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terça-feira, 16 de maio de 2023 Translate

Nancy Cartwright, ciência e as leis Selecione o idioma Powered by Tradutor

naturais Descrição
Blog educativo sobre filosofia (ocidental e
oriental), religião comparada, simbolismo
tradicional, esoterismo e literatura. Há 17 anos
na internet.

Todos os textos são o resultado de estudos


pessoais do autor, e não representam adesão
a quaisquer movimentos ideológicos, políticos
ou religiosos.

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"O mundo manchado é feito de todas as ricas e variadas características que nós
experienciamos em nossas vidas cotidianas e que estudamos em nossa vasta variedade de
disciplinas científicas, sub-disciplinas e sub-sub-disciplinas. É um mundo rico em coisas
diferentes com naturezas diferentes comportando-se de formas diferentes. As leis que
descrevem este mundo são uma miscelânea , não uma pirâmide. Elas não tomam a simples,
elegante e abstrata estrutura de um sistema de axiomas e teoremas."
Seguir
NANCY CARTWRIGHT, A Philosopher Looks at Science, p.126 (tradução minha)

A importante filósofa da ciência Nancy Cartwright, em seu último livro A Philosopher Looks at
Science, de 2022, defende uma visão mais matizada da imagem da natureza que a ciência Páginas
apresenta, o que ela denomina de dappled world (literalmente, "mundo manchado").
Página inicial
Cartwright argumenta que o mundo da filosofia mecanicista, do mundo como um grande
relógio cujo mecanismo nunca deixa de funcionar de acordo com leis fixas e determinadas Bibliografia básica sobre Hinduísmo e filosofia
indiana
desde o seu início, não corresponde ao que se vê na realidade cotidiana e nem com o que a
prática científica enfrenta em suas investigações. Sobre livros e armas
Sobre “negacionismo” e ciência
Haveria, portanto, a necessidade de se pensar em uma natureza mais, por assim dizer,
Sobre o conceito de "epistemicídio"
"negociável". A fixidez inabalável das leis naturais que garante que todas as peças do
mecanismo funcionarão comme il faut sem a menor sombra de variação não passa de uma
miragem, pois mesmo quando o cientista trabalha com aparelhos e máquinas as coisas nem
Arquivo do blog
sempre se dão como previsto. Menos ainda quando se trata de situações da vida fora dos
contextos controlados dos laboratórios. ▼ 2024 (7)
▼ março (1)
Ao contrário de um elegante sistema dedutivo de axiomas e teoremas, as leis que descrevem
Dionísio Areopagita e a teologia negativa
o nosso mundo têm muito mais a aparência de uma colcha de retalhos, dada a variedade de
em "Os N...

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coisas existentes, com naturezas diferentes e comportamentos diferentes. Parcelas de grande ► fevereiro (3)
precisão, porções resistindo à formulação precisa, sobreposições erráticas, cantos que se
► janeiro (3)
encaixam, mas na maioria das vezes pontas irregulares. Cartwright assevera que "muito do
que ocorre acontece por acaso, sujeito a lei nenhuma. O que acontece é mais como o ► 2023 (32)
resultado da negociação entre domínios do que a consequência lógica de um sistema de
► 2022 (15)
ordem." (p. 127)
► 2021 (29)
Historicamente, a tentativa de redução da variedade da natureza a leis fixas realizada pela
► 2020 (21)
filosofia mecanicista encontrou resistência desde de seu início. Mesmo no século XVII, como
mostrou a historiadora da ciência Lorraine Daston, o fascínio pelo singular e pelo maravilhoso ► 2019 (21)
tinha enorme apelo nas mentes de inúmeros cientistas como Leibniz e Margareth Cavendish.
► 2018 (15)
A despeito de tais protestos, a filosofia mecanicista venceu o debate, explicando tudo na
natureza em termos de mecânica, ou seja, movimento e matéria. ► 2017 (16)

► 2016 (26)
Cartwright argumenta que essa imagem gera dois puzzles. O primeiro é que, segundo a
imagem padrão mecanicista, tudo acontece segundo leis naturais fixas e imutáveis, e, no ► 2015 (25)
entanto, em nossa vida, muito parece ser contingente e dependente de nossa ação. Essa ► 2014 (29)
fixidez mecanicista não se apresenta nem mesmo quando lidamos com a melhor de nossas
► 2013 (22)
máquinas, que dirá com o resto da natureza.
► 2012 (15)
O segundo puzzle é que, se a natureza segue leis fixas e imutáveis, como querem os
► 2011 (28)
mecanicistas, como é possível que, ao mesmo tempo, seja defendido que o conhecimento
dessas leis nos dará domínio tal sobre a natureza que mudaremos o curso dos eventos a ► 2010 (26)
nosso favor? Se tudo está determinado desde o início, nem a ciência poderia nos ensinar ► 2009 (55)
como mudar esse rumo.
► 2008 (26)
A doutrina de uma ordem total está calcada em duas premissas características da filosofia
► 2007 (25)
mecanicista que formam o que Nancy Cartwright denomina de argumento da regra absoluta:

1. As leis da física são determinísticas, com exceção das leis que governam os fenômenos
Marcadores
quânticos, que são probabilísticos;
Agostinho de Hipona (3)
2. Todas as propriedades que ocorrem na natureza são fixadas por aquelas no domínio da
Al Ghazzali (2)
física.
Alexandre Koyré (6)
A conclusão: todas as propriedades que ocorrem na natureza são determinadas por algum
Alvin Plantinga (7)
estado físico inicial.
anarco-capitalismo (1)
Tomando o segundo puzzle, a filósofa americana assevera que a imagem padrão parece ser Anselmo de Cantuária (3)
inconsistente, pois a fixidez inexorável das leis determinísticas da natureza parece contraditar
antroplogia filosófica (3)
o poder humano de mudar o curso dos eventos. Os defensores do mecanicismo resolvem a
inconsistência simplesmente negando a liberdade humana como uma ilusão. Cartwright Argumento ontológico (5)

admite que esse argumento é compatível com os dados que conhecemos, além de explicar as Aristóteles (36)
predições precisas que frequentemente são realizadas na física. Arte (17)

A questão, entretanto, não é se uma imagem meramente "acomoda" os dados, como parece artes marciais (3)
ser o caso do mecanicismo, mas sim se ela é a melhor conclusão a ser inferida. O interesse artigos publicados (3)
de Cartwright é saber o que inferir sobre o mundo a partir da ciência, e sua tese é a de que o astronomia (8)
"mundo manchado" é uma imagem melhor da natureza do que o mecanicismo. A sua
beleza (1)
vantagem reside em que, embora indo para além dos dados como toda imagem da natureza,
ela não avança tanto no terreno da metafísica como a concepção do universo mecânico. bíblia (1)
budismo (23)
A fim de defender a sua imagem do mundo, Nancy Cartwright passa a considerar onde a
Budo (1)
física obtém seus maiores sucessos. A física tem sucesso principalmente em fazer predições
precisas e detalhadas. Não há lugar para o "mais ou menos assim". Entretanto, essas Carl G. Hempel (1)
predições precisas acontecem na sua maioria em situações altamente planejadas e ceticismo (11)
controladas, em um laboratório ou em um dispositivo tecnológico. Com a exceção do sistema Chesterton (1)
planetário, que quase não é submetido a causas desregradas, raramente essas situações são
China (16)
encontradas na natureza.
Chuang Tzu (6)
Cartwright denomina small worlds (mundos pequenos) essas configurações. Os small worlds cinema (25)
seriam mundos dos quais uma determinada ciência saberia como criar um modelo, onde
citações (246)
todas as causas significativas de um certo efeito pudessem ser descritas por essa ciência
utilizando seus próprios princípios para entender e prever os resultados. O sucesso comunismo (2)
impressionante da física se dá geralmente em situações criadas para serem adequadas ao Confúcio (2)
que a física sabe que pode fazer: small worlds, lasers ou laboratórios. cosmologia (4)

Há que se recordar também que os conceitos da física, uma ciência exata, devem ser cristianismo (35)
precisos, mensuráveis e adequados a leis matemáticas. Essas restrições rigorosas na Daisetz Suzuki (1)
aplicação dos conceitos da física diminuem a possibilidade mesma de sua aplicação em todos David Hume (7)
os domínios da realidade. Assim, para se afirmar que o mundo é capaz de ser descrito
Dionísio Areopagita (6)
completamente pelos conceitos rigorosamente restritos da física matematizada, é preciso
afirmar que ele é inteiramente um small world. Dogen (1)
Dostoievski (9)
A favor dessa tese haveria os crescentes sucessos da ciência em expandir seus limites para
Duns Scotus (1)
fenômenos antes considerados intratáveis. Porém, há igualmente uma história dos fracassos.

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Nem tudo o que há na realidade admite tradução em termos de conceitos físicos. Não há economia (6)
como decidir a questão somente com métodos históricos. De um jeito ou de outro, será
Emanuel Swedenborg (1)
necessário recorrer à metafísica.
epistemologia (57)
Invocando uma noção do filósofo britânico John Stuart Mill, Nancy Cartwright concebe as leis Eric Voegelin (4)
da física como tendências. Elas não descrevem como as coisas se comportam, mas sim como
Esfericidade da Terra (3)
as coisas tendem a se comportar. As leis não se realizam plenamente a não ser em situações
estética (2)
adequadas, small worlds, onde não há ação de nenhuma outra força. Os sucessos preditivos
da física só são produzidos nesses ambientes controlados onde nenhuma interferência estoicismo (3)
externa é permitida. ética (15)

A consequência importante que Cartwright infere disso é que, embora resultados precisos ética iluminativa (1)

sejam alcançados em ambientes controlados, afirmar que no mundo que conhecemos as Étienne Gilson (2)
coisas se comportam precisamente como no laboratório é pura especulação. Do mesmo ficção científica (11)
modo, é especulativa a tese de que todos os ambientes estão estruturados da forma correta,
filosofia (343)
esperando apenas serem descobertos.
filosofia analítica (18)
Essas tendências sugerem certa estabilidade, pois as leis físicas descreveriam como tende a filosofia antiga (45)
ser o comportamento das coisas mesmo em ambientes onde há muitas forças em ação além
filosofia brasileira (12)
das que se verificam nos small worlds. Cartwright afirma que há duas formas de interpretar as
tendências. A primeira forma seria encarar as leis físicas como instrumentos (tools), a filosofia chinesa (16)

segunda consistiria em ver nas leis descrições de poderes (powers). filosofia contemporânea (26)
Filosofia da Ciência (42)
Enquanto instrumentos, as leis científicas não implicariam qualquer afirmação metafísica de
existência de leis naturais. O foco residiria em usar essas leis científicas como ferramentas filosofia da linguagem (3)
para construir modelos, medições, predições e tecnologia. No caso dos poderes, as leis filosofia da religião (142)
descreveriam capacidades nos sistemas para agir e realizar mudanças. Ambas as Filosofia Islâmica (16)
interpretações são compatíveis com o dappled world, onde estão misturadas a ordem e a
filosofia japonesa (10)
contingência, e nenhuma delas exige o comprometimento com alguma forma de antirrealismo
científico. filosofia judaica (3)
Filosofia medieval (55)
Outra vantagem dos poderes é que eles explicam as leis da ciência, isto é, as coisas se
filosofia moderna (8)
comportam como as leis científicas descrevem por causa dos poderes intrínsecos às coisas.
No início da filosofia mecanicista era fácil explicar a regularidade das leis naturais pelos filosofia oriental (60)
decretos de Deus no Livro da Natureza. Mas quando se retira o Senhor do cenário, torna-se filosofia renascentista (7)
mais difícil justificar metafisicamente a crença em um comportamento regrado das coisas no filosofia romana (4)
mundo.
filósofos (217)
Nancy Cartwright chama a atenção para um fato histórico bastante interessante. Os modernos Francis Bacon (1)
debochavam dos antigos e dos escolásticos porque estes explicavam as coisas a partir de Frédéric Bastiat (1)
certos poderes. Desse modo, os escolásticos explicavam a queda dos corpos por uma
Friedrich von Hayek (1)
tendência natural que eles chamavam gravidade. Ora, diz a filósofa, o mesmo é dito por
Newton quando afirma que a Terra tem um poder de atração relacionado à sua massa. Friedrich Waismann (1)
Galileu (1)
O que foi acrescentado nos anos seguintes de pesquisa científica foi um conjunto maior de
George Berkeley (4)
informações sobre essa força e outras que podem agir em conjunto. Nos small worlds os
cientistas sabem tanto quais forças estão em ação como também sabem calcular seu efeito Giordano Bruno (1)
conjunto. Contudo, nos large worlds, onde tanto as causas quanto os arranjos escapam ao Górgias (5)
escopo de qualquer ciência, não sabemos se há regras fixas para o que acontece. Talvez o goth (1)
que acontece se assemelhe aos resultado de uma regra aproximativa, de analogias grosseiras
guerra (1)
ou mesmo da ausência de sistemas.
Hilary Putnam (1)

Postado por Rogério da Costa (Oleniski) às 14:04 Nenhum comentário: Hinduísmo (21)
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Marcadores: citações, epistemologia, filosofia, filosofia contemporânea, Filosofia da Ciência,
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segunda-feira, 8 de maio de 2023
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Alvin Plantinga, Deus e a regularidade das iaido (1)

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jidaigeki (6)
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Leibniz (6)
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libertarianismo (3)
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"Deus é capaz de criar partículas de matéria de diversos tamanhos e figuras, e em diversas
proporções no espaço, e talvez de diferentes densidades e forças, e, portanto, capaz de variar Lovecraft (3)
as Leis da Natureza e fazer mundos de múltiplos tipos em múltiplas partes do Universo. Ao Ludwig von Mises (2)
menos, não vejo nenhuma contradição em tudo isso."
Maimônides (4)
Marcel Proust (2)
ISAAC NEWTON, Opticks, livro III, parte 1
Marco Aurélio (2)
O importante filósofo analítico americano Alvin Plantinga publicou em 2012 o excelente Where Mário Ferreira dos Santos (13)
the Conflict Really Lies, livro no qual investiga quais seriam realmente os pontos de conflito e Marsilio Ficino (6)
de concordância entre e o teísmo cristão e a ciência moderna. Após examinar detidamente os
Meister Eckhart (2)
pontos de conflito, que conclui serem superficiais ou ilusórios, passa, do capítulo 9 em diante,
a apresentar os pontos de concordância entre a ciência e o cristianismo. Mênon (3)
mentalidade revolucionária (15)
A primeira coisa que Plantinga observa é que, apesar de todas as declarações em contrário, o
metafísica (116)
cristianismo não foi deletério para o desenvolvimento da ciência moderna, dado que foi no
mundo cristão que ela floresceu. Os grandes cientistas da época eram crentes: Copérnico, Michael Oakeshott (1)
Galileu, Descartes, Newton, Boyle, etc. O filósofo americano considera que nada há nesse Michael Polanyi (3)
fato a se estranhar. Ao contrário, o cristianismo ofereceu as condições necessárias e Mircea Eliade (12)
suficientes para o surgimento da ciência moderna.
mística (68)
Apesar das concepções divergentes acerca do que é a ciência (realistas considerando que a mitologia (13)
ciência busca a verdade, instrumentalistas defendendo que basta que as teorias sejam úteis e
moral (1)
empiricistas construtivos exigindo das teorias somente adequação empírica), Plantinga
Murray Rothbard (1)
postula uma ideia básica: ciência é fundamentalmente uma tentativa de aprender verdades
importantes sobre nós mesmos e sobre nosso mundo. música (2)
Nancy Cartwright (1)
Obviamente, essa busca por verdades importantes não significa que a ciência tente ou possa
nazismo (1)
responder a qualquer pergunta. Questões morais ou religiosas, por exemplo, estão fora de
seu escopo. A investigação científica é sistemática, disciplinada e necessariamente envolve neoplatonismo (27)
um substancial envolvimento empírico. Mas em quê o cristianismo contribuiu para esse Nicolau de Cusa (3)
gênero de investigação? A concepção do homem como uma imagem de Deus, o onisciente,
Nietzsche (3)
contribuiu para a ideia de que a inteligência é o atributo que propriamente mais nos aproxima
Paul Feyerabend (3)
da essência divina.
Philip K. Dick (7)
Se Deus, aquele que tudo conhece, criou o homem à sua imagem e semelhança, então o
Pierre Duhem (10)
homem é também um conhecedor, embora infinitamente mais limitado. Para que o homem
Pierre Hadot (1)
conheça efetivamente, e assim realize essa semelhança com Deus, é preciso que haja uma
harmonia entre as faculdades cognitivas humanas e a realidade criada. A ciência não é mais Platão (20)
do que uma extensão de nossas formas ordinárias de aprendizado. Plotino (12)
poesia (8)
Note-se que aqui Plantinga faz referência a um ponto central de sua própria epistemologia
externalista. Ao longo de uma trilogia, Warrant: the Current Debate, Warrant and Proper política (25)
Function e Warranted Christian Belief, o filósofo americano apresentou seu critério para que Porfírio de Tiro (1)
uma crença verdadeira qualquer fosse epistemologicamente justificada. Temos um conjunto
Pré-socráticos (1)
de fontes básicas de conhecimento como os sentidos, a memória, a indução, a intuição a
Proclo (3)
priori de verdades formais, etc. A evidência dessas fontes não é derivada de outras fontes
mais básicas do que elas mesmas. racionalidade (12)
Radhakrishnan (2)
Acreditamos nessas fontes por algo que Plantinga chama de impulsional evidence (evidência
religião (82)
impulsional), isto é, somos impelidos a acreditar nelas em circunstâncias normais. Se esses
órgãos do conhecimento, por assim dizer, estiverem funcionando como devem funcionar, e religião grega (8)
seu funcionamento for dirigido à verdade, ou seja, for dirigido à fornecer informações que Réné Descartes (14)
espelhem a realidade, então, a despeito do sujeito conhecedor saber disso ou não, haverá
René Guénon (5)
conhecimento plenamente justificado. A esse critério epistemológico Plantinga denominou
retórica (5)
Proper Function (algo como "função própria", "função precípua").
Robert Charles Zaehner (2)

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Como o próprio Plantinga fez questão de observar em uma de suas obras, nesse ponto a sabedoria (2)
epistemologia toca a metafísica. Não é possível garantir a acuidade das faculdades cognitivas
Sabedoria da Unidade (2)
mais básicas sem o conceito de proper function, e este, por sua vez, exige um planejador
Sabedoria dos Princípios (8)
(designer) que intencionalmente produza esse aparelho cognitivo feito para captar a verdade.
A outra consequência, segundo Plantinga, é que qualquer metafísica que não admita esse samurai (6)
planejador não conseguirá explicar como as faculdades cognitivas se formaram com o objetivo Sankaracarya (14)
de serem confiáveis Sêneca (1)

O argumento não é novo, no entanto. Descartes, nas suas Meditações, já havia notado que Sérgio L.de C. Fernandes (3)
qualquer outra origem que o ser humano tenha que não seja o Deus perfeitíssimo, todas as simbolismo (27)
nossas mais básicas formas de conhecimento podem ser colocadas em dúvida. O argumento
socialismo (1)
de Plantinga deriva a necessidade da existência de um designer supremo partindo das
sociedade livre (1)
condições de confiabilidade (proper function) do aparelho cognitivo humano. Esse é o
hardcore de seu famoso argumento contra o naturalismo metafísico. Sócrates (7)
Sófocles (2)
Retornando à discussão sobre a ciência, Plantinga aponta que esta necessita que haja
Star Wars (3)
regularidade e previsibilidade no mundo para que as suas investigações tenham sucesso. O
mesmo se dá nas ações intencionais individuais de nosso cotidiano. O cientista, portanto, para Stendhal (1)
exercer o seu mister, tem que possuir de antemão a forte convicção de que o mundo é Suarez (1)
ordenado, de que há uma ordem natural governando todas as coisas.
Surendranath Dasgupta (3)

Ora, o cristianismo afirma justamente que Deus criou o mundo e o mantém por Sua Taisen Deshimaru (3)
providência. Tudo foi ordenado por Ele e obedece às Suas leis. Deus, como enfatizaram os Tantra (1)
medievais, é racional, não é caprichoso em Suas ações e em Seus decretos. Por essa razão,
taoísmo (12)
a Natureza é regular e previsível. No século XVII (no qual se iniciou a Revolução Científica)
Tarkovsky (3)
em diante essa regularidade foi formulada em termos de leis naturais. De Descartes a
Stephen Hawkings, passando por Robert Boyle, Roger Cotes, Johannes Kepler, Isaac Newton teatro (5)
e Albert Einstein, todos os cientistas estão convencidos de que o universo é governado por teologia natural (40)
um conjunto pequeno de leis imutáveis e acessíveis à compreensão humana.
teoria do conhecimento (147)

Resta a questão sobre o que é uma lei natural. Uma lei é sempre universal, isto é, aplica-se a Thomas Kuhn (1)
muitos. Entretanto, nem toda sentença universal verdadeira pode ser considerada uma lei Tomás de Aquino (18)
natural. Plantinga dá os seguintes exemplos:
tragédia grega (5)
(1) Todos em minha casa têm mais de cinquenta anos. transhumanismo (1)
Upanisads (8)
(2) Toda esfera feita de ouro tem menos que 1/2 milha de diâmetro.
utopia (1)
Suponhamos que as duas sentenças sejam verdadeiras. São sentenças universais
Werner Heisenberg (1)
verdadeiras, mas não podem ser consideradas leis naturais. A razão é que são verdadeiras
Wittgenstein (1)
por mero acidente. Poderiam muito bem ser falsas. O que falta a elas é o caráter de
necessidade. O necessário é aquilo que não pode ser negado sem gerar contradição, ou Xenofonte (3)
aquilo que não pode ser diferente do que é. O exemplo mais típico da necessidade se Yoga (3)
encontra nas ciências formais como a matemática e a lógica. Zen (17)

Ninguém pode negar que 2+2=4 ou que "todo solteiro não tem sogra". Ocorre que aqui se
trata de necessidade lógica, e as chamadas leis naturais parecem não possuir o mesmo tipo Leituras atuais
de necessidade. Se é logicamente impossível pensar em qualquer outro resultado para
2+2=4, é logicamente possível pensar em duas partículas que não sigam as leis de Newton de "ECKHART, SUSO, TAULER" de Alain de
atração à distância, ainda que estas sejam realmente leis naturais. Libera
"ENÉADAS" de Plotino
O teísmo, afirma Plantinga, oferece recursos importantes para esclarecer a natureza das leis
"FORCES AND FIELDS" de Mary B. Hesse
naturais. Elas seriam necessárias na medida em que são ordens divinas que nenhum ente
finito jamais poderá interromper ou alterar. Como o próprio filósofo define, "as leis da natureza, "MUHAMMAD" de Martin Lings
portanto, assemelham-se às verdades necessárias no que tange ao fato de que não há nada "TIMEU" de Platão
que nós ou outras criaturas possamos fazer para torná-las falsas. Poderíamos afirmar que
elas são finitamente invioláveis." (p.281)
Curso gratuito
Por outro lado, embora sejam decretos divinos, essas leis não são necessárias em si
mesmas. Elas são meramente contingentes, de modo que Deus poderia muito bem ter feito
outras leis para a atração entre os corpos, por exemplo. E nem é justo pensar que essas leis
limitam o poder divino. Nesse sentido, podemos pensar nas leis naturais da seguinte forma:

"Quando Deus não está agindo especialmente, então P."

Por exemplo,

"Quando Deus não está agindo especialmente, então nenhum objeto material acelera de
uma velocidade menor que c para uma velocidade maior que c."

A lei natural seria definida pelo comportamento usual do fenômeno quando não está sob a
ação especial de Deus. Note-se que assim Plantinga tenta eliminar qualquer acusação de que
o milagre seria uma suspensão das leis naturais instituídas pelo próprio Deus. As leis naturais
não têm o caráter de necessidade lógica, nada impede que sejam contraditadas. Sendo
contingentes, a necessidade das leis naturais é somente uma tendência interna a apresentar
certos efeitos que podem a qualquer momento ser interrompidos por uma ação divina Clique na imagem

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especial. Curso gratuito


Plantinga salienta que a lei natural pode ser expressa em um condicional no qual o
antecedente sendo falso, o consequente será verdadeiro. Se Deus não agir de modo especial,
as coisas seguirão seu rumo usual. Nenhum ser pode alterar a lei natural, só Deus. O que
significa que ela só existe de forma inexorável e inelutável para nós. A lei natural expressa a
diferença de poder que há entre Deus e os demais seres.

....

Leia também: Νεκρομαντεῖον: Alvin Plantinga (oleniski.blogspot.com)

Postado por Rogério da Costa (Oleniski) às 16:27 Nenhum comentário:

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Marcadores: Alvin Plantinga, cristianismo, epistemologia, filosofia, filosofia analítica, filosofia
contemporânea, Filosofia da Ciência, filosofia da religião, metafísica, religião, teologia natural
Meu livro "Introdução à
Epistemologia de Karl
domingo, 9 de abril de 2023 Popper" (2023)

Daisetz Suzuki, Swedenborg e a natureza


do Céu

"Céu é o amor divino, e o Inferno é o amor-próprio, enquanto nós, no meio, devemos decidir
nosso lado por nós mesmos. Swedenborg chamou essa liberdade de equilíbrio."

DAISETZ T. SUZUKI, Swedenborg's View of Heaven and "Other-Power"


Clique na imagem.
Daisetz Teitaro Suzuki (1870-1966), renomado escritor e divulgador do Zen Budismo, publicou
em 1913 um curto estudo (Swedenborugu) sobre o cientista, inventor, filósofo, visionário e
místico sueco Emanuel Swedenborg (1688-1772). No texto, que foi traduzido para o inglês "A Teoria Física" de Pierre
com o sugestivo título Swedenborg's View of Heaven and "Other-Power", Suzuki compara a Duhem (tradução minha)
concepção do Céu exposta por Swedenborg com algumas doutrinas budistas.

As obras do sueco foram muito famosas e alcançaram larga influência em seu tempo, atraindo
a atenção, embora crítica, até de Immanuel Kant. Swedenborg afirmava ter visões e se
comunicar com o mundo dos mortos, o que rendeu a ele fama internacional. O próprio Kant,
em uma carta de 1758 endereçada à Condessa Charlotte von Knobloch, dá conta de duas
histórias amplamente disseminadas acerca de prodígios realizados por Swedenborg:
comunicar-se com o marido falecido de uma viúva dando a ela a localização exata de um
documento, e "ver" um incêndio em Stocolmo quando estava em Gothenburgo.

O ensaio de Suzuki não comenta essas manifestações de poder sobrenatural de Swedenborg,


mas se atém ao significado de sua doutrina sobre o Céu e sobre o "Outro Poder" (Annan
Makt, em sueco). Suzuki admite de início que o místico escandinavo não oferece uma
definição clara do Céu em sua obra sobre o tema (De Caelo et Ejus Mirabilibus et de inferno.
Ex Auditis et Visis). É possível afirmar, contudo, que o Céu pode se dar aqui neste mundo ou
no post mortem, e que se caracteriza como um domínio ideal que não está nem separado e
nem é equivalente ao mundo material que habitamos.

O Céu é o domínio, ou o estado, como Swedenborg o descreve, que comporta somente o


bem do amor e a verdade da iluminação. A inocência que o caracteriza flui naqueles que
abandonam seus próprios pensamentos e desejos. Quando agimos bem, e os outros
reconhecem que fizemos uma boa ação, não há aí mérito nosso, pois o bem não nasce de
nosso eu, e sim provém do Divino. Nada se realiza pelo próprio poder.
Clique na imagem
Swedenborg afirma que aqueles que estão em estado de inocência não atribuem nada a eles
mesmos, e consideram todas as coisas recebidas dons provenientes de Deus, desejando
nada além do que serem guiados por Ele e não por si mesmos. A inocência, Suzuki assevera, Postagens populares

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é a essência de todo o bem para o vidente sueco. E tal conhecimento não é fruto de sua Proclo, neoplatonismo e a
própria mente. Swedenborg diz que entrou pessoalmente no Céu, e o contemplou fluindo eternidade do mundo (parte 1)
diretamente de Deus. "Uma vez que o mundo subsiste
por causa da bondade da
Há uma doutrina da correspondência em Swedenborg. Nela, todos os entes do mundo têm divindade, é necessário que a
divindade seja sempre boa, e
significados que só podem ser captados por aqueles que conseguem realizar uma adequada
que o mundo sempre exi...
correspondência entre seu aspecto interior e seu aspecto exterior. O canto de um pássaro
possui a um só tempo um significado celestial e um significado infernal. Todos são livres para Dionísio Areopagita, teologia
encontrar o Céu neste mundo por meio do desvelamento dos significados celestiais dos catafática e teologia apofática
''E a vós, caro Timóteo, vos
fenômenos.
aconselho que, no fervoroso
exercício da contemplação
Este mundo de sofrimento pode ser também considerado uma Terra Pura*de luz tranquila, mística, deixeis os sentidos e as
assevera Suzuki. O Céu é essencialmente o amor puro e a verdade pura. Estas, quando atividade...
unidas perfeitamente, formam o indivíduo, cuja realização completa só se pode dar no
domínio da bondade e da verdade divinas. Ainda segundo Suzuki, a doutrina da Notas curtas sobre a natureza
do símbolo
correspondência de Swedenborg é semelhante à doutrina dos fenômenos no Shingon, escola
"E se tu suprimes isso que está
esotérica budista fundada entre os séculos XVIII e IX por Kûkai, na qual a realidade última e entre o Imparticipável e os
indizível do Dharmakâya (algo como o "corpo búdico") se revela em todos os objetos dos participantes – ó qual vazio! - tu
nos separas de Deus,
sentidos e do pensamento.
destruindo o l...
O mesmo poderia ser dito com relação à Terra Pura. Embora todas as coisas se interpenetrem
Popper, a origem e a justificação
sem obstáculos, o Céu não é o Inferno, e, por conseguinte, embora a Terra Pura encontre sua das teorias científicas
significação neste mundo de sofrimento, o Inferno não é o Paraíso. O princípio da "Generalidade, similaridade, e
correspondência não pode ser divorciado da consciência humana. Se Swedenborg ensina que também repetição, sempre
pressupõem a adoção de um
a inocência é a essência do Céu, e que este não pode ser alcançado por mero conhecimento
ponto-de-vista: algumas
humano, e sim por uma iluminação que ultrapassa esses limites, não é possível alcançar o similaridades ou repetiç...
bem sem o Senhor.
Sêneca, estoicismo e a
A inocência é o Céu, então a sua negação, a não-inocência, é o Inferno. Acreditar na própria dignificação do sofrimento
força e não no Outro Poder, conduz ao Inferno. E este surge quando o homem serve aos "Assim, tomemos o caminho da
vitória em todas as nossas lutas,
propósitos do ego, isto é, o amor próprio e o amor mundano. Swedenborg diz que o Inferno
pois o prêmio não é uma coroa
está em todos os lugares, e que suas entradas, como ele mesmo testemunhou, são ou uma palma ou um corneteiro
absolutamente trevosas. Os que lá estão, contudo, não sentem essa escuridão, posto que a que pede...
ela se acostumaram. Reina ali a maldade e o ódio, a sujeira e a devassidão.
Philip K. Dick: "Null-O" ou a
redução eliminativa da realidade
O seres humanos estão no meio do caminho entre o Céu e o Inferno, e podem escolher entre
" Lemuel indicou o apartamento
esses dois pólos. Tal liberdade, Swedenborg denomina equilíbrio. Só o ser livre pode agir de com um movimento de sua
forma egoísta, com vistas à sua pura satisfação. O amor que há no homem vem de Deus. mão.'Todos esses aparentes
Somente quando ele age segundo esse amor pode haver a regeneração e a salvação. Mas objetos - cada um tem um
nome. Livro, cadei...
esse amor é interno, diferente do amor às coisas externas que nasce da memória e funciona
só pelo pensamento. Aquele que atribui tudo a si e confia exclusivamente em seu próprio Mircea Eliade: Platão,
poder já vive no Inferno, ainda que disso não se dê conta. anamnesis e mentalidade mítica
"Concorda-se hoje em ligar à
O homem é livre para escolher o Inferno, porém o desejo pelo Céu está no ser humano como tradição pitagórica a doutrina
um ato livre do Outro Poder. Suzuki não formula nesses termos, mas creio que seja seguro platônica da anamnesis. Mas,
em Platão, não se trata mais de
dizer que Swedenborg concebe que o homem só possui o poder de se perder no Inferno pelo memórias...
amor próprio e pelo amor mundano. Exercer esse poder próprio de escolha já é infernal na
medida em que o ser humano assume a ilusão de que o que ele é e o que ele recebeu são Dionísio Areopagita e a teologia
frutos de seu próprio poder. Assim sendo, seria somente na aceitação interna de sua radical negativa em "Os Nomes
Divinos" (Livro IV, sobre o Bem)
dependência ontológica que o homem poderia entrar no Céu.
"No primeiro princípio das
coisas a simples existência é ela
Retornando ao texto de Suzuki, ele prossegue dizendo que por meio dessa liberdade, o mesma a bondade primordial e
cristão alcança arrependimento e ressurreição, enquanto o budista reconhece seus pecados e absoluta em si. Assim como o Sol, luminoso
ganha o renascimento no Paraíso. O cristão é despertado pelas palavras das Escrituras, e o em...
budista é despertado pelo nome do Amida Buddha. Na regeneração, o ser humano percebe
Paul Friedländer: Platão,
que a alegria e tudo o mais que ele recebe e possui são provenientes do Outro Poder, Sócrates, diálogos e os
e abandona enfim a cegueira da crença em seu poder próprio e autônomo. Upanisads
"Não há conflito entre Platão, o
Sendo um cientista de origem, o místico sueco não usa argumentos para fundamentar o que metafísico, e Sócrates, o
diz, mas, ao contrário, simplesmente descreve as suas experiências nessas dimensões da inquiridor irônico: o próprio
Platão sempre viu em Sócrates um símbo...
realidade tal como as testemunhou. Suzuki, encerrando o seu texto, observa que, do ponto de
vista privilegiado de Swedenborg, o que parece externamente uma conversa amistosa, uma Aristóteles, Tomás de Aquino e
transmissão de afeto entre duas pessoas, pode ser, internamente, o choque entre duas a demonstração da esfericidade
pessoas com as costas voltadas uma para a outra. O mundo interno e o mundo externo estão, da Terra
Bartholomeu
por assim dizer, separados desse modo.
Anglicus, De Proprietatibus
Rerum , séc. XIII "As ciências
Para quem vive no Céu, no entanto, tudo é claro e nada há de oculto. são diferenciadas de acordo co...

...

*Suzuki se refere aqui à Terra Pura do Amida Buddha. Lista de blogs e páginas de
interesse:
...
Theosophia Perennis
Leia também: Sobre Aristóteles, Deus e a teologia (por
Daniel Placido) - *Introdução* Aristóteles

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Νεκρομαντεῖον: Zen (oleniski.blogspot.com) muitas vezes tem sido


apresentado como o
Νεκρομαντεῖον: mística (oleniski.blogspot.com) paradigma do filósofo
racionalista, quando não
um materialista e ateu,
Postado por Rogério da Costa (Oleniski) às 16:39 Nenhum comentário: a...
Há 4 dias

Marcadores: budismo, citações, cristianismo, Daisetz Suzuki, Emanuel Swedenborg, filosofia, Edward Feser
The metaphysics of
filosofia da religião, filosofia japonesa, filosofia oriental, filósofos, Japão, metafísica, mística, individualism - Modern
religião, Zen moral discourse often
refers to “persons” and to
“individuals” as if the
notions were more or less
sexta-feira, 31 de março de 2023 interchangeable. But that is not the case.
In...
Há 5 dias
Sankaracarya, Brahma Sutras e a natureza
A Vida Intelectual
de Brahman A tríade trágica - Todo ser
humano passa pela
*tríade trágica*: *dor/
sofrimento* (todo mundo
vai sofrer), *culpa* (todo
mundo vai errar) e
*morte* (todo mundo vai morrer)....
Há 6 dias

Stories by Giuliano on Medium


Consertando motores - Para consertar um
motor é preciso entender como ele
funciona. As relações entre suas partes e
seu fim último — movimento e repouso. A
Prakrti é basicamen...
Há um mês

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Súplica dos oprimidos - Ó Tu em cuja
misericórdia nos refugiamos!Tu, em quem
os aflitos procuram asilo! Ó Protetor, cujo
perdão está próximo! Ó Tu que atendes a
todos os que Te ...
Há 5 meses

"Aquilo do qual esses seres nasceram, pelo qual vivem após o nascimento, e no qual entram Professor Deividi Pansera
A distração - Um mal que assola os
na ocasião da morte - tentai conhecê-Lo. Ele é Brahman." tempos modernos é a distração. Aqueles
que estudam, por exemplo, começam a
TAITTIRÎYA UPANISAD, 3.1 dispersar nas primeiras linhas lidas; a ter
problemas de re...
Há um ano
Os maravilhosos textos conhecidos na tradição hindu como Upanisads, que constituem o
Vedanta ("o fim dos Vedas"), não apresentam, na sua diversidade, nenhum sistema de
pensamento pronto e encerrado. Eles são antes testemunhos das descobertas espirituais dos
Regras para a reprodução do
rishis, os sábios videntes, acerca da natureza da realidade última dos mundos interior e
exterior. Tal realidade, inominável, inefável e indizível, foi denominada de Brahman, o Um sem
conteúdo do blog:
segundo.

A fim de sistematizar e harmonizar as aparentes contradições dos vários Upanisads, uma


série de textos surgiram com o objetivo de resumir e apresentar os seus pontos doutrinários This work is licensed under a
principais. Os Brahma Sutras, atribuídos ora a Badarayana e ora a Vyasa, são um dos frutos
Creative Commons Attribution-
desse empreendimento. A data de sua redação é incerta, assim como a atribuição usual de
NonCommercial-NoDerivs 3.0
sua autoria.
Unported License.
O costume hindu de comentários (karikas) às escrituras sagradas estendeu-se naturalmente Em português:
aos Brahma Sutras, também conhecidos como Vedanta Sutras. Não é de se espantar, http://creativecommons.org/
portanto, que o magnífico mestre vedantino Sri Adi Sankaracarya (séc.VIII/IX D.C.), principal
licenses/by-nc-nd/2.5/br/
expoente da escola Advaita (não-dualista), tenha ele também comentado os Brahma Sutras.

O primeiro verso dos Brahma Sutras apresenta como seu objetivo justamente a investigação Visualizações
acerca da natureza de Brahman:

1. "Agora (após a aquisição das qualidades espirituais requeridas), portanto (como os


6 5 3 4 9 7
resultados obtidos pelos sacrifícios, etc, são efêmeros, enquanto o resultado do conhecimento
de Brahman é eterno), a investigação sobre (a real natureza) Brahman (a qual é necessária
graças às visões conflitantes das diversas escolas, deve ser empreendida)."*

O comentário de Sankaracarya inicia com uma possível objeção ao estudo da natureza de


Brahman. Ora, ninguém inteligente investiga o que já conhece, pois isso não teria qualquer
benefício prático. Já se sabe pelas escrituras que Brahman é Satcitananda (algo como
"Verdade-Consciência-Bem-aventurança"), e que é idêntico ao Atman (o Si-mesmo). O Si não
é outro que o objeto da noção de Eu, o eu empírico cuja existência é indubitável. Não há
necessidade de se investigar uma pretensa indefinição de Brahman.

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Ademais, diz o imaginado oponente, tal conhecimento não ajuda em nada em


Moksa (libertação), nem traz qualquer modificação à realidade, isto é, ao mundo fenomênico.
Inexiste qualquer superimposição (Adhyâsa) na realidade. Este mundo é absolutamente real.
Não há outro Si que não seja o da consciência egóica. Por essas razões, a investigação da
natureza de Brahman nada traz de útil, e não é desejável.

Sankaracarya responde à objeção imaginada afirmando que a investigação sobre a natureza


de Brahman é sim desejável, dado que há certa indefinição graças às diversas escolas que
disputam sobre o tema. As sagradas escrituras (Sruti)** dizem que o Si é livre de todas as
características limitadoras, que é infinito, bem-aventurado e onisciente, o Um sem segundo. O
eu empírico é sentido como ocupando um espaço (como quando se diz "eu estou na sala"), é
ignorante, está evolvido em inúmeras tristezas, etc.

Tal noção não pode ser verdadeira. Tomar o Si infinito e ilimitado como o eu empírico limitado
é, em si mesmo, uma ilusão. É uma superimposição evidente. O conhecimento de Brahman é,
portanto, de imensa importância, conduzindo à Libertação. O exame dos textos do
Vedanta que versam sobre o tema é valioso e deve ser realizado.

O segundo verso dos Brahma Sutras diz:

2. "(Brahman é aquela causa onisciente, onipotente) da qual procede a origem (sustentação e


dissolução) disso (o mundo)."

Tendo estabelecido a utilidade e a necessidade do estudo da natureza de Brahman,


Sankaracarya passa a refutar a possível objeção de que, sendo livre de todas as
determinações e características, Brahman não seria um objeto possível de investigação. A
isso o mestre advaita responde que o próprio texto dos Brahma Sutras já fornece uma
refutação, posto que uma definição é dada no segundo verso. Brahman é a causa e a origem
do mundo.

O que o referido texto sagrado faz, assevera Sankara, é utilizar uma característica que não
pertence a um objeto, e que, no entanto, serve para mostrar sua existência. Brahman é
definido como origem, sustentação e dissolução somente por referência ao mundo. Em si
mesmo, Brahman é eterno e imutável, mas o mundo O indica como sua causa primordial.
Justo como uma cobra imaginada indica a corda como sua causa.

Teço a partir daqui algumas observações com o objetivo de elucidar o sentido desse trecho do
comentário de Sankaracarya. Se o Princípio de todas as coisas não possui nenhuma das
características das coisas limitadas, e nosso conhecimento parece só ser capaz de
compreender aquilo que possui características, pareceria impossível conhecer Brahman. Se
fosse assim, todo esforço para investigar a Sua natureza seria debalde.

A saída dessa aparente contradição é lembrar que uma característica pode indicar a
existência de algo sem que essa mesma característica pertença essencialmente a esse algo.
Por exemplo, João é pai de Paulo, isto é, dado que João decidiu ter um filho, e esse filho é
Paulo, então está estabelecida uma relação de paternidade. Todavia, a paternidade não é algo
que seja necessário a João. Ele poderia muito bem não ter tido um filho.

Isso significa que a paternidade, embora fosse possível, não era obrigatória. João em nada
teria mudado no ser que ele é se não houvesse tido um filho. A filiação é uma relação fundada
na existência do filho. Paulo dependeu ontologicamente de João para existir, mas João teria
existido mesmo na ausência de Paulo. João só pode ser chamado de pai por conta da
existência de Paulo.

Analogamente, Brahman só é denominado e definido como origem, sustentação e dissolução,


por conta do mundo. Em si mesmo, Brahman não muda nada pela existência do mundo. Este
sim (o mundo) depende de Brahman para existir. E dado que o mundo existe, pode o texto
sagrado referir-se a Brahman como origem de todas as coisas. Não se trata de uma definição
da natureza intrínseca de Brahman, mas de um modo de referência a partir do próprio mundo.

Esse gênero de explicação não é de modo algum estranho à tradição metafísica ocidental. O
Princípio último de todas as coisas (Deus, o Uno, etc.) tem alguns de seus nomes derivados
somente da relação que o mundo com Ele estabelece. Por exemplo, Deus é Criador por conta
da existência do mundo, mas nada O obrigava a ser Criador. Quando denominamos Deus
como Criador não definimos Sua natureza intrínseca, mas indicamos a própria dependência
ontológica do mundo com relação a Ele.

Outro tema para esclarecimento é a comparação da corda com o mundo. Se encontramos


uma cobra enrolada e nos assustamos, mas logo depois percebemos que a cobra é na
verdade uma corda, sentimos que fomos vítimas de uma ilusão. Obviamente, a corda não se
transformou em uma cobra e depois voltou a ser uma corda. Ela sempre foi e permanecerá
sendo uma corda. O que aconteceu foi que nós tomamos a corda por uma cobra. Somente
para nós existiu uma cobra.

Houve uma superimposição (Adhyasa) da aparência da cobra sobre a corda. Nesse sentido, a
cobra era uma ilusão, alguma característica imposta a uma realidade dada que não reflete a

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natureza dessa mesma realidade. É mister tomar cuidado com o sentido de ilusão. Embora
não corresponda ao real sobre o qual é imposto, aquilo que é ilusório não é totalmente
destituído de realidade. O ilusório reside e depende do iludido. Sua existência é muitíssimo
tênue e efêmera, mas ainda assim apresenta alguma realidade.

Novamente, de modo análogo, Sankaracarya usava essa comparação para tratar da relação
entre o mundo fenomênico e Brahman. Assim como a corda foi tomadas por uma cobra por
causa da nossa ignorância (Avidya) de que se tratava na verdade de uma corda, assim
também Brahman é tomado como o mundo fenomênico por causa nossa ignorância (Avidya)
de que se trata na verdade de Brahman. Isto é, sempre foi e sempre será Brahman a única
realidade. Somos nós que vemos a multiplicidade naquilo que é em sua substância uma só
realidade.

Nesse sentido, o mundo fenomênico é ilusório como ilusória era a cobra que vimos no lugar
da corda verdadeira. Cumpre notar que, no entanto, a ilusão não é totalmente irreal. Somos
nós ignorantes que vemos a cobra no que na realidade é uma corda. O mundo manifestado
(pradurbhava) a um só tempo apresenta e esconde Brahman na medida em que vemos
multiplicidade no que no Princípio Absoluto é pura unidade ilimitada, o Um sem segundo.

No seu comentário ao comentário de seu mestre Gaudapada ao Mandukya Upanisad,


Sankara esclarece que:

"Se alguém deve ser despertado pela negação do mundo fenomênico, como pode haver não-
dualidade enquanto o mundo fenomênico existe? A resposta é que esse seria o caso se o
mundo fenomênico tivesse existência. Mas sendo sobreposto como uma cobra em uma corda,
ele não existe. Certamente, não é que a cobra, imaginada sobre a corda por um erro de
observação, que existe lá em realidade, e é então removida por uma observação correta.
Verdadeiramente, não é que a mágica conjurada por um mágico existe na realidade e é então
removida na eliminação da ilusão ótica daquele que assiste. Similarmente, essa dualidade que
não outra coisa que Maya, e é chamada de mundo fenomênico, está na Suprema Verdade
(paramarthatah), não-dual (advaitam), justo como a corda e o mágico."***

Em outra obra, intitulada Vivekacudamani, Sankara afirma no verso 14 que:

"Pelo adequado pensamento a convicção da realidade da corda é adquirida, o que põe fim ao
grande temor e miséria causados pela cobra criada na mente iludida." ****

Retornando ao comentário de Sankaracarya, o mestre hindu prossegue elucidando o restante


do segundo verso que afirma a onisciência e a onipotência de Brahman. Desta feita, as
escrituras sagradas se referem não ao modo como as coisas dependem de Brahman, mas
sim à Sua própria natureza: Satcitananda, "verdade/consciência/bem-aventurança" (Swami
Vivesvarananda traduz como Verdade, Conhecimento e Infinitude). São três palavras que,
embora sejam de diferentes significados, todas se referem perfeitamente ao único Brahman,
como as palavras "pai", "filho" e "marido" se referem a um só e mesmo indivíduo em suas
relações com outras pessoas.

Sankara trata agora da própria essência de Brahman, que, como vimos, não é acessada pela
simples dependência ontológica das coisas em relação ao Absoluto. Na metafísica ocidental,
o que podemos conhecer do Princípio de todas as coisas é limitado sempre ao que podemos
inferir Dele indiretamente a partir do mundo. Em outros termos, só conhecemos do Absoluto
aquilo que podemos inferir de nossa dependência com relação a Ele. Por conseguinte, não
conhecemos e nem podemos conhecer a essência do Princípio último.

É possível inferir a Sua existência por um raciocínio que vai dos efeitos à causa, como nos
clássicos argumentos cosmológicos apresentados na tradição filosófica ocidental desde seus
inícios até os dias de hoje. Mas como essa inferência parte sempre de nossa realidade, tudo o
que sabemos Dele se refere sempre à nossa relação com Ele, e nunca se refere à Sua
essência tomada em si mesma. Contudo, Sankaracarya toma agora por objeto a essência de
Brahman. Como é possível tal conhecimento?

Sankara admite consistentemente que esse conhecimento não pode ser adquirido por
raciocínio ou por inferência, nem por qualquer outro modo correto de conhecimento
(pramana) que seja usualmente válido neste mundo. Podemos inferir a existência de uma
causa do mundo a partir de um raciocínio que vai do efeito à causa, mas isso não estabelece
exatamente a natureza dessa causa. Ademais, esse tipo de relação causa-efeito é
estabelecida quando ocorre entre objetos dos sentidos.

Brahman não é um ente sensível. Daí que a inferência pode somente sugerir fortemente a
existência de uma causa do mundo. Por outro lado, o raciocínio é um processo sem fim de
acordo com a capacidade das pessoas e, portanto, não pode ir tão longe na determinação da
Verdade. Resta evidente que as escrituras sagradas devem ser a base de todo raciocínio. É a
experiência que tem peso de verdade, e as escrituras são os relatos das experiências dos
mestres que estiveram face à face com a Realidade (Aptavakya).

Esse é o motivo pelo qual as escrituras são infalíveis, e porque só elas possuem a autoridade
de determinar a Causa Primeira. O objetivo dos Sutras não é estabelecer Brahman por meio

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de inferências, mas discutir as passagens das escrituras sagradas que declaram que
Brahman é a Causa Primeira. Os Sutras coletam os textos do Vedanta para uma
compreensão completa de Brahman. O raciocínio servirá na medida em que ajudar a
compreender os textos sagrados, e somente se não entrar em contradição com eles.

Tal gênero de raciocínio inclui a audição dos textos sagrados, o pensamento sobre seu
sentido, e a meditação sobre eles. Tudo isso conduz à intuição que se constitui na
modificação (Vrtti) da mente (Citta), o que destrói a ignorância sobre Brahman. Na percepção
ordinária, a mente toma a forma objeto externo, destruindo assim a ignorância sobre ele. No
caso de Brahman, consciência pura e simples, manifesta a Si mesmo, e elimina toda a
ignorância, posto que é intrinsecamente luminoso.

É por essa razão que Brahman é descrito nas escrituras como "não isso, não isso" (neti,neti).
Em nenhum momento Brahman é caracterizado como "Ele é isso, Ele é isso". A linguagem
que Sankaracarya utiliza aqui, baseado no testemunho das escrituras, é chamada de
apofatismo na metafísica ocidental. Em ambos os casos, a natureza do Princípio último de
todas as coisas é necessariamente indizível, não cabe em nenhuma das categorias deste
mundo fenomênico, e, portanto, só pode ser descrita por meio da negação dessas categorias.

O conhecimento inferencial encontra seu limite na simples afirmação desse Princípio cuja
natureza é inefável, indescritível e intelectualmente inalcançável. Somente a experiência não-
dual com esse Princípio pode, de fato, atestar Sua existência e, por assim dizer, revelar Sua
essência sem essência.

...

Leia também:

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...

* O texto utilizado aqui é a tradução de Swami Vireswarananda, publicada pela editora indiana Advaita Ashrama.

**A Sruti é formada basicamente pelos quatro Vedas e os Upanisads (e alguns textos menores, Brahmanas, Aranyakas).

*** A tradução utilizada é a de Swami Gambhirananda, publicada pela editora indiana Advaita Ashrama.

**** A tradução é a de Swami Madhavananda, publicada pela editora indiana Advaita Ashrama.

Postado por Rogério da Costa (Oleniski) às 09:11 3 comentários:

Marcadores: filosofia da religião, filosofia oriental, filósofos, Hinduísmo, Índia, metafísica, religião,
Sankaracarya

domingo, 19 de fevereiro de 2023

Ibn Arabi e a absoluta Unicidade do Ser

"Aquele que Me vê e sabe que Me vê, não Me vê."

IBN ARABI, Futûhât Makkyya, IV

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O místico, filósofo e poeta sufi andaluz Abū ʻAbd Allāh Muḥammad ibn al-ʻArabī al-Ṭāʼī al-
Ḥātimī, conhecido como Muḥyīddīn ("o vivificador da religião") e como Shaykh Al-Akbar ("o
maior dos mestres"), é o autor de centenas obras espirituais que são veneradas e estudadas
até os dias de hoje no mundo islâmico. Amado por uns e combatido por outros, a sua
ortodoxia foi posta em questão durante os séculos posteriores à sua morte por autoridades
religiosas que desconfiavam do conteúdo esotérico de seus escritos.

Nascido em Murcia, no Al-Andalus, no ano 1165 D.C., em uma família de comerciantes de


origem árabe, Ibn Arabi abandonou muito cedo a azáfama do mundo e ingressou na via
espiritual buscando exclusivamente a contemplação do Eterno. Havendo peregrinado por vinte
e cinco anos pelo mundo islâmico, o homem santo instalou-se por fim em Damasco, onde
faleceu em 1204. Entre as suas obras mais famosas está As Iluminações de Meca, fruto de
sua peregrinação à cidade santa onde o Islã nasceu em 622 D.C..

Ibn Arabi é conhecido pelo seu ensinamento da servidão ou indigência ontológica dos seres, a
completa e total dependência dos entes com relação ao Ser Supremo. Ancorado na doutrina
sufi da wahdat al-wujûd (a unidade do Ser), ele afirma que só Allah tem o Ser de Si mesmo,
isto é, tudo o que há que não seja a Divindade não tem em si mesmo o poder de existir. Daí
que o único que há, no sentido pleno de Ser, é Deus. Todo o resto tem seu ser dado pelo Ser
Supremo.

Claude Addas, em seu livro Ibn Arabî et le Voyage sans Retour, ensina que o termo árabe
wujûd, traduzido comumente como "ser", tem sua raiz em wjd, cujo sentido original é
"encontrar". Então, wujûd significaria algo como "encontrado", "estar lá". O termo faz todo o
sentido, pois só se pode encontrar aquilo que há. Se não há algo a ser encontrado, nada há.

A doutrina da unicidade do Ser está magnificamente exposta na sua Risâlatul-Ahadiyah


("Epístola da Unidade"). O texto de Ibn Arabi foi traduzido para o francês no início do século
XX pelo Sheykh 'Abd al-Hadi Aqhili, que iniciou no sufismo o venerável Sheykh Abd al-Wāḥid
Yaḥyá. O ponto central desse pequeno tratado é que há somente um ser que é real, sendo
todos os outros absolutamente dependentes do Ser Supremo.

Como Addas explica, wujûd significa sobretudo "ato de ser", isto é, tudo o que há existe pelo
seu ato de ser. Esse simples ato de ser é univocamente o mesmo em Deus e nas criaturas.
Quando digo que um lápis existe, digo que ele existe no mesmo sentido que Deus existe.
Ambos têm o ato de ser, ou seja, ambos são igualmente existentes. Tudo o que existe exerce
o simples ato de ser, de existir, não importando o que a coisa seja.

O que diferencia uma coisa da outra é a sua quididade, o tipo de ser que cada coisa é. Ser um
cavalo é diferente de ser um lápis. Essa diferença está somente no tipo de ser que cada um é.
Não obstante, um cavalo existente e um lápis existente são iguais do ponto de vista da sua
existência. Então, só há um ato de ser em todas as coisas que existem, a diferença estando
somente no tipo de ser que cada coisa é. O fundamento único, absoluto e último de todas as
coisas é, portanto, o ato de ser (wujûd).

Ibn Arabi ensina que Allah é o ato de ser absoluto. Por conseguinte, a doutrina da unidade do
Ser afirma sem peias que somente Allah existe. Ele é o Único sem nenhum outro que seja o
Seu segundo, sem antes ou depois, o fundamento último de tudo, nada havendo ou podendo
haver fora d'Ele. Não se encontra em qualquer outra coisa e nenhuma outra coisa pode Nele
penetrar por alguma entrada ou alguma saída.

"Ninguém O vê, salvo Ele mesmo. Ninguém O compreende, salvo Ele mesmo. Ninguém O
conhece, salvo Ele mesmo. Ele se vê por meio de Si mesmo. Ele se conhece por meio de Si
mesmo. Outro que Ele não pode vê-Lo. Outro que Ele não pode compreendê-Lo. Seu véu
impenetrável é Sua própria Unicidade. Outro que Ele não O dissimula. Seu véu é Sua própria
existência. Ele é velado por Sua Unicidade de modo inexplicável."

Sendo a fonte última de todas as coisas, Deus não pode ser compreendido pela razão
humana ou enquadrado em nenhuma categoria da realidade mundana. Ibn Arabi chega a
afirmar que as coisas não existem e nem podem cessar de existir, pois, rigorosamente não
existiram jamais. As coisas são nada, e é só reconhecendo essa nulidade é possível conhecer
a Deus. A Gnose, ou o conhecimento de Allah, não exige, como alguns disseram, a extinção
da existência, pois as coisas não possuem nenhuma existência.

É mister entender que nesse ponto Ibn Arabi não está negando absolutamente a existência
das coisas. Ele está enfatizando o fato de que nenhuma das coisas que existem têm elas
mesmas o poder de existir. Não se trata também de dizer que elas possam ser algo diferente
do Ser Absoluto, pois nada há além da Unicidade do Ser. Deus não é um ser entre outros
seres que Ele criou. Dizer que há algo além de Allah seria o mesmo que negar a Unicidade.

Em outros termos, não existimos por conta de nossa própria capacidade de existir. Não há
nada que exista que exista fora de Deus. Mas não estamos em Deus como algo está em
outro. Não somos algo e não há outro. Somos só e tão somente Ele, modalidades de ser. O
Ser, contudo, é um e não pode haver outro.

Claude Addas explica que "encarado como uma entidade autônoma distinta do Ser Absoluto,

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o universo é uma quimera, posto que não possui o ser em seu próprio direito." Nesse sentido,
Ibn Arabi pode afirmar que o universo é uma ilusão, pois não é algo subsistente por si mesmo.
Por outro lado, continua Addas, "se o consideramos sob o ângulo de sua relação ao Ser
Absoluto, do qual ele é uma cadeia de autodeterminações, o universo é totalmente real." (p.
87)

Deus não tem um Outro. O Outro de Deus teria que existir por si mesmo e não por Deus. Isso
é absurdo, pois não há dois Absolutos. Daí se vê que a Unicidade do Ser exige que tudo o
que há, houve ou pode haver não seja nada de diferente ou de independente do próprio Ser.
"Aquele que conhece sua alma conhece o seu Senhor", diz o texto corânico. Conhecer-se a si
mesmo é reconhecer que nada há além de Allah. É não atribuir subsistência a nada que não
seja Allah.

Em outra passagem, Ibn Arabi afirma:

"Pois aquilo que tu crês que seja algo outro que Allah, não é outro que Allah. Mas tu nã o
sabes. Tu O vês, e tu não sabes que tu O vês. No momento em que esse mistério for revelado
a teus olhos, que tu não és outro que Allah, tu saberás que tu és o fim de tu mesmo, que não
há necessidade de te aniquilar, que tu jamais cessou de existir, e que tu não cessarás jamais
de existir."

É por isso que o wâçil, aquele que chegou à Realidade, pode dizer "eu sou o Verdadeiro
Divino". Ele vê que não há sua alma e nem existência senão a de Allah. Aquele que "mata" a
sua alma, aquele que conhece a si mesmo, vê que toda a existência é Sua existência.
Conhecer a si mesmo consiste em saber com absoluta certeza que a sua existência não é
nem uma realidade e nem um nada, e que nunca foi, é ou será.

O conhecimento de si mesmo é a Gnose, o conhecimento de Allah. Significa saber que só há


uma única realidade que é propriamente existência: Allah. Todo o resto é como se não fosse,
pois não existe por si mesmo, e só existe na medida em que manifesta o Imanifestado. Por
nosso próprio poder, não somos nada. Pela Existência Suprema é que podemos dizer que
existimos. Estamos nus, sem nada de próprio, indigentes diante do Eterno (que Ele seja
glorificado). Somente o Senhor é verdadeiramente.

E quanto aqueles que dizem se unir a Deus? Como pode a Unicidade unir-se a Si mesma,
dado que não é duas? Ibn Arabi responde que nunca houve separação ou união, distância ou
aproximação. Só pode haver união de coisas que sejam distintas e análogas. Nada há de
análogo ou semelhante ao Eterno. Há união sem unificação, aproximação sem proximidade.
Só há Aquele que há.

"Quando se descobre o enigma de um só átomo, pode-se ver o mistério de toda a criação,


interna e externa."

Postado por Rogério da Costa (Oleniski) às 18:54 4 comentários:

Marcadores: filosofia, filosofia da religião, Filosofia Islâmica, Filosofia medieval, Ibn Arabi, Idade
Média, Islâ, metafísica, religião

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

Curtos comentários ao Isa Upanisad

Há dez anos ou mais, traduzi por conta própria alguns Upanisads hindus de forma bastante
despretensiosa. Utilizei as traduções em inglês da editora indiana Advaita Ashrama e as
traduções do indólogo britânico R.C. Zaehner. Acrescentei comentários que compilei a partir
dos comentários de autoridades hindus tradicionais como Sankaracarya, Gaudapadacarya,
entre outros, e de indólogos e estudiosos do pensamento indiano.

Relutei bastante em publicar essas traduções por receio de deturpar de algum modo a
maravilhosa mensagem dessa tradição milenar. Se agora as publico aqui, é no espírito
humilde de contribuir o mínimo que seja para o conhecimento desse tesouro espiritual e
metafísico, e, principalmente, como testemunho de meu profundo amor pelos Upanisads.
Peço desculpas de antemão por qualquer erro que tenha cometido nesse texto, na tradução

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ou nos comentários.

1. Om. Todo este universo é penetrado pelo Senhor. Abandona o que quer que se mova neste
mundo móvel. Não cobiceis os bens de quem quer que seja.

2. Realizando [sacrifícios] rituais (karma)um homem pode desejar viver cem anos. Para um
homem como vós (que deseja viver assim), não há outra via. O homem não é corrompido
pelo karma.

3. Os mundos dos demônios são cobertos pela escuridão que cega. Aqueles que matam o Si,
após terem deixado este corpo, para eles se dirigem.

4. Ele é imóvel, uno, mais rápido que a mente (manas). Os sentidos não O podem
ultrapasssar, pois escapa a eles. Em repouso, ultrapassa a todos os que correm. Nele,
Matarisva aloca todas as atividades.

5. Ele se move e não se move; está longe, embora esteja perto; está dentro deste grande
universo, embora esteja fora dele.

6. Aqueles que vêem todas as coisas no Si e o Si em todas as coisas, jamais duvidarão d'Ele.

7. Quando todas as coisas se tornam o Si para o homem sábio, quais ilusões e quais
sofrimentos podem haver para este que testemunha a unicidade?

8. Ele é todo-penetrante, puro, incorporal, sem mágoa, sem tendões, imaculado, intocado pelo
mal, onisciente, governante da mente, transcendente e subsistente por si mesmo. A todas as
coisas Ele ordenou segundo suas naturezas por anos infindos.

9. Na escuridão cega entram aqueles que veneram a ignorância (avidya/ritos); contudo, em


maior escuridão ainda entram aqueles que que estão engajados no conhecimento (vidya/
meditação).

10. Um resultado diferente é alcançado através de vidya e outro resultado se dá por meio da
avidya, dizem aqueles sábios que nos ensinaram.

Comentário de Sankara Acarya: "Um resultado realmente diferente é alcançado


por vidya (veneração ou meditação), pois o texto védico diz: 'O mundo dos deuses é
alcançado através da meditação' (Br. I, 16); por avidya, karma (ritos), um outro resultado é
obtido, pois assim diz o texto védico: 'O mundo de Manes é alcançado por meio
de karma.' (Br. I, 16)."

11. Aquele que conhece os dois, avidya e vidya juntos, alcança a imortalidade através de
vidya, ultrapassando a morte pela avidya.

Comentário de Sankara Acarya: "Sendo assim, aquele que conhece os dois


juntos, vidya e avidya - isto é, meditação sobre as divindades e os ritos, respectivamente -
conhece-os como coisas a serem realizadas pela mesma pessoa; somente para esse homem
- que combina os dois - ocorre a aquisição sucessiva dos (dois) objetivos num mesmo
indivíduo. Através de avidya, por meio de ritos como o Agnihotra (sacrifício ao deus do fogo), é
ultrapassada a morte. Através de vidya, a meditação nas divindades, obtêm-se a imortalidade,
a identificação com as deidades."

12. Aqueles que veneram o não-nascido* (Prakrti) entram na escuridão cega; mas aqueles
que são devotados ao nascido (Hiranyagarbha) adentram em uma escuridão ainda maior.

13. Daqueles que recebemos o ensinamento, ouvimos que um resultado é obtido na


veneração do nascido e um fruto diferente resulta da veneração do não-nascido.

14. Aquele que conhece esses dois, o não-nascido e o nascido juntos, alcança a imortalidade
através do não-nascido, ultrapassando a morte por meio do nascido.

15. A face da Verdade está oculta pelo barco dourado. Revela-O, ó Sol, para que eu - que sou
fiel a meus deveres - possa vê-Lo.

16. Ó tu que és o nutriente, o viajante solitário, o controlador, o obtentor, o filho de Prajapati,


remove teus raios, retrai teu brilho ofuscante. Contemplarei, por tua graça, a tua forma mais
benigna. Eu sou aquela Pessoa que ali se encontra.

17. Deixa minha força vital alcançar o ar imortal; agora, deixa este corpo ser reduzido a
cinzas. Om, ó mente, relembra tudo o que foi feito! Tudo o que foi feito, relembra!

18. Ó deus do fogo, tu que conheces nossos feitos, conduze-nos pelo bom caminho até o

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gozo dos frutos; remove todos os nossos erros. Nós oferecemos a ti muitas homenagens.
Fim do Isa Upanisad
...
*O termo usado é asambuthi que é a negação de sambuthi. Este, segundo Sankara, significa
"o nascido", "o que nasceu". A tradução de R. C. Zaehner utiliza o termo "uncompound", que é
a negação simples de "compound", que pode ser traduzido como "composto". A tradução de
Swami Gambhirananda utiliza o termo "unmanifested", negação de "manifested" (imanifestado
e manifestado). Como Sankara indica que esse "imanifestado" é Prakrti e não Brahman
Nirguna, optei pela tradução de "não-nascido" para que não haja confusões. Prakrti é
entendida aí como "matéria primordial" das coisas que, por estar em todas as coisas
manifestadas, não se manifesta, pois não é algo determinado. Creio que se deva entender aí
Prakrti como o aspecto passivo da manifestação, mais ou menos como a hylê grega. Esta
nunca se encontra no mundo sem uma forma determinada, isto é, jamais há matéria sem
forma. De certa maneira, ela é imanifestada, mas manifesta-se nas coisas. Deve-se distingui-
la de Brahman Nirguna, pois este, embora seja imanifestado e substrato de todas as coisas, o
é de forma mais "abrangente", pois inclui o que não se manifestou ainda e o que nunca se
manifestará, ao contrário de Prakrti que está intimamente ligada à manifestação efetiva. Obs:
Se alguém tiver alguma correção a fazer nessa interpretação, por favor, não se furte a fazê-la
nos comentários.

Leia mais:

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Postado por Rogério da Costa (Oleniski) às 15:57 Nenhum comentário:

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Sankaracarya, Upanisads

terça-feira, 24 de janeiro de 2023

Comentários curtos ao Mandukya


Upanisad

Há dez anos ou mais, traduzi por conta própria alguns Upanisads hindus de forma bastante
despretensiosa. Utilizei as traduções em inglês da editora indiana Advaita Ashrama e as
traduções do indólogo britânico R.C. Zaehner. Acrescentei comentários que compilei a partir
dos comentários de autoridades hindus tradicionais como Sankaracarya, Gaudapadacarya,
entre outros, e de indólogos e estudiosos do pensamento indiano.

Relutei bastante em publicar essas traduções por receio de deturpar de algum modo a
maravilhosa mensagem dessa tradição milenar. Se agora as publico aqui, é no espírito
humilde de contribuir o mínimo que seja para o conhecimento desse tesouro espiritual e
metafísico, e, principalmente, como testemunho de meu profundo amor pelos Upanisads.
Peço desculpas de antemão por qualquer erro que tenha cometido nesse texto, na tradução
ou nos comentários.

1. Hari Om! Essa sílaba "Om" é tudo isso. E a interpretação é a seguinte: o que foi, o que é e
o que virá a ser é verdadeiramente Om. E tudo que que está além dos três períodos do tempo
é também Om.

2.Tudo isso é certamente Brahman. Este "Si" é Brahman. O Si, tal como é, tem quatro quartos.

3. O primeiro é o estado de vigília (Vaisvanara), consciência (prajna) que se relaciona com as


coisas externas, que possui sete membros e dezenove bocas e que lida com o que é
grosseiro (denso, espesso).

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4. O estado de sonho (Taijasa), consciente do que é interno, que possui sete membros e
dezenove bocas e que lida com o que é sutil.

5. O estado de sono profundo é aquele em que o homem dorme e não deseja nada e não
sonha. O terceiro estado é Prajna, que tem o sono profundo como sua esfera e em quem tudo
se torna indiferenciado, uma massa de sabedoria que abunda em bem-aventurança,
experimenta a bem-aventurança e que é a porta para a experiência (dos estados anteriores).

6. [O quarto estado (Turiya)] Este é o Senhor de todos. É onisciente, o controlador interno (de
tudo). A fonte de tudo. É verdadeiramente o lugar de origem e dissolução de todos os seres.

7. Não é consciente do mundo interno, nem do mundo externo e nem de ambos juntos. Não é
massa de sabedoria (prajna), nem sábio, nem ignorante. Invisível, com quem não se pode ter
comércio, incompreensível, indistinto, inconcebível (pelo pensamento), indescritível. Sua
prova é a unidade do Si, no qual todo o fenômeno cessa; e que é imutável, auspicioso e não-
dual. Assim eles consideram que é o quarto [estado]. Tal é o Si e Isto deve ser conhecido.

8. Verdadeiramente o Si, considerando-o do ponto de vista da sílaba, é Om. Considerado a


partir das letras [que constituem Om], os quartos [do Si] são as letras [do Om] e estas são
aqueles. A, U, M. *

9. O estado de vigília, comum a todos os homens é A, significando "pervasividade" ou "aquilo


que está no início". Pois aquele que o conhece obtém todos os desejos e se torna o começo.

10. O estado de sonho, composto de luz, é U, a segunda letra e significa "exaltação" e "aquilo
que é intermédio". Aquele que o conhece aumenta o continuum do conhecimento e se torna
igual a tudo. Neste estado não há ninguém que não conheça Brahman.

11. O estado de sono profundo, sábio, é a terceira letra, M. Significa "medida" ou "absorção".
Aquele que o conhece "mede" o universo inteiro e é absorvido nele.

12. O quarto é além de todas as letras. Não há comércio com ele; ele traz fim a todo
desenvolvimento, auspicioso e não-dual. Tal é o Om, verdadeiramente o Si. Quem o conhece
entra no Si através de si mesmo.
...
*(juntas, essas letras são pronunciadas como OM)

Comentários:

1. Assim comenta Sankara Acarya: "Como todos os objetos que são indicados por nomes não
são diferentes desses mesmos nomes e os nomes não são diferentes do OM, então o OM é
verdadeiramente tudo isso. E como o supremo Brahman é conhecido através da relação que
subsiste entre o nome e seu objeto, Ele também é OM."

OM é a sílaba da realidade última de tudo aquilo que foi, é ou será. Nele estão identificadas as
realidades manifestadas e as imanifestadas. Na presente perspectiva, OM é Brahman
enquanto considerado em seu aspecto de Absoluto, englobando aquilo que está sujeito ao
tempo, bem como o que não está, seja porque ainda não se manifestou, já cessou ou é
atemporal.

Desse modo, os seres inanimados, os vegetais, os animais, o homem, o corpo, os


sentimentos, a razão, os pensamentos, a personalidade individual, o assassino, o santo, os
deuses, a alegria, a tristeza, a dor, o prazer, o nascimento, a morte, o ciclo cósmico, o
universo, enfim, tudo é Brahman e tudo é OM.

2. Tudo isso é Brahman e o próprio Eu não é mais que Brahman. Eis o ponto central: "Tu és
isso!" Ou seja, "tu mesmo, no mais íntimo de tua interioridade é Brahman". Esse "eu"
fenomênico, que carrega um nome, que se identifica com seus atos, que sofre e goza, ainda
não é a realidade mais profunda. Ele não é mais do que uma manifestação do princípio de
todas as coisas que está igualmente inteiro em cada ente sem jamais esgotar-se neles.

Disse Krishna ao indeciso príncipe Arjuna no Bhagavad Gita: "Esses corpos do Incorporado
que é eterno, indestrutível e incognoscível, são ditos finitos. Luta, então, ó filho de Bharata!"
Os objetos, animados ou não, sutis ou grosseiros, não são mais que vestes passageiras de
Brahman e Este é o Absoluto, imutável e eterno.

Escreve Heinrich Zimmer: "A essência dos fenômenos macrocósmicos é una e é idêntica a
dos fenômenos microcósmicos." A partir dessa perspectiva, nenhuma dualidade poderá se
afirmar como última e irredutível. O supra-pessoal, o não-dual, é o objetivo espiritual por
excelência.
"Tu és isso!". O verdadeiro Eu, o "Si" de tudo o que há é Brahman e seus quatro quartos são
suas condições representadas nas letras da sílaba sagrada OM. Essas condições serão

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apresentadas nos versos seguintes.

3. O estado de vigília é aquele do eu fenomênico, que vê, ouve, sente, toca, saboreia, ri,
chora, sofre e goza em meio a outros corpos animados e inanimados. Sua esfera de ação
primordial é com aquilo que é externo, ao que é presente pelos sentidos. Sankara Acarya
afirma que nesse estado a "idéia é que a Consciência aparece como se relacionada aos
objetos de fora, devido à ignorância."

Os sete membros constam no Chandogya Upanisad V, 8, 2. As dezenove bocas são assim


discriminadas por Sankara: "(...) os (cinco) sentidos da percepção e os (cinco) órgãos de ação
fazem dez.As forças vitais - Prãna e o resto - fazem cinco e (há) a mente (a faculdade de
pensar), intelecto, ego, e a substância mental. Esses são bocas, pois são comparáveis a
bocas. Isto é, eles são as portas da experiência."

E continua o sábio ortodoxo hindu: "Com efeito, uma vez que através dessas entradas
Vaisvanara, assim constituído, desfruta dos objetos grosseiros (brutos, espessos) - como sons
e o resto - então Ele é um Sthulabhuk, um desfrutador do grosseiro."Os objetos grosseiros ou
espessos são aqueles diretamente perceptíveis pelos sentidos e representam a porção mais
baixa na hierarquia da manifestação.

4. O estado de sonho tem como esfera de atividade o mundo da consciência totalmente


interna e desfruta somente daquilo que é sutil.O sutil é, em contraposição ao grosseiro, o que
é produzido não pela ação dos sentidos que captam os corpos externos e que mantém uma
relação sempre de exterioridade.

Taijasa, segundo o indólogo Heinrich Zimmer, é "o Eu quando sonha, contemplando os objetos
luminosos, sutis, magicamente fluídificos, e estranhamente encantadores, no mundo que fica
por trás das pálpebras dos olhos."

Ao contrário do estado de vigília, em que os objetos deixam impressões na mente, os objetos


sutis se apresentam à mente sem entes externos correspondentes. Taijasa, ensina Sankara,
significa "luminoso" e isso porque nele o Eu se torna "testemunha da cognição que é
destituída de objetos e que aparece somente como uma coisa luminosa. Como Vaisvanara (o
estado de vigília) é dependente de objetos, ele experimenta a cognição grosseira, enquanto a
consciência que é experimentada aqui consiste de meras impressões; por isso seu desfrute é
sutil."

5. O terceiro estado é o do sono profundo no qual não há nenhuma forma, seja sutil ou densa.
Nele não sonhos ou desejos.

Sankara Acarya afirma que esse estado é chamado "indiferenciado, uma vez que o conjunto
inteiro das dualidades, que é variado como os dois estados (de vigília e de sonho) e que não
são mais do que modificações da mente, se tornam indiscerníveis (nesse estado) sem perder
suas características já mencionadas, da mesma forma que o dia e o mundo fenomênico se
tornam indiscerníveis sob o manto da escuridão noturna."

Como salienta Sankara, nesse estado de sono profundo, sem sonhos, o mundo das formas se
torna indiferenciado e indiscernível de forma análoga às coisas visíveis que se indiferenciam
na chegada da noite, mas não desaparecem ou são destruídas. O mundo, por assim dizer, se
recolhe na noite e retornará tão logo a luz do Sol o ilumine.

Segundo René Guénon, nesse estado todas as possibilidades da manifestação estão como
que contidas numa indiferenciação principial. Estão recolhidas como o animal está contido
potencialmente no ovo que ainda não quebrou. Nele, Purusha e Prakriti, os princípios ativo e
passivo respectivamente, estão recolhidos como possibilidades efetivas do Ser.

Esse estado é vazio, mas não é um nada. É um útero de uma mulher grávida. É repleto de
todas as possibilidades manifestáveis e que efetivamente se manifestarão. Seu vazio é o da
indistinção, não o da ausência.

Sankara declara que nesse estado há ausência de discriminação e que ele é "ananda-
mayah, repleto de alegria, sendo sua abundância de alegria causada pela ausência da dor
envolvida no esforço da mente que vibra de acordo com os objetos e seu experimentador.
Mas ele não é a Felicidade em si mesma, uma vez que a alegria não é absoluta. Da mesma
forma como, no linguajar comum se diz que alguém livre de qualquer esforço é considerado
feliz ou anandabhuk, 'aquele que experimenta a alegria', assim também este é
chamado anandabhuk, pois por ele se experimenta libertação extrema do esforço"

Como diz o Mandukya Upanisad, tal estado é "a porta para a experiência", pois é dele que
tudo o que é manifesto advirá, como que atravessando uma porta. Ele é chamado Prajna,
consciência plena, porque nele somente há, como afirma Sankara, "o conhecimento do
passado, do futuro e de todas as coisas", pois ele as contém em princípio.

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De acordo com as correspondências efetivas entre os estados individuais até agora


assinalados e a realidade metafísica, o estado de sono sem sonhos simboliza o Ser como
princípio, ou seja, como ainda não manifestado. Nesse sentido ele é Iswara, o Senhor de tudo.

O sutil e o grosseiro perfazem nama-rupa, o mundo dos nomes e das formas, cambiante e
mutável que deve ser ultrapassado na direção da identificação com o Princípio último, eterno,
imutável e imanifestado, Brahman Nirguna (sem forma), verdadeiro objetivo da vida espiritual.

Tudo o que há na manifestação é Brahman Saguna, o diferenciado, quando considerado do


ponto de vista da multiplicidade e Brahman Nirguna, quando considerado do ponto de vista do
princípio absoluto e último de todas as coisas, que não admite em si nenhuma dualidade.

O objetivo da vida espiritual é alcançar a consciência da identificação plena com Brahman


eterno e sem forma, fonte e sustentáculo de tudo o que é manifestada e natureza verdadeira
de cada coisa. Não há aqui espaço para o dualismo corpo/espírito ou corpo/alma.

Corpo e espírito, no sentido comum que se revestem esses termos na contemporaneidade,


como entidades distintas, não têm lugar no Hinduísmo ortodoxo. Eles são aspectos
inseparáveis no ser humano de uma mesma realidade una e não-dual (Brahman) que é o fim
último do conhecimento e sinônimo de libertação da ignorância e que só é alcançada quando
se ultrapassa completamente nama-rupa.

6. No quarto estado, Turiya, chega-se ao ápice da visão espiritual. Eis a natureza última, fonte
(Yoni) e fim de todas as coisas animadas, inanimadas, sutis, grosseiras, divinas e humanas.
Por isso é chamado de sarvesvara, "Senhor de Tudo".

Sankara Acarya afirma que "em sua imanência em toda diversidade, é o conhecedor de tudo,
por isso o Onisciente e o controlador interno." Tudo o que é, foi ou será dele provém e para
ele retornará. É Brahman Nirguna, o sem-qualidades, O sem-segundo.

Gaudapada Acarya, mestre de Sankara Acarya afirma em sua karika: "O grosseiro satisfaz
Visva e o sutil satisfaz Taijasa. E assim também o regozijo satisfaz Prajna. Saiba que o gozo é
triplo"Em seguida Gaudapada ensina: "Aquele que conhece ambos - o gozo que há nos três
estados e aquilo o qual é declarado ser o desfrutador ali - não se torna afetado mesmo
enquanto estiver desfrutando."

Ou seja, aquele que sabe a verdadeira natureza de todas as coisas sabe que os três estados,
vigília, sonho, sono sem sonhos e seus respectivos prazeres e alegrias estão contidos
eminentemente no quarto estado que é a origem e fim de tudo o que há. Assim, somente
Brahman é a realidade no sentido pleno e só ele é o desfrutador.

Aquele que conhece sua natureza verdadeira é como Arjuna na batalha, o santo que age mas
não se identifica com o que age e com o que experimenta e sabe que aqueles que mata não
são mais do que conformações passageiras do eterno e imutável substrato não-dual de todas
as coisas.

7. Turiya é diferente dos três primeiros estados e se revela de forma análoga a revelação da
ilusão que toma uma corda por uma serpente. É quando se nega a serpente que se chega à
corda. Turiya é a serpente nua, sem qualidades e sem determinações.

Se por um lado é a natureza de tudo o que há, o substrato último, e portanto não diferente de
nada do que há, por outro lado é sem qualidades e sem determinações porque nenhum ser,
grosseiro ou sutil, o esgota ou o representa totalmente. É a base que está além de todas as
classificações, para a qual os termos opostos (p.ex. consciência, não-consciência) são
inaplicáveis. Não pode ser visto, não pode ser manipulado, inferido, pensado ou descrito.

Sankara Acarya assevera que sendo Turiya "destituído de toda característica que torne o uso
de palavras possível, Ele (Turiya) não é descritível por meio de palavras; e daí o Upanisad
busca indicar Turiya somente através da negação de atributos." Mas isso significa que Ele é
um vazio?

Sankara responde: "Não, pois uma ilusão, apesar de irreal, não pode existir sem um
substratum; pois a prata, a serpente, o ser humano, a miragem e outros não podem existir
separados dos correspondentes substrata: madrepérola, corda, tronco de árvore, deserto e
assim por diante".

E Sankara acrescenta: "Ao contrário de uma vaca, por exemplo, o Si, em sua realidade
própria, não é objetivo de qualquer outro meio de conhecimento; pois o Si é livre de todos os
atributos. Não pertence a qualquer classe como acontece com a vaca; por ser o Um sem
segundo, é livre de atributos genéricos e específicos. (...) Livre de qualidades, escapa a
qualquer descrição verbal."

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Nele todo o fenômeno cessa, isto é, tudo o que é fenomênico tem nele sua base, mas não o
esgota ou o torna cognoscível. Imutável solo de tudo, não-dual porque não há segundo que se
lhe oponha e todas as oposições são nele resolvidas e dissolvidas. É o solvente universal de
tudo o que é fenomênico.

Gaudapada Acarya ensina: "O imutável não-dual Um é o ordenador - o Senhor - enquanto o


erradicador de todas as dores. Diz-se do refulgente Turiya que é a fonte toda-penetrante de
todos os objetos."
Tal é o Si e é isso que deve ser conhecido. E conhecer é tornar-se aquilo que se conhece. "Tu
és isso!"

8. O Si, considerado a partir da sílaba, é Om. Considerado a partir das letras que o compõem,
os quartos do Si são as letras. A sílaba sagrada Om é um ditongo composto por A, U e M.

As maneiras de considerar a sílaba Om são análogas às formas de consideração da realidade


suprema. Pode-se tomá-la a partir de si mesma, em sua unidade não-dual, ou a partir da
multiplicidade da manifestação, representada aqui pelas partes da sílaba sagrada.

Brahman pode ser considerado a partir de sua natureza não-dual, livre de toda limitação e das
determinações que constituem e tornam possível a existência de tudo o que é manifestado. É
Brahman Nirguna, sem gunas, sem qualidades. Encarado segundo a manifestação, Brahman
é Saguna, qualificado e múltiplo.

O grande Ananda Coomaraswamy assim se refere à sílaba Om: "De todo os nomes e de
todas as formas de Deus, a sílaba monogramática OM, que totaliza os sons e a música das
esferas cantadas pelo Sol ressoante, é a melhor. A validade desse símbolo sonoro é
exatamente a mesma daquela do símbolo plástico do ícone. Eles são, um e outro, suportes de
contemplação (dhiyâ-lamba). A necessidade de tais suportes deriva do fato de que aquilo que
é imperceptível ao olho ou à orelha não pode ser percebido objetivamente tal como é em si
mesmo, mas somente por meio da similitude. O símbolo deve, obviamente, ser adequado, e
não poderia ser escolhido ao acaso. Infere-se (avêshyati, âvâhayati) o invisível do que é
visível, o não compreendido do que é compreendido. Mas essas formas não são mais do que
meios de aproximação do informal e devem ser descartados antes que nos seja dado de nos
mudar nele."

A partir daqui, o Upanisad passa a identificar os estados às letras que compõem a sílaba
sagrada OM.

9. O estado de vigília é A, pois simboliza o início. Na ordem do ser, a vigília, o estado comum
a todos os homens é hierarquicamente a última, pois correponde à manifestação em seu
aspecto mais denso e grosseiro. Quando tomado a partir do ponto de vista do homem e de
sua ascensão espiritual, esse estado é o primeiro. Aquele que realiza a plena consciência e
identificação torna-se o senhor desse primeiro estado e tudo que nele há lhe pertence.

10. O estado de sonho é U, pois simboliza o estado intermediário na manifestação. Não é


mais o denso estado de vigília e corresponde à manifestação sutil, mas ainda não é o sono
profundo. Quem realiza essa identificação conhece tudo o que é manifestado, seja aquilo que
é sutil ou seja grosseiro, pois este está contido naquele. Ninguém que pertença à sua
posteridade espiritual será ignorante de Brahman.

11. O estado do sono sem sonhos é M e simboliza o ponto extremo da manifestação. Ele
encerra a sílaba sagrada e corresponde à manifestação enquanto eminentemente contida em
seu princípio. É "medida" porque é o princípio de toda a manifestação, que se compõe de
seres determinados e ordenados. É "absorção" porque tudo o que há, sutil ou grosseiro, tem
nele sua origem e a ele retorna e dele não difere essencialmente.

Quem realiza essa identificação têm em si todas as possibilidades da manifestação da mesma


forma que Ishwara. Gaudapada Acarya declara que "o grande sábio, aquele que conhece com
firme convicção a similaridade nos três estados é digno de adoração e louvor por todos os
seres."

12. O quarto estado não tem representação nas letras que compõem a sílaba sagrada OM.
Isso porque ele está além de toda palavra e toda representação. Nele todas as coisas
encontram seu fim, pois é o substrato não-dual de tudo o que há, houve e um dia vai haver.
Está além do próprio princípio da manifestação que é representado pela letra M. É a
verdadeira do eu fenomênico, é o Si supremo e quem realiza essa identidade alcança
Brahman por meio de seu próprio eu. Tat Tvan Asi. "Tu és isso!"

Heinrich Zimmer afirma que o quarto estado é o silêncio sobre o qual o som da sílaba sagrada
repousa. O som passa, mas o silêncio permanece. É o fundo eterno, imutável e em si mesmo
não-dual do qual e sobre o qual as dualidades nascem e duram no tempo. Nada pode ser dito

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a não ser a negação sistemática de qualquer determinação e limite.

Gaudapada Acarya comenta: "OM é certamente o Brahman inferior; e Om é considerado o


Brahman superior. OM é sem causa, sem dentro e sem fora e sem efeito; e é imperecível"
Sankara Acarya explica o comentário de seu mestre: "OM é o Brahman superior e o inferior.
Quando as partes e letras desaparecem, a partir do ponto de vista superior, OM vem a ser
verdadeiramente o supremo Si que é Brahman. Por conseguinte, é apurvah, sem causa que o
preceda. Não há nada dentro dele que seja de uma classe diferente, então ele
é anantarah, sem "dentro". Similarmente, não há nada existindo fora.(...) A idéia implicada
(como um todo) é que ele é coextensivo a tudo que está dentro ou fora; e é verdadeiramente
sem nascimento."

Gaudapada Acarya continua seus comentários seguintes termos: "Om é realmente o começo,
meio e fim de tudo. Tendo conhecido OM dessa forma, a pessoa atinge imediatamente a
identidade (com o Si supremo)."

Sankara Acarya, o mestre vedantino comenta o comentário de seu mestre; "Como um mágico
(OM é) o começo, meio e fim - a origem, a manutenção e a dissolução de tudo - do universo
fenomênico inteiro, que consiste de espaço e o resto que se originam como um elefante
mágico, uma serpente que na verdade é uma corda, uma miragem, um sonho, etc."

Gaudapada cotinua: "Deve-se reconhecer o OM como o Deus sediado nos corações de todos.
Meditando no todo-penetrante OM, o homem inteligente não mais sofre.(...) Aquele por quem
o OM é conhecido é o sábio real e nem um outro o pode ser."

Como asseverava René Guénon, aquele que alcança esse quarto estado realiza a "Suprema
Identidade."
Encerram-se aqui os comentários curtos ao Mandukya Upanisad.
...

Leia também:

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Postado por Rogério da Costa (Oleniski) às 14:02 Nenhum comentário:

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terça-feira, 3 de janeiro de 2023

Tomás de Aquino, Deus e o conhecimento


dos futuros contingentes

"Não é por conta de sua existência que Deus conhece todas as criaturas espirituais e
temporais, mas porque Ele as conhece, então elas existem."

AGOSTINHO DE HIPONA, De Trinitate, XV

Ainda tratando da questão do conhecimento divino na Suma Teológica, Tomás passa a


considerar se o conhecimento de Deus é a causa das coisas. Como foi determinado

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anteriormente, o conhecimento divino não é adventício e temporal. Diferentemente dos entes


cognoscentes temporais nos quais o conhecimento é antecedido pela ignorância e limitado
pela presença dos objetos à percepção, Deus não conhece de modo imediato e
atemporalmente.

Se não há intervalo entre a existência da coisa e o seu conhecimento por Deus, então o
conhecimento coincide com a existência da coisa. Deus conhece as coisas justamente porque
é o seu Autor. O artífice tem no intelecto a forma daquilo que quer produzir. Ele produz o
artefato e é, portanto, a sua causa. A forma da coisa no intelecto do artífice não torna nada
existente por si mesma, mas depende da inclinação real do artista para produzir aquilo que
tem em mente. O mesmo se dando com Deus.

Ora, se as coisas são reais porque Deus as conhece, então o que não é real não é conhecido
por Deus, alguém poderia argumentar. Tomás responde que as coisas existem em níveis
diferentes. Há as que existem de modo atual e há as que existem como possibilidades no
poder de Deus ou das criaturas.

Do mesmo modo, as coisas que já não existem e aquelas que existirão, não existem no
momento presente. Como o conhecimento divino é eterno, sem sucessão, compreendendo
todo o tempo, nada do que foi ou do que será Lhe é desconhecido. Há também as coisas que
nunca foram e nunca serão mesmo estando no poder de Deus ou das criaturas. Dessas
igualmente há pleno conhecimento divino.

O que Tomás está afirmando é que o conhecimento de Deus é a causa da existência de


qualquer coisa, seja qual for a modalidade dessa existência. O conhecimento divino torna a
coisa real, como potência ou como atualidade. Se a coisa passará de potência a ato, é algo
que depende da vontade divina ou da vontade das criaturas. Por exemplo, João é casado e
pode ter filhos. Se ele os terá ou não, depende de sua vontade. A possibilidade, entretanto,
existia anteriormente ao ato de ter filhos.

A pergunta seguinte é se Deus conhece o mal. Dado que, como ensinava Agostinho (e, na
verdade, os neoplatônicos) que o mal é a privação do bem, pareceria que Deus não pode
conhecer o mal. Aqui devemos esclarecer o sentido da afirmação de Agostinho. O mal é uma
privação e não um ente substancial e independente dos outros entes. O que quer dizer que o
mal não é uma coisa realmente existente, mas tão somente a falta de alguma perfeição em
algum ente, em alguma coisa.

Tomemos o exemplo do gato, um quadrúpede. Sabemos por experiência que gatos têm quatro
patas, e quando nasce um gato com três patas, percebemos claramente que lhe falta uma
pata. Essa falta, essa privação de uma pata, é um mal. É a ausência de uma propriedade de
um ente. A ausência não é um ente substancial, uma coisa. O gato é um ente substancial, a
falta da pata não. A ausência de uma pata só é conhecida por causa da presença usual das
quatro patas e não o contrário. Por isso, o mal não é uma coisa, mas somente uma ausência
de algo que deveria estar presente.

Se o mal não é algo, uma coisa, a questão é saber como Deus poderia conhecer aquilo que é
uma falta, aquilo que não existe. Tomás responde que quem conhece perfeitamente algo
também conhece tudo o que pode acontecer à coisa conhecida. Se o mal é a privação, e se
conheço a coisa perfeitamente, então sei o que pode acontecer a ela. Sabendo que gatos são
quadrúpedes, sei também que a ausência de uma pata seria um mal para qualquer gato.

O infinito é aquilo à cuja medida sempre pode ser somada mais uma medida. Aristóteles, na
Física, mostrou que é impossível conhecer algo infinito, uma vez que seria impossível
percorrer totalmente algo infinito. Porém, Deus também conhece o que é infinito, assevera
Tomás de Aquino, pois Ele conhece (na eternidade, não no tempo) não somente tudo aquilo
que é, mas tudo o que foi e que será. Deus conhece a infinitude daquilo que está em Seu
poder e no poder das criaturas.

A pergunta mais interessante é se Deus conhece os futuros contingentes. Pareceria que uma
resposta positiva teria como consequência a negação da liberdade humana. Contingente é
tudo aquilo que pode ser ou pode não ser. João pode decidir se viaja ou não. Nada o obriga
ou o constrange para que ele decida por uma ou por outra alternativa. Sua decisão vai
determinar a existência de alguma das duas possibilidades de futuro contingente que João
tem diante de si.

Talvez nem João saiba ainda o que vai escolher. Quem sabe ainda está deliberando,
avaliando e pensando a respeito. Não obstante, qualquer que seja a sua decisão, Deus já a
conhece. Sempre conheceu e sempre conhecerá. Alguns afirmam que o conhecimento divino
dos futuros contingentes contradiz a liberdade humana. Seria impossível dizer que João é livre
para escolher se Deus sabe qual será sua decisão.

Tomás responde que sim, Deus conhece todos os futuros contingentes. Como afirmado
acima, Deus conhece o atualizado tanto quanto o que está em Seu poder ou no poder das
criaturas. Então é fácil perceber que Ele conhece todos os futuros contingentes. O que é
contingente pode ser considerado de duas formas. Em primeiro lugar, pode ser considerado

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em si mesmo, quando já está efetivado na realidade.

Na outra forma, o contingente é considerado como algo ainda no poder de sua causa, isto é,
como algo futuro, que pode ou não se realizar. Viajar é um efeito em poder de João.
Obviamente, enquanto João não decidir, esses dois futuros contingentes, viajar ou não viajar,
não podem ser objeto de conhecimento certo. Só podemos conjecturar se João vai viajar ou
não. Nosso conhecimento é conjectural, contingente. Deus, porém, sabe de modo certo que
João decidiu viajar.

Ora, as coisas contingentes se dão sucessivamente, isto é, temporalmente. O conhecimento


que Deus tem das coisas não é temporal, é eterno, sem sucessão. Não havendo sucessão em
Deus, tudo é visto como que simultaneamente. Os futuros contingentes são desconhecidos
por nós pelo fato de que estamos no tempo. Não podemos ver quem virá depois de nós em
uma estrada. No entanto, se estivermos no topo de uma montanha, veremos todos os que
estão na estrada simultaneamente.

Tomás salienta um ponto que é, cremos, central para o entendimento dessa questão. Dizemos
usualmente que Deus sabe das coisas antes que elas aconteçam. Isso pode ter pelo menos
dois sentidos bem diferentes. Deus sabe de tudo porque ele está na eternidade. Ou Deus
sabe porque prevê o futuro como alguém que, no tempo, sabe o que vai acontecer adiante. É
um erro muito comum confundir esses dois sentidos.

A razão pela qual Deus sabe de tudo antes que aconteça não é porque ele consegue prever o
futuro como um cientista consegue prever o estado futuro de um corpo. O cientista está no
tempo e só pode prever o futuro estado de um corpo graças ao conhecimento da regularidade
natural que ele aprendeu observando outros corpos nas mesmas condições. Ele sabe o futuro
no sentido de que sabe como vai se desenrolar o comportamento daquele corpo por causa de
um padrão fixo e natural que ele já conhece por experiências passadas.

Sendo assim, o homem só pode prever aquilo que possui um comportamento regular. A
previsibilidade científica está calcada na uniformidade natural. Onde não há regularidade, não
há previsão. Por isso, se um cientista conseguisse sempre prever com precisão a escolha de
João, antes que ele decidisse viajar ou não, utilizando para isso o seu comportamento
passado, João estaria em tese inconscientemente obedecendo a alguma regularidade natural
inevitável, e não teria liberdade.

Prever cientificamente algum acontecimento futuro requer o conhecimento de uma


regularidade natural descoberta por meio da experiência. Esse ponto é crucial. Deus não
prevê o futuro como um cientista que sabe de antemão como um corpo vai se comportar em
determinadas condições porque já observou o mesmo comportamento inúmeras vezes no
passado. Prever no tempo é saber alguma regularidade que vai se manter no futuro. Nesse
caso, não há mesmo liberdade. Há uma regularidade natural que ordena os acontecimentos
futuros.

Deus não está no tempo e prevê que João vai optar por viajar. Deus, na eternidade, vê tudo
como simultaneamente. Não há tempo, portanto não há sucessão de acontecimentos. Se
Deus estivesse no tempo, obviamente Ele só poderia conhecer os acontecimentos na medida
em que se sucedessem. O que equivale dizer que Deus seria ignorante daquilo que ainda não
tenha acontecido. Estando fora do tempo, Ele não está submetido à limitação do
conhecimento adquirido.

Deus vê tudo como um grande "agora". Nós estamos no tempo, nós temos essas limitações
do conhecimento adquirido. Dizer que Deus prevê o futuro como um ser humano pode às
vezes prever o que acontecerá é atribuir a Deus o modo de conhecimento humano. Os futuros
são contingentes porque eles podem se dar de um jeito ou de outro. João decide livremente,
no tempo, se vai ou não viajar. Seus amigos não sabem o que ele vai decidir. Podem somente
conjecturar, não têm certeza do que acontecerá.

João não é meramente um corpo cujo comportamento possa ser previsto com exatidão dadas
as mesmas condições de seu comportamento no passado. Não há uma necessidade natural
que o impila a tomar esta decisão e não aquela. O que não significa que o conhecimento que
Deus possui de João sofra das mesmas limitações do conhecimento temporal.

O modo de conhecimento do conhecedor determina o modo como será conhecido o objeto.


Os amigos de João só podem saber qual foi sua decisão no momento em que ele a tomar,
pois são seres humanos e seres humanos conhecem as coisas temporalmente. Deus conhece
a mesmíssima decisão de João, não no tempo e sim na eternidade, pois Ele é eterno. João
fica obrigado a decidir como Deus "previu"? Não, pois o modo de conhecimento divino não
afeta a natureza da coisa conhecida.

Deus conhece tudo eternamente. Esse é Seu modo de conhecimento. Isso não significa que
pelo fato de Deus saber eternamente os acontecimentos estejam decididos no tempo. No
tempo, há futuros realmente contingentes. João decide livremente se viaja ou não. A natureza
contingente da decisão de João não é afetada pelo modo como Deus conhece essa decisão.

...

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Leia também: Νεκρομαντεῖον: Tomás de Aquino (oleniski.blogspot.com)

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