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O Efeito Das Crenças Dos

Professores De Língua Inglesa Na


Escola Pública

Fábio Luiz Villani [1]

RESUMO
Este artigo pretende apresentar e discutir algumas crenças dos professores
de língua inglesa que podem justificar alguns fracassos de sua atuação
em sala de aula. O objetivo deste artigo é refletir sobre essas crenças e
compreendê-las, percebendo que a raiz delas pode ser a forma de ensino
que esses professores tiveram nos cursos de línguas.
Palavras-chave: Professores de inglês; crenças; ensino-aprendizagem

T he effect of the E ncglish language teachers ' beliefs on


public school

A bstract
This article intends to present and discuss some English Teachers
beliefs that could justify some failures on their classroom acting.
The target of this article is to reflect and understand these beliefs
and to comprehend that the source of them could be the way they
were taught in language courses.
Key words: English Teachers; beliefs; learning-teaching

[1] Doutor pela PUC de São Paulo no Programa de Lingüiística Aplicada e Estudos da Linguagem (LAEL)
e Pós-doutorando pelo mesmo programa. Formador de professores de Inglês da Rede Pública Estadual,
Diretor de Elscola da rede pública municipal de São Paulo e Docente do curso de letras das Faculdades
Integradas Torricelli de Guarulhos

Revista Múltiplas Leituras, v.1, n. 2, p. 141-155, jul. / dez. 2008


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El efecto de las creencias de los maestros de lengua inglesa


en la escuela pública

R esumen
El presente artículo pretende presentar y discutir algunas creencias
de los maestros de inglés que podrían justificar algunos fracassos
de su actuación en la classe. Su objetivo es reflejar y comprender
estas creencias y percibir que su origen pode ser el modo por lo cual
fueran enseñados en los cursos de idiomas.
Palabras clave: Maestros de inglês - Creencias - Enseñanza - Apren-
dizaje

INTRODUÇÃO
O presente artigo pretende discutir algumas crenças que envolvem o
trabalho do professor de língua inglesa e como essas crenças os afetam
diretamente na atuação em sala de aula.
Acima de tudo, o que pretendemos refletir, por meio deste trabalho,
é como “surgem” as crenças que afetam, muitas vezes de forma negativa,
a atuação dos professores da rede pública estadual paulista, que foram
focos deste estudo.
Para o estudo das crenças e suas repercussões, nos servimos de uma
bibliografia para amparar nossas reflexões com o intuito de compreender
a relevância do estudo das crenças no âmbito educacional. Conforme
afirmado por Freire (2006, p. 9),

toda bibliografia deve refletir uma intenção fundamental de quem elabora: a


de atender ou a de despertar o desejo de aprofundar conhecimentos naque-
les ou naquelas a quem é proposta. Se falta, nos que a recebem, o ânimo
de usá-la, ou se a bibliografia, em si mesma, não é capaz de desafiá-los, se
frustra, então, a intenção fundamental referida.

É o desafio que nos impomos e que impomos aos leitores: Um “


mergulho ” no mundo das crenças dos professores de língua inglesa de
uma Diretoria de Ensino da Rede Estadual Paulista.
Acreditamos que a importância do estudo aprofundado das crenças,
que envolvem a atuação dos professores da Rede Pública Estadual Paulista,
seja um campo inesgotável, haja vista que são elas que, muitas vezes, im-
pedem avanços significativos nos trabalhos de formação e atualização dos

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professores, assim como seu trabalho com os alunos, dos educadores que
compõem a grande massa das escolas públicas paulistas que contemplam o
maior número de professores, neste caso, de língua inglesa em atuação.

1- F undamentação T eórica
O estudo das crenças dos educadores

Que as crenças, de modo geral, são historicamente constituídas nin-


guém mais duvida.
O próprio conceito de crenças é tão antigo quanto nossa existência, pois,
desde que o homem começou a pensar, ele passou a acreditar em algo.
Uma formação inicial nos cursos universitários, muitas vezes deficien-
te e sem um programa sério e continuado de capacitação dos professores
de língua inglesa que atenda a todos, dentro das Diretorias de Ensino da
rede pública estadual, por exemplo, tem corroborado para a sedimentação
de muitas práticas não condizentes com as tendências mais recentes de
ensino inclusivo e significativo, reforçando, cada vez mais, crenças sem
nenhum tipo de respaldo teórico ou prático. Cabe ressaltar que na Rede
Pública Estadual Paulista um meio de capacitação contínua dos professo-
res de língua inglesa é o curso Reflexão Sobre a Ação, um convênio da
PUCSP com a Cultura Inglesa que, por questões burocráticas ou de falta
de divulgação dentro da própria Rede, muitas vezes, ainda não atende à
totalidade dos professores. Há também outros cursos de capacitação lingü-
ística, feitos a distância, que pelos mesmos motivos citados, ou pela falta
de habilidades do professor com a linguagem do computador, terminam
por não possuir um grande público.
Conforme Rocha (2002), as crenças são presunções ou convicções so-
bre os mais diversos objetos e são defendidas e apoiadas por uma ou mais
pessoas, sendo estáveis e portadoras de elementos avaliativos e afetivos que
influenciam muitas das decisões do sujeito. As crenças educacionais, em
especial a dos docentes são, desse modo, convicções a respeito dos vários
assuntos que dizem respeito à educação e se revelarão nas comunicações,
nas ações e nos comportamentos do educador em sua prática cotidiana.
Manter uma rotina de aulas focadas no ensino da gramática, pensar
que saber a língua “corretamente” antecede ao “ter permissão de usá-la”,
que é impossível aprender inglês nas salas regulares da escola pública,
que os alunos não gostam de aprender inglês por saber que a sala de aula
não é o espaço para seu aprendizado, que aprender inglês é aprender a

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falar (seja lá o que isso signifique!), que os professores não ensinam a


língua por não serem proficientes no idioma que ensinam, que a falta do
livro didático de língua inglesa (não privilegiado nas indicações do PNLD
– Programa Nacional do Livro Didático) impede o trabalho do profissio-
nal; são exemplos das crenças que os professores trazem para o contexto
escolar e que são reproduzidas em sala de aula sendo perpetuadas pelo
grupo envolvido: professores, alunos, coordenadores, diretores, colegas
educadores e familiares.
Todos, enfim.
Mudar o que se acredita piamente, mesmo sem nem sabermos bem
o porquê, sempre causa em cada um de nós um sentimento de incerteza,
medo, que pode se apoderar das pessoas que estão passando por esse pro-
cesso, já que deixamos de lado algo conhecido, com que sabemos lidar,
para encararmos novidades de que, nem sempre, conseguimos nos apropriar
em um primeiro momento.
Podemos qualificar “o que o professor acredita” como crenças, con-
cepções, representações, percepções ou outros sinônimos destes vocábulos.
Optamos, neste trabalho, pelo termo crença, mas poderíamos usar qualquer
um dos termos citados ou, até mesmo, nos atrever a criar um termo que
qualificasse tais “verdades” reproduzidas pelos educadores em questão.
A importância das crenças no processo de ensino e aprendizagem de
línguas está relacionada à compreensão das ações ou do comportamento
dos aprendizes ou professores de línguas.
As crenças que os professores possuem orientam suas práticas de sala
de aula, influenciando diretamente na forma como o professor gerencia
suas atividades com vista a cumprir sua função enquanto educador.
O gerenciamento de sala de aula é visto como uma série de ativi-
dades do professor para organizar, direcionar e controlar a rotina de sala
de aula a fim de atingir os objetivos instrucionais e do currículo. Há uma
lógica linear por trás dessa visão que vê o gerenciamento de sala de aula
como um meio de criar as necessárias condições para que o ensino ocorra
(Wright, 2006, p. 69).
Segundo o mesmo autor (2006, p. 69-70), “o gerenciamento de sala
de aula tem sido mais freqüentemente focado em métodos mecânicos do
que na visão de sala de aula como um sistema interativo complexo das
demandas pessoais, sociais e cognitivas”.
Assim, o gerenciamento de sala de aula inclui a criação de relacio-
namentos positivos entre o professor e o aluno pelo uso de estratégias

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que correspondam às expectativas individuais e do grupo pela criação de


oportunidades positivas a todos os envolvidos.
De acordo com Tseng e Ivanic (2006, p. 139),
as crenças dos professores são moldadas por sua história social,
política, crenças culturais e práticas através de suas histórias biográficas,
treinamentos pré-serviço, atividades de ensino e experiências profissionais.
As crenças dos professores permeiam o conhecimento dos professores e
afetam seu comportamento na sala de aula.
Conforme Garbuio (2006, p. 91), as crenças dos professores podem
estar baseadas nos treinamentos que tiveram, nas suas experiências de
ensino ou ainda enquanto aprendizes de uma língua. Esses autores afirmam
que as crenças podem ter origem em: experiências enquanto aprendizes
de uma língua; experiência com relação ao que proporciona melhores
resultados e preferências estabelecidas na prática.

P rincípios baseados em uma abordagem ao método


Definir “crenças”, de fato, não é uma tarefa simples. Talvez uma
forma mais concreta seja compará-la com o termo “conhecimento”.
Poderíamos conceituar o conhecimento como o resultado de uma
pesquisa científica, a partir de dados provados empiricamente. Crença,
por sua vez, poderia ser caracterizada como conhecimento implícito que
se carrega, não elaborada a partir de uma investigação sistemática.
É a partir dessa distinção que se pretende analisar, neste estudo, formas
de se refletir sobre as crenças que o grupo de professores de língua inglesa
possui e descobrirmos, conjuntamente, formas significativas de desenvolver
um trabalho coerente e coeso a partir de estudos contemporâneos.

A influência das crenças acerca da proficiência lingüística na


atuação do educador
A falta de proficiência lingüística representa, sem dúvida, uma limi-
tação no desempenho eficiente do professor, mas não é a única e, talvez,
nem mesmo a mais importante dentro de todo um rol de competências que
um bom professor de língua inglesa deveria possuir para que tivesse um
bom desempenho em sala de aula.
Aprender uma língua estrangeira sempre representou prestígio. Quem
possui o domínio de uma língua estrangeira é sempre visto e tratado com
deferência no grupo em que está incluído.
Na visão da maioria das pessoas, o domínio de uma língua estrangeira
é sempre associado a falar uma língua com desenvoltura, isto é, falar bem

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sem gaguejar, sem precisar refletir sobre como e o que vai dizer e sem co-
locações consideradas inadequadas. Na visão tradicional das pessoas, isso
é associado a ser proficiente, ser fluente. Nesse caso, caberia ao aprendiz
de língua estrangeira fazer o possível para se aproximar da competência
lingüística do falante nativo [2].
Conforme Bertoldo (2003, p. 88-89),

é importante ter em vista também que há produções na área da lingüística que


problematizam essa noção de falante nativo como o parâmetro a ser seguido
e não um dos parâmetros possíveis a serem considerados em uma situação
determinada... reforçam a idéia de falante nativo como aquele que sabe sua
língua, que apresenta sobre sua língua um controle tal que lhe permite, por via
de regra, ser espontâneo, escrever criativamente... essa postura diante do falante
nativo retrata uma noção de sujeito ideal, transcendental, o que faz dele um
mito, supostamente isento de qualquer impureza que pudesse contaminá-lo.

Não é de se estranhar, por esse motivo, que o ensino ou aprendizagem


de língua inglesa, no caso ora apresentado, ainda leve muitos professores
e muitos alunos a se sentirem envergonhados da sua própria condição
lingüística de falante de uma língua estrangeira.
De acordo com Barcelos (2007, p. 118-119),

a crença de que se deve falar com sotaque britânico ou americano pode


ter a ver com o contexto sócio-econômico no qual vivemos, onde pessoas
importantes, pais e professores que admiramos transmitiram a mensagem
que para ser respeitado e admirado como professor e aluno (identidade e
emoção) é preciso falar assim e que é apenas “lá” que se aprende... é o
mito do falante nativo, a valorização da temporada no exterior presente na
sociedade brasileira, a adoração por tudo o que é estrangeiro.

Durante muito tempo deixou-se de lado, nas salas de aula de língua


estrangeira, o fato de que outros elementos também fazem parte da rotina
de ensino-aprendizagem de inglês.

[2] De acordo com Bertoldo (2003, p. 88), o falante nativo é entendido como aquele que sabe sua língua
perfeitamente bem, podendo servir como um parâmetro ou mesmo uma autoridade para dizer aquilo que
está ou não correto em termos da fala e/ou gramática da língua.

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O “ peso ” das crenças na constituição dos falantes de inglês


como língua estrangeira
As crenças que os professores de língua inglesa possuem refletem,
de forma muito acentuada em sua performance em sala de aula, escolhas
que fazem nas formas de abordar o conteúdo proposto selecionando o
que “sabem*” e deixando de lado *“o que sabem menos” ou “ não têm
segurança ao abordar ”.
A falta da desejada fluência sempre é motivo de constrangimentos
aos professores do grupo que atua no ensino de língua inglesa nas esco-
las públicas, porque se sentem excluídos dos que os próprios qualificam,
muitas vezes, de professores eficientes.
Isso significa que, apesar dos inúmeros estudos acerca do que pode
ser considerado o “bom inglês”, ainda prevalece a crença de que somente
um falante nativo pode ser um bom professor e que pode oferecer, por
exemplo, aos educadores da Rede Pública Estadual em questão, um pas-
saporte para que boas aulas sejam ministradas.
Esta questão torna-se especialmente interessante quando levamos em
consideração as variedades de pronúncias e sotaques, pela globalização
da língua inglesa, ao redor do mundo. Fala-se inglês nos Estados Unidos
e na Inglaterra, mas também fala-se inglês em Singapura, no Canadá, no
Caribe e em países africanos. Todos são considerados NS [3] , mas pos-
suem diferenças legítimas na forma como utilizam e lidam com a língua
na vida cotidiana. Qual o “melhor inglês ”? Este não é, com certeza, o
cerne da questão.
O melhor inglês é apenas um componente do imaginário coletivo das
populações que usam a língua inglesa como língua estrangeira.
Poderíamos comparar estas variedades lingüísticas dos falantes de
língua inglesa ao redor do mundo com as variedades lingüísticas que pos-
suímos dentro de nosso próprio país, comparando as diferentes pronúncias
do sul, sudeste e norte e nordeste do Brasil. Todos falamos a mesma língua,
mas com uma grande variedade de sotaques e até mesmo de vocábulos.
Dentre essa variedade, desde que enquadrada na norma culta da lin-
guagem, há como qualificarmos o que é correto e o que é inadequado em
relação a sotaques e signos lingüísticos diferentes? Me parece que não!

[3] Native Speaker(s)

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Em relação à língua utilizada pelos professores no contexto de aula


de língua inglesa, qual o melhor inglês? O britânico ou o americano? E
as demais variedades dentro da língua inglesa?
Esta acaba sendo uma discussão até mesmo secundária a partir do
momento em que o grande temor da maioria dos professores pesquisados
é se alguém vai testar o seu grau de conhecimento na língua-alvo, sua
proficiência na língua inglesa nos encontros de atualização.

É o que discuto imediatamente após algumas considerações acerca da


metodologia de coleta dos dados que serão aqui apresentados.

M etodologia de análise dos dados gerados

A pesquisa qualitativa etnográfica


Optamos por realizar uma pesquisa qualitativa de cunho etnográfico
para melhor compreender o caso em questão, ou seja, as crenças dos pro-
fessores de inglês da Rede Pública Estadual Paulista.
De acordo com Mackey e Gass (2005, p. 167-168)

a pesquisa etnográfica tem como objetivo descrever e interpretar o compor-


tamento cultural, incluindo o comportamento comunicativo de um grupo...
fornecendo uma descrição orientada das práticas culturais dos indivíduos...
um outro princípio importante na pesquisa etnográfica é a abordagem ho-
lística ao descrever e explicar um comportamento particular em relação a
todo um sistema... assim a etnografia pode ser vista como um método de
pesquisa qualitativa que geralmente foca mais o grupo do que aspectos
individuais, realçando a importância do estudo da situação dentro de um
contexto sociocultural...

Como elemento complementar acerca da pesquisa etnográfica, de


acordo com Nunan (1997, p. 57), “a etnografia envolve a interpretação,
análise e explanação – e não apenas a descrição de um fato”.

O estudo do caso em questão [4]


Como etnografia, os estudos de caso geralmente têm o objetivo de
fornecer uma descrição holística do objeto analisado; sendo também geral-
[4] Conforme Mackey e Gass (2005, p. 351) um estudo de caso trata-se de uma detalhada descrição de
um caso em particular, por exemplo, um aprendiz ou instrutor individual ou um grupo dentro de uma
população específica.

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mente associados com análises longitudinais, nas quais as observações dos


fenômenos sob investigação são realizadas em intervalos periódicos por
um relativamente grande período de tempo. (NUNAN, 1997; YIN 2005)
De acordo com Yin (2005, p. 19),

os estudos de caso representam a estratégia preferida quando se colocam


questões do tipo “como” e “por que”, quando o pesquisador tem pouco con-
trole sobre os acontecimentos e quando o foco se encontra em fenômenos
contemporâneos inseridos em algum contexto da vida real... como estratégia
de pesquisa, utiliza-se o estudo de caso em muitas situações, para contribuir
com o conhecimento que temos dos fenômenos individuais, organizacionais,
sociais, políticos e de grupo.

Ainda conforme o mesmo autor (YIN, 2005, p. 32),

o método de estudo de caso seria utilizado quando deliberadamente quisés-


semos lidar com condições contextuais – acreditando que elas poderiam ser
altamente pertinentes ao seu fenômeno de estudo.

I nstrumentos utilizados para o levantamento dos dados que


deram origem à pesquisa

A- Questionários
Brown (2001, p. 63) definiu questionários como:
qualquer instrumento escrito que apresente aos respondentes uma
série de perguntas ou afirmações que eles têm que reagir ou escrevendo
suas respostas ou selecionando uma entre as respostas já existentes. As
perguntas em forma de questionário representam um dos métodos mais
comuns de coleta de dados acerca de atitudes e opiniões dentre um grande
número de participantes... [5]
Os questionários permitem ao pesquisador levantar informações que
os participantes expressam acerca de si mesmos, tais como crenças e moti-
vações sobre o ensino e aprendizagem. Os questionários abertos, como os
que foram utilizados nesta pesquisa, permitem aos respondentes expressar
seus pensamentos e idéias de um modo bastante pessoal.

B- Diários
Os diários elaborados pelos participantes são ótimos instrumentos
para que os pesquisados escrevam, de modo instrospectivo, sobre suas

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experiências de aprendizado ou ensino da língua sem as limitações ou


constrangimentos que podem ser causados pelas perguntas diretas contidas
em um questionário de elicitação de dados. Geralmente, é um documento
escrito em primeira pessoa, onde podemos perceber, muitas vezes, as reais
interpretações dos participantes acerca de fatos de seu dia-a-dia. (MACKEY
e GASS, 2005; NUNAN, 1997)
Nos diários podemos captar informações emocionais que podem
justificar, ou não, determinados comportamentos ou atuações no ensino
de uma língua estrangeira.

C- Entrevistas
Optamos por realizar entrevistas semi-estruturadas para a comple-
mentação das informações contidas nos diários reflexivos. As entrevistas
semi-estruturadas são menos rígidas, pois permitem ao pesquisador fazer
uso de uma lista de perguntas como guia, tendo liberdade para mudá-las
no decorrer da entrevista.
Conforme Mackey e Gass (2005, p. 173), “as entrevistas semi-
estruturadas são mais semelhantes à conversas naturais e os resultados
não são limitados às idéias pré-concebidas do entrevistador sobre a área
de interesse”.
As entrevistas são instrumentos interessantes pelo fato de que per-
mitem ao entrevistador a possibilidade de elicitar dados adicionais pelo
fato de serem interativas.

D- Observação participante
Também, como forma de complementação dos dados e facilitador
da compreensão das situações apresentadas, foi realizada a observação
participante das atividades e dinâmicas dos educadores envolvidos.
Conforme Yin (2005, p. 121),

a observação participante é uma modalidade especial de observação na qual


o pesquisador não é apenas um observador passivo. Em vez disso, o pes-
quisador assume uma variedade de funções dentro de um estudo de caso e
pode, de fato, participar dos eventos que estão sendo estudados.

C ontexto onde o estudo foi realizado


O presente estudo foi realizado em uma Diretoria de Ensino da região
leste da cidade de São Paulo durante encontros de capacitação contínua de
professores de língua inglesa no decorrer de três anos letivos.

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Dos cerca de noventa professores que mensalmente se encontravam


para participar dos encontros, selecionamos vinte professores para que o
estudo fosse realizado.
Por uma questão meramente ética e de respeito aos participantes da
pesquisa, os vinte professores selecionados estão identificados por siglas
(de P1 a P20).

A nálise dos dados coletados


Poderíamos atribuir as crenças sobre a atuação em sala de aula como
resultado das experiências que os professores tiveram enquanto aprendizes
nas salas de ensino regular, nas universidades que freqüentaram ou nos
cursos de idiomas que fizeram.
As crenças que o professor possui orientam e conduzem suas práticas
de sala de aula, influenciando diretamente na forma como gerencia suas
atividades para cumprir sua função enquanto educador. Geralmente os pro-
fessores ensinam do mesmo modo como aprenderam a língua inglesa.
As crenças na área educacional, em especial a dos docentes, podem
ser consideradas como convicções a respeito dos vários assuntos que dizem
respeito à educação e se revelam nos discursos, nas ações e nos compor-
tamentos do educador em sua prática cotidiana tendo sido moldadas por
sua história pessoal de vida, tanto nos aspectos social e político quanto
cultural e profissional, que passam a fazer parte de sua biografia.
Dentre os aspectos que podem ter uma influência marcante em sua bio-
grafia, e que refletem diretamente em sua atuação em sala de aula, figuram os
treinamentos de que participaram, tanto pré como em serviço e experiências
profissionais acerca do que proporciona melhores resultados ou experiências
enquanto aprendizes de língua, dentre vários outros que contribuem de forma
decisiva para afetar seu comportamento em sala de aula.
Essas experiências são muito explícitas nas declarações dos profes-
sores que fazem parte do presente estudo:

Comecei a aprender a língua inglesa a partir do conhecimento do vocabulário


(lendo, repetindo com o professor e copiando coisas) juntamente com a gra-
mática. Primeiro aprendia a estrutura gramatical que era dada pelo professor
e depois repetia o que havia sido dado com os outros alunos. A última etapa
era escrever alguma coisa relacionada. (P1) Aprendi em um curso tradicional
de idiomas onde o professor desempenhava o papel de modelo ao transferir
o conteúdo programático do idioma, como pronúncia, repetição e exercícios

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gramaticais. Os recursos audiovisuais eram limitados e poucos. (P2) Acredito


que aprendi um pouco do idioma através de exercícios de completar palavras
ou frases, exercícios de pontos gramaticais específicos, pequenas apresenta-
ções orais para melhorar a fala e produção de pequenos textos para treinar
a escrita. (P3) Aprendi lendo, ouvindo, repetindo muito e escrevendo várias
vezes as mesmas palavras. (P4) Aprendi ouvindo e repetindo várias vezes.
Tinha calafrios na hora do “listen and repeat. (P5) Na faculdade só havia
tradução e gramática. Uma vez perguntei “Professora esse curso, afinal, é de
tradução ou de formação de professores? Ela não respondeu e continuou com
a aula. (P8) Decorando diálogos e depois estudando o vocabulário e a parte
estrutural dos textos que decorava. (P10) Eu aprendi através da decoreba e
exercícios de fixação explorando mais o uso da gramática. (P11)

Alguns professores reconhecem que faziam atividades mecânicas, mas


que essas atividades foram de suma importância para que eles aprendessem
muito bem o idioma.

Fiz cursos particulares nas escolas... Naquela época tudo era muito decorativo
e repetitivo. Tínhamos discos para treinarmos a pronúncia. Foi muito bom.
(P9) Lendo livros e textos e traduzindo tudo... O resultado final era estranho,
mas tudo ficava registrado. (P12) Fazia muitos exercícios estruturais de
gramática. Era tudo na base do siga o modelo. Quando tinha alguma dúvida
era só procurar nos modelos que tinha no livro e no caderno e conseguia
resolver tudinho! (P13) Ia traduzindo tudo no caderno, mesmo o que já
sabia. Assim ia incorporando a gramática e o vocabulário novo. Funcionou
muito bem comigo. (P14)

Podemos perceber a influência muito grande do método de ensino


calcado na gramática e tradução, no período em que eram ainda aprendizes
da língua e, provavelmente, pelo fato de terem aprendido desse modo, e
considerarem que foi eficaz, ainda reproduzam essa mesma maneira com
seus alunos.
Além do ensino baseado na gramática e na tradução, ainda restam
vários resquícios do ensino, tendo como modelo principal o falante nativo.
Apesar dos vários estudos que mostram que o bom professor de língua
inglesa é o que atua baseado em atividades significativas para o aprendiz,
ainda prevalece a visão de que o que é considerado um “bom inglês” é
aquele que se assemelhe, ao máximo, com o utilizado por um falante na-

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tivo; que somente alguém nascido em um país onde a língua inglesa seja
utilizada como língua materna pode ser um bom professor e que pode
oferecer, por exemplo, aos educadores da Rede Pública em questão, um
passaporte para que boas aulas sejam ministradas.
A crença de que se deve falar com sotaque britânico ou americano
pode ter a ver com o contexto socioeconômico no qual vivemos, onde
pessoas importantes, pais e professores que admiramos, transmitiram a
mensagem que, para ser respeitado e admirado como professor e aluno
(identidade e emoção), é preciso falar como os ingleses, por exemplo, e
que é apenas “lá” que se aprende.
É o mito do falante nativo com a valorização da temporada no
exterior presente na sociedade brasileira e a adoração por tudo o que é
estrangeiro.
A supervalorização do aprendizado com um falante nativo ainda
perpetua mesmo entre os educadores e talvez seja reproduzido em sala
de aula e se reflita, até mesmo, na motivação que os próprios alunos
possuem para o aprendizado nas salas de aula das escolas públicas. Isso
fica bastante claro na declaração de uma das participantes deste estudo,
transcrita abaixo:

Entrei em uma escola que, pela propaganda, me daria tudo o que eu preci-
sava para falar como um lorde inglês. Deparei-me com uma metodologia
audiovisual com repetições e mais repetições. Como o professor era inglês,
da Inglaterra, fiquei porque adorava ouvi-lo falar (mesmo não entendendo
muitas vezes). Fiquei também porque, como não poderia passar uma tem-
porada na Inglaterra, ter aulas com esse professor poderia me ajudar a falar
melhor. (P16)

Apenas um dos participantes deste estudo alega que aprendeu de


uma forma um pouco mais moderna e que, por este motivo, atua em sala
de aula priorizando as mesmas condições de ensino nas aulas de língua
inglesa. Reforça-se, mais uma vez, a percepção de que geralmente se
ensina como se aprende:

Aprendi através da compreensão geral do que estava lendo. Dessa forma fui
incorporando a gramática por dedução e curiosidade que estava inserida nos
textos e atividades. Acho que é por este motivo que não consigo ensinar de
outro modo. (P15)

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C onsiderações finais
Podemos perceber que os professores participantes da pesquisa que
dá origem a este artigo tiveram uma formação lingüística extremamente
baseada em atividades estruturais, tanto em escolas de idiomas quanto no
curso de formação de professores na graduação.
Esse, provavelmente, é o principal motivo pelo qual se continue re-
produzindo nas salas de aula a mesma abordagem de ensino. Mesmo com
os cursos de capacitação oferecidos aos professores pesquisados, a ênfase
em estratégias de cópia e tradução, resolução de exercícios gramaticais
e repetições continuam sendo elementos muito presentes e marcantes na
rotina dos profissionais da língua inglesa.
Por essa razão que se reitera a idéia de que mudar é sempre algo
difícil, por todas as zonas de incertezas que o educador tem que passar
para alterar sua trajetória de mudança. O ensino desvinculado da realidade
do aluno, com pouca ênfase no uso da língua em atividades relevantes e
significativas, que levem ao uso real do objeto de aprendizagem, são ca-
racterísticas fortemente presentes na forma de ensino-aprendizagem a que
os professores pesquisados foram expostos e que continuam funcionando
como modelos em suas salas de aula.
Possivelmente, se possuíssemos nas salas de aula das escolas públicas
estaduais, e mesmo em várias escolas do ensino privado, um incentivo à
criação de salas ambiente para o ensino da língua inglesa, equipadas com
cartazes, materiais autênticos e equipamentos mínimos, como gravadores
e TVs; enfim, a criação de ambientes mais ricos em recursos de ensino,
poderíamos incentivar com maior ênfase esse processo de mudança nas
abordagens do processo de ensino-aprendizagem dos professores partici-
pantes do estudo.
Como essa não é a realidade da maioria de nossas escolas conta-
se apenas com a atuação dos professores que, apesar de não disporem,
muitas vezes, de cursos que abordem atividades significativas para serem
desenvolvidas com os alunos, tentam realizar em sala de aula algumas
dinâmicas às quais não foram expostos no período em que eram alunos.
Em suma: aprenderam de uma maneira e precisam (ou tentam) ensinar de
outra completamente diferente.
Gera-se, com isso, um grande conflito no imaginário dos professores.
Sabem que é preciso mudar a rotina de suas aulas, mas não se sentem
seguros ou até mesmo preparados para serem os agentes da mudança.
Percebem que suas aulas não são do modo que gostariam que fossem, que

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seus alunos não se sentem motivados com as atividades que desenvolvem,


mas não encontram, muitas vezes, formas ou subsídios pedagógicos para
implementar as mudanças almejadas.
Talvez seja esta a razão de os professores muitas vezes se sentirem
desmotivados, desestimulados, quase sempre desassistidos, freqüentemente
despreparados ou malformados, sem acesso aos poucos cursos de atuali-
zação e especialização.
Uma solução viável poderia ser o oferecimento de uma formação de
qualidade aos professores de língua voltada para a busca de alternativas
para o ensino da gramática centrada nela mesma e em todas as demais
“técnicas” de ensino. Uma formação que fosse em busca de uma apren-
dizagem que, de fato, permanecesse não pela memorização sistemática
de elementos da língua, mas pelo fato de possuir um significado que o
aprendiz percebesse nas atividades propostas em sala de aula, tornando-
se concretamente um aprendiz de língua inglesa e percebendo que a sala
de aula de língua inglesa das escolas públicas estaduais ou municipais do
Brasil são, sim, na verdade, espaços para a formação de usuários eficientes
da língua alvo.

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línguas. Revista Brasileira de Lingüística Aplicada. ALAB – Associação de Linguística Aplicada do
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