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Poder Judiciário do Estado de Minas Gerais

PJe - Processo Judicial Eletrônico

17/04/2023

Número: 5007329-20.2022.8.13.0470
Classe: [CÍVEL] PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL
Órgão julgador: Unidade Jurisdicional da Comarca de Paracatu
Última distribuição : 14/11/2022
Valor da causa: R$ 10.219,00
Assuntos: Indenização por Dano Moral, Práticas Abusivas, Vendas casadas
Segredo de justiça? NÃO
Justiça gratuita? SIM
Pedido de liminar ou antecipação de tutela? NÃO
Partes Advogados
GUSTAVO ADAO COSTA SOARES (AUTOR)
ANNA CECILIA CARVALHO OLIVEIRA BARROS
(ADVOGADO)
APPLE COMPUTER BRASIL LTDA (RÉU/RÉ)
RAPHAEL BURLEIGH DE MEDEIROS (ADVOGADO)

Documentos
Id. Data da Assinatura Documento Tipo
9729600903 08/03/2023 13:01 Sentença Sentença
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS

Justiça de Primeira Instância

Comarca de PARACATU / Unidade Jurisdicional da Comarca de Paracatu

PROCESSO Nº: 5007329-20.2022.8.13.0470

CLASSE: [CÍVEL] PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL (436)

ASSUNTO: [Indenização por Dano Moral, Práticas Abusivas, Vendas casadas]

AUTOR: GUSTAVO ADAO COSTA SOARES

RÉU/RÉ: APPLE COMPUTER BRASIL LTDA

SENTENÇA

1. Relatório.

Dispensado o relatório, nos termos do artigo 38, caput, da Lei 9.099de 1995. Passo ao apontamento dos fatos
mais relevantes.

Cuida-se de ação de obrigação de fazer c/c indenização por danos morais,ajuizadapor Gustavo Adão Costa
Soaresem face da Apple Computer Brasil LTDA.

De acordo com a inicial, a parte requerente adquiriu um Iphone 13 – 256gb, estelar, tela de 6.1, câmera dupla
de 12 mp pelo valor de R$ 5.849,00. Ao abrir a caixa contendo o aparelho telefônico, percebeu que constava apenas o cabo
USB-C, sem o adaptador, alegando assim estar impossibilitado de utilizar o produto, uma vez que não é possível conectá-lo a
energia para carregar a bateria. Diante disto, ingressou com a presente ação.

A parte requerida apresentou contestação nos autos.

Número do documento: 23030813015292400009725694122


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Após, houve a juntada da impugnação.

Ambas as partes pugnaram pelo julgamento antecipado da lide, motivo pelo qual vieram-me os autos
conclusos para julgamento.

2. Do julgamento antecipado.

Feito pronto para julgamento, nos termos do art. 355, Ido Código de Processo Civil, por se tratar de questão
de fato e de direito que não demanda a produção de prova em ato instrutório.

Registro que o julgamento antecipado do processo é uma exigência de celeridade processual que atende à
garantia constitucional da razoável duração do processo, conforme dispõe o art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal.

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça assentou que “o juiz pode conhecer diretamente do pedido
quando a questão de mérito, mesmo sendo de direito e de fato, não demonstre haver necessidade de produção de prova em
audiência”. (REsp nº 27338/MA, Rel. Min. JESUS COSTA LIMA, Quinta Turma, DJ de 1º.2.1993).

Em verdade, o julgamento antecipado representa o direito a um processo sem dilações indevidas, tornando
concreta a promessa constitucional estabelecida a partir da Emenda Constitucional nº 45/2004.

Mormente porque, no caso em espécie, dispensável a produção de provas pericial ou oitiva de testemunhas,
vez que os fatos podem ser comprovados através de prova documental.

3. Do mérito.

Estando presentes os pressupostos processuais e condições da ação, mormente pela desnecessidade de outras
provas a serem produzidas em audiência de instrução e julgamento, haja vista se tratar de matéria exclusivamente de direito, passo
a analisar o mérito.

A presente lide evidencia uma clássica relação de consumo, estando clara a condição da parte autora como
consumidora, da parte requerida como fornecedora e o objeto da relação enquadrado ao conceito de serviço. Com isso, deve-se
analisar o presente caso sob a égide da Lei 8.078/90.

Pois bem.

O art. 39, I do CDC considera prática abusiva o condicionamento do fornecimento de produto ou serviço a
outro produto ou serviço. In verbis:

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Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem

justa causa, a limites quantitativos;

Tal conduta é tida como prática de venda casada, que nada mais é que o condicionamento da compra de um
produto ou serviço, à aquisição de outro. Tal prática, além de ser considerada ilegal no Brasil, é alvo de inúmeras políticas e
sanções com fulcro de impedir sua disseminação nas relações consumeristas.

No presente caso, resta configurada a venda casada de maneira implícita.

Isto porque, o não fornecimento da fonte de carregador impossibilita a utilização do aparelho telefônico.
Assim, a venda de um produto que somente poderá ser usado e aproveitado mediante a aquisição de outro comercializado em
separado, caracteriza a inequívoca venda casada.

Ainda que a empresa forneça o cabo de alimentação, percebo que este possui entrada USB-C, sendo esta
tecnologia nova em nosso país.

Desta forma, não é comum que notebooks e demais computadores de mesa sejam fabricados e vendidos no
Brasil com portas USB-C, ante a novação tecnológica, fazendo cair por terra a arguição da parte requerida de que seria possível o
carregamento completo do aparelho telefônico sem o adaptador.

Ressalto, a título de explicação, que o mesmo entendimento não deve ser estendido aos fones de ouvido, uma
vez que trata-se de item periférico dispensável para o funcionamento do aparelho de telefone.

A parte requerida arguiu em sua contestação que o fato da tecnologia USB-C não ser, até o momento,
difundida no Brasil, não representa por si só violação ao direito do consumidor.

Entretanto, deve a parte requerida atentar-se de que, ao comercializar um produto dentro do território
nacional, deverá ater-se à realidade do referido local, não podendo exigir que um produto ou serviço seja fornecido e distribuído
de maneira idêntica em diversos países com avanços tecnológicos distintos.

Diferente seria, se o produto não fosse comercializado no Brasil pela própria requerida através de suas lojas
autorizadas, oportunidade em que não haveria dever de observância de tal isonomia.

No mesmo sentido, exigir que o consumidor possua aparelho compatível com a entrada USB-C ou
carregamento por indução, bem como adquira adaptadores periféricos, é extremamente dispendioso, ante a vulnerabilidade
econômica que o consumidor apresenta frente a empresa requerida.

Deste modo, resta, ao entendimento deste magistrado, o inequívoco dever de fornecer o adaptador/fonte

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compatível com o aparelho telefônico da autora.

Neste mesmo sentido, trago a seguinte decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Vejamos:

“[...]APELAÇÃO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR


DANO MORAL. COMPRA E VENDA DE BEM MÓVEL (SMARTPHONE). PRODUTO COMERCIALIZADO SEM

O CARREGADOR/ADAPTADOR DE TOMADA. PRÁTICA ABUSIVA VEDADA NO ART. 39, I, DO CÓDIGO DE

DEFESA DO CONSUMIDOR (CDC). PEDIDO COMINATÓRIO PROCEDENTE. SENTENÇA NESTE CAPÍTULO

REFORMADA. APELAÇÃO PROVIDA NESSA PARTE. A prática adotada pela parte Apple (ré) de comercializar

"smartphone" sem o carregador/adaptador de tomada, configura venda casada, considerada abusiva no art. 39, I, do CDC.

Ao comercializar o "smartphone", a fabricante impõe ao consumidor a aquisição separada do

carregador/adaptador de tomada para carregamento do produto, item que, respeitadas posições contrárias, é

essencial e necessário à adequada utilização do aparelho.[...]. A prática da ré em comercializar o smartphone apenas

com o cabo de carregamento, mas sem o carregador/adaptador que permita a forma de carregamento ordinário do

aparelho, configura prática de venda casada, porque impõe ao consumidor a aquisição em separado do citado produto. [...].

Por isso é que há de se acolher o pedido cominatório para condenação da ré ao fornecimento do carregador/adaptador de

tomada sem custos adicionais. [...]” (TJSP; Ap. Cível 1038602-68.2022.8.26.0100; rel. Adilson de Araujo; j: 22/11/2022,

destaquei).

A respeito dos danos morais, percebo que, nos termos do art. 186, do Código Civil “aquele que, por ação ou
omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete
ato ilícito”.

Na mesma linha, o art. 927, do indigitado diploma legal sedimenta que “aquele que, por ato ilícito (arts. 186
e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.

Por sua vez, destaco quepara a sua ocorrência, a doutrina tem consagrado a tese de que, in verbis:

(...) lesões sofridas pelas pessoas, físicas ou jurídicas, em certos aspectos de sua personalidade, em razão de investidas

injustas de outrem. São aqueles que atingem a moralidade e a afetividade da pessoa, causando-lhe constrangimentos,

vexames, dores, enfim, sentimentos e sensações negativas. Contrapõem-se aos danos denominados materiais, que são

prejuízos suportados no âmbito patrimonial do lesado. Mas podem ambos conviver, em determinadas situações, sempre

que os atos agressivos alcancem a esfera geral da vítima, como, dentre outros, nos casos de morte de parente próximo em

acidente, ataque à honra alheia pela imprensa, violação à imagem em publicidade, reprodução indevida de obra intelectual

alheia em atividade de fim econômico, e assim por diante. Os danos morais atingem, pois, as esferas íntima e

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valorativa do lesado, enquanto os materiais constituem reflexos negativos no patrimônio alheio. Mas ambos são

suscetíveis de gerar reparação, na órbita civil, dentro da teoria da responsabilidade civil. (Carlos Alberto Bittar,

Danos Morais: Critérios para a sua Fixação", artigo publicado no Repertório IOB de Jurisprudência nº 15/93, pág.

293/291). Grifou-se.

O dolo é a vontade de provocar o dano, ao passo que a culpa propriamente dita é a simples falta de diligência
na ocorrência do dano.

No presente caso, não vislumbro a ocorrência de danos morais suportados pela parte requerente.

Isto porque, o simples fato de a requeridanão fornecer oadaptador para carregamento junto com o aparelho
telefônico, por si só, não gera danos morais passíveis de indenização.

Explico.

Desde o lançamento do Iphone11, a empresa requerida passou a não mais incluir o adaptador nas vendas de
seusaparelhos, com a justificativa de preservação ambiental e estimulação do consumo sustentável. Destaco que é fato notório e de
conhecimento geralque a empresa requeridanão fornece adaptadores nas vendas de seus aparelhos telefônicos.

Neste sentido, considerando que as informações passadas pela empresa requerida, deixam claro que o produto
é vendido desacompanhado de carregador, esta não incorreu na falha de prestação de informações com relação a acessórios,
possuindo a parte requerente, bem como os demais consumidores, pleno conhecimento do conteúdo das compras de produtos
pertencentes a requerida.

Tem-se também que, a venda do aparelho telefônico sem a fonte de energia, apesar de configurar venda
casada, não é por si só motivo suficiente para a fixação de danos morais.

Ademais, não restam provas cabaisde que a atitude da empresa requerida tenha causado ferimentos no âmago
da requerente, acarretando-lhe martírios psicológicos, não ultrapassando sua conduta da barreira do mero dissabor.

Neste sentido, tenho a seguinte decisão recente do TJSP:

Apelação. Ação cominatória c/c indenização por danos morais. Telefone celular vendido sem carregador, o que obriga o

consumidor a adquirir acessório. Venda casada às avessas configurada. Precedentes desta Câmara e Corte. Autor que não

logrou comprovar a compra desse acessório. Indenização indevida. Dano moral. Descabimento. Inexistência de

demonstração de ofensa a direito da personalidade. Ação ajuizada, ademais, cerca de três meses depois da aquisição do

telefone celular, sem qualquer notícia de que a parte teria procurado a fabricante para solução extrajudicial. Recurso

improvido. (TJSP. Ap. 1023393-59.2022.8.26.0100, rel. Walter Exner, j. 09/02/2023).

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APELAÇÃO AÇÃO INDENIZATÓRIA. Compra e venda debem móvel. Autor que adquiriu aparelho celular fabricado

pela ré, vindo o produto desacompanhado de fonte para carregamento (...) – DANOS MORAIS. Não configuração.

Situação que não ultrapassou o mero aborrecimento. Ausência de demonstração de que a conduta da ré tenha ensejado

ofensa intensa e duradoura ao comportamento psicológico do demandante ou a seus direitos personalíssimos. Não

comprovada situação de sofrimento ou humilhação, justificadora da compensação. Redistribuição dos ônus sucumbenciais.

Recurso parcialmente provido. (TJSP, Ap. Cível 1004414-40.2021.8.26.0082;relator Hugo Crepaldi; j. 01/12/2022).

Diante disto, entendo pela improcedência do pedido deindenização por danos morais, conforme
fundamentado.

4. Dispositivo.

Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTEa demanda inicial, com resolução do mérito,
nos termos do art. 487, inc. I, do CPC, para CONDENARarequeridaa obrigação de fazer, consistente no fornecimento do
carregador/adaptadorde tomada compatível com o aparelho adquirido pelarequerente, sem qualquer custo adicional,no prazo de
30 (trinta) dias.

Sem custas e honorários advocatícios (art. 55 da Lei 9.099/1995).

Com o trânsito em julgado, arquive-se os autos, mediante prévia baixa na distribuição.

Publique-se. Intime-se.

LC

PARACATU, data da assinatura eletrônica.

JOSE RUBENS BORGES MATOS

Juiz(íza) de Direito

Unidade Jurisdicional da Comarca de Paracatu

Avenida Olegário Maciel, 193, Fórum Martinho Campos Sobrinho, PARACATU - MG


- CEP: 38600-000

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