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diversificadas-para-consolidar-a-alfabetizacao-no-3-ano
Publicado em NOVA ESCOLA 01 de Novembro | 2022

Recomposição de aprendizagens

Como construir atividades


diversificadas para
consolidar a alfabetização
no 3º ano
Ações de recomposição de aprendizagens devem
contemplar os diferentes níveis de conhecimento dos
alunos e garantir o avanço de todos
Paula Salas

A professora Sandra Granzotti utiliza, desde o início do ano, atividades


diversificadas e agrupamentos produtivos como estratégias para fazer a
recomposição das aprendizagens de sua turma de 3º ano. Foto: Lana
Pinho/NOVA ESCOLA
“A cobra não tem pé. A cobra não tem mão. Como é que a cobra sobe no
pezinho de limão? Vai se enrolando. Vai, vai, vai…” Trechos dessa cantiga
popular são lidos em voz alta por alunos do 3º ano do Ensino Fundamental na
EMEF Conde Luiz Matarazzo, em São Paulo (SP).
Sandra Granzotti, professora da turma, solicita que eles identifiquem algumas
palavras do texto. Alguns estão mais confiantes que outros, mas todos fazem o
exercício. Ao final, realizam mais uma leitura em voz alta, todos juntos. A
atividade é uma introdução para retomar um projeto sobre serpentes que vem
sendo desenvolvido nas últimas semanas.
Ela então explica três atividades com diferentes graus de dificuldade que serão
feitas em seguida. Uma dupla tem o desafio de montar a frase inicial da cantiga
utilizando letras móveis. Dois grupos escrevem uma ficha técnica sobre um tipo
de cobra, e seis duplas e um trio produzem um texto, no formato “você sabia?”,
com base em outro texto informativo oferecido por Sandra. Conforme os
grupos finalizam as tarefas, eles trocam e revisam a produção dos colegas.
Enquanto as crianças trabalham de forma colaborativa, Sandra circula pela sala
tirando dúvidas e apoiando o desenvolvimento das propostas.
Estratégias como essa foram um dos caminhos encontrados pela educadora
para garantir o avanço de todos os alunos. No início do ano, eles estavam com
uma grande defasagem na alfabetização.
Alfabetização: o que está previsto na BNCC
As habilidades previstas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para o 3º
ano do Ensino Fundamental pressupõem que o aluno já domina o sistema de
escrita alfabética. “Começa a ser um trabalho de reflexão ortográfica com foco
nas regularidades”, explica Maria José (Mazé) Nóbrega, consultora pedagógica,
formadora de docentes na área de Língua Portuguesa e professora de pós-
graduação do Instituto Vera Cruz, em São Paulo (SP). É esse o foco dos livros
didáticos que os professores têm à disposição para apoiar sua prática.
Por isso, no contexto atual, de enfrentamento das defasagens deixadas pela
pandemia e de ações de recomposição de aprendizagens, muitos educadores
não têm encontrado atividades adequadas nos materiais de apoio. “O livro do
3º ano trabalha textos mais avançados do que as necessidades dos estudantes,
por isso precisei montar materiais para atender às necessidades dos alunos”,
compartilha Margarete Lavôr, professora da rede municipal de Picos (PI).
Garantir a consolidação da alfabetização torna-se a prioridade do trabalho
docente. Somando-se a esse desafio, os educadores sentiram na prática as
desigualdades no acesso ao ensino remoto. Turmas que já eram heterogêneas
– e é esperado que sejam assim – tornaram-se ainda mais diversas. Desse
modo, o professor pode se deparar com crianças em um nível pré-silábico e
outras que já estão em um patamar esperado para o 3º ano, ou seja, já estão
alfabéticas.
Tendo isso em vista, convidamos Selene Coletti, educadora com mais de 40
anos de experiência, colunista do site da NOVA ESCOLA e consultora desta
reportagem, para elaborar um banco com nove atividades que podem ser
utilizadas com crianças do 3º ano do Fundamental para avançar na
alfabetização. Também trouxemos sugestões de agrupamentos e de como
adaptar as propostas para atender às diferentes necessidades dos estudantes.
Na introdução, você encontrará mais detalhes de como utilizar o material.
BAIXE O BANCO COMPLETO
BAIXE AS ATIVIDADES INDIVIDUALMENTE
Sugestões para a recomposição de aprendizagens e
para consolidar a alfabetização

Em um projeto sobre cobras, Sandra propôs às duplas três tipos de atividades.


Uma delas consistia em fazer uma produção conjunta de uma ficha técnica a
partir de um texto informativo apresentado em sala. Foto: Lana Pinho/NOVA
ESCOLA
A BNCC dá algumas pistas do caminho a seguir. “Todo o trabalho deve
contemplar a dimensão do letramento e os diferentes usos da língua [com
textos reais, ligados a diferentes campos de atuação]”, diz Mazé. Mesmo para
quem está em um nível inicial da alfabetização, é importante partir de um texto
real, ainda que, depois da leitura, o professor retire palavras do contexto para
focar em um aspecto da escrita.
Esse trabalho não tem como objetivo acabar com a heterogeneidade da turma.
“As diferenças são características do ser humano, e querer eliminá-las é uma
luta vã. A ideia é que todos estejam aprendendo juntos, que possam crescer a
partir de onde estão”, destaca Mazé. Por isso, é importante estimular o trabalho
colaborativo e explorar os agrupamentos produtivos. “Crianças amam ajudar.
Quem está mais avançado pode atuar como monitor para auxiliar o colega a
encontrar a resposta”, afirma a especialista.
Uma estratégia sugerida por Mazé está baseada nos estudos de Delia Lerner. É
a ideia de movimento ascendente, que parte de um trabalho mais
individual/pessoal e vai para o coletivo, e descendente, que faz o oposto. “Se o
professor quer conhecer o que a criança sabe, o ascendente é interessante. Se
vai trabalhar um texto mais complexo, é legal começar no coletivo”, aponta. O
ideal, para a formadora, é mesclar os dois.
A professora Sandra também recomenda alternar momentos em grupo e
outros nos quais o aluno está sozinho, pois é uma forma de enriquecer o olhar
do professor e o acompanhamento do estudante. “Eu comecei com um trabalho
mais individualizado e depois percebi que as duplas produtivas eram muito
mais ricas.”
Como acontece na prática: duas realidades
diferentes
No início do ano letivo, Sandra encontrou uma turma de 3º ano do
Fundamental na qual a maioria dos alunos estava em um nível pré-silábico, com
alguns que sequer reconheciam as letras. Por isso, o primeiro passo foi fazer
um bom diagnóstico para pensar no planejamento. Hoje, apenas dois
estudantes ainda estão em nível silábico com valor sonoro. “Tem dado
resultado. Meu objetivo é terminar o ano com todos alfabetizados”, conta ela,
que já está bem próxima de alcançar essa marca.
Já Regilane Gava, professora de 3º ano do Fundamental na EMEB Profª Cibelia
Teixeira Zippinoti, em Cachoeiro de Itapemirim (ES), assumiu um novo desafio
em junho deste ano. As crianças apresentavam uma grande defasagem, e o
desenvolvimento das ações de recomposição de aprendizagens foi prejudicado
pela troca de professoras – Regilane foi a terceira este ano.
Com apenas alguns meses de trabalho, a professora percebe que os alunos
estão avançando aos poucos. Uma parte ainda está no início da alfabetização,
alguns em fase silábica com valor sonoro, e duas alunas já estão alfabetizadas e
são leitoras fluentes. “No 4º ano, sabendo que eles conseguiram [atingir] esse
[nível] básico, o próximo professor irá retomar e continuar avançando.”
Com realidades diferentes, as práticas de Sandra e Regilane têm pontos em
comum. Ambas investem no trabalho colaborativo, em momentos coletivos que
exploram a oralidade e com propostas diversas para atender às diferentes
necessidades de aprendizagem.
Atividades diversificadas
A professora Sandra diz que pensa muito na questão da motivação dos alunos
ao escolher essa estratégia. “Quando não conseguem fazer as atividades, eles
se sentem desmotivados. Por isso, comecei a fazer um planejamento com
propostas diferentes para cada nível.”
No início do ano, ela lembra que chegou a preparar cinco tipos de atividade
para contemplar todos os alunos. Hoje, tem um número menor de versões, mas
ainda vê a importância de garantir propostas mais personalizadas. No início
desta reportagem, contamos um exemplo de atividade realizada em outubro
com três propostas diferentes.
Os alunos em nível silábico têm o desafio de montar, utilizando letras móveis,
um verso da cantiga trabalhada com toda a turma no início da aula. Foto: Lana
Pinho/NOVA ESCOLA
Já Regilane conta que uma de suas estratégias é explorar diferentes gêneros
literários com atividades diversas, focadas em leitura, escrita e interpretação de
texto. “Procuro um livro para trabalhar e tenho o planejamento de uma semana
para abordar todos os objetos de conhecimento elencados.” O mesmo objeto
de conhecimento pode ser explorado em diferentes níveis. Por exemplo, no
estudo do gênero receita, os alunos que estão em um estágio mais inicial
podem focar na lista de ingredientes. “Para quem já está lendo, posso usar uma
receita mais complexa, com mais informações.”
Com toda a turma: propostas orais e intervenções
específicas
Ainda que existam diferentes necessidades de aprendizagem, o professor
também deve garantir momentos em que todos possam participar – no banco
de atividades acima você encontrará algumas sugestões. Uma forma é propor
uma produção coletiva, no qual o educador torne-se o escriba e os alunos
ditem e construam de forma oral o texto. “Quando o professor assume essa
posição, os alunos focam em pensar nas características do gênero textual, o que
já escreveram, o que falta e como escrever”, detalha Mazé.
Ainda que uma proposta seja igual, a resolução ou até mesmo a interpretação
oral de um texto não será a mesma. “Quem já tem domínio consegue ter uma
interpretação de texto diferente de quem está no início da alfabetização”,
acrescenta Regilane.
Geralmente, como a discussão coletiva costuma ser conduzida por alunos com
mais proficiência ou que são mais comunicativos, a mediação do educador é
fundamental. Ele deve garantir que todos tenham a oportunidade de participar.
“Quando estou fazendo uma atividade oral, planejo intervenções para cada nível
de conhecimento”, exemplifica Regilane. Essa ideia de pensar em diferentes
abordagens para uma mesma proposta também está presente na prática de
Sandra. Por exemplo, propostas com letras móveis podem servir para alunos
em diferentes estágios da alfabetização.

Acompanhamento constante
Ter um processo de avaliação contínuo é essencial para o
planejamento das ações de recomposição de aprendizagens
A forma de avaliar uma habilidade trabalhada com atividades
diferentes também deve ser variada. Uma boa estratégia é pensar em
rubricas de avaliação para cada um dos níveis de conhecimento – veja
esta reportagem sobre como construir bons instrumentos avaliativos
nos Anos Iniciais. “Com base no currículo da escola, deve-se ter clareza
do que é esperado para cada ano, fazer um acompanhamento próximo
e comunicar para os professores do ano seguinte o que foi ou não
possível desenvolver [essas informações ajudarão a planejar as
aprendizagens em 2023]”, sugere Mazé.
Durante a atividade, é importante circular pela sala para perceber os
comentários das crianças, suas trocas e dúvidas – e, assim que possível,
registrar suas impressões. “Uma boa intervenção depende de um
professor que compreenda o que está por trás daquilo que a criança
está falando ou escrevendo. Se não for uma resposta esperada,
busque entender o raciocínio [que ela teve ]. Não é uma bobagem, ela
pensou algo para colocar aquilo. Sem isso, é difícil ajudar”, diz Mazé.
Na sala de aula de Sandra, a avaliação é contínua e diária. “A sondagem
não é só uma atividade na folha de papel. Eu faço toda semana
observando o aluno [em sala de aula], a sua participação e o caderno”,
relata. Ela utiliza essas evidências para verificar os avanços, planejar os
passos seguintes e as intervenções e, quando necessário, retomar
algum conteúdo que ainda não foi plenamente desenvolvido. A
educadora também trabalha com uma perspectiva de “recuperação
contínua”. Na sala de aula, há um trabalho permanente de retomar
conteúdos para garantir o entendimento de todos os alunos e não
permitir que a defasagem se torne uma bola de neve.

Fora do período regular da sala de aula


Entre as ações de recomposição de aprendizagens, a rede municipal de Picos,
no Piauí, está com um projeto voltado para a consolidação da alfabetização com
atividades no contraturno. Uma das professoras que participaram da iniciativa é
Margareth Lavôr. Hoje ela tem duas turmas: uma tem alunos do 3º e 4º ano na
UE Pedro de Barros Galvão; a outra, estudantes do 1º ao 3º ano na EM Pedro
Cardeal – ambas no município de Picos.
Inicialmente, os professores regulares fizeram um diagnóstico de como estava a
aprendizagem dos alunos e de quem apresentava mais dificuldades e poderia
se beneficiar da iniciativa. “Fizemos um material próprio. Começamos desde o
início [da alfabetização] e fomos percebendo as necessidades de cada um”,
explica a professora. Também foi realizado um trabalho com as famílias para
entender o contexto de cada aluno e envolvê-los no projeto.
Entre as atividades nas quais ela observa melhores resultados estão as mais
práticas. “Não trabalhamos o material da sala de aula, utilizamos jogos e
dinâmicas que permitam que cada criança avance”, salienta Margareth. A
educadora também destaca a importância de utilizar aspectos da região, que
fazem parte da realidade dos estudantes. “Contextualizar é trazer
primeiramente o que eles conhecem para que possam refletir. Por exemplo,
quando eu falo de uma fruta, como a acerola, eles vão contar que na casa da
avó tem um pé ou que já tomaram o suco. Depois, eu posso falar sobre a
vitamina C. Eu parto de algo que eles conhecem para apresentar o conteúdo
que desejo abordar.”
O planejamento é realizado em parceria com todos os professores que
participam do projeto. No entanto, cada docente avança respeitando o ritmo da
sua turma e, se necessário, desenvolvendo outras atividades. “Não preparamos
uma atividade para o 3º ou 4º ano, mas uma para desenvolver naquele dia com
algumas alternativas [considerando que os alunos apresentam níveis de
conhecimento diferentes]”, afirma Margareth. Em momentos de trabalho em
grupo, ela utiliza como critério as necessidades de cada um.
A rotina do projeto sempre começa com um momento em roda, no qual os
alunos compartilham algo com os colegas ou com a professora, fazendo uma
leitura e propondo uma discussão em grupo. “Depois, vamos puxando [a
conversa] para o que vamos trabalhar naquele dia”, conta. A proposta principal
do dia pode ser individual ou em grupo. Aos poucos, todos estão avançando na
direção de alcançar o objetivo da iniciativa: garantir a alfabetização de todos
sem deixar ninguém para trás.

Consultoria pedagógica: Selene Coletti, professora na rede pública há 40 anos,


colunista do site da NOVA ESCOLA e vice-diretora da EMEB Philomena Zupardo,
em Itatiba (SP).

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