Você está na página 1de 7

Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo

PJe - Processo Judicial Eletrônico

20/03/2024

Número: 5014846-96.2023.8.08.0012
Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL
Órgão julgador: Cariacica - Comarca da Capital - 1º Juizado Especial Cível
Última distribuição : 26/09/2023
Valor da causa: R$ 33.000,00
Assuntos: Direito de Imagem, Indenização por Dano Material, Indenização por Dano Moral
Segredo de justiça? SIM
Justiça gratuita? NÃO
Pedido de liminar ou antecipação de tutela? NÃO
Partes Procurador/Terceiro vinculado
DAYANE ALVES NOGUEIRA (REQUERENTE) FLAVIA BORGES GOMES LOBO (ADVOGADO)
VITOR SEIDEL SARMENTO (ADVOGADO)
FILIPE CARLOS MACIEL FERREIRA (ADVOGADO)
DAYANE ALVES NOGUEIRA 12288899700 (REQUERENTE) FLAVIA BORGES GOMES LOBO (ADVOGADO)
VITOR SEIDEL SARMENTO (ADVOGADO)
FILIPE CARLOS MACIEL FERREIRA (ADVOGADO)
MICROSOFT INFORMATICA LTDA (REQUERIDO) MAURO EDUARDO LIMA DE CASTRO (ADVOGADO)
FACEBOOK SERVIÇOS ONLINE DO BRASIL LTDA CELSO DE FARIA MONTEIRO (ADVOGADO)
(REQUERIDO)
Documentos
Id. Data da Documento Tipo
Assinatura
39271 19/03/2024 19:41 Sentença Sentença
866
ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
PODER JUDICIÁRIO
Juízo de Cariacica - Comarca da Capital - 1º Juizado Especial Cível
Rua São João Batista, 1000, Fórum Doutor Américo Ribeiro Coelho, Alto Laje, CARIACICA - ES - CEP: 29151-230
Telefone:(27) 32465607
PROCESSO Nº 5014846-96.2023.8.08.0012
PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL (436)
REQUERENTE: DAYANE ALVES NOGUEIRA, DAYANE ALVES NOGUEIRA 12288899700

REQUERIDO: MICROSOFT INFORMATICA LTDA, FACEBOOK SERVIÇOS ONLINE DO


BRASIL LTDA

Advogados do(a) REQUERENTE: FLAVIA BORGES GOMES LOBO - ES29288, VITOR SEIDEL
SARMENTO - ES23435, FILIPE CARLOS MACIEL FERREIRA - ES18787
Advogados do(a) REQUERENTE: FLAVIA BORGES GOMES LOBO - ES29288, VITOR SEIDEL
SARMENTO - ES23435, FILIPE CARLOS MACIEL FERREIRA - ES18787

Advogado do(a) REQUERIDO: MAURO EDUARDO LIMA DE CASTRO - SP146791


Advogado do(a) REQUERIDO: CELSO DE FARIA MONTEIRO - SP138436

PROJETO DE SENTENÇA

Cuido de ação ajuizada por Dayane Alves Nogueira em face de Microsoft Informática Ltda. e
Facebook Serviços Online do Brasil Ltda.

Aduz a autora que exerce a atividade empresarial como “nail designer” e comerciante de roupas
femininas, utilizando-se da rede social Instagram para divulgação e vendas. Contudo, relata que
terceiros conseguiram acessar seu endereço de e-mail e se apropriar dos seus perfis na rede
social para realizar falsas divulgações, ludibriando seus seguidores a efetuarem transferências
bancárias. Narra ainda que sua linha telefônica, diretamente vinculada às suas redes sociais, foi
transferida para terceiro indevidamente, o qual passou a utilizá-la para aplicar os golpes. Com
isso, afirma que ficou sem qualquer meio para gerenciar e recuperar suas contas digitais. Diz que
tentou resolver a situação com as rés e a operadora VIVO, seguindo suas orientações, mas não
obteve êxito. Assim, alega que realizou o pagamento do valor exigido pelo terceiro para devolver
o acesso ao seu e-mail e perfis da rede social Instagram, totalizando a quantia de R$ 6.000,00.
Diante disso, postula o ressarcimento do valor pago, em dobro, indenização por lucros cessantes
e indenização por dano moral.

As rés apresentaram contestações nos ids. 33556659 (Microsoft) e 38581893 (Facebook), na


qual sustentam que a autora foi vítima do golpe denominado “Sim Swap”, por meio do qual
terceiro consegue acessar a linha de telefone e demais informações pessoais da vítima perante
sua operadora e, assim, invadir as contas digitais nele vinculadas, como o e-mail e a rede social.
Assim, defendem que não houve falha de segurança das plataformas, mas, sim, culpa exclusiva
de terceiro, pugnando, ao final, pela improcedência dos pedidos.

Assinado eletronicamente por: BERNARDO ALCURI DE SOUZA - 19/03/2024 19:41:10 Num. 39271866 - Pág. 1
https://pje.tjes.jus.br/pje/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?x=24031919411088500000037496476
Número do documento: 24031919411088500000037496476
É a síntese da demanda, em que pese dispensado o relatório, nos termos do art. 38 da Lei nº.
9.099/95. Passo a decidir.

À partida, rejeito a preliminar de inépcia suscitada pela Microsoft, visto que a petição inicial
atende aos requisitos estabelecidos no art. 319 do CPC e art. 14, §1º, da Lei nº. 9.099/95, sendo
possível extrair com clareza e coerência as pretensões autorais, a partir da causa de pedir e
pedidos, dos quais decorrem que sua conta de e-mail administrada pela ré também foi acessada
indevidamente por terceiro para cometimento das fraudes.

Rejeito, outrossim, a preliminar de ilegitimidade passiva, pois, segundo a teoria da asserção,


adotada pelo c. STJ, as condições da ação se definem a partir da narrativa deduzida na inicial
(REsp. 1.834.003/SP), da qual decorre que a ré Microsoft é a instituição administradora do
endereço eletrônico da autora, cadastrada no provedor “Hotmail”, evidenciando sua pertinência
subjetiva para responder à demanda.

Superadas essas questões, passo a análise do mérito.

A relação jurídica estabelecida entre as partes é de natureza consumerista, sendo regida pela Lei
nº. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), pois, a despeito da autora utilizar as plataformas
digitais para fomentar sua atividade empresarial, é inegável sua vulnerabilidade perante as rés,
fornecedoras com atuação nacional e internacional, as quais possuem toda capacidade técnica e
probatória para dirimirem a controvérsia.

O c. STJ vem admitindo a mitigação da teoria finalista nos casos em que “a parte (pessoa física
ou jurídica), embora não seja tecnicamente a destinatária final do produto ou serviço, se
apresente em situação de vulnerabilidade” (AgRg no AREsp 646.466/ES), tal como sói ocorrer no
caso dos autos.

No mesmo sentido, é a jurisprudência do eg. TJ/ES:

AGRAVO DE INSTRUMENTO – PROCESSO CIVIL – AÇÃO DE EXECUÇÃO PROPOSTA PELO


BANDES – PRODUTORES RURAIS – INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
– TEORIA FINALISTA MITIGADA OU APROFUNDADA – POSSIBILIDADE DE DECLARAÇÃO DE
NULIDADE DE CLÁUSULA DE ELEIÇÃO DE FORO – DECLINAÇÃO DE OFÍCIO DA
COMPETÊNCIA TERRITORIAL – DECISÃO MANTIDA – RECURSO CONHECIDO E
DESPROVIDO. 1 – A jurisprudência do c. STJ e a do e. TJES tem mitigado a teoria finalista
para reconhecer a incidência do CDC nas hipóteses em que a parte, pessoa física ou jurídica,
apesar de não ser tecnicamente a destinatária final do produto ou serviço, se apresenta em
situação de vulnerabilidade. Precedentes. […]. (TJES, Classe: Agravo de Instrumento,

Assinado eletronicamente por: BERNARDO ALCURI DE SOUZA - 19/03/2024 19:41:10 Num. 39271866 - Pág. 2
https://pje.tjes.jus.br/pje/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?x=24031919411088500000037496476
Número do documento: 24031919411088500000037496476
24169004033, Relator: ARTHUR JOSÉ NEIVA DE ALMEIDA, Órgão julgador: QUARTA CÂMARA
CÍVEL, Data de Julgamento: 20/06/2016, Data da Publicação no Diário: 30/06/2016)

Nesse passo, é sabido que a legislação consumerista impõe ao fornecedor o ônus de provar a
regularidade da sua prestação de serviço ou eventual causa excludente do nexo de causalidade,
como a culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, a fim de ilidir sua responsabilidade civil objetiva,
nos termos do art. 14, §3º, inc. I e II, do CDC, que assim dispõe:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela


reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços,
bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Analisando detidamente os autos, vejo que a autora foi vítima de fraude por terceiro
estelionatário, o qual, após se apropriar da sua linha telefônica, logrou acessar seu endereço de
e-mail administrado pela Microsoft e seus perfis na rede social Instagram gerenciada pelo
Facebook para exigir transferências bancárias.

Ocorre que, conquanto as rés suscitem a culpa exclusiva de terceiro, fraudador e operadora de
telefonia, certo é que não demonstram ter adotado medidas eficazes no sentido de coibir a
consumação da fraude, apesar de demonstrem pleno conhecimento do modus operandi.

Com efeito, as rés, na qualidade de provedoras de serviços de internet, possuem um dever de


agir perante os consumidores cadastrados em suas plataformas digitais, de modo a garantir a
segurança de seus dados pessoais, sob pena de responderem civilmente pela reparação de
danos causados, à luz do disposto no art. 7º, inc. I, da Lei nº. 12.965/2014 (Marco Civil da
Internet), in verbis:

Art. 7º O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os


seguintes direitos:

Assinado eletronicamente por: BERNARDO ALCURI DE SOUZA - 19/03/2024 19:41:10 Num. 39271866 - Pág. 3
https://pje.tjes.jus.br/pje/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?x=24031919411088500000037496476
Número do documento: 24031919411088500000037496476
I - inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção e indenização pelo dano material ou
moral decorrente de sua violação;

No caso, as rés estão inseridas na mesma cadeia de consumo controvertida, cujas aplicações de
internet disponibilizadas aos usuários se interligam, de forma que respondem solidariamente em
decorrência da fraude, nos termos dos arts. 7º, parágrafo único, 25, §1º e 34 do CDC, a qual
somente se consuma após acesso simultâneo das plataformas.

Ademais, ainda que comprovada a prática ilícita por terceiro estelionatário, a excludente capaz de
elidir a responsabilidade objetiva do fornecedor é somente aquela que se enquadra no gênero de
fortuito externo, ou seja, aquele evento inevitável, imprevisível e que não guarda relação de
causalidade com a sua atividade, sendo absolutamente estranho ao produto ou serviço ofertado,
o que não é o caso.

A fraude praticada é fato previsível e inerente ao risco do empreendimento, caracterizando-se


como fortuito interno, que não é capaz de romper o nexo de causalidade e, por conseguinte, não
afasta a responsabilidade civil das rés pelo acidente de consumo.

Quanto ao dano material, é cediço que podem se relacionar tanto ao que a parte efetivamente
perdeu (danos emergentes) quanto ao que razoavelmente deixou de lucrar (lucros cessantes), na
forma do art. 402 do CC.

No tocante ao dano emergente, tenho que as rés devem ser condenadas a ressarcirem o valor de
R$ 6.000,00 pago pela autora para recuperação do seu endereço de e-mail e perfil do Instagram,
até porque, não agiram com escopo de sanar o problema adequadamente, evitando o prejuízo
patrimonial.

Entretanto, o ressarcimento deverá ocorrer de forma simples, porquanto não houve cobrança
indevida realizada diretamente pelas rés, mas, sim, por terceiro, de modo que se afigura
inaplicável a norma prevista no art. 42, parágrafo único, do CDC à hipótese.

Outrossim, no que concerne ao lucro cessante, relativo ao período em que a autora deixou de
laborar por meio da rede social, não há prova inequívoca nos autos acerca do dano.

Deveras, o dano indenizável a título de lucros cessantes é aquele que se traduz em efetiva
demonstração de prejuízo, partindo do pressuposto de previsão objetiva de lucro, não auferido
em razão do inadimplemento (STJ; REsp nº. 615.203/MS).

Assinado eletronicamente por: BERNARDO ALCURI DE SOUZA - 19/03/2024 19:41:10 Num. 39271866 - Pág. 4
https://pje.tjes.jus.br/pje/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?x=24031919411088500000037496476
Número do documento: 24031919411088500000037496476
Assim sendo, deve ser comprovado mediante a apresentação de rendimentos ou elementos
probatórios que demonstrem os ganhos habituais com o exercício da atividade desempenhada,
bem como a impossibilidade de sua realização em razão exclusiva do ato ilícito.

In casu, as provas apresentadas pela autora não permitem apurar a média diária e mensal
habitualmente recebida, tampouco a impossibilidade de exercer suas atividades empresariais,
razão pela qual a rejeição do pleito indenizatório por lucros cessantes é medida que se impõe.

Por derradeiro, tenho que a situação vivenciada pela autora perpassa a esfera do mero dissabor,
caracterizando o dano moral e o dever de indenizar das rés, visto que não procederam com a
diligência que legitimamente se esperava, transferindo o ônus do ocorrido integralmente à
consumidora e, consequentemente, frustrando sua legítima expectativa de adequação e
segurança do serviço prestado.

É evidente os transtornos decorrentes do caso, fazendo com que a autora desperdiçasse o seu
tempo útil e se afastado de suas competências para resolver o problema gerado pela falha na
prestação de serviço.

Não se exige a prova do efetivo abalo psicológico ou emocional pela autora, por fazer parte da
esfera íntima, de difícil comprovação, de modo que o dano decorre das próprias circunstâncias
fáticas.

Levando em conta que tal espécie indenizatória não deve ser fonte de enriquecimento indevido
da vítima, mas, sim, lhe trazer um conforto e coibir sejam perpetradas novas ilicitudes pelo
responsável por sua ocorrência, bem como diante da repercussão do fato praticado e do nível
socioeconômico dos litigantes, é razoável e proporcional a fixação da quantia de R$ 4.000,00, a
título de dano imaterial (art. 944 do CC e art. 5º, inc. V, da CF).

Ante o exposto, julgo parcialmente procedentes os pedidos iniciais para condenar


solidariamente as rés ao pagamento de R$ 6.000,00, a título de dano material emergente,
corrigido monetariamente a partir da data do desembolso e acrescido de juros moratórios legais a
contar da data de citação, e ao pagamento de R$ 4.000,00 de indenização por dano moral,
corrigido monetariamente a partir da data do arbitramento e acrescido de juros moratórios legais a
contar da data da citação.

Com isso, resolvo meritoriamente o processo, na forma do art. 487, inc. I, do CPC.

Sem custas e honorários advocatícios (art. 55 da Lei nº 9.099/95).

Assinado eletronicamente por: BERNARDO ALCURI DE SOUZA - 19/03/2024 19:41:10 Num. 39271866 - Pág. 5
https://pje.tjes.jus.br/pje/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?x=24031919411088500000037496476
Número do documento: 24031919411088500000037496476
Publique-se. Registre-se. Considerar-se-á intimadas as partes na data designada para leitura de
sentença.

Transitada em julgado, aguarde-se a manifestação do credor pelo prazo de 30 dias e, nada


havendo, arquive-se com as cautelas de estilo.

Para o caso de cumprimento voluntário (art. 526 do CPC), cumpre ao devedor proceder ao
depósito em conta judicial no Banestes, nos termos do disposto nas Leis Estaduais nº 4.569/91 e
nº 8.386/06, bem como Ato Normativo Conjunto nº 036/2018 do TJES, sob pena de incorrer na
multa pela prática de ato atentatório à dignidade da justiça, nos termos do art. 77, inc. IV e §2º do
CPC. Nesse caso, havendo concordância expressa do credor, expeça-se alvará ou transferência
eletrônica, conforme o caso, e colha-se a quitação. Após, venham-me conclusos para extinção,
na forma do art. 924, inc. II, do CPC.

Submeto à apreciação do projeto de sentença ao MM. Juiz de Direito para homologação, nos
termos do art. 40 da Lei nº 9.099/95.

Cariacica/ES, 07 de março de 2024.

FABIO LUIZ DUARTE RODRIGUES

Juiz Leigo

SENTENÇA

O projeto de sentença elaborado pelo Juiz Leigo atende aos requisitos formais e seus
fundamentos estão em conformidade com a conclusão. Posto isso, homologo o projeto de
sentença, nos termos do art. 40 da Lei nº 9.099/95.

Cariacica/ES, 19 de março de 2024.

Juiz de Direito

assinado eletronicamente

Assinado eletronicamente por: BERNARDO ALCURI DE SOUZA - 19/03/2024 19:41:10 Num. 39271866 - Pág. 6
https://pje.tjes.jus.br/pje/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?x=24031919411088500000037496476
Número do documento: 24031919411088500000037496476

Você também pode gostar