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leitura-alfabetizacao
Publicado em NOVA ESCOLA 26 de Fevereiro | 2024

Alfabetização

Alfabetização: como
planejar um projeto de
leitura para o ano?
O trabalho de letramento é fundamental nessa etapa e
pode fazer parte da rotina por meio de ações contínuas;
conheça exemplos
Dimítria Coutinho

A leitura deve estar presente no rotina da alfabetização e incluir diferentes tipos


de texto. Foto: Mari Pekin/NOVA ESCOLA.
Seja para crianças que ainda não dominam o sistema de escrita ou para
aquelas que já possuem esse domínio, mas ainda não têm fluência na leitura, a
prática de “ler sem saber ler” é essencial no ciclo de alfabetização, proposto
para o 1º e o 2º ano do Ensino Fundamental, de acordo com a Base Nacional
Comum Curricular (BNCC).
Com a leitura presente no dia a dia, as crianças conseguem ir, pouco a pouco,
estabelecendo a relação entre a prática leitora e o sistema de escrita. “Se a
criança desde sempre for convidada a ‘ler sem saber ler’, conforme ela vai
avançando no seu conhecimento sobre o sistema de escrita e sobre o sistema
ortográfico, ela vai deslizando para a palavra de modo muito natural”, diz Mazé
Nóbrega, formadora de professores e consultora em metodologia de Língua
Portuguesa.
Além disso, acrescenta ela, “é fundamental que o professor não esqueça que as
crianças precisam, de acordo com a BNCC, lidar com textos que circulam nos
diferentes campos de atuação [vida cotidiana, artístico-literário, vida pública,
práticas de estudo e pesquisa]. Ou seja, é necessário alfabetizar no contexto de
letramento [uso da leitura e escrita para fins sociais]”.
Garantia da leitura na rotina das crianças
Além da alfabetização em si, a leitura nessa faixa etária auxilia no
desenvolvimento de diversas outras habilidades, sobretudo as relacionadas à
imaginação e comunicação. Vanessa Martins, professora do 1º ano na UEB
Hortência Pinho, em São Luís (MA), percebe esses avanços em seus alunos.
“Nesse processo de alfabetização, a leitura vai muito além de decodificar sílabas
e palavras. Essa prática ajuda as crianças a trabalharem a imaginação, a
criatividade e a construção da capacidade de opinar e estruturar suas ideias”,
afirma.
Para manter a leitura como uma prática constante dentro e fora de sala de
aula, a professora realiza anualmente um projeto com seus estudantes.
Funciona assim: a cada sexta-feira, um dos alunos é sorteado para levar para
casa um livro para ler com a família. Na segunda-feira, ele conta para os colegas
sobre a obra, trazendo detalhes e impressões pessoais.
Em Lagoa Santa (MG), a professora Juliana Ávila, que atua na EM Alberto Santos
Dumont, também tem a ajuda dos pais no projeto “Reloginho da Leitura”, que
consiste na leitura diária de textos em casa. A cada dia, os familiares
cronometram quanto tempo a criança leva para ler o texto da semana,
ajudando no avanço da fluência leitora. O projeto já foi desenvolvido pela
professora tanto em turmas de 1º como de 2º ano, adaptando o grau de
dificuldade dos textos de acordo com as classes e com cada estudante.
A realização de projetos de leitura é uma boa forma de garantir que a prática
esteja presente na rotina. Segundo Mazé, é interessante que as opções sejam
diversas para que não falte leitura dentro e fora da sala de aula.
Leia também: Alfabetização: projetos de leitura e escrita para começar o
ano
Planejando um projeto de leitura na alfabetização
Nas escolas Hortência Pinho e Alberto Santos Dumont, o planejamento de
projetos de leitura que vão fazer parte da rotina escolar ao longo do ano
começa logo no início do período letivo e envolve a gestão escolar e outros
profissionais específicos, como a professora do núcleo de alfabetização.
Depois de definir os objetivos do projeto e inseri-lo no calendário semanal das
aulas, as professoras fazem uma etapa importante do planejamento: conversar
com as famílias. Nos dois projetos exemplificados – assim como em qualquer
outro que envolva leitura em casa – é preciso o apoio dos pais e responsáveis,
por isso é importante garantir que eles embarquem na ideia.
O projeto proposto por Vanessa prevê que os familiares leiam o livro escolhido
junto com a criança no final de semana e a auxiliem a criar uma espécie de
resumo da obra. Junto com o livro, o estudante também leva para casa um
caderno, no qual deve escrever ou desenhar as passagens mais marcantes da
história, além de inserir sua opinião – aqui, é hora da criança pontuar o que
mais gostou, o que não achou interessante e os motivos.
Para tentar garantir a participação dos pais no desenvolvimento do projeto, a
professora realiza uma reunião no começo do ano, explicando a proposta e
mostrando resultados de turmas anteriores para conquistar a confiança e o
envolvimento das famílias. Nessa etapa, também são reforçadas orientações de
cuidado com os livros e pedidos para que os pais trabalhem a autonomia das
crianças, sem acelerar processos ou fazer os resumos por elas.
“Eu solicito muito que os pais ajudem sendo escribas dos estudantes. Eu falo:
‘Escrevam em um papel o que as crianças falarem, para que elas possam
depois transcrever para o caderno, mas deixem que elas expressem o que
sentiram e acharam do livro’”, conta Vanessa.
Leia também: Alfabetização: 5 atividades para estimular leitura e escrita
no Google Jamboard
Participação das famílias e personalização das atividades
Em Lagoa Santa, a professora Juliana também precisa do comprometimento
diário dos pais nas leituras propostas. Ela faz uma reunião com eles logo no
início do ano, além de produzir um passo a passo de como realizar a atividade,
composto por cronometrar o tempo de leitura e marcar o resultado em uma
ficha específica, que acompanha o material. No caso de familiares que não são
participativos, a docente conta com o apoio da gestão escolar para conquistar
esse engajamento. “Não adianta a gente fazer um projeto como esse se não
tiver o apoio da família”, considera.
Outra parte do planejamento é a personalização das atividades. Juliana eleva o
nível de dificuldade das leituras ao longo do ano. “Primeiro, a gente inicia com
leitura de várias palavras, depois vamos acrescentando frases, pequenos textos
e assim por diante”, diz. Além de acompanhar o ritmo da turma, a professora
também observa o tempo de cada estudante, enviando para casa leituras
personalizadas.
No caso de Vanessa, são os próprios alunos sorteados que escolhem os livros
que levarão para casa. Ainda assim, a professora faz uma seleção de acordo
com o nível de cada estudante, sobretudo se percebe que não há apoio
familiar. “Quando acontece do aluno não ter conseguido desenvolver esse
processo em casa, eu acabo fazendo a parte da família junto com a criança no
recreio, para que ela possa apresentar para os colegas depois”, relata a
professora.
O antes, o durante e o depois da leitura
Ao construir um projeto de leitura, é importante pensar não só no momento da
leitura em si, mas também nas atividades preparatórias e nas posteriores. Mazé
dá algumas dicas para cada etapa:
Pré-leitura: nessa fase, o professor deve estimular a geração de expectativas a
partir de elementos como a capa, o título e a leitura da quarta capa do livro.
Também é possível inserir outros conhecimentos que se relacionam com a
temática do texto proposto, tornando a leitura mais produtiva.
Na hora da leitura: durante a leitura, é hora de garantir a autonomia das
crianças, seja em sala de aula ou instruindo os pais para essa atividade. “O
professor precisa pensar que ele é uma espécie de corrimão no qual a criança
que está aprendendo a subir uma escada se apoia, mas quem tem que subir a
escada é ela”, compara Mazé.
Pós-leitura: nesse momento, a oralidade é trabalhada quando as crianças são
instigadas a comentarem sobre o livro, apontando o que gostaram e não
gostaram, como a história se relaciona com suas vidas e assim por diante. Aqui,
também pode ser proposto algum tipo de desafio, como criar um final diferente
para a história ou fazer uma atividade baseada na leitura.
A etapa de pós-leitura é bastante trabalhada por Vanessa às segundas-feiras,
quando um dos estudantes chega para contar sobre o livro que leu no final de
semana com a família. “Nessa hora, além do resumo do livro, a criança também
desenvolve sua opinião e constrói suas ideias, trabalhando a comunicação e a
expressão”, destaca. Ela também propõe que os alunos inventem novos finais
para a história, pensando no que aconteceu depois da última página. “Quem vai
contar sobre o livro se sente como o professor. Geralmente, as crianças ficam
nervosas, mas altamente empolgadas. E a maioria dos colegas dá apoio e
presta atenção”, observa.
Leia também: Como estimular a leitura na alfabetização
Formas de avaliação
É justamente durante a apresentação dos estudantes que Vanessa faz a
avaliação. Por mais que a professora olhe para o caderno que a criança
preencheu em casa com a família, o foco é avaliar, na sala de aula, se o
estudante entendeu do que o livro trata. “A gente sabe que, querendo ou não,
alguns pais acabam induzindo na hora da escrita”, comenta.
Juliana também faz a avaliação em sala de aula. Depois dos alunos lerem o
texto proposto de segunda a quinta-feira com a família em casa, a leitura
cronometrada de sexta-feira é feita com a professora. “Eu anoto o tempo que
cada aluno gastou, como ele foi naquela leitura e comparo com o tempo
registrado nos outros dias. Por eles gostarem muito da atividade, na sexta-feira
eles chegam com muita facilidade e agilidade para ler o que foi proposto”,
relata. “Tem crianças que falam: ‘Nossa, professora, eu comecei na segunda-
feira com dificuldade, hoje eu já estou lendo fluentemente’. É bom vê-los
desenvolvendo esse gosto pela leitura, já que isso enriquece o vocabulário
deles e a capacidade argumentativa.”
Na hora de avaliar, Mazé orienta que os professores analisem se os estudantes:
conseguem decifrar as palavras;
estão apresentando fluência;
se autocorrigem quando pronunciam palavras incorretamente;
são capazes de recuperar informações anteriores e estabelecer relações entre
as partes do texto;
conseguem deduzir informações que não estão explicitamente escritas;
são capazes de fazer avaliações e julgamentos a partir do que estão lendo, ou
seja, têm uma leitura crítica.
“É fundamental que o estudante transite nesses dois lugares: em relação ao
domínio do sistema de escrita e ortográfico, com a decifração, e na
compreensão daquilo que lê, porque não adianta nada decifrar e não ter uma
leitura compreensiva”, salienta Mazé. Além das leituras em sala de aula, a
especialista afirma que os professores podem apostar em formatos que as
crianças se interessem e se envolvam, como pedir para elas gravarem vídeos ou
áudios lendo.
Leia também: Qual é o papel da escola na formação de leitores?
Outras propostas de leitura para ir além
Além dos projetos que duram o ano todo, também é possível manter outras
práticas de leitura com a turma. Vanessa costuma realizar momentos coletivos
em sala de aula, além de levar os estudantes para ambientes externos, onde
podem escolher livros para se aventurarem. Quando outras demandas apertam
o planejamento, como as avaliações externas, a professora opta por textos
mais curtos, como parlendas e trava-línguas, mas não deixa a prática de lado. Já
Juliana conta que mantém o cantinho da leitura disponível para os estudantes,
além de realizar idas à biblioteca da escola e de narrar histórias para eles.
Além dessas atividades, Mazé afirma que é possível desenvolver projetos de
leitura para trabalhar a interdisciplinaridade, envolvendo também outros
componentes curriculares. Ela exemplifica uma iniciativa utilizando o livro
Abecedário de aves brasileiras, que traz informações básicas de um pássaro
para cada letra do alfabeto. A partir da leitura dessa obra, a especialista sugere
que o professor proponha um projeto articulado com Ciências, no qual, por
exemplo, os estudantes identifiquem aves no entorno escolar e criem novos
verbetes similares aos apresentados no livro.
Outra possibilidade é promover uma produção coletiva a partir da leitura de um
livro que os estudantes tenham gostado muito, seja mudando o final ou criando
uma história completamente nova. “O legal é ir inovando, as práticas precisam
variar”, indica Mazé. Ela orienta que os professores aproveitem todos os
materiais de que a escola dispõe, como assinatura de jornais, biblioteca ou os
textos literários do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) para realizar
atividades diversas de leitura.

Sugestões de atividades envolvendo os


campos de atuação da BNCC
Mazé sugere propostas de leitura com os quatro campos de atuação
presentes na Base
Vida cotidiana: neste campo estão textos da cultura popular, como
parlendas, antologias, adivinhas, trava-línguas e cantigas de roda, que
são fáceis de decorar e envolvem danças e brincadeiras. O primeiro
passo para trabalhar com esses gêneros é justamente garantir que as
crianças conheçam as brincadeiras, ritmos e danças, fazendo cumprir a
função social da leitura. Decorados os trechos, podem surgir uma série
de atividades, como pedir que os alunos apontem palavras conforme
leem os trechos, localizem expressões que o professor indicar,
transcrevam o texto de memória (atividade mais indicada para o 2º
ano) e façam paródias, trocando palavras.
Artístico-literário: aqui entram, por exemplo, textos em prosa, além
de poemas e quadrinhos. É possível organizar as crianças em
pequenos grupos, para que umas possam ler para as outras, sempre
se auxiliando. O professor também pode contar histórias mais
complexas, como contos de fadas. Uma dica é dividir o livro e ler um
trecho por dia, aumentando a curiosidade. “Essa prática dá uma
espécie de horizonte para as crianças de que se elas conseguirem
vencer essa etapa de aprender o sistema de escrita, elas poderão ler
obras maravilhosas”, aponta Mazé.
Vida pública: a partir do 2º ano, é interessante inserir na rotina a
leitura de textos jornalísticos, publicitários ou de curiosidades
científicas, por exemplo. Isso permite tanto o envolvimento de crianças
que não gostam tanto de textos ficcionais, quanto o desenvolvimento
de outras habilidades relacionadas ao letramento midiático.
Práticas de estudo e pesquisa: é possível trabalhar com leituras de
infográficos, mapas e roteiros para experimentos, entre outros. Dessa
forma, é bastante natural a interdisciplinaridade entre Português e
outros componentes curriculares, como História, Geografia e Ciências,
a depender do assunto abordado. “Quando o professor está
trabalhando outros componentes, ele está trabalhando também a
leitura. Se a turma estiver lendo, por exemplo, um infográfico sobre o
corpo humano, as crianças também estarão lendo as palavras e
envolvidas nessa dimensão do ‘ler para aprender’, o que faz muito mais
sentido”, afirma Mazé.

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