gestão de recursos humanos nesta empresa: i) a contenção dos custos do trabalho e ii)
um controle apertado dos comportamentos da força de trabalho. Estes dois padrões
manifestam-se de modo marcado na forma como os salários são definidos (através do
valor legal mínimo acordado para o sector), na estratégia preferencial de recrutamento
de indivíduos jovens, sem qualificação profissional (remuneração baixa) e na
centralização das tomadas de decisão pelo administrador relativamente à avaliação do
desempenho e aos incentivos.
Os supervisores directos e os trabalhadores mais experientes contribuem de modo
diário para o processo de socialização, pelo ensino aos novos trabalhadores das diversas
tarefas que estes vão executando de um modo rotativo. Aos supervisores cabe também
algum papel na avaliação de desempenho, na medida em que informam o administrador
do desempenho e do comportamento dos trabalhadores que pertencem às suas secções.
De acordo com um dos supervisores, as tarefas iniciais tendem a ser aquelas que os
trabalhadores mais velhos evitam sempre que podem. A base para esta avaliação é a
capacidade de adaptação dos novos trabalhadores a diferentes tarefas e a aceitação deste
estatuto de aprendiz. Assim, este sistema autoritário informal de relacionamento é
mantido através das práticas pouco articuladas destes diferentes actores.
O resultado destas práticas faz com que os trabalhadores mais competentes e valiosos
em termos de mercado de trabalho abandonem a empresa (“processo de auto-selecção”)
e permaneçam apenas aqueles que se submetem ao estilo de gestão levado a cabo pela
administração. Esta mantém assim os custos de trabalho baixos e um elevado grau de
controlo da força de trabalho, ainda que à custa da perca de trabalho qualificado.

Metal 2
O caso Metal 2 é relativo a uma pequena empresa metalúrgica (36 trabalhadores)
fundada no ano de 1965. Desde a sua fundação até ao ano de 1974 teve apenas como
administrador o seu fundador. Nesse ano, este constituiu uma sociedade com alguns
familiares. Esta situação permaneceu até ao ano de 1992, altura a partir da qual, a
administração da empresa foi assumida apenas pelos familiares em primeiro grau do
fundador.
A empresa produz torneiras para o sector da construção, operando uma tecnologia
simples. O processo produtivo encontra-se basicamente organizado de acordo com as
áreas de produção existentes: fundição, torneamento, lixagem e polimento, cromagem,
montagem, expedição e montagem.
Esta organização opera principalmente no mercado externo, estando desde o ano de
1997 a proceder à certificação de qualidade, processo que está a ser coordenado por
uma empresa consultora externa.
A maioria dos trabalhadores (especialmente os trabalhadores directos) possuem
níveis de escolaridade bastante reduzidos (nenhum deles possui formação superior). A
administração da empresa encontra-se nas mãos dos familiares em primeiro grau do
fundador, incluindo os quatro departamentos existentes: produção, qualidade, comercial
e administrativo-financeiro, trabalhando aparentemente de forma bem articulada. Nesta
organização não existe um departamento de pessoal.
O principal problema identificado na organização prende-se com a dificuldade no
recrutamento de trabalhadores qualificados. Uma das estratégias seguida pela empresa
para fazer face a esta dificuldade foi a de investir em tecnologia, tendo sido adquiridas
máquinas automatizadas no sentido de finalizar a maior parte das operações do processo
produtivo.
As práticas de gestão de recursos humanos identificadas neste caso são bastante
similares ao caso descrito anteriormente (ver tabela 1). Tal como em Metal 1, esta
empresa acaba por recrutar indivíduos sem qualificação que tendem também a sair (após
a aquisição de alguma experiência profissional) para locais que ofereçam condições
salariais mais vantajosas. No entanto, enquanto que em Metal 1 se nota uma
preocupação pelo recrutamento preferencial de trabalhadores sem qualificação
profissional, em Metal 2 o recrutamento de trabalhadores sem qualificação é claramente
atribuído à escassez de mão de obra qualificada e descrito como uma solução de
recurso.
Apesar de na entrevista com a administração ter-se verificado menos ênfase no
controle, o relacionamento com a força de trabalho é basicamente confrontativo. O
investimento em tecnologia automatizada pode ser interpretado como uma forma de
diminuir a dependência da empresa em relação aos contributos dos trabalhadores, e
portanto do seu poder negocial.
A interacção entre as práticas de gestão de recursos humanos é bastante comparável
ao caso anterior (Metal 1), o que sugere um efeito atribuível ao sector de actividade.
Não obstante esta semelhança, existem algumas diferenças que valerá a pena referir.
Assim, enquanto que em Metal 1 o problema da escassez de indivíduos qualificados foi
contornado com uma estratégia de aumento do controle, em Metal 2, procura-se lidar
com este problema através da inovação tecnológica, para além do controle apertado em
moldes semelhantes à Metal 1. Em ambos os casos, no entanto, o resultado é um
enfraquecimento da força negocial dos trabalhadores à custa da perca de competências
pela empresa.
Tal como no primeiro caso, o efeito da interacção entre as várias práticas de gestão
de recursos humanos não foi identificado por qualquer um dos gestores. As dificuldades
no recrutamento e manutenção de trabalhadores qualificados em ambas as empresas
foram atribuídas à falta de compromisso e à excessiva ambição dos trabalhadores que
saíram.
Estes dois casos partilham o mesmo tipo de problemas, fazendo portanto sentido
fazer a sua discussão antes de avançarmos para os dois outros. Para um observador
externo, os dois casos estão notavelmente relacionados no modo como os grupos de
gestão andam à volta da ideia de controle (quer dos custos quer do comportamento) da
força de trabalho e da manutenção de um estilo de gestão unilateral.
Enquanto que em áreas mais técnicas, ambos os grupos de gestão foram capazes de
identificar a necessidade de um especialista externo, a gestão de recursos humanos
simplesmente não foi construída como uma área técnica, mas de natureza política. Este
aspecto torna-se evidente na forma como a ausência de convergência relativamente a
valores e compromissos entre a gestão e a força de trabalho foi construída nas
entrevistas como um facto relacional, isto é, como um desafio directo ao direito da
gestão tomar decisões de forma unilateral.

Têxtil 1
Têxtil 1 é uma pequena empresa com 76 trabalhadores, produtora de meias. Esta
empresa foi criada há 10 anos pelo actual administrador juntamente com um sócio. O
processo produtivo possui duas fases, cada qual com um supervisor: tecelagem, com
recurso a teares automáticos e o acabamento da meia, com especial atenção à biqueira,
que exige uma operação complexa, realizada manualmente. O administrador estima em
cerca de 46 semanas o tempo necessário em formar os trabalhadores nesta operação,
sendo esta um dos principais factores de limitação no processo produtivo. Os fios de
diferentes tipos e cores são guardados num armazém automatizado com um robot que
faz todas as operações de armazenamento e entrega.
A empresa opera principalmente no mercado externo. A sua principal estratégia
envolve entregas rápidas de colecções desenvolvidas por designers externos e
apresentados a potenciais clientes a baixo custo. No sentido de conseguir este objectivo,
a empresa orienta-se para a minimização dos custos do trabalho e a optimização da
produtividade. Isto é conseguido pela redução de mão de obra indirecta ao mínimo
possível (a empresa tem apenas dois administrativos e dois directores, além do
administrador) e pela optimização da utilização da força de trabalho.
No que diz respeito às práticas de gestão de recursos humanos estas são
razoavelmente sofisticadas. O recrutamento é local, numa região onde o trabalho têxtil
tem sido a principal actividade, pelo menos durante o último século. Este caso, em
comparação com os restantes, apresenta um maior cuidado nos processos de
recrutamento (ex., tendência em não admitir indivíduos oriundos de outros sectores de
actividade) e de selecção (utilização de testes formais).
Algumas actividades de gestão de recursos humanos são contratadas no exterior,
como é o caso do plano de formação, estudo dos métodos e tempos, planos de saúde e
segurança, etc. No que respeita ao plano de formação, este não prevê que os formandos
sejam remunerados pelo tempo dispendido, sendo a formação efectuada em períodos
extra-laborais (sábados).
Na entrevista inicial, o administrador sublinhou o uso eficiente da força de trabalho.
Este é construído como o resultado da manutenção da disciplina e o desenvolvimento de
uma relação cooperativa com a força de trabalho. Assim, a empresa tenta recrutar
indivíduos jovens, principalmente do sexo feminino (a indústria têxtil tipicamente
emprega mulheres) e procura identificar os “potenciais trabalhadores problema" no
processo de selecção e no período inicial de trabalho.
A política de remuneração reforça esta preocupação com a utilização da força de
trabalho, ligando muito claramente o desempenho e os salários através de um sistema de
avaliação de desempenho com impacto directo e notório nos níveis individuais de
remuneração. A avaliação de desempenho inclui também como critérios a
disponibilidade para a realização de horas extraordinárias e assiduidade.
A abordagem para o controle, comparativamente aos dois casos apresentados
anteriormente, é menos autoritária e mediada através destes sistemas formais de
recompensa do comportamento desejado. Contudo, tal como nos casos anteriores, todas
as decisões respeitantes à gestão de recursos humanos encontram-se completamente
centralizadas no administrador.
Em simultâneo, o administrador espera bastante intervenção dos supervisores
directos, que são responsáveis pela condução quotidiana das relações de trabalho. É aqui
que ocorre a maior parte das interacções com os trabalhadores. Inevitavelmente, os
supervisores de primeira linha resolverão os problemas que possam surgir na produção
da forma que consideram adequada provavelmente seguindo o autoritarismo geral que
caracteriza grande parte da indústria têxtil.
Outro ponto que vale a pena mencionar é a interacção entre as práticas de gestão de
recursos humanos e os processos sociais externos. A organização familiar tradicional
presente na região geralmente significa que as mulheres jovens adultas vivam com os
pais até ao casamento. Consequentemente, estas estão sempre limitadas na sua
mobilidade em termos geográficos pelas obrigações familiares. O facto de a maior parte
dos trabalhadores serem mulheres recrutadas localmente, tem o efeito de aumentar os
custos de saída para outras empresas. Em conjunto com a abundância de mão de obra
têxtil, isto assegura a estabilidade dos recursos humanos, e portanto assegura que o
problema de trabalhadores com experiência profissional saírem da a empresa, tal como
identificada noutros casos, não se faça sentir neste caso.
O contraste entre este caso e os dois anteriores no sector metalomecânico é
revelador. Em primeiro lugar, pode ser tomado como um caso contra o argumento
construído de que a gestão de recursos humanos lida essencialmente com aspectos
políticos das relações nas organizações. Apesar de tudo, existem um número de práticas
denotando uma relação mediada por procedimentos e regras explícitas. No entanto, a
centralização nas tomadas de decisão relativamente aos temas da gestão de recursos
humanos revela a importância associada ao controlo do comportamento nesta
organização. Um factor que distingue este caso dos dois primeiros é a relativa
abundância de trabalhadores socializados nas atitudes e valores esperados pela
administração, o que permite níveis de selecção confortáveis.

Têxtil 2
O caso Têxtil 2 refere-se a uma empresa localizada no concelho de Guimarães
constituída por 115 trabalhadores. Esta organização foi fundada em 1972 e resultou da
vontade que o seu fundador, líder de um pequeno grupo têxtil, tinha de avançar para
uma área diferente, nomeadamente na área da confecção. Esta decisão foi impulsionada
pelas necessidades de mercado sentidas na época: a crescente procura de peças de
vestuário. Trata-se de uma empresa com características familiares, sendo a actual
administração da responsabilidade de descendentes directos do seu fundador.
O processo produtivo está organizado de acordo com os seguintes sectores de
produção: corte, montagem, prensa, acabamentos, controle de qualidade. Trabalham
nestes sectores 89 trabalhadores responsáveis pela produção de um leque diversificado
de artigos de vestuário (calças, camisas, blusões e malhas). Mais de metade (60%) da
comercialização dos produtos é feita no mercado nacional, constituindo um dos seus
principais objectivos o aumento das exportações para o mercado externo. Esta
preocupação, em junção com a diversificação de produtos, parece constituir uma
estratégia para lidar com a forte concorrência existente neste sector. Por outro lado, a
redução de custos também constitui uma dificuldade a ter em consideração. Esta parece
ser conseguida através de uma progressiva redução do número de trabalhadores, de uma
preocupação em promover a sua polivalência e o recursos a cerca de uma dezena de
empresas subcontratadas de forma mais ou menos permanente.
Existe um conjunto de práticas de gestão de recursos humanos claramente
identificadas (ver tabela 1). O recrutamento de pessoal à semelhança do que ocorre na
Têxtil 1, processa-se localmente, dando preferência a elementos do sexo feminino para a
área produtiva. Segundo a administração, esta opção visa essencialmente a diminuição
do absentismo.
O processo de selecção para a área produtiva é feito com o recurso à avaliação de
determinadas competências técnicas (desempenho de uma dada tarefa numa máquina
específica) e a uma entrevista com o supervisor da produção e com a responsável do
pessoal. No que diz respeito às restantes funções, a selecção baseia-se numa entrevista
feita pelo administrador, podendo a responsável de pessoal emitir também alguns
pareceres. Na realização destas entrevistas, os intervenientes procuram explorar se os
interesses dos candidatos são consonantes com os interesses organizacionais. A
avaliação de desempenho surge como uma prática não formalizada. No caso dos
colaboradores indirectos, esta é feita pela administração caso a caso com base na
observação e contactos diários sendo valorizados aspectos como disponibilidade e
empenhamento. Os colaboradores directos são avaliados pelo supervisor de produção e
pela responsável de pessoal, os quais transmitem o seu parecer à administração que
toma a decisão final. Relativamente aos critérios considerados, poderíamos agrupá-los
segundo dois níveis: por um lado, os índices de produtividade, e por outro, a nível
comportamental (disponibilidade, empenhamento e lealdade para com a organização).
Quando são admitidos trabalhadores sem experiência profissional para a área produtiva
(situação mais frequente), é esperado, segundo o supervisor, que num período
aproximado de 6 meses os mesmos atinjam níveis de produtividade adequados. Ora,
este caso relativamente a esta prática, é bastante similar aos casos do sector
metalomecânico.
Relativamente à formação, não existe um planeamento da mesma, sendo a
modalidade dominante a formação no posto de trabalho. Em casos pontuais,
principalmente nas áreas técnicas (ex., manutenção de máquinas) os trabalhadores
podem frequentar acções de formação no exterior. No caso dos trabalhadores indirectos
estes poderão propor à empresa à sua participação em determinados cursos que
entendam relevantes para o seu desenvolvimento. Cabe à administração da empresa a
avaliação da pertinência do referido curso e, mediante uma autorização da sua
frequência, assume as despesas a ele inerentes.
Em suma, e relativamente às práticas de gestão de recursos humanos observadas
neste caso observa-se de um modo geral que existem grandes semelhanças com os casos
do sector metalomecânico, das quais se destacam a formação e a avaliação de
desempenho.
Do mesmo modo que nos casos Metal 1 e Metal 2, constata-se que o turnover
constitui um dos principais problemas identificados nesta empresa, ainda que menos
marcado, colocando basicamente as mesmas preocupações/questões. Ou seja, são
admitidos indivíduos (predominantemente do sexo feminino) na maior parte dos casos
sem qualificação profissional, sendo submetidos ao processo inicial de aprendizagem,
findo o qual muitas das vezes abandonam a empresa procurando outras organizações ou
outro tipo de sectores de actividade (ex., serviços).
Discussão e conclusões

A apresentação detalhada dos casos permitiu uma análise mais cuidada caso a caso,
para além da comparação feita anteriormente. A discussão deste conjunto de informação
retoma algumas das questões levantadas na introdução, relativamente à gestão de
recursos humanos em PME’s, articulando-se em torno de cinco questões: a importância
da gestão de recursos humanos nas PME’s, a forma de distribuição desta função não
diferenciada pelos agentes organizacionais, a sensibilidade desta função relativamente a
processos exteriores à empresa, a estruturação das práticas de gestão de recursos
humanos quase exclusivamente em torno de problemas e a sua orientação para a
manutenção de formas de gestão unilaterais.

Importância dos RH nas PME


Os quatro casos evidenciam a importância atribuída aos recursos humanos. Em todos
eles a gestão de recursos humanos está bastante centralizada na administração de topo
da empresa e a escassa delegação de responsabilidades neste âmbito faz-se de forma
bem controlada. Esta constatação é consistente com as conclusões de Deshpande e
Golhar (1994) e Gatewood e Field (1987), mencionadas acima. Além disso, a
importância atribuída à filtragem de comportamentos inadequados acrescenta à
explicação avançada por Gatewood e Field (1987), invocando a maior relevância de
cada indivíduo quanto menor é a organização, em que dimensões é que esta importância
é avaliada. Mais do que a competência, parece ser o contributo individual para a
manutenção da estabilidade do sistema que é valorizado.

Distribuição da função
A distribuição da função suscita também algumas reflexões quanto à especificidade
da gestão de recursos humanos nas PME’s. Como vimos acima, as duas empresas
têxteis têm uma função mais distribuída, na medida em que os supervisores directos e
chefias intermédias têm uma intervenção mais marcada no controle, avaliação,
formação e planeamento dos recursos humanos. Esta distribuição diferente entre as
têxteis e as metalomecânicas é atribuível à existência ou ausência de competências de
execução das tarefas ao nível da administração. A questão que se levanta é a de
compreender porque é que estas competências são tão determinantes da forma de
distribuição da função de gestão de recursos humanos. Uma explicação possível é a de
que estas competências de produção por um lado legitimam o papel dos gestores perante
a força de trabalho e por outro permitem uma avaliação directa e imediata, sem recurso
a instrumentação formal, dos comportamentos na produção. Isto explicaria as diferenças
entre as duas têxteis (mais distribuídas) e as duas metalomecânicas (menos
distribuídas).
A sensibilidade relativamente a influências exteriores
Uma conclusão comum a estes quatro casos é a sensibilidade da gestão de recursos
humanos das PME’s a efeitos ambientais, visível nas dificuldades de recrutamento de
trabalhadores qualificados. Esta escassez é mais evidente nas duas empresas de
metalomecânica do que nas têxteis, o que dá ao problema um recorte mais claro. A
menor dimensão da empresa (mas também as práticas de gestão de recursos humanos
preferenciais) possivelmente leva a que ela tenha menor capacidade de competir no
mercado de trabalho o que faz com que o esforço de recrutamento e manutenção nestas
empresas seja, por pessoa, superior ao de uma empresa maior. Esta observação, aliás em
consonância com a literatura analisada aponta para a definição desta questão como uma
das questões prioritárias. A sua conjunção com uma postura de defesa intransigente de
uma forma de gestão unilateral parece ser determinante da maior parte dos problemas
sentidos nesta faixa do tecido industrial. Em todo o caso, parece ser viável concluir que
as flutuações na disponibilidade de determinados perfis de competência afectam de
forma mais marcada as pequenas empresas.

Uma gestão de recursos humanos reactiva e centrada em problemas


Os casos estudados reproduzem a importância relativa das diferentes funções de
gestão identificada por Ng e Maki (1993), reflectindo os principais problemas
constatados: a aquisição e a manutenção de trabalhadores qualificados e cooperantes.
Além disso, eles sugerem que a gestão de recursos humanos opera muito mais de forma
reactiva do que proactiva, tentando resolver os problemas à medida que se apresentam.
O caso Têxtil 1 é uma excepção clara. Nesta empresa pode detectar-se uma orientação
muito mais proactiva visível no cuidado posto no recrutamento, na selecção, na
avaliação do desempenho e no reduzido ratio indirectos/directos. Esta excepção pode
explicar-se pelo facto de o administrador recorrer a modelos de gestão de uma grande
empresa têxtil em que também colabora.
Este acesso conjuntural a outros recursos sugere no entanto que parte do problema
reside na escassez de recursos em termos de tempo e conhecimentos colocados na
função de gestão de recursos humanos. A reactividade observada pode dever-se, pelo
menos em parte, à não disponibilidade de modelos formais de gestão que possibilitem a
identificação e previsão de problemas e a compreensão das suas causas.

A manutenção de formas de gestão unilaterais


No confronto com os problemas identificados até este ponto da análise, o que parece
ser o denominador comum das estratégias adoptadas nos quatro casos é o esforço de
manutenção de formas de gestão unilaterais. Esta protecção das prerrogativas de gestão
parece levar a um controle da conformidade de atitudes e de comportamentos de
submissão relativamente às expectativas da gestão, mesmo que em prejuízo de
contributos mais directos para o valor gerado pela empresa. Embora não se possa
considerar este aspecto como específico das pequenas empresas, nestas o esforço de
manutenção de formas de gestão unilaterais pode ser visto como interagindo de forma
relativamente complexa com os outros processo identificados, dificultando a construção
de soluções. Este, no entanto, é um ponto que carece de mais aprofundamento.

Conclusão
A gestão de recursos humanos nas pequenas e médias empresas, à luz dos casos
estudados, parece revestir-se de aspectos suficientemente específicos para constituir um
campo de estudo relativamente diferenciado. Embora os processos identificados nestes
estudos de caso sejam comuns com empresas maiores, eles parecem interagir de
maneira específica. Os factores que poderão contribuir para esta especificidade podem
estar ligados a efeitos ligados ao tamanho, efeitos esses que poderão ser eventualmente
reduzidos à disponibilidade de recursos (tangíveis e intangíveis) para a gestão de
recursos humanos. No entanto, é clara a interacção entre estas consequências do
tamanho e as estratégias de relacionamento preferenciais adoptadas pelas
administrações destas empresas, atribuíveis a processos culturais, sociais e históricos. A
relevância prática desta constatação é que a intervenção nesta área deveria reconhecer
explicitamente esta última dimensão, quer a título de recurso quer a título de
constrangimento.

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Citar como:
Keating, J., Silva, I. & Almeida, H. (2000). Gestão de recursos humanos em pequenas e médias empresas. Psicologia: Teoria,
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