Você está na página 1de 29

Aula 3 | Os pré-socráticos

Sugestões de obras sobre a formação do pensamento grego.


1.O nascimento da filosofia na Grécia
Antiga.
Herdeiras dos micênicos, comunidades isoladas e autônomas se desenvolveram, formando, a
partir do século VIII a.C., as pólis gregas ou cidades-estados.

Mantiveram intercâmbios comerciais, intelectuais e culturais com egípcios, babilônios, caldeus


e persas.

A origem da Filosofia data dos séculos VII e VI a.C. na cidade de Mileto com Tales, localizada
na região da Jônia.

Todas as obras pré-socráticas, praticamente, fora integralmente perdidas. Temos apenas


fragmentos e pequenos trechos que chegaram até os dias de hoje, além das descrições dos
chamados doxógrafos, entre eles Aristóteles, Teofrasto e Diógenes Laércio.
Grécia Antiga
2. Diferentes teses sobre a origem da filosofia na
Grécia:
• O “milagre grego”

- Elaborada primeiramente por Diógenes Laércio (180 - 240 d.C), a tese adquiriu vários significados até meados
do século XIX, sendo incorporada, inclusive, em interpretações do cristianismo medieval. Entre as
características do milagre:

1- a Filosofia surgiu de maneira única, inesperada e espontânea na Grécia, sem influência de outras culturas ou sociedades. Nesse
caso, o povo grego seria excepcional.

2 – Na Idade Média, sugeriu-se o milagre grego a partir da relação do contato entre o cristianismo e a filosofia grega por meio do
apóstolo Paulo, que esteve em Coríntio. Estabeleceu-se, então, intermediação divina e racional entre a filosofia grega de teor
racional e o cristianismo.
• O orientalismo

A filosofia nasceu com as transformações realizadas pelos gregos sobre conhecimentos


advindos dos povos “orientais”. Dessa forma, da agrimensura dos egípcios, os gregos
desenvolveram a aritmética e a geometria; da astrologia dos caldeus e babilônicos, deram
origem à astronomia e a meteorologia; das genealogias persas, criaram a história; dos
mistérios religiosos de purificação da alma, fizeram surgir as teorias filosóficas sobre a
natureza e o destino da alma humana. Outros conhecimentos milenares próprios e de outros
povos, principalmente egípcios (Imhotep, 2655-2600 a.C.), foram introduzidos na Grécia,
sendo racionalizados e transformado na medicina (Hipócrates ,460-370 a.C.).
• O materialismo (uma visão histórica)

Concebe a necessidade de serem estudadas as condições materiais, econômicas e culturais


entre os gregos e suas relações com outras civilizações. O território acidentado permitiu maior
facilidade de construção de portos e intercâmbio econômico por meio de viagens marítimas. O
contato com outras civilizações e seus mitos trouxeram descrença e busca por explicações mais
racionais de mundo. Os gregos também fundaram colônias com as navegações colônias na
Península Itálica (Magna Grécia) e na Ásia Menor. Ademais, a incorporação do alfabeto dos
fenícios e os modelos políticos diversos nas pólis permitiram a racionalização, fomentaram o
debate público e a fixação de leis e princípios coletivos considerados justos (diké). Em Atenas,
houve o surgimento da Ágora (praça/espaço público para debates políticos a partir do século VI
a.C.). Além disso, conhecimentos antes orais passaram a ser transmitidos por meio da escrita.
Mileto foi uma das cidades de maior crescimento urbano e econômico, cidade natal de Tales,
primeiro entre os filósofos gregos. O trabalho escravo era a base do oikos (economia em grego
tem o sentido de administração da vida privada), que fornecia tempo livre aos cidadãos (apenas
homens) para participarem dos debates públicos, sobretudo em Atenas.
3. Na Grécia, a filosofia tomou uma direção completamente diferente se comparada à civilização oriental.

Racionalidade X Mitologia

Filósofo (Ocidente) X Sábio


(Oriente)
Conceito (Ocidente) X Figura (Oriente)

Conceito (Ocidente) = eterna busca, eterna falta; o fundamento


etimológico; a disputa, o debate e a concorrência com o
interlocutor.

Figura (Oriente) = pensamentos e lições de vida moralmente


contemporizadoras.
4. Pré-socráticos

• Conhecidos também como filósofos da natureza (ou naturalistas).

• O que há de comum entre esses diferentes pensadores é a busca da arché (ou


arké) ou a pergunta sobre qual é o elemento primordial, primeiro princípio, a
substância primeira capaz de constituir todo o universo e tudo o quanto existe
na realidade.

• A ruptura com o pensamento mítico se dá quando Tales de Mileto (sec. VII e


VI a.C.) procurou por uma explicação pragmática da arché, concreta e distante
de construções fantásticas, sobrenaturais ou que se reduzissem à ideia de que
a natureza é boa ou má.
Tales de Mileto (625/624-558
a.C.)
- Filósofo Jônio, estabeleceu a água como arché. Observou a relação da água
com todos os seres da natureza, e os estados sólidos, líquidos e gasosos. No
Egito, percebeu como a terra desértica se tornava fértil com a cheia do Rio Nilo.
Em altas montanhas, encontrou fósseis de animais marinhos. Concluiu que o
mundo, originalmente, era coberto por água. É considerado o pioneiro do que
hoje chamamos de paleontologia.

- Tales foi um político atuante e temeroso com os persas. Buscou a união entre as cidades da Jônia.

- Previu um eclipse solar (585 a.C.). Viajou ao Egito, onde incorporou conhecimentos agrícolas,
geométricos e comerciais.

- Fez estudos meteorológicos e enriqueceu prevendo uma grande safra de azeitonas, o que o tornou
conhecido.

- Considerado por Aristóteles como o primeiro filósofo, iniciador da filosofia da physis ou da natureza.
Anaximandro (Mileto -610-547 a.C.)
- Filósofo, geógrafo, matemático, astrônomo e político Jônio, discípulo de Tales.
Diverge de seu mestre ao propor que a arché é o ápeiron, palavra grega que
significa ilimitado, indeterminado, indefinível, sem origem e inominável, sendo,
portanto, imaterial, infinito e imortal. Todavia, é o que origina todos os elementos
e toda a matéria presente no Universo. O indeterminado é a origem e a causa de
tudo o que existe, sendo apreendido apenas pelo pensamento, e não pela
sensibilidade.
- O Universo, guiado pelo movimento eterno e circular do ápeiron, faz surgir o quente (fogo) e o frio
(ar). Há equilíbrio e retribuição entre os contrários ou substâncias opostas. Os seres comuns, quando
morrem, retornam ao ápeiron.

- Primeiro mapa-mundi. Nele, o formato da Terra era cilíndrico; e o Sol, uma bola de fogo em
movimento. Elaborou a teoria dos mundos inumeráveis ou possíveis. Realiza um esboço de
antropogênese ao observar a possibilidade da origem aquática dos homens. Todos os seres vivos
teriam surgido a partir do lodo.

- Escreveu Sobre a Natureza, primeira obra filosófica escrita em língua grega. Teria introduzido ou
mesmo aperfeiçoado o relógio solar e o esquadro para medir distâncias entre as estrelas, sendo
considerado o pioneiro na astronomia na Grécia.
Anaxímenes (Mileto - 585-528/525 a.C.)
- O filósofo Jônio afirma que arché é o ar (pneuma). Discorda de Anaximandro,
pois, segundo Jônio, a arché não poderia ser indeterminada, porque a razão
apenas é capaz de pensar aquilo que possui determinação, de forma que o
ápeiron é inconcebível por ser abstrato. Diferentemente da água (tese de
Tales), o ar é invisível, mas nem por isso deixa de ser natural. O ar está
presente em tudo que existe, sendo o elemento primordial constituinte do
Universo. Constata que, do nascer ao morrer, há sua existência do primeiro
ao último suspiro, sendo o ar determinante para qualquer ser vivo. Dessa
forma, o mundo é vivo e respira (o ar seria equivalente à alma e ao corpo da
natureza).
- Dedicou-se à meteorologia (movimento perpétuo do ar produz a transição entre o frio e o calor).

- Afirmou que a Lua recebe sua luz do Sol.

- Escreveu na forma de prosa na obra Sobre a Natureza.


Xenófanes de Cólofon (570 - 475 a.C.)
- Deixou a Jônia em direção ao sul da Península Itálica quando os persas
invadiram a Grécia. Errante, andarilho e declamador de poemas, visitou diversas
cidades, sendo o patrono da Escola Eleática, da qual fizeram parte Parmênides e
Zenão. Segundo Xenófanes, a arché é a unidade na imutabilidade, contido em
um deus uno e imutável, não apresentando nenhum elemento sólido como o
princípio de tudo, mas se manifestando a partir do elemento terra. A concepção
de um deus único, imortal e imutável como princípio de tudo.

- Opôs-se ao antropomorfismo e ao politeísmo das religiões que conheceu, sobretudo a grega. Deu-se
conta de que o desejo de espelhar nos deuses as próprias características humanas era natural, porém
equivocada.

- Trata-se do primeiro pensador a declaradamente se opor ao conteúdo das religiões até então
existentes.
Heráclito (Éfeso 540-470 a.C.)
- Filósofo Jônio, conhecido como “O Obscuro” ou “O Fazedor de Enigmas”,
devido à escrita de difícil compreensão e múltiplas interpretações. Defensor do
mobilismo, concepção que dirá que todas as coisas naturais estão em constante
movimento, em constante mudança, num constante devir ou fluxo contínuo de
mudança, sendo a sua engrenagem o fogo. Por isso, afirma: “Ninguém pode
entrar ou se banhar duas vezes no mesmo rio”. O mobilismo está relacionado ao
logos (razão ou inteligência) presente na natureza, havendo, assim, estabilidade
na própria mudança, sendo o fogo o responsável pelo fluxo dos contrários (para
Hegel, Heráclito é o precursor da dialética).

- A realidade apenas é compreendida por meio dos sentidos, pois tudo está em constante mudança e
apenas percebemos aparências.

- Heráclito desprezava a política da cidade, os demais pensadores gregos e os antigos poetas, como
Hesíodo e Homero.

- Livro em prosa Sobre a Natureza. É precursor da concepção de logos, presente na natureza e no


intelecto humano. Esboçou a concepção de alma atrelada ao corpo.
Pitágoras (Samos – 570-496 a.C.)
- Filósofo eleata, pouco se sabe de sua vida. Possivelmente, tratava-se de uma
escola de pensamento e, certamente, uma seita religiosa secreta.
Posteriormente, exerceu influência sobre Platão. Considera a arché os
números, formas geométricas e as suas proporções harmoniosas. São as
causas primeiras de todas as coisas. A natureza, portanto, é matemática. Os
princípios pitagóricos influenciaram outro pensador eleático, Filolau de
Crotona (século V a.C), que sugeriu o movimento da Terra.

- Nada teria escrito em sua vida e promoveu a transmissão oral de seus conhecimentos.

- Há, na escola pitagórica, o primeiro registro grego a respeito de uma teoria da reencarnação da alma
e de sua separação do corpo. Possivelmente, incorporou a matemática e a noção de reencarnação dos
egípcios. A purificação da alma ocorre neste mundo por meio da busca pela sabedoria e conhecimento.

- Provável criador da palavra filosofia.

- Por meio de proporções matemáticas, teria sido responsável por descobrir escalas e calcular as
diferenças entre as notas musicais.
Parmênides (515-460 a.C.)
- Filósofo Eleata, adversário da tese mobilista de Heráclito. É fundador da
ontologia (conhecimento do ser e da essência última dos seres).
Consequentemente, é um dos pensadores por trás da metafísica e da filosofia
num sentido mais abstrato. Conheceu e influenciou o então jovem Sócrates.
Estabeleceu a diferença entre essência (imutável e verdadeira – alétheia) e
aparência (que se transforma sempre, como a doxa; opinião, portanto,
instável, falsa e ilusória). O mobilismo de Heráclito não leva ao conhecimento
verdadeiro, mas às opiniões variáveis sobre as coisas.
- Concepção monista dos seres (o movimento não é verdadeiro). A verdade é única, imóvel, eterna,
imutável, sem princípio nem fim, contínua e indivisível.

- Por isso, afirma: o ser é (essência imutável e verdadeira, o que “é” é o objeto do pensamento). O que
muda é o não ser ( o que “não é” está em transformação e é capturado pelos sentidos, é falso).

- O acesso à verdade do ser se dá com o uso razão, do pensamento, afastando-se da opinião formada
pelos hábitos, impressões sensíveis, que são, por si só, ilusórias, imprecisas e mutáveis.
Zenão (489--430 a.C.)
- Filósofo eleata e discípulo de Parmênides, teria sido o primeiro a adotar a
dialética como método discursivo e interpretativo (Heráclito, por sua vez,
observou a dialética no movimento da natureza). Seu pensamento consiste na
defesa das teorias monistas (indivisível, imutável e verdadeira) de Parmênides.

- - Escreveu na forma de aporias banhadas de paradoxos (em grego, significa literalmente “contra
opinião” ou opinião oposta) e escreveu os livros, tais como: Contra os físicos, Explicação crítica de
Empédocles e Sobre a natureza. Os paradoxos concluem que não existe movimento e mudança; trata-se
de confusão dos sentidos.

- Paradoxos: Aquiles e a tartaruga e O arqueiro = cada movimento é constituído por infinitos momentos
imóveis. Dessa forma, o movimento é provido de instantes estáticos ou imóveis (Aristóteles irá se opor
a visão de Zenão, considerando-a tola).

- Participação ativa na vida política de Eleia. Legislou, ocupou cargos e conspirou contra o tirano Nearco.
Descoberto, foi preso e torturado.
Empédocles (Agrigento, 490-435 a.C.)
- Político, poeta, médico e cosmólogo, não buscou um único princípio das coisas.
Defendeu que a arché é constituída pelos quatro elementos: fogo, terra, água
e ar. Esses quatro elementos são separados e unidos pelo ódio (diferença) e
pelo amor (reúne as semelhanças). Há atribuição de valores morais à natureza e
também a presença de certa unicidade (uno-divino) entre os quatro elementos
(do uno ao múltiplo). Aproxima-se de Parmênides (unidade) e Heráclito
(movimento).
- Observou nos sentidos a capacidade de compreender o funcionamento da natureza.

- Opôs-se à tirania em sua cidade natal. Expulso, perambulou errante por toda a Grécia.

- Teria morrido na guerra de Peloponeso (431-406 a,C). Conta a lenda que morreu ao se atirar no vulcão
Etna para provar que era imortal ou um deus.

- Escreveu dois poemas: Sobre a Natureza e Purificações.

- Sugeriu um processo de desenvolvimento e aperfeiçoamento dos seres vivos ao longo de diferentes


gerações (de elementos homogêneos aos heterogêneos mais complexos, da unidade à multiplicidade).
Anaxágoras (Clazômenas, cerca de 500-428 a.C.)
De origem Jônia, teria vivido em Atenas por cerca de 30 anos e por lá fundou
uma escola de filosofia. Considera a arché composta de uma infinidade de
pequenos elementos, as homeomerias (em grego, significa sementes). Os
objetos concretos e os elementos materiais dispostos na realidade têm origem a
partir de relações de afinidades entre porções dessas sementes. Defesa do
múltiplo, infinito e do divisível e não do uno e do limitado. Dessa forma, a
quantidade de coisas no mundo seria sempre a mesma e tudo seria
infinitamente divisível.

- Nessa visão, não existe o nada. Concebe a possibilidade de existência de mundos paralelos, repetição
de mundos ou a sucessão deles.

- Valorização do intelecto contra os sentidos.

- Fugiu de Atenas, pois foi acusado de não acreditar nos deuses e por afirmar que o Sol é uma pedra
incandescente. A Lua, por sua vez, era apenas planeta constituído por terra, e não uma deusa.

- Sua obra: Sobre a Natureza


Atomistas

Leucipo Demócrito
(Mileto, séc. V a.C.) (Abdera, cerca de 460-370 a.C.)
- Segundo os atomistas, existem dois elementos primordiais para a formação de todas as coisas: o
átomo e o vazio. A arché é tomada a partir dos átomos (em grego, partículas indivisíveis, individuais,
finitas e invariáveis, eternas e em perpétuo movimento) que se diferem entre si pela forma, tamanho,
posição e ordem. Tudo quanto existe é resultado combinações espontâneas de átomos ardentes, leves
e esféricos, responsáveis pela pluralidade do mundo.

- o atomismo de Demócrito é considerado como o ápice da filosofia da natureza desenvolvida pelos


pensadores jônicos.

- Para Demócrito, a lógica e a sabedoria são o resultado do entendimento da natureza.

- A alma humana é também constituída por átomos, sujeita à decomposição e à morte.

- A natureza deve ser explicada por si mesma, e os acontecimentos não têm uma causa primeira,
contendo, sem exceção, tudo o que foi, é e será.

- Nessa direção, a composição material da realidade e de seus átomos proporcionam a felicidade.


5. Afinal de contas, o que é filosofia?

• A palavra "filosofia" (do grego φιλοσοφία) resulta da união de outras duas


palavras:

A)"philos” - significa "amizade", "amor fraterno" (não no sentido erótico),


desejo intenso por algo e respeito entre os iguais.

B)"sophia” - significa "sabedoria", "conhecimento".

Filosofia significa, portanto, amizade ou amor pela sabedoria, amor e respeito


pelo saber ou pelo conhecimento.
• A filosofia é um livre saber, um livre conhecimento baseado na Razão e no uso de
conceitos.

• A filosofia “não serve” porque não é servil, é liberdade. Logo, não se submete a
nenhuma forma de controle ou qualquer outro conhecimento. Por isso, o seu sentido
de liberdade.

• A filosofia opera por meio da dúvida, da curiosidade, estranhamento ou um assombro


(thauma, em grego) que leva o homem a um desejo intenso para o conhecer.

• A tarefa do filósofo não é buscar as verdadeiras respostas, mas fazer as verdadeiras


questões.

• Filosofia não é uma Ciência (é cumulativa e objetiva). Possui teor mais subjetivo, e os
problemas são historicamente transversais.
“Só sei que nada sei” (Sócrates)

“Conhece-te a ti mesmo, torna-te consciente de tua ignorância e será sábio”


(Sócrates)

"A admiração é própria da natureza do filósofo; e a filosofia deriva apenas da


estupefação" (Platão)
• Rodin, O pensador – 1904
• Klimt, Filosofia, 1907
Kubrick, 2001, uma Odisseia no
espaço – 1968
Escher, Relatividade -1953

Você também pode gostar