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sexta-feira, 2 de setembro de 2022 Translate

Ibn Sina (Avicena) sobre o conhecimento e Selecione o idioma Powered by Tradutor

a vontade de Deus Descrição


Blog educativo sobre filosofia (ocidental e
oriental), religião comparada, simbolismo
tradicional, esoterismo e literatura. Há 17 anos
na internet.

Todos os textos são o resultado de estudos


pessoais do autor, e não representam adesão
a quaisquer movimentos ideológicos, políticos
ou religiosos.

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"Por conseguinte, Sua vontade procedendo da ciência é de tal sorte que Ele sabe que a
existência de tal coisa é digna e boa em si mesma, que a existência de tal outra deve ser tal
para que ela seja digna e nobre, e que a existência de uma outra é preferível à sua
inexistência. Então, nada mais é necessário para que aquilo que é conhecido por Ele venha à
existência." Seguir

IBN SINA, O Livro da Ciência, Livro I, Metafísica


Páginas
O filósofo, médico e astrônomo islâmico persa Ibn Sina (Avicena), em seu tratado Danesh-
Nama (Livro da Ciência) após a demonstração da existência do Ser Necessário (Deus), passa Página inicial
a tratar do conhecimento divino. As questões tradicionais sobre esse tema são, entre outras, Bibliografia básica sobre Hinduísmo e filosofia
se e como Deus conhece. Pareceria, à primeira vista, que o Ser Necessário nada conhece, indiana
pois não necessitando de nada, não estaria compelido a se inclinar a qualquer outro ente da Sobre livros e armas
realidade que não Ele mesmo. Sobre “negacionismo” e ciência
Sobre o conceito de "epistemicídio"
A primeira providência a tomar nessa discussão é distinguir o conhecimento humano desse
possível conhecimento divino. Como Aristóteles ensinava, o conhecimento científico consiste
na abstração da Forma dos entes singulares sensivelmente percebidos. Em outros termos, Arquivo do blog
nosso intelecto é capaz de, com as informações trazidas pelos sentidos e organizadas pela
imaginação, abstrair (separar) a Forma (o "padrão", em uma linguagem mais moderna) ▼ 2024 (7)
presente em vários seres de um mesmo tipo. ▼ março (1)
Dionísio Areopagita e a teologia negativa
O ponto aqui é que nosso conhecimento consiste em perceber pelos nossos sentidos, por em "Os N...

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exemplo, diversos cavalos e captar o padrão (a "cavalidade") que todo e qualquer cavalo ► fevereiro (3)
singular repete para ser um cavalo. Há um conjunto de propriedades do cavalo que o tornam
► janeiro (3)
um cavalo e não outra coisa, e captar intelectualmente esse padrão repetido em cada cavalo é
compreender a natureza do cavalo. Nosso conhecimento é, então, adventício, ocorre sempre ► 2023 (32)
antecedido pela ignorância, nosso estado mais natural.
► 2022 (15)

Ora, o saber divino, se houver, não pode ser igual ao do homem, dado que ele é eterno, ► 2021 (29)
portanto isento das limitações temporais, e é origem de tudo o que há. O problema de como ► 2020 (21)
as coisas emanam do Ser Necessário é algo que Ibn Sina discutirá em outro capítulo de seu
► 2019 (21)
livro, mas a questão do conhecimento divino está intrinsecamente ligado àquele. Dito isso, o
sábio islâmico passa a examinar o modo de conhecimento de Deus. ► 2018 (15)

► 2017 (16)
O conhecimento do Ser Necessário não pode ser igual ao do ser humano por diversos
motivos. O principal é que os homens são materiais, possuem corpo e por isso necessitam ► 2016 (26)
dos sentidos corporais para perceber os seres do mundo externo. Sendo imaterial e ► 2015 (25)
metafisicamente infinito, Deus não necessita de sentidos corporais para conhecer. A questão
► 2014 (29)
parece se complicar, uma vez que, estando ausentes os sentidos, resta saber de onde o Ser
Necessário abstrai as Formas dos entes. ► 2013 (22)

► 2012 (15)
A resposta de Ibn Sina é a de que Deus, sendo imaterial e puro intelecto, não necessita
► 2011 (28)
abstrair as Formas dos entes a partir das informações dos sentidos. Ao contrário, o
conhecimento divino não é adventício, não depende da observação sensível dos entes do ► 2010 (26)
mundo externo. As Formas dos entes da realidade Deus as possui desde sempre, ou melhor, ► 2009 (55)
estão na própria essência divina porque Deus é a causa de todas elas.
► 2008 (26)

Deus conhece tudo na medida em que é a causa de tudo. Se conhecer algo é dizer as suas ► 2007 (25)
causas, o conhecimento divino é perfeito, pois Ele conhece Sua própria essência que é a
causa primeira de tudo o que há. Ibn Sina faz uma comparação com o construtor de uma
casa. Ele é causa da existência da casa primordialmente porque possui em sua mente a Marcadores
Forma da casa. Se ela não estivesse na mente do construtor, a casa jamais seria construída.
Agostinho de Hipona (3)
O Ser Necessário, sendo fonte última das Formas de todos os entes é a causa primordial de
Al Ghazzali (2)
todas as coisas existentes e possíveis.
Alexandre Koyré (6)
Embora causa de tudo, a vontade do Ser Necessário não pode ser igual à humana. O agir Alvin Plantinga (7)
divino não pode se seguir de uma intenção, como um homem que considera algo bom e, por anarco-capitalismo (1)
isso, age para alcançar esse bem. O conhecimento divino ele mesmo é a causa necessitante
Anselmo de Cantuária (3)
de todas as coisas tais como elas são. A vontade do Ser Necessário, explica Ibn Sina, não é
outra coisa que a ciência da realidade, e a ciência de que a existência das coisas é boa em si antroplogia filosófica (3)
mesma, dado que a bondade é a existência de toda coisa tal como ela deve ser. Argumento ontológico (5)
Aristóteles (36)
O homem sempre age movido pela intenção, qualquer que ela seja. A ação divina não se
Arte (17)
segue de intenção alguma, tampouco de decisão, exigência ou desejo. A vontade do Ser
Necessário não possui qualquer outro atributo que a Sua ciência eterna. Assim também, a artes marciais (3)
generosidade divina não consiste, como no caso dos homens, em uma troca em busca de artigos publicados (3)
lucro, mas sim em que a bondade procede de algo sem que haja nenhuma intenção. astronomia (8)
...
beleza (1)

Leia também: Νεκρομαντεῖον: Ibn Sina (oleniski.blogspot.com) bíblia (1)


budismo (23)
Postado por Rogério da Costa (Oleniski) às 16:07 Nenhum comentário: Budo (1)
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Marcadores: citações, filosofia, filosofia da religião, Filosofia Islâmica, Filosofia medieval, Ibn Sina, ceticismo (11)
Idade Média, Islâ, metafísica, religião, teologia natural, teoria do conhecimento Chesterton (1)
China (16)

segunda-feira, 22 de agosto de 2022 Chuang Tzu (6)


cinema (25)

Observações sobre a percepção, as relações citações (246)


comunismo (2)
e o argumento do sonho Confúcio (2)
cosmologia (4)
cristianismo (35)
Daisetz Suzuki (1)
David Hume (7)
Dionísio Areopagita (6)
Dogen (1)
Dostoievski (9)
Duns Scotus (1)

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"Manifestamente, segue-se que o sonho é uma atividade da faculdade da percepção sensível, economia (6)
mas pertence a essa faculdade enquanto presentação."
Emanuel Swedenborg (1)

ARISTÓTELES, Sobre os Sonhos, cap. I, 459a, 20 epistemologia (57)


Eric Voegelin (4)
Todo ente externo aparece dentro das relações que ele estabelece com outros entes. Não é
possível separar o ente dos seus modos de aparição. Isso significa que a percepção sensível Esfericidade da Terra (3)
é sempre a captação do objeto sob uma de suas formas de aparição determinada pelas estética (2)
relações que ele estabelece com outro objetos dentro do alcance da observação. estoicismo (3)

Se vejo um elefante à uma distância considerável, ele me aparece como algo pequeno que ética (15)
cabe em minha mão. Quando o vejo de perto, percebo que ele é maior do que eu. O que ética iluminativa (1)
mudou não foi o elefante que diminuiu de tamanho e depois aumentou. O que mudou foi a Étienne Gilson (2)
relação, nesse caso a distância, entre o elefante e eu.
ficção científica (11)
Não faz sentido, portanto, perguntar qual dos dois elefantes é o elefante "verdadeiro". Só há filosofia (343)
um e o mesmo ente animal apresentando-se à percepção de acordo com o conjunto de filosofia analítica (18)
relações que ele estabelece com os outros entes. Por exemplo, o elefante próximo a mim
filosofia antiga (45)
aparece sob uma certa tonalidade que é determinada pela sua relação com a luz do Sol. Em
um cômodo completamente escuro, ele desaparecerá, justamente por conta do ambiente no filosofia brasileira (12)
qual se encontra. filosofia chinesa (16)
filosofia contemporânea (26)
Todas essas formas de aparição (ou de desaparição, no caso do cômodo escuro) são
inteiramente reais e manifestam o que é o ente. Daí que podemos dizer que o conhecimento Filosofia da Ciência (42)
sensível é sempre relacional. O objeto nunca aparece fora da trama de relações na qual está filosofia da linguagem (3)
inserido. E separar o ente das suas formas de aparição é torná-lo incognoscível e ininteligível. filosofia da religião (142)

Isso pela simples razão de que, como asseveravam os antigos e os medievais, o ente opera Filosofia Islâmica (16)
segundo a sua natureza. Tudo o que ele faz ou pode fazer, tudo o que ele sofre e pode sofrer filosofia japonesa (10)
está contido em anteriormente em sua natureza, isto é, naquilo que ele é. O homem não pode
filosofia judaica (3)
voar, mas pode rir, por exemplo. Conhecemos o objeto, embora nunca completamente, pelo
Filosofia medieval (55)
conjunto de formas de aparição que ele apresenta à nossa observação.
filosofia moderna (8)
Se vejo um ente que tem as características externas de um cachorro, não terei nenhuma
filosofia oriental (60)
dúvida de que se trata de um cachorro. Jamais o confundirei com uma galinha ou um
filosofia renascentista (7)
rinoceronte. Se alguém afirmar que aquele animal, apesar de operar e se manifestar
exteriormente com as formas de aparição típicas de um cachorro, não é realmente um filosofia romana (4)
cachorro e sim uma outra coisa, terá criado um ser cujas manifestações e operações não filósofos (217)
correspondem ao que ele é realmente.
Francis Bacon (1)

A separação do ente de suas formas de apresentação representa a destruição da sua unidade Frédéric Bastiat (1)
substancial. Abstrativamente criamos um ente misterioso que não corresponde aos modos Friedrich von Hayek (1)
nos quais ele se apresenta. Mas se o ser não corresponde aos modos de apresentação, ele
Friedrich Waismann (1)
se torna completamente incognoscível e ininteligível. Ficamos com a ficção de um ente
Galileu (1)
existente fora e independentemente de todas as formas nas quais ele efetivamente se
manifesta. George Berkeley (4)
Giordano Bruno (1)
Não é de se surpreender que assim se tenha cortado pela raiz toda possibilidade de
conhecimento verdadeiro dos objetos da realidade externa. No entanto, é mister lembrar que Górgias (5)

essa separação do ente de suas formas de aparição é somente uma atividade abstrativa, uma goth (1)
operação mental que distingue e separa características que no objeto real estão unidas guerra (1)
indissociavelmente. Posso abstrair a cabeça de um homem e pensar em um cavaleiro sem
Hilary Putnam (1)
cabeça, mas isso não significa que possa haver na realidade um homem desprovido de
Hinduísmo (21)
cabeça.
história (14)
Admitir que há um objeto cuja natureza não corresponde aos modos nos quais ele se
História Antiga (4)
manifesta é cair inescapavelmente no ceticismo. Uma vez que se tenha separado de forma
completa o objeto de seus modos de aparição não há como uni-los de novo, pois foi criada a história da ciência (88)

ficção de um objeto realmente existente cuja natureza é para sempre incognoscível, pois História Militar (1)
estão cortados todos os laços de comunicação entre o ente e a percepção sensível. homenagem (5)

Essa ficção tem origem nos argumentos céticos sobre a variação das percepções de um Homero (6)
mesmo objeto. O exemplo mais conhecido é o do bastão parcialmente mergulhado na água horror (2)
que parece estar curvado ou quebrado. O que o ceticismo defende é que o bastão é reto na iaido (1)
realidade e aparece como quebrado quando mergulhado na água. Obviamente se trata de
Ibn Arabi (1)
uma ilusão dos sentidos, exclama o cético. Sendo assim, nossos sentidos nos enganam. E se
nos enganam nesse caso particular, por qual razão não cogitar a possibilidade de que eles Ibn Rushid (1)

nos enganam sempre? Ibn Sina (4)


Idade Média (48)
Not so fast, my friend. Em primeiro lugar, a percepção não é em si mesma verdadeira ou falsa.
É somente quando há um juízo sobre a aparição sensível, isto é, uma afirmação ou uma Ilíada (5)
negação realizada por uma consciência humana, que se pode falar propriamente de verdade Índia (9)
ou de falsidade. A percepção sensível só capta a aparição da coisa dentro da trama de Isaac Newton (11)
relações nas quais está inserida. Se faço um juízo apressado, sem considerar as relações nas
Islâ (14)
quais o objeto está inserido, e concluo que o bastão está quebrado, isso não é um problema
da percepção e sim do meu juízo sobre a realidade. Japão (19)

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Em segundo lugar, a percepção me mostra a coisa no modo em que ela aparece dadas as jidaigeki (6)
relações que ela estabelece com outros entes. Se a percepção me mostrasse uma vara reta
John Stuart Mill (1)
mesmo quando ela está mergulhada parcialmente na água (em um meio mais denso do que o
judaísmo (3)
ar), então aí sim haveria erro na percepção, pois uma relação real estaria sendo omitida da
minha visão. A parte do bastão mergulhada na água aparece curvada ou quebrada justamente Karl Marx (3)
por causa da mediação estabelecida pela água entre o bastão e a minha visão. Karl Popper (25)
Keiji Nishitani (1)
Ademais, se não confundimos a silhueta de uma pessoa vista através de uma cortina com a
própria pessoa, e nem consideramos que estamos diante de uma ilusão dos sentidos, não há Kitaro Nishida (6)
razão para considerarmos uma falha dos sentidos um bastão reto aparecer curvado quando Kurosawa (3)
parcialmente mergulhado na água. A forma de aparição do objeto é determinada pela situação
Larry Laudan (2)
em que ele está. Os sentidos simplesmente captam como o objeto se apresenta dentro de
Leibniz (6)
determinado cenário.
Leonardo da Vinci (1)
Assim, todas as aparições da coisa são, em certo sentido, "verdadeiras". Não há um modo
Leszek Kolakowski (1)
privilegiado de manifestação do ente, mas todas as suas manifestações expressam o que é
liberalismo (8)
esse ente. Separar o objeto das suas formas de aparição é criar a ficção de um ente fora de
todas as suas relações efetivas e reais. libertarianismo (3)
literatura (38)
Note-se, contudo, que o ente não é um "feixe" de relações, como se ele não existisse em si
mesmo, e somente como produto dessas mesmas relações. A relação é uma categoria da Lovecraft (3)

realidade que se estabelece sempre entre entes reais. Como assevera Mário Ferreira dos Ludwig von Mises (2)
Santos na tese 34 de sua obra Filosofia Concreta, o ser necessariamente antecede a relação: Maimônides (4)

"A relação implica o dual, e no mínimo duas positividades, pois uma relação entre termos não Marcel Proust (2)
positivos deixaria automaticamente de ser positiva. A relação implica anteriormente substância Marco Aurélio (2)
e oposição, duas categorias que a antecedem. Os que consideram que ser é expresso na Mário Ferreira dos Santos (13)
cópula ser, reduzem-no a uma relação. Mas uma relação é relação de qualquer coisa que é.
Marsilio Ficino (6)
E, afinal, qualquer coisa deve ser para que haja relações. Portanto, há prioridade ontológica
do ser à relação." Meister Eckhart (2)
Mênon (3)
É preciso que haja entes para haver relações. As relações surgem graças aos entes e só
mentalidade revolucionária (15)
perduram enquanto os entes as mantém. Um time de futebol é o resultado de um conjunto
determinado de relações que os jogadores concretos e reais estabelecem uns com os outros. metafísica (116)
Não faria sentido alguém afirmar "fui ao estádio e só vi jogadores no campo, mas não vi o time Michael Oakeshott (1)
do Flamengo". Isso seria um clássico erro categorial. Seria considerar o Flamengo como um Michael Polanyi (3)
ente substancialmente separado e independente dos jogadores que são os entes reais e
Mircea Eliade (12)
substanciais que o compõem. Sem os jogadores não há time do Flamengo, mas sem
Flamengo ainda existem os jogadores. mística (68)
mitologia (13)
Não significa, todavia, que as relações não existam. Elas existem, mas de um modo muito
moral (1)
mais tênue e dependente do que os entes que as estabelecem. E os entes só aparecem e se
manifestam estabelecendo esse intrincado tecido de relações. Percebemos os objetos dentro Murray Rothbard (1)
dessas relações, e os objetos manifestam o que são nos seus modos de aparição música (2)
determinados pelas situações nas quais se encontram. Nancy Cartwright (1)

Ademais, como Aristóteles ensina no livro Categorias, a percepção e o conhecimento são nazismo (1)
relações. Ter percepção, é ter a percepção de algo. Do mesmo modo, conhecer é possuir o neoplatonismo (27)
conhecimento de algo. A percepção e o conhecimento são relações estabelecidas entre entes Nicolau de Cusa (3)
reais. Afirma o Estagirita que
Nietzsche (3)
"Quando o objeto de conhecimento cessa de existir, cessa também o conhecimento que era Paul Feyerabend (3)
seu correlativo, embora o contrário não seja verdade. É verdade que se o objeto do Philip K. Dick (7)
conhecimento não existe, não pode haver conhecimento, pois não haverá o que conhecer.
Pierre Duhem (10)
Entretanto, é igualmente verdade que, se o conhecimento de um objeto não existe, o objeto
pode muito bem existir." (Cap. 7, 25-30) Pierre Hadot (1)
Platão (20)
Dito isso, retornemos ao cético que acredita haver ilusões nos dados dos sentidos. Há,
Plotino (12)
segundo ele, percepções ou modos de aparição dos entes que são legítimos e outros que são
ilegítimos. Como os sentidos supostamente nos enganam em algumas situações, nada nos poesia (8)
impediria supor que eles nos enganem sempre. Aqui se apresenta uma falácia, já que afirmar política (25)
que "se algo acontece algumas vezes, então pode acontecer sempre" não possui qualquer Porfírio de Tiro (1)
base a não ser a de uma mera possibilidade lógica, não exatamente a de uma possibilidade
Pré-socráticos (1)
factual.
Proclo (3)
Já vimos como a própria noção de engano nos sentidos é questionável, mas admitamos por
racionalidade (12)
hipótese que os sentidos possam nos enganar sempre. Se desconfiamos de que as nossas
Radhakrishnan (2)
percepções podem não corresponder à realidade, então somos obrigados a cogitar a
possibilidade de que tudo o que nos cerca, inclusive nosso próprio corpo, seja produto de uma religião (82)
ilusão. Aparentemente, conhecemos uma situação em que isso acontece cotidianamente: o religião grega (8)
sonho. Réné Descartes (14)

O argumento é simples. Se tomamos como verdadeiras todas as imagens e situações René Guénon (5)
ilusórias que se apresentam a nós enquanto estamos sonhando durante o sono, por qual retórica (5)
razão a vigília, quando estamos acordados, não pode também ser um conjunto complexo de
Robert Charles Zaehner (2)

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ilusões? Em outros termos, o que testemunhamos nos sonhos são imagens que não possuem sabedoria (2)
qualquer referente externo que esteja sendo percebido no momento.
Sabedoria da Unidade (2)

Ao que parece, não há motivos para pensar que o mundo externo não seja exatamente isso, Sabedoria dos Princípios (8)
um conjunto complexo e vívido de imagens que não possuem qualquer referente cuja samurai (6)
existência seja independente de nossa mente. O argumento do sonho, no limite, é solipsista,
Sankaracarya (14)
isto é, afirma que tudo o que há não passa de projeções de minha mente, e que eu sou o
Sêneca (1)
único existente real. A tese que subjaz ao solipsismo e ao argumento do sonho é a de que o
espírito pode produzir suas próprias percepções. O que percebemos não é uma forma de Sérgio L.de C. Fernandes (3)
aparição de um objeto real e externo dentro de determinada trama de relações, mas somente simbolismo (27)
imagens produzidas pelo poder do espírito.
socialismo (1)

É possível afirmar que há aí um deslocamento do objeto. Em vez de percebermos um objeto sociedade livre (1)
externo por meio dos sentidos, agora o objeto de nossa percepção é a só a imagem que Sócrates (7)
temos na mente e que nós mesmos produzimos. O homem não tem acesso aos objetos
Sófocles (2)
externos pela percepção sensível. Ele só tem acesso às suas percepções.
Star Wars (3)
A operação em curso aqui é exatamente a separação mental do objeto das suas formas de Stendhal (1)
aparição. O que captamos sensivelmente deixa de ser um conjunto de informações
Suarez (1)
transmitidas pelo objeto e se torna meramente um conjunto de imagens produzidas pelo
espírito humano. Se há ou não objetos fora de minha mente eu não posso afirmar, porque só Surendranath Dasgupta (3)

tenho acesso ao meu conteúdo mental. Das duas, uma: ou bem os objetos externos não Taisen Deshimaru (3)
existem ou bem eles existem e são incognoscíveis e ininteligíveis. Tantra (1)

Aristóteles, no primeiro capítulo de seu pequeno tratado Sobre a Memória e a Reminiscência, taoísmo (12)
observa que a memória é como uma pintura em uma tela. A pintura pode ser encarada como Tarkovsky (3)
uma figura ou como uma imitação. No primeiro caso, ela é somente um objeto de teatro (5)
contemplação. No segundo, ela é uma imitação, a semelhança de algo. Em outros termos, a
teologia natural (40)
imagem da memória pode ser considerada como mero conteúdo mental sem nenhum
referente externo ou pode ser entendida como a reprodução de algo externo e realmente teoria do conhecimento (147)

existente. Thomas Kuhn (1)


Tomás de Aquino (18)
Não há dúvida de que a memória é sempre simultaneamente figura e semelhança. Podemos
dissociar a figura que uma memória apresenta a nosso espírito do objeto externo do qual ela é tragédia grega (5)
a semelhança. Nenhum problema deriva dessa operação mental enquanto não a confundimos transhumanismo (1)
com uma separação real. Se o fazemos, separamos o objeto de suas formas de aparição Upanisads (8)
impressas em nossas memórias e as consideramos como o único objeto real de nossa
utopia (1)
percepção.
Werner Heisenberg (1)
Nesse processo, ou criamos a ficção de um objeto real para sempre inacessível ao Wittgenstein (1)
conhecimento ou negamos a existência de qualquer objeto externo à nossa mente. Ambas as
Xenofonte (3)
consequências derivam da noção de que só temos acesso aos produtos de nosso espírito.
Uma vez desfeita a correspondência entre as formas de manifestação de um ente e a sua Yoga (3)
natureza, o objeto externo se torna incognoscível ou inexistente. Rompida a unidade do ente, Zen (17)
o que resta é um mundo mental incapaz de sair de si mesmo na direção de uma realidade
independente.
Leituras atuais
A pergunta é, portanto, se é possível que nosso espírito seja o produtor de todas as nossas
"ECKHART, SUSO, TAULER" de Alain de
percepções. O argumento do sonho afirma que sim, uma vez que os sonhos são criados pelo
Libera
nosso espírito adormecido e desligado do mundo exterior. Se isso acontece no sonho, seria
"ENÉADAS" de Plotino
cabível cogitar que o mesmo se dê em todas as nossas percepções. Ocorre que há uma
diferença capital entre produzir algo de forma completamente independente e criar algo por "FORCES AND FIELDS" de Mary B. Hesse
composição ou separação de elementos já existentes. "MUHAMMAD" de Martin Lings

Como todo empirista sempre defendeu, não se conhece aquilo de que não se teve percepção. "TIMEU" de Platão

Um cego de nascença não possui noção da cor porque jamais percebeu objetos coloridos. E
dizem também os empiristas que a imaginação é a faculdade humana de combinar ou separar
Curso gratuito
imagens obtidas pela percepção e recolhidas pela memória. O dragão não é um ser existente,
mas sua noção é a mera composição das imagens de uma cobra ou de um lagarto com as
imagens de asas de morcego.

O dragão é um ente inexistente produzido pela imaginação a partir da memória advinda de


percepções de objetos externos do mundo real. A "novidade" do dragão se deve somente à
combinação de imagens obtidas pelos sentidos. Ele não é uma criação radicalmente diferente
de qualquer coisa que observamos no mundo. A composição pode ser nova, mas os seus
elementos constitutivos não o são.

O mesmo se dá com os sonhos. A imaginação combina, separa e recombina imagens em


compostos muitas vezes jamais percebidos, mas sempre com material recolhido na vigília.
Não há, portanto, nenhuma criação ex nihilo do espírito independentemente das percepções
dos objetos externos. Há composições e configurações não vistas na vigília criadas a partir de
elementos fornecidos pelo mundo externo.

Se isso é verdade, parece então não haver razão suficiente para assumir a cogência do
argumento do sonho. Não é evidente que nosso espírito possa produzir de si mesmo todas as Clique na imagem

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suas percepções. Não é mesmo possível testar essa hipótese dado que jamais estamos Curso gratuito
completamente isolados em nós mesmos sem qualquer interferência de material proveniente
do mundo que nos cerca. Ao contrário, a evidência que nós temos aponta para a dependência
das percepções e das imagens que habitam nosso espírito dos objetos externos aos quais
elas se referem.

O argumento do sonho assume como evidente a capacidade de nosso espírito de criar ex


nihilo todos os seus conteúdos. Mas, aparentemente, não há evidência positiva desse poder,
enquanto há evidência negativa, pois os sonhos são recombinações de materiais provenientes
da vigília. Sem o argumento do sonho torna-se difícil considerar seriamente a hipótese de que
nosso espírito produz sozinho suas percepções. E se realmente nossas percepções referem-
se a objetos externos captados pelos sentidos, fica afastada a separação entre o ente e suas
formas de aparição.

Clique na imagem
Postado por Rogério da Costa (Oleniski) às 14:37 Um comentário:

Marcadores: Aristóteles, epistemologia, filosofia, Mário Ferreira dos Santos, metafísica, teoria do Meu livro "Introdução à
conhecimento
Epistemologia de Karl
Popper" (2023)
quinta-feira, 18 de agosto de 2022

Proclo, neoplatonismo e a eternidade do


mundo (parte 1)

"Uma vez que o mundo subsiste por causa da bondade da divindade, é necessário que a Clique na imagem.
divindade seja sempre boa, e que o mundo sempre exista, tal como a luz é consubsistente
com o Sol e o fogo, e a sombra com o corpo que a produz."
"A Teoria Física" de Pierre
SALÚSTIO, Sobre os Deuses e o Mundo, cap.7 Duhem (tradução minha)
O filósofo neoplatônico Proclo (410/485 D.C.), nascido em Constantinopla, foi escolarca
(chefe) da Academia de Platão, sucedendo Siriano em 437. Autor de diversos tratados
filosóficos, foi grande comentador dos livros de Platão e de Euclides, além de compositor de
hinos e teólogo. Entre suas obras mais famosas estão o Elementos de Teologia e o Sobre a
Eternidade do Mundo.

No curto tratado sobre a eternidade do mundo, Proclo oferece dezoito argumentos para
demonstrar que o universo não possui começo ou fim. O primeiro argumento, embora
parcialmente perdido, defende que o artífice do mundo, estando sempre em ato (ἐνέργεια,
energeia), torna real o mundo desde sempre, tal qual a luz é coetânea ao fogo. Onde está o
fogo, ali está a luz inexoravelmente.

O segundo argumento defende que se o paradigma do mundo é eterno, então a imagem que
o imita deve ser temporalmente sem começo ou fim. Como neoplatônico, Proclo assume que
o cosmo tem um paradigma (Forma, Idéia) que existe sempre em ato, e que o antecede e o
funda ontologicamente. Dado que um paradigma, por sua essência, exige algo que o imite,
então a imagem de um paradigma eterno do mundo deve ser ela também sem início ou fim no
tempo.

O terceiro argumento afirma que, como ensinou Aristóteles, o artífice só é artífice em ato
quando efetivamente causa a existência do artefato. Se o artífice do mundo (o demiurgo) está
eternamente em ato, ele também é causa produtora eternamente. Daí se pode concluir que
aquilo que é produzido (o cosmo) por um produtor eternamente em ato (o demiurgo) não
Clique na imagem
possui qualquer início ou fim temporais.

No quarto argumento, Proclo argumenta que sendo a causa imóvel, então será imóvel Postagens populares
também o efeito. A causa do cosmo é imóvel, isto é, ela é sempre a mesma, nunca passando

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por mudanças de nenhum gênero. E como a causa imóvel é sempre efetivante, o cosmo, Proclo, neoplatonismo e a
enquanto efeito, correspondentemente deverá ser perpétuo. eternidade do mundo (parte 1)
"Uma vez que o mundo subsiste
Se o cosmo e o tempo são inseparáveis, diz o quinto argumento, então não há tempo onde o por causa da bondade da
cosmo não existisse. Aqui cabem alguns comentários ao argumento de Proclo. O tempo, divindade, é necessário que a
divindade seja sempre boa, e
como ensinava Aristóteles é o "numerável da mudança", isto é, a quantidade que resulta da
que o mundo sempre exi...
passagem da potência ao ato nos entes móveis. Embora tempo e mudança não sejam a
mesma coisa, o tempo está intrinsecamente ligado à mudança. Onde há mudança, há tempo. Dionísio Areopagita, teologia
catafática e teologia apofática
Assim, não há como pensar em algum tempo onde o mundo não existisse. Para qualquer ''E a vós, caro Timóteo, vos
instante no passado, é possível pensar em um instante anterior. Para qualquer momento aconselho que, no fervoroso
exercício da contemplação
futuro, é possível pensar em um momento posterior. Afirmar que em algum determinado mística, deixeis os sentidos e as
momento o mundo não existia consiste em realizar uma separação entre o tempo e o mundo, atividade...
e em conceber ambos como entes independentes.
Notas curtas sobre a natureza
Mas separar o tempo do mundo é supor que possa haver um tempo em que não haja do símbolo
mudança e mudança sem que haja tempo. O mesmo problema é enfrentado por Agostinho no "E se tu suprimes isso que está
entre o Imparticipável e os
livro XI das Confissões quando o bispo de Hipona se depara com a pergunta sobre o que participantes – ó qual vazio! - tu
Deus fazia antes de criar o mundo. Conceber que Deus pudesse não fazer ou fazer algo antes nos separas de Deus,
da criação é justamente separar o tempo da mudança, criando desse modo um "tempo antes destruindo o l...
do tempo".
Popper, a origem e a justificação
das teorias científicas
Como isso é absurdo, a resposta de Agostinho é a de que Deus não fazia nada. Não no
"Generalidade, similaridade, e
sentido de uma inatividade antecedente à criação, mas sim no sentido de que é impossível também repetição, sempre
pensar no mundo sem pensar em tempo. Por essa razão, a pergunta sobre um tempo antes pressupõem a adoção de um
do mundo não pode ser uma questão legítima. O que Proclo argumenta é justamente que se ponto-de-vista: algumas
similaridades ou repetiç...
há inseparabilidade entre tempo e mundo, então não pode haver tempo onde o mundo não
exista. Sêneca, estoicismo e a
dignificação do sofrimento
O sexto argumento enuncia que se o demiurgo é a causa do mundo, só ele seria capaz de "Assim, tomemos o caminho da
destruí-lo. Entretanto, como Platão ensina no Timeu, pertence ao mau destruir aquilo que é vitória em todas as nossas lutas,
pois o prêmio não é uma coroa
harmonicamente constituído. O demiurgo não é mau e nem pode se tornar mau, então ele
ou uma palma ou um corneteiro
jamais destruirá sua própria obra. Se o cosmo é indissolúvel, é também incorruptível. Se que pede...
incorruptível, é incriado, não teve início e não terá fim.
Philip K. Dick: "Null-O" ou a
A alma do mundo é incriada e incorruptível, afirma o sétimo argumento. Toda alma é redução eliminativa da realidade
automovente, ou seja, é o princípio de movimento do ente. Sendo a alma do mundo incriada e " Lemuel indicou o apartamento
com um movimento de sua
incorruptível, o cosmo será ele mesmo sem começo ou fim.
mão.'Todos esses aparentes
objetos - cada um tem um
O oitavo argumento defende que aquilo que é corrompido se corrompe pela ação de algo nome. Livro, cadei...
exterior a ele, e se torna algo diferente de si mesmo. Ora, o cosmo não possui nada
estrangeiro a ele, pois é o Todo dos Todos, englobando tudo o que há. Sendo assim, então, é Mircea Eliade: Platão,
impossível que algo externo ao cosmo aja sobre ele ou que o próprio cosmo transforme-se em anamnesis e mentalidade mítica
"Concorda-se hoje em ligar à
algo diferente de si mesmo.
tradição pitagórica a doutrina
platônica da anamnesis. Mas,
Por outro lado, diz o nono argumento, aquilo que se corrompe é corrompido por seu mal, não em Platão, não se trata mais de
por seu bem. Se o cosmo pudesse se corromper, ele o seria por conta de seu mal. Ocorre memórias...
que, como ensina Platão, o cosmo é um deus, e, sendo um deus, é isento de todo mal. Dado
Dionísio Areopagita e a teologia
que é isento de todo mal, é isento também de mudança. Desse modo, é incorruptível e sem
negativa em "Os Nomes
início ou fim. Divinos" (Livro IV, sobre o Bem)
"No primeiro princípio das
... coisas a simples existência é ela
mesma a bondade primordial e
Leia também: Νεκρομαντεῖον: neoplatonismo (oleniski.blogspot.com) absoluta em si. Assim como o Sol, luminoso
em...

Postado por Rogério da Costa (Oleniski) às 16:03 Nenhum comentário: Paul Friedländer: Platão,
Sócrates, diálogos e os
Upanisads
Marcadores: citações, cosmologia, filosofia, filosofia antiga, metafísica, neoplatonismo, Proclo "Não há conflito entre Platão, o
metafísico, e Sócrates, o
inquiridor irônico: o próprio
Platão sempre viu em Sócrates um símbo...
segunda-feira, 25 de julho de 2022
Aristóteles, Tomás de Aquino e
a demonstração da esfericidade
Murray N. Rothbard, libertarianismo e a da Terra
Bartholomeu
natureza do Estado Anglicus, De Proprietatibus
Rerum , séc. XIII "As ciências
são diferenciadas de acordo co...

Lista de blogs e páginas de


interesse:
Theosophia Perennis
Sobre Aristóteles, Deus e a teologia (por
Daniel Placido) - *Introdução* Aristóteles

7 of 23 21/03/2024, 10:33
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muitas vezes tem sido


apresentado como o
paradigma do filósofo
racionalista, quando não
um materialista e ateu,
a...
Há 4 dias

Edward Feser
The metaphysics of
individualism - Modern
moral discourse often
refers to “persons” and to
“individuals” as if the
notions were more or less
interchangeable. But that is not the case.
In...
Há 5 dias

A Vida Intelectual
A tríade trágica - Todo ser
humano passa pela
"O Estado fornece um canal sistemático, legal e ordenado para a predação da propriedade *tríade trágica*: *dor/
sofrimento* (todo mundo
privada. Torna certa, segura, e relativamente 'pacífica' a preservação da casta parasitária da vai sofrer), *culpa* (todo
sociedade." mundo vai errar) e
*morte* (todo mundo vai morrer)....
MURRAY N. ROTHBARD, Anatomy of the State, p. 16 (tradução minha) Há 6 dias

O economista e filósofo político americano Murray N. Rothbard (1926-1995), discípulo de Stories by Giuliano on Medium
Consertando motores - Para consertar um
Ludwig von Mises (um dos principais autores da chamada Escola Austríaca de economia), em
motor é preciso entender como ele
seu artigo de 1965 intitulado Anatomy of the State, analisa a natureza do Estado a partir da funciona. As relações entre suas partes e
perspectiva libertária ou anarco-capitalista. Em seu primeiro capítulo, sobre o que o Estado seu fim último — movimento e repouso. A
não é, Rothbard passa em revista as teses usuais acerca da necessidade do aparelho estatal. Prakrti é basicamen...
Há um mês
É em geral assumido que o Estado não somente é necessário para a preservação da
Editora Bismillah
sociedade como também para a realização dos anseios humanos. Na democracia moderna, a
Súplica dos oprimidos - Ó Tu em cuja
identificação entre o Estado e os cidadãos chega ao ponto absurdo, segundo Rothbard, de se misericórdia nos refugiamos!Tu, em quem
conceber que as ações estatais são ações voluntárias dos indivíduos. Assim, se uma medida os aflitos procuram asilo! Ó Protetor, cujo
perdão está próximo! Ó Tu que atendes a
é tomada pelo Estado, supõe-se que a mesma medida foi "voluntariamente" tomada pelos
todos os que Te ...
cidadãos. Há 5 meses

A verdade, afirma o economista libertário, está longe de ser como os defensores do Estado Professor Deividi Pansera
propugnam. Não há identidade entre "nós" e o Estado. Este não é a "família humana" ou um A distração - Um mal que assola os
clube onde são decididas soluções para os problemas mútuos. O Estado é a organização que tempos modernos é a distração. Aqueles
que estudam, por exemplo, começam a
visa manter o monopólio do uso da força e da violência em um território determinado. É o dispersar nas primeiras linhas lidas; a ter
grupo que obtém sua subsistência não da produção e da troca livre de mercadorias, mas sim problemas de re...
por meio da ameaça e da coerção, regulando e ditando as ações dos indivíduos. Há um ano

No segundo capítulo, sobre o que é o Estado, Rothbard assevera que a via natural para o
enriquecimento é a transformação dos recursos naturais em mercadorias que serão Regras para a reprodução do
livremente trocadas no mercado, respeitando-se a propriedade privada. Essa via substitui o
conteúdo do blog:
modo selvagem de enriquecimento que consistia basicamente no roubo da propriedade e dos
recursos alheios. O sociólogo alemão Franz Oppenheimer denominou o modo de produção e
trocas comerciais voluntárias de os "meios econômicos".

Por outro lado, o modo de enriquecimento que usa da violência e do roubo para a aquisição This work is licensed under a
de recursos e de mercadorias é denominado por Oppenheimer como "meio político". Os dois Creative Commons Attribution-
meios são mutuamente excludentes, pois o meio político é contrário à lei natural, além de ser
NonCommercial-NoDerivs 3.0
meramente parasítico e improdutivo.
Unported License.
O Estado, então, afirma Rothbard usando a definição de Oppenheimer, é "a organização dos Em português:
meios políticos". Enquanto o crime é esporádico, o Estado é o canal permanente, legal, http://creativecommons.org/
ordenado e sistemático de predação da propriedade alheia. A autoridade estatal não resulta licenses/by-nc-nd/2.5/br/
de nenhum "contrato social", mas da opressão, da exploração e da conquista dos mais fracos
pelos mais fortes.
Visualizações
No capítulo seguinte, Rothbard trata da preservação do Estado. Não é suficiente a força bruta
ou uma camada de burocratas/nobres para submeter a população, Tampouco é mister uma 6 5 3 5 0 9
aquiescência absoluta, bastando a simples resignação passiva dos indivíduos. Para tanto, o
Estado conta com os intelectuais. Eles criam e disseminam a ideologia estatal.

Os intelectuais recebem a proteção do Estado e dão a este o arcabouço teórico de sua


permanência. Os dois principais argumentos criados pelos intelectuais são (1) que os
governantes são mais sábios e bons do que os governados, e que (2) os males do Estado não
se comparam aos males de sua ausência.

O nacionalismo, a identificação de um território com seu governo, assim como o temor e o


ódio a outras nações, também são armas da casta dominante para se manter no poder. A
tradição protege a dinastia dos dirigentes a partir das idéias de uma vontade divina ou de Leis
Inexoráveis da História. O indivíduo (ou o grupo sempre minoritário) que contesta o status quo

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é o grande inimigo do Estado, e deve ser calado.

A culpa, por seu turno, é inculcada no indivíduo que progride economicamente quando suas
atividades econômicas e suas intenções são classificadas com termos pejorativos como
"ganância", "egoísmo", "materialismo", "exploração" e "usura". A ciência, a nova divindade, é
invocada para garantir que o domínio estatal é racionalmente planejado por especialistas. Mas
a racionalidade propugnada é aquela do coletivismo e do determinismo.

O constante crescimento do Estado é a matéria do quarto capítulo. Todo governo tende a se


expandir, e a solução para esse problema é impor limites constitucionais (como nos EUA) às
pretensões expansionistas do poder estatal. Acontece que quem julga se o Estado passou
dos limites constitucionais é a Suprema Corte, ela mesma parte do Estado.

Entretanto, é por meio de uma curiosa inversão que o Estado consegue converter seus limites
em novos poderes legitimados pela corte constitucional. O truque é simples: tudo o que não
for inconstitucional é permitido pela constituição, e acaba recebendo legitimidade justamente
pela decisão da Suprema Corte que julga a ação do Estado como constitucional.

Sendo da natureza do governo a constante expansão de seus poderes, mostra-se errônea a


tese marxista de que o Estado é o "comitê executivo" da suposta classe dominante, os
capitalistas. Ao contrário, o Estado é intrinsecamente anticapitalista, Rothbard defende, pois
suas incursões de aumento de poder são sempre dirigidas contra indivíduos e empresas
privadas. Socialista ou não, como observou Bertrand de Jouvenel, o poder é sempre contrário
à riqueza acumulada pelo capitalista.

Em um curto quinto capítulo, Rothbard afirma que o Estado teme somente aquilo que pode
destruir seu poder. A guerra e a revolução são os modos pelos quais um governo é deposto.
Mas mesmo na guerra o Estado pode aumentar. A "defesa" do país e o estado de
"emergência" dão azo a um enorme crescimento estatal interno e, quiçá, externo. Cumpre
notar que os crimes mais pesadamente combatidos e condenados pelo Estado são os
praticados contra ele mesmo. Daí as condenações de "traição", "deserção", "sonegação de
impostos", entre outros.

Assim como há leis constitucionais para limitar internamente as ações do governo, assevera
Rothbard no sexto capítulo, há leis internacionais, como as leis de guerra, para limitar o
avanço agressivo de um Estado sobre outro. A intenção dessas regulações era diminuir a
destrutividade dos conflitos bélicos, proteger os indivíduos dos riscos inerentes à guerra e
preservar o comércio, mesmo com as nações inimigas.

A "santidade dos contratos" foi estendida aos tratados entre nações. Ocorre que, para
Rothbard, contratos são legítimas transferências de propriedade privada, enquanto tratados
não podem ter o mesmo efeito pela simples razão de o Estado não possui propriedade. Os
descendentes de um proprietário que vendeu suas terras a outrem não podem pretender ter
direito de propriedade sobre o terreno vendido. Uma nação, contudo, não está para sempre
impedida de reivindicar territórios perdidos ou vendidos por um governo anterior.

O último capítulo trata a história econômica da humanidade como uma competição entre a
produtividade criativa e a troca voluntária de um lado e a atividade ditatorial e predatória do
outro. O poder social é o poder do homem sobre a natureza que resulta em produtividade,
cooperação, riqueza e bem-estar. O poder estatal é o domínio do homem sobre seu
semelhante, a forma predatória e parasitária de extorquir riquezas daqueles que a produzem.

Entre os séculos dezessete e dezenove o progresso científico teve como consequência o


aumento da paz, da liberdade e do conforto material. Mas o século vinte viu o reino do Estado,
agora amparado pelas conquistas dos séculos anteriores, pervertendo os objetivos originais
desses avanços. O resultado foi opressão, guerra e destruição.

A conclusão de Rothbard é de que até o momento nenhuma solução adequada para o


problema do Estado foi aventada. Independente das formas de governo e das tentativas de
limitação do poder estatal, o crescimento do domínio do Estado sobre o indivíduo permanece
um fenômeno constante na História. Novas vias de pensamento devem ser experimentadas
se se quiser realmente solucionar esse problema.

Postado por Rogério da Costa (Oleniski) às 23:36 Nenhum comentário:

Marcadores: anarco-capitalismo, citações, economia, filosofia, filosofia contemporânea, filósofos,


liberalismo, libertarianismo, Murray Rothbard, política

segunda-feira, 4 de julho de 2022

Causalidade eficiente na segunda via de


Tomás de Aquino

9 of 23 21/03/2024, 10:33
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"A segunda via é aquela da noção de causa eficiente. No mundo dos sentidos,
testemunhamos que há uma ordem de causas eficientes. Não há caso conhecido (nem
mesmo é possível) no qual uma coisa é causa eficiente de si mesma, pois nesse caso ela
seria anterior a si mesma, o que é impossível. Em causas eficientes não é possível ir ao
infinito, pois em todas as causas eficientes ordenadas a primeira é a causa da causa
intermediária, e a intermediária é a causa da última, sendo a causa intermediária única ou
múltipla. Ora, retirar a causa é retirar o efeito. Portanto, se não há uma causa primeira entre
as causas eficientes, não haverá a última, e nem qualquer causa intermediária. Mas, se em
causas eficientes for possível ir ao infinito, não haverá uma causa primeira, nem haverá um
efeito último, e nem qualquer causa eficiente intermediária, o que é manifestamente falso.
Logo, é necessário admitir uma causa eficiente primeira, a que todos dão o nome de Deus."
(tradução minha)

TOMÁS DE AQUINO, Suma Teológica, primeira parte, questão dois, artigo terceiro

As cinco vias de Tomás de Aquino (1225-1274) na Suma Teológica estão entre os mais
conhecidos argumentos da história da teologia natural, o discurso racional-filosófico sobre
Deus. Tendo como base a metafísica aristotélica, as vias pretendem demonstrar
rigorosamente a existência de um princípio último de todas as coisas, usualmente
denominado como Deus.

Como o próprio Tomás ressaltava, a primeira via, a do movimento, seria a mais evidente das
cinco provas. Todavia, a segunda via é basicamente a mesma primeira via examinada do
ponto de vista da causalidade eficiente. Seguindo a teoria do conhecimento aristotélica, as
cinco demonstrações da existência de Deus têm as suas premissas hauridas da experiência
sensível comum.

A segunda via inicia com a premissa de que no mundo testemunhamos que há uma ordem de
causas eficientes. Em primeiro lugar, vemos pela experiência que o mundo é ordenado, isto é,
que os entes apresentam um comportamento típico e invariável. Dizia Aristóteles, na Física,
que a ciência trata daquilo que acontece sempre ou na maioria das vezes.

A ordem se caracteriza, portanto, por essa repetição de padrões. O acaso, por outro lado, é
justamente o desordenado, aquilo que acontece por uma confluência fortuita de
acontecimentos regrados e, por isso mesmo, não é repetível como a ordem. A observação da
ordenação da realidade empírica é considerada tanto por Aristóteles quanto por Tomás de
Aquino como um dado evidente.

Em segundo lugar, o pressuposto é que há uma cadeia ordenada de causas eficientes. Isto é,
as causas estão ordenadas de modo que cada uma dê origem à causa seguinte, como se
verá abaixo. A causa eficiente é uma das quatro causas esposadas por Aristóteles em sua
Física (sendo as outras três a causa final, a causa formal e a causa material), e é
caracterizada por efetivar um determinado efeito.

Cumpre notar que Tomás não está afirmando que "tudo tem uma causa" (um erro comum em
diversos livros de História da Filosofia), pois não sabemos isso pela experiência sensível.
Assim como na primeira via, cuja premissa era que "algumas coisas estão em movimento" e
não "todas as coisas estão em movimento", o que testemunhamos é que há uma ordem de
causas eficientes no mundo e não que todos os entes, quaisquer que eles sejam, possuem
sua causa em um outro ente.

A segunda premissa é a de que nenhuma coisa pode ser causa eficiente de si mesma. De
novo, os sentidos nos mostram empiricamente que aquilo que não existia e passou a existir só
passa a existir pela ação causal de um ente já existente. Ninguém jamais testemunhou uma
casa construindo-se a si mesma ou um ser vivo nascendo de si mesmo. A evidência empírica
é considerada aqui como evidente.

10 of 23 21/03/2024, 10:33
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Entretanto, há uma razão de ordem lógico-ontológica para negar a possibilidade de algo ser a
causa eficiente de si mesmo. Do mesmo modo que na primeira via era impossível que um
ente estivesse ao mesmo tempo e em um mesmo sentido em ato e em potência, aqui também
será impossível que algo seja ao mesmo tempo a causa eficiente e o efeito dessa causa. Isso
seria uma contradição evidente.

Ademais, nenhum ente pode causar algo se ele próprio não existe. Não existindo, o ente
jamais poderia dar origem a qualquer coisa. Admitir que algo que não existe possa trazer a si
mesmo à existência é admitir que algo possa vir do nada por si mesmo, o que é absurdo.
Tanto a experiência quanto a lógica negam a possibilidade de um ente inexistente ser a causa
eficiente de sua própria existência.

Tomás afirma em seguida que é impossível que uma sequência ordenada de causas
eficientes possa ser infinita. Isso pelo fato de que, em uma cadeia ordenada, cada causa
eficiente é causada por uma causa anterior e, por sua vez, é causa da causa seguinte, que
será causa da subsequente, e assim por diante. Se a cadeia for ao infinito, nenhuma causa
será de fato causa da seguinte.

É preciso lembrar que Tomás está se referindo a uma cadeia ordenada de causas eficientes,
isto é, uma cadeia na qual nenhuma causa tem em si mesma o poder de causar a próxima,
mas, ao contrário, recebe seu poder causal da causa anterior, e esta da anterior, e assim por
diante. Em outros termos, cada ente deve sua existência ao ente que o causa, e este deve a
sua existência a um ente anterior. Todo ente dessa cadeia deve sua própria existência a um
ente anterior.

Acontece que, Tomás argumenta, se essa cadeia causal for ao infinito, não será possível
explicar como um ente causa o próximo, já que nenhum deles possui em si mesmo o poder de
gerar outro ente. Se cada um dos membros dessa cadeia depende do membro anterior para
existir, então nenhum deles é de fato a causa do membro seguinte.

Podemos usar uma analogia a fim de tornar mais acessível o pensamento tomista. Imagine-
se uma cadeia de dez bolas enfileiradas. Estando como estão, nenhuma das bolas possui a
capacidade de mover a próxima. Nenhuma bola pode mover a seguinte, uma vez que
nenhuma delas pode mover a si mesma a fim de mover a próxima. Ou seja, será impossível
que a primeira bola mova a segunda e esta mova a terceira, e assim por diante, até que
finalmente a décima bola seja movida pela anterior.

Se adicionarmos mais bolas à cadeia enfileirada permaneceremos com a mesma situação.


Dado que nenhuma bola move a si mesma, a adição de mais bolas, tantas quantas se queira,
não mudará em nada o estado de coisas descrito acima. E mesmo se adicionamos uma
quantidade infinita de bolas (se isso fosse possível!), cada uma ainda dependeria da anterior
para mover-se. A analogia mostra que não importa o número de bolas que se adicione à
cadeia, uma vez que nenhuma tem o poder de mover a si mesma, nenhuma delas poderá
será movida.

Retornando à cadeia enfileirada de dez bolas, imagine-se agora que uma pessoa empurra a
primeira bola. Imediatamente a primeira bola, movida pela pessoa, moverá a segunda, e esta
moverá a terceira, e esta moverá a quarta, a quarta moverá a quinta, a quinta moverá a sexta,
a sexta moverá a sétima, a sétima moverá a oitava, a oitava moverá a nona, e esta,
finalmente, porá em movimento a décima e última bola. A diferença aqui é a admissão de uma
primeira causa, a pessoa que empurra a primeira bola.

Se não houvesse a pessoa para mover a primeira bola, a décima não poderia se mover. O
que permite a cada bola intermediária mover a seguinte é justamente o poder causal que ela
recebe, em última instância, da pessoa que coloca a primeira bola em movimento. Assim, não
havendo a primeira ação causal efetuada pela pessoa, não haveria como cada bola transmitir
à seguinte o movimento que recebeu. No fundo, a causa primordial e verdadeira é a pessoa.

Por essa razão, a única alternativa é admitir uma primeira causa eficiente que causa as
seguintes. É mister tornar claro o motivo de haver uma primeira causa. Como cada ente que
causa a existência do seguinte, em uma cadeia ordenada de causas eficientes, recebe
causalmente sua existência de um ente que lhe é anterior, nenhum desses entes tem em si
mesmo a fonte de sua existência. Sendo assim, o poder de causar a existência do ente
seguinte na cadeia é recebido do ente anterior.

Houvesse um número infinito de entes que causam outros entes em uma cadeia ordenada,
nenhum deles seria por si mesmo capaz de causar a existência do seguinte. Seria então
impossível explicar como cada ente surge do precedente. Duas possibilidades de solução se
apresentam: ou bem algum dos entes da cadeia consegue causar a si mesmo, ou bem será
preciso admitir uma causa primeira incausada. A primeira opção é contraditória, como visto
acima.

Resta a segunda opção, a existência de uma causa primeira incausada. Aqui são necessários
alguns comentários. A primeira causa tem de ser incausada, pois se ela tivesse uma causa
seria indistinguível das outras causas da cadeia. Em outros termos, ela seria mais um

11 of 23 21/03/2024, 10:33
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elemento da cadeia e não a sua causa primária.

Mas será necessário admitir uma causa incausada, uma vez que a segunda premissa do
argumento tomista diz que nenhum ente pode ser a causa eficiente de si mesmo? De novo, a
premissa não diz que "tudo tem uma causa." Se essa fosse a afirmação, então não seria
possível falar de uma causa incausada, pois "tudo tem uma causa" exclui a possibilidade de
que algo não tenha uma causa. Deus, portanto, teria ele mesmo de ter uma causa.

Contudo, a premissa tomista não afirma que tudo tem uma causa, mas somente que um ente
não pode ser a causa eficiente de si mesmo. O que está pressuposto é que se um ente
necessita de uma causa eficiente para existir, significa que esse ente nem sempre existiu. Se
não existiu sempre, precisou de uma causa eficiente para vir a existir, pois nenhum ente pode
vir do nada por si mesmo. A premissa, por conseguinte, não exclui a possibilidade de um ente
que não possua causa. O que ela exclui é a possibilidade de um ente que não existia passar a
existir pela ação causal de si mesmo.

Um segundo comentário se impõe. Se admitimos que explicar significa identificar as causas


necessárias e suficientes de um fenômeno, então nenhuma explicação legítima pode postular
um regresso ao infinito de causas ordenadas. Afirmar que um fenômeno possui infinitas
causas é o mesmo que afirmar que não é possível conhecer as causas desse fenômeno, pois
é impossível conhecer um número infinito de causas (ou de qualquer coisa).

Aristóteles já ensinava que uma prova requer premissas que não necessitem de provas. Toda
demonstração necessita partir de premissas indemonstráveis, sabidamente verdadeiras. Se
cada premissa precisa ser inferida de uma premissa anterior, haverá um regresso ao infinito,
impossibilitando a construção de uma prova legítima (como os céticos gregos perceberam).

Assim, existe uma ligação entre a segunda via e a própria possibilidade do conhecimento
demonstrativo. A existência de Deus é, analogamente, como a premissa indemonstrável que é
exigida de toda prova. Se não pudermos postular a existência de uma causa primeira, teremos
que admitir que o mundo é, ao fim e ao cabo, ininteligível. A realidade seria incompreensível,
pois toda cadeia causal ordenada seria infinita e, portanto, impossível de ser conhecida. E
como cada causa depende da anterior, nenhuma das causas explicaria o fenômeno, nenhuma
delas seria realmente uma causa.

Nos termos em que a segunda via é colocada, a questão da existência de Deus como causa
incausada está ligada à própria possibilidade do conhecimento demonstrativo. Se de fato
houver uma cadeia infinita de causas eficientes para cada ente que depende de outro para vir
à existência, então nenhum desses entes terá uma explicação legítima. Toda causa
dependerá de uma causa anterior ad infinitum. Nesse contexto, a existência de Deus é a
condição de possibilidade da compreensão do mundo.

Um último comentário seria oportuno. Quando Tomás (junto com Aristóteles) afirma que Deus
é a causa eficiente primeira, ele não está se referindo a um regresso temporal. Não significa
que Deus tenha causado o mundo em algum tempo distante, mas sim que Deus é a causa
simultânea de todos os entes existentes. Em uma cadeia ordenada de causas eficientes cada
ente causa a existência do seguinte e recebe sua existência do ente anterior
simultaneamente. Não há um intervalo temporal entre causa e efeito, como um galho se
verga sob o peso de um pássaro pousado sobre ele.

...

Leia também:

Νεκρομαντεῖον: Tomás de Aquino (oleniski.blogspot.com)

Postado por Rogério da Costa (Oleniski) às 22:46 Nenhum comentário:

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religião, teologia natural, teoria do conhecimento, Tomás de Aquino

domingo, 29 de maio de 2022

Mircea Eliade, deuses celestes e a morte de


Deus

12 of 23 21/03/2024, 10:33
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"O que é de fato fora de questão é a quase universalidade das crenças em um Ser divino
celeste, criador do Universo e garantidor da fecundidade da terra (graças às chuvas que ele
dispensa). Tais seres são dotados de uma presciência e de uma sabedoria infinitas. As leis
morais e frequentemente os rituais do clã foram instaurados por eles durante sua breve
permanência sobre a terra."

MIRCEA ELIADE, Traité d'histoire des religions, p. 46 (tradução minha do original em francês)

O historiador das religiões romeno Mircea Eliade, no segundo capítulo de seu Traité d'histoire
des religions, trata da natureza dos deuses celestes e de suas funções dentro de diversos
contextos míticos. Os deuses celestes ou urânicos (ουρανός, Urano, Céu) são comuns em
diversas culturas, mas o fenômeno mais interessante é a existência de um deus urânico
supremo.

O deus supremo é o criador do mundo e das regras morais dos povos. É infinitamente sábio e
bom, sendo ao mesmo tempo onisciente. Não é preciso muita reflexão para perceber o poder
simbólico dos céus, para perceber sua transcendência, seu poder e sua sacralidade. Os céus
são inacessíveis, altíssimos, infinitos, imutáveis e aparecem como uma dimensão totalmente
estranha à limitada experiência terrestre do homem. Não à toa, o celeste tornou-se símbolo da
morada dos deuses e objeto de diversas místicas ascensionais e jornadas iniciáticas.

Entretanto, é comum que esse deus supremo torne-se um Deus otiosus (deus ocioso), isto é,
uma divindade tão afastada das atividades humanas normais que sua existência é quase
esquecida e seu culto seja quase inexistente. Há exemplos desse fenômeno em diversos
povos, como os yorubás, que tem em Olorum o seu deus supremo-criador que logo é
substituído por um deus inferior, Obatala. O sentido do processo de abandono cultual do deus
supremo é a sua substituição por divindades inferiores, porém mais dinâmicas e mais
próximas das necessidades humanas imediatas.

É o que acontece com Dyaus Pitar, o "pai celeste", nos Vedas. Esse deus supremo pouco é
citado nas escrituras hindus e também é logo substituído cultualmente por deuses inferiores
como Varuna e Indra. Urano, o deus celeste grego, fecundador e ancestral dos titãs e dos
deuses olímpicos, é substituído por seus filhos e praticamente esquecido cultualmente. Zeus é
seu herdeiro mais evidente, sendo um deus celeste que ainda preserva algumas das
características do deus supremo, como a paternidade e a fecundidade.

Talvez o exemplo mais saliente de deus supremo seja Yahweh entre os hebreus. Ele é o deus
supremo, absoluto, criador de tudo, manifestando-se por hierofanias celestes e fenômenos
atmosféricos. Sua soberania é absoluta tanto quanto o é seu poder. Nada o constrange ou o
limita, nem mesmo o respeito por suas próprias leis. É o supremo ordenador da sociedade por
meio de suas normas e leis reveladas a Moisés, sem jamais ser tolhido por qualquer uma
delas.

Em O Sagrado e o Profano, Eliade trata desse mesmo fenômeno do "afastamento" dos


deuses celestes supremos. Após criarem o mundo, eles se afastam e se recolhem, passando
a divindades inferiores a tarefa de manter a integridade de sua criação. Tornam-se dei otiosi.
O interessante é que, nota Eliade, os deuses celestes supremos só mantém sua
preponderância em povos pastores, que desenvolvem por isso uma tendência monoteísta
(Yahweh).

Outro ponto curioso é que em muitas religiões esses deuses urânicos supremos, embora
quase destituídos de culto, são lembrados em tempos de grandes catástrofes e perigos. Os
deuses inferiores, cultuados cotidianamente, parecem não ser capazes de salvar o povo em
momentos críticos, e a única solução parece ser invocar o esquecido deus supremo, a fonte
última de tudo, como a esperança derradeira de salvação.

Não é de se espantar que esse mesmo esquema s repita no monoteísmo hebreu. Todas as
vezes que os hebreus passavam por tempos seguros e cômodos, Yahweh era esquecido e
substituído por divindades inferiores como Baal e Astarote. Quando estavam em perigo de

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aniquilamento seja por catástrofes naturais ou por ameaças externas, os hebreus retornavam
a Yahweh a fim de que este os salvasse de suas aflições.

Todavia, a observação mais interessante de Eliade sobre o esquecimento do deus celeste


supremo esteja em seu livro The Quest (ou "Nostalgia das Origens"), no qual o romeno se
dedica a explorar as relações entre a secularização crescente no mundo ocidental e o
fenômeno mítico do abandono da divindade suprema.

Em muitos momentos de sua vasta obra, Eliade contrapôs a experiência religiosa à


experiência do que ele usou chamar de terror da História. Em poucas palavras, o mundo
religioso é constituído por dias, lugares e objetos sagrados, os quais são qualitativanente
diferentes dos dias, lugares e objetos profanos. No sagrado se revela uma hierofania,
uma manifestação do divino, uma superabundância do Ser que torna tudo aquilo que é
sagrado ontologicamente mais real do que qualquer outro ente onde não se dá a hierofania.

Assim, a vida religiosa é preenchida por tempos e lugares sagrados que são ciclicamente
celebrados em grandes e pequenas festas e cerimônias. A ausência do sagrado, o profano,
marca uma existência diminuída, comum e sem real importância. A secularização, sendo um
abandono progressivo das crenças religiosas, lança o homem em um mundo onde não há
diferenças qualitativas entre os lugares, os tempos e os objetos.

O tempo, por exemplo, não exibe mais períodos sagrados, todos os dias são absolutamente
homogêneos, e a simples sequência dos dias não aponta para qualquer sentido
transcendente. Desse modo, a vida humana é assombrada pelo terror da História, isto é, o
horror de uma vida que se constitui na sequência de dias sem nenhuma diferença qualitativa,
e que não admite qualquer horizonte que ultrapasse o imanente.

O homem moderno vive nesse mundo dessacralizado. Eliade observa que já na segunda
metade do século XIX Nietzsche proclama a morte de Deus. "Deus está morto", diz o profeta
Zaratustra. O antropólogo escocês Andrew Lang, alguns anos depois, torna pública sua
descoberta de uma crença primitiva em um deus supremo. Lang também nota que o culto do
Grande Deus é pobre e que sua participação na vida religiosa da comunidade é modesta,
resultando em um esquecimento quase absoluto e na sua substituição por deuses inferiores.

Ora, observa Eliade, a conversão do Deus Supremo em um deus otiosus é também a sua
morte. Ele não é mais lembrado ou cultuado, e embora não haja mitos relatando a sua morte,
o esquecimento cultual equivale em termos práticos ao seu falecimento. A proclamação de
Nietzsche sobre a morte de Deus, portanto, faz parte de um fenômeno extremamente antigo
na história das religiões.

A diferença está no fato de que a "morte" do deus supremo em diversas culturas dá lugar à
ascensão de divindades menores mais próximas das necessidades imediatas do homem,
enquanto em Nietzsche a morte de Deus equivale à completa imanentização da vida. Eliade
recorda que o homem imanentizado vive na pura História, em um mundo dessacralizado que
não aponta para nenhum sentido transcendente.

Eliade não aprofunda suas reflexões nessa direção, mas seria possível, creio, a partir mesmo
de diversos momentos de sua obra, pensar que essa morte de Deus resultou sim na sua
substituição por divindades menores e mais próximas das necessidades humanas. O próprio
romeno ensina que os esquemas e os símbolos míticos perduram na sociedade moderna
transmutados em costumes, práticas e até mesmo em ideologias.

O esquema do justo sofredor que redimirá o mundo, por exemplo, reaparece nas utopias
socialistas e no marxismo na forma da pretendida ascensão do proletariado ao poder
propiciada pela necessidade do sentido imanente da História. A divinização da História, creio,
é um exemplo dessas divindades inferiores que substituem o Deus Supremo. Os
acontecimentos históricos têm um sentido (providência divina) que aponta para a realização
futura de um suposto paraíso terrestre (imanentização do escathon, diria Eric Voegelin).

O que caracteriza os deuses inferiores que tomam o lugar da divindade celeste suprema é a
sua proximidade dos desejos, anseios e necessidades imediatas do homem. A adoração do
Estado como a suprema realização humana, como vista em regimes totalitários socialistas e
fascistas, remete à divindade que é tão próxima de seus devotos que ela sabe exatamente o
que eles necessitam em cada um dos mínimos aspectos de suas vidas. E absolutamente
todas as necessidades práticas e imediatas do homem serão supridas em um Éden prometido
pelo mesmo Deus Estado.

A paternidade de Urano é substituída pela paternidade de Zeus. Frequentemente, ditadores


totalitários tomam para si a imagem da paternidade, um dos principais atributos do Grande
Deus, agora transferida a um deus menor, o líder indiscutível do povo. A adoração e o culto de
personalidade também revela a necessidade de divindades inferiores que substituam o deus
celeste supremo.

O dinheiro, a fama, o sucesso e o sexo são os deuses menores que satisfazem às


necessidades humanas mais imediatas. Não à toa, o dispensador das riquezas na religião
grega antiga é Plutos, um dos nomes de Hades, o deus do mundo subterrâneo dos mortos.

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Igualmente, quem promete as riquezas, o poder e o sucesso a Cristo no deserto é Satanás, o


"deus" subterrâneo dos Infernos, que exige somente que Jesus renuncie ao deus celeste
supremo, o que é o mesmo que relegá-lo ao esquecimento.

Inúmeros outros exemplos poderiam ser aventados. Entretanto, o abandono ou o


esquecimento do deus otiosus jamais é completo, como ensina Eliade. Ele é invocado
novamente sempre que uma catástrofe ou uma ameaça existencial se abate sobre os
homens. De modo que seria possível pensar em um renascimento do Deus Supremo em
momentos em que a própria existência do ser humano esteja em perigo, situações nas quais
os poderes das divindades menores não são mais suficientes ou eficazes.

...

Leia também: Νεκρομαντεῖον: Mircea Eliade (oleniski.blogspot.com)

Postado por Rogério da Costa (Oleniski) às 15:43 Um comentário:

Marcadores: citações, filosofia da religião, história, Mircea Eliade, mística, Nietzsche, religião

domingo, 30 de janeiro de 2022

Jean Grenier e a natureza do Tao

"A visão que se pode obter, quando se chega a um certo grau de desapego, é aquela de
uma unidade sintética na qual as distinções não possuem mais sentido: nem grande nem
pequeno, nem velho nem jovem, nem amigo nem inimigo, etc... Todas estas distinções são
feitas pelo sujeito enquanto ele ignora a natureza do Princípio. O Princípio está
simultaneamente em todos os seres e em nenhuma parte."

JEAN GRENIER, L'Esprit du Tao, p. 17 (tradução minha)

O filósofo francês Jean Grenier, professor e amigo de Albert Camus, no primeiro capítulo de
sua obra L'Esprit du Tao, tenta explicitar filosoficamente a natureza indizível do Tao. Ele
salienta que o Tao já foi traduzido por europeus como "Logos", "Método", "Via" e "Primeiro
Princípio, Natureza e Verdade". Lao-Tzu, o principal sábio do taoísmo, aplica o termo ao Ser
Absoluto, considerado não como uma pessoa tal qual o Deus pessoal nas religiões
monoteístas.

Grenier faz seis considerações sobre a Natureza do Tao. A primeira delas é que o Tao é a um
só tempo o caminho e a sua realização. Não há distinção entre o meio e o objetivo. Mas pode
haver maior ou menor proximidade com o Tao em certos canais divisados pelo homem, sem
que se possa confundi-los com ele.

Em segundo lugar, essa realidade suprema é incognoscível, dado que tudo o que se pode
conhecer cai no domínio do relativo, sujeitando-se à negação e à afirmação. Grenier
compreende aqui que o Tao não pode estar sujeito às categorias dos objetos comuns e
relativos deste mundo. Ele está para além de todas as coisas na qualidade de um fundamento
último de toda a realidade.

A incognoscibilidade conduz naturalmente ao terceiro ponto apresentado por Grenier: o Tao é


indizível. Não é possível designá-lo por qualquer nome. Mesmo o nome "Tao", ou "Caminho",
não é um nome designando a natureza dessa realidade última. É apenas um nome que não é
um nome verdadeiro.

Como o Tao não é relativo, nem cognoscível, nem nomeável, ele não se confunde com o Ser.
Tudo o que é nascido, diz Lao Tzu, nasceu do Não-Ser. O Tao é o Não-Ser no sentido daquilo

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que está como fundamento de toda a manifestação. É preciso esclarecer o que creio que
Grenier quer expressar. Há uma distinção subentendia aqui entre Não-Ser e o Nada. O Nada
é a absoluta ausência de qualquer ser, o que o impede de existir em qualquer sentido.

O Não-Ser ao qual Grenier se refere é aquilo que está como fundamento do Ser. Se tudo o
que possui ser é caracterizado pelos limites distintivos de sua natureza, isto é, tudo o que é
ser é limitado, então o Ser enquanto tal não pode ser o fundamento último das coisas. Se o
Ser é já um princípio de limitação, então o fundamento último deve ultrapassar as limitações
dos seres. O Princípio deve ser ilimitado.

O ilimitado é indizível, pois nele não há nenhuma das limitações que caracterizam os entes
deste mundo. Como expressar aquilo que não exibe nenhuma determinação própria? Para
expressar o fundamento último ilimitado que transcende e funda os seres, Grenier faz uso do
Não-Ser. O Não-Ser não é uma negação eliminativa de todo e qualquer ser, mas sim uma
negação de todas as limitações características de todos os seres. O Tao nega o Ser não por
deficiência, mas por superabundância.

Contudo, como assevera Grenier em seu quarto ponto, o mundo manifestado existe
realmente. Ele não é uma ilusão ou uma fantasmagoria. Os entes existem e agem no mundo
real. Não há Maya ou Avidya, como no Vedanta. Segundo Grenier, aqui se reconhece o
espírito positivo do chinês.

O quinto ponto questiona como o Ser pode vir do Não-Ser. Chuang-Tzu, um dos sábios do
taoísmo, diz poeticamente que "As portas e as janelas são feitas para que se tenha uma casa.
Eis a razão pela qual a inutilidade vem do ser, e o uso nasce do não-ser". Isto é, as portas e
as janelas são aberturas que nada contêm nelas, sua utilidade é justamente serem vazias e
permitirem a entrada e a saída da casa. Não haveria casa sem esses espaços vazios.

Analogamente, assim como as janelas são vazias (não-ser) e permitem a construção da casa
(ser), assim também o Não-Ser dá origem ao Ser. Os textos taoístas afirmam um nada de
formas, um indefinido indeterminado. O Tao é um princípio que ultrapassa e funda todas as
distinções comuns ao mundo do Ser. Ele ultrapassa mesmo a distinção primordial entre Yin e
Yang.

O Princípio, por conseguinte, só é apreendido de maneira negativa. Só uma súbita iluminação


pode fazer compreender o incompreensível. Tais aspectos são característicos de diversas
tradições místicas ocidentais e orientais. O sábio, entretanto, é aquele que vive
misteriosamente na indistinção primordial do Tao.

...

Leia também: Νεκρομαντεῖον: taoísmo (oleniski.blogspot.com)

Postado por Rogério da Costa (Oleniski) às 19:05 2 comentários:

Marcadores: China, filosofia, filosofia antiga, filosofia chinesa, filosofia da religião, filosofia oriental,
mística, taoísmo

sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

Marco Aurélio, o juízo interno e a


impermanência das coisas

"De qualquer modo, lembrai que em um muito curto espaço de tempo ambos, vós e ele,
estarão mortos, e pouco depois nem mesmo seus nomes serão lembrados."

MARCO AURÉLIO, Meditações, Livro IV, 6

No livro IV de suas Meditações, o divino imperador-filósofo Marco Aurélio reflete sobre a


transitoriedade da fama. Se um pouco de fama já é capaz de distrair-nos, basta que
consideremos a fugacidade da vida humana. Um tempo imensurável passou antes que

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viéssemos a este mundo, e um tempo igualmente imensurável passará depois que já tivermos
partido.

Considerando a pequenez do palco de nossos sucessos (a Terra não é mais que um mero
ponto no espaço, diz Marco Aurélio), pouco ou nada importa a nossa fama passageira.
Aqueles que nos aplaudem hoje estarão mortos amanhã como nós mesmos estaremos.
Consideremos ainda a quantidade de gente que passou por este mundo desperdiçando a vida
em inimizades, ódio e guerras. Todos são pó agora.

E se nos queixamos de nosso lugar dentro do grande Todo, revisitemos a alternativa:


"providência ou átomos." A alternativa faz parte de um dos pontos centrais da filosofia estóica
de Marco Aurélio, e tem como objetivo assegurar o homem de que, seja o mundo fruto de uma
consciência superior ou fruto das configurações aleatórias dos átomos no espaço vazio, ainda
é um dever ser racional e, por conseguinte, ser bom.

Se o mundo é um Todo harmônico ordenado por uma Providência superior e racional, então é
nosso dever imitarmos essa divindade e, sobretudo, aceitar nosso lote na vida. Sendo, pois, o
universo regido pela razão providencial, nada está fora do lugar e tudo concorre para o bem
do Todo. Mas se o mundo é resultado do movimento caótico dos átomos, este mesmo
movimento deu origem a seres racionais como nós e isso é suficiente para que vivamos uma
vida racional e boa. Não há, portanto, alternativa a não ser aceitar nosso lugar no mundo e os
deveres que daí derivam.

Por fim, é preciso recuar para o santuário da interioridade, ser mestre de si mesmo, e agir
como humano, cidadão e criatura mortal. E há dois pensamentos imediatamente úteis para a
vida: o primeiro é que as coisas externas não têm poder sobre a alma. Isso significa que, de
acordo com o preceito estóico, nada há de mal senão o juízo moral errôneo. Os
acontecimentos externos não têm, em si mesmos, o poder de fazer mal ou bem à alma, mas
esta escolhe no seu juízo sobre a situação se aquilo que lhe acontece é bom ou ruim.

A disciplina da aceitação estóica prevê que o homem deve aceitar tudo o que lhe acontece
como sendo obra da Razão que rege o Todo. Ao aceitar aquilo que acontece como a parte
que cabe a ele na harmonia providencial das coisas, o homem não sofre mais. É o juízo
interno que determina como reagiremos aos acontecimentos. Do mesmo modo, as coisas
externas não têm poder sobre a alma, pois são inertes. As ansiedades vêm somente do juízo
interno acerca das coisas.

E o segundo pensamento é que todas as coisas que vemos mudarão quase ao mesmo tempo
em que as vemos, e que depois não mais existirão. Constantemente devemos trazer na mente
tudo aquilo que nós mesmos já vimos mudar e perecer. Tudo é impermanente, dura um pouco
e logo se desfaz. Se mantivermos na mente esse pensamento, teremos o juízo correto das
situações pelas quais passamos durante a vida. O universo é mudança, diz o imperador, e a
vida é julgamento.

...

Leia também: Νεκρομαντεῖον: O sábio e a disciplina do assentimento em Marco Aurélio


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Postado por Rogério da Costa (Oleniski) às 16:42 Um comentário:

Marcadores: citações, estoicismo, ética, filosofia, filosofia antiga, filosofia romana, filósofos, Marco
Aurélio

terça-feira, 30 de novembro de 2021

Karl Popper, darwinismo, instrução e


seleção natural

Na fase mais tardia do pensamento do filósofo, lógico e epistemólogo austríaco Karl Popper, o
conhecimento é visto segundo uma abordagem darwiniana. O filósofo identifica três níveis de

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atividade adaptativa nos seres vivos - genética, comportamental e científica – que operam
fundamentalmente pelo mesmo processo, a saber, Instrução e Seleção.

Os seres vivos trazem já neles mesmos uma estrutura amplamente herdada de seus
ancestrais que se manifesta em sua herança genética, sua fisiologia, seu comportamento,
suas expectativas e suas ideias, o que Popper identifica como Instrução. Esta herança é
exposta às pressões do ambiente (Seleção), onde os conteúdos menos adaptados são
extintos. Diante do problema da Seleção, o organismo realiza modificações internas em sua
Instrução para fazer frente às exigências ambientais externas.

No caso dos seres não dotados de linguagem, tal modificação fica a cargo das mutações
genéticas aleatórias e das mudanças comportamentais razoavelmente também aleatórias. No
homem, tal processo chega ao seu nível mais alto, pois, através das funções descritiva e
argumentativa da linguagem, há um direcionamento racional da modificação interna, agora
precipuamente em termos de expectativas hipotéticas linguisticamente formuladas na forma
de teorias científicas. Os seres humanos testam suas teorias e as mudam quando necessário.
As teorias morrem no lugar de seus proponentes.

Ao contrário das epistemologias tradicionais, chamadas de pré-darwinianas por Popper, o ser


vivo não recebe passiva e indutivamente do ambiente as informações para daí erigir reações
adaptativas ou expectativas e teorias no caso humano. Os seres vivos trazem já em si a
Instrução que é submetida à Seleção do ambiente. Modificações nessa Instrução acontecem e
podem ser encaradas como tentativas de solução dos problemas enfrentados.

Soluções essas que são aleatórias no caso da genética e do comportamento, e que são
racionalmente orientadas como hipóteses e teorias no caso humano. O essencial aqui é o
método de tentativa e eliminação dos erros que percorre os três níveis. Tal perspectiva
darwiniana esposada por Popper é uma nova tentativa de refutação das epistemologias
indutivistas.

O forte acento na anterioridade da instrução frente ao ambiente contrasta com a tradicional


visão do conhecimento onde o ser vivo aprende indutivamente as características e
uniformidades do mundo. E assim como a seleção natural darwiniana pode “simular” os
passos adaptativos do lamarckismo, também o método de Instrução e Seleção pode “simular”
os passos indutivos.

...

Leia também: Νεκρομαντεῖον: Karl Popper (oleniski.blogspot.com)

Postado por Rogério da Costa (Oleniski) às 18:19 Um comentário:

Marcadores: epistemologia, filosofia, filosofia contemporânea, Filosofia da Ciência, filósofos, Karl


Popper

domingo, 24 de outubro de 2021

Lieh-Tzu, realidade, memória e mente.

"Nossas emoções são o resultado de nossas crenças. Estas não têm nada a ver com o que é
a realidade lá fora. Se acreditamos em uma coisa, então certas emoções aparecerão. Se
acreditamos em algo diferente, experimentaremos emoções diferentes."

LIEH-TZU

O livro de Lieh-Tzu conta a história de um homem chamado Hua-Tzu que, na metade de sua

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vida, perdeu a sua memória. Sua família, apavorada, buscou a ajuda de feiticeiros para curar
Hua-Tzu. Nenhum deles, contudo, foi capaz de curar o homem.

A família dirigiu-se, então, à casa de um sábio em busca de ajuda. Este examinou com
cuidado Hua-Tzu e percebeu que o homem sempre buscava o contrário daquilo que o sábio
aplicava nele como tratamento. Se o deixava nu, queria estar vestido. Se o fazia passar fome,
queria comer. Se o trancava em um lugar escuro, queria sair dali.

Ora, o sábio entendeu qual era a sua doença e explicou aos seus familiares que aquilo não
tinha cura por meio de encantos, mas que necessitava de métodos diferentes. Pediu que a
família o deixasse ali e só retornasse em sete dias. Enquanto isso, o sábio aplicaria uma
técnica utilizada há muitas gerações.

Após os setes dias estipulados pelo sábio, a família de Hua-Tzu retornou e encontrou o
homem curado. Porém, Hua-Tzu estava irritado e feroz. Quando questionado acerca da razão
de sua irritação, Hua-Tzu respondeu que quando estava sem memória ele era livre de
cuidados e de preocupações, nada tinha em sua mente e era um homem livre.

Agora, com a memória restituída, Hua-Tzu era um homem miserável, olhava para trás e via
suas venturas e desventuras, os ganhos e as perdas, as alegrias e as tristezas de sua vida.
Acordara de um bom sonho e entrar em um pesadelo. Não seria jamais capaz de retornar
àqueles tempos felizes quando não tinha memória.

Confucius, quando seu discípulo Tzu-Kung contou-lhe o caso de Hua-Tzu em busca de uma
explicação, disse somente que isso era algo que o discípulo jamais entenderia. E mandou seu
discípulo mais promissor, Yen-Hui, tomar nota de tudo aquilo.

A história contada por Lieh-Tzu em seu livro faz parte de uma coleção de contos que
enfatizam as incertezas dos juízos humanos acerca da realidade. O que é realidade? Para a
família de Hua-Tzu, ele estava doente, desprovido de uma função importante de seu corpo e,
portanto, deveria ser curado. O sábio percebeu que Hua-Tzu buscava sempre o contrário
daquilo que era apresentado ele como tratamento. Isto é, ele via tudo pelo contrário, seu
mundo estava invertido. Ele deveria ser curado.

Quando finalmente foi curado, Hua-Tzu revelou uma dimensão da realidade que ninguém ali
havia conhecido: a extrema liberdade de não ser atormentado pelas lembranças do passado.
Sem memória, tudo era sempre novo para Hua-Tzu. Sua mente não era moldada pelos seus
atos do passado e nem pelos seus temores. Hua-Tzu via tudo em equanimidade, pois sua
mente estava vazia.

Ele havia ultrapassado os opostos de ganho e de perda, de felicidade e de tristeza, de


sucesso e de fracasso. Por essa razão, sair daquele estado era como sair de um sonho bom
para um pesadelo. Novamente Hua-Tzu estava no mundo das dualidades e das apreensões e
juízos da mente. Para seus parentes, Hua-Tzu era um infeliz quando estava sem memória.
Para Hua-Tzu a vida sem memória era um paraíso.

Em outra história, Lieh-Tzu conta que um homem adulto partiu para a casa de seus ancestrais
na terra de seu nascimento, Ch'u. Seus companheiros de viagem resolveram aplicar-lhe uma
peça e, chegando à terra de Chin, disseram ao homem que aquela era a sua Ch'u natal. O
homem ficou silencioso e pensativo.

Depois, os companheiros, apontando para um prédio, disseram a ele que ali estava o templo
da sua vizinhança. O homem suspirou profundamente. E, por fim, apontaram para algumas
lápides e informaram ao homem que ali estavam enterrados seus pais. O homem chorou alto
e amargamente. Os companheiros revelaram então a troça e o homem sentiu vergonha de
sua reação emocionada.

Quando chegaram a Ch'u, o homem viu sua casa ancestral e as lápides da família. Dessa vez
não se sentiu tão mal. Estava ele realmente triste quando fôra enganado pelos companheiros
de viagem? As sua emoções foram resultado de sua crença de que estava realmente em sua
terra natal. Não foi a realidade que o fez chorar, mas as suas crenças. A sua mente já estava
mais desapegada quando chegou a Ch'u, por isso não sofreu tanto quando realmente estava
diante de sua casa ancestral e das lápides de seus pais.

Novamente, o que é a realidade? A avaliação e os juízos acerca da realidade determinam as


emoções, diz Lieh-Tzu. O homem de Ch'u não foi insincero em sua tristeza quando foi
enganado pelos amigos. Seu juízo estava errado e determinou a sua reação a uma
irrealidade. Do mesmo modo, a família de Hua-Tzu pensava que ele estava doente por sua
falta de memória. Na verdade, ele estava plenamente feliz.

Há um jogo de perspectivas nessas histórias que tem como objetivo último desfazer os juízos
dogmáticos acerca da realidade e, cremos, abrir espaço para a aceitação da
incompreensibilidade radical do Tao. Não se trata de mero relativismo, mas sim de um método
espiritual.

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Leia também: Νεκρομαντεῖον: taoísmo (oleniski.blogspot.com)

Postado por Rogério da Costa (Oleniski) às 19:26 Um comentário:

Marcadores: China, Confúcio, filosofia chinesa, filosofia da religião, taoísmo

sexta-feira, 24 de setembro de 2021

Lao Tzu, os desejos e o Tao

"Quando as pessoas perdem sua natureza essencial por causa dos desejos, suas ações
nunca são corretas. Governar uma nação dessa forma resulta em caos, governar a si mesmo
dessa forma resulta em corrupção."

LAO TZU, Livro de Wen-Tzu,7

Lao Tzu (⽼⼦) ensina que os desejos afastam os homens de sua verdadeira natureza, o Tao
(道). Os desejos pelas coisas turvam a mente e perturbam a mansidão originária do Princípio
Supremo. Quando o homem deseja algo, não vê as coisas tais como elas são em sua
inteireza, mas somente tem olhos para o que lhe é útil ou apetecível.

O sábio, por outro lado, vive na natureza essencial, no Tao, e não usa seu saber para explorar
as coisas ou deixa que os desejos perturbem a harmonia. Ele está seguro e centrado em
qualquer situação. Porém, poucos são capazes de o imitar por conta dos apegos às coisas do
mundo.

Clara serenidade é a consumação da virtude, docilidade flexível é a função do Tao, e a calma


vazia é o ancestral de todas as coisas. Presentes as três, entra-se na informidade, que é um
termo para unicidade, e unicidade é fundir-se sem pensamento com o mundo. O ser nasce do
não-ser, a realização nasce do vazio.

Há somente cinco notas musicais, mas as variações são tantas que está para além de nossa
capacidade ouvi-las. Há somente cinco sabores, mas as variações são tantas que está para
além de nossa capacidade de degustá-las. Há somente cinco cores, mas as variações são
tantas que está para além de nossa capacidade de enxergá-las.

Quando a primeira nota é estabelecida, as cinco notas são definidas. Quando a doçura é
estabelecida, os cinco sabores são definidos. Quando o branco é estabelecido, as cinco cores
são definidas. Em termos do Tao, quando o Uno é estabelecido, todas as coisas nascem. O
Uno se aplica a tudo. Ele é profundo como o oceano, vasto como as nuvens. Parece com o
nada, porém existe. Parece estar ausente, mas está presente.

Os desejos não permitem que as coisas sejam o que são, enxergam tudo pela ótica da
utilidade. O sábio vive no Tao e, portanto, no origem equânime de todas as coisas. Deixa as
coisas serem o que são, não interfere no seu curso natural. Sua ação é não-ação, "wu wei" (無
為).

Lao Tzu, no Livro de Wen-Tzu,8,diz que "a totalidade de todos os seres passa por uma única
abertura. As raízes de todas as coisas emergem de um único portão." Uma vez estabelecida a
unicidade, toda a vastidão dos entes torna-se real. O Uno é a realidade primordial presente
em tudo e que dá origem a tudo.

O não-ser dá origem ao ser. O vazio não é a ausência absoluta, mas sim a plenitude que a
tudo abarca na qualidade de Princípio de tudo. É informe, pois é ontologicamente anterior à
toda e qualquer forma, anterior às dez mil coisas. O olhar do sábio vê os seres todos a partir
dessa unicidade originária que estabelece todos os entes.

Por isso, seu olhar é equânime, sem exaltações, seguro e sereno em quaisquer situações. Ele
nunca perde sua natureza essencial em nome dos desejos, dos apegos ou das aversões.
Para ele tudo é reunido em uma interioridade singular, sem começo e sem fim.

...

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Postado por Rogério da Costa (Oleniski) às 12:51 4 comentários:

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domingo, 8 de agosto de 2021

Marsilio Ficino, metafísica, platonismo e os


nomes de Deus

"Ainda somos muito fracos em visão e não somos fortes o suficiente para abrir os olhos da
mente e contemplar a beleza do Bem Supremo, incorruptível e incompreensível. Quando não
tiveres nada a dizer sobre Ele, então O verás."

CORPUS HERMETICUM, Livro X, 5

"Deus ipse est essentia rerum, vita, virtus, actio, perseveratio, perfectio, reformatio, atque in
mentibus puritas, illuminatio, perfectio, divinitas."

MARSILIO FICINO, Comentário aos "Nomes Divinos" de Dionísio Areopagita

O filósofo e padre renascentista italiano Marsilio Ficino, no início de seu longo comentário ao
tratado sobre Os Nomes Divinos, de Dionísio Areaopagita, afirma que o princípio de todas as
coisas, de acordo com o neoplatonismo, deve ser chamado mais propriamente pelos
nomes Uno e Bem. O Uno está para além do intelecto, como aponta Plotino, pois tudo o que
pode ser inteligido pela inteligência humana é limitado.

Dizer o que algo é, captar intelectualmente a sua essência, é determinar (dar termo, fim) a sua
natureza. Em certo sentido, ter uma essência, ser um ser, qualquer que ele seja, implica, por
conseguinte, a limitação de uma unidade existencial que, por ser o que é, nega ser quaisquer
outras possibilidades. Nosso intelecto só capta aquilo que é uno finito e não o Uno infinito,
fonte de toda a unidade.

O Uno é supraessencial (υπερούσιων), isto é, está para além das essências. E como o
intelecto só consegue pensar aquilo que possui essência, então o Uno é impensável
intelectualmente. Pela razão natural, diz Ficino, nem o intelecto humano e nem o angélico
podem captar a natureza de Deus tal como ela é em si mesma. O único meio de entender o
que é Deus se dá por um tipo de união inexprimível (άρρητων) como a que Plotino faz alusão
em suas Enéadas.

O Princípio é Uno pelo que é e Bem pelo que realiza. Isto é, pelo primeiro, é sumamente
diferente de tudo o que há, e pelo segundo, é a causa que traz à existência todas as coisas
que há, cada uma recebendo a luz criadora divina de acordo com sua natureza intrínseca. E é
pelo amor que as mentes se voltam ao Bem supremo, ascendendo interiormente em um vôo
na direção do celestial, como afirmava Platão.

Marsilio Ficino afirma que a relação entre as criaturas e Deus é análoga à relação entre a
pessoa e a sua imagem em um espelho. Somos a essência da imagem, que em tudo depende
de nós. De forma análoga, o próprio Deus é a essência das coisas, a vida, o poder, o ato, a
perfeição e a reforma. Embora esteja intimamente presente nas coisas, Deus transcende a
todas como seu Princípio último, não havendo relação proporcional entre Ele e quaisquer

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outros princípios ou efeitos.

Os nomes que as Escrituras Sagradas atribuem a Deus não têm o objetivo de descrever Sua
essência inexprimível, mas tornar conhecidos os diversos bens que fluem de sua bondade
infinita. Os nomes não dizem o que Ele é, mas indicam o que Ele não é. O filósofo
renascentista, comentando Dionísio e outros platônicos, afirma que os Inteligíveis servem
como véus que encobrem Deus e permitem contemplá-Lo, assim como as nuvens mais finas
permitem aos olhos humanos contemplar o brilho cegante da luz do Sol.

Todas as coisas estão e não estão em Deus como a casa está no arquiteto, o calor está no
Sol, os números estão no número um, e as linhas estão no ponto. Deus cerca, abarca e
antecipa todas as coisas. Ele é a causa eficiente e a causa final de tudo. Plotino, Jâmblico e
Proclo, e todos os platônicos, diz Ficino, embora atribuíssem diversos efeitos, poderes e
eventos a diferentes causas, remontavam todas essas causas à Causa Primeira. Deus não
somente dá ser às coisas, mas, por via da excelência, é todas as coisas sem mistura ou
detrimento.
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Leia também: Νεκρομαντεῖον: Marsilio Ficino e a natureza das virtudes (oleniski.blogspot.com)

Postado por Rogério da Costa (Oleniski) às 19:43 Nenhum comentário:

Marcadores: citações, filosofia, filosofia da religião, filosofia renascentista, filósofos, Marsilio Ficino,
metafísica, mística, neoplatonismo, Platão, teologia natural

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