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O mundo de sofia

TRÊS FILÓSOFOS DE MILETO

O primeiro filósofo de que ouvimos falar foi Tales, da


colônia grega de Mileto, na Ásia Menor. Tales dizia que a água era a
origem de todas as coisas. Precisamente o que ele queria dizer com
isso nós não sabemos. Talvez quisesse dizer que toda forma de vida
surgiu na água — e à água deveria retornar quando chegasse ao fim.
Tales seria o autor da frase “Tudo está repleto de deuses”.
O segundo filósofo de quem ouvimos falar foi Anaximandro,
que também vivia em Mileto. Ele dizia que o mundo é apenas um de
muitos que existem e se dissolvem em algo que ele chamou de “o
indefinido”.

O terceiro filósofo de Mileto foi Anaxímenes (c. 570-526 a.C.).


Ele sustentava que a substância primordial de todas as coisas deveria
ser o ar ou a névoa. Anaxímenes dizia que a água
seria o ar condensado. Quando chove, podemos perceber a água se
condensando no ar. Quando a água se condensa ainda mais, dizia ele,
ela se transforma em terra. Talvez ele tivesse observado terra e areia
surgindo da neve derretida. Da mesma forma ele dizia que o fogo seria
o ar rarefeito. Segundo Anaxímenes, tanto terra quanto água e fogo
seriam constituídos de ar.

NADA PODE SURGIR DO NADA


Todos os três filósofos de Mileto diziam que deveria haver uma
—e somente uma — substância primordial da qual derivariam todas
asdemais coisas. Isso é; Tales, Anaximandro e Anaximenes

O mais conhecido deles era Parmênides (c. 540-480


a.C.) Parmênides dizia que tudo que existe sempre existiu. Essa era
uma ideia comum entre os gregos, para quem era dado como certo que
tudo que existe sempre esteve ali. Nada pode surgir do nada, dizia
Parmênides. Da mesma forma, algo que já existe não pode se
transformar em nada. Mas Parmênides foi além. Ele sustentava que
nenhuma transformação relevante tinha possibilidade de ocorrer. Nada
pode se transformar em nada diferente daquilo que já é.
Todos nós conhecemos a expressão “Só acredito vendo”.
Parmênides não acreditava nem quando via. Ele dizia que os sentidos
nos dão uma visão distorcida da realidade, uma visão que não
corresponde à razão das pessoas. Como filósofo, ele afirmava que sua
tarefa era combater todas as formas de “ilusão dos sentidos”. Essa
forte crença na razão humana chama-se racionalismo. Um racionalista
é alguém que confia na razão humana como principal fonte de
conhecimento do mundo.
Heráclito
Contemporâneo de Parmênides, Heráclito de Éfeso, na Ásia
Menor, viveu entre 540 e 480 a.C., aproximadamente. Para ele, as
constantes transformações são a característica mais fundamental da
natureza. Talvez pudéssemos afirmar que Heráclito apostava mais nos
sentidos do que Parmênides.
Em vez da palavra “Deus”, Heráclito frequentemente usa a
palavra grega “logos”, que quer dizer “razão”. Embora as pessoas nem
sempre pensem da mesma forma nem possuam a mesma razão, de
acordo com Heráclito deve haver uma “razão universal” que governa
tudo que acontece na natureza. Essa “razão universal”— ou “lei
natural” — é comum a todos, e todos deveriam se orientar por ela.
Em meio a todas as contradições e transformações da natureza,
Heráclito enxergou uma unidade, ou um todo. A esse “algo” que
perpassaria todas as coisas ele chamou de “Deus” ou “logos”.

Demócrito
último dos grandes filósofos da natureza. Ele se chamava
Demócrito (c. 460-370 a.C.) e era da cidade costeira de Abdera, no
norte do mar Egeu. A palavra “átomo” significa “indivisível”. Para
Demócrito era importante deixar claro que as coisas não podiam ser
divididas indefinidamente em pedaços cada vez menores.
Quando um ser — por exemplo, uma árvore ou um animal —
morre e se decompõe, os átomos se separam e novamente podem se
recombinar para fazer outro ser. Os átomos se locomovem pelo espaço
e possuem diferentes formas de encaixe como “protuberâncias” e
“reentrâncias”, podendo ser recombinados de maneiras distintas e dar
forma às coisas que vemos ao nosso redor Hoje em dia podemos quase
afirmar que a teoria atomista de Demócrito estava correta. A natureza
é realmente constituída de diversos “átomos” que se ligam entre si e
tornam a se separar. Um átomo de hidrogênio que estiver numa célula
externa da ponta do meu nariz certo dia pertenceu à tromba de um
elefante. Um átomo de carbono no músculo do meu coração pode ter
vindo da garganta de um dinossauro. Nos dias de hoje a ciência
descobriu que os átomos podem, sim, ser divididos em partículas
ainda menores, denominadas “partículas elementares”. Elas se
chamam prótons, nêutrons e elétrons. E talvez essas partículas sejam
compostas de pedacinhos menores ainda. Mas os físicos concordam
que deve haver um limite em algum lugar.
O ORÁCULO DE DELFOS

Os gregos achavam que os homens podiam obter conhecimento


acerca de seu destino através do famoso oráculo de Delfos. O deus
Apolo se manifestaria através desse oráculo. Ele falava por intermédio
da sua sacerdotisa, Pítia, que ficava sentada numa cadeira sobre uma
fenda numa rocha. Dessa fenda emanavam gases inebriantes que
deixavam Pítia em estado de transe. Isso era necessário para que ela se
transformasse na porta-voz de Apolo. No templo de Delfos havia uma
inscrição: CONHECE-TE A TI MESMO! Com isso se pretendia lembrar os
que ali estavam de que eles não passavam de meros seres humanos —
e nenhum ser humano poderia escapar do seu destino. Entre os gregos
contavam-se muitas histórias de pessoas que se viam à mercê dos seus
destinos. Com o tempo foram escritas peças (tragédias) sobre esses
indivíduos “trágicos”. O exemplo mais célebre é a narrativa sobre um
rei chamado Édipo.

A CIÊNCIA DA HISTÓRIA E DA
MEDICINA
Essa forma de pensar não era característica apenas dos gregos. Antes de a
ciência moderna chegar à sua idade mais recente, a opinião mais comum era a
de que as doenças poderiam ter causas sobrenaturais. A palavra “influenza”,
utilizada para designar fortes estados virais, quer dizer exatamente “uma má
influência das estrelas”. Atualmente muitas pessoas ao redor do mundo acham
que doenças diversas, como a aids, são um castigo dos deuses. Muitos
também creem que os doentes podem se “curar” por meios sobrenaturais
O fundador da ciência da medicina foi Hipócrates, que nasceu na ilha
de Cós, em 460 a.C. aproximadamente.

Sócrates
... mais sábio é aquele que sabe que não sabe...
ócrates (470-399 a.C.) é talvez o personagem mais enigmático de toda a
história da filosofia. Ele não deixou escrita uma única linha, e ainda assim seu nome
está entre os que mais influenciaram o pensamento ocidental. Para não mencionar a
repercussão que teve a sua dramática morte. Sabemos que ele nasceu em Atenas e
passou a maior parte da vida nas ruas e praças dialogando com as pessoas que
encontrava. As árvores na terra nada podem aprender, ele dizia. Às vezes costumava
ficar parado, absorto em profundos pensamentos, durante muitas horas.

O HOMEM NO CENTRO
“Sofista” significa uma pessoa culta ou estudiosa de um determinado
assunto. Em Atenas, essas pessoas
ganhavam a vida dando aulas aos habitantes da cidade.
Os sofistas tinham um importante ponto em comum com os
filósofos da natureza: eles criticavam a mitologia tradicional. Mas ao
mesmo tempo rejeitavam tudo que considerassem especulação
filosófica desnecessária.

A Protágoras (c. 487-420 a.C.). Com isso ele queria dizer que tudo
que é certo e errado, bom e mau, deve sempre ser considerado na
perspectiva do comportamento humano.

Sócrates. Somente o conhecimento interior é a autêntica


compreensão.

Dois perímetros culturais


... só assim você evitará ficar flutuando no vácuo..
Plotino não esteve tão longe de declarar Platão o
salvador da humanidade. Mas, como sabemos, outro salvador nasceu
bem no meio do período sobre o qual falamos — e na periferia da área
de influência greco-romana. Estou falando de Jesus de Nazaré. Neste
capítulo veremos como o cristianismo gradualmente começou a se
infiltrar no mundo greco-romano — quase da mesma maneira como o
mundo de Hilde gradualmente começou a se infiltrar no nosso. Jesus
era judeu, e os judeus pertencem ao perímetro cultural semita. Gregos
e romanos pertencem ao perímetro cultural indoeuropeu. Podemos
afirmar que a civilização europeia tem duas raízes. Antes de vermos
mais detalhadamente como o cristianismo gradualmente se misturou à
cultura greco-romana, vamos olhar de perto essas duas raízes.

OS INDO-EUROPEUS

OS INDO-EUROPEUS
Quando falamos em indo-europeus, nos referimos a todos os
países e culturas que possuem línguas indo-europeias. Tais línguas sãotodos
os idiomas existentes na Europa, exceto os de raízes fino-úgricas
(lapão, finlandês, estoniano e húngaro) e o idioma basco. Também a
maioria das línguas faladas na Índia e no Irã pertencem à família indoeuropeia
de idiomas.
Um dia, há cerca de quatro mil anos, os protoindo-europeus
habitaram uma área ao redor do mar Negro e do mar Cáspio. Não
muito tempo depois eles partiram em sucessivas levas em direção ao
sudeste, até o Irã e a Índia; ao sudoeste, para Grécia, Itália e Espanha;
ao oeste, cruzando a Europa Central até a Inglaterra e a França; ao
noroeste, até alcançar a Escandinávia e a Europa Setentrional; e também
rumo ao norte, até a Europa Oriental e a Rússia. Geralmente, aonde os
indo-europeus chegavam, eles se misturavam às culturas existentes, mas
tanto a religião como a língua indo-europeia passaram a exercer um
papel dominante.
Os livros sagrados hindus — os Vedas —, a filosofia grega e até
mesmo as sagas de Snorre foram escritos em idiomas pertencentes a
uma mesma família. Mas não são apenas as línguas que se assemelham.
Línguas parecidas levam a pensamentos parecidos. Por isso é que nos
referimos a um “perímetro cultural” indo-europeu.
A cultura indo-europeia era antes de tudo impregnada da crença
em vários deuses diferentes. A isso chamamos de politeísmo.
Encontramos tanto nomes de deuses como muitos termos e expressões
religiosas ao longo de toda a área de influência indo-europeia. Vou citar
alguns exemplos.
Os antigos hindus cultuavam o deus do céu Dyaus. Em grego esse
deus se chama Zeus, em latim Júpiter (na verdade Jove-pater, isto é, “Pai
Jove”) e em norrônico14 Tyr. Os nomes Dyaus, Zeus, Jove e Tyr são
também diferentes “variações dialetais” de uma única e mesma palavra.
Você se lembra de que os antigos vikings no Norte15 da Europa
acreditavam em alguns deuses que chamavam de “æser”? Uma variante
dessa palavra para designar “deuses” também é encontrada por toda a
área de abrangência indo-europeia. Em sânscrito, antigo hindu, os
deuses eram chamados de “asura”, e em iraniano, de “ahura”. Outra
palavra para “deus” em sânscrito é “deva”, ou “daeva” em iraniano,
“deus” em latim e, em norrônico, “tívurr”.
Na Europa Setentrional acreditava-se também num conjunto dedeuses da
fertilidade (cujos nomes eram, por exemplo, Njord, Frøy e
Frøya). Esse conjunto de deuses era chamado de “vaner”, palavra que
guarda um parentesco com o nome da deusa da fertilidade romana
Vênus. Em sânscrito existe uma palavra relacionada, “vani”, que
significa “desejo” ou “prazer”.
Mesmo os mitos da região indo-europeia mostram um claro
parentesco entre si. Nas suas sagas sobre os deuses nórdicos, Snorre
conta histórias que evocam mitos hindus que já existiam havia dois a
três mil anos. Claro que os mitos de Snorre estão impregnados de
elementos do cenário nórdico, assim como os mitos hindus possuem
características e elementos indianos. Mas muitos desses mitos possuem
um núcleo que aponta para uma origem comum. Esse núcleo pode ser
observado muito claramente, por exemplo, em mitos sobre poções de
imortalidade e na luta dos deuses contra os monstros do caos.
Na própria maneira de pensar temos também como identificar uma
semelhança marcante entre as culturas indo-europeias. Um traço
comum típico é a visão do mundo como um drama no qual forças do
bem e do mal lutam entre si num conflito incessante. Os indo-europeus,
portanto, sempre tentaram antever o resultado desse conflito e os
destinos do mundo.
Podemos afirmar que não foi por acaso que a filosofia grega surgiu
na área de influência indo-europeia. As mitologias hindu, grega e
nórdica têm em comum o fato de abordarem o mundo de maneira
“especulativa”.
Os indo-europeus tentaram desenvolver uma “visão” sobre o modo
como o mundo evolui. De fato, nós encontramos uma palavra para
“visão” ou “sabedoria” em todas as culturas do perímetro indo-europeu.
Em sânscrito ela é “vidya”. Sua correspondente em grego é a palavra
“idé”, que, você se lembra, teve um papel fundamental na filosofia de
Platão. No latim nós temos a palavra “video”, que significava para os
romanos exatamente o verbo “ver” (somente nos nossos dias é que
“vídeo” se tornou sinônimo do que se passa no interior de uma tela). Em
inglês temos palavras como “wise” e “wisdom” (sábio e sabedoria); em
alemão, “wissen” (saber). A palavra norueguesa “viten” (sabedoria)
possui a mesma raiz que a palavra hindu “vidya”, a grega “idé” e a
latina “video”.No geral, podemos afirmar que a visão era o sentido mais
valorizado pelos indo-europeus. A literatura dos hindus, como a dos
gregos, iranianos e germânicos, caracteriza-se por grandes visões
cósmicas. Um traço decorrente que depois permeou a cultura europeia
foi a representação pictórica das narrativas mitológicas, por meio de
esculturas e pinturas.
Finalmente, os indo-europeus tinham uma visão cíclica da história.
Com isso queremos dizer que eles achavam que a história se move em
círculos — como se caminhasse ao redor de um anel —, exatamente
como as estações do ano variam do inverno para o verão. Não existe na
verdade um começo nem um fim para a história. Com frequência as
narrativas indo-europeias mencionam mundos diferentes que surgem e
desaparecem numa eterna alternância entre nascimento e morte.
O hinduísmo e o budismo, as duas grandes religiões orientais, têm
origem indo-europeia. A filosofia grega também, e podemos traçar
paralelos tendo essas duas religiões de um lado e a filosofia grega do
outro. Até hoje o hinduísmo e o budismo são marcadamente
caracterizados por reflexões filosóficas.
Não é raro observar no hinduísmo e no budismo uma ênfase na
presença divina em tudo e em todos os lugares (panteísmo), assim como
na união do homem com Deus através de um insight religioso. (Você se
lembra do que dizia Plotino, Sofia!) Para que isso possa acontecer, é
necessária uma profunda introspecção por meio da meditação. No
Oriente, portanto, a passividade e a reclusão são tidas como ideais
religiosos. Também por influência grega muito se estimula a vida em
ascese — ou reclusão religiosa — para que a alma encontre sua
libertação. Muitas das páginas que foram escritas nos conventos da
Idade Média apontam diretamente para tais concepções, comuns no
mundo greco-romano.
Além disso, em muitas culturas indo-europeias era fundamental a
crença na transmigração da alma. Por mais de dois mil e quinhentos
anos, o propósito de vida do fiel hindu tem sido conseguir libertar desse
processo a própria alma. E nós lembramos bem que Platão também
acreditava na passagem da alma de um corpo para outro.

OS SEMITAS

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