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OS RISCOS DA COMERCIALIZAÇÃO E UTILIZAÇÃO INDISCRIMINADA DO

LEITE MATERNO: UMA REVISÃO NARRATIVA


THE RISKS OF COMMERCIALIZATION AND INDISCRIMINATE USE OF
BREAST MILK: A NARRATIVE REVIEW
Adriane Sílvia CostaI
Ingrid Menegardo Pires FrancoII
Samara Mascarenhas FerreiraIII

Resumo: O leite humano, destinado ao consumo de recém-nascidos, apresenta propriedades


benéficas ao crescimento e desenvolvimento desde anticorpos até compostos altamente
nutritivos. Diante dos inúmeros benefícios adquiridos através do leite materno, as propostas de
vendas e doações nas esferas virtuais e presenciais tornou o consumo uma prática comum entre
lactantes e seus consumidores. Trata-se de um estudo acerca dos problemas que poderão ser
gerados a partir comercialização e utilização inadequada do leite materno. Nesse âmbito, essa
pesquisa tem como objetivo abordar a existência de protocolos de qualidade do leite materno
comercializado, elencar e discutir os possíveis impactos na saúde pelo consumo do leite
materno comercializado. Utilizou-se o método de Revisão Narrativa de Literatura onde foi
reunido e sintetizado os resultados a partir da busca nas plataformas: PubMed, Scientific
Electronic Library Online (SciELO) e Google Acadêmico no período dos últimos 10 anos.
Sendo assim, frente ao acervo selecionado, conclui-se que o compartilhamento informal do leite
materno pode gerar consequências a saúde de quem consome.
Palavras-chave: Leite materno; Comercialização do leite materno; Controle de qualidade do
leite materno

Abstract: Human milk, intended for consumption by newborns, has properties beneficial to
growth and development from antibodies to highly nutritious compounds. Given the numerous
benefits acquired through breast milk, the proposals of sales and donations in the virtual and in-
person spheres have made consumption a common practice among nursing mothers and their
consumers. This is a study about the problems that may be generated by the commercialization
and inadequate use of breast milk. In this context, this research aims to address the existence of
quality protocols for commercialized breast milk and to list and discuss the possible health
impacts of the consumption of commercialized breast milk. The Narrative Literature Review
method was used, where the results were gathered and synthesized from the search on PubMed,
Scientific Electronic Library Online (SciELO), and Google Scholar platforms over the last 10
years. Thus, based on the selected collection, it can be concluded that the informal sharing of
breast milk can generate consequences for the health of those who consume it.
Keywords: Breast milk; Commercialization of breast milk; Quality control of breast milk

I
Acadêmico do curso Biomedicina da Instituição de Ensino Superior (IES) da rede Ânima Educação. E-mail:
adrianesilviac@gmail.com. IIAcadêmico do curso Biomedicina da Instituição de Ensino Superior (IES) da rede
Ânima Educação. E-mail: menegardo.impf@gmail.com. IIIAcadêmico do curso Biomedicina da Instituição de
Ensino Superior (IES) da rede Ânima Educação. E-mail: samara.mascarenhas98@gmail.com. Artigo
apresentado como requisito parcial para a conclusão do curso de Graduação em Biomedicina da Instituição de
Ensino Superior (IES) da rede Ânima Educação. 2022. Orientador: Prof. Lídia Eloy Moura, Mestre.
2

1 INTRODUÇÃO

O leite materno (LM) é um composto nutricional em que se encontram substâncias de


suma importância ao desenvolvimento infantil1. No decorrer da amamentação, existem três
fases da maturação do leite: o colostro (primeiros sete dias de amamentação), a fase
intermediária (do sétimo ao décimo dia de amamentação) e a fase madura (inicia-se entre o
décimo e décimo quinto dia de amamentação), que acompanham as demandas nutricionais do
neonato de acordo com seu desenvolvimento2.

Nesse contexto, a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda o aleitamento


materno exclusivo até os seis meses de idade, a fim de contribuir com o desenvolvimento do
neonato3. Este é responsável pelos primeiros anticorpos do bebê através da imunização passiva,
diminuindo alergias e outras manifestações patológicas oriundas de vírus e bactérias4.

Tendo em vista a importância do leite materno ao desenvolvimento saudável da criança,


a doação do leite tornou-se extremamente importante aos recém-nascidos (RN) prematuros,
lactentes portadores de infecções e de baixo peso5. Para atender essa demanda, foram criados
Banco de Leite Humano (BLH), com objetivo de coletar, armazenar, testar e distribuir de forma
segura o Leite Humano (LH) aos recém-nascidos que, devido a alguns fatores como: lábio
leporino e fenda palatina, fenilcetonúria, prematuridade e baixo peso, gemelaridade, icterícia6,
não podem ser amamentados por sua nutriz e necessitam ser alimentados por leite originados
de doações ou fórmulas7.

O banco de leite tem a regulamentação regida pela Agência Nacional de Vigilância


Sanitária (ANVISA), a qual é responsável pelas normas de qualidade presentes na Resolução
da Diretoria Colegiada (RDC) Nº 1718, que visam garantir a biossegurança, além de fiscalizar
todo o processo de doação do leite. É necessário que a doadora esteja clinicamente apta, sem
utilizar drogas lícitas ou ilícitas, estar amamentando e entre outros critérios exigidos para fazer
o cadastro e executar a doação no BLH no Brasil (BLH-BR)9. Nesse contexto, foi instituído nos
bancos de leite o Manual Boas Práticas de Manipulação, onde profissionais e nutrizes são
orientados de forma, que sejam minimizadas ou extintas a contaminação do LH10.

Recentemente, a venda de leite materno teve um crescimento significativo em esferas


informais através de sites e redes sociais em alguns países, sobretudo nos Estados Unidos da
América (EUA), onde este tipo de comercialização não é proibido. A Food and Drug
Administration (FDA)11, órgão responsável pelo controle de produtos ligados a saúde como:
alimentos, suplementos alimentares, medicamentos, dentre outros, apenas não recomenda a
3

compra ou compartilhamento desse produto. Apesar de não existir dados que afirmem ou
neguem a existência desta prática, no Brasil ela é proibida pelo parágrafo 4º do artigo 199 da
Constituição Federal de 1988, sendo o banco de leite a única forma permitida de haver o
compartilhamento de LH12.

Embora seja proibido, no Brasil, ou não recomendado, nos EUA, o compartilhamento


informal do leite materno ocorre, se estendendo a nível comercial, principalmente através da
internet13,14. De onde recentemente vem sendo observada a existência de sites e grupos em redes
sociais que negociam a sua venda sem supervisão sanitária e legal, em especial nos Estados
Unidos, onde a supervisão dessas negociações é banalizada15.

Grupos no Facebook, a exemplo de “Eats on Feets” e “Human Milk 4 Human Babies”,


e sites como “Only the Breast” e “Milk share” são as formas mais comuns de comunicação
online para que ocorra esse compartilhamento nos Estados Unidos. Contudo, apesar de a
internet ser um veículo em ascensão, ainda se mantém doações informais e vendas no mundo
“offline”16. Além do avanço da internet, outro fator que interfere nessa prática é a evolução
tecnológica no ramo da maternidade, tal como “pump” elétrico, o qual traz maior praticidade
às mulheres no processo de ordenha do leite e, consequentemente, facilita à venda16.

O uso desse leite advindo de compras e doações informais é feito predominantemente


por bebês, mas também há registros de uso para complementação e suplementação nutricional
adulta, tratamentos alternativos e dieta livre de produtos industrializados14.

Comprar esse produto pela internet pode gerar diversos riscos à saúde dos
consumidores, principalmente de crianças, que podem contrair vírus e bactérias, tais como:
citomegalovírus, HIV, hepatite B e C, sífilis, entre outros. Portanto, o maior risco atrelado ao
comércio informal do LM é a ausência de garantias de testes e processos de qualidade do
produto, desde a ordenha até o armazenamento e transporte. Além disso, há estudos que
apontam a existência de leites adulterado como fórmulas ou leite de vaca16. Ademais, já foram
também detectadas presença de maconha, tabaco e cafeína, entre outras substâncias17–19.

Sendo assim, esse trabalho justifica-se pela importância de compilar informações quanto
as questões tangentes ao compartilhamento do leite materno, seja por vendas ou doações fora
dos meios legais. Então, o objetivo do presente estudo é analisar os problemas relacionados à
comercialização e utilização indiscriminada do leite humano, além de verificar a existência ou
não de protocolos de qualidade na comercialização. Além disso, trazer para discussão os
4

possíveis impactos na saúde pelo consumo de tal produto, com o intuito de implementar, de
forma preventiva, medidas que coíbam essa prática.

2 METODOLOGIA

Trata-se de uma revisão bibliográfica de caráter narrativo, visando a elucidação acerca


dos problemas relacionados à comercialização e a qualidade do leite materno comercializado e
doado informalmente e suas possíveis complicações. Para a seleção dos artigos, foram
utilizados como critérios de inclusão os artigos publicados nos últimos 10 anos (2012 – 2022)
e estudos que continham como base o tema de comercialização e doação do leite materno e suas
correlações. Como critério de exclusão, foram retirados os artigos que não correspondiam ao
intervalo de tempo pré-determinado e os que fugiam do tema proposto após leitura prévia dos
resumos. As bases de dados utilizadas foram: PubMed, Scientific Electronic Library Online
(SciELO) e Google Acadêmico, além de legislações, manuais oficiais e informações em sites
oficiais referentes ao tema. Para a pesquisa dos artigos nas bases de dados foram utilizados os
termos “leite materno”; “comercialização do leite materno” e “controle de qualidade do leite
materno” e suas variações na língua inglesa.

Tabela 01 – Quantitativo das bases de dados


Bases de dados pesquisada Total encontrado Total aceito

PubMed 42 10

SciELO 181 1

Google Acadêmico 44.300 8

Fonte: Elaboração dos autores, 2022

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 Controle de qualidade do leite e sua aplicabilidade


De acordo com a legislação brasileira, a doação informal e comercialização do leite
materno é proibida, sendo o compartilhamento dele liberado apenas através dos BLH-BR
regulamentados pela ANVISA12, a responsável por estabelecer normas, critérios e padrões de
5

qualidade que visam assegurar a segurança do alimento para a criança8. Já o FDA não dita leis
proibitivas, apenas recomenda que o lactente não consuma LM adquirido fora dos BLH11.

Tomando como base os termos da ANVISA e FDA, os bancos de leite são exemplos de
controle de qualidade do leite humano. Dentre as exigências dispostas na RDC Nº 171, de 04
de setembro de 20068, acerca do controle de qualidade vigentes nos BLH, encontra-se:
Documentação de Boas Práticas de Manipulação do Leite Humano Ordenhado (LHO) e
Programa de controle interno da qualidade, documentado e monitorado8. Seguindo tais
documentações, para assegurar um leite de qualidade, o Banco de Leite Humano de Blumenau-
SC traçou a sequência a seguir para garantir um leite seguro aos solicitantes10.

Figura 01 – Ordem para doação de LM segundo o BLH de Blumenau-SC em 2015

Fonte: Adaptada de Maes M, Possamai M, Assoler M, et al., 2015

Primordialmente, para a realização da doação do LM, é efetuado o cadastro com as


informações da doadora e posteriormente é feita a triagem, onde são feitas perguntas por um
profissional da saúde responsável por avaliar a aptidão da doadora. Com isso, são estabelecidos
pré-requisitos necessários para que uma mulher seja doadora de leite, dentre eles: estar
amamentando ou ordenhando LH para o lactente, ter os exames do pré-natal atualizados, não
6

fazer uso de drogas lícitas ou ilícitas e não estar sob uso de medicações contraindicadas ao
período de lactação10.

No primeiro momento da coleta, é importante estar acompanhada para que a técnica de


higienização e ordenha sejam realizadas de forma correta, que estejam adequados o
posicionamento da mãe, os instrumentos de coleta e pega da aréola. Por sua vez, as fases de
higienização são de extrema importância afim de reduzir ao máximo as contaminações no leite9.

Lavar mãos e braços até o cotovelo com água e sabão em abundância, as mamas apenas
com água (evitando assim ressecamentos e fissuras), secar ambos com toalha descartável e
manter as unhas bem curtas são algumas das instruções dadas a fim de minimizar desperdícios
e contaminações por coleta inadequada5. Sendo assim, pode-se considerar a fase da ordenha
como um indicador do controle de qualidade já que, se realizada de forma incorreta, o LHO
pode apresentar microrganismos, impurezas entre outros artefatos9.

Logo após o processo de ordenha, o LH é encaminhado ao laboratório onde passará por


processos que visam a inativação, letalidade e testagem para certificação da descontaminação
do LH. A primeira etapa consiste na pasteurização que é um tratamento térmico o qual ocorre
a uma temperatura de 62,5ºC por, em média, 30 minutos após o aquecimento. Esse processo
objetiva a letalidade em um processo de desinfecção onde é possível garantir 100% da
inativação térmica dos microrganismos mais termo resistentes como exemplo a Coxiella
burnetti9, transformando-o em um LHO pasteurizado (LHOP)10.

Para a manutenção da qualidade do leite humano doado, recursos como mapeamento de


fluxo, ciclo PDCA (Plan; Do; Check; Act), Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle
(APPCC) são utilizados nos BLH. Essas ferramentas de controle são aplicadas no intuito de
prover um leite seguro para o neonato10,20. Como consequência da falha na execução das Boas
Práticas de Manipulação, já houve relatos na literatura acerca de contaminações no leite
materno por microrganismos como: coliformes totais a 35ºC, estafilococos coagulase positiva,
bactérias aeróbias mesófilas12 e HTLV-121.

À vista disso, o ciclo PDCA encontra-se como a ferramenta de melhor performance no


âmbito da qualidade no domínio da saúde. Trata-se de uma listagem do processo em questão,
averiguando cada etapa e corrigindo a logística aplicada para um melhor desempenho, bem
como montando padrões eficazes para serem replicados com excelência20. Não obstante, o
sistema APPCC toma como base a prevenção de erros, categorizando cada tipo de perigo e
7

como reagir à presença de cada um deles, levando em conta sua severidade e probabilidade de
ocorrência, e classificando-os – caso ocorram – em seus registros10.

Seguindo o controle de qualidade microbiológico do LH praticado pela rede BLH-BR


utiliza-se os coliformes totais como microrganismos indicadores de qualidade sanitária. Após
submetido ao primeiro teste com resultado positivo, o leite deverá ser submetido a uma prova
confirmatória obrigatoriamente. Se houverem resultados positivos no teste confirmatório, são
considerados como resultado e caracterizados como improprio para consumo4,5,9.

3.2 Qualidade do leite vendido e os possíveis males causados


Tendo em vista os padrões dos controles de qualidade aplicados nos BLH que visam a
qualidade e segurança do leite para criança é necessário atentar-se aos processos realizados nos
leites vendidos através da internet. Visto que já existem pesquisas que apontam a presença de
alguns microrganismos, como vírus e bactérias, presentes no organismo da lactante podem ser
transferidos para o leite materno, como: o Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), Hepatite
B e C, Vírus Linfotrópico de Células T Humanas (HTLV)-I e HTLV-II, citomegalovírus,
sífilis13,15. Além disso é possível encontrar substâncias como a cafeína, tabaco17 e maconha22,
dentre outras substâncias18.

Nas amostras de leite de materno vendidas pela internet, foram detectadas contaminação
por esses microrganismos e substâncias. Ademais, foram verificadas a existência de
adulterações por leite de vaca e fórmulas18.

3.2.1 Contaminação por micro-organismos


O citomegalovírus é um vírus pertencente à família de vírus do herpes e possui um
genoma de DNA, podendo causar uma infecção latente. Sua reativação está geralmente
relacionada a períodos de imunossupressão do hospedeiro pode ser transmitido através do leite
materno23. Mesmo com o baixo risco de prejudicar um bebê saudável o vírus pode ocasionar
doenças como por exemplo pneumonia, hepatite e sepse em especial em bebês prematuros e
imunocomprometidos13.

O Virus da Imunodeficiência Humana (HIV), causa uma infecção que ataca as células
TCD4 do sistema imune humano, destruindo-as, reduzindo a imunidade do hospedeiro e o
deixando suscetível a infecções oportunistas, como fungos e bactérias como a tuberculose24. A
infecção pode acontecer através da transmissão vertical, ou seja, na gestação durante o parto e
através do leite materno, o qual possui baixo risco de contaminação se comparado ao parto.
8

Entretanto, a recorrente exposição ao leite contaminado pode provocar a infeção pelo vírus13,25.
Por esse motivo não é recomendado o aleitamento por lactentes soropositivas15,25.

O Vírus Linfotrópico de Células T Humanas é um vírus da família Retroviridae possui


dois principais tipos: HTLV-I e HTLV-II, sendo que o HTLV-I possui tropismos pelas células
T-CD4+ e o HTLV-II pelas células T-CD8+. Dentre as manifestações clínicas podemos citar
doenças hematológicas, como leucemia, neurológicas, como a mielopatia, oftalmológicas e
dermatológicas25. A presença do HTLV-I e HTLV-II em células do leite traz a amamentação
como a principal via de infecção vertical26, onde a duração do aleitamento é a principal
determinante na taxa de contaminação.

Nessa esfera, houve um estudo onde a taxa de transmissão vertical variou de 10,5% a
39,6% em crianças que foram amamentadas por mães infectadas, enquanto crianças que foram
alimentadas por fórmulas tiveram uma taxa de 0% a 12,8% sugerindo uma contaminação
vertical placentária. Paralelo a isso, outro estudo realizado na Jamaica, encontraram relações
significativas entre o tempo de amamentação e a infecção pelo HTLV, crianças que foram
amamentadas no período de 6 a 12 meses tiveram aumento de 4,4 vezes aumento no risco de
infecção enquanto crianças que foram amamentadas por mais de 12 meses tiveram 10,2 vezes
aumento no risco de infecção quando comparadas com as crianças que foram amamentadas por
menos de 6 meses27.

O vírus da Hepatite B (HBV) é um vírus de DNA, da família Hepadnaviridae e seu


período de incubação varia entre 60 e 180 dias, sendo ele um vírus de alta resistência,
suportando temperatura muito altas e baixas, além de variações extremas de umidade. Já o vírus
da Hepatite C (HCV), é um vírus de RNA da família Flaviviridae, de alta relevância para
gestantes cujo carga viral esteja elevada ou também infectadas com HIV. Apesar disso, apenas
15-20% dos pacientes progridem da fase aguda para crônica28. Dito isso, as Hepatites B e C
estão presentes em grande parte dos fluidos corporais, a exemplo de sangue, líquido amniótico
e leite materno. Dentre suas formas de transmissão, a amamentação é uma delas29.

O Ministério da Saúde, via protocolo, preconiza a amamentação ainda que as mães


portadoras do vírus da Hepatite B não tenham feito as ações preventivas. Já em casos de mães
contaminadas com o HCV, não há evidencias que a amamentação favorece a transmissão
vertical, porém, se a mãe tiver fissura de mamilo ou lesão na aréola com sangramento é indicado
que haja suspensão da amamentação temporária da mama com sangramento e retomada após
30
cicatrização completa fazendo ordenha e descarte do leite no período da mama . Contudo,
9

mesmo existindo a possibilidade de infecção no ato da amamentação oriundo da deglutição de


sangue da fissura da mama, nunca houve relatos de transmissão do HBV e HCV através da
amamentação e são indicados os mesmos cuidados para ambos os vírus30. Há estudos onde
mostraram que não há diferença na taxa de infecção por HBV de crianças que foram
alimentadas com leite materno e com fórmulas25,28,29.

A sífilis é uma infecção bacteriana de transmissão sexual e possui cura, porém a


ausência de tratamento acarreta sérios problemas de saúde, desde erupções cutâneas à
problemas neurológicos, podendo inclusive levar a morte. Seus sintomas evoluem em quatro
estágios, são eles: primário, secundário, latente e terciário31. Nessa circunstância, em casos de
lactentes infectadas com fissuras nas aréolas e/ou mamilo, é recomendada a ruptura da
amamentação até que o tratamento tenha sucesso e cicatrize as lesões, tendo o leite ordenhado
descartado para maior segurança. Caso não haja fissuras, é recomendado o aleitamento normal,
já que os benefícios do leite materno são superiores aos riscos de infecção25.

Tabela 02 - Transmissibilidade de microrganismos através do leite


Transmissão por leite
Microrganismo Recomendações
materno
Contraindicado em caso de
Citomegalovírus Possível
imunodeficiência combinada
Indicado somente se houver
HBV Não comprovada
imunoprofilaxia anterior a amamentação
Indicado somente se houver
HCV Não comprovada
imunoprofilaxia anterior a amamentação

HIV Comprovada Contraindicado pelo Ministério da Saúde

HTLV-I e
Comprovada Contraindicado pelo Ministério da Saúde
HTLV-II

Sífilis Não comprovada Suspensão em caso de fissura no mamilo

Fonte: Elaboração do autor, 2022


10

3.2.2 Contaminação por substâncias lícitas e ilícitas


A cafeína, também encontrada no LM, é utilizada para estimulação respiratória em
recém-nascidos prematuros, com administração feita de forma controlada e monitorada.
Entretanto, dever ser usada com cautela pois, devido a imaturidade da metabolização hepática,
a cafeína é eliminada de forma lenta, o que pode provocar o acúmulo da substância caso ela
seja ingerida em grandes quantidades. Apesar de não possuir dados em relação a ingestão do
neonato da cafeína através do leite ser prejudicial, sabe-se que é ela rapidamente transferida
para o leite e se ingerida em grandes quantidades pode provocar irritabilidade e problemas no
sono, por isso recomenda-se que a mãe faça a ingestão em baixas quantidades17.

Dentre as substâncias que podem ser encontradas no leite, deve-se mencionar a nicotina
e seu metabolito, a cotinina. Elas são detectadas nos leites vendidos pela internet e podem
ocasionar na criança desregulações cardíacas, alterações no sono, problemas de crescimento e
o aumento da incidência de doenças respiratórias. De acordo com estudos, dentre os anúncios
cotados na internet, nenhum vendedor admitiu tabagismo, porém 35% não se pronunciaram e
os 65% restantes informam que não estão fumando. Apesar desses dados, 4% das amostras
tiveram detecção de substâncias do fumo, o suficiente para indicar a prática, sendo 58% do total
das amostras com algum nível detectável de nicotina e/ou cotinina17.

A Cannabis encontrada no leite materno advém da passagem da molécula de


tetrahidrocanabinol (THC) do sangue da mãe para o leite, por causa do seu baixo peso molecular
e alta lipofilicidade. Perante a isso, um estudo foi realizado com 272 mulheres, dentre elas uma
mãe que fumava um cachimbo por dia, e em seu exame encontraram cerca de 105 mg/mL de
THC no leite humano. Já a mãe que fumava sete vezes ao dia, encontraram cerca de 60,3 mg/mL
de THC no leite humano e na testagem do sangue foi encontrado cerca de 7,2 mg/mL de THC
plasmático. Essa substância pode ser encontrada nos exames toxicológicos nas primeiras 20 –
36 horas da utilização, e em pessoas que fazem o uso constante em até 4 dias. Dentre as
consequências ao uso da maconha se destacam: retardo no desenvolvimento do sistema
nervoso, distúrbios neurocomportamentais, prejuízos no sistema cardiovascular e no sistema
gastrointestinal19.

Apesar de resultados quantitativos relevantes acerca do THC, o estudo esclarece que há


pouca informação sobre outros canabionoides na maconha e sua passagem para o leite
materno19.
11

Seguindo essa linha, um outro estudo desenvolvido para detectar a evolução da


concentração de delta-9-THC inalado presente no LM. Nele concluiu-se que são necessários
mais estudos para que possa haver o aconselhamento das mulheres que estejam usando cannabis
recreativa ou medicinal, visto que continuam incertas as consequências da exposição infantil
durante seu desenvolvimento neural22.

3.2.3 Contaminação por fórmulas e leite de vaca


A água presente nas fórmulas reconstituídas em alguns casos está contaminada por
agentes patogênicos que podem provocar a diarreia e consequentemente a desidratação. O uso
de fórmulas antes do primeiro ano de vida possui o risco de 4 a 15 vezes maior da criança
desenvolver doenças gastrointestinais15. Já o leite de vaca pode provocar doenças infecciosas,
e outros problemas principalmente para crianças com alergia a proteína do leite ou intolerância
lactose18. Também pode resultar em alergias potentes e no aumento da ocorrência de
enterocolite necrosante1.

Estudos apontam a adulteração do leite humano vendido pela internet por leite de vaca,
água e fórmulas. Um estudo realizado em 2015 aponta que: 11 das 102 amostras de leite
materno que foram compradas pela internet possuem tanto DNA humano quanto DNA bovino
o que aponta para a adulteração do produto por leite de vaca e fórmulas em 10 das amostras a
concentração é tão alta que descarta a hipótese de contaminação acidental e sugere a
adulteração18.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme mostrado no estudo, o LM tem compostos que são extremamente importantes


ao desenvolvimento e proteção do lactente e, a partir disso, despertou-se o início da sua
comercialização através de sites e redes sociais. Contudo, de acordo com a discussão ao longo
dessa revisão, a obtenção de LM adquiridos informalmente não garante qualidade nem
segurança para quem o consome, visto que esse leite pode vir contaminado com agentes
infecciosos, substâncias nocivas e até adulterados. Portanto, conclui-se que apesar dos estudos
iniciais demonstrarem os riscos relacionados a esse tipo de prática, é necessária uma pesquisa
mais aprofundada para mensurar os possíveis danos aos consumidores deste produto, visto que
os testes foram realizados apenas no LH. Ademais, deve-se ressaltar a necessidade de maior
fiscalização e conscientização por parte dos órgãos governamentais.
12

REFERÊNCIAS

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