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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARÁ

5ª VARA DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DE BELÉM


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SENTENÇA

Processo nº: 0802391-29.2022.8.14.0301

Reclamante: JAMILE REIS SÁ PEREIRA


Reclamada: APPLE COMPUTER DO BRASIL LTDA e
TELEFÔNICA BRASIL S.A.

Trata-se de ação de obrigação de fazer c/c indenização


por dano moral e tutela de urgência, na qual a Reclamante alega, em
síntese, que no dia 02/12/2021, adquiriu um celular da marca APPLE,
modelo Iphone 13 PRO MAX 128 GB, na cor dourada, número de série
QJ7NQH64P5, fabricado pela APPLE, o qual foi adquirido junto a LOJA
DA VIVO, pelo valor de R$8.899,00 (oito mil novecentos e noventa e nove
reais).

Refere que o modelo foi vendido sem o carregador,


embora seja um produto essencial para o funcionamento do celular, pelo
que, alegar se tratar de venda casa e prática abusiva.

Ao final, pugnou pela condenação das Reclamadas,


solidariamente, ao fornecimento do carregador compatível com o modelo
comprado e indenização por dano moral.
Em sua contestação a reclamada, TELEFONICA
BRASIL S.A. – VIVO, arguiu preliminar de ilegitimidade passiva. No
mérito, defendeu a inexistência de prática de ato ilícito contra a
Reclamante, pugnando pela improcedência total dos pedidos autorais.

Por sua vez, a reclamada, APPLE COMPUTER


BRASIL LTDA, defendeu a regularidade da conduta e que não praticou
qualquer ato ilícito, inexistindo se falar no dever de fornecer carregador à
Reclamante, tampouco indenização por dano moral, pugnando pela
improcedência da ação.

Réplica da Reclamante no (id. 58843383).

Na audiência (id. 79777460) as partes mantiveram suas


posições antagônicas. Não houve conciliação. Os autos foram conclusos
para sentença.

É o relatório. Decido.

Preliminar de ilegitimidade passiva.

A preliminar não se sustenta, em virtude de a


reclamada, TELEFONICA BRASIL S.A. - VIVO, fazer parte da cadeia de
fornecimento do produto, razão pela qual, responde solidariamente por
qualquer dano provocado ao consumidor.

Ultrapassada a preliminar, e não havendo questões


pendentes, passo à análise do mérito.
Inicialmente, ressalto que as Reclamadas respondem
solidariamente, eis que participam da cadeia econômica de produção,
circulação e distribuição dos produtos e de prestação de serviços, nos
termos do parágrafo único, do artigo 7º e do § 1º, do artigo 25, do Código
de Defesa do Consumidor. Diante disso, respondem solidariamente por
eventuais danos causados aos consumidores, independentemente da
perquirição da existência de culpa, haja vista que se trata de
responsabilidade objetiva (art. 14 do CDC).

Versam os autos sobre evidente relação de consumo,


uma vez que a Reclamante é pessoa física que adquiriu produto junto a
reclamada, TELEFÔNICA BRASIL S.A. - VIVO, o qual é fabricado pela
reclamada, APPLE COMPUTER BRASIL LTDA, como destinatária final,
afigurando-se como consumidora, nos termos do art. 2º do Código de
Defesa do Consumidor, ao passo que as Reclamadas são pessoas jurídicas
que desenvolvem a atividade de fabricação, fornecimento de produtos e
serviços afigurando-se fornecedoras, nos termos do art. 3º do Código de
Defesa do Consumidor.

No presente caso, inegável que a consumidora está em


situação desfavorável junto às Reclamadas. De acordo com o conjunto
fático probatório entendo incontroverso que aparelho telefônico adquirido
pela Reclamante veio desacompanhado do respectivo carregador, sendo
desnecessária a inversão do ônus da prova.

Em que pese o alegado em sede de contestação, por


ambas as Reclamadas, em especial pela reclamada, APPLE, constata-se
que a recarga da bateria não pode ser feita exclusivamente com o cabo USB
ante a alteração da saída, o que torna necessária a aquisição de
adaptador/carregador de forma autônoma para carregamento, eis que não é
compatível com computadores, carro ou carregador comumente usado em
razão da alteração do padrão de saída.

A legislação consumerista, em seu artigo 39, prevê


que:
“É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços,
dentre outras práticas abusivas: I - condicionar o fornecimento de produto
ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem
justa causa, a limites quantitativos”.

Mesmo que se alegue que a conduta tenha cunho


ambiental, o fato de compelir o consumidor a comprar de forma avulsa
carregador/adaptador, sendo tal item fundamental para o funcionamento do
aparelho configura venda casada, de forma indireta. E mesmo que seja dada
a opção de aquisição de tal item de outros fabricantes, o recomendado é
que seja utilizado item da mesma marca, sob risco de danificar o aparelho
ou comprometer a vida útil da bateria.

Diante disso, entendo que a conduta adotada pelas


Reclamadas, principalmente pela APPLE COMPUTER BRASIL LTDA, é
abusiva e restringe a liberdade do consumidor, não havendo elementos a
indicar que o não fornecimento do carregador tenha ocasionado a redução
de preço do produto. Assim, as Reclamadas devem ser compelidas a
fornecer o carregador compatível com o modelo de celular adquirido pela
Reclamante, sob pena de multa.

No tocante à alegação de dano moral vislumbro a sua


ocorrência. Embora a hipótese não trate de venda casada direta, ela
caracteriza a chamada venda casada indireta, ou dissimulada, já que o
produto adquirido não se prestará ao fim colimado, sem que o consumidor
seja obrigado a adquirir o referido carregador usb-c. Isso porque o cabo
fornecido pela reclamada, APPLE, não é compatível com os carregadores
convencionais, por não seguir o padrão de usb normalmente observado em
computadores, celulares e notebooks, já que sua extremidade é composta
de usb especial, denominada usb-c, o que obriga o consumidor a comprar o
bico adaptador, comercializado pela própria APPLE para que o fio seja
compatível com o padrão regular de usb.
Assim, somente adquirindo o citado adaptador é que
será possível o carregamento do celular e, consequentemente, possibilitado
o seu uso, uma vez que trata de produto indispensável para o seu normal
funcionamento. Diante disso, restando evidente a conduta ilícita das
Reclamadas, consubstanciada na prática abusiva de venda casada indireta,
imperiosa se faz a fixação de indenização a título de danos morais.

No que se refere ao valor indenizatório, se deve buscar


a justa medida que compreenda compensação à vítima pelos danos
sofridos, sem transformar a indenização em fonte de enriquecimento
indevido, mas atendendo ao seu caráter pedagógico de modo a desestimular
a reiteração de condutas semelhantes. Deve ser levada em conta também, a
capacidade econômica das partes, de modo a evitar que a compensação seja
irrisória para a vítima, ou exacerbada a quem deve pagá-la. Assim, diante
de tais parâmetros, arbitro a condenação no valor de R$ 3.000,00 (três mil
reais), em respeito à proporcionalidade e razoabilidade com relação aos
danos sofridos.

Posto isto, julgo parcialmente procedentes os pedidos


da Reclamante para condenar as Reclamadas, solidariamente, na obrigação
de fazer, qual seja entregar à Reclamante, no prazo de 10 dias úteis, o
carregador para Iphone 13 PRO MAX 128 GB que adapte o cabo com bico
usb-c a fim de viabilizar o uso de seu aparelho celular, sob pena de multa
de R$ 200,00 (duzentos reais), até o limite de R$ 5.000,00 (cinco mil
reais).

Condeno, ainda, as Reclamadas, solidariamente, ao


pagamento ao pagamento de R$ 3.000,00 (três mil reais), a ser atualizado
monetariamente pelo INPC, a partir desta decisão (Súmula 362 do STJ), e
acrescidos de juros de mora simples de 1% (um por cento) ao mês, a partir
da citação (art. 405 do CC), a título de indenização por danos morais, nos
termos da fundamentação.

Extingo o processo com resolução de mérito, nos


termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil.
Certificado o trânsito em julgado e sendo mantida a
condenação, aguarde-se o requerimento da Reclamante, intimando-se as
Reclamadas para cumprimento voluntário da sentença, no prazo de 15
(quinze) dias, contado da intimação, findo o qual, o valor da condenação
deverá ser atualizado com a incidência de pena de multa de 10% (dez por
cento), nos termos do art. 523, § 1º, do Código de Processo Civil.

Após havendo o pagamento e se não houver


divergências entre as partes quanto ao valor pago, providencie-se a
expedição de alvará em favor da parte credora e/ou se decorrido o prazo de
30 (trinta) dias, sem pedido de cumprimento, os autos deverão ser
arquivados, dando-se baixa nos registros.

Sem custas e honorários no primeiro grau de


jurisdição, conforme art. 54 e 55, da Lei nº 9.099/95.

Publique-se. Registre-se. Intime-se.

Belém, PA, 16 de maio de 2023.

TANIA BATISTELLO

Juíza de Direito Titular da 5ª Vara do JEC de Belém.

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