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Princípio de indução

Antes de introduzirmos a prova por indução, vamos considerar a família de proposições P(n)
que, para cada n ∈ N , denota a desigualdade 1 ×2 ×… × n>2n .

É facil verificar que as proposições P(1), P(2), e P(3) são falsas, enquanto as proposições
P(4), P(5), e P(6) são verdadeiras. Será que a proposição P(n) é verdadeira para todos os
inteiros n ≥ 4 ?

Tudo índica que sim, uma vez que a parte esquerda da desigualdade ( 2 × 4) (n !) cresce mais
rapidamente do que a parte direita (2n). Porem, para a resposta ter validade matemática, é
necessário uma prova formal (não bastando afirmar tudo indica que…, parece que…). Um dos
métodos mais utilizados na demonstração de teoremas deste tipo, designa-se por método de
indução matemática. Este método de indução basea-se no princípio como o mesmo nome que,
por sua vez, decorre da seguinte regra de inferência:

¿ P ( n0 ) ∧ ∀ ( P ( n ) ⟹ P ( n+1 ) )∨¿ ⟹ ∀ P(n)¿


n ≥ n0 n ≥n0

Onde n é uma variável inteira e n∀ ( P ( n ) ⟹ P ( n+1 ) ) denota a conjunção da proposições


≥n 0

P ( n ) ⟹ P ( n+1 ), quando n percorre todos os valores inteiros não inferiores a n 0.

Nota-se que uma expressão lógica do tipo P ( n ) ⟹ P ( n+1 ), para cada valor particular de n , toma
um dos valores verdadeiro ou falso, pelo que, cada n, constitue uma proposição. Porém,
considerando uma expressão deste tipo como função de n não se pode afirmar que se trata de uma
proposição, uma vez que o respectivo valor lógico pode depender dos valores particulares de n.
neste caso dada uma expressão lógica cujo o valor lógico depende dos valores particulares das
variáveis x 1 , … , x m, z qual podemos denotar por Q(x 1 … x m ), dizemoos que Q(x 1 … x m ) é um
predicado. Mas formalmente, um predicado é uma aplicação que para uma dada lista de
constantes se transforma numa proposição (ou seja, faz corresponder o valor verdadeiro ou falso).

Assim, para mostrar que o predicado n∀


≥n
P(n) é verdadeira utilizando o método de indução, é
0

necessário mostrar que a proposição P(n) é verdadeira e que o predicado n∀ ( P ( n ) ⟹ P ( n+1 ) ) é


≥n 0
também verdadeiro. Logo, podemos descrever o princípio de indução conforme a seguir se
índica.

Para cada inteiro positivo n, seja P(n) uma proposicao. Para mostrar que a proposição P(n)é
verdadeira para todo o inteiro n ≥ n0, basta mostrar que:

(a) A proposição P(n 0) é verdadeira;


(b) Para cada inteiro k ≥ n0 , a implicação.

P(k) ⟹ P (k +1) é também verdadeira (o que signifíca que a proposição P(k +1)é verdadeiro se a
proposição P(k) é verdadeira).

Voltando ao nosso exemplo inicial, seja n 0=4 . Já sabemos que a proposição P(4) é verdadeira
(isto é, a condição inícial verifica-se). Para completar a demonstração resta provar o passo de
indução, para k ≥ 4 , ou seja, resta provar que a implicação:

k k +1
k ! ≥ 2 ⟹(k +1)! >2

É verdadeira para k ≥ 4 . Com efeito, supondo que a desigualdade k !> 2k é verdadeira, vem que:

( k +1 ) !=k ! ( k +1 )> 2k × 2,

Uma vez que k +1 ≥ 5>2. Entao pelo princípio de indução, podemos concluir que a desigualdade:

n
n !> 2

É verdadeira para cada inteiro n ≥ 4 .

A primeira prova por indução que se conhece foi publicada no ano de 1575 no livro
Arithmeticorum Libri Duo, e é atribuída ao Frade benedito Italiano Francesco Maurolico (1494-
1575). Maurolico Mostrou, porindução, a soma dos n primos números impares é igual n2 .

Exemplo:

Vamos proceder a determinação (e mostrar a respectiva validade) de uma formúla para a soma
dos n primos números inteiro positivos.

Solucao:
Seja S ( n )=1+ 2+ …+n .

Calculando alguns valores de S(n), por exemplo S(1)=1 , S (2)=3 , S (3)=6 , S(4)=10 e S (5)=15.

2 × S ( 1 )=2=1× 2

2 × S ( 2 )=6=2 ×3

2 × S ( 3 )=12=3 ×4

2 × S ( 4 )=20=4 ×5

2 × S ( 5 )=30=5 ×6 .

As igualdades anteriores parecem indicar que, para cada inteiro positivo n, se verifica a
igualdade:

2 × S ( n ) =n ( n+1 )

Ou, equivalentemente, que S ( n )=n(n+1)÷2. Vamos mostrar que esta última igualdade é
verdadeira para todo o inteiro positivo n. Assim para cada inteiro positivo n considera-se a
proposição P(n) definida pela igualdade:

n ( n+1 )
S ( n )=
2

Já sabemos que a condição inicial P(1) é verdadeira. Supondo que a proposição P(k) para um k
arbitrariamente escolhido, vamos provar que a proposição P(k +1) é também verdadeira, ou seja,
que a igualdade:

( k+ 1 ) (k +2)
S ( k +1 ) =
2

Se verifica.

Demonstração do passo de indução:

S ( k +1 ) =1+ 2+ …+k + ( k +1 )
¿ S ( k ) + ( k +1 )

k (k+ 1) ( k+ 1 ) (k +2)
¿ + ( k +1 ) =
2 2

Logo, pelo princípio de indução a proposição P(n) é verdadeira para todo o inteiro n ≥ 1

Gauss1, com a idade de nove anos quando questionado pelo seu professor para calcular S(n),
chegou à respectiva formula somando duas vezes as parcelas de S(n), dispondo-as por ordem
crescente e por ordem decrescente conforme se indica:

S ( n )=1+ 2+ …+ ( n−1 ) +n

+ S ( n ) =n+ ( n−1 ) +…+2+¿ 1

2 S ( n )=( n+ 1 )+ ( n+1 ) +…+ ( n+ 1 )+(n+ 1)

2 S ( n )=n (n+1).

É claro que a última igualdade obtida é equivalente à fórmula:

n (n+1)
S ( n )=
2

Exemplo: vamos determinar (e mostrar a respectiva validade) uma formula para a soma dos
cubos dos n primeiros de numeros inteiros positivos:

3 3 3
1 +2 +…+ n .

Solucao: calculando alguns casos particulares, obtem-se:

3 2
1 =1=1

3 3 2
1 +2 =9=3

3 3 3 2
1 +2 +3 =36=6

3 3 3 3 2
1 +2 +3 +4 =100=10

3 3 3 3 3 2
1 +2 +3 +4 +5 =225=15
Uma vez que, de acordo com o Exemplo S(1)=1 , S (2)=3 , S (3)=6 , S(4)=10 , S(5)=15 , os
calculos anteriores parecem indicar que, para n≥ 1, se obtem a formula:

3 3 3
1 +2 +…+ n =¿

Vamos fazer a prova por inducao:

1. verificando a condicao inicial, vem que:

( )
2
3 1× 2
1 =1= .
2

( )
2
3 3 3 2 n ( n+1 )
Suponhamos que a formula 1 +2 +…+ n =( S ( n ) ) = é valida para n=k (hipótese de
2
indução), ou seja:

( )
2
3 3 k ( k +1 ) 3
1 +2 +…+ k = .
2

Entao podemos concluir que:

( )
2
3 3 3 k ( k +1 ) 3
1 +2 +…+ k + ( k +1 ) = +(k +1)3
2

( ) ( k +4 ( k +1) )
2
k+ 1 2
¿
2

( )
2
(k +1)(k +2)
¿ .
2

Como consequencia, a formula 13 +23 +…+ n3=¿ é valida para todo o inteiro positivo n.

Exemplo: vamos mostrar que, para todos os inteiros n ≥ 0, o numero que se obtem da expressao:

n+2 2 n+1
6 +7

É divisivel por 43.

Solucao:
1. verificado a condicao inicial, para n=0, obtem-se 6 2+7 1=43 que é, claramente, divisivel
por 43.
2. Supondo que existe um numero inteiro p tal que:

k+2 2 k +1
6 +7 =43 p ,

Para k arbitrariamente escolhido, vamos provar que existe um numero inteiro q tal que

k+1+2 2( k+1 ) +1
6 +7 =43 q ,

Com efeito:

6 k+3 +72 k +3=6 ( 6 k+2 +72 k +1 )−6 × 72 k+1 +7 2k +3

¿ 6 ( 6 k+2 +72 k +1 ) +72 k+ 1 ( 7 2+6 )

¿ 6 × 43 × p+ 43× 72 k+ 1=43 ( 6 p+7 2 k+1 ) .

Consequentemente, uma vez que o numero 6 p+7 2k +1 é um numero inteiro, a demonstracao do


passo de inducao fica completa, podendo concluir-se que o resultado pretendido se verifica para
todos os inteiros n ≥ 0.

Exemplo: vamos mostrar que para todos os inteiros n ≥ 4 .

n 3
3 >n .

Solucao:

1. Verificando a condição inicial, para n=4 , obtem-se 3 4=81>64=43 pelo que, a


desigualdade 3n >n 3 é verdadeira para n=4 .
2. Por hipotese de indução, supondo que para k ≥ 4 , a desigualdade:

k 3
3 >k

Se verifica, resta a provar que a desigualdade:

k +1
3 >¿

É verdadeira, o que constitui o passo de indução.


Demonstração do passo de indução. Uma vez que:

3 3 1
(
( k +1 )3 =k 3 +3 k 2 +3 k + 1=k 3 1+ + 2 + 3
k k k )
E, por hipótese de indução, k 3<3 k , então basta mostrar que, para k ≥ 4 :

3 3 1
1+ + 2 + 3 ≤ 3
k k k

3 3 1
Porem, uma vez que o máximo de 1+ + 2 + 3 , para os inteirosk ≥ 4 , é atingido para k =4 com o
k k k
qual se obtém:

3 3 1
1+ + 2 + 3
4 4 4

3 3 1 125
¿ 1+ + + = ≤3
4 16 64 64

Conclui-se o pretendido.

Exemplo:

(desigualdade de Chebyshev). Dada a sequencia de números reais z 1 , z 2 ,… , z n , com n ∈ N ,


vamos mostrar que se verifica a desigualdade:

( )
n 2 n

∑ z k ≤ n ∑ z 2k
k=1 k=1

Conhecida por desigualdade de Chebyshev.

Solução: prova por indução sobre n.

Uma vez que para n=1, tem-se:

(∑ )
1 2 1
z k =z =1 ∑ z 2k
2
1
k=1 k=1
( )
n 2 n
A desigualdade ∑ z k ≤ n ∑ z 2k verifica-se para n=1.
k=1 k=1

Vamos mostrar que para n ≥ 2, tem-se:

(∑ ) (∑ )
n−1 2 n −1 n −1 2 n
z k ≤ ( n−1 ) ∑ z ⟹ zk ≤ n ∑ zk
2 2
k
k=1 k=1 k =1 k=1

(∑ )
n−1 2 n −1
Com efeito, admitindo que a desigualdade z k ≤ ( n−1 ) ∑ z 2k se verifica, vem que:
k=1 k=1

( )( )
n−1 2 n−1 2 n−1 n−1 n −1

∑ zk = ∑ zk + z 2n +2 zn ∑ z k ≤ ( n−1 ) ∑ z 2k + z2n +¿ ∑ 2 z n z k ¿
k=1 k=1 k=1 k=1 k =1

n−1 n−1 n
≤(n−1) ∑ z + z + ∑ ( z + z ) =n ∑ z 2k
2
k
2
n
2
n
2
k
k=1 k=1 k=1

2 2 2
Uma vez que ( z n−z k ) ≥ 0⟹ 2 z n z k ≤ z n + z k . Logo, por indução, conclui-se que desigualdade de
Chebyshev é verdadeira para n ∈ N .

Exemplo: vamos mostrar, por indução, que a soma dos n primeiros termos da progressão
aritmética, com primeiro termo α e razão δ , é igual a:

1
n ( 2 α +(n−1)δ )
2

Solução: nota-se que se α 1 , α 2 , …. , a n , … é uma progressão aritmética cujo primeiro termo é α e


a razão é δ , então α 1=α e, para n ≥ 2, vem que:

α n=α n−1 +δ

Como consequência, para n ≥ 1, o n -ésimo termo da progressão pode ser determinado por
intermédio da equação.

α n=α +(n−1)δ
Vamos utilizar esta igualdade para mostrar, por indução, a validade da fórmula:
1
n ( 2 α +(n−1)δ )
2

1. Verificando a condição inicial, para n=1, obtém-se:

1
α 1=α = ×1 ( 2 α + 0× δ )
2

Pelo que o resultado é verdadeiro para n=1.

2. Supondo que, para k ≥ 1, a hipótese de indução se verifica, ou seja, que a igualdade:

1
α 1+ α 2 +…+ α k + α k+1= ( k +1 )(2 α +kδ )
2

Também é verdadeira (passo de indução).

Demonstração do passo de indução. Por hipótese de indução, teremos:

1
α 1+ α 2 +…+ α k + α k+1= k ( 2 α + ( k−1 ) δ ) +α k +1
2

e, tendo em conta α n=α +(n−1)δ , sabemos que α k+1 =α + kδ . Então:

1
α 1+ α 2 +…+ α k + α k+1=ka + k ( k−1 ) δ +α +kδ
2

1
¿ ( k +1 ) α + k ( k +1 ) δ
2

1
¿ ( k +1 ) ( 2 α + kδ )
2

No exemplo a seguir vamos utilizar uma variante do principio de indução, designado por
principio de indução completa, com o qual, admitindo que a condição inicial P ( n0 ) se verifica e
que, para todo o k ≥ n0 , a implicação:

∀ P ( n ) ⟹ P ( k +1 )
n ∈ [ n0 ; k ]
É verdadeira, se conclui que a proposição p(n) é verdadeira para todo o n ≥ n0

( onde [ n0 ; k ] denota o conjunto {n∈ N : n0 ≤n ≤ k }).

Exemplo: vamos mostrar, utilizando o principio de indução completa, que se α 0=12, α 1=29 e,
para n ≥ 2, a igualdade será:

a n=5 an−1−6 an−2

É verdadeira, então pode concluir-se que:

n n
a n=5 ×3 +7 × 2

Para todo o inteiro n ≥ 0.

Solução:

1. Verificando a condição inicial, para n=0 e n=1, obtém-se:

0 0 1 1
a 0=12=5 ×3 + 7 ×2 , a 1=29=5 × 3 +7 × 2

2. Admitindo, por hipótese de indução, que a igualdade a n=5 ×3n +7 × 2n se verifica para
todo o n ∈ [ 0 , k ], onde k é um numero inteiro tal que k ≥ 1, vamos provar que a igualdade:

k+1 k+1
a k+1=5 × 3 +7 ×2

É verdadeira. Com efeito, tendo em conta a n=5 an−1−6 an−2 e a hipótese de indução, vem
que:

a k+1=5 a k × 6 a k−1 =5 ( 5× 3k +7 ×2 k ) −6 ( 5 ×3 k−1+7 × 2k−1 )

k+1 k +1
¿ 5 ×3 +7 ×2

Observe que, na prova por indução, todos os elementos definidos à custa do argumento de
indução, com valores não inferiores ao que define a condição inicial, são importantes. Não se
considerando um deles, a prova deixa de ser válida e, mais grave do que isso, o resultado
concluído pode estar completamente errado. Seguem-se dois exemplos de utilização incorrecta do
princípio de indução que implicaram a obtenção de provas e conclusões erradas.

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