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https://novaescola.org.br/conteudo/21197/como-conduzir-a-recomposicao-de-
aprendizagem-no-9-ano
Recomposição de aprendizagens
Linaldo Luiz de Oliveira preza por atividades dinâmicas, interdisciplinares e que valorizam a
cultura local de Mogeiro (PB). Crédito: Julio Cezar/NOVA ESCOLA
Em 2005, quando Linaldo Luiz de Oliveira ingressou como aluno na EMEF Iraci Rodrigues de Farias
Melo, em Mogeiro (PB), provavelmente não imaginava que, duas décadas mais tarde, estaria no
mesmo espaço como professor de Ciências da Natureza das turmas do 9º ano, enfrentando os desafios
da recomposição de aprendizagens em um período pós-pandêmico. O professor, que é mestrando em
Ecologia e Conservação pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), propõe solidificar o
conhecimento e diminuir atrasos no aprendizado envolvendo os alunos em práticas do cotidiano.
“Para que o estudante compreendesse os conteúdos que ele via em frente à câmera, comecei a usar
elementos do dia a dia, mesmo antes da volta [ao modelo] presencial. Sempre busquei atividades que
tivessem contextualização”, conta Linaldo, um dos vencedores da edição 2021 do Prêmio Educador
Nota 10. “Em casa, por exemplo, eu pedia para observarem a evaporação da água enquanto
cozinhavam um macarrão instantâneo. Agora, estamos estudando a água e fazendo análises para
preparar um laudo que determine se ela é potável em regiões diferentes da cidade”, explica ele, que
costuma incentivar os estudantes a atuar como profissionais da área de Ciências.
O professor aproximou os estudantes da cultura local organizando entrevistas com familiares que
praticam a caça, atividade tradicional em Mogeiro. “Por meio de questionários desenvolvidos e
aplicados pelas turmas, análise das respostas e construção de suas próprias conclusões, os alunos
viveram uma experiência de pesquisa científica que solidificou o conhecimento sobre a área”, resume.
Linaldo conta ainda que passou a priorizar espécies da fauna e flora da Caatinga para ensinar Ecologia,
além de usar estudos de pesquisadores nordestinos sobre o tema.
Na Iraci Rodrigues de Farias Melo, a equipe gestora e os professores sempre defenderam uma didática
baseada na contextualização do ensino, com as diretrizes da Base Nacional Comum Curricular (BNCC)
muito presentes no planejamento das aulas de todos os componentes curriculares. Por isso, quando
foram lançados os Mapas de Foco, que tinham o objetivo de orientar a flexibilização curricular e a
escolha dos conteúdos durante uma realidade extrema, a escola imediatamente incorporou as novas
referências.
Segundo os resultados da Prova São Paulo, mais de 90% dos alunos do 9º ano da rede municipal de
ensino da capital paulista têm nível de aprendizado abaixo do adequado em disciplinas do currículo
básico de 2021. Os dados foram divulgados pela Secretaria Municipal de São Paulo e indicam uma
piora expressiva em relação a 2019, com Língua Portuguesa sendo o componente curricular mais
prejudicado. Os resultados dos 9º anos das escolas estaduais no estado de São Paulo também são
preocupantes: a média de proficiência em Língua Portuguesa voltou ao patamar de 2017, e a de
Matemática, a um resultado semelhante ao de 2014 (veja aqui).
Marcio Hideo dos Santos, professor de História das turmas do 9º ano da EMEF Modesto Scagliusi, no
Jardim Picurama, zona sul de São Paulo, destaca que a dificuldade nos componentes curriculares
básicos se reflete no desempenho em outras aulas. “Alguns não conseguiram acompanhar desde o
ensino híbrido e agora apresentam dificuldades mais graves na leitura, na escrita e na interpretação.
Sinto que eles estão aéreos”, diz. Patrícia Sarmento, que atua como formadora na Comunidade
Educativa CEDAC, revela que, de acordo com relatos dos professores, os alunos do 9º ano estão muito
mais interessados no retorno da convivência em grupo e nas questões que dizem respeito à sua
sexualidade, pensando que eles estavam no 7º ano quando a pandemia começou.
Outra orientação importante é que cada aluno esteja ciente do processo de recomposição de
aprendizagens. “Como ele está? Para onde está caminhando? Posso citar o exemplo de uma professora
com quem conversei, que fez com que os alunos olhassem para suas próprias avaliações diagnósticas
e entendessem em que ponto estavam. Isso significa ter total consciência do seu aprendizado”, afirma
Patrícia. Há ainda a opção de levar jogos para a sala de aula ou sair do espaço físico habitual: “Todo o
espaço da escola é um espaço para aprender. É válido também visitar parte dos bairros ou ir à cidade.
Estamos retomando não só as aulas presenciais, mas a convivência. Acredito que essas sejam boas
práticas para uma aprendizagem significativa e não mecânica”, diz.
Patrícia reforça que a priorização curricular não pode ficar restrita apenas às habilidades do 9º ano. “É
preciso partir do diagnóstico, olhar também para os anos anteriores e avaliar: ‘O que o meu aluno não
pode sair do Ensino Fundamental sem saber?’. Outro ponto essencial é observar a turma, identificar
quais são os grupos que estão com dificuldades de avançar no conteúdo e precisam ampliar a carga
horária. Se isso não for possível, pela estrutura da escola, posso aplicar atividades complementares
para casa que vão favorecer a aprendizagem”, completa.
Nas aulas de História, Marcio conta que usa um fio temporal para discutir temáticas da atualidade
junto com temas dos anos anteriores. Com foco na recomposição de aprendizagens, a prática contribui
para retomar assuntos que já deveriam ter sido aprendidos em anos anteriores de forma mais
dinâmica, sem a necessidade de concentrar apenas um tema em cada aula. “Inicialmente, realizei uma
avaliação diagnóstica, com questões que eles puderem responder livremente, além de bate-papos nos
quais algumas dificuldades foram citadas. Então, baseado no nosso projeto político-pedagógico, fui
buscando temas atuais para voltar ao passado. A Guerra da Ucrânia, por exemplo, possibilitou uma
discussão sobre a 2ª Guerra Mundial. Consegui fazer um paralelo com a Rússia, trazer vídeos, podcast,
charges e usar o livro didático, mas sempre oferecendo outros conteúdos”, explica. A possibilidade de
ter várias camadas históricas interligadas e trabalhadas ao mesmo tempo pode ainda facilitar a
construção de novos conhecimentos.
Trabalhar com agrupamentos e enfoque na interação entre os alunos é uma alternativa para
a recomposição de aprendizagem. Crédito: Julio Cezar/NOVA ESCOLA
O resgate de habilidades também pode ser feito com ajuda de um bom trabalho interdisciplinar,
incentivado nas atividades da Iraci Rodrigues de Farias Melo, onde Linaldo leciona. “É muito comum
trabalhar em colaboração durante os projetos. Posso ensinar cálculo de massa na minha aula, mas em
Matemática eles aprendem de que forma as quatro operações básicas facilitam essa aplicação. Temos
calculado a massa com sobras da merenda escolar. Depois de pesar essas sobras, a gente usa nos
biodigestores que vão produzir adubo para agricultores locais”, completa. Utilizar as operações
matemáticas para cálculos que interferem em soluções práticas faz com que os estudantes vejam
sentido naquele conhecimento.
1. Faça um diagnóstico e identifique quais habilidades de anos anteriores não foram aprendidas
pelos estudantes;
5. Dê ao aluno ferramentas para entender em que ponto está e o que ainda é necessário aprender;
6. Não fique restrito à sala de aula – varie os espaços de aprendizagem levando os estudantes a
outros ambientes na escola ou a lugares nas proximidades;
7. Peça que façam em casa atividades complementares que ajudem a recompor as aprendizagens.
Dessa forma, a volta do cotidiano pós-pandêmico envolve questões profundas, relacionadas tanto aos
conteúdos curriculares que não foram acessados pelos alunos quanto à perda dos hábitos de estudo.
No entanto, segundo Carolina, o grande desafio é identificar se os professores têm base e apoio para
restabelecer essas necessidades. “O ideal é que houvesse um centro de formação para o professor em
cada município, para que ele fosse apresentado a estratégias eficazes. Mas ainda não temos uma
cultura de formação continuada no Brasil. Ela é pontual e às vezes muito genérica. Mesmo que agora
existam mais lugares para buscar informação, falta uma orientação direcionada”, comenta.
O exemplo dado por Marcio mostra que os desafios do professor no cenário pós-pandemia não estão
apenas no campo da recomposição das aprendizagens. Patrícia, da Comunidade Educativa CEDAC,
destaca que o retorno ao ambiente escolar é um momento de reorganização dos contratos da
convivência em grupo, principalmente para os Anos Finais do Ensino Fundamental: “É um novo
contexto para o estudante, no qual ele precisa se reinserir na rotina e reaprender a se relacionar.
Nessa hora, é necessário haver muita escuta e atenção por parte do professor”, conclui.
Esta reportagem faz parte do projeto Recomposição de Aprendizagens nos Anos Finais do
Fundamental. Confira os demais conteúdos realizados em parceria com o Instituto CSHG e
Fundação Telefônica.