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O ser humano e suas dimensões

Ana Silvia Abbade Mendes

Judith Mara de Souza Almeida

Márcia Regina Pires

Sueli Heloisa Doriguetto Ferreira

Waldiva Carvalho Ferreira

Wilza Mara de Oliveira


© 2017 by Universidade de Uberaba

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reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrônico
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Pró-Reitor de Educação a Distância


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Coordenação de Graduação a Distância


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Editoração e Arte
Produção de Materiais Didáticos-Uniube

Projeto da capa
Agência Experimental Portfólio

Edição
Universidade de Uberaba
Av. Nenê Sabino, 1801 – Bairro Universitário

Catalogação elaborada pelo Setor de Referência da Biblioteca Central Uniube

A76 O ser humano e suas dimensões / Ana Silvia Abbade Mendes ... [et
al.]. – Uberaba : Universidade de Uberaba, 2017.
256 p. : il.

Programa de Educação a Distância – Universidade de Uberaba.


Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-7777-766-2

1. Antropologia filosófica. 2. Filosofia da mente. 3. Civilização


– Filosofia. I. Mendes, Ana Silvia Abbade. II. Universidade de
Uberaba. Programa de Educação a Distância.

CDD 128
Sobre as autoras
Ana Silvia Abbade Mendes

Graduada em Pedagogia pela Universidade Soares de Oliveira. Especialista em Ava-


liação Escolar pela UFU.

Judith Mara de Souza Almeida

Mestre em Linguística pela Universidade Federal de Uberlândia – UFU. Graduada em


Letras pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ituverava – FFCLI. Especialista
em Informática para deficientes visuais pela Universidade Federal de Mato Grosso do
Sul – UFMS. Especialista em Língua Portuguesa e Literatura pela Universidade de
Franca – Unifran.

Márcia Regina Pires

Especialista em Linguística Aplicada ao Ensino de Língua Materna, pela Universidade


de Uberaba. Especialista em Formação de Professores em Educação a Distância pela
Universidade Federal do Paraná. Graduada em Tecnologia em Processamento de Dados
e em Licenciatura em Letras pela Universidade de Uberaba.

Sueli Heloisa Doriguetto Ferreira

Especialista em Didática do Magistério do Terceiro Grau pela Universidade de Franca –


UNIFRAN. Especialista em Psicopedagogia pela Universidade Federal de Uberlândia –
UFU. Especialista em Metodologia do Ensino pela Universidade de Uberaba – Uniube.
Especialista em Supervisão Escolar pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras José
Olympio e Orientação Educacional pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de
Ituverava. Graduada pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ituverava.

Waldiva Carvalho Ferreira

Mestre em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro –


PUC­‑RJ. Especialista em Psicologia do desenvolvimento e Neuropsicologia Infantil.
Graduada em Psicologia pela Faculdade de Humanidades Pedro II.
IV UNIUBE

Wilza Mara de Oliveira

Especialista em Ensino de Ciências por Investigação, pela Universidade Federal de


Minas Gerais – UFMG. Especialista em Educação Ambiental, da Universidade Cas-
telo Branco – UCB­‑RJ. Especialista em Supervisão Pedagógica, pela Faculdade do
Noroeste de Minas, FINON. Graduada em Licenciatura Plena em Ciências Biológicas
pela Universidade de Uberaba e em Licenciatura Plena em Pedagogia pela Universi-
dade de Uberaba.
Sumário
Apresentação................................................................................................. VII

Capítulo 1 Quem somos nós, processo ou produto?........................................1


1.1 Iniciando a discussão: quem é o Homem?....................................................................2
1.2 O homem e os outros seres vivos..................................................................................4
1.3 Quem é o Homem, afinal?.............................................................................................8
1.4 Homem: sujeito e objeto do conhecimento..................................................................15
1.5 Homem: do pensamento do senso comum ao pensamento
com reflexão filosófica..................................................................................................19
1.6 Homem: um ser sócio­‑histórico....................................................................................23
1.7 Homem: um ser que trabalha e produz cultura............................................................26
1.8 A linguagem humana....................................................................................................31
1.9 Educação e desenvolvimento humano........................................................................36

Capítulo 2 Concepções e fatores que intervêm


no desenvolvimento humano.........................................................49
2.1 Desenvolvimento humano versus desenvolvimento animal.........................................51
2.2 Desenvolvimento humano: perspectivas teóricas........................................................55
2.3 Teorias do desenvolvimento humano...........................................................................62
2.3.1 Teoria inatista......................................................................................................63
2.3.2 Teoria ambientalista/comportamentalista............................................................67
2.3.3 Teoria interacionista............................................................................................70

Capítulo 3 Desenvolvimento humano: reflexões sobre a hereditariedade


e as influências do meio ambiente.................................................75
3.1 Desenvolvimento humano............................................................................................76
3.2 Hereditariedade e meio ambiente................................................................................77
3.3 Infância.........................................................................................................................84
3.4 Adolescência ...............................................................................................................85
3.5 Fase adulta...................................................................................................................86
3.6 Velhice..........................................................................................................................87
3.7 O desenvolvimento humano – teoria inatista­‑maturacionista ......................................87
VI UNIUBE

Capítulo 4 A dimensão biológica dos seres vivos...........................................98


4.1 Contextualização biológica dos seres vivos...............................................................101
4.1.1 A origem dos seres vivos...................................................................................101
4.1.2 A origem da vida................................................................................................104
4.1.3 O estudo da célula............................................................................................106
4.2 As divisões celulares.................................................................................................. 112
4.2.1 A mitose............................................................................................................. 113
4.2.2 A meiose............................................................................................................ 116
4.3 A reprodução humana................................................................................................120
4.3.1 O sistema genital masculino.............................................................................121
4.3.2 A gametogênese................................................................................................123
4.3.3 A espermatogênese...........................................................................................124
4.3.4 A ovulogênese...................................................................................................124
4.3.5 A fecundação.....................................................................................................124
4.4 O desenvolvimento humano.......................................................................................125
4.4.1 Tipos de ovos....................................................................................................126
4.4.2 Clivagem do zigoto............................................................................................128
4.4.3 A formação do blastocisto.................................................................................128
4.4.4 A gastrulação.....................................................................................................131
4.4.5 A organogênese................................................................................................132
4.5 Os estágios do desenvolvimento humano.................................................................135

Capítulo 5 Aspectos biopsicossociais do desenvolvimento infantil...............141


5.1 Desenvolvimento físico da criança.............................................................................143
5.1.1 Desenvolvimento físico de 0 a 3 anos...............................................................144
5.2 Relação mamãe/bebê e o desenvolvimento psicossocial..........................................151
5.3 Alterações no desenvolvimento físico e suas causas................................................155
5.3.1 A Síndrome de Down.........................................................................................158
5.3.2 Síndrome alcoólica fetal....................................................................................165
5.3.3 Prematuridade...................................................................................................167
5.3.4 Asfixia neonatal por anóxia ou hipóxia de parto................................................171
5.3.5 Paralisia cerebral...............................................................................................175
5.3.6 Epilepsia............................................................................................................179
5.4 Escalas de desenvolvimento......................................................................................185
5.5 Intervenção e estimulação precoce............................................................................187
5.6 Diferenças sexuais no desenvolvimento infantil.........................................................201

Capítulo 6 E
 ntre palavras, pensamentos e ações:
a linguagem por muitas vozes.....................................................208
6.1 Pensamentos e palavras............................................................................................210
6.1.1 A linguagem: entre percepções e memórias, percepções e imaginações........214
6.1.2 Linguagem: conservando e interligando nossas ideias para uma ação............217
6.2 Somos feitos de silêncio e som: a linguagem e suas múltiplas dimensões...............220
6.3 A cura pela palavra: a linguagem e a elaboração dos sentimentos...........................240
Apresentação
Caro(a) aluno(a),

É com muita esperança que convidamos você a participar das leituras desse nosso
primeiro livro. Entretanto, essa nossa esperança não é a de quem espera sem nada
fazer, mas de pessoas que idealizam, acreditam e lutam para que seus ideais sejam
realizados! Mais do que isso, de pessoas que se unem para sonharem e construírem
seus projetos, na perspectiva de um “mundo melhor”.

Este livro foi feito para você! Durante nossa escrita, sempre nos perguntamos: será
que estamos sendo claros? Será que você já sabe um pouco sobre o que estamos
falando? De onde podemos partir? Até onde podemos chegar? Como chegar? Como
dizer? Como comover? Como trazer você, caro(a) aluno(a), para junto da gente?
Como fazer você gostar de aprender aquilo que gostamos tanto de ensinar?

Desde os primeiros momentos da idealização desse projeto, você esteve presente! A


princípio, não sabíamos, ao certo, o seu nome, suas características físicas, o que gosta
de fazer. Mas, mesmo assim, nos demos o direito de imaginar você, de pressupor sua
sabedoria, suas expectativas e, também, seus anseios. Tivemos que sonhar muito com
você para realizar esse projeto, que só está começando!

Vamos iniciar nosso estudo, deste primeiro livro, com o capítulo “Quem somos nós,
processo ou produto?”, abordando o ser humano e suas interrelações com outros seres
humanos, com a sociedade e a natureza, em busca de sua humanização. Essa busca se
carateriza como um processo de grande importância para o conhecimento de si próprio,
do outro, da compreensão da diversidade cultural e do mundo em que vivemos.

A seguir, você estudará o capítulo “Concepções e fatores que intervêm no desenvolvi-


mento humano”. Vamos aprofundar no estudo das principais diferenças entre o animal
e o homem, contemplando os aspectos e os fatores que intervêm no desenvolvimento
humano e animal. Você perceberá como a Psicologia estuda o nascimento e o desen-
volvimento das funções psicológicas que distinguem o homem das outras espécies.

No capítulo, “Desenvolvimento humano: reflexões sobre a hereditariedade e as


influências do meio ambiente”, você estudará sobre os quatro períodos evolutivos do
ser humano e as mudanças que ocorrem com as pessoas durante o seu ciclo de vida.
E, ainda, nesse estudo, compreenderá as influências da hereditariedade e do meio am-
biente no desenvolvimento humano, discutindo sobre os fatores que interferem nesse
VIII UNIUBE

desenvolvimento. Fecharemos o estudo desse capítulo com uma discussão sobre as


pessoas que apresentam necessidades especiais.

O desenvolvimento humano inicia­‑se ainda dentro da barriga da mãe e tem continui-


dade durante toda sua vida, perpassando pela genética da espécie e pelos contextos
nos quais o indivíduo está inserido. Sendo assim, no capítulo “A dimensão biológica
dos seres vivos”, veremos que compreender essas dimensões é essencial para que
o pedagogo consiga exercer competentemente a função de ensinar e/ou mobilizar as
áreas do conhecimento para o respeito ao pleno desenvolvimento das potencialidades
do educando.

No capítulo, “Aspectos biopsicossociais do desenvolvimento infantil”, reportaremos a


educação da criança, considerando tanto o desenvolvimento físico quanto o desenvol-
vimento da psicomotricidade, associados aos aspectos intelectuais, afetivos, sociais
e motores. Esses aspectos permitem o desenvolvimento infantil de forma segura e
equilibrada, além de viabilizar condições para que a própria criança organize as suas
relações com o meio em que convive.

Ao final deste livro, abordaremos a linguagem em diferentes dimensões, ressaltando


sua importância para o ser humano. Para isso, no capítulo “Entre palavras, pensamen-
tos e ações: a linguagem por muitas vozes” dialogaremos com poetas, personagens
de romances, artistas plásticos, filósofos, jornalistas e estudiosos. Ter conhecimento
amplo e profundo sobre a linguagem nos possibilita uma elaboração melhor de nossos
pensamentos e sentimentos, bem como uma comunicação melhor com os outros e
melhor ação na vida. Em especial, ao pedagogo, possibilita­‑o encontrar formas mais
competentes em lidar com os alunos, com os professores e com profissionais que irá
acompanhar e gerir.

Mesmo correndo o risco de parecermos demasiadamente sentimentais, queremos lhe


dizer que tudo o que fizemos foi com paixão! Porque sem paixão não há ciência! Sem
paixão não nos movemos na vida! Precisamos ter paixão para irmos à procura do novo,
do inusitado, do desconhecido. É a paixão que nos dá a coragem de ir em frente, de
arriscar, de ousar, de lançar um olhar sempre novo para o mundo!

Neste momento, nos perguntamos: onde você está? E imaginamos: talvez esteja em-
baixo de uma árvore frondosa, ou quem sabe, na cozinha de sua casa, ou no ônibus
indo para o trabalho, ou ainda, em uma embarcação atravessando um rio. Você pode
estar em tantos lugares! Mas, o espantoso é que mesmo estando tão longe fisicamente,
sentimos sua presença, como se estivesse aqui na nossa frente. Embora as distâncias
entre nós pareçam enormes, há uma linha invisível que nos une: o desejo de construir
conhecimento!

Esperamos que esse desejo se fortaleça a cada dia e que possamos, sempre, nos en-
contrar nestas linhas que só se completam com a sua leitura. E, então, juntos, possamos
vivenciar o processo ensino­‑aprendizagem com compromisso, na busca incessante do
aprender, sabendo que o sucesso depende de nós!
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Capítulo Quem somos nós,


1 processo ou produto?

Sueli Heloisa Doriguetto Ferreira

Introdução
Neste capítulo iremos abordar o ser humano e suas interrelações com outros
seres humanos, com a sociedade e a natureza, em busca de sua humanização.
Essa busca carateriza um processo, de grande importância para o conheci‑
mento de si próprio, do outro, da compreensão da diversidade cultural e do
mundo em que vivemos.

O homem é um produtor de cultura, um ser inacabado, instigável, que está


sempre em busca do novo. Nesse processo de busca, interage, troca, inventa,
reiventa, e dá novos significados à sua existência, ao mesmo tempo que
inventa artefatos que torna sua vida e o que está em sua volta, mais particular,
enfim vai criando a sua identidade.

Antes de iniciarmos com o tema de estudos, sugerimos que pare e reflita


sobre o seu modo vivendus, as interações, as trocas que se fazem presentes
em mundo-vida.

Objetivos
Considerando o exposto da introdução, este capítulo tem como objetivos:

• diferenciar o homem dos outras animais, identificando os fatores que


fazem dele um ser com consciência;
• estabelecer relações entre a concepções de senso comum e as
de caráter científico sobre o ser humano nos diferentes contextos
históricos;
• analisar a concepção de homem como um ser sócio‑histórico, capaz
de se modificar e modificar o mundo que o rodeia;
• apontar os fatores que impulsionam o desenvolvimento humano;
• selecionar os indicadores que fazem da escola um lugar de aprendizado
e compartilhamernto de saberes;
2 UNIUBE

• propor situações que busquem a melhoria da qualidade de vida do


homem enquanto processo e produto da sociedade.

Esquema
1.1 Iniciando a discussão: quem é o Homem?

1.2 O homem e os outros seres vivos

1.3 Quem é o Homem, afinal?

1.4 Homem: sujeito e objeto do conhecimento

1.5 Homem: do pensamento do senso comum ao pensamento com


reflexão filosófica

1.6 Homem: um ser sócio‑histórico

1.7 Homem: um ser que trabalha e produz cultura

1.8 A linguagem humana

1.9 Educação e desenvolvimento humano

1.10 Conclusão

1.1 Iniciando a discussão: quem é o Homem?


Após a sua reflexão inicial, você deve ter sentido que para progredir em sua leitura é
preciso que alguns conceitos sejam trabalhados. Concordamos com você; então, res‑
ponda o questionamento a seguir para darmos início ao nosso estudo.

Essa é a primeira vez que você se depara com um questionamento sobre o significado da
palavra HOMEM?

Certamente que não. Nas ciências, na religiosidade, no cotidiano de nossa vida, nas
artes, na filosofia, o homem sempre esteve presente no topo das indagações. Por ter
diferentes concepções de estudo, fica difícil conceituar quem é o HOMEM sem um
contexto de estudo. Durante esse estudo, daremos a você condição de pensar de forma
diferente sobre a concepção de homem, seu papel na transformação do mundo e na
construção da sociedade em uma abordagem sócio‑histórica.
UNIUBE 3

Embora a palavra homem não seja novidade, ela traz em si Senso comum
mistérios, questionamentos, indagações que estamos sempre
Conjunto de opiniões
procurando responder. Nessa unidade temática, estudaremos geralmente aceitas
um pouco sobre a concepção de homem, que será nosso como verdades
objeto de reflexão durante todo o tempo. absolutas por um
grupo social em
determinado tempo
Para que isso aconteça, nesta seção estudaremos inicialmente
histórico.
o homem como um ser possuidor de um suporte biológico es‑
pecífico que o diferencia dos outros animais, um ser que age e Sócio-histórico
pensa, um produtor de conhecimento. Vamos ainda identificar
Abordagem que
os modos de atuação humana nos vários contexos culturais, estuda o homem
estabelecendo relações entre as concepções de senso co- como um ser social
mum e as de caráter científico sobre o ser humano e sua e histórico, capaz de
constituição social. Em seguida, estudaremos o homem como interagir com o mundo
e com a realidade que
um ser sócio-histórico que utiliza a linguagem, os instrumentos
o cerca, um ser de
de trabalhos, relaciona-se com os outros, um produtor de cul- relações sociais em
tura e saberes. Finalizando vamos abordar a importância da determinado tempo e
cultura e da educação na formação do ser humano. espaço.

Começaremos esse estudo refletindo sobre esses versos da


letra da música “Caçador de Mim”, de Luis Carlos Sá e Sérgio
Magrão: “Por tanto amor / por tanta emoção / a vida me fez
assim (...) / Eu caçador de mim”.

PESQUISANDO NA WEB

Acesse o endereço abaixo para ler a letra da música “Caçador de mim”, interpretada por
Milton Nascimento.

Disponível em: <http://vagalume.uol.com.br/milton-nascimento/cacador-de-mim.html>. Acesso


em: 19 nov. 2009.

PARADA PARA REFLEXÃO

Pense e reflita:

• O que é o homem? O que o faz, às vezes, ser doce ou atroz?

• Você também acredita que somos caçadores de nós mesmos?

• Nascemos predeterminados para desempenhar uma função na vida ou escolhemos o que


queremos realizar?
4 UNIUBE

• O homem pode viver isolado ou precisa viver em sociedade? Por quê?

• Qual é o seu lugar no universo?

Buscando responder a esses e outros questionamentos, vamos abordar os pressupostos


teóricos que contemplam a concepção de homem e como ela vem sendo construída
pela humanidade nas mais diversificadas culturas.

Para tanto, é preciso começar estabelecendo as diferenças entre o homem e os outros


animais.

AGORA É A SUA VEZ

Registre a resposta em seu Trabalho de Construção da Aprendizagem – TCA:

• Semelhanças entre os humanos e os outros animais.

• Diferenças entre os humanos e outros animais.

Após ler a seção, volte às suas respostas e veja se você pensa como a autora. E, se
preciso, faça suas considerações. Vamos à leitura?

1.2 O homem e os outros seres vivos


Os seres vivos, para se desenvolverem, apresentam habilidades que se manifestam
de acordo com a necessidade de adaptação ao ambiente. Quantas vezes diante de
situações de desequilíbrio ecológico os seres vivos reconstroem seu habitat procurando
viver em busca de sobrevivência?

AGORA É A SUA VEZ

Você já havia pensado sobre esse fato? Enumere pelo menos dois exemplos que justifiquem
essa afirmativa em seu TCA.

A seguir, apresentaremos alguns exemplos que justificam a afirmativa acima e que


também pode ter sido um dos seus. Uma planta, se colocada em um lugar com pouca
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luz, não crescerá em linha reta, mas inclinada em direção à claridade, com suas folhas
amareladas, dependendo da quantidade de ar e calor que recebe. Animais, como os
gafanhotos e camaleões, mudam de cor em seu habitat para se defenderem do inimigo,
ficando da cor das folhas de alguns arbustos e árvores. As minhocas não têm olhos,
mas são dotadas de tato e olfato muito apurados e, por meio deles, conseguem garantir
sua sobrevivência.

Com os seres humanos também é assim. Pessoas com deficiências auditivas ou


visuais possuem tato e olfato muito mais desenvolvidos que qualquer homem com
audição e visão normais. Pessoas que sofreram um acidente ou tiveram necessidade
de amputação de algum membro do corpo se adaptam e seguem suas vidas cotidianas
criando novas possibilidades de adaptação.

Esses exemplos nos fazem perceber que todos os seres vivos se adaptam ao meio
ambiente de acordo com as necessidades de sobrevivência e para a perpetuação da
espécie. Então, é possível perceber que os seres vivos, pela busca de sobrevivência,
vão descobrindo formas de se adaptar ao meio ambiente onde vivem, modificando­‑se
e adquirindo novas formas de sobrevivência. Animais vivem em constante harmonia
com a natureza, dela retiram apenas o que é necessário para a sua sobrevivência.
Com auxílio dos instintos que são regidos por leis biológicas, conseguem prever as
necessidades e se adaptar ao meio.

Se compararmos o corpo humano com o corpo de outros animais existentes no mundo,


perceberemos que ele não possui os mesmos dotes físicos, nem os sentidos tão agu-
çados e muito menos a agilidade ou a força física que muitos animais possuem para
enfrentar as dificuldades na natureza. No entanto, Childe (apud COTRIM, 2000). O
arqueólogo australiano, nos mostra:

O ser humano pode ajustar­‑se a um número maior de ambientes


do que qualquer outra criatura, multiplicar­‑se infinitamente mais
depressa do que qualquer mamífero superior e derrotar o urso polar
e a lebre, o gavião e o tigre, em seus recursos especiais. Pelo controle
do fogo e pela habilidade de fazer roupas e casas o homem pode
viver, e vive e viceja, desde os polos da Terra até o equador. Nos
trens e automóveis que constrói, pode superar a mais rápida lebre ou
avestruz. Nos aviões e foguetes pode subir mais alto do que a águia,
e, com os telescópios, ver mais longe do que o gavião. Com armas
de fogo pode derrubar animais que nenhum tigre ousaria atacar.

Mas fogo, roupas, casas, trens, automóveis, aviões, telescópios


e armas de fogo não são parte do corpo do homem. Eles não são
herdados no sentido biológico. (CHILDE, p. 40­‑1)

Como vimos, os outros animais, desde o surgimento da sua espécie sobre o planeta
Terra, há vários milhares de anos, repetem da mesma forma os mesmos padrões de
comportamento, vividos e perpetuados pelos seus ancestrais. São ações instintivas,
necessárias para a própria sobrevivência, resultantes de um código genético biologi-
6 UNIUBE

camente determinado para cada espécie. São adaptações de sobrevivência ao meio


ambiente, enquanto, o ser humano é capaz de romper com o passado, modificar o
presente e prever o futuro. Ele não nasce pronto pela natureza, mas é capaz de se
construir e se reconstruir nela. Com ousadia inventa, planeja, modifica e interage­ com o
meio ambiente, transformando sua própria existência e sua história. Vai conhecendo e
transformando o meio onde vive, fazendo nele adaptações necessárias de acordo com
suas necessidades físicas e biológicas, determinadas pelo meio físico e cultural em que
vive. Os esquimós, por exemplo, vivem em regiões geladas e necessitam adaptar­‑se
ao frio e ao gelo, constroem casas, roupas e artefatos necessários ao seu bem-estar
naquele ambiente. Nas regiões áridas, como nos desertos, surgem outras necessida-
des que o homem vai inventando, construindo e reconstruindo com a necessidade de
sobreviver como espécie naquele determinado lugar.

Ainda Childe (apud COTRIM, 2000), nos mostra:

O conhecimento necessário para sua produção e uso é parte do


nosso legado social. Resulta de uma tradição acumulada por muitas
gerações e transmitida não pelo sangue, mas através da linguagem
(fala e escrita).

A compensação que o homem tem pelos seus dotes corporais re-


lativamente pobres é o cérebro grande e complexo, centro de um
extenso e delicado sistema nervoso, que lhe permite desenvolver
sua própria cultura.

Assim, ao contrário dos outros animais, os homens não são apenas


seres biológicos produzidos pela natureza. Os homens são seres
culturais que modificam o estado da natureza. (CHILDE, p. 40­‑1)

Pense, reflita e traga para seu estudo um exemplo que ilustre a interferência dos seres
vivos no meio ambiente, que você tenha vivenciado ou tomado conhecimento no coti-
diano. Registre em seu TCA.

O nosso exemplo se refere às moradias. O joão­‑de­‑barro é um construtor hábil, porém


sua casa sempre foi construída da mesma forma. Por meio de ações instintivas, ele
apenas se adapta ao meio e perpetua sua espécie. O homem, desde os tempos da
caverna, se inspirava na casa do joão­‑de­‑barro para construir suas próprias moradias,
defendendo­‑se do sol, da chuva, dos animais e para se reproduzir. Por meio de sua
inteligência abstrata, do conhecimento que lhe permite intervir sobre o mundo, as mo-
radias humanas foram se modificando e aprimorando com construções cada vez mais
arrojadas, ao passo que a casa do joão­‑de­‑barro continua da mesma forma até hoje.
Só o homem é transformador da natureza e o resultado dessa transformação, que está
sempre modificando seu meio, chama­‑se cultura.
UNIUBE 7

Figura 1: Tipos de moradia.


Fonte: Acervo EAD – Uniube.

Nas ilustrações podemos observar as diferentes interferências dos seres vivos, mais
especificadamente em relação a moradia, no mundo em que está. Cada construção
reflete a influência da necessidade do ambiente no qual está inserido.

Voltando ao questionamento inicial, o homem além de ser manso ou atroz, é também


contraditório, instável, dinâmico, irreverente, transformador da natureza, um eterno
caçador de si mesmo. Conhecendo o meio, o homem se adapta a ele e o transforma.

PARADA PARA REFLEXÃO

Considerando o exposto, sugiro que pense, reflita e socialize com seus colegas sobre as
questões que apontamos. Vejamos:

Em toda a trajetória da existência humana, o homem viveu sempre da mesma forma?

Quais as influências da cultura, da religião, do contexto histórico, sobre sua existência?

Pensem em nossos antepassados ao chegar a uma terra distante chamada Brasil e ter que
adaptar‑se a novos modos de vida. Que podemos tirar de positivo sobre esse fato histórico
relacionando‑o ao nosso estudo?

Cremos que está na hora de apresentarmos para você ao nosso conceito de homem,
para tanto recorremos a tela de Gauguin para apresentar a nossa percepção do que
seja o homem.
8 UNIUBE

1.3 Quem é o Homem, afinal?


Começaremos nossa reflexão com a análise da tela abaixo, de Paul Gauguin (1897):
De onde viemos? Quem somos? Para onde vamos? Nela, o artista busca por meio
de sua arte dar sentido à vida, à nossa existência aqui no planeta Terra. Observe­‑a e
anote os detalhes que mais chamarem sua atenção.

Figura 2: Paul Gauguin (1897) De onde viemos? Quem somos? Para onde vamos?
Fonte: Wikipédia (Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Woher_kommen_wir_
Wer_sind_wir_Wohin_gehen_wir.jpg>).

Agora, leia a seguir a interpretação da obra, realizada por Cordi (apud SANTOS, 2000);
veja se existe algo em comum com a sua.

De onde viemos?

À direita do canto, vê­‑se um bebê que dorme, cercado por três nativas
sentadas no chão. Duas figuras vestidas de vermelho trocam ideias.
Uma mulher de dimensões propositadamente maiores, a despeito da
perspectiva, ergue um braço e observa atônita essas duas figuras
que se atrevem a conjeturar sobre seus destinos.

Quem somos?

A figura central apanha uma fruta. Dois gatos perto de uma criança.
Uma cabra branca. O ídolo com os braços erguidos misteriosamente,
aponta para o além. O apanhador de frutas simboliza os prazeres da
vida: a figura em plenitude simboliza a eterna felicidade caso o ídolo
não estivesse lá para lembrar das verdades eternas – ­ uma constante
ameaça à humanidade.

Para onde vamos?

Uma figura sentada parece ouvir o ídolo. Uma velha, já bem próxima
da morte, parece aceitar com resignação sua própria sorte, fechando
UNIUBE 9
a história. Uma estranha ave branca, prendendo um lagarto com
os pés, representa a futilidade das palavras vazias. (CORDI apud
SANTOS, 2000, p. 30)

Acreditamos que a forma de interpretar a obra não tenha muita identificação com
o que você pensou. Afinal, estamos vivendo em tempos bem diferentes daqueles que o
artista vivenciou. Muitos séculos se passaram, estudos científicos e novas explicações surgi-
ram. Hoje, estamos em tempos nos quais a ciência, em nome do progresso e do bem-estar
humano, inventa a clonagem em laboratórios e células-tronco, entre outras descobertas.

Mas, buscar explicações sobre quem somos, de onde viemos


Saber mítico
e para onde vamos faz parte da natureza humana. Nesse sen-
tido, acreditamos que a concepção de homem, ao longo dos Tipo de conhecimento
tempos, vem sendo enfocada nos diversos momentos da hu- sem nenhuma
manidade com diferentes olhares, nas mais diferentes culturas. fundamentação
O homem, por meio de um longo processo histórico conseguiu filosófica ou racional
veiculada por meio
passar do saber mítico ao saber racional. Mas, em nenhum
de histórias e fábulas,
momento de sua existência, deixou de pensar sobre si mesmo que tentam explicar
e sua razão de existir no e sob o mundo. os fenômenos que
acontecem no mundo.
Ao refletir sobre a pergunta “Quem é o Homem, afinal?”, esta-
remos pensando sobre nós mesmos e sobre a humanidade.
Quem somos, porque existimos, porque buscamos o sentido
das coisas, que influências recebemos (...), são questionamen-
tos que o homem sempre fez tentando compreender sua presença no mundo. Nós, seres
humanos, buscamos encontrar nos fatos, nas coisas, nos fenômenos, na natureza, o
sentido de nossas inquietações, tentando compreender, assim, nosso jeito de ser.

A resposta para esses e outros questionamentos pode variar de acordo com a formula-
ção da pergunta, uma vez que as questões podem ter um caráter particular ou geral.

• Quando estamos interrogando a nós mesmos ou quando nos interrogamos de um


modo mais amplo sobre o sentido de nossa vida, apresentamos um caráter particular –
nesse sentido o homem se volta para dentro de si.

• Mas também os questionamentos podem ser feitos no sentido geral, projetando­‑se


para fora, dando um caráter universal à dimensão humana. Nesse sentido, o homem
se volta para fora de si ao encontro com outros homens de uma sociedade, tentando
achar explicações para fatos que, tanto positiva ou negativamente, o inquietam.

O trecho a seguir, de Luiz Fernando Veríssimo, busca apresentar de forma inteligente


e bem-humorada o despertar da consciência humana. Leia­‑o fazendo também suas
reflexões e, para saber mais, solicitamos a leitura da crônica “Irmãos”, de Luiz Fernando
Veríssimo, na íntegra, que se encontra no site indicado.
10 UNIUBE

Irmãos

– De vez em quando eu penso neles...

– Quem?

– Nos espermatozoides...

– De vez em quando você pensa nos seus espermatozoides?

– Nos meus, não. Nos do meu pai.

– Você está bêbado.

– Na noite em que eu fui concebido... suponho que tenha sido uma


noite... eu era um entre milhões de espermatozoides. Mas só eu
cheguei ao óvulo da mamãe. Ou seriam bilhões?

– Acho que é óvulo mesmo.

– Não. Os espermatozoides. São milhões ou bilhões?

– Ahn... Não sei. [...]

(VERÍSSIMO, 2009, p. 19)

PESQUISANDO NA WEB

Crônica “Irmãos”, de Luiz Fernando Veríssimo.

Disponível em: <http://bruzudunga.blogspot.com/2007/08/irmos‑luiz‑fernando‑verssimo.html>.


Acesso em: 13 out. 2009.

Questionamentos como esses do texto de Veríssimo são indagações filosóficas e não


científicas. Quantas vezes também nos sentimos como o personagem do texto, inda‑
gando as evidências de nossa existência, buscando explicações para algo que está
nos acontecendo e não temos a resposta? O homem diante do novo, de situações
que fogem ao seu controle, sente‑se acuado e inseguro. Ele é um eterno questionador
do mundo e de si mesmo. É percebido e estudado em diferentes contextos como: ser
social, histórico, político, religioso, filosófico, artístico, psicológico, racional, biológico,
ético, estético, e muitos outros.
UNIUBE 11

A ciência, por meio da Biologia, da Sociologia, da Psicologia, e da Teologia, busca


responder de forma precisa sobre a origem da vida, de onde viemos, como somos,
ocupando‑se, para isso, de uma parte específica da realidade. Muito já se escreveu
sobre as características humanas. Entretanto, não respondem a todas as nossas
indagações.

Leia algumas dessas diferentes visões sobre o homem deixadas por homens que pen‑
savam além de seu tempo e até hoje são motivo de estudos e indagações.

Então, como definir o homem?

• Na ciência – Amontoado de células? Um ser que reproduz?

Após a obra A origem das espécies, de Charles Darwin, a espécie humana passou a ser con‑
cebida como uma dentre as espécies animais, sujeitas aos mesmos processos de evolução.

A origem da vida. (COTRIM, 2000, p. 247)

Segundo Albert Einsteim, não existe nenhum caminho lógico que nos conduz (as grandes
leis do universo). Elas só podem ser atingidas por meio de instituições baseadas em algo
semelhante a um amor intelectual pelos objetos da experiência. (COTRIM, 2000, p. 251)

• Na sociologia – homem moldado de acordo com os fatos sociais?

Pensamento de alguns sociólogos:

Segundo Augusto Comte, o amor por princípio, a ordem por base e o progresso por fim.

(WIKIPÉDIA, 2009)

Segudo Marx, “não é a consciência dos homens que determina o ser social, mas ao contrário,
é o ser social que determina sua consciência”. (COTRIM, 2000, p. 216).

Segundo Hegel: “tudo que é real é racional, tudo que é racional é real”.

• Na filosofia – Um ser pensante?

Pensamento de alguns filósofos de diferentes épocas:

Segundo Merleau-Ponty, “as coisas estão revestidas de características humanas (dóceis, do‑
ces, hostis, resistentes) e, inversamente, vivem em nós como tantos emblemas das condutas
que amamos ou detestamos. O homem está investido nas coisas e as coisas estão investidas
nele”. (FILOSOFANDO, 2009)
12 UNIUBE

Segundo Jean‑Paul‑Sartre, “o homem primeiro existe, depois se define, enquanto todas as


outras coisas são o que são, sem se definir, e por isso sem ter uma ‘essência’ posterior à
existência”. (WIKIPÉDIA, 2009)

Segundo Nietsche, “não sou um homem, sou uma dinamite.”

(HISTÓRIA – Cultura e Pensamento, 2009).

Segundo Heidegger, “a angústia é o sentimento que retira o homem da sua vida inautêntica
e o devolve à condição autêntica: um ser em aberto, que deve construir sua existência.”
(COTRIM, 2000, p. 217)

• Na educação – Um ser de aprendizado?

Alguns pensadores:

Segundo Paulo Freire, “não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no
trabalho, na ação‑reflexão”.

Segundo Rubem Alves, “o nascimento do pensamento é igual ao nascimento de uma criança:


tudo começa com um ato de amor. Uma semente há de ser depositada no ventre vazio. E a
semente do pensamento é o sonho. Por isso os educadores, antes de serem especialistas em
ferramentas do saber, deveriam ser especialistas em amor: intérpretes de sonho”. (Disponível
em: <http://www.projetospedagogicosdinamicos.kit.net/index_arquivos/Page756.htm>).

Segundo Carl Rogers, “os educadores precisam compreender que ajudar as pessoas a se
tornarem pessoas é muito mais importante do que ajudá‑las a tornarem‑se matemáticas,
poliglotas ou coisa que o valha” (Projetos pedagogicos).

Agora, você também poderia pesquisar o pensamento de outros pensadores nas di‑
versas áreas do conhecimento e ir anotando o modo como eles concebem o homem.
Qual a sua conclusão?

Buscando compreender o sentido mais amplo da vida, de seu papel no mundo, o ho-
mem aprendeu a escutar, absorver, reformar, rever, renovar, mas também a questionar,
relacionar, investigar, criar, propor. Ao questionar o que sabia, buscando as respostas
sobre o que precisava saber, ele foi transformando a natureza: mundo que independe
do homem para existir em um mundo cultural, significativo, dotado de consciência
humana.

Entretanto, talvez nada caracteriza melhor o ser humano do que a


consciência, isto é, o desenvolvimento dessa atividade mental que
nos permite estar no mundo com algum saber, “com ciência [...] é que
o homem é capaz de fazer sua inteligência debruçar sobre si mesma
UNIUBE 13
para tomar posse de seu próprio saber, avaliando sua consistência,
seu limite e seu valor”. (COTRIM, 2000, p. 42)

Para melhor entendimento da citação acima, vamos fazer uma parada:

Você conhece uma historinha infantil, da escritora Sylvia Orthof, chamada Maria vai
com as outras? A história é mais ou menos assim:

Era uma vez uma ovelha chamada Maria. Ela repetia tudo que as
outras ovelhinhas faziam sem questionar...

As ovelhas foram para o Polo Sul, sentiram frio, ficaram gripadas,


Maria também.

Foram para o deserto, tiveram ensolação, de tanto sol e calor...


Maria também.

A Maria detestava jiló. Mas, como todas as ovelhas comiam jiló, a


Maria comia também… que horror!

De repente, a Maria pensou: – Se eu não gosto de jiló… porque é


que tenho que comer jiló?

Maria pensou... suspirou …chorou... mas continuou a fazer tudo que


as outras ovelhinhas faziam.

As ovelhas resolveram saltar lá do alto da montanha para dentro da


lagoa. Caíram na lagoa... se machucaram... méeée.

Quando chegou a vez de a Maria saltar olhou para baixo e teve


medo.

Pensou... pensou, olhou as outras ovelhinhas machucadas e viu que


andava enganada… Deu meia volta para trás e...

Entrou num restaurante e comeu uma feijoada!

Toda sorridente raliu assim: méeée, méeé…

E, agora, a Maria só vai para onde a leva o seu méeée.

(Fonte: texto adaptado pela autora)


14 UNIUBE

PESQUISANDO NA WEB

Confira no site a historinha infantil Maria vai com as outras.

Disponível em: <http://historiasparapre.blogspot.com/2009/02/maria-vai-com-as-outras.html>.


Acesso em: 15 nov. 2009.

Acreditamos que você esteja pensado no final da história, quando Maria não salta do
penhasco, volta e vai comer feijoada. Nesse momento, ela agiu com consciência. Ela
foi capaz de fazer sua inteligência debruçar‑se sobre si mesma para tomar posse de
seu próprio saber, avaliando sua consistência, seu limite e seu valor. Quantas vezes
temos que agir assim, não é mesmo? A sociedade nos cobra ações o tempo todo. Mas,
quando não temos clareza dos fatos e nos deixamos levar pela opinião dos outros,
podemos estar seguindo os passos de outras Marias. Pense nisso!

Portanto, partiremos do pressuposto de que o homem é um


Consciência
ser possuidor de uma natureza biológica, que, em contato com
Estar neste mundo o meio social, possibilita a ele aprender a agir, a estabelecer
com ciência de seus relações com o outro, adquirir cultura e incorporar os modos de
atos, pensamentos e ser de uma sociedade, o que só foi capaz de aperfeiçoar pelo
sentimentos. despertar da consciência.

Por meio da utilização da consciência, o ser humano vive em


busca permanente de si mesmo, com livre arbítrio, como pessoa
livre e original, sujeito e construtor de sua história em determi‑
nado momento histórico, partícipe da recriação da natureza, da
sociedade, da própria vida.

É nesse sentido que ele é chamado, constantemente, a refletir sobre seu papel social,
a sua responsabilidade pelas transformações que produz na natureza e pelo compro‑
misso com a vida humana, de outros seres e do planeta.

PARADA PARA REFLEXÃO

Será que o homem se sente corresponsável pelas transformações que em nome do progresso
vem fazendo na natureza?

• Sendo o homem um ser consciente de seus atos, como analisar os problemas causados
pelo aquecimento global tão em foco hoje no mundo?

• Que outros problemas você poderia elencar referindo-se ao último parágrafo do texto
acima?
UNIUBE 15

Diante de tantas atitudes em nosso cotidiano que nos remetem a ter responsabilidade
social de nossos atos com ciência, vamos agora estudar esse homem, que ao mesmo
tempo é sujeito do conhecimento, isto é, relaciona­‑se consigo mesmo. Mas, também,
pode ser objeto do conhecimento quando se volta para o mundo que o rodeia.

1.4 Homem: sujeito e objeto do conhecimento

Figura 3: Homem vitruviano, de Leonardo Da Vinci.


Fonte: Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/
download/imagem/wm000002.jpg>. Acesso em: nov. 2009.

Essa imagem de Leonardo da Vinci representa um marco na transição de concepção


de homem. O homem passa a ser considerado o centro do universo.

Já estudamos que o homem possui características comuns aos outros seres vivos, mas
também já vimos que isso não basta para torná­‑lo humano. Ele precisa da capacidade
de pensar, de perceber o mundo com outro olhar, possibilitando­‑lhe não apenas conviver
com a realidade, mas também conhecê­‑la e, assim, poder transformá­‑la e explicá­‑la.
Isso só é possível por meio do conhecimento:

A partir do momento em que o ser humano entra no mundo e passa a


exercer sua racionalidade, aprende a dominar os códigos que circu-
lam em seu meio, e a desvelar fenômenos que tocam a sua sensibi-
lidade. [...] O conhecimento é uma atividade intelectual, por meio do
qual o sujeito busca explicar o objeto que tocam os sentidos; trata­‑se
de uma relação entre objeto e sujeito, cujo interesse é descobrir e
compreender o objeto. (VEREDAS, módulo 7, vol. 2, p. 30­‑31)
16 UNIUBE

O conhecer torna­‑se, a partir daí, um processo que envolve sujeito conhecedor (nossa
consciência, nossa mente) e um objeto (a realidade, o mundo, os inúmeros fenômenos).

Existem várias formas de conhecer a realidade, mas, nesse momento, estudaremos


apenas o conhecimento que percebemos pelos sentidos (conhecimento sensorial ou
empírico), e pelo raciocínio (conhecimento lógico ou intelectual).

Cordi (apud SOARES, 2000, p. 32) explica que existe um tipo de conhecimento que é
comum aos humanos e aos outros animais. Ele é adquirido por meio de nossas expe-
riências sensitivas e fisiológicas (tato, visão, olfato, audição e paladar), com a nossa
percepção com a realidade. Os sentidos nos oportunizam sentir as qualidades sensí-
veis do objeto externo: cores, sabores, odores, paladares, texturas, dimensões, como
também estados internos ou mentais: lembranças, desejos, sentimentos, imagens.
Estamos falando do conhecimento sensorial ou empírico.

Ao nascer, o bebê chora, percebendo um ambiente diferente do útero da mãe. Essa é


sua primeira percepção no mundo, necessitando, assim, de aconchego e calor humano
para poder adaptar­‑se a essa nova morada. Na natureza, a todo o momento, somos
bombardeados por sensações boas ou ruins. Percebemos, sentimos, absorvemos,
cheiramos, apoderamo-nos das sensações mais variadas. Assim, vamos conhecendo
e sentindo o mundo.

Podemos sentir os objetos, o cheiro e o gosto do café, a maciez da lã, do pelo do gato,
lembrar de fatos e datas distantes que foram importantes em nossa vida. Portanto,
podemos percebê­‑las por meio das sensações e a percepção.

Esse conhecimento é muito importante para o desenvolvimento de nossa afetividade,


de nossos relacionamentos, nossas sensações, mas não basta para que possamos
adquirir o conhecimento real dos fatos e das coisas, porque ele se fundamenta apenas
nas experiências sensíveis.

Leia alguns versos do poema “O guardador de rebanhos”, de Alberto Caeiro, e procure


perceber nele o conhecimento sensorial ou empírico que estudamos:

Sou guardador de rebanhos.

O rebanho é os meus pensamentos

E os meus pensamentos são todos sensações.

Penso com os olhos e com os ouvidos

E com as mãos e os pés

E com o nariz e a boca.


UNIUBE 17
Pensar uma flor é vê­‑la e cheirá­‑la Alberto Caeiro

E comer um fruto é saber­‑lhe o sentido. Heterônimo do poeta


Alberto Caeiro (CORDI, apud SANTOS, Fernando Pessoa. Ou
2000, p. 32) seja, um autor fictício
criado pelo poeta
Fernando Pessoa com
Como você percebe os versos do poema? Para mim, o autor, vida e personalidade
com muita sensibilidade, fala da natureza, dos sentimentos, imaginárias.
do prazer de ser e estar nesse mundo. Em que pontos você
concorda comigo?

Esse tipo de conhecimento não deve ser menosprezado, pois


constitui a base do saber humano e já existia muito antes do
homem imaginar a possibilidade da ciência.

Ainda Cordi (apud SOARES, 2000, p. 32) afirma que existe outra categoria de conheci-
mento exclusiva do ser humano. Somente ele é capaz de produzi­‑lo. Estamos falando
de um raciocínio que pressupõe um pensamento, uma lógica, uma ação consciente.
É o conhecimento lógico ou intelectual. Por meio dele, conseguimos ultrapassar os
dados captados pelos sentidos, criando a imagem mental do objeto pensado. Quando
pensamos em um gato, a forma como o mentalizamos depende do gato que imagina-
mos e conhecemos. Conheço o gato quando estou consciente desse animal com as
determinadas propriedades que chamo de gato.

Cite outros exemplos que retratem o conhecimento lógico ou intelectual, e registre­‑os


em seu TCA.

Planejar algo concreto, realizar operações matemáticas, criar fórmulas, arquitetar um


plano são ações que permitem ao homem expressar suas ideias por diferentes lingua-
gens, fazendo, assim, parte do conhecimento.

Pelo desenvolvimento do conhecimento Lógico ou Intelectual, o homem foi deixando


sua marca no mundo, buscando novas possibilidades de vida. Em nome do progresso,
quanta coisa já foi feita pela humanidade! Pensem em nossos antepassados, como era
a perspectiva de vida deles?
18 UNIUBE

PESQUISANDO NA WEB

Acesse: <http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/0/07/AUGUST_RODIN_O_pensa‑
dor_(vista_frontal).jpg> e observe a foto da escultura O pensador, de Auguste Rodin.

AGORA É A SUA VEZ

Após observar a escultura que análise você faz dela? Registre‑a em seu TCA.

O pensador (francês: Le penseur) é uma das mais famosas esculturas de bronze


do escultor francês Auguste Rodin. Retrata um homem em meditação soberba, lutando
com uma poderosa força interna.

Existem, ainda, outros objetos do conhecimento, como o teológico, o científico, o


filosófico, mas estes não serão objetos de nosso estudo.

PARADA PARA REFLEXÃO

Mas, será que o homem consegue usufruir desse conhecimento somente pelo bem da
humanidade?

Pense no Brasil dos anos 1960. Os valores naquele contexto histórico do regime de Ditadura
Militar podem ter conotação diferente dos dias de hoje no Brasil? Por quê?

Em nome de Deus, do amor, homens se matam, fazem guerra, mas também são capazes de
atos solidários. Quanta coisa se faz, não é mesmo? Relacione o significado dessas atitudes
com o significado da escultura de Rodin e registre em seu TCA.

Todos estes questionamentos serão retomados em outros momentos, em outras


seções, com outras interlocuções, portanto sempre estaremos pensando no homem
como sujeito e objeto do conhecimento.
UNIUBE 19

1.5 Homem: do pensamento do senso comum ao pensamento


com reflexão filosófica
Muitas vezes, ouvimos ou dizemos frases do tipo:

“Não adianta lutar contra o destino. O que tiver de ser, será”.

“Pau que nasce torto, morre torto”.

Em nosso cotidiano, conversando com as pessoas ou pensando


Senso comum
sobre fatos que acontecem, emitimos nossa opinião sobre os
mais variados assuntos. Opiniões essas que, na maioria das Saber que nasce da
vezes, atingem consenso, isto é, a concordância da forma de experiência cotidiana,
pensar da maioria das pessoas de um determinado grupo social. da vida que os
Essa forma de pensar, quando repetida várias vezes, pode se homens levam em
sociedade.
tornar verdades aceitas e até absolutas por diversos segmentos
de um determinado grupo social, dentro de uma sociedade. A
essa forma de pensar e agir chamamos de senso comum.

Pense em alguns exemplos que retratam o senso comum. Leia


o que Cotrim (2000) escreve a respeito.

Muitas das concepções sociais do senso comum de um povo ou de


um grupo social transformam­‑se em frases feitas ou em ditos popula-
res, como, por exemplo: “Deus ajuda a quem cedo madruga”, ”Querer
é poder”, “Filho de peixe, peixinho é”. Repetidas irrefletidamente no
cotidiano, algumas dessas noções escondem ideias falsas, parciais
ou preconceituosas. Outras podem revelar profunda reflexão sobre
a vida – o que chamamos “sabedoria popular”. (COTRIM, 2000, p.
46-47)

Quando dizemos que “Não adianta lutar contra o destino, o que tem de ser, será” ou
“Pau que nasce torto, morre torto” estamos afirmando que o ser humano não é livre,
mas, sim, predestinado a assumir pacificamente um determinado papel social. Levando
em consideração o dito popular: Deus ajuda a quem cedo madruga, vamos pensar nas
pessoas que levantam cedo, trabalham em sua casa antes de sair, pegam mais de dois
meios de transporte para chegar ao trabalho e ganham apenas um salário-mínimo,
nas mães babás que deixam seus filhos sem creches; nas mães de crianças menores
que, para ganhar o sustento tomam conta de filhos de famílias da classe média ou
alta, muitas vezes de crianças da idade das suas? Como fica esse dito popular? Esses
trabalhadores deveriam ter melhores condições de trabalho, creches de qualidade para
as crianças, afinal também levantam cedo, madrugam e trabalham muito.

O que caracteriza basicamente as noções pertencentes ao senso co-


mum não é a sua verdade ou falsidade. É a falta de fundamentação
20 UNIUBE

sistemática. Isto é, as pessoas não sabem o por quê dessas noções.


Trata‑se, portanto, de um conhecimento adquirido sem uma base
crítica, precisa, coerente e sistemática. (COTRIM, 2000, p. 47)

Conhecimento Esse tipo de conhecimento é também chamado de Conheci-


Vulgar/Popular mento Vulgar ou Popular, isto é, nasce da experiência do dia
a dia, é uma forma de apreensão passiva, acrítica e que, além
É a forma de de subjetiva, é superficial.
conhecimento
do tradicional
(hereditário), da
Os provérbios e ditos populares são exemplos dessa cultura
cultura, do senso ideológica, que trazem, por trás de simples versos ou frases, a
comum, sem ideia de que o ser humano já nasce dotado das qualidades que,
compromisso com no decorrer de suas vidas, irão ou não se manifestar. Também
uma apuração ou
divulgada pela cultura de massa como rádio, televisão, novelas,
análise metodológica.
filmes, jornais, livros inclusive os didáticos, essas ideias vão se
Ideologia perpetuando de geração em geração.

No contexto designa Você se sente influenciado por alguma mídia ou alguma


uma falsa verdade publicidade? Você acredita, fielmente, nas ideias que elas
sobre um determinado transmitem?
fato, correspondendo
a interesses de uma
determinada classe. Acreditamos que você tenha uma resposta negativa em relação
aos questionamentos anteriores. Mas, muitas das vezes, pela
falta de uma consciência crítica, o senso comum facilita o apa-
recimento da ideologia, isto é, uma forma falsa de consciência,
correspondendo aos interesses das classes dominantes.

Você que é professor, ou futuro pedagogo/professor, ou pai, ou mãe, pense sobre quantas
vezes na instituição escolar essa ideologia está presente.

AGORA É A SUA VEZ

Leia com atenção as questões apontadas; em seguida discuta sua compreensão destes pro‑
blemas com os colegas e socialize o resultado no Trabalho de Construção da Aprendizagem
(TCA).

A escola pública é ruim porque nela só estuda pobre.

Desde que mundo é mundo, sempre houve pobres e ricos.

O fracasso escolar se deve à falta de talento, preguiça e, desinteresse da família pelo desen‑
volvimento da criança.
UNIUBE 21

Como você se posicionaria diante dessas afirmações? Discuta com seu(sua) preceptor(a) a
respeito. Registre em seu TCA.

Essas e outras afirmativas contemplam a ideologia de que os ideais de educação da


classe dominante devem assumir valores da classe dominada e considerar como ver-
dadeiras as explicações sobre o fracasso da escola, que, realmente, precisa ser para
todos, mas ainda é um desafio a se alcançar

Se possível, ouça, cante e reflita sobre alguns versos da letra da canção “Ideologia”, de
Cazuza, que clama a favor da liberdade de expressão e critica a sociedade ideológica
em que estamos inseridos.

SAIBA MAIS

Agenor de Miranda Araújo Neto

Mais conhecido como Cazuza (Rio de Janeiro, 4 de abril de 1958 – Rio de Janeiro, 7 de julho
de 1990), foi um cantor e compositor que ganhou fama como o vocalista e principal letrista da
banda Barão Vermelho. Sua parceria com Roberto Frejat foi aclamada pela crítica. Dentre as
composições famosas junto ao Barão Vermelho estão “Todo amor que houver nessa vida”,
“Pro dia nascer feliz”, “Maior abandonado”, “Bete balanço” e “Bilhetinho azul”.

Fonte: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Cazuza>.

PESQUISANDO NA WEB

Acesse o endereço a seguir para ver a letra da música “Ideologia”, interpretada por Cazuza.

VAGALUME. Disponível em:

<http://vagalume.uol.com.br/cazuza/ideologia‑cifrada.html>. Acesso em: nov. 2009.

PARADA PARA REFLEXÃO

Como você interpreta a letra da música?

Como ela enriquece seus conhecimentos sobre o tema ideologia?


22 UNIUBE

As várias facetas ideológicas presentes no cotidiano da sociedade, nas mais diferentes


atividades humanas, nas diversas culturas, deixam transparecer uma visão simplista de
conceber o mundo, fazendo com que ele pareça desse ou daquele modo, fazendo crer
que o homem já nasce predestinado. Dessa maneira, você pode perceber então, que
essa forma de pensar faz com que a exclusão social cresça ainda mais e que poucos
possam desfrutar dos bens que deveriam ser comuns a todos.

Mas, não é somente a cultura popular que acredita na predestinação do ser humano,
isto é, na ideia de que, ao nascer, o homem já traz consigo as qualidades que, no de-
correr de sua vida, poderão ou não se manifestar. Para muitos pensadores e filósofos,
o “Homem” constitui o ponto central de toda reflexão filosófica que também influenciou
a forma do homem pensar. Na Filosofia encontraremos diversas correntes filosóficas
com ideias semelhantes.

Bleger (1987, apud BOCK, 2000) mostra que há pelo menos três mitos filosóficos, que
influenciaram as ciências humanas em geral e a psicologia em particular, e que apre-
senta a ideia de que o homem nasce pronto.

O mito do Homem natural: concebe o Homem como possuidor de


uma essência original, que o caracteriza como bom, possuindo qua-
lidades que, por influência da organização social, se manifestariam,
ou modificariam, isto é, o homem nasce bom, mas a sociedade o
corrompe. (BLEGER, 1987, p. 167 apud BOCK, 2000)

Quantas vezes falamos frases do tipo: A ocasião faz o ladrão, Digas com quem andas,
que eu te direi quem tu és? Quando o fazemos, estamos acreditando que o individuo é
apenas influência do meio e que não pode se transformar, esquecendo que o homem é
produto histórico e hereditário, isto é, um ser cultural. Como diz Drumond: “O homem
não é apenas procriação e sobrevivência de sua espécie. Brote, frutifique as ideias do
homem e descobrirá o que ele é capaz de fazer”.

O mito do Homem isolado: supõe que o Homem como originário,


é primitivamente, um ser isolado, não social, que desenvolve gra-
dualmente a necessidade de relacionar­‑se com os outros indivíduos,
o chamado “instinto gregário”. Sem este instinto, o homem não conse-
guiria relacionar­‑se com seus semelhantes, e seria impossível a for-
mação da sociedade. (BLEGER, 1987, p. 167 apud BOCK, 2000)

Ao pensar dessa forma estamos esquecendo que o homem se humaniza em função


de ser um ser social, necessitando do convívio com outros homens. Desde as mais
remotas civilizações, os homens descobriram a necessidade da sobrevivência da es-
pécie. Inicialmente viviam em bandos, para caçar, proteger­‑se de outros animais, das
catástrofes da natureza e procriar­‑se, adquirindo assim, os meios necessários para a so-
brevivência. Mas, com o tempo foi percebendo que muito mais do que sobrevivência da
espécie, ele necessita do convívio com o outro para adquirir novos conhecimentos.
UNIUBE 23
O mito do Homem abstrato: nessa concepção, o homem surge
como Ser, cujas características independem das situações de vida.
O Ser está isolado das situações históricas e presentes em que
transcorre sua vida. O Homem é estudado como “o homem em geral,
e seus atributos ou propriedades passam a ser apresentados como
universais, independentes do momento histórico, tipo de sociedade
em que se insere e das relações em que vive”. Nesse caso, uma
pessoa que viveu na época do Brasil Colônia não diferenciaria de
uma pessoa do Brasil atual, como se o desenvolvimento econômico,
e tecnológico não interferisse na formação do indivíduo. (BLEGER,
1987, p. 167 apud BOCK, 2000)

Pensando assim, estamos esquecendo que o homem é o conjunto de suas relações


sociais. O mundo existe para ele na medida do conhecimento que tem desse próprio
mundo e da ação que exerce sobre ele. Em cada momento histórico, ele estabelece
relações sociais com os outros homens, configurando, assim, o momento vivido. Ao
pensar no homem como um ser abstrato, estaríamos acreditando que pessoas que
viveram em períodos históricos distintos teriam as mesmas concepções de homem,
mundo e sociedade. Não levando em consideração o desenvolvimento social, político,
econômico, religioso, tecnológico e cultural na formação dos indivíduos em seu con-
texto histórico.

Mas, para que você entenda melhor essas reflexões, vamos aprofundar um pouco mais
nos diferentes papéis que o homem vivencia em sociedade.

1.6 Homem: um ser sócio­‑histórico


Para você, o que há sob o seu nome? Somos apenas um nome? Apenas habitamos
determinado espaço, em determinado tempo? Vamos, nessa parte do texto, abor-
dar o que faz do homem um ser sócio­‑histórico. Para tanto, leia o que está proposto
abaixo.

O homem pertence a uma espécie animal – homo sapiens – segundo Aranha (1998)
“do latim: homem sábio, aquele que tem capacidade de conhecer a realidade, de ter
consciência de si e de seu papel no mundo”.

Para a sobrevivência da espécie e a formação de sua estrutura corporal com caracte-


rísticas hereditárias, o homem depende dos gens que herda de seus ancestrais. Mas,
sabe­‑se que essas características não vão lhe garantir uma vida em sociedade. Não
existe uma natureza humana apenas com fatores hereditários. É preciso outros fatores
que veremos a seguir.

Os estudos da Biologia (ciência que estuda os seres vivos) explicam que desenvolver
determinadas características que foram herdadas, requer condições ambientais (físicas
24 UNIUBE

e sociais). Os animais adaptam‑se ao ambiente de acordo com suas necessidades, caso


contrário seria o fim da espécie, como exemplo o desaparecimento dos dinossauros.

Movidos pelo instinto gregário, vivem juntos com a finalidade de sobrevivência e con‑
servação da espécie. Porém, se essa convivência pacífica é ameaçada, lutam entre si,
sobrevivendo apenas os mais fortes. Ao se adaptar a outro ambiente natural, algumas
características como a cor dos olhos e da pele podem se modificar, para que se adap‑
tem ao novo habitat. Segundo Bock (2000), pode‑se dizer que todos os traços físicos
ou mentais, normais ou não, são, ao mesmo tempo, genéticos e ambientais.

Não queremos dizer com isso que o homem esteja subtraído do


campo da ação das leis biológicas, mas que as modificações heredi‑
tárias não determinam o desenvolvimento sócio‑histórico do homem
e da humanidade: dão‑lhe sustentação. As condições biológicas
permitem ao homem aproprir-se da cultura e formar as capacidades
e funções psíquicas. A unica aptidão inata do homem é a aptidão
para a formação de outras aptidões. (BOCK, p. 170)

Os seres humanos também não são animais solitários. Ao nascer, o homem possui
um conjunto de traços herdados de seus ancestrais, como a cor dos olhos, da pele, do
cabelo, características físicas, que, em contato com um ambiente determinado, darão
a ele condições de sobrevivência, levando em consideração sua identidade individual
com características próprias.

Pense em você:

• Quais foram as características físicas que você herdou de seu lado paterno e de seu lado
materno?

• Você acredita que essas características bastam para você ser o(a) cidadão(ã) que é hoje?

Skank
Banda brasileira O conjunto musical mineiro Skank em sua música “Pacato
de pop rock e ska Cidadão”, chama a atenção para o cidadão que vive da mesma
formada por Samuel forma sempre, isto é, sem modificar a sua ação cotidiana. Ouça
Rosa (guitarra e voz),
Henrique Portugal a música, ou leia sua letra, e veja se há algo em comum com
(teclados), Lelo Zaneti o que você respondeu. Também pensamos como eles. A cada
(baixo) e Haroldo momento vamos criando novas possibilidades, isso acontece
Ferreti (bateria), porque não bastam as características biológicas herdadas para
em março de 1991
nos tornarmos um ser sócio‑historico. É preciso ser atuante no
em Belo Horizonte.
Disponível em: <http:// contexto em que vivemos.
pt.wikipedia.org/wiki/
Skank>. Acesso em:
15 nov. 2009.
UNIUBE 25

Portanto, o que a natureza (o biológico) dá ao homem quando ele nasce não basta para
lhe garantir uma vida em sociedade. Ele precisa se adequar ao meio, conviver com o
próximo, aprender, humanizar‑se. Assim, o homem vai se tornando um ser biológico e
social, com características herdadas e adquiridas, com aspectos individuais e sociais,
com elementos da natureza e da cultura, criados e desenvolvidos pelas civilizações no
decorrer da história.

Precisará da natureza e do convívio com outros seres humanos no meio social em


que está inserido. Por meio do convívio social e pela necessidade de alcançar o bem
comum, ele será estimulado a compartilhar sua existência com os demais de sua espé‑
cie. Adquirindo várias aptidões, descobrindo as formas de satisfazer suas necessidades,
apropriando‑se do saber que a sociedade criou no decurso de seu desenvolvimento
histórico, estará garantindo sua sobrevivência juntamente com os demais, buscando o
bem-estar individual e coletivo.

Atitudes simples do nosso cotidiano, como escovar os dentes, usar vestuário, usar o
chuveiro, ler, escrever, dirigir são habilidades que surgiram a partir das necessidades da
vida cotidiana em sociedade e não são herdadas por fatores biológicos, são adquiridas
pela apropriação da cultura.

AGORA É A SUA VEZ

Vamos ver se você compreendeu:

• Identifique algumas características que tornam o homem um ser sócio histórico. Registre
em seu TCA.

• Depois, confronte sua resposta com a figura, a seguir. Veja se ela contempla as palavras
da figura.

Figura 4: Homem sócio‑histórico.


26 UNIUBE

No texto, a seguir, vamos aprofundar um pouco mais no que seja a cultura criada pelas
gerações que nos precederam. Vamos analisar a importância deste enfoque para o
homem sócio‑histórico.

1.7 Homem: um ser que trabalha e produz cultura


Várias cenas do filme Tempos modernos, de Charles Chaplin, nos reportam, de forma
humorística, à produção da cultura por meio do trabalho. Elas nos fazem refletir também
sobre a produção humana em forma de trabalho compartimentado e hierarquizado.
Mas, nem sempre o trabalhador pode usufruir da sua produção.

Caso tenha interesse em refletir mais sobre isso, assista ao filme Tempos modernos
de Charles Chaplin.

Filme: Tempos modernos (Modern Times, EUA, 1936).

Este filme traz outro olhar sobre o trabalho enquanto produção humana.

Direção: Charles Chaplin. Elenco: Charles Chaplin, Paulette Goddard, 87 min. preto e branco,
Continental.

PARADA PARA REFLEXÃO

Pense em todas as atividades que você realizou hoje, a partir do momento que se levantou
da cama, anote‑as e veja se elas são:

• Transmitidas por hereditariedade biológica ou adquiridas pela apropriação da cultura?

• Para desenvolvê‑las você necessitou de ajuda humana e tecnológica?

Se você respondeu que são atividades adquiridas no cotidiano, por um processo de


apropriação da cultura, acertou! Somos seres sócio‑históricos que vivemos o presente,
mas por um processo de cultura criado por gerações passadas, reformulado pelas
gerações do presente, em um mundo produzido pelos homens.

Portanto, necessitamos da ajuda de outras pessoas para viver em sociedade. Quando


vamos à padaria para comprar um pão, quantas pessoas não estiveram presentes na
UNIUBE 27

ação de transformar a semente de trigo em pão? Você já havia pensado sobre isso? A
cultura pode ser considerada parte do ambiente que o próprio homem criou.

Sou um ser

sou um homem

penso...

Choro...

Sinto...

Buscando no passado distante

Vestígios de um tempo presente.

(Versos da autora)

Quando indagamos, por meio dos versos acima, sobre o valor, as particularidades do ser
homem, estamos situando‑o como um ser único que busca, nas gerações anteriores, a
identidade de ser no mundo e no qual, por meio do trabalho e o uso de instrumentos,
vem deixando marcas de sua história. Ele vai aperfeiçoando o que já existe. Veja o que
Aranha (1998) escreve:

Quando Gutenberg inventa uma tipografia baseada em tipos móveis


no seculo XVI, a imprensa passa a desempenhar papel decisivo
na difusão das ideias e na ampliação da consciência crítica, o que
altera o conhecimento do mundo e de nós mesmos. No século XX,
o aperfeiçoamento técnico do telefone, telégrafo, fotografia, cinema,
rádio, televisão, comunicação via satélite, as infovias (como a inter‑
net) certamente vêm mudando a estrutura do pensamento, agora
marcado pele cultura da imagem e do som e pela “planetarização”
da consciência. (ARANHA, 1998, p. 37)

Agora que já conversamos a respeito da produção da cultura humana por meio da


utilização de instrumentos, que o mesmo produz, cria, recria, reflita sobre:

PARADA PARA REFLEXÃO

• Será que é só o homem que trabalha?

• E os outros animais, por exemplo, a abelha, a formiga: suas ações podem ser consideradas
trabalho?
28 UNIUBE

Acredito que você já observou que os animais também têm suas atividades, suas
rotinas, seu habitat, a escolha de um ambiente mais favorável, dentre outras. Mas será
que podemos considerar essas ações como trabalho?

Várias espécies animais desenvolvem atividades semelhantes ao trabalho humano, com


uma perfeição invejável: as abelhas, ao fabricar o mel e organizar a vida em colmeias;
a aranha ao tecer sua teia; as formas de arquitetura do joão­‑de­‑barro e das formigas.
Mas, ao praticá­‑las, os animais estão apenas realizando ações instintivas, mecânicas,
necessárias à sobrevivência da espécie. Ao contrário do trabalho humano, que também,
é sobrevivência, mas primeiramente é uma ação consciente com objetivos e finalidades.
É uma ação que gera momentos de liberdade, satisfação, mas também de ansiedade e
solidão. Antes de iniciá­‑lo, ele a planeja e, ao executá­‑la, o homem já tem em mente um
objetivo proposto, podendo ainda, durante sua execução, modificá­‑la se necessário.

Mas, o trabalho humano é um fazer que gera produto, melhores condições de vida. Para
tanto, o homem inventa tecnologias que utiliza para transformar a natureza e conseguir
alcançar seu objetivo.

O trabalho é, primeiramente, um processo entre o homem e natureza,


um processo em que o homem possibilita, regula e controla sua troca
de substâncias com a natureza por meio de sua própria ação. Ele
se defronta com a própria natureza como um poder natural. Coloca
em movimento forças naturais pertencentes a seu corpo, braços, e
pernas, cabeça e mãos para se apropriar da substância da natu-
reza numa forma utilizável para sua própria vida. Enquanto, nesse
movimento, age sobre a natureza exterior e a modifica, transforma
simultaneamente sua própria natureza. Desenvolve as potências
nela adormecidas e submete o jogo das forças naturais a seu próprio
domínio. (MARX, 1996, p. 202)

O homem, ao praticar a ação do trabalho, o faz mediante o uso de instrumentos que


ele cria e recria de acordo com suas necessidades. Mas, o uso de instrumentos tam-
bém pode ser utilizado pelos animais. Um macaco pode utilizar um pau para apanhar
uma fruta, para se defender de bandos rivais, mas, somente no momento de precisão,
passado sua necessidade, o instrumento é esquecido. Ele aprende a manuseá­‑lo ins-
tintivamente.

Bock (2001) conta uma breve história de um experimento para entendermos esta afir-
mação de que o macaco aprende, mas não conceitua.

Numa oportunidade, exatamente para testar este ponto, alguns psi-


cólogos treinaram um macaco de laboratório para apagar fogo – um
macaco bombeiro. Primeiro, sabendo que o macaco gostava muito de
maçã eles o treinaram para apanhar uma maçã em uma plataforma
um pouco distante de sua gaiola. Sempre que tocava um sinal, o
macaco corria em direção à maçã. O próximo passo, sabendo do
verdadeiro pavor que os macacos têm de fogo, foi colocar em volta da
UNIUBE 29
maçã um pequeno círculo de fogo. Naturalmente, o macaco desistiu
da maçã. Em seguida, por meio de condicionamentos, ensinaram
o pequeno animal a usar um balde com água para apagar o fogo.
Depois de bem treinado, veio o passo final. Colocaram a plataforma
com a maçã e o círculo de fogo no meio de um tanque com água com
altura suficiente para o macaco atravessá‑lo. Resultado: o macaco foi
até o lugar onde estava a maçã, viu o fogo, saiu do tanque e foi apa‑
nhar o balde com água para apagá‑lo. (BOCK, 2001, p. 174‑175)

Na ação do macaco citada como exemplo, não podemos considerar que utilizou ins‑
trumento de trabalho, porque não houve representação consciente da ação realizada.
Segundo o exemplo citado por Bock, o macaco aprendeu a utilizar o conteúdo do balde
para apagar o fogo, mas não conseguiu conceituá‑lo, já que não conseguiu perceber
que tanto no balde como no tanque havia água. Mas, se estivesse com sede, beberia
indistintamente tanto a água do tanque como a água do balde, sem fazer nenhuma
relação com a atividade anterior.

AGORA É A SUA VEZ

Estudamos que algumas ações podem ser praticadas instintivamente. Como poderíamos
diferenciar o trabalho da abelha fazendo mel do trabalho do chimpanzé pegando água com o
balde e o de uma criança tentando pegar uma fruta na árvore? Registre em seu TCA.

Se você colocou que a abelha age por instinto, porque a vida inteira fez o mel da mesma
forma, o chimpanzé pela inteligência concreta, pois age no momento. mas depois não
consegue relacionar o fato com o cotidiano e o menino por uma inteligência abstrata
porque cria e recria possibilidades para apanhar a fruta, acertou.

Existem outros exemplos que poderiam ilustrar esse momento. Pense e escreva. Se
tiver dúvida converse com seus colegas ou com seu preceptor.

Assim, podemos concluir que os animais permanecem na natureza, retirando dela sua
sobrevivência, enquanto o homem, através dos instrumentos e do trabalho, é capaz
de transformá‑la e produzir cultura, deixando sua marca no mundo.

Para que o instrumento seja considerado um instrumento de trabalho,


é necessário que a sua representação na mente seja conceitualizada
e, desta maneira, transforme em primeiro dado de consciência.
(BOCK, 2001, p. 174‑175)

O homem, ao criar os instrumentos, procura melhorar as condições de trabalho,


transformando‑o em fonte de prazer e realização pessoal e social. Quando o trabalho
traz bem‑estar, melhoria da qualidade de vida é prazer. Mas o trabalho também pode
30 UNIUBE

estar transformando o homem em um processo de alienação do mundo em que vive.


Isso acontece quando pessoas trabalham apenas por obrigação de ganhar dinheiro e
sobreviver, tornando uma atividade alienante.

EXPLICANDO MELHOR

Veja a imagem, a seguir.

Figura 5: Mito de Sísifo.


Fonte: Acervo EAD – Uniube.

Ela se refere ao mito grego, o de Sísifo. Conta‑se que Sísifo, após a sua morte, foi condenado
por toda a eternidade a rolar uma grande pedra de mármore com suas mãos até o cume de
uma montanha. Mas, toda vez que ele estava quase no topo da montanha, a pedra rolava
novamente montanha abaixo até o ponto de partida por meio de uma força irresistível. A ele
recomeçava novamente sua tarefa...

Podemos considerar o esforço de Sísifo um trabalho? Registre em seu TCA.

Ainda hoje encontramos situações de trabalho que retratam uma triste realidade: o
trabalho subumano em que homens em busca de um sonho vivem uma vida sombria
de pouco sonho.

O fotógrafo Sebastião Salgado, em seu livro Trabalhadores (1997) apresenta gran‑


des fotorreportagens de denúncia social, retrata a realidade do Brasil em relação a
exploração do trabalho e da mão de obra, revelando a triste realidade ainda existente
no Brasil.

Duas das fotos que nos chamam a atenção é sobre a Serra Pelada, garimpo da região
de Curionópolis no sul do Pará, desativado desde a década de 1980, mas que poderá
ser reaberto. A primeira retrata do alto e de longe, o garimpo de Serra Pelada onde as
figuras humanas têm o formato de um grande formigueiro humano. Em uma grande
cratera milhares de homens se amontoam em busca do ouro. Na outra foto, o fotógrafo
UNIUBE 31

focaliza o garimpo de perto. Aparecem várias pernas de trabalhadores subindo as


escadas da cratera da mina, mas não aparecem as cabeças, apenas o movimento de
trabalhadores no anonimato.

PARADA PARA REFLEXÃO

O que poderíamos fazer para transformar essa perversa realidade, onde uns têm tanto e
outros têm tão pouco?

No Brasil atual, será que todos têm trabalho, educação e uma vida digna?

Que concepção de homem está na dinâmica da cultura brasileira?

Que concepção de mundo está na base da proposta de desenvolvimento social no Brasil?

Procure outras imagens e/ou reportagens sobre o trabalho no Brasil, de preferência em re-
giões distintas. Recorte, faça sua análise e disponibilize no seu Trabalho de Construção da
Aprendizagem (TCA).

Abordaremos, a seguir, o papel da linguagem como fator indispensável ao desenvol-


vimento humano. Sem o uso da linguagem, estaríamos, possivelmente até hoje, no
mesmo patamar dos outros amimais que possuem uma inteligência concreta.

1.8 A linguagem humana


Acredito que você conheça os versos “Ainda que eu falasse a língua dos homens / E
falasse a língua dos anjos / sem amor eu nada seria” da música “Monte Castelo”, da
banda Legião Urbana. Mas, sua origem está nos escritos do apóstolo Paulo na Bíblia
(Cor. 1:13). No livro do Genesis, também se fala sobre a Torre de Babel.

SAIBA MAIS

Legião Urbana, banda brasileira de rock surgida em Brasília ativa entre 1982 à 1996. Ao
todo, lançaram treze álbuns, somando mais de 20 milhões de discos vendidos. Ainda hoje, é
o terceiro maior grupo musical da gravadora EMI-Odeon, em venda de discos por catálogo, no
mundo, com média de 200 mil cópias por mês. O fim do grupo foi marcado pelo falecimento
de seu líder e vocalista, Renato Russo, em 11 de outubro de 1996. Disponível em: <http://
pt.wikipedia.org/wiki/Legi%C3%A3o_Urbana>. Acesso em: 15 out. 2009.

A Torre de Babel, segundo a narrativa bíblica no Gênesis, foi uma torre construída por um
povo com o objetivo que o cume chegasse ao céu, para que não fossem espalhados sobre toda
a Terra. Deus parou esse projeto ao confundir a sua linguagem e espalhar o povo sobre
32 UNIUBE

toda a Terra. Essa história é usada para explicar a existência de muitas línguas e raças dife‑
rentes. A localização da construção teria sido na planície entre o Rio Tigre e Eufrates, atual
Iraque, uma região estrategicamente boa por ser muito fértil.

Figura 6: A confusão das línguas; por Gustave Doré (1865).


Fonte: Wikipédia. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/
Ficheiro:Confusion_of_Tongues.png>. Acesso em: 19 nov. 2009.

Agora vamos falar da linguagem humana e retratar nossas origens, a partir do momento
em que o homem se humanizou. Se você observar a sua volta poderá perceber quanto
somos dependentes da linguagem.

PARADA PARA REFLEXÃO

• A linguagem é uma característica humana?

• Os outros animais possuem linguagem?

• Você já ouviu falar de outras linguagens humanas?

O surgimento da linguagem foi um fator muito importante para o despertar da consciên-


cia do homem e a organização dos seres humanos em sociedade. Levando em consi‑
deração que o homem por meio da fala e da palavra apropria‑se dos saberes, vamos
aprofundar no que vem a ser a linguagem especificamente humana e quais foram as
condições para que ela se desenvolvesse. Somente o humano possui a capacidade
da fala. Ela foi um marco no despertar da consciência humana.
UNIUBE 33

Você já parou para refletir como surgiu a linguagem? Foi pela necessidade de expressar
os sentimentos, que a linguagem se desenvolveu. Inicialmente, o homem se comuni-
cava por meio dos gestos, posteriormente veio a aparecimento da linguagem. Nesta
seção, vamos nos ater a discussão na linguagem humana como fator importante na
produção da cultura.

No filme 2001, uma odisseia no espaço (A Space Odissey, 1968, EUA, sob a direção
de Stanley Kubrick – disponível em: <http://www.adorocinema.com/diretores/stanley­
‑kubrick/>), tem uma cena que não passa despercebida a qualquer olhar humano. No
momento em que dois grupos rivais se encontram para a disputa da posse de um ter-
ritório, um integrante de um dos grupos toma em suas mãos um osso (um fêmur) e o
ergue no espaço em busca de demonstração, para o grupo adversário, de poder. E ele
atinge o seu objetivo, pois o outro grupo se retira. Esse gesto foi uma comunicação.

Segundo estudos realizados pelo psicólogo russo, nascido em Moscou, Alexis Leontiev,
o elemento concreto que permite ao homem ter consciência das coisas é a linguagem.
Mas, para chegar até a linguagem, o homem teve que evoluir muito. Se pensarmos em
termos evolutivos (teoria evolucionista de Darwin), o homem teve sua origem a partir
de um antropoide, Homem primata. Ancestral comum do homem e do macaco há cerca
de 5 milhões de anos!

Para Bock (2001), as condições para que o homem chegasse até a linguagem foram
as seguintes:

• esse antropoide aprendeu a andar sem usar as mãos, ficou ereto


e com as mãos livres;

• esse antropoide vivia em grupo (como ocorreu com muitas espé-


cies de macacos;

• esse grupo de antropoides tinha dedo opositor, o que permitia a


utilização de instrumentos (por exemplo, um pedaço de pau para
apanhar alimentos);

• o sistema nervoso dispunha de suporte mínimo para o desenvol-


vimento da linguagem.

Confirmando o exemplo anteriormente citado, do filme 2001, uma odisseia no espaço,


o surgimento da linguagem teve sua origem a partir do momento em que o homem
começou a utilizar os instrumentos de trabalho, adquirindo consciência, criando a lin-
guagem simbólica, para nomeá­‑los. Bock (2001, p. 175) afirma que:

No decorrer da evolução do homem atual, aprendemos a transformar


o instrumento em instrumento de trabalho (instrumento com obje-
tivo determinado), a registrá­‑lo simbolicamente em nosso sistema
nervoso central (aparecimento da consciência) e a denominá­‑lo
(aparecimento da linguagem). [...] Cada avanço representou uma
34 UNIUBE

enorme conquista para o desenvolvimento da humanidade. A desco-


berta de que a vocalização (transformação de um grunhido em som
com significado) poderia ser usado na comunicação equivale, nos
tempos atuais, à descoberta dos chips eletrônicos.

Analise as palavras da autora: o aparecimento da linguagem foi um marco equivalente


a descoberta dos chips eletrônicos hoje. Quantas descobertas científicas estão sendo
desenvolvidas nas áreas da tecnologia, da física, da informação e outras áreas do co-
nhecimento, atualmente, para o bem da humanidade? Portanto, podemos perceber a
importância da linguagem da humanização do homem e em nossa história.

Observe uma criança. Aproximadamente com que idade ela começa a desenvolver a
fala? Segundo Piaget, por volta dos dois anos. Antes, ela diz apenas poucas palavras
soltas sem muita conexão. É nessa idade que ela também começa a se socializar mais
e a descobrir o mundo a sua volta. Este assunto será objeto de estudo na próxima seção
desta unidade temática. Leia o que Aranha (1986, p. 11) escreve:

A linguagem é um sistema simbólico. O homem é o único animal


capaz de criar símbolos, isto é, signos arbitrários em relação ao
objeto que representam e, por isso mesmo, convencionais, ou seja,
dependentes de aceitação social. Tomemos por exemplo a palavra
CASA. Não há nada no som nem na forma escrita que nos remeta
ao objeto por ela representado (cada casa que concretamente existe
em nossas ruas). Designar este objeto pela palavra casa, então, é
um ato arbitrário. A partir do momento que não há nenhuma relação
entre o signo casa e o objeto por ele representado, necessitamos de
uma convenção, aceita pela sociedade de que aquele signo repre-
senta aquele objeto. E só a partir dessa aceitação que poderemos
nos comunicar, sabendo que, todas as vezes que usamos a palavra
casa, nosso interlocutor entende o que quer dizer.

Dando continuidade ao pensamento de Aranha (1986), como observamos, a linguagem


é produto da razão humana. Na formação do mundo predominado pela cultura, a lin-
guagem tem papel fundamental, pois ela vai além de nossa experiência concreta. Ao
nomear um objeto da natureza, ele se torna real, conseguimos fixar na memória, como
em uma fotografia, aquilo que já não está ao alcance de nossos sentidos.

No momento em que damos nome a qualquer objeto da natureza nos


o individuamos, o diferenciamos com esse simples ato de nomear,
distanciamo­‑nos da inteligência concreta animal, e entramos no mundo
do simbólico. O nome é símbolo dos objetos que existem no mundo
natural e das entidades abstratas que só tem ação no nosso pensa-
mento. O nome tem a capacidade de tornar presente para a nossa
consciência o objeto que está longe de nós. (ARANHA, 1986, p. 11)

Você já observou quando uma criança vê um animal? Ela revela um encantamento da


descoberta de um ser vivo diferente dela. Ela se agita, balbucia, tentando chamar a
atenção do animal e para que possamos também desfrutar do mesmo encantamento
UNIUBE 35

que ela está vivenciando. Por que isso não acontece mais conosco? Porque nós temos
a arrogância de acreditar que temos o conhecimento de tudo. E, então, o animal não
chama mais a mesma atenção. Ao passo que se deparamos com um ser estranho aos
nossos olhos, nós voltamos a agir como a criança que vê um animal.

A sociabilidade é um fator inerente ao ser humano e garante a perpetuação de sua


história. Por meio da convivência social que lhe permite compartilhar experiências e
vivências passadas e presentes, o homem consegue se comunicar com outros homens,
projetar realizações futuras, mediadas pelo uso contínuo que faz da linguagem.

Por a linguagem ser um fenômeno eminentemente social, o homem não utiliza apenas
a linguagem verbal para se comunicar. Ele também se expressa por meio das artes, dos
gestos, dos números, da música, da fotografia, isto é, existem diferentes linguagens e
diferentes formas de se expressar.

PARADA PARA REFLEXÃO

Muito já estudamos e refletimos até agora. Vamos ver se você realmente compreendeu quais
foram os fatores que contribuíram para a humanização do homem.

REGISTRANDO

Registre a resposta em seu Trabalho de Construção da Aprendizagem – TCA.

Espero que você tenha escrito que a criação dos instrumentos de trabalho, junta‑
mente com o despertar da consciência, o surgimento da linguagem e as relações
sociais foram os fatores indispensáveis para o desenvolvimento humano.

AGORA É A SUA VEZ

Escreva um texto, de aproximadamente 15 linhas, discorrendo sobre esse assunto e troque


ideias com seu preceptor e colegas. A seguir faça um trabalho utilizando outras linguagens
que representem seu aprendizado sobre a concepção de homem, de mundo e de sociedade.
Registre em seu TCA.

Para completar nosso estudo não poderíamos deixar de falar sobre a educação como
fator indispensável para o aprendizado e continuidade da cultura de um povo. Leia o
que Brandão (2001, p. 7) escreve sobre a educação:
36 UNIUBE

Ninguém escapa da educação. Em casa, na rua, na igreja ou na


escola, de um modo ou de muitos todos nós envolvemos pedaços
da vida com ela: para aprender, para ensinar, para aprender e ensi-
nar. Para saber, para fazer, para ser ou para conviver, todos os dias
misturamos a vida com a educação.

1.9 Educação e desenvolvimento humano


Começaremos nossa última seção com a leitura da citação acima. É muito importante
essa fala de Brandão. Você já parou para pensar como a educação está em todo
contexto da sociedade? Como aprendemos a todo o momento? Nascemos em um
mundo onde já existem padrões, normas e comportamentos a serem seguidos. Vamos
construindo nossa vida, nosso jeito de ser com elas e assim garantimos nosso espaço
dentro da sociedade, ou seja, um “cidadão do mundo”.

• Existe uma única forma de educação?

• Educação ou educações?

Pare, reflita e responda a esses questionamentos em seu TCA.

Você acertou se respondeu: existem vários modelos de educação.

Cada sociedade tem um jeito próprio de educar, sendo responsável pela educação de
seu povo.

A educação é uma das atividades básicas necessárias à sobrevivência de qualquer


sociedade. Ela faz parte da condição humana. A permanência cultural de um grupo
social depende da transmissão do patrimônio cultural e da forma como ele é transmitido
de seus antepassados para seus descendentes.

Ao apropriar‑se do patrimônio cultural recebido, por meio das gerações passadas, o


indivíduo interage com o outro e adquire a forma de ser e viver de seu grupo social.
Portanto, é por meio da educação que acontece a transmissão das tradições, costu‑
mes e valores de uma sociedade. O indivíduo, ao mesmo tempo em que se socializa,
desenvolve‑se e torna‑se parte integrante do meio em que está inserido.
UNIUBE 37

PARADA PARA REFLEXÃO

Pense na educação brasileira:

• Quais são as raízes de nossa educação?

• Por que existe tanta diversidade cultural em nosso país?

• Que influências recebemos?

Em cada sociedade, o indivíduo passa pelo processo de socialização e, na medida em


que vai se desenvolvendo, incorpora as regras de comportamento do seu grupo de
origem. Mas não podemos esquecer que a educação está interligada com a cultura,
sociedade e trabalho. Nós, brasileiros, somos um povo cuja origem é uma mistura de
raças entre índios, europeus e negros. Já estudamos como foi crucial a colonização
de nosso país, portanto nossa educação é reflexo desse processo cultural.

A seguir, contaremos para vocês uma história que li no livro de Carlos Brandão intitulado
O que é a educação, em que o autor exemplifica de uma forma bem clara e bonita
essa concepção de educação.

Há muitos anos, nos Estados Unidos da América, no período da colonização ameri‑


cana, em uma época em que guerras entre brancos e índios pela posse de terras eram
constantes, um fato muito interessante aconteceu.

Ao terminar um desses grandes conflitos, foi assinado um tratado de paz entre os


governantes e os chefes indígenas das seis nações do Norte. Os governos da Virgínia
e Mayland, após a assinatura do acordo de paz para selar a amizade entre os povos,
enviaram cartas às nações indígenas, sugerindo aos chefes das tribos que mandassem
jovens índios para morar nos países americanos e aprender a educação nas escolas
dos brancos.

Os chefes indígenas responderam à carta agradecendo o convite, mas não poderiam


aceitá‑lo. Explicaram que, se os jovens índios fossem estudar junto com os brancos,
ao voltar para a tribo não seriam mais úteis ao seu povo, pois teriam esquecido os
costumes e não teriam utilidade no dia a dia da tribo.

Segundo Brandão (2001, p. 8‑9) essa carta tornou‑se conhecida porque alguns anos
mais tarde Benjamin Franklin adotou o costume de divulgá‑la aqui e ali. Leiam alguns
trechos dessa carta que vão ilustrar nosso aprendizado:

[...] nós estamos convencidos, portanto, que os senhores desejam


o bem para nós e agradecemos de todo o coração. Mas aqueles
38 UNIUBE

que são sábios reconhecem que diferentes nações têm concep-


ções diferentes das coisas e, sendo assim, os senhores não ficarão
ofendidos ao saber que a vossa ideia de educação não é a mesma
que a nossa.

[...] Muitos dos nossos bravos guerreiros foram formados nas escolas
do Norte e aprenderam toda a vossa ciência. Mas, quando eles vol-
tavam para nós, eles eram maus corredores, ignorantes da vida da
floresta e incapazes de suportarem o frio e a fome. Não sabiam como
caçar o veado, matar o inimigo e construir uma cabana, e falavam a
nossa língua muito mal. Eles eram, portanto, totalmente inúteis. Não
serviam como guerreiros, como caçadores ou como conselheiros.

Não podendo aceitá­‑la, para mostrar a nossa gratidão oferecemos


aos nobres senhores de Virgínia que nos enviem alguns dos seus
jovens, que lhes ensinaremos tudo o que sabemos e faremos deles,
homens.

Ao analisar os fatos históricos contidos nessa carta, podemos perceber que socieda-
des distintas possuem formas de educar também distintas. A educação em pequenas
sociedades tribais é diferente da concepção de educação nas aldeias de camponeses
e ela se difere das cidades de interior e das grandes metrópoles, independente do
processo de globalização.

Pela educação, o indivíduo adquire conhecimentos necessários para viver e compre-


ender o mundo, adaptar­‑se na vida em sociedade, incorporar valores e saberes que
permitam sua aceitação no grupo social em que está inserido. Mas, também, pela
educação recebida, valores ideológicos podem ser reforçados. Em nome de Deus,
do poder, de etnias, da cor da pele, nações guerreiam e se destroem, reforçando o
subdesenvolvimento, a pobreza, colocando em ameaça o bem­‑estar da humanidade.
Brandão (2001, p. 9-10) escreve:

Existe a educação de cada categoria de sujeitos de um povo; ela


existe em cada povo, ou entre povos que se encontram. Existe entre
povos que submetem e dominam outros povos, usando a educação
como um recurso a mais de sua dominância.

A educação não é neutra. Existe sempre por traz das ações de quem controla o poder,
mesmo naquelas mais bem intencionadas, uma ação coercitiva, isto é, controladora,
em maior ou menor grau. Cada país, cada povo, cada sociedade possui realidades e
valores distintos e, por isso, tem uma concepção diferente de educação. Dessa forma,
busca­‑se moldar o indivíduo à imagem e ao pensar das pessoas que mantêm a ordem
vigente, acreditando ser o melhor para uma nação. O ato educativo pressupõe ação
e reflexão, portanto a educação é um ato político. Foi para esse aspecto que o repre-
sentante das nações indígenas chamou atenção.
UNIUBE 39
[...] aqueles que são sábios reconhecem que diferentes nações têm
concepções diferentes das coisas e, sendo assim, os senhores não
ficarão ofendidos ao saber que a vossa ideia de educação não é a
mesma que a nossa. (BRANDÃO, 2001, p. 8­‑9)

A forma de transmitir a educação de cada povo depende, portanto, da sua realidade


concreta e de seus valores, relacionando­‑se com o próprio processo de socialização.
A educação transmitida pelas escolas do Norte aos jovens americanos não correspon-
dia aos valores nem à realidade nem à necessidade das nações indígenas. O mesmo
aconteceria com os jovens da nação americana se viessem adquirir a educação dos
jovens índios. Serviria para conhecimento, respeito à cultura de outros povos, mas,
ao voltar ao seu país de origem, as pessoas deveriam imediatamente voltar aos seus
hábitos e costumes.

Cada povo visa transmitir ao indivíduo o patrimônio cultural que acredita ser necessá-
rio às novas gerações, para integrá­‑lo à sociedade e aos grupos que a constituem. A
transmissão cultural pode ocorrer de forma espontânea ou informal e intencional ou
formal.

Ficamos extremamente agradecidos pela vossa oferta e, embora


Apesar de vivermos numa aldeia global com toda tecnologia e na era
da informatização, ainda existem sociedades isoladas em que não
existem escolas e a educação informal, talvez, seja a única forma
de educação.

Veja como descreve Brandão (2001, p. 21), um processo de aprendizado informal:

Os meninos observam os homens quando fazem arcos e flechas;


o homem os chama para perto de si e eles se veem obrigados a
observá­‑lo. As mulheres, por outro lado, levam as meninas para fora
de casa, ensinando­‑as a conhecer as plantas boas para confeccionar
cestos, costuram os mocassins e curtem a pele de cabrito diante das
meninas, dizendo­‑lhes, enquanto estão trabalhando, que observem
cuidadosamente, para que, quando forem grandes, ninguém as
possa chamar de preguiçosas e ignorantes. Ensinam­‑nas a cozinhar
e aconselham­‑nas sobre a busca de bagas e outros frutos, assim
como sobre a colheita de alimentos.

Nascemos em uma família e o aprendizado cultural adquirido nesse contexto familiar


é de fundamental importância para nosso modo de ser e de pensar. Portanto, muito
de tudo que sabemos foi aprendido dessa forma, no contexto familiar. Quando, em
nome do progresso, desprezamos estes aprendizados, estamos esquecendo nossas
origens em detrimento de outros saberes e ideologicamente deixando de transmitir
nosso legado cultural.
40 UNIUBE

REGISTRANDO

Descreva ou ilustre um exemplo de um processo de aprendizado informal que acontece em


nosso cotidiano familiar. Você poderá colocá‑lo em seu TCA (Trabalho de Construção da
Aprendizagem).

Você acertou se descreveu, por exemplo:

• uma cena em que uma criança observa e imita a mãe trabalhando e aprende os
afazeres domésticos;

• o pai agricultor, desde cedo, ensinando ao filho o valor da terra, da preservação da


natureza;

• os pais aconselhando os filhos diante de uma situação vivenciada;

• um almoço, em que a família conversa, confraterniza e todos dividem as tarefas.

Cada país, cada povo, cada sociedade possui realidades e valores diferentes e, por
isso, tem uma concepção distinta de educação.

Pela transmissão espontânea ou informal aprendemos por meio da observação, imitação


ou experiências. Sua transmissão se dá por meio do cotidiano da vida das pessoas, na
família, na comunidade, pelo aprendizado das tarefas normais de cada grupo social, pela
observação do comportamento dos mais velhos, pela convivência entre os membros de
uma sociedade. A educação informal, também chamada de assistemática ou difusa,
é realizada sem qualquer planejamento, não existe local nem hora predeterminados
para acontecer. A todo momento, estamos aprendendo e ensinando. Todos nós, em
nosso cotidiano, praticamos a educação informal.

Nas sociedades isoladas e, também, em muitas aldeias indígenas em que ainda não
existem escolas, a educação informal é a única forma de educação.

Hoje, pela necessidade cada vez maior de os responsáveis pela família trabalharem
fora dos lares, muito desses ensinamentos estão sendo relegados ao segundo plano; a
família cada vez mais coloca como responsabilidade da escola a educação dos filhos.
A escola, por sua vez, não os assume e diz ser de responsabilidade da família. O que
temos percebido é a perda de vários desses valores que não se encontram nos livros,
mas, sim, no ensinamento diário tão necessário ao aprendizado das crianças e jovens.
Este aprendizado é chamado de assistemático ou informal.

Outro fator que também nos chama a atenção: e que por meio dos meios de comuni‑
cação de massa, principalmente TV e também pela Internet, temos contato com várias
UNIUBE 41

informações ao mesmo tempo e nem sempre existe uma criticidade pelo que se vai
absorvendo. Tudo acontece de forma tão real, passando a ser também um padrão de
comportamento a ser seguido.

PARADA PARA REFLEXÃO

• Você tem o hábito de conversar com seus filhos, pais ou outros familiares sobre as cenas
que são marcantes para você em novelas, filmes ou propagandas?

• Já parou para pensar no caráter ideológico que está implícito em tais cenas?

Pois é, isso é muito importante de se fazer. Quando não o fazemos, deixamos que
tudo que se passa na mídia pareça real aos olhos de quem assiste. Absorvemos com
tamanha normalidade o que assistimos, que passa a ser natural em nosso cotidiano. E
vamos nos tornando como a ovelhinha da história “Maria vai com as outras”. Converse
com seus amigos sobre essa questão e anote suas reflexões no TCA.

A educação também acontece de maneira formal ou sistemá- Educação formal


tica, em instituições distintas, com normas e padrões prede- e sistemática
terminados. A escola e a família são as principais instituições
responsáveis pela transmissão de determinados legados cul- Educação que
turais preestabelecidos pela sociedade, com uma intenciona- acontece dentro
de instituições
lidade ao educar. educacionais,
principalmente
Em nossa sociedade, a instituição responsável pela transmissão as escolas com
do saber acumulado pela humanidade é a escola. Ela é tam‑ profissionais
qualificados
bém uma maneira seletiva de educação. Por meio de pessoas para mediar a
especializadas, são selecionados os elementos culturais que aprendizagem do
serão transmitidos para as crianças jovens e adultos em escolas aluno. Sistemática
com salas de aula, professores especializados, conteúdos e porque segue um
recursos pedagógicos distintos, cujo objetivo será a transmis‑ padrão determinado
com programas,
são de determinados legados culturais, que são considerados horário, conteúdos a
importantes para tal sociedade. ser seguido.

A escola é o espaço de transmissão sistemática do saber


historicamente acumulado, com o objetivo de formar os indiví‑
duos, capacitando-os a participar como agentes na construção
dessa sociedade. Mas, também, pode ser percebida como uma
instituição que possui um conjunto de regras, normas e proce‑
dimentos padronizados altamente valorizados pela sociedade,
cujo objetivo principal é a transmissão de determinados aspec‑
tos da cultura dominante, necessários para o desenvolvimento
dessa sociedade.
42 UNIUBE

Instituições formais Pode‑se dizer que a educação definida como processo de


e não formais transmissão da cultura, está presente em todas as instituições
formais ou não formais. Por isso, diante de determinadas si-
A sociedade se tuações, os grupos sociais reagem de forma distinta de acordo
organiza com base
na produção da
com os valores que julgam importantes. Aprender e ensinar faz
vida material de parte do cerne de uma sociedade, seja pela liberdade ou pela
seus membros e opressão. A educação acontece nos ensinamentos informais
das relações daí das tribos indígenas do Xingu, ou formais dos códigos sociais
decorrente. A cultura, de conduta, nos ensinamentos da família, nas regras do tra-
enquanto elemento
de sustentação balho, nas atividades esportivas, nos segredos da arte ou da
da sociedade e religião, nas atividades culturais ou tecnológicas que qualquer
patrimônio dos sujeitos povo precisa para reinventar, todos os dias, a vida do grupo
que a constituem, e de cada um de seus indivíduos, pelas de constantes trocas
precisa ser preservada
e transmitida
com a natureza e entre os homens.
exatamente
porque não está Os indivíduos, por meio da educação recebida, apropriam-se
incorporada ao de saberes necessários para sua atuação, e vão interpretando
patrimônio natural. As esses papéis na vida real enquanto sujeito histórico que vivem
diversas instituições
sociais têm como em um determinado tempo e espaço. São eles professores,
objetivo primordial pais, governantes, cientistas, construtores, guerreiros, religio-
a preservação e sos, entre outros. Personagens que ideologicamente ou não,
a transmissão da vão deixando sua marca na sociedade. A educação nesse
cultura. (RIOS, 1995,
p. 34)
contexto é, portanto, um ato político.

Como estudamos anteriormente, a escola tem um fator im‑


portantíssimo na transmissão do legado educacional de cada
povo.

SAIBA MAIS

Neste momento, finalizando nosso estudo, você deverá ler a referência bibliográfica a seguir:

FONTANA, Roseli; CRUZ, Maria Nazaré da. A psicologia na escola. In: Psicologia e trabalho
pedagógico. São Paulo: Atual, 1997. p. 3‑8.

Neste capítulo, a autora explica a escola como lugar de aprender e de brincar, o que
é ensinar, como a criança aprende e finaliza abordando um pouco do estudo científico
das nossas crianças. Esse será o primeiro passo para o estudo mais aprofundado da
educação nas próximas unidades temáticas. Após a leitura, faça a atividade de campo
da página 9 e aguarde outras informações. Essa atividade será necessária para ativi-
dades posteriores.
UNIUBE 43

1.10 Conclusão
Neste capítulo estudamos que o homem é um produtor de conhecimento que busca
sempre se conhecer e ao mundo que o rodeia. Nessa busca do conhecimento, difere­‑se
dos outros seres vivos. Também aprendemos que não existe natureza humana, mas
uma condição humana que admite ser o homem possuidor de um suporte biológico
específico (corpo) que, em contato com outros homens, produz cultura.

Por meio da abordagem sócio­‑histórica, aprofundamos a ideia da multideterminação


do homem, combatendo a ideia da concepção do ser humano natural ou abstrato.
Como afirma Bock:

As propriedades que fazem do homem um ser particular, que fazem


deste animal um ser humano, são um suporte biológico específico,
o trabalho, e os instrumentos, a linguagem, as relações sociais
e uma subjetividade caracterizada pele consciência e identidade,
pelos sentimentos e emoções e pelo inconsciente. E com isso, que-
remos dizer que o homem é determinado por todos esses elementos.
Ele é multideterminado. (BOCK, 2000, p. 177)

Por tudo que vimos neste capítulo, podemos concluir que o ser humano possui uma
identidade formada ao longo do tempo, por meio da internalização da cultura e pela
educação recebida. Seu conhecimento está sempre em construção, por meio das re-
lações sociais que mantém com a sua comunidade ou com outros homens.

Pelo trabalho, ele se autoproduz e desenvolve, tornando­‑se assim, um ser flexível, múl-
tiplo, capaz de interagir com as várias faces do mundo, com pessoas e grupos sociais
muito diferentes e estar sempre aprendendo.

Mas, o trabalho pode ser imposto, obrigando cidadãos a submeter­‑se a um sistema


centralizado de poder, em que o povo, sem vez e sem voz, se vê obrigado a obedecer
pelo domínio de quem tem o controle sobre o saber. Muitas vezes, reforçado com armas
e com opressão, a desigualdade entre os homens é aumentada, seja na divisão dos
bens, do trabalho, dos direitos humanos e da liberdade de expressão.

As contradições do mundo contemporâneo são apresentadas muitas vezes de modo


apreensivo e violento, sendo motivo de repúdio e contestação. Quantas vezes em nome
de grupos minoritários que privilegiam valores sociais, políticos, econômicos e religiosos
são cometidas atrocidades aceitas como verdades absolutas, fazendo com que uma
comunidade inteira ou até nações vivam em permanente conflito e desespero? Que
valores ideológicos estão por trás dessas ações?

Hoje, em nossa sociedade, quantas vezes também nos deparamos com fatos pare-
cidos como esses? Por exemplo: nas instituições sociais como a escola e a família
estão vivenciando tempos difíceis, nos quais a educação de nossas crianças e jovens
também está sendo colocada em cheque. Quantas vezes nos perguntamos: Que tipo
44 UNIUBE

de homem queremos formar? Por que educar crianças e jovens está tão difícil? São
esses e outros questionamentos que, por meio dos conhecimentos recebidos, fazem
o homem sair de si mesmo e, juntamente com o outro, buscar as respostas para suas
inquietações.

Presenciamos o crescimento tecnológico e econômico tomar proporções que não sabe-


mos no que vai chegar. Entretanto, esses benefícios chegam a um grupo reduzido da
população. Milhões de pessoas ainda vivem abaixo da linha de pobreza, sem a mínima
condição de dignidade humana.

Outro problema muito sério é a degradação do meio ambiente. A exploração desen-


freada dos recursos naturais que tem levado a um desgaste ecológico sem precedentes,
prejudicando a harmonia do planeta e colocando em risco a vida humana e dos outros
seres vivos.

Mas, também, somos seres altruístas que buscamos o bem comum, fazendo renas-
cer sinais de vida, de solidariedade. Por todo o mundo, novas ONGs são criadas,
ampliam­‑se os movimentos sociais, o voluntariado, lutando em defesa da vida e do
meio ambiente.

Nesse contexto, a educação é colocada como um processo histórico de valor incal-


culável, ajudando a construir o destino do ser humano. Por meio dela, o homem se
autoconstrói e busca o bem estar da humanidade, seja pela cura de uma doença, pelo
bem-estar do planeta, pela paz mundial ou pela criação de regras e normas de conduta
que orientam os indivíduos a viver em sociedade.

Neste início do século XXI e do novo milênio, a população mundial vive momentos não
só de crise, mas também de esperança. Pela educação, o homem pode alcançar a
liberdade de ir e vir no mundo. Pode ainda, pelo processo de aquisição do saber, levar
grupos sociais distintos a se descobrirem como coparticipantes da construção de um
mundo melhor e mais igualitário. Portanto, ser um processo cultural, transformando
tudo que é comunitário e de valor social, em um bem comum a todos.

O homem não é um ser passivo, mas um ser perspectivo e inacabado É um eterno


caçador de si mesmo. Está sempre em busca de novas invenções, novas descobertas.
Por meio da educação, vai transformando a natureza em um mundo cultural humanizado,
buscando, assim, em nome da melhoria da qualidade de vida dos grupos sociais, criar
e recriar invenções, preservando viva a memória de seu povo.

Termino este roteiro com alguns versos da letra da música inicial, “Caçador de mim”,
cantada por Milton Nascimento e composta por Luís Carlos Sá e Sérgio Magrão, que
acredito sintetizarem o que estudamos sobre o homem: “Vou descobrir / O que me faz
sentir / Eu, caçador de mim”.
UNIUBE 45

Leitura sugerida
FONTANA, Roseli; CRUZ, Maria Nazaré da. A Psicologia na Escola. In: Psicologia e
trabalho pedagógico. São Paulo: Atual, 1997. (Formação do Educador.)

Atividades

Atividade 1
Você leu neste capítulo trechos da carta do chefe indígena para o governo americano.
Nela fica clara a importância da educação inserida na cultura de cada povo. Portanto
podemos afirmar que:

I­‑ A educação de cada país, de cada sociedade, possui realidades e valores diferentes
e por isso, tem uma concepção diferente na forma de educar.

II­ ‑ Na educação, analisada por meio dos fatos históricos, percebemos que sociedades
distintas possuem formas de educar também distintas.

III ­‑ A concepção de educação, em pequenas sociedades tribais de povos caçadores,


agricultores, pescadores, é igual a concepção de educação nas aldeias e cidades.

IV­ ‑ A educação é uma das atividades básicas necessárias à sobrevivência de qualquer


sociedade, portanto, a educação é um fenômeno único para todos os povos.

V ­‑ A educação faz parte da condição humana e a permanência cultural de um povo


depende da transmissão de seu patrimônio cultural e da forma como ele é transmitido
aos grupos que o constituem.

Estão corretas as afirmativas:

A­ ‑ ( ) I, III e IV apenas.

B­ ‑ ( ) I, II e V apenas.

C­ ‑ ( ) II, IV e V apenas.

D­ ‑ ( ) III, IV e V apenas.

Atividade 2
A partir dos tipos de conhecimento estudados neste capítulo, numere a segunda coluna
de acordo com a primeira.

(1) conhecimento sensível ou empírico;


46 UNIUBE

(2) conhecimento intelectual.

A­ ‑ ( ) Tipo de conhecimento encontrado tanto nos animais como nos homens.

B ­‑ ( ) Tipo de conhecimento que acontece por meio dos cinco sentidos.

C ­‑ ( ) Tipo de conhecimento que processa­‑se quando ocorre uma correlação de


ideias, princípios e leis relacionadas as objeto que se pretende conhecer.

D ­‑ ( ) Tipo de conhecimento baseado na crença de que a origem das ideias é


o pensamento.

E ­‑ ( ) Tipo de conhecimento que coloca o objeto como o centro de suas


preocupações.

F ­‑ ( ) Tipo de conhecimento baseado na crença de que a origem das ideias é o


pensamento.

Referências
ANDRADE, Carlos Drummond de. Especulação em torno da palavra homem. In: Obra completa. Rio de
Janeiro: José Aguilar, 1967.

ARANHA, Maria Lucia de Arruda; MARTINS, M. H. P. Filosofando. Introdução à Filosofia. São Paulo:
Moderna,1992.

____. Temas de Filosofia. 2. ed. São Paulo: Moderna,1998.

BOCK, Ana Mercês B. et al. Psicologias: uma introdução ao estudo de psicologias. 13. ed. São Paulo:
Saraiva, 2001.

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação. São Paulo: Brasiliense, 2001. (Coleção Primeiros
Passos.)

CORDI, Cassiano (Org.). Para filosofar. 4. ed. São Paulo: Scipione, 2000.

COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia. História e grandes temas. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2000.

FONTANA, Roseli; CRUZ, Maria Nazaré da. Psicologia e trabalho pedagógico. São Paulo: Atual, 1997.
(Formação do Educador.)
UNIUBE 47
FREIRE, Paulo. Pedagogia dos sonhos possíveis. São Paulo: Edunesp, 2001.

MARX, Karl. O capital. Crítica da economia política. Livro I – O processo de produção do capital. v. 1. 15. ed.
Trad. Reginaldo Sant’Anna. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996.

RIOS, Terezinha. Ética e competência. 4. ed. São Paulo: Cortez, 1995.

SALGADO, Sebastião. Trabalhadores: uma arqueologia da era industrial. São Paulo: Companhia das
Letras, 1997.

SATIRO, Angélica; Wuensch, E. M. Pensando melhor. Iniciação ao Filosofar. São Paulo: Saraiva, 1997.

SECRETARIA DA EDUCAÇÃO DO ESTADO DE MINAS GERAIS (SEE­‑MG). Formação superior de


professores, módulo 7, vol. 2. Belo Horizonte, 2005. (Coleção Veredas.)

VERÍSSIMO, Luiz Fernando. Irmãos. In: O analista de Bagé. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. p. 19.

Referências eletrônicas

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nov. 2009.

FILOSOFANDO. Disponível em: <http://filosofandorejane.blogspot.com/2009/06/merleau­‑ponty.html>.


Acesso em: 11 nov. 2009.

FRASES de Paulo Freire. Disponível em: <http://www.pensador.info/p/frases_de_paulo_freire/1>.


Acesso em: 11 nov. 2009.

FRASES e Citações. Disponível em: <http://www.projetospedagogicosdinamicos.kit.net/index_arquivos/


Page756.htm>. Acesso em: 11 nov. 2009.

HISTÓRIA – Pensamento e Cultura. Disponível em: http://educaterra.terra.com.br/voltaire/


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ORTHOF, Sylvia. Maria vai com as outras. Disponível em: <http://historiasparapre.blogspot.


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PAUL Gauguin (1897) De onde viemos? Quem somos? Para onde vamos? Disponivel em: <http://
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POEMA. “O açúcar”. Disponível em: www.dominiopublico.gov.br/.../DetalheObraDownload.do?...>.


Acesso em: 7 jan. 2010.

SERRA Pelada. Disponível em: <http://www.girafamania.com.br/montagem/fotografo­‑sebastiao­‑salgado.


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SKANK. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Skank>. Acesso em: 15 nov. 2009.

VAGALUME. Disponível em: <http://vagalume.uol.com.br/milton­‑nascimento/cacador­‑de­‑mim.html>.


Acesso em: 11 nov. 2009.

VAGALUME. Disponível em: <http://vagalume.uol.com.br/cazuza/ideologia­‑cifrada.html>. Acesso em: 11


nov. 2009.

WIKIPÉDIA. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org>. Acesso em: 15 out. 2009.


UNIUBE 49
Concepções e fatores
Capítulo que intervêm no
2 desenvolvimento
humano
Ana Silvia Abbade Mendes

Introdução
Neste capítulo, vamos aprofundar as principais diferenças entre o ani-
mal e o homem abordando os aspectos e os fatores que intervêm no de‑
senvolvimento humano e animal. Você irá perceber como a Psicologia
do desenvolvimento estuda como nascem e como se desenvolvem as funções
psicológicas que distinguem o homem de outras espécies.

Você conhecerá as várias concepções de desenvolvimento humano, defen-


didas pelas correntes psicológicas, a inatista, ambientalista e interacionista e
suas implicações no fenômeno educativo.

Atualmente, estudos e pesquisas apontam que o desenvolvimento humano


se dá como um processo de apropriação da experiência histórico‑social pelo
homem, mas nem sempre foi assim. Essa visão é resultado da evolução de
várias teorias. Os fatores internos (biológicos) e externos (ambiente) ao homem
não eram vistos em interação, mas de forma separada:

• primeiro, valorizava‑se somente os fatores internos – biológicos


(Teoria Inatista);

• mais tarde, passou‑se a valorizar somente os fatores externos – am‑


biente (Teoria Ambientalista);

• hoje, valoriza‑se a interação desses dois fatores (internos e externos)


no desenvolvimento humano (Teoria Interacionista).

Você irá entender, ao longo deste capítulo, como as concepções inatista, am-
bientalista e interacionista podem interferir no modo como os(as) professores(as)
acreditam que a criança constrói o conhecimento. Não se preocupe em memo‑
rizar as características de cada teoria. Ao longo da leitura, você vai perceber
as diferenças entre elas.
50 UNIUBE

Objetivos
Considerando o exposto da introdução, este capítulo tem como objetivos:

• diferenciar aspectos do desenvolvimento humano e dos outros


animais;
• identificar os fatores que intervêm no desenvolvimento do homem
e do animal;
• apresentar situações do cotidiano que contribuem para o cresci‑
mento pessoal, identificando o aspecto do desenvolvimento humano
envolvido;
• relacionar à concepção de desenvolvimento entre as diferentes
teorias.

Esquema
2.1 Desenvolvimento humano versus desenvolvimento animal

2.2 Desenvolvimento humano: perspectivas teóricas

2.3 Teorias do desenvolvimento humano

2.3.1 Teoria Inatista

2.3.2 Teoria ambientalista/comportamentalista

2.3.3 Teoria Interacionista

2.4 Conclusão

Para iniciarmos a nossa discussão, sabemos que o animal precisa comer, beber, eli‑
minar resíduos por meio de fezes ou urina, dormir e reproduzir‑se. Enfim, manter o
corpo em funcionamento, com o máximo de conforto, para garantir sua sobrevivência.
E o homem?

É sobre esse assunto que iremos dialogar nesse roteiro de estudo.

PARADA PARA REFLEXÃO

Qual será a real diferença entre os animais e os homens?

• Como o ser humano se adapta ao meio em que vive?

• Quais fatores que intervêm no desenvolvimento humano?

Registre suas suposições no TCA.


UNIUBE 51

2.1 Desenvolvimento humano versus desenvolvimento animal


Na verdade, o comportamento dos animais e suas reações frente ao ambiente são
instintivas. Mas, o que é instinto?

Segundo o dicionário Aurélio: Instinto é o comportamento determinado biologicamente


e comum a toda espécie.

EXEMPLIFICANDO!

Pense em um inseto. Uma aranha, por exemplo. Ela sabe o que comer, como fazer sua teia e
de que preparativos necessita para procriação, sem que tenha aprendido. Ela faz do mesmo
jeito em qualquer lugar onde viva. Aqui, ou na China, hoje como há 500 anos. Ela pode sofrer
mutações genéticas, e então adquirir novas características. Mas enquanto isso não ocorrer,
enquanto sua constituição biológica não mudar, o comportamento de todas as gerações será
o mesmo. Não se renova nem se perde. São comportamentos rígidos, mas que nos parecem
perfeitos devido à extrema habilidade com que são executados.

Embora fiquemos admirados com o joão‑de‑barro, que constrói sua casa, as abelhas,
que fazem suas colmeias, as aranhas, que tecem suas teias, constatamos que, em
qualquer tempo ou lugar, joões‑de‑barro, abelhas e aranhas repetem os atos dos ani‑
mais de sua espécie que os precederam, atendendo as necessidades que a natureza
impõe, de forma automática, naturalmente condicionada.

As reações dos animais ao ambiente estão muito bem programadas em seu corpo.
Por isso se diz que os animais são o seu corpo, e que estão determinados por ele.
Isso não quer dizer que nenhum tipo de animal possa aprender nada além do que está
biologicamente programado. Quem já ensinou boas maneiras a um cão sabe o quanto
ele é capaz de aprender. Mas os animais não precisam tanto da aprendizagem quanto
o homem para sobreviver. O conhecimento de que tem necessidade já nasce com eles.
Pode, às vezes, não estar pronto quando nascem, aparecendo somente a certa altura
do amadurecimento de seu corpo.

EXEMPLIFICANDO!

Os patinhos, quando nascem, não sabem nadar; somente após algumas semanas de vida
é que eles começam a exercitar essa habilidade. A pata mãe sabe quando estão prontos, e
então os leva e os ajuda no início. Ensina‑os? Como aprendem? Ela e os filhotes mais atirados
ajudam os que estão inseguros. Pois, só de ver os outros fazendo, as coisas parecem ficar
mais fáceis. Mas, mesmo quando o pato nasce e cresce isolado, chocado por uma galinha, e
longe de qualquer exemplar inspirador, ele saberá nadar tranquilamente quando ficar maior.
Sozinho! Sem lições, sem mestres, sem apoio familiar, sem apostilas ou preceptores. Esper‑
tinho, não é? Não. Isso está programado no corpo dele, como no nosso corpo as células se
comportam de acordo com sua programação biológica.
52 UNIUBE

Nosso organismo também funciona assim. O coração bombeia o sangue da mesma


maneira em todos os indivíduos da espécie humana. Nossos hormônios e nossa
pressão sanguínea são regulados sem nosso consentimento, independentemente de
nosso conhecimento, do local e da época onde nascemos e
Cultura crescemos. Mas essas determinações corporais não garantem
nossa sobrevivência. Somos os únicos animais que não sabem
Vem do latim colere, e reconhecer instintivamente o que é um alimento ou o que é
mantém os seguintes um predador. Nem do fogo fugimos se não aprendermos sobre
significados: cultivar,
cuidar, tratar, criar,
o perigo que ele pode representar para nós.
honrar e preservar.
As reações biológicas que geram e que mantêm o metabolismo
de nosso corpo não dependem de onde ou quando nascemos.
Mas, algumas de nossas reações corporais são influenciadas
pela cultura.

AGORA É A SUA VEZ

Será que um bebê abandonado à própria sorte numa floresta, logo após o nascimento, sem
nenhum contato humano seria capaz de sobreviver?

Registre a resposta em seu Trabalho de Construção da Aprendizagem – TCA.

Na história, houve alguns casos assim, em que bebês foram abandonados à sua própria
sorte e conseguiram sobreviver. Vejamos o caso das irmãs Amala e Kamala, apresen‑
tado por Davis e Oliveira (1990, p. 16):

Na Índia, onde os casos dos meninos‑lobos foram relativamente


numerosos, descobriram-se, em 1920, duas crianças, Amala e
Kamala, vivendo no meio de uma família de lobos. A primeira tinha
um ano e meio e veio a morrer um ano mais tarde. Kamala, de oito
anos de idade, viveu até 1929. Não tinham nada de humano, e o
seu comportamento era exatamente semelhante àquele dos seus
irmão lobos.

Elas caminhavam de quatro, apoiando‑se sobre os joelhos e coto‑


velos para os pequenos trajetos e sobre as mãos e os pés para os
trajetos longos e rápidos.

Eram incapazes de permanecer em pé. Só se alimentavam de carne


crua ou podre, comiam e bebiam como animais, lançando a cabeça
para frente e lambendo líquidos. Na instituição onde foram recolhidas,
passavam o dia acabrunhadas e prostadas numa sombra; eram ativas
e ruidosas durante a noite, procurando fugir e uivando como lobos.
Nunca choravam ou riam.
UNIUBE 53
Kamala viveu oito anos na instituição que a acolheu, humanizando‑
-se lentamente. Ela necessitou de seis anos para aprender a andar
e pouco antes de morrer só tinha um vocabulário de 50 palavras.
Atitudes afetivas foram aparecendo aos poucos. Ela chorou pela
primeira vez por ocasião da morte de Amala e se apegou lentamente
às pessoas que cuidaram dela e às outras com as quais conviveu.

A sua inteligência permitiu-lhe comunicar-se com outros por gestos,


inicialmente, e depois por palavras de um vocabulário rudimentar,
aprendendo a executar ordens simples.

O relato acima descreve um fato verídico e permite entender em que


medida as características humanas dependem do convívio social.
Amala e Kamala, as meninas‑lobas da Índia, por terem sido privadas
do contato com outras pessoas, não conseguiram se humanizar, não
aprenderam a se comunicar através da fala, não foram ensinadas a
usar determinados utensílios e instrumentos sociais, não desenvol-
veram processos de pensamento lógico.

Como vocês viram, o ser humano precisa aprender com outros seres humanos para
sobreviver. Sem perceber vamos aprendendo aspectos da cultura na qual fomos criados.
As pessoas mais velhas podem incentivar, e ajudar a acelerar esse processo. As crian‑
ças podem, também, aprender por elas mesmas, olhando e tentando copiar os outros,
experimentando e aprimorando as experiências, até saber fazer igual aos outros.

Aprendemos sem perceber e esquecemos que aprendemos certas coisas. Quando


prestamos atenção, parece‑nos algo natural, biológico. Entretanto, as aprendizagens
podem ter sido difíceis, verdadeiras batalhas, mas, anos depois, nos parecem compor-
tamentos instintivos, reações naturais de nossos corpos com o ambiente externo.

EXPLICANDO MELHOR

Quando reagimos a determinados odores que qualificamos como “cheiro ruim”, parece‑nos
uma reação meramente corporal e não uma questão de gosto ou cultural. Esses cheiros são
sentidos como desagradáveis ou até intoleráveis, mas não eram até aprendermos essas
regras.

Sabiam que mesmo o cheiro considerado ruim varia de cultura para cultura? Para
reconhecer isso, basta acompanhar um adulto tentando ensinar crianças em várias
situações:
54 UNIUBE

• a usar o vaso sanitário, disciplinando suas necessidades fisiológicas;

• ou então lembrar das caras feias e do alarde que se faz quando uma criança vai
engatinhando até um objeto perigoso.

Aprender as regras do que pode e do que não pode é um processo que leva meses
e meses. Mas, um tempo depois, as regras vão sendo incorporadas de tal forma que
passam a fazer parte das nossas reações, parecendo até mesmo naturais, como se
tivessem nascido conosco. Nessas situações agimos “automaticamente”, nem pen‑
samos o que fazer. Nosso corpo incorporou de tal forma esses comportamentos que
parecem instintivos.

O fato é que, comparados aos dos outros animais, nossos instintos são muito fracos.
O exemplo das meninas‑lobos nos mostra que temos que aprender para sobreviver.
Nem que seja aprender os hábitos de lobo. Mas, sem educação, sem aprendizagem,
não vivemos.

A aprendizagem é fundamental para a vida humana, por meio dela os seres humanos se
distanciaram da vida animal e passaram a se considerar seres que conseguem superar
suas limitações orgânicas; superando o orgânico, a espécie humana, de certa forma,
se libertou da natureza. Transformam a natureza e sua relação com o meio ambiente.
Para Davis e Oliveira (1994), ao transformar a natureza, os homens criam cultura,
refinam, cada vez mais, técnicas, instrumentos, saberes e transformam a si mesmos:
desenvolvem suas funções mentais (percepção, atenção, memória, raciocínio) e a sua
personalidade (sua maneira de sentir e atuar no mundo).

É importante lembrar que nossas reações biológicas são às vezes influenciadas pela
cultura, ou seja, variam no tempo e no espaço. Atitudes que chamamos de instintivas,
como “instinto materno”, “instinto de sobrevivência” e “instinto sexual” são aprendidas
e não determinadas por nosso corpo. Mesmo as reações que julgamos meramente
biológicas, como a fome e a dor, vão depender da forma como nossa cultura nos acos‑
tumou a senti-las e a tratá-las.

Como você reage nos momentos em que sente fome?

Converse com seus colegas e com seu (sua) preceptor(a) sobre isso. Troque ideias!

Você deve ter percebido, durante a discussão que a sensação de fome para alguns
causa irritação, para outros ansiedade, impaciência ou outras manifestações. Entretanto,
a sensação de fome não está unicamente relacionada à necessidade de alimentação.
Isso pode ser percebido, por exemplo, em leitos de hospital: mesmo que uma pessoa
UNIUBE 55

esteja recebendo pela veia nutrientes de que precisa, sente fome nos horários de refei-
ção. O fato de uma reação ser impulsiva ou irrefletida não quer dizer que ela possa ser
caracterizada, apenas, como instintiva. Aprendemos e desenvolvemos gostos pessoais
ou jeitos de ser, ainda que sem saber como ou por quê.

Vale ainda observar que mesmo os aspectos fisiológicos do corpo humano, como o
batimento cardíaco, o metabolismo e a reação aos estímulos nervosos, sofrem inter-
ferências dos padrões culturais. Repare como o coração bate mais forte em algumas
situações que variam de um contexto cultural para outro.

Percebeu que, apesar de pertencer ao reino animal e ter as mesmas necessidades


básicas de seus semelhantes, o homem é um animal diferente? Uma das características
que o diferenciam da maioria dos animais é a longa duração de sua infância. Enquanto
alguns animais são capazes de realizar por si mesmo grande parte das condutas de
sua espécie logo após seu nascimento, o mesmo não acontece com o ser humano. Ele
depende por mais tempo dos indivíduos adultos de seu grupo, pois enfrenta um longo
período de desenvolvimento, até que possa ser capaz de sobreviver por si.

Em geral, o bebê nasce, cresce, vive e atua em um mundo social. É na interação com
outras pessoas que as necessidades do ser humano tendem a ser satisfeitas. Essas
necessidades implicam sua própria sobrevivência física (alimentação, abrigo, proteção
do frio etc.) e sua sobrevivência psicológica (carícias, incentivos, amparo, proteção,
segurança e conhecimento). É por intermédio do contato humano que a criança adquire
a linguagem e passa, por meio dela, a se comunicar com os outros seres humanos e
a organizar seu pensamento.

Vivendo em sociedade, o homem aprende a planejar, direcionar e avaliar a sua ação. Ao


longo desse processo, ele comete alguns erros, reflete sobre eles e enfrenta a possibili-
dade de corrigi­‑los. Experimenta alegrias, tristezas, períodos de ansiedade e de calma,
busca consolo em seus semelhante, ou seja, não concebe a vida em isolamento.

É também no convívio social, por meio das atividades práticas realizadas que se criam
condições para o aparecimento da consciência, que é a capacidade de distinguir entre
as propriedades objetivas e estáveis da realidade e aquilo que é vivido subjetivamente.
Através do trabalho, os homens se organizam para alcançar determinados fins, respon-
dendo aos impasses que a natureza coloca à sobrevivência. Para tanto, usam o conhe-
cimento acumulado por gerações e criam, a partir do trabalho, outros conhecimentos.

2.2 Desenvolvimento humano: perspectivas teóricas


Antes de iniciarmos esse assunto, convidamos você a fazer uma pesquisa e registrá­‑la
em seu Trabalho de Construção da Aprendizagem – TCA.
56 UNIUBE

PESQUISANDO

Procure poesias, músicas, obras de arte que ilustrem como ocorre o processo do desenvol‑
vimento humano.

Registre, em seu TCA, as diferentes linguagens que pesquisou sobre o tema dessa seção e
relate a sua concepção de desenvolvimento humano, estabeleça uma relação entre a lingua-
gem escolhida e suas ideias, construindo um texto coerente e coeso.

Para compreender melhor como ocorre o processo de desenvolvimento humano, vamos


conversar sobre como a psicologia da educação, contribuiu para explicar esse processo
ao longo da história.

A psicologia contribuiu para analisar e investigar as modificações cognitivas e emocionais


que ocorrem nos processos que envolvem a relação do homem e dos animais com o
mundo. Por meio da psicologia do desenvolvimento, estuda como nascem e como se
desenvolvem as funções psicológicas que distinguem o homem de outras espécies.
Segundo Bock, a psicologia do desenvolvimento

[...] estuda o desenvolvimento do ser humano em todos os seus


aspectos, físico-motor, intelectual, afetivo, emocional e social, desde
o nascimento até a idade adulta, isto é, a idade em que todos estes
aspectos atingem o seu mais completo grau de maturidade e esta-
bilidade. (BOCK, 2001, p. 99)

Por intermédio da psicologia do desenvolvimento, é possível constatar que as ma‑


nifestações complexas das atividades psíquicas no adulto são frutos de uma longa
caminhada. Ainda segundo Bock:

Existem várias teorias do desenvolvimento humano em psicologia.


Elas foram construídas a partir das observações, pesquisas com
grupos de indivíduos em diferentes faixas etárias, ou em diferentes
culturas, estudos de casos clínicos, acompanhamento de indiví-
duos desde o nascimento até a idade adulta. Dentre essas teorias,
destaca‑se a do psicólogo e biólogo Jean Piaget (1896‑1980), pela
sua produção contínua de pesquisas, pelo rigor científico de sua pro‑
dução teórica e pelas implicações práticas de sua teoria, no campo
da educação. (BOCK, 2001, p. 99)

Falar do desenvolvimento humano é, sem dúvida, deparar‑se com vários conceitos com‑
plexos, tais como reflexos e esquemas de ação, hábitos, independência, dependência,
individualizações, maturação neurológica, aprendizagem, cultura, funções psíquicas
elementares e superiores, entre outros.
UNIUBE 57

Percebeu como o desenvolvimento mental é uma construção contínua, que se caracteriza


pelo aparecimento gradativo das estruturas mentais?

Então, essa construção contínua, gradativa, das estruturas mentais é organizada de


forma que vão se aperfeiçoando e solidificando até o momento em que todas elas,
estando plenamente desenvolvidas, caracterizarão um estado de equilíbrio superior
quanto aos aspectos da inteligência, vida afetiva e relações sociais.

O desenvolvimento humano refere‑se tanto ao desenvolvimento mental quanto ao


crescimento orgânico do indivíduo. E, para que a apropriação das características hu‑
manas aconteça, é preciso que ocorra atividade por parte do sujeito através de ações,
operações motoras e mentais, tais como: empilhar, puxar, comparar, ordenar.

Algumas dessas estruturas permanecem ao longo de toda vida, pois a formação dessas
habilidades se dá ao longo da interação do indivíduo com o mundo social. Por exemplo, a
motivação está sempre presente como desencadeadora da ação, seja por necessidades
fisiológicas, seja por necessidades afetivas ou intelectuais. Essas estruturas mentais
que permanecem e garantem a continuidade do desenvolvimento.

Para Bock,

Estudar o desenvolvimento humano significa conhecer as caracte-


rísticas comuns de uma faixa etária, permitindo-nos reconhecer as
individualidades, o que nos torna mais aptos para a observação e
interpretação de comportamentos. (BOCK, 2001, p. 100)

Nesse sentido, o conceito de desenvolvimento humano está relacionado a diferentes e


até mesmo contraditórias formas de compreender, lidar e se relacionar com a criança. A
criança não é um adulto em miniatura, ao contrário, apresenta características próprias
de sua idade. Compreender as diferentes concepções que
existem sobre o desenvolvimento humano é pensá‑las como Concepções
diferentes tipos de lentes e espelhos que modificam a forma
do modelo que está diante dele (e que engordam, emagrecem Diferentes conceitos,
ou distorcem a forma). Cada uma dessas lentes propicia um ideias sobre o
desenvolvimento
modo de olhar específico a um mesmo tema, sendo que essas humano.
lentes, de certa forma nos permite perceber que, imersos em
uma sociedade, cada um de nós carrega diferentes lentes, com
variadas visões e valores ligados às crianças, à infância e ao
desenvolvimento.
58 UNIUBE

Estudar o desenvolvimento humano significa descobrir que ele é determinado pela


interação de vários fatores.

PARADA PARA REFLEXÃO

Faça uma observação rápida em sua vida.

• Que mudanças físicas e psíquicas ocorreram?

• Que fatores contribuíram para que essas mudanças ocorressem?

• A educação que teve na escola, na família, contribuiu para que chegasse ao que é hoje?
Em que medida?

• Como se chega a ser o que a gente é?

• A criança nasce ou se torna inteligente?

• Existe interação entre os fatores genéticos e culturais no desenvolvimento humano?

• Procure lembrar‑se de três mudanças significativas que ocorreram com você, na sua in‑
fância, na adolescência, na vida adulta. Quais seriam os fatores que para você explicam
essas mudanças?

AGORA É A SUA VEZ

Registre as respostas em seu Trabalho de Construção da Aprendizagem – TCA.

Não se esqueça, você está continuando o texto que iniciou anteriormente; sempre faça um
elo com o parágrafo anterior, para continuar os seus registros.

De acordo com o que você observou em sua vida e registrou em seu TCA, percebeu
como que o contato com nossos amigos, filhos, pais e pessoas, em geral, nos faz
constatar que as pessoas mudam durante seu ciclo vital. Nos primeiros anos de vida,
essa mudança é ainda mais visível. Rapidamente as crianças começam a andar, falar,
organizar‑se no mundo, discutir ideias, propor soluções para os problemas práticos.
Com o passar do tempo, essas crianças se tornam adolescentes e transformam seus
corpos e sua forma de pensar. Essas observações podem nos parecer banais até
certo ponto. No entanto, quando nos perguntamos “por que” e “como” essas mudanças
ocorrem, as respostas não parecem tão simples assim. Estudos e pesquisas de Piaget
demonstraram que existem formas de perceber, compreender e se comportar diante
UNIUBE 59

do mundo, próprias de cada faixa etária, isto é, existe uma assimilação progressiva
do meio ambiente, que implica uma acomodação das estruturas mentais a esse novo
dado do mundo exterior.

Sendo assim, desenvolvemos o nosso corpo em permanente interação com a nossa


evolução psíquica e emocional.

A discussão sobre a evolução psíquica do ser humano é alvo de um debate que teve
início no final do século XIX e continua até os dias de hoje. Diferentes autores, teorias
e modelos explicativos foram colocando posições de todo tipo, na tentativa de formular
uma explicação convincente, especialmente para a relação entre o desenvolvimento
e as diversas aprendizagens humanas. Dentre elas, algumas posições tornaram­‑se
clássicas e dizem que vários fatores indissociados e em permanente interação afetam
todos os aspectos do desenvolvimento humano.

Segundo Bock, são eles:

Hereditariedade: o desenvolvimento seria um processo relativamente


independente e dissociado das diversas aprendizagens e, portanto,
das práticas educativas. Como consequência do desenvolvimento
biológico, seguiria um percurso de mudanças mais ou menos estável
e, até certo ponto, pré­‑programado. A carga genética estabelece o
potencial do indivíduo, que pode ou não desenvolver‑se. Existem
pesquisas que comprovam os aspectos genéticos da inteligência. No
entanto, a inteligência pode desenvolver­‑se aquém ou além do seu
potencial, dependendo das condições do meio que encontra.

Crescimento orgânico: refere­‑se ao aspecto físico. O aumento de


altura e a estabilização do esqueleto permitem ao indivíduo compor-
tamentos e um domínio do mundo que antes não existiam. Exemplo:
pense numa criança quando começa a engatinhar e depois a andar,
em relação a quando esta criança estava no berço com alguns dias
de vida.

Maturação neurofisiológica: é o que torna possível determinado


padrão de comportamento. A alfabetização das crianças, por exem-
plo, depende dessa maturação. Para segurar o lápis e manejá­‑lo
como o adulto, é necessário um desenvolvimento neurológico que a
criança de 2 e 3 anos ainda não tem.

Meio: o conjunto das influências e estimulações ambientes alteram


os padrões de comportamento do indivíduo. O desenvolvimento e
a aprendizagem seriam processos coincidentes. A ênfase é dada à
aprendizagem. O ambiente e a experiência são determinantes do
comportamento. O desenvolvimento nada mais é do que o resultado
das aprendizagens acumuladas durante a vida. Dessa forma, os dois
processos não se distinguem.
60 UNIUBE

Meio versus hereditariedade: o desenvolvimento e aprendizagem


são dois processos que se inter‑relacionam. O desenvolvimento
é visto como um processo mediado, ou seja, as mudanças que
ocorrem ao longo da vida estão marcadas pela interação que as
pessoas estabelecem com seu meio cultural e social. Considera‑se o
desenvolvimento biológico como um dos fatores do desenvolvimento
psicológico, na medida em que este se relaciona com o meio socio‑
cultural. Dito de outra maneira, o “programa biológico” das pessoas
pode concretizar‑se, porém, está submetido ao “filtro” social e cultural.
(BOCK, 2001, p. 100)

O desenvolvimento humano deve ser entendido como uma globalidade, mas, para efeito
de estudo, tem sido abordado em quatro aspectos básicos, destacam Davis e Oliveira:

Aspecto físico-motor: refere‑se ao crescimento orgânico, à matu‑


ração neurofisiológica, à capacidade de manipulação de objetos e
de exercício do próprio corpo. Exemplo: A criança leva a chupeta à
boca ou consegue tomar a mamadeira sozinha por volta dos sete
meses porque já coordena os movimentos das mãos.

Aspecto intelectual: é a capacidade de pensamento e raciocínio.


Por exemplo, a criança de 2 anos que usa um cabo de vassoura para
puxar um brinquedo que está embaixo de um móvel ou o jovem que
planeja seus gastos a partir de uma mesada ou salário.

Aspecto afetivo-emocional: é o modo particular do indivíduo integrar


as suas experiências de vida. É o sentir. A sexualidade faz parte desse
aspecto. Exemplo: a vergonha que sentimos em algumas situações,
o medo em outras, a alegria de rever um amigo querido.

Aspecto social: é a maneira como o indivíduo reage diante das


situações que envolvem outras pessoas. Por exemplo, em um grupo
de crianças, no parque, é possível observar algumas que esponta‑
neamente buscam outras para brincar e algumas que permanecem
sozinhas. (DAVIS; OLIVEIRA, 1994, p. 134)

Não é possível encontrar um exemplo “puro”, porque todos esses aspectos relacionam‑
-se permanentemente.

EXEMPLIFICANDO!

Quando uma criança tem dificuldade de aprendizagem, repete o ano, vai se tornando cada
vez mais tímida ou agressiva, tem poucos amigos e, um dia, descobre-se que as dificulda-
des tinham origem em uma deficiência auditiva. Quando isso é corrigido, todo quadro
reverte-se. A história pode, também, não ter um final feliz se os danos forem graves.
UNIUBE 61

AGORA É A SUA VEZ

Registre um exemplo envolvendo os aspectos básicos do desenvolvimento humano.

Registre a resposta em seu Trabalho de Construção da Aprendizagem – TCA.

SAIBA MAIS

Todas as teorias do desenvolvimento humano partem do pressuposto de que esses quatro


aspectos são indissociados, mas elas podem enfatizar aspectos diferentes, isto é, estudar o
desenvolvimento global a partir da ênfase em um dos aspectos.

A psicanálise, por exemplo, estuda o desenvolvimento a partir do aspecto afetivo-emocional,


isto é, do desenvolvimento da sexualidade.

Jean Piaget enfatiza o desenvolvimento intelectual.

Para Wallon (1934), o ser humano é biologicamente social, para ele, a constituição de todo com‑
portamento é função do meio no qual o indivíduo se insere, incluindo, portanto, a cultura.

Sendo o desenvolvimento humano um processo de natureza biológica e cultural, torna‑se


necessário entender melhor a dinâmica do desenvolvimento biológico com a experiência
cultural.

• Você percebe como no processo de desenvolvimento, cada ser humano realiza sua indi‑
vidualidade?

• Constitui‑se como um ser de cultura?

• Efetua suas aprendizagens?

• Situa‑se como membro de um grupo determinado?

Então, essas características são marcantes em nossa espécie, e, de fato a comunicação é


o principal.
62 UNIUBE

Cada um se constitui como indivíduo por meio da relação com o outro, é na relação com
o outro que cada ser efetiva as possibilidades de desenvolvimento da espécie. Do ponto
de vista histórico, é a possibilidade de comunicação que permite a socialização dos
conhecimentos acumulados e a utilização dos instrumentos culturais construídos.

A comunicação humana é a base para a socialização das nossas emoções e na forma‑


ção dos novos indivíduos da espécie e esse processo de comunicação são estruturados
pela cultura. É a cultura que fornece aos indivíduos as formas coletivas de comporta‑
mento. A postura corporal, os gestos, as manifestações das emoções, os movimentos
são resultantes da dialética entre corpo e cultura, ou seja, entre organismo e meio.

Pergunto a você: como cada um de nós chegou a ser o que é hoje?

AGORA É A SUA VEZ

Registre a resposta em seu Trabalho de Construção da Aprendizagem – TCA e depois


continue seu texto.

Responder a esta pergunta é um desafio e implica em apontar as diferentes teorias


psicológicas contemporâneas do desenvolvimento e aprendizagem que foram produ‑
zidas ao longo da história da psicologia, elas estão fundadas em sistemas filosóficos
diferentes e definem os processos de desenvolvimento e aprendizagem, bem como a
relação entre esses processos de modos diferentes.

2.3 Teorias do desenvolvimento humano


Para alguns teóricos, empiristas, o desenvolvimento e a aprendizagem são processos
idênticos que resultam da ação do meio sobre o individuo. Para outros teóricos, racio‑
nalistas, o desenvolvimento é resultante do amadurecimento progressivo de estruturas
pré‑formadas no indivíduo, enquanto a aprendizagem é um processo externo, indepen‑
dente do desenvolvimento. A aprendizagem humana, segundo essa visão, se vale dos
avanços do desenvolvimento para que possa ocorrer.

Uma terceira teoria sobre a relação entre aprendizagem e desenvolvimento considera


esses dois processos complementares, que embora inerentemente diferentes, cada
um exerce influência sobre o outro. Tais processos são resultantes de estruturações
e reestruturações progressivas mediante a ação do sujeito sobre os objetos e destes
sobre o sujeito.
UNIUBE 63

É importante ressaltar que essas teorias, como em qualquer estudo científico, depen‑
dem da visão de mundo existente em uma determinada situação histórica e evoluem
conforme se mostram capazes ou incapazes de explicar a realidade.

Nesta seção, trataremos desses processos de modo a conceituá-los e a explicitar o


tipo de interação provável entre eles. O desenvolvimento humano é um conjunto de
competências manifestadas em um determinado momento da vida do indivíduo e esse
desenvolvimento se constitui sempre em um processo dinâmico.

O processo de desenvolvimento humano tem merecido a atenção dos estudiosos de


praticamente todas as épocas da humanidade. Um dos registros mais antigos em
relação ao desenvolvimento é atribuído a Aristóteles; esse filósofo acreditava que os
fatores inatos determinavam grandemente o comportamento das pessoas. Os filósofos,
teólogos, Darwin, a embriologia, a genética e a teologia também contribuíram com a
origem da teoria Inatista.

2.3.1 Teoria inatista

EXEMPLIFICANDO!

Você já ouviu algumas destas frases:

“Esse menino não aprende, é que nem o pai.”

“Pau que nasce torto, morre torto.”

“Filho de peixe, peixinho é.”

Podemos tomar essas falas como ponto de partida e exemplos para entender a corrente
teórica conhecida como inatista.

IMPORTANTE!

O inatismo considera importante somente os fatores genéticos e biológicos, ou seja, aquilo


que é hereditário, inato. Por isso, o nome inatismo, características e dons que a criança traz
quando nasce.

Para os inatistas, o desenvolvimento seria como o desenrolar de um novelo, no qual


estão inscritas as características genéticas do indivíduo. Esse novelo seria adquirido
hereditariamente, ou seja, as características não só físicas, mas também as psicológicas
64 UNIUBE

de cada pessoa passariam “de pai para filho” e, nesse caso, irmãos teriam comporta‑
mentos semelhantes porque tem a mesma genética. Assim, as qualidades e capacida‑
des básicas de cada ser humano já estariam definidas por ocasião do nascimento e as
várias fases do desenvolvimento estariam predeterminadas.

Segundo os inatistas, cada ser humano já traz consigo características básicas, definidas
desde o nascimento, só precisando que essas características sejam desenvolvidas ao
longo do tempo, com a maturação. Assim, para o Inatismo, o ambiente em que a criança
vive não interfere naquilo que ela vai aprender, pois suas características inatas vão se
desenvolver naturalmente em várias etapas predeterminadas.

EXEMPLIFICANDO!

Um(a) professor(a) propõe a um grupo de 10 crianças, menores de 6 anos,


que batam palmas acompanhando o ritmo de determinada música. So‑
mente três crianças do grupo conseguem acompanhar o ritmo da música.
O bom desempenho destas crianças, na visão inatista, seria visto como um
dom herdado, por exemplo, dos pais músicos. E as outras crianças que
não acompanharam tão bem o ritmo da música podem ser vistas como
incapazes de aprender um ritmo porque não herdaram dos pais esse dom.
(LOPES, MENDES e FARIAS, 2005, p. 18)

Sabemos que, na prática, não é bem assim que acontece. Embora as crianças pos‑
sam aprender de formas diferentes, todas são capazes de aprender. Essa forma
de pensar dos inatistas trouxe muitas consequências para a prática escolar. Vamos
ver por quê?

Se concordarmos com essa teoria, a escola não tem muito que fazer, já que o apren‑
dizado da criança vai depender dos traços de comportamento que ela traz quando
nasce. No exemplo anterior, como você pode perceber, se o(a) professor(a) acreditar
que somente as crianças que nasceram com o dom da música podem aprender ritmo,
ele(a) não terá muito o que fazer em relação às outras crianças, não é verdade?

Assim, as características individuais da criança, como agressividade, sensibilidade, falta


de interesse ou dificuldade de aprender, por exemplo, são vistas como traços inatos
(de nascimento) que, portanto, dificilmente poderão ser modificados pela educação
escolar.

Vejamos outro exemplo, uma fala, que também ajudará a entender a teoria inatista e
que você pode ter ouvido ao longo de sua vida.
UNIUBE 65

EXEMPLIFICANDO!

“Pedrinho é carinhoso e sensível. Isso ele herdou da mãe. Mas herdou do pai teimosia e o
temperamento difícil. Não é possível mudar sua sina.”

AGORA É A SUA VEZ

Explique qual a relação dessa afirmativa com a teoria Inatista.

Registre a resposta em seu Trabalho de Construção da Aprendizagem – TCA.

Penso que você percebeu que nessa fala há uma excessiva valorização da
hereditariedade. Com base nessa ideia muitos(as) professores(as) acreditavam que
não havia muito o que fazer com a criança se ela era inteligente, era porque nasceu
em uma boa família. Se não correspondesse às expectativas do(a) professor(a), era
justificado pela frase: “também, com a família que tem!”.

Para os inatistas, a criança aprende de acordo com os seus dons. Se a criança não
aprende é porque não herdou o dom dos pais. Isso determina que ela nunca vai apren‑
der, porque já nasceu sem essa predisposição.

A concepção inatista contribuiu mais para rotular as crianças como incapazes do que
para entender o que realmente dificultava a aprendizagem.

A concepção inatista do desenvolvimento parte do pressuposto de que os eventos


que ocorrem após o nascimento não são essenciais e/ou importantes para o desen‑
volvimento, dado que o indivíduo já nasce com padrões inatos de comportamento.
O aparecimento de cada nova capacidade depende basicamente de um processo
de maturação do sistema nervoso. Por isso, as crianças tendem a engatinhar, andar
e falar mais ou menos na mesma idade. Bastam condições ambientais minimamente
razoáveis para que esse desenvolvimento ocorra, o que reduz o papel do ambiente e,
portanto, da educação.

EXEMPLIFICANDO!

Essa visão pode ser adequada para descrever o desenvolvimento das espécies animais mais
primitivas.

As tartarugas fêmeas botam os ovos, enterram-nos na areia e os abandonam. Terminado o


período de maturação, as tartaruguinhas rompem as cascas do ovo e, por instinto, se encami-
nham para a água, seguindo um padrão de comportamento predeterminado para a espécie.
66 UNIUBE

Elas já nascem “sabendo” como agir nas situações, um saber consolidado pela espécie no
decorrer de sua evolução e, por isso, não precisam do apoio e ensino do membro adulto da
mesma espécie.

A ideia inatista é ainda forte em nossa cultura e serviu de base para a formulação de
algumas teorias pedagógicas, influenciando muitas práticas educativas, em especial
as que ocorrem com crianças da Educação Infantil e Ensino Fundamental. Lembram
quando foram criados os “Jardins da Infância” nas escolas? Então, a ideia era que esse
fosse um lugar onde as crianças, pequenas sementes, seriam cuidadas pelos adultos,
jardineiros responsáveis por fazer brotar as características individuais delas.

A ênfase na hereditariedade fez com que muitos educadores pensassem que, diante
de cada criança, não há muito que fazer. Se ela é inteligente, é porque vem de uma
boa família; se não é, tal aspecto se justifica com a afirmação “também com a família
que tem!”. O perigo que daí decorre é o professor/educador “cruzar os braços”, achar
que “não tem nada a ver com isso!”.

Na concepção inatista, o homem “já nasce pronto”, pode‑se apenas aprimorar um pouco
aquilo que ele é, ou inevitavelmente virá a ser. O ditado popular “pau que nasce torto,
morre torto” expressa bem a concepção inatista, que ainda hoje aparece na escola,
camuflada sob o disfarce das aptidões, da prontidão e do coeficiente de inteligência.
Tal concepção gera preconceitos prejudiciais ao trabalho em sala de aula.

A concepção inatista existiu sem muitos questionamentos, até aproximadamente o sé‑


culo XVII. Gradativamente, foi desenvolvendo‑se outra teoria inspirada no judaísmo e no
cristianismo que procurou enfatizar a igualdade entre os homens ao nascer, atribuindo
as diferenças observadas entre as pessoas a fatores ambientais e socioeducacionais.
John Locke (1632‑1704), filósofo empirista e outros teóricos enfatizaram a relevância
absoluta da estimulação ambiental e social para o desenvolvimento humano.

O que está sendo abordado, até o momento, acerca das relações existentes entre os
fatores biológicos herdados, e os sociais permite enfatizar que:

[...] não existem, no indivíduo, propriedades biologicamente herdadas


que determinam, por si sós, o seu comportamento ou suas aptidões
psíquicas. Isto porque nenhum traço de conduta existe inscrito a priori
no cérebro. O que existe é uma aptidão da espécie para formação de
várias aptidões resultantes da relação indivíduo‑meio. (MOREIRA,
2001, p. 27)
UNIUBE 67

CURIOSIDADE

Maturação e aprendizagem: são processos do desenvolvimento humano que atuam em


reciprocidade da mesma maneira que a hereditariedade e o meio ambiente.

[...] se refere à maturação como padrões de diferenciação resultando


em mudanças ordenadas e sequenciais e, algumas vezes, previsíveis
do comportamento humano. A aprendizagem se refere ao conjunto
de apropriação do indivíduo resultante de suas relações como meio
ambiente. (MOREIRA, 2001, p. 33)

Não existe, entretanto, acordo entre os estudiosos do comportamento humano no que


se refere às relações entre maturação e aprendizagem. De modo geral, podemos or‑
ganizar as posições dos estudiosos em duas categorias:

• 1ª Maturação como alicerce indispensável e pré‑requisito para a


aprendizagem. A maturação, nesta perspectiva, seria determinada
pelo código genético.

• 2ª Maturação preparando e tornando possível a aprendizagem, que


por sua vez estimula e empurra para frente o processo maturacional.
A maturação nesta perspectiva seria também influenciada pelos
fatores ambientais. (MOREIRA, 2001, p. 33)

AGORA É A SUA VEZ

Vamos ver se você entendeu o que falamos até aqui?

Registre em seu Trabalho de Construção da Aprendizagem – TCA o que você compreendeu


sobre a teoria inatista.

Destacamos algumas frases e exemplos para ilustrar a teoria inatista: “Filho de peixe, peixi‑
nho é”.

Você, em seu cotidiano, encontra alguma situação ou, até mesmo, outras frases que nos
remetam a essa teoria? Você pode descrevê‑las em seu TCA.

2.3.2 Teoria ambientalista/comportamentalista

Ao contrário do inatismo-maturacionismo, a teoria comportamentalista ou ambientalista


que vamos estudar agora, destaca a importância da influência dos fatores externos do
ambiente e da experiência sobre o comportamento da criança.
68 UNIUBE

EXEMPLIFICANDO!

Leia a frase, a seguir:

“É de pequenino que se torce o pepino.”

AGORA É A SUA VEZ

Por que será que essa frase foi usada para exemplificar a teoria ambientalista?

Registre suas ideias no seu TCA.

A teoria ambientalista valoriza o ambiente no aprendizado humano. Ou seja, a criança


desenvolve suas características em função das condições do meio em que vive. Essa
visão considera as estimulações que o meio proporciona como fonte de aprendizado.

Para os ambientalistas, o mais importante são os fatores exógenos, ou seja, aquilo que
está fora do indivíduo. Para eles, a criança nasce sem as suas características psicológi‑
cas, seria como uma massa de argila a ser modelada, estimulada e corrigida pelo meio
em que vive. O desenvolvimento infantil seria um produto determinado basicamente
pelo ambiente que os membros de uma cultura tem.

Essa visão ambientalista tem o mérito de chamar nossa atenção para a plasticidade
do ser humano, que pode adaptar‑se a diferentes condições de existência, aprendendo
novos comportamentos, desde que existam condições favoráveis. Todavia, tal visão
termina por colocar os seres humanos como criaturas passivas frente ao ambiente.
Particularmente no caso da criança pequena, o adulto é visto como principal agente
e promotor do desenvolvimento infantil, o qual ensina e dá à criança tudo aquilo que
ela não tem, moldando seu comportamento, seu caráter e seus conhecimentos. Sem
a estimulação e ensino de um adulto, a criança não se desenvolveria.

AGORA É A SUA VEZ

E a escola? Qual era o papel da escola nessa teoria? E a função do professor? Registre suas
ideias no TCA.

O papel da escola seria o de estimular a criança com novas aprendizagens. Para os


ambientalistas, a criança não sabe, ela é uma folha em branco. O saber está com o(a)
UNIUBE 69

professor(a) e, portanto, ele(a) precisa transmitir o conhecimento para a criança, que


o recebe de forma passiva.

Dentro da concepção ambientalista, a educação é centrada no(a) professor(a) que,


como adulto, é visto como o(a) dono(a) da verdade, devendo ensinar e estimular as
crianças.

A teoria ambientalista acredita que a criança aprende em etapas determinadas pelo(a)


professor(a) e através de treinamento. Dessa forma, a prática pedagógica estaria voltada
para aquisição de determinados conhecimentos e valores pré‑estabelecidos. O papel
do(a) professor(a) seria estimular a criança a responder aquilo que ele está pedindo,
sem questionamento. Por meio de testes, é avaliado se a criança absorveu a informação
corretamente. Essa teoria acredita que o meio é responsável pela formação do sujeito,
sendo o adulto quem vai controlar tudo o que a criança deve aprender.

RELEMBRANDO

Voltando aos nossos exemplos, podemos dizer que a frase “a criança é uma folha em branco”
supõe que a criança, ao nascer, não traz nenhuma característica inata: cabe ao meio dar‑lhe
conhecimento. Assim também, “é de pequenino que se torce o pepino” quer dizer que é de
pequena que a criança deve ser educada e corrigida pelo adulto.

Muitas vezes os professores que atuam diretamente com as crianças recebem respostas
inesperadas quando propõem algumas atividades, são surpreendidos com determinados
comportamentos que elas manifestam, mostrando que são capazes de compreender,
raciocinar, contestar, deduzir, fantasiar, ter desejos, imaginar etc. A teoria ambientalista
não leva em conta essas características das crianças.

A teoria ambientalista não foi suficiente para explicar o desenvolvimento humano por-
que, ao considerar a criança como passiva, podendo ser controlada ou manipulada
pela situação, desconsiderava suas diferentes capacidades.

CURIOSIDADE

A teoria ambientalista também pode ser chamada de comportamentalista, behaviorista ou


empirista.

Comportamentalista porque valoriza o comportamento da criança.

Empirista porque valoriza a empiria (experiência) que a criança tem com o meio em que
vive.
70 UNIUBE

AGORA É A SUA VEZ

Ao descrever o seu trabalho na Educação Infantil, uma professora diz:

“As crianças são como uma tela em branco. Nós, professores(as), temos as tintas e os pincéis,
e depende de nós o quadro que será pintado nessa tela”.

Que relações podemos fazer entre este exemplo e a Teoria Ambientalista? Registre a res‑
posta em seu Trabalho de Construção da Aprendizagem – TCA fundamentando com o que
estudou.

A partir daí, estabeleceu‑se uma rica controvérsia quanto à causa do comportamento


humano e das diferenças individuais:

• de um lado, os adeptos dos determinantes inatos no comportamento humano;

• no outro extremo, aqueles que defendiam os fatores ambientais e socioeducacionais


como definidores de conduta.

2.3.3 Teoria interacionista

Superando o extremismo entre os inatistas e os ambientalistas, encontramos alguns


teóricos que explicam o desenvolvimento humano por meio da interação sujeito‑objeto,
o que envolve processos hereditários, genéticos maturacionais, bioquímicos, processos
de estimulação ambiental e aprendizagem, para eles tanto os fatores internos, ligados à
maturação dos indivíduos, quanto os fatores externos, originados no ambiente, seriam
responsáveis pelo desenvolvimento e aprendizagem dos seres humanos. Essa corrente
teórica é chamada de interacionista.

PESQUISANDO

O que essa teoria propõe?

De acordo com o que leu, essa teoria contribuiu para explicar o processo de desenvolvimento
humano? Explique. Registre suas respostas em seu TCA.

A concepção interacionista defende a ideia de que o desenvolvimento se constrói na e


pela interação da criança com outras pessoas de seu meio ambiente. As experiências
anteriores vividas servem de base para novas construções, as quais dependem da
relação que o indivíduo estabelece com o ambiente em uma situação determinada.
UNIUBE 71

É por meio da interação com outras pessoas, adultos e crianças que, desde o nasci-
mento, o bebê vai construindo suas características: modos de agir, de pensar, sentir e
sua visão de mundo, seu conhecimento. Assim sendo, a ideia de interação, ou seja, de
ação partilhada envolvendo ações de, no mínimo, duas pessoas, é destacada. Sendo
uma ação partilhada, a interação é influenciada por características de ambos os parcei-
ros. A contribuição da criança dependerá de seu nível de desenvolvimento, o qual por
sua vez, irá influenciar na resposta da mãe ou daquele que dela cuida. Nessa visão, o
adulto assume importante papel de mediador na relação da criança com o meio.

Essa teoria coloca o sujeito aprendiz no centro dos processos de desenvolvimento e


aprendizagem, cuja construção é permanente e ocorre por via das interações que as
pessoas estabelecem com seu meio físico e cultural.

Para os pesquisadores que adotam essa perspectiva, o desenvolvimento não é apren-


dizagem. Esses dois processos não se confundem, como na visão dos comportamenta-
listas, tampouco há um predomínio absoluto do desenvolvimento sobre a aprendizagem,
como na perspectiva inatista­‑maturacionista. Para os da psicogênese, há uma relação
dinâmica entre o desenvolvimento e a aprendizagem, e não se admite a preponderância
de um dos processos sobre o outro.

Dentro dessa perspectiva, a escola articula­‑se com a vida cotidiana. Considera­‑se que
as crianças e os adolescentes já têm conhecimentos prévios, ou seja, conhecimentos
construídos em seu dia a dia, e que esses conhecimentos têm de ser levados em conta
na sala de aula. Torna­‑se, portanto, importante que o professor escute o aluno, deixe
que ele coloque sua forma de ver e pensar a vida, e estimule sua criatividade, sua ação
e suas formas de expressão.

Assim, o desenvolvimento humano vai se dar nessa rede de relações, nesse jogo de
interações, em que diferentes papéis complementares são assumidos e atribuídos
pelos participantes.

2.4 Conclusão
O processo de aprendizagem, capaz de nos fazer crescer, deve ser interativo, dinâ-
mico e desafiador, para que possamos nos desenvolver enquanto sujeitos inteligentes,
capazes de pensar com rigor.

O tempo de cada ser humano, nesse processo, é relativo. Enquanto educadores neces-
sitamos estar atentos ao fato de que nossos alunos vivem momentos específicos, alguns
com mais intensidade vivem a sua adolescência, outros a sua infância, a questão não
é passar de fase unicamente, mas perceber os significados destas experiências para
cada um e desta forma repensar a ação pedagógica para educar melhor. Buscando
promover atividades e reflexões que contribuam para aprofundar o nível de abstração
dos nossos alunos, favorecendo a construção de conceitos científicos.
72 UNIUBE

O desenvolvimento humano não opera, portanto, por simples automatismo biológico. O


meio externo, é essencial, pois o corpo humano não se organiza somente de funções
musculares, mas inclusive por várias marcas simbólicas que interagem intensivamente
nesse processo.

O “outro” atua de forma fantástica no desenvolvimento, pois é através do outro que


me percebo, amplio visões, relativizo o meu pensamento, e, consequentemente, as
minhas ações.

Falar do desenvolvimento humano, também nos faz pensar enquanto educadores que
lidam com crianças, no papel importante que exerce a brincadeira. As crianças pequenas
experimentam desejos impossíveis de serem realizados imediatamente e para resol-
verem essa situação, envolvem­‑se em um mundo imaginário, onde seus desejos são
realizáveis, via brinquedo. Portanto, ao brincar, as crianças desenvolvem a imaginação
e constroem relações reais de organização e convivência.

Nosso papel nesse processo não é simples, precisamos observar, registrar e rever como
encaminhar, para que a aprendizagem seja significativa e promova crescimento.

Resumo
Nascemos biologicamente em condições de aprender, porque nascemos com um
arcabouço biológico que nos possibilita isso. No entanto, somente midiatizados pela
linguagem, expressão de culturas, é que efetivamente nos desenvolvemos enquanto
sujeitos que aprendem, elaborando conceitos.

Inatismo: valoriza somente os fatores genéticos e hereditários.

Ambientalismo: valoriza somente o ambiente e não leva em conta o raciocínio, os de-


sejos e a imaginação.

Interacionismo: diferente do inatismo e do ambientalismo valoriza a interação do homem


com o meio ambiente.

A criança é um ser social: porque, ao nascer, já se encontra inserida numa classe social,
em um grupo cultural, em uma comunidade linguística, e isto será determinante no seu
processo de desenvolvimento e na constituição de suas peculiaridades psíquicas e de
comportamento.

Leitura sugerida
FONTANA, Roseli; CRUZ, Nazaré. A abordagem piagetiana. In: Psicologia e trabalho pe-
dagógico. São Paulo: Atual, 1997.
UNIUBE 73

Atividades

Atividade 1
De acordo com o que você leu nesse roteiro de estudo, coloque V nas afirmativas
verdadeiras e F nas afirmativas falsas.

A­ ‑ ( ) Diferentemente dos animais, que não precisam tanto de aprendizagem, porque


seus instintos ditam o que devem fazer, a formação cultural é vital para o ser humano
se desenvolver.

B ­‑ ( ) Os animais são o seu corpo e estão determinados por ele. Significa que nenhum
tipo de animal possa aprender nada além do que está biologicamente programado.

C ­‑ ( ) O fato de uma reação ser impulsiva ou irrefletida, não quer dizer que ela possa
ser caracterizada como instintiva.

D­ ‑ ( ) Vivendo em sociedade, o homem aprende a planejar, direcionar e avaliar a sua


ação. Não concebe a vida em isolamento.

E­ ‑ ( ) Somos os únicos animais que não sabem reconhecer instintivamente o que é


um alimento ou o que é um predador.

Atividade 2
Escreva quais são os aspectos do desenvolvimento humano, citados no capítulo e
exemplifique duas características desenvolvidas em cada aspecto.

Referências
BOCK, Ana Mercês B. et al. A psicologia do desenvolvimento: o desenvolvimento humano. In:
Psicologias: uma introdução ao estudo de psicologia. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.

DAVIS, Cláudia; OLIVEIRA, Zilma de. Psicologia na educação. São Paulo: Cortez, 1994.

____. Psicologia da educação. São Paulo: Cortez, 1990.

LOPES, Karina Rizek; MENDES, Roseana Pereira; FARIA, Vitória Líbia Barreto de. Livro de estudo:
Módulo II. Brasília: MEC. Secretaria de Educação Básica. Secretaria de Educação a Distância, 2005.

MOREIRA, Mércia; COUTINHO, Maria Tereza da Cunha. Um estudo dos processos psicológicos de
desenvolvimento e aprendizagem humanos, voltados para a educação: ênfase nas abordagens
interacionistas do psiquismo humano. Psicologia da educação. Belo Horizonte: Editora Lê, 2001.

OLIVEIRA, Zilma Moraes; MELLO, Ana Maria; VITÓRIA et al. Creches: crianças, faz de conta & Cia.
Petrópolis: Vozes, 2001.
74 UNIUBE

PIAGET, Jean. Seis estudos de psicologia. Trad. Maria Alice Magalhães D’Amorim e Paulo Sergio
Lima Silva. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995.

____. A formação do símbolo na criança: imitação, jogo e sonho, imagem e representação. Rio de
janeiro: Zahar, 1975.

Referências eletrônicas

LETRAS.MUS.BR. Disponível em: <http://letras.terra.com.br>. Acesso em: 27 nov. 2009.


UNIUBE 75

Desenvolvimento
Capítulo
humano: reflexões
3
sobre a hereditariedade
e as influências do
meio ambiente
Judith Mara de Souza Almeida

Introdução
Neste capítulo, estudaremos sobre os quatro períodos evolutivos do ser hu‑
mano e as mudanças que ocorrem com as pessoas durante o seu ciclo de
vida.

Buscaremos compreender, neste estudo, as influências da hereditariedade e


do meio ambiente no desenvolvimento humano.

Discutiremos sobre os fatores que interferem no desenvolvimento humano:


hereditariedade e o meio ambiente, e depois de discuti‑los, vamos também
caracterizar os quatro grandes períodos do nosso ciclo de vida (infância,
adolescência, idade adulta e velhice).

Ao ler sobre os períodos evolutivos, você poderá relacionar as características


desses períodos aos aspectos que potencializam ou limitam os processos de
adaptação e mudança do desenvolvimento humano.

Finalizamos o estudo com uma discussão sobre as pessoas que apresentam


necessidades especiais, pois a partir do que ficou estabelecido para o de‑
senvolvimento e a inteligência em determinada faixa etária, podemos buscar
explicações para atrasos no desenvolvimento e suas relações com alguma
deficiência.
76 UNIUBE

Objetivos
Considerando o exposto da introdução, este capítulo tem como objetivos:
• diferenciar os quatro grandes períodos evolutivos do ser humano
(infância, adolescência, idade adulta e velhice);
• relacionar esses quatro períodos evolutivos com o fator das condições
estáveis como aspecto que potencializa ou limita os processos de
adaptação e mudança no decorrer do desenvolvimento humano;
• estabelecer relações entre a influência da “hereditariedade versus
meio ambiente” quanto ao desenvolvimento mental do ser humano;
identificando as bases conceituais em que cada uma delas se apoia.

Esquema
3.1 Desenvolvimento humano

3.2 Hereditariedade e meio ambiente

3.3 Infância

3.4 Adolescência

3.5 Fase adulta

3.6 Velhice

3.7 O desenvolvimento humano – teoria inatista‑maturacionista

3.8 Conclusão

3.1 Desenvolvimento humano


Para iniciar nossos estudos vamos, refletir um pouquinho:

PARADA PARA REFLEXÃO

Você já pensou em quantas mudanças ocorrem com as pessoas durante o ciclo de vida? E
com você?

Você já pensou em quantas mudanças ocorrem com as pessoas durante o ciclo de vida?

Qual será a real diferença entre os animais e os homens?

Como o ser humano se adapta ao meio em que vive?

Quais fatores intervêm no desenvolvimento humano?


UNIUBE 77

AGORA É A SUA VEZ

Registre suas considerações sobre as questões anteriores em seu Trabalho de


Construção da Aprendizagem – TCA.

Vamos analisar as mudanças que ocorrem durante o ciclo vital observando os be‑
bês. Quando nascem, possuem peso e tamanhos diferenciados. Vão crescendo e se
transformando conforme os meses passam. Do primeiro ano de vida até a idade de
ir à escola, muitas mudanças ocorrem nos níveis psicológico, físico e motor. Essas
mudanças continuam no decorrer dos dias, meses e anos da existência humana. Mas,
é importante destacar ainda que há variações entre duas pessoas da mesma idade,
o que pode estar associado a fatores que interferem no desenvolvimento humano:
hereditariedade e meio ambiente.

Pois bem, esses não são os únicos fatores que interferem no desenvolvimento humano,
entretanto são esses dois fatores que serão discutidos nesta etapa do seu estudo e
depois de discuti‑los vamos também caracterizar os quatro grandes períodos do nosso
ciclo de vida. É importante que você relacione as características desses períodos aos
aspectos que potencializam ou limitam os processos de adaptação e mudança do
desenvolvimento humano.

Buscaremos compreender, neste capítulo, as influências da hereditariedade e do meio


ambiente no desenvolvimento humano. Será que eles se excluem ou se complemen‑
tam?

Você será capaz de responder a essa e outras questões ao final da leitura deste ca‑
pítulo.

Por que será que somos similares aos outros seres humanos, mas, ao mesmo tempo, somos
diferentes deles e parecidos com nossos familiares?

Essas semelhanças com nossos familiares é o que chamamos de hereditariedade.

3.2 Hereditariedade e meio ambiente


Nós humanos pertencemos à espécie animal Homo Sapiens e, por isso, depende-
mos dos genes recebidos de nossos ancestrais para formar nosso corpo conforme
78 UNIUBE

as características da nossa espécie. Essa transmissão genética acontece durante a


reprodução e caracteriza o que chamamos de hereditariedade.

EXPLICANDO MELHOR

A hereditariedade pode ser definida como o conjunto de processos biológicos que asseguram
que cada ser vivo receba e transmita informações genéticas por meio da reprodução. Cromos‑
somos, DNA e genes são os agentes responsáveis pela transmissão dessas características.

Existem dois tipos de hereditariedade: a específica e a individual.

A hereditariedade específica é responsável pela transmissão de agentes genéticos que


determinam a herança de características comuns a uma determinada espécie.

EXEMPLIFICANDO!

Todas as pessoas, independente da raça, do sexo ou de qualquer outro atributo geralmente


têm duas pernas, duas orelhas, um cérebro... São essas características comuns entre todos
os seres humanos que determinam a hereditariedade específica.

Já a hereditariedade individual designa o conjunto de agentes genéticos que atuam


sobre os traços e características próprios do indivíduo e que o tornam um ser diferente
de todos os outros, mas que o aproximam de seus descendentes.

EXEMPLIFICANDO!

Nossa primeira reação quando olhamos para um recém‑nascido é observar bem e dizer:
“nossa, como parece com o ‘Fulano’!”. O ‘Fulano’ é sempre alguém muito próximo, o pai ou
a mãe, ou ainda, outra pessoa da família. Nesse sentido, se observarmos atentamente po-
demos concluir que temos muitas semelhanças físicas com nossos pais, irmãos ou parentes
mais próximos.

Mas não são somente aspectos da forma do corpo ou aparência que são transmitidos
por hereditariedade, herdamos também aspectos relacionados ao funcionamento dos
órgãos e ao nosso comportamento.

Para compreendermos melhor esse processo, é importante considerarmos as contri‑


buições que a biologia pode trazer para nosso estudo. Você se lembra que durante
UNIUBE 79

o período em que cursou o ensino médio aprendeu que a biologia é a ciência que
estuda a vida? Pois bem, por isso ela também se dedica às questões relacionadas à
hereditariedade desde a reprodução. Entenda melhor lendo o trecho a seguir, extraído
de Moore (2000, p. 32).

SAIBA MAIS

Explicações da biologia:

A partir do momento em que a célula germinativa humana amadurece, ela se subdivide por
um processo denominado meiose, posteriormente dá origem a células haploides, que são os
espermatozoides no homem e os óvulos na mulher. Essas células são também chamadas de
gametas. Cada espermatozoide ou cada óvulo contribui com 23 cromossomos para a formação
do ovo ou zigoto* no momento da fecundação. Assim, a fusão dos dois núcleos dos gametas
resulta em uma nova combinação cromossômica em que qualquer ser humano herda o mesmo
número de cromossomos tanto da mãe quanto do pai. Os cromossomos são estruturas em
forma de filamentos espiralados, ora longos, ora curtos, portadores dos genes responsáveis
pela transmissão da hereditariedade. No que diz respeito às combinações de cromossomos
dos gametas masculinos ou femininos, temos milhões de espermatozoides ou óvulos genetica‑
mente diferentes. Dessa forma, um casal pode produzir milhões e milhões de zigotos distintos.
Essa enorme possibilidade de combinações de cromossomos faz com que em uma mesma
família todos os irmãos, exceto os gêmeos idênticos, sejam geneticamente diferentes, mesmo
apresentando várias semelhanças físicas e psicológicas. (MOORE, 2000, p. 32)

* Zigoto: “célula resultante da fertilização de um óvulo por um espermatozoide; célula‑ovo”.


(FERRREIRA, 2001, p. 725)

Mas e os gêmeos? Então, se considerarmos apenas a explicação acima, eles são iguais?

No caso de gêmeos, há os fraternos e os univitelinos. Os gêmeos fraternos apresentam


hereditariedades diferentes, pois são originários de células fecundadas diferentes. Já
os gêmeos univitelinos são indivíduos derivados de uma mesma célula fecundada, e
por isso são, geneticamente, iguais.

Percebemos, então, que as informações genéticas são transmitidas por meio dos genes,
porções de informações contidas no DNA dos indivíduos e que o organismo humano
começa quando um espermatozoide paterno penetra no óvulo materno, havendo, dessa
forma, a fecundação. A partir daí um novo ser passa a existir e a se desenvolver de
maneira rápida. Agora, eu convido você a refletir comigo.
80 UNIUBE

PARADA PARA REFLEXÃO

Vimos que herdamos características físicas e comportamentais de nossos pais. Será que
herdamos também a inteligência?

Essa é uma das preocupações da psicologia. Sabe por quê? Porque se a inteligência pode
ser herdada de pai para filho, em que sentido a hereditariedade poderia contribuir para a
aprendizagem?

AGORA É A SUA VEZ

Registre suas considerações sobre as questões anteriores em seu Trabalho de Construção


da Aprendizagem – TCA.

Sobre os questionamentos apresentados, as muitas pesquisas realizadas indicam que a


aprendizagem depende de vários fatores, entre os quais estão o biológico determinado
pelo genético, a hereditariedade em si, e, o fator ambiental.

Já temos uma definição para a hereditariedade, agora precisamos definir o que seria
o fator ambiental. Este pode ser definido como a soma total de estímulos externos que
atingem um organismo vivo, de modo a traduzir o código genético determinado no
momento de sua concepção. Todos os seres humanos possuem genes que são re‑
cebidos dos pais. Esses genes funcionam como uma programação ou conjunto de
instruções que, quando traduzidos e decodificados pelo ambiente, determinarão as
estruturas cerebrais, principais responsáveis pelos comportamentos.

Mas, precisamos ainda acrescentar outra reflexão importante em relação à maneira


como o ambiente natural, o meio, se constitui ou é constituído pelo homem. Veja o
trecho extraído de Bussab para entender um pouco mais essa questão.

SAIBA MAIS

O ambiente natural abrange mais que o ambiente físico, pois ele é formado pelo grupo social,
constituindo-se ao mesmo tempo em um ambiente social, afetivo e cultural. Nesse sentido,
presta‑se ao exercício da perspectiva interacionista entre fatores biológicos e hereditários,
pois não dá para definir um sem o outro. Ao se constituir em uma rede de relações sociais,
associadas a um modo de vida e de exploração de recursos, o ambiente natural humano é
também interacional, nesse caso, no sentido social do termo. (BUSSAB, 2000, p. 8)
UNIUBE 81

IMPORTANTE!

Se você ainda estiver se perguntando o que a hereditariedade e o meio ambiente têm a ver
com a educação, leia, com atenção, as considerações, a seguir, que foram elaboradas por
Coll, Palácios e Marchesi (1995).

Os autores destacam que a importância da educação é crucial desde o princípio da


vida da criança, ou seja, desde que ela nasce, portanto, é importante considerarmos
o que é inato e o que é possível de ser modificado pelo meio ambiente. E, para com‑
preendermos as influências de cada um desses elementos, Coll, Palácios e Marchesi
(1995) esclarecem que o nosso código genético é dotado de conteúdos “abertos” e
conteúdos “fechados”. Os conteúdos fechados são aqueles que, segundo os autores,
não se alteram em consequência das experiências individuais, esses conteúdos nos
definem como espécie.

Coll, Palácios e Marchesi (1995) destacam nossas características morfológicas (um


cérebro, duas pernas, os pulmões etc.), nosso calendário maturativo (transformações
do corpo conforme a idade, habilidades que adquirimos conforme esse calendário). Os
conteúdos “fechados” não são diferentes nos indivíduos normais.

Já os conteúdos “abertos”, conforme Coll, Palácios e Marchesi:

[...] estão menos relacionados a conteúdos concretos e mais a


possibilidades de aquisição e desenvolvimento. Tais possibilidades
existem graças ao que foi estabelecido na parte fechada do código,
mas encontram-se aí não como conteúdos, senão como potencialida-
des. Assim ocorre, por exemplo, no âmbito da linguagem: a evolução
da espécie deixou em nosso organismo características que, como
o cérebro ou os órgãos de fonação, tornam possível a aquisição da
linguagem; tais características são, por assim dizer, patrimônio da
espécie e graças a elas todos os seres humanos normais podem
aprender a falar. (COLL, PALÁCIOS e MARCHESI, 1995, p. 19)

EXEMPLIFICANDO!

Imagine uma mãe conversando com o seu filho de dois meses enquanto troca as fraldas dele.
A reação do bebê pode ser de atenção por meio do olhar, no máximo a criança sorrirá para a
mãe, pois um bebê de dois meses, mesmo apresentando um cérebro e os órgãos de fonação,
é incapaz de falar. Isso significa que a parte fechada de nosso código genético estabelece
certo calendário maturativo para a aquisição da linguagem. Quando as bases maturativas
estão prontas, a interação da criança com o meio propicia a aquisição da linguagem a que a
criança está exposta, entretanto são os estímulos recebidos pelo contexto que vão determinar
o falar mais cedo ou mais tarde, apresentar um vocabulário mais ou menos rico, estruturar
melhor as sentenças.
82 UNIUBE

Coll, Palácios e Marchesi (1995) acrescentam ainda que, assim como a linguagem, também
acontece com a autoestima.

EXEMPLIFICANDO!

Qual será a reação de uma criança de dois anos se você perguntar a ela como vai sua auto-
estima?

É claro que você não será compreendido pela criança, pois o calendário maturativo dela não
permite que ela o compreenda e dê uma resposta ao seu questionamento. É o código genético
impondo a sua lei. Coll, Palácios e Marchesi (1995) explicam que os processos psicológicos
são possibilitados pelos genes que nos definem como membros da espécie, mas encontram‑se
limitados por um determinado calendário maturativo que determina o momento em que certas
aquisições são possíveis, e são finalmente determinados em sua realização pelas interações
da pessoa com seu meio.

Assim, conforme Coll, Palácios e Marchesi (1995, p. 19), podemos pensar e sentir,
porque o cérebro nos permite, ou seja, a parte fechada do código genético nos impôs
esse “pensar e sentir” em relação aos objetos, às outras pessoas e a nós mesmos,
entretanto é nossa relação com o mundo, nossa história pessoal em relação ao meio
no qual crescemos e nos desenvolvemos, e não a evolução da espécie, que determina
como nos sentimos em relação ao meio e às experiências da vida.

As considerações dos autores nos remetem à teoria de Piaget, ou seja, quando o


autor divide as etapas do desenvolvimento, mesmo não o fazendo de forma rígida, é
possível observar que há certo grau de exigência maturativa. Inspirados em McCall
(1981) e Coll, Palácios e Marchesi (1995) afirmam que os primeiros estágios do nosso
desenvolvimento encontram‑se mais encerrados em nosso código genético que os
posteriores, ao menos no que se refere aos aspectos maturativos. Os autores afirmam
que as competências que a maturação biológica permitem são, até certo ponto, pré‑
‑fabricadas, portanto parecem asseguradas para todas as crianças que não apresentem
lesões nem estejam extremamente privados de estimulação.

IMPORTANTE!

Para que continuemos o nosso estudo, precisamos compreender o conceito de canalização.


Com ele, faz‑se referência ao fato de que os seres humanos são mais semelhantes entre si
quanto menores forem. O período sensório motor está fortemente canalizado, ou seja, determi‑
nado pela parte fechada do código genético. (COLL, PALÁCIOS e MARCHESI, 1995, p. 19)
UNIUBE 83

É importante destacar que mesmo no primeiro ano, quando o desenvolvimento é fortemente


canalizado, o calendário evolutivo é também influenciado pelo meio, pelas experiências.
Assim sendo, o conceito de canalização não se opõe ao fato de que a educação influencia o
desenvolvimento desde os primeiros anos do ser humano.

Por que será que somos similares aos outros seres humanos, mas ao mesmo tempo, somos
diferentes deles e parecidos com nossos familiares?

Acreditamos que, até aqui, já apresentamos reflexões que nos indicam algumas pos‑
síveis respostas, mas Coll, Palácios e Marchesi (1995), baseados em Wallon (1934),
esclarecem que “o meio mais importante no que se refere ao desenvolvimento é o
meio humano, o meio social e não o meio material”. Isso significa que os objetos, os
estímulos não são mais importantes que as relações que as crianças mantém com eles
na mediação com o adulto. Nesse sentido, podemos estabelecer relação entre esse
pensamento e a teoria sociointeracionista de Vygotsky, que defende que é, principal‑
mente, nas interações com os pares que as pessoas constroem conhecimento. Assim,
a escola é considerada um ambiente privilegiado para construção de conhecimento, é
o lugar do conhecimento sistematizado e lugar de relação entre diferentes modos de
ser e agir, diferentes culturas e o papel da educação é determinado, em grande parte,
pelo grau de abertura do código genético:

[...] o comportamento e o desenvolvimento dos seres humanos não


apenas caracterizam, por sua maior abertura, a aprendizagem,
possibilitada a eles por seu código genético, como também pelo fato
de que essa capacidade se inscreve em um marco social e cultural,
adquirindo assim certo caráter cumulativo. Junto com a herança
biológica, cabe falar então de uma herança cultural, como fator con‑
dicionante do comportamento e desenvolvimento humanos. (COLL;
PALÁCIOS; MARCHESI, 1995, p. 326)

O conceito de cultura é utilizado pelos autores em um sentido amplo, englobando


aspectos diversos como: “conceitos, explicações, raciocínios, linguagens, ideologia,
costumes, valores, crenças, sentimentos, interesses, atitudes, pautas de conduta, tipos
de organização familiar, laboral ou econômica, tipos de moradia”. A participação ativa
dos indivíduos nesse conjunto de atividades culturalmente constituídas, constitui o papel
da educação. Coll, Palácios e Marchesi (1995) acrescentam que essa educação ocorre
na escola, no seio familiar, na sociedade.
84 UNIUBE

Nesse sentido, a educação é importante para promover, orientar e dotar de conteúdo


o desenvolvimento individual dos seres humanos, ou seja, a educação deve criar de‑
senvolvimento e para criá‑lo é necessário uma base. A base é o nível já alcançado pelo
indivíduo e a educação trata de levar a pessoa além desse nível. Nesse sentido, as
interações é que proporcionam desenvolvimento, promovem evolução e mudança nas
pessoas, mas é importante considerar o nível de maturidade de uma criança, por exem‑
plo, para que ela possa avançar para novos níveis de desenvolvimento. O trabalho deve
estar caracterizado pela continuidade e além disso, a criança precisa estar motivada. É
ainda relevante destacar que cada indivíduo é único, tem uma história pessoal, o que
torna difícil estabelecer previsões sobre o resultado de um processo educativo.

Outro fator importante e que merece a nossa atenção é que, até aqui, consideramos pes‑
soas com desenvolvimento normal, entretanto se há alguma deficiência ou transtorno, o
papel da educação é fundamental para o desenvolvimento máximo das potencialidades
da criança. Mas, para tanto, é importante conhecer qual é a deficiência, suas origens,
como a criança se relaciona com o meio e com as outras pessoas para, posteriormente,
planejar uma intervenção educativa que favoreça o desenvolvimento global da criança
e, ao mesmo tempo, respeite suas limitações. Posteriormente discutiremos um pouco
mais sobre essa questão, agora vamos diferenciar os quatro grandes períodos evolu‑
tivos do ser humano: infância, adolescência, idade adulta e velhice.

3.3 Infância
Como já afirmado anteriormente por Coll, Palácios e Marchesi (1995), nos primeiros
anos de vida nosso desenvolvimento é fortemente canalizado, determinado pela parte
fechada do código genético e, portanto, por um calendário maturativo. Nesse sentido,
mesmo as crianças que recebem poucos estímulos do meio alcançam os níveis básicos
de desenvolvimento. O que não significa que o desenvolvimento infantil seja indepen‑
dente da estimulação, mas entre um ano e meio e dois anos, as crianças, normalmente,
já atingiram os níveis básicos de desenvolvimento.

EXEMPLIFICANDO!

Quando nasce, a criança é capaz de fixar o olhar em luzes ou objetos de cores fortes, esses
últimos por um período de tempo menor. Aos dois meses, começa a coordenar a fixação
binocular, posteriormente passa a reagir a cores e seguir os objetos em movimento e vai a
cada dia avançando na capacidade de enxergar e reagir aos estímulos visuais. Esse desen-
volvimento vai se sucedendo e constitui a base para atividades mais complexas envolvendo
a visão, por exemplo, a percepção de detalhes, a discriminação de objetos por semelhanças
e diferenças etc.
UNIUBE 85

À medida que a criança avança no curso evolutivo, vai‑se atenuando progressivamente


a intensa canalização. Assim, a experiência, a aprendizagem e a educação é que pas‑
sam a determinar o desenvolvimento.

Coll, Palácios e Marchesi (1995) ressaltam que a interação do ser humano com o am‑
biente é mediado pela cultura desde o momento do nascimento, sendo que os adultos
são os principais mediadores que auxiliam a criança, primeiramente assimilarem as
experiências culturalmente organizadas. Nesse sentido, a família tem papel funda‑
mental, a criança aprende por observação, por imitação ou participação em situações
cotidianas. Posteriormente, na escola, a criança tem contato com o saber sistematizado,
com atividades educativas diferenciadas das atividades cotidianas por estas últimas
apresentarem objetivos específicos relacionados à educação, à formação do cidadão
ativo e participativo em relação à esfera social da qual faz parte.

3.4 Adolescência
É a etapa que se estende dos 12/13 anos até, aproximadamente, o final da segunda
década de vida. É um período de transição, em que não se é mais criança, tampouco
adulto. Há aqueles que afirmam que é um período oferecido aos jovens para que eles
se preparem para exercer seu papel de adultos.

Um período de transições e conflitos. Transição não somente da infância para a idade


adulta, mas do apego centrado na família para o apego ao grupo que os adolescentes
consideram seus iguais em relação aos valores, hábitos e moda. Os conflitos relacionam-
‑se à crise de identidade pessoal, relacional, profissional, entre outros.

Nessa etapa da vida, o jovem busca a consolidação da sua autonomia frente ao entorno,
assim sendo, interioriza pautas culturais, mas sempre estabelecendo com elas uma
relação de julgamento e valor. Nessa fase, há também a busca de aperfeiçoamento de
habilidades técnicas, comunicativas e sociais.

É o período de mudanças físicas que acarretam consequências psicológicas. Essas


transições implicam ajustes e adaptações, para os quais, talvez, o jovem não esteja
preparado e nos quais o apoio da família torna‑se fundamental.

SAIBA MAIS

Em sociedades menos desenvolvidas, mais claramente em sociedades primitivas, existe uma


série de ritos associados às mudanças físicas da puberdade. Uma vez passado por esses ritos
(às vezes, com um período de isolamento de vários dias ou várias semanas, que são, além
disso, aproveitados para a doutrinação dos novos adultos nas tradições grupais, nas técnicas
de caça etc.), o indivíduo sai convertido em adulto. Em nossa cultura, como já apresentado
neste capítulo, o sentido de adolescência é diferente.
86 UNIUBE

Cabe aqui a distinção entre adolescência e puberdade: a adolescência é um período psicos‑


sociológico de transição entre a infância e a idade adulta. A puberdade compreende o con‑
junto de modificações físicas que transformam o corpo infantil. A puberdade é um fenômeno
universal, um fato biológico. Já a adolescência é um fato cultural, que se configura e se dife‑
rencia conforme a história e a cultura de uma sociedade. (COLL, PALÁCIOS e MARCHESI,
1995, p. 265)

3.5 Fase adulta


Da adolescência, passa‑se à idade adulta, a partir dos dezoito anos. Essa fase apresenta
como traço essencial, conforme Palácios (1995, p. 313), a conquista de um sentimento
de intimidade. Simultaneamente, os adultos vão-se inserindo no mundo profissional. A
pessoa desdobra suas possibilidades, desenvolve suas destrezas, mergulha em suas
responsabilidades como genitor, na melhora de seu status profissional etc.

Predomina nesta etapa uma longa continuidade, entretanto nas mulheres sadias há
uma descontinuidade no período da menopausa, quando cessam a ovulação e a mens‑
truação. Esse fato ocorre entre 45 e 50 anos, aproximadamente.

Em relação ao aspecto cognitivo, os psicólogos evolutivos já concluíram que o ser


humano mantém um bom nível de competência cognitiva até uma idade mais avan‑
çada, acima dos 75 anos. Para esses psicólogos, o nível de competência coginitiva
das pessoas não é determinado pela idade, mas por uma série de fatores: a saúde,
nível educativo e cultural, a experiência profissional e o tônus vital da pessoa. Tam‑
bém é importante considerar se as tarefas de competência cognitiva se relacionam às
experiências habituais da pessoa, se elas não exigem rapidez e agilidade e se não há
elementos que distraem a atenção das pessoas envolvidas, assim, há maior probabi‑
lidade de êxito.

No que diz respeito aos relacionamentos, a fase adulta é o período em que se busca
a felicidade nesse aspecto.

PESQUISANDO NA WEB

Arnaldo Jabor escreveu um texto interessante, “Ser adulto”, sobre essa frase. Se quiser lê‑lo,
acesse:

<http://recantodasletras.uol.com.br/artigos/1453766>.
UNIUBE 87

3.6 Velhice
Por volta de 65 a 75 anos, o ser humano entra na lógica biológica da velhice. Nessa
fase, destaca‑se a deterioração que teve início na fase adulta: perda da elasticidade
muscular, reduções perceptivas que afetam principalmente a visão, diminuição do
tempo de reação etc.

O potencial de vida do ser humano é de aproximadamente 120 anos, de acordo com


Palácios (1995, p. 320), a estimativa de vida vem aumentando em consequência das
melhoria nos tratamentos médicos e nos estilos de vida.

A etapa que antecede a morte dá lugar ao que se denomina “descida terminal”, expres‑
são que se refere à redução da capacidade intelectual e alterações da personalidade
(PALÁCIOS, 1995, p. 320).

Nosso ciclo de vida acaba quando chega a morte, etapa em que nossos entes queridos
geralmente vivenciam sentimentos de luto e aflição. A intensidade desses sentimentos
depende das relações que se tinha com o falecido e também de sua idade, ou seja, a
morte de uma pessoa idosa é geralmente enfrentada com menos dor que a morte de
um jovem.

Bem, até aqui, discutimos o desenvolvimento considerando a hereditariedade e as


influências do meio ambiente. Ainda apresentamos reflexões sobre o desenvolvimento
nas quatro grandes etapas do ciclo vital de uma pessoa. A partir de agora, vamos voltar
a nossa atenção aos pesquisadores que acreditam que o meio pode apenas facilitar
ou dificultar um processo que ocorre naturalmente.

3.7 O desenvolvimento humano – teoria inatista-maturacionista

Em algum momento de sua vida, você já ouviu alguém dizer:

“Esta criança não está pronta para aprender a escrever, não tem maturidade.”

É certo que essas questões de maturidade, prontidão, aptidão, inteligência são bastante
discutidas e questionadas na atualidade, principalmente as referentes à prontidão. Po‑
demos citar, por exemplo, a pesquisadora Emília Ferreiro que defende que as crianças
não precisam passar por um período preparatório antes da alfabetização, pois elas se
desenvolvem nas interações e brincadeiras do dia a dia. Entretanto, para pesquisadores
que defendem a vertente inatista‑maturacionista – maturidade, prontidão, aptidão – são
88 UNIUBE

temas abordados por pesquisadores da área da psicologia que consideram os fatores


biológicos determinantes no desenvolvimento da criança.

Na perspectiva inatista-maturacionista, a hereditariedade e a maturação são determi-


nantes tanto para o desenvolvimento da criança quanto para aquisição de habilidades
e capacidades, se comparados aos fatores relativos à aprendizagem e à experiência.

Você já leu sobre a hereditariedade e pode perceber que herdamos características,


qualidades de nossos pais desde que somos gerados. Agora é importante considerar
o que é maturação. Ela diz respeito a um padrão de mudanças comum a todos os
membros de determinada espécie. As transformações do corpo, por exemplo, ocorrem
em uma sequência determinada e independem de fatores externos.

Pode parecer estranho tentar relacionar os fatores genéticos com a abordagem psicoló‑
gica da maturidade, das aptidões e da inteligência, mas para os teóricos dessa vertente,
assim como herdamos de nossos pais a cor dos olhos e dos cabelos, herdamos também
aptidões e inteligência. Assim, de acordo com a perspectiva inatista-maturacionista,
aptidão e inteligência estão determinados biologicamente quando a criança nasce,
dessa maneira, não dependem de aprendizagem e experiência.

Você também já deve ter ouvido:

“Como fulano toca bem o piano! Puxou a mãe, excelente pianista!”

EXPLICANDO MELHOR

Para os pesquisadores inatistas‑maturacionistas os fatores biológicos são determinantes


para o desenvolvimento dessas aptidões. O meio social, ainda nessa perspectiva, impede ou
permite que essas aptidões se manifestem. Diferentemente dessa visão, os pesquisadores
que não excluem o meio ambiente consideram que não somente os filhos de grandes músicos
poderiam tornar‑se grandes músicos, mas aqueles que tivessem a oportunidade de estudar
música igualmente poderiam ser excelentes músicos, devido às experiências.

CURIOSIDADE

Observando crianças de diferentes raças, o pesquisador Alfred Binet percebeu que crianças
brancas e negras, devido à herança genética de suas raças, apresentavam desempenho
diferente em relação à execução de tarefas. Assim, Binet foi um dos pioneiros a utilizar testes
UNIUBE 89

para mensurar a inteligência e perceber as diferenças individuais entre as pessoas. (FON‑


TANA; CRUZ, 1997)

Binet concebia a inteligência como uma aptidão geral, independente de informações


ou experiências adquiridas pelo indivíduo. Ele relatava que as principais características
da inteligência consistiam em: capacidades de atenção, julgamento e adaptação do
comportamento a objetivos. Nesse sentido, o que define a inteligência para Binet, não
é a quantidade de conhecimentos que a pessoa tem, mas a capacidade de julgar, com‑
preender e raciocinar. Essas capacidades, na perspectiva do pesquisador, não podem
ser aprendidas, elas são biologicamente determinadas, fixadas pela hereditariedade e
variáveis de um indivíduo para o outro.

SAIBA MAIS

Alfred Binet (1857‑1911) formou‑se em medicina, mas interessou‑se pela psicologia da criança
e do deficiente. Participou de uma comissão de médicos, educadores e cientistas que ela‑
boravam instrumentos que permitissem identificar as crianças mentalmente deficientes. Em
conjunto com Théodore Simon, elaborou a primeira escala para medida da inteligência. Essa
escala passou por revisões e ainda inspirou a elaboração de outros testes de inteligência. No
Brasil, seus estudos e testes tiveram início em 1916, com educadores ligados ao Laboratório
de Psicologia do Rio de Janeiro. (FONTANA; CRUZ, 1997, p. 13)

Binet, preocupado em medir e comparar a inteligência das crianças selecionou proble-


mas ou questões que envolvessem em conjunto a atenção, o juízo e o raciocínio para
que fossem solucionados e que não dependiam de aprendizagens anteriores. Essas
questões eram organizadas em grupos por idade e se 60% a 90% das crianças de uma
determinada idade conseguissem resolver tais problemas, então o teste era considerado
adequado para aquela faixa etária. Seguindo essa linha de raciocínio, se um grupo de
60% a 90% de crianças de quatro anos, por exemplo, não conseguisse reproduzir uma
determinada figura, o teste era considerado inadequado para essa faixa etária.

Para cada idade havia um conjunto de atividades em que o grau de complexidade


evoluía do mais simples para o mais complexo. Por meio desses testes, a inteligência
era determinada pelo desempenho nas tarefas, ou seja, “o número de testes que a
criança conseguia resolver determinava a sua idade mental ou o seu quociente inte‑
lectual (QI)”.
90 UNIUBE

AMPLIANDO O CONHECIMENTO

QI – quociente intelectual

É basicamente definido como uma comparação entre a idade mental e a idade real (cronoló‑
gica) da criança. A idade mental é determinada pelo número de tarefas que a criança consegue
resolver corretamente em um teste. Suponhamos que uma criança de 8 anos consiga resolver
todos os problemas propostos para a idade de 10 anos, mas nada além desse nível. Diremos
que a idade mental da criança é de 10 anos e, para calcular o QI, dividiremos 10 por 8, o que
dá um resultado de 1,25. Por convenção, esse resultado é multiplicado por 100, para que o
QI possa ser expresso por em números inteiros. Isso significa que a criança tem um QI de
125, que é considerado acima da média. QI = idade mental x 100: idade cronológica. Assim,
quando a idade mental e idade cronológica forem as mesmas, o QI será sempre 100. Se a
idade mental for inferior à idade cronológica, os resultados serão sempre inferiores a 100, o
que implicará um QI abaixo da média. No exemplo dado o QI apresentou‑se acima da média.
(FONTANA; CRUZ, 1997, p. 15)

Você já reparou que as pessoas apresentam diferenças de personalidade, aptidões e inteligên‑


cia? Essa diversidade é considerada por alguns pesquisadores como essência do ser humano
e muitos ainda consideram como fator que enriquece o processo de educação.

Mas, você já observou também que há muitas semelhanças entre as pessoas?

EXEMPLIFICANDO!

Sobre o desenvolvimento motor das crianças, por exemplo, primeiro elas conseguem rolar,
depois sentar com apoio, com o tempo elas adquirem equilíbrio para sentar sem apoio, co‑
meçam a se arrastar de um lugar a outro. Com o tempo as crianças ficam de pé se apoiando
em móveis, dão os primeiros passos com apoio, engatinham, andam sozinhas, sem apoio.
As crianças que não apresentam nenhuma deficiência ou algum problema que afete o desen‑
volvimento motor conseguem realizar essa sequência de ações mais ou menos na mesma
idade, o que sugere que existe um padrão de desenvolvimento humano.

Essas semelhanças motivaram muitos pesquisadores a estudarem a regularidade


presente no desenvolvimento das crianças e um dos pioneiros a se interessar pela
evolução da criança até os dezesseis anos foi Arnold Gesell, nos Estados Unidos. O
pesquisador dedicou‑se aos estudos do comportamento sobre o decorrer da evolução
da faixa etária, anteriormente citada.
UNIUBE 91

SAIBA MAIS

Arnold Gesell (1880 ‑ 1961) foi um pesquisador americano que se destacou devido às teorias
que elaborou sobre o papel da maturação no desenvolvimento humano. Em 1915, Gesell
passou a empregar a psicologia com vistas a proporcionar apoio pedagógico às crianças de‑
sadaptadas e passou a ser considerado o primeiro psicólogo escolar norte‑americano. Gesell
preocupou‑se com a criação de uma ciência do desenvolvimento humano que integrasse
todos os recursos da psicologia experimental, da biologia evolutiva e da neurofisiologia, de
1920 a 1961, dedicou‑se à pesquisa científica e à publicação de livros e artigos. (FONTANA;
CRUZ, 1997, p. 15)

Para Gesell, a maturidade biológica inerente às transformações pelas quais o compor‑


tamento das crianças passam, explica a presença de um padrão de desenvolvimento
comum a todas elas. Assim, para esse pesquisador, a evolução psicológica da criança,
sua maneira de pensar e agir, como elementos biologicamente determinados, tornam-se
mais complexos à medida que a criança cresce, que seu sistema nervoso, sua estrutura
muscular etc. se desenvolvem. O papel do ambiente nesse processo limita-se a facilitar
ou dificultar esse processo.

EXEMPLIFICANDO!

Imagine uma criança que permanece muito tempo deitada no berço e não é colocada no
chão. Certamente, ela vai demorar um tempo maior para sentar, engatinhar e andar. Entre‑
tanto, em condições adequadas, seu desenvolvimento aconteceria no ritmo e na sequência
determinados pela maturação.

Para Binet e Gesell, tanto a inteligência quanto o desenvolvimento da criança, são


considerados fatores biologicamente determinados e para comprovar suas teses, es-
ses estudiosos pesquisaram e descreveram comportamentos e habilidades próprios
de cada faixa etária.

Gesell preocupou-se em compreender a evolução da criança e assim, partindo da ob-


servação por meio de filmagens o pesquisador registrava “o que e como” as crianças
realizavam: “a postura, a locomoção, a ação de agarrar, os jogos, as condutas sociais
etc”. Essas gravações eram, posteriormente, criteriosamente analisadas e descritas com
a finalidade de captar as formas que esses comportamentos tomavam no decorrer do
desenvolvimento da criança. Esse trabalho possibilitou estabelecer os comportamentos
que eram típicos de cada idade. O ritmo e a sequência desses comportamentos eram
então apresentados em escalas que permitiam observar como era a evolução do com‑
portamento, como ele se transformava, demonstrando o desenvolvimento.
92 UNIUBE

As pesquisas baseadas em análises de filmes foram denominadas por Gesell de pes‑


quisas normativas.

Inspiradas em Binet e Gesell, Fontana e Cruz (1997) afirmam que para os inatistas‑
‑maturacionistas: pouco importa o lugar ou as condições em que as crianças vivam, ou
mesmo as possibilidades educacionais a que tenham acesso, mas a criança “normal”
apresenta comportamentos característicos ao seu desenvolvimento em determinada
faixa etária.

Você se lembra do relato de Binet sobre diferenças na execução de tarefas por crianças brancas
e negras? Pois bem, pensemos agora como Binet e Gesell chegaram às suas conclusões: o
primeiro sobre a inteligência e o segundo sobre o desenvolvimento?

Ambos realizaram pesquisas com crianças francesas e americanas, respectivamente.


Essas pesquisas ocorreram nas primeiras décadas do século, com grupos de deter‑
minadas crianças. Assim, os comportamentos considerados próprios para cada faixa
etária foram apresentados pela maioria das crianças que eles observaram. Foi a partir
daí que se estabeleceu o normal e aquilo que fugia aos padrões de normalidade.

PARADA PARA REFLEXÃO

Considerando a teoria inatista‑maturacionista sobre o desenvolvimento e a experiência de


Gesell com crianças americanas, como seria a mesma experiência com crianças de uma
creche localizada na periferia de sua cidade?

Quais seriam os comportamentos, da maioria de crianças, de uma faixa etária determi-


nada?

AGORA É A SUA VEZ

Registre suas considerações sobre a questão anterior em seu Trabalho de Construção da


Aprendizagem – TCA e depois, no próximo encontro presencial, troque ideias com seus co‑
legas.

Binet e Gesell não tinham como objetivo estudar questões relativas à aprendizagem, até
porque acreditavam que aquilo que a criança aprende no decorrer da vida não interfere
no processo de desenvolvimento. Para esses pesquisadores acontece exatamente o
UNIUBE 93

contrário, ou seja, a aprendizagem é que está subordinada ao desenvolvimento, ou seja,


o que a criança é capaz ou não de aprender é determinado pelo nível de maturação de
suas habilidades e do seu pensamento.

Mas mesmo sem pretender estudar a educação, as considerações desses pesquisado‑


res acabaram influenciando as práticas educativas do mundo todo durante muito tempo.
Ainda há quem acredite e defenda a maturidade para a aprendizagem considere papel
da educação fazer aflorar os atributos naturais, desenvolvendo as potencialidades do
educando de modo harmonioso.

No Brasil, Laboratórios de psicologia experimental foram implantados em Escolas Nor‑


mais (antiga denominação para o curso de magistério) no início do século XX. Nesses
laboratórios, as crianças eram submetidas a testes (exames) que mediam suas rea‑
ções psicofísicas (discriminações visuais, auditivas etc.). O primeiro teste para avaliar
a prontidão de crianças para a afabetização, em nosso país, foi desenvolvido pelo
educador Lourenço Filho. De acordo com a perspectiva inatista‑maturacionista, há um
tempo determinado para aprender certos conteúdos, dessa maneira, estando pronta,
madura, a criança aproveita melhor a situação de aprendizagem.

Mas, é importante realizarmos uma pausa para reflexão: o que há de negativo em relação
à prontidão? Registre suas reflexões antes de continuarmos nossa discussão.

Sua opinião pode se diferenciar do posicionamento de Fontana e Cruz (1997). Entre‑


tanto, acreditamos ser importante apresentar o ponto de vista das autoras sobre o que
há de negativo em relação à prontidão e aos testes de inteligência:

IMPORTANTE!

Muitas crianças consideradas imaturas ou apresentando déficits de inteligência ficam retidas


na pré‑escola ou permanecem durante longo tempo realizando exercícios preparatórios.

Há algum tempo, não muito distante, as crianças com déficits de inteligência eram enca‑
minhadas para salas especiais, devido às dificuldades que apresentavam. Atualmente,
com a perspectiva da educação inclusiva, elas são encaminhadas para o atendimento
educacional especializado.

Você sabe o que vem a ser o AEE – sigla utilizada para o nome Atendimento Educacional
Especializado? O que você sabe sobre isso?
94 UNIUBE

AGORA É A SUA VEZ

Registre suas considerações sobre a questão anterior em seu Trabalho de Construção da


Aprendizagem – TCA e depois, no próximo encontro presencial, troque ideias com seus co‑
legas.

Salas de recursos Como afirmamos anteriormente, na atualidade, a maioria das


multifuncionais crianças que apresentam necessidades educacionais especiais
não são mais segregadas em classes especiais ou ainda em
Espaço dotado de escolas especiais, elas frequentam a classe comum, junto às
equipamentos e
crianças sem deficiência e no contraturno são atendidas por
recursos pedagógicos
em conformidade com profissionais preparados para atendê-las em salas de recur-
as necessidades edu- sos multifuncionais. Esses professores utilizam estratégias e
cacionais dos alunos. materiais diferenciados que possibilitem o acesso ao currículo
comum e também à parte diversificada, como o Sistema Braille
para o aluno cego e a LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais –
para o aluno surdo etc.

Com essas mudanças, você acredita que já podemos falar em inclusão de pessoas com ne‑
cessidades educacionais especiais? Converse com seus colegas e com seu (sua) preceptor(a)
sobre isso. Troque ideias!

Para que a inclusão ocorra de fato, precisamos mais que legislações impostas por polí‑
ticas públicas ou mesmo a garantia de matrícula do aluno que apresenta necessidades
educacionais especiais na escola comum, é necessário ainda garantir a sua perma‑
nência e também combater o preconceito em relação a essas pessoas, pois somente
recursos em salas multifuncionais não bastam.

Todas as teorias que estudamos nesta seção foram e continuam sendo importantes
também em relação à educação de pessoas com necessidades especiais, mesmo
sendo utilizadas considerando um padrão de normalidade, pois é a partir do que ficou
estabelecido para o desenvolvimento e a inteligência em determinada faixa etária, que
se percebe a necessidade de se avaliar os motivos e buscar o apoio de profissionais
especializados para possíveis intervenções quando há atrasos significativos no desen‑
volvimento provenientes de deficiências: mental, sensorial ou física.
UNIUBE 95

3.8 Conclusão
Este capítulo possibilitou a compreensão do desenvolvimento a partir da lógica que
descarta o social e considera somente o biológico e também a partir da vertente
que defende a interação entre ambos.

Buscamos também, caracterizar os períodos evolutivos do ser humano: infância e ado-


lescência fortemente marcados por transformações; a idade adulta e a velhice como
período de longa continuidade e etapa de deterioração, respectivamente. Observamos
que quanto menores somos, mais nosso desenvolvimento é determinado pelo fator
biológico e até por um nível de maturação. Entretanto, concluímos que o meio traz
influências significativas para o ser humano em qualquer etapa da vida.

Com as ideias aqui apresentadas, objetivamos suscitar reflexões sobre a relação entre as
teorias estudadas e a educação, pois essas teorias interferem em nossas concepções de
educação e, consequentemente, em nosso fazer pedagógico do dia a dia da sala de aula.

Para finalizar, é importante ressaltar que biológico e social são aspectos que não se
excluem, mas se complementam para a constituição de um ser complexo, o ser humano,
que é ao mesmo tempo biológico, social, cultural, histórico e ideológico.

Resumo
• A hereditariedade pode ser definida como o conjunto de processos biológicos que
asseguram que cada ser vivo recebe e transmite informações genéticas por meio
da reprodução.

• A hereditariedade pode ser específica e comum: a específica diz respeito às ca-


racterísticas comuns entre todos os seres humanos e a hereditariedade individual
designa o conjunto de agentes genéticos que atuam sobre os traços e características
próprios do indivíduo e que o tornam um ser diferente de todos os outros, mas que
o aproximam de seus descendentes.

• Os genes funcionam como uma programação ou conjunto de instruções que, quando


traduzidos e decodificados pelo ambiente, determinam as estruturas cerebrais, prin-
cipais responsáveis pelos comportamentos.

• O ambiente natural é formado pelo grupo social, constituindo­‑se ao mesmo tempo


em um ambiente social, afetivo e cultural. Nesse sentido, presta­‑se ao exercício da
perspectiva interacionista entre fatores biológicos e hereditários, pois não dá para
definir um sem o outro.

• O nosso código genético é dotado de conteúdos “abertos” e conteúdos “fechados”.


Os conteúdos abertos estão menos relacionados a conteúdos concretos e mais a
96 UNIUBE

possibilidades de aquisição e desenvolvimento. Os conteúdos fechados são aqueles


que não se alteram em consequência das experiências individuais, esses conteúdos
nos definem como espécie.

• O conceito de canalização refere­‑se ao fato de que os seres humanos são mais se-
melhantes entre si quanto menores forem. O período sensório-motor está fortemente
canalizado, ou seja, determinado pela parte fechada do código genético.

• O calendário evolutivo é também influenciado pelo meio, pelas experiências. Dessa


forma, o conceito de canalização não se opõe ao fato de que a educação influencia
o desenvolvimento desde os primeiros anos de vida do ser humano.

• O papel da educação é determinado, em grande parte, pelo grau de abertura do


código genético.

• São quatro os grandes períodos evolutivos do ser humano: infância, adolescência,


idade adulta e velhice. Os dois primeiros são marcados por grandes transformações,
enquanto a idade adulta é um período de longa continuidade e a velhice uma etapa
de deterioração.

• Para Binet e Gesell, inatistas­‑maturacionistas, tanto a inteligência quanto o desen-


volvimento da criança são considerados fatores biologicamente determinados e
papel do meio ambiente consiste em facilitar ou dificultar processos que ocorrem de
forma natural.

• De acordo com a teoria inatista­‑maturacionista, há um tempo determinado para apren-


der certos conteúdos, assim, estando pronta, madura, a criança aproveita melhor a
situação de aprendizagem.

• Muitas crianças consideradas imaturas ou apresentando “déficits” de inteligência


ficam retidas na pré­‑escola ou permanecem durante longo tempo realizando exer-
cícios preparatórios.

• As teorias estudadas nesta seção são importantes também em relação à educação


de pessoas com necessidades especiais, pois a partir do que ficou estabelecido para
o desenvolvimento e a inteligência em determinada faixa etária podemos perceber a
necessidade de se avaliar os motivos e buscar o apoio de profissionais especializados
para possíveis intervenções quando há atrasos significativos no desenvolvimento
provenientes de deficiências.

Leitura sugerida
FONTANA, R.; CRUZ, M. N. A abordagem inatista­‑maturacionista. In: Psicologia e
trabalho pedagógico. São Paulo: Atual, 1997.
UNIUBE 97

Nesse capítulo, as autoras discutem temas como a questão das diferenças individuais
e a hereditariedade da inteligência; os padrões do desenvolvimento; a construção dos
testes de inteligência, a elaboração das escalas de desenvolvimento; os comporta-
mentos típicos, as relações entre desenvolvimento e aprendizagem e as influências do
inatismo­‑maturacionismo na escola.

Atividades

Atividade 1
Com base nos estudos, responda as seguintes questões:

Por que os seres humanos apresentam características tão comuns, mas ao mesmo
tempo se diferenciam da maioria?

Por que apresentam semelhanças físicas em relação aos parentes mais próximos?

Atividade 2
Qual a importância do calendário maturativo para os pesquisadores da teoria inatista-
­‑maturacionista?

Referências
BRUNO, M. M. G. Deficiência visual: reflexão sobre a prática pedagógica. São Paulo: Laramara, 1997.

BUSSAB, V. S. R. Fatores hereditários e ambientais no desenvolvimento: a adoção de uma


perspectiva interacionista. Psicologia, reflexão e crítica. vol. 13, n. 2. Porto Alegre: Universidade Federal
do Rio Grande Sul, 2000.

COLL, C.; PALACIOS, J.; MARCHESI, A. Desenvolvimento psicológico e educação. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1995, v. 1.

FERREIRA, A. B. H. F. Minidicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.

FONTANA, R.; CRUZ, M. N. Psicologia e trabalho pedagógico. São Paulo: Atual, 1997.

MOORE, KEITH L. Embriologia básica. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara­‑Koogan, 2000.

WALLON, H. Les origines du caractere chez l’enfant. Paris: Boivin, 1934.


98 UNIUBE

Capítulo A dimensão
4 biológica dos seres
vivos

Wilza Mara de Oliveira

Introdução
O desenvolvimento humano inicia-se ainda dentro da barriga da mãe e tem
continuidade durante toda a vida do ser humano, perpassando pela genética
da espécie humana e pelos contextos no qual o indivíduo está inserido.

Vygotsky, por exemplo, um estudioso que trouxe gran‑


des contribuições para a educação, conforme retrata
Linha interacionista Zacharias (2007), construiu sua teoria tendo por base
“o desenvolvimento do indivíduo como resultado de um
De acordo com essa processo sócio‑histórico, enfatizando o papel da lingua‑
linha, é essencial gem e da aprendizagem nesse desenvolvimento”.
a interação entre o
indivíduo e o meio
ou a sua cultura Segundo Terra (2008), outro teórico que também
para que aconteçam buscou compreender o desenvolvimento humano,
mudanças no seu foi Piaget. Ele destacou-se pelo seu caráter inovador
desenvolvimento.
ao introduzir a linha interacionista na análise do
desenvolvimento.

Compreender a dimensão biológica do desenvolvi‑


mento do ser humano é essencial para que o peda‑
gogo consiga exercer competentemente a função de ensinar e/ou mobilizar
as áreas do conhecimento para o respeito ao pleno desenvolvimento das
potencialidades do educando.

Dessa forma, visando oferecer uma sequência didática e que facilite a com‑
preensão sobre todo o conhecimento que perpassa o desenvolvimento hu‑
mano, a seguir explicita‑se como foram organizados os conteúdos de que
iremos tratar, bem como os objetivos a serem alcançados ao final dos estudos
de cada um dos itens relacionados:
UNIUBE 99

• contextualização biológica dos seres vivos: nesta etapa o aluno


deverá ser capaz de reconhecer e identificar células haploides de
diploides e células procarióticas de eucarióticas;

• as divisões celulares: distinguir o processo de divisão de células so-


máticas e germinativas, no que se refere ao número de cromossomos
e função; compreender a importância da divisão meiótica no processo
de formação de células reprodutoras (gametas);

• a reprodução humana: distinguir a morfologia dos gametas humanos;


compreender o processo reprodutivo na espécie humana;

• o desenvolvimento humano: identificar os aspectos gerais de cada


fase do desenvolvimento embrionário humano, desde a fecundação até
a fase fetal; explicar a função e a importância dos anexos embrionários;
oportunizar a formação do educador­‑pedagogo comprometido com o
desenvolvimento humano em suas dimensões.

Objetivos
Considerando o exposto da introdução, este capítulo tem como objetivos:

• diferenciar células haploides de diploides e células procarióticas de


eucarióticas;
• distinguir o processo de divisão de células somáticas e germinativas,
no que se refere ao número de cromossomos e função;
• compreender a importância da divisão meiótica no processo de forma-
ção de células reprodutoras (gametas);
• descrever a morfologia dos gametas humanos;
• explicar o processo reprodutivo na espécie humana;
• identificar os aspectos gerais de cada fase do desenvolvimento em-
brionário humano, desde a fecundação até a fase fetal;
• explicar a função e a importância dos anexos embrionários;
• entender as implicações desses conhecimentos para o processo de
aprendizagem;
• possibilitar atuar como educador­‑pedagogo comprometido com o de-
senvolvimento humano em todas as suas dimensões.

Esquema
4.1 Contextualização biológica dos seres vivos

4.1.1 A origem dos seres vivos

4.1.2 A origem da vida


100 UNIUBE

4.1.3 O estudo da célula

4.2 As divisões celulares

4.2.1 A mitose

4.2.1.1 Prófase

4.2.1.2 Metáfase

4.2.1.3 Anáfase

4.2.1.4 Telófase

4.2.2 A meiose

4.2.2.1 Prófase I

4.2.2.2 Metáfase I

4.2.2.3 Anáfase I

4.2.2.4 Telófase I

4.2.2.5 Prófase II

4.2.2.6 Metáfase II

4.2.2.7 Anáfase II

4.2.2.8 Telófase II

4.3 A reprodução humana

4.3.1 O sistema genital masculino

4.3.1.1 O papel dos principais órgãos do sistema genital masculino

4.3.1.2 O sistema genital feminino

4.3.1.3 O papel dos principais órgãos do sistema genital feminino

4.3.1.4 O ciclo menstrual

4.3.2 A gametogênese

4.3.3 A espermatogênese
UNIUBE 101

4.3.4 A ovulogênese

4.3.5 A fecundação

4.4 O desenvolvimento humano

4.4.1 Tipos de ovos

4.4.1.1 Ovo oligolécito

4.4.1.2 Ovo heterolécito

4.4.1.3 Ovo telolécito

4.4.1.4 Ovo centrolécito

4.4.2 Clivagem do zigoto

4.4.3 A formação do blastocisto

4.4.4 A gastrulação

4.4.5 A organogênese

4.4.5.1 Vesícula vitelínica

4.4.5.2 Âmnio

4.4.5.3 Córion ou serosa

4.4.5.4 Alantoide

4.4.5.5 Placenta

4.5 Os estágios do desenvolvimento humano

4.6 Conclusão

4.1 Contextualização biológica dos seres vivos

4.1.1 A origem dos seres vivos

A Terra abriga uma notável biodiversidade, com inúmeras espécies de seres que vivem
nos mais variados ambientes de toda a biosfera. Mas como surgiu toda esta diversidade
de seres vivos?
102 UNIUBE

Segundo Paulino (2006, p. 132), em meados do século XVIII Estaticidade do


acreditava‑se que todas as espécies haviam sido criadas, tal mundo
como são, por um poder divino e permaneceriam imutáveis por Parado, imóvel,
toda a sua descendência. Os defensores desse pensamento imutável.
foram então chamados fixistas.
Fixismo
Embora o fixismo fosse uma ideia facilmente aceita até então, Doutrina ou teoria
o século XIX foi o século da transformação e, juntamente com filosófica bem aceita no
outras ideias centradas na estaticidade do mundo, o fixismo século XVIII. Um dos
foi abolido. A partir de então, surgiram novas ideias para a maiores defensores do
fixismo foi o naturalista
explicação da diversidade dos seres vivos: o transformismo. francês Georges
Cuvier.
Em contraposição ao fixismo, o transformismo (posteriormente
denominado evolucionismo) afirmava que os seres vivos Lamarck
modificavam‑se através dos tempos. Jean Baptiste de
Monet, era um biólogo
O que poderia ter levado os seres vivos a se modificarem tanto francês que foi um dos
ao longo do tempo, caracterizando tamanha diversidade? primeiros defensores
do evolucionismo,
rompendo com o
De acordo com Paulino (2006, p. 133), para Lamarck as pensamento fixista
transformações nos seres vivos aconteceriam por eventuais predominante na
alterações ambientais que desencadeariam uma necessidade época.
de modificação do ser vivo. Tendo em vista a adaptação ao
Hipertrofia
ambiente modificado, o indivíduo faria uso frequente de partes
do seu organismo ou mesmo o desuso prolongado de outrem Desenvolvimento
(Lei do uso e desuso). excessivo de um
órgão.

O uso frequente daquela parte desencadearia a hipertrofia do Atrofia


órgão ou mesmo a atrofia daquele em desuso. Estas carac‑
Parada ou redução no
terísticas adquiridas pelo uso ou perdidas pelo desuso seriam desenvolvimento de
ainda transmitidas de geração a geração (Lei da transmissão uma parte do corpo.
das características adquiridas).

EXEMPLIFICANDO!

Considerando o exemplo clássico das girafas, Lamarck supunha que, em tempos passados,
esses animais teriam pescoços curtos e membros anteriores com comprimento semelhante
ao dos posteriores. Viviam, porém, em ambientes onde a vegetação rasteira era relativamente
escassa; assim, teriam sido induzidas, por “solicitação” do ambiente, a se alimentar de folhas
situadas no alto das árvores. Na tentativa de terem acesso ao alimento, adquiriram então o
hábito de esticar o pescoço e as pernas anteriores. Com o uso frequente dessas estruturas,
elas foram se desenvolvendo e as características adquiridas foram lentamente sendo trans‑
mitidas de geração a geração, até resultar nas atuais girafas de pescoços longos e pernas
dianteiras desenvolvidas. (PAULINO, 2006, p. 133)
UNIUBE 103

O lamarckismo constituiu grande importância por considerar a adaptação como um


processo necessário para a evolução. No entanto, tratava-se de uma ideia sem funda-
mento científico (as partes do organismo não estão sujeitas a hipertrofia ou atrofia em
resposta ao uso frequente ou desuso, ou mesmo as características adquiridas pelo uso
ou desuso não são transmitidas aos descendentes).

Charles Robert
Em 1859, 30 anos após a morte de Lamarck, Charles Darwin,
Darwin que considerou algumas ideias do transformismo proposto por
Lamarck, propôs uma nova explicação para a diversidade de
Foi um naturalista seres vivos na Terra.
britânico que alcançou
fama ao convencer a
Segundo Paulino (2006, p. 134), para Darwin as diferenças
comunidade científica
da ocorrência da individuais entre indivíduos da mesma espécie já existiam
evolução. e eram apenas selecionadas naturalmente pelo ambiente,
tendendo então fixar os indivíduos portadores de variações
favoráveis e eliminar aqueles portadores de variações não favorá‑
veis naquele ambiente.

EXEMPLIFICANDO!

Tomando novamente o exemplo da girafa, Darwin entendia que, no passado, provavelmente


os ancestrais das atuais girafas exibiam pescoços e patas dianteiras com tamanhos variáveis.
Mas a competição pelo alimento disponível favoreceu os indivíduos portadores de pescoço
longo e patas dianteiras desenvolvidas, que, dotados de variações “favoráveis”, teriam acesso
às folhas situadas no alto das árvores. Assim, a seleção natural fixou os indivíduos portado‑
res dessas variações, em detrimento das girafas de pescoços e patas dianteiras curtos, que
lentamente foram extinguindo. Ao longo de várias gerações sobreviveram apenas as girafas
de pescoço longo e patas dianteiras desenvolvidas, que hoje conhecemos. (PAULINO, 2006,
v. 3, p. 135)

Gregor Johann A explicação de Darwin para a diversidade dos seres vivos foi
Mendel (1822-1884) satisfatória até meados do século XX, quando foram redesco‑
bertos os trabalhos de Gregor Mendel.
Foi um monge
agostiniano, botânico
e meteorologista aus- A partir dos trabalhos de Mendel foi possível entender melhor
tríaco, que estudou as a explicação de Darwin para a evolução, acrescentando‑se a
teorias da evolução ela o conceito de variabilidade genética (que são as mutações
e formulou as leis da
e as recombinações gênicas).
hereditariedade, hoje
chamadas de Leis
de Mendel. As Leis A reformulação da teoria de Darwin resultou na atual teoria
de Mendel regem que explica a evolução dos seres vivos, denominada neodar‑
a transmissão dos winismo ou teoria sintética da evolução. Esta última trata‑se
caracteres
hereditários.
104 UNIUBE

de uma ampliação das ideias de Darwin, explicando a causas das variações dos seres
vivos, ponto que o darwinismo não conseguiu explicar.

SINTETIZANDO...

Na tentativa de explicar a diversidade de vida na Terra, muitos estudiosos, entre o século XVIII
e XIX, aderiram ao fixismo, concepção que afirmava que a vida havia sido criada como ela
era e que era imutável com o passar dos tempos.

Em meados do século XIX, várias foram as transformações ocorridas e, dentre elas,a propo‑
sição de Lamarck para explicar a diversidade da vida. Para ele, a vida não era imutável, pelo
contrário, os seres sofriam transformações a partir da necessidade ocasionada pelo ambiente
e repassavam essas transformações sofridas para os seus descendentes.

As proposições de Lamarck, apesar de muito aceitas, não tinham fundamentação científica e


caíram por terra. Posteriormente, Darwin publica sua explicação sobre as transformações ocor‑
ridas pelos seres vivos ao longo dos tempos, sendo esta aceita pela comunidade científica.

A teoria da evolução, proposta por Darwin, só foi substituída na atualidade pela teoria sinté‑
tica da Evolução porque carecia de maiores explicações complementadas somente após o
ressurgimento dos trabalhos de Mendel.

4.1.2 A origem da vida

Se toda a diversidade dos seres vivos surgiu com a evolução dos mesmos, quem terá
sido o primeiro ser?

Várias hipóteses foram formuladas na tentativa de explicar como teria surgido a vida
no planeta, dentre elas a da abiogênese ou geração espontânea, esclarecida por
Paulino:

Pela geração espontânea se explicava o surgimento, na espécie


humana, de vermes intestinais, como a lombriga, ou o aparecimento
de “vermes” no lixo, na carne em putrefação ou em frutos maduros.
Dessa maneira, certos alimentos ingeridos pelo ser humano, bem
como o material orgânico do lixo, da carne e dos frutos seriam do-
tados de um “princípio ativo” organizador da vida. (PAULINO, 2006,
v. 1, p. 94)

Todas as suposições da geração espontânea não eram conclusões comprovadas


cientificamente.
UNIUBE 105

Em meados do século XVIII, Francisco Redi, um biólogo italiano, abalou a ideia da ge-
ração espontânea. Provou que as larvas não nasciam em carne que ficasse protegida
por uma tela, tornando­‑a inacessível às moscas. Dessa maneira, elas não poderiam
botar seus ovos na carne e, consequentemente, não nasceriam vermes na carne.

Louis Pasteur A hipótese da abiogênese ou geração espontânea perdurou por


(1822­‑1895) bastante tempo e, somente no século XIV é que Louis Pasteur
elaborou experimentos que comprovaram a inviabilidade da
Foi um cientista abiogênese. A partir de Pasteur, tem­‑se uma nova concepção
francês cujas de origem da vida: ela surge exclusivamente a partir de outra
descobertas tiveram
vida preexistente. Essa concepção é denominada biogênese.
grande importância
na história da química
e da medicina. A ele Comprovada a veracidade da biogênese, surge um novo pro-
se deve a criação blema: como apareceu o primeiro ser vivo?
do processo de
pasteurização.
Comentamos, a seguir, as principais hipóteses para o surgi-
mento do primeiro ser vivo:

• Hipótese autotrófica: para defensores dessa hipótese os primeiros seres vivos teriam
sido autotróficos, ou seja, capazes de realizar a fotossíntese e produzirem o seu pró-
prio alimento (glicose) a partir dela. No entanto, sabe­‑se que a síntese de alimentos
é bastante complexa, exigindo desse primeiro indivíduo bastante complexidade.

Essa hipótese contraria a teoria da evolução. Como poderiam os primeiros seres vivos
serem portadores de uma estrutura celular tão complexa e capaz de já realizarem a
síntese do seu alimento?

• Panspermia cósmica: segundo a panspermia, as sementes da vida existem em todo


o universo. No entanto, a vida na Terra só começou quando uma dessas sementes
na Terra chegou, transportada por meteoros, e encontrou condições favoráveis para
a sobrevivência. A partir daí proliferaram e constituíram a fonte de vida na Terra.
Observe como a figura ilustra a chegada da semente da vida na Terra.

Figura 1: Panspermia cósmica.


Fonte: Acervo EAD – Uniube.
106 UNIUBE

• Hipótese heterotrófica: a hipótese heterotrófica, que é a mais aceita na atualidade,


faz as seguintes considerações sobre os primeiros seres vivos.

Os primeiros seres vivos teriam sido heterótrofos, isto é, incapazes de produzir seu
próprio alimento. Seriam formas relativamente simples de vida, surgidas pela evo‑
lução lenta da matéria inanimada, nas condições muito especiais da Terra primitiva.
(PAULINO, 2006. p. 97)

4.1.3 O estudo da célula

A partir do surgimento do microscópio, foi possível observar que os seres vivos, com
exceção dos vírus, são formados por células e que estas são constituídas de orga‑
nelas (estruturas capazes de executar diferentes funções responsáveis pela vida nos
organismos).

Veja, a seguir, um exemplo de célula:

Figura 2: Estrutura da célula.


Fonte: Acervo EAD – Uniube.

AMPLIANDO O CONHECIMENTO

A palavra “célula” vem do latim: cellula (quarto pequeno). O nome descrito para a menor es‑
trutura viva foi escolhido por Robert Hooke. Em um livro que publicou em 1665, ele comparou
as células da cortiça com os pequenos quartos onde os monges viviam.

A célula representa a menor porção de matéria viva. São as unidades estruturais e funcionais
dos organismos vivos. Em nível estrutural podem ser comparadas aos tijolos de uma casa,
em nível funcional podem ser comparadas aos aparelhos e electrodomésticos que tornam
uma casa habitável. Cada tijolo ou aparelho seria como uma célula.

Fonte: <http://pt.wikipedia.org/wiki/C%C3%A9lula>. Acesso em: 8 dez. 2009.


UNIUBE 107

As células podem ser classificadas quanto à organização do seu material genético:

• Célula procariótica ou procarionte: são aquelas que não possuem membrana nuclear,
não tendo, portanto, um núcleo formado. Possuem apenas a membrana plasmática, o
citoplasma, os ribossomos e o material genético como seus componentes.

Figura 3: Esquema de célula procarionte.


Fonte: Acervo EAD – Uniube.

As funções das organelas da célula procarionte são:

Figura 4: Membrana Plasmática.


Fonte: Acervo EAD – Uniube.

• Membrana plasmática: é uma membrana que delimita a célula, exercendo também


função seletiva das substâncias que devem entrar ou sair da célula.

Figura 5: Ribossomos.
108 UNIUBE

• Ribossomos: são organelas responsáveis pela síntese de proteínas; moléculas


orgânicas importantes para a manutenção do ser vivo.

Figura 6: Material Genético.


Fonte: Acervo EAD – Uniube.

• Material genético: comandam a síntese de proteínas; é o centro de controle de


todas as atividades da célula.

• Citoplasma: é um líquido gelatinoso composto principalmente de água; trata­‑se de


um ambiente importante para a realização de reações biológicas.

• Célula eucariótica ou eucarionte: são aquelas que possuem a membrana nuclear


que delimita o material genético ao núcleo formado; diferenciam­‑se das procariontes
por possuírem também inúmeras organelas.

As funções das organelas das células eucariontes são:

Figura 7: Núcleo, Retículo Endoplasmático e Complexo de Golgi.


Fonte: Acervo EAD – Uniube.
UNIUBE 109

• Núcleo: estrutura portadora do material genético que, conforme descrito anterior-


mente, é coordenadora de todas as funções celulares.

• Complexo de Golgi: são responsáveis por fazer o armazenamento de proteínas.

• Retículo endoplasmático: são responsáveis por fazer o intercâmbio entre as subs-


tâncias da células e o meio extracelular; auxilia na circulação intracelular de nutrien-
tes diversos. Quando associado a ribossomos, é chamado retículo endoplasmático
rugoso, associado à síntese de proteínas.

Figura 8: Mitocôndria.
Fonte: Acervo EAD – Uniube.

• Mitocôndria: são responsáveis por fazer a respiração celular. A respiração trata­‑se


da oxidação de alimentos e, consequentemente, da extração da energia química
contida no alimento.

Figura 9: Lisossomos.
110 UNIUBE

• Lisossomos: fazem a digestão dentro da célula.

Figura 10: Centríolos.


Fonte: Acervo EAD – Uniube.

• Centríolos: são estruturas que atuam durante a divisão celular, nos animais.

Observe a figura que ilustra uma célula eucarionte com todas as suas organelas des-
critas anteriormente:

Figura 11: Estrutura de uma célula procarionte: 1. Nucléolo, 2. Núcleo


celular, 3. Ribossomos, 4. Vesículas, 5. Ergastoplasma ou Retículo
endoplasmático rugoso (RER), 6. Complexo de Golgi, 7. Microtúbulos,
8. Retículo endoplasmático liso (REL), 9. Mitocôndrias, 10. Vacúolo,
11. Citoplasma, 12. Lisossomas, 13. Centríolos.
Fonte: Acervo EAD – Uniube.
UNIUBE 111

Quanto ao número de cromossomos que a célula possui, ela pode ser classificada
em:

• Célula haploides: são aquelas que possuem apenas um conjunto de cromossomos


característicos da espécie, geralmente denominado por n.

• Célula diploides: são aquelas que possuem pelo menos um par de cromossomos
característicos da espécie, geralmente denominado por 2n.

As células podem ainda ser classificadas quanto ao seu envolvimento com a reprodu‑
ção:

• Células somáticas: são aquelas que não estão diretamente envolvidas com a re‑
produção. Exemplo: neurônio, hemácea.

• Célula germinativa: são aquelas que estão diretamente envolvidas no processo


reprodutivo. Exemplo: óvulo e espermatozoide.

AGORA É A SUA VEZ

Vamos ver se você entendeu o que falamos até aqui?

De onde surgiu toda essa variedade de vida existente no planeta?

Os primeiros seres vivos eram seres de grande complexidade?

Quando foi possível descobrir que os seres vivos são formados por células?

Como podem ser classificadas as células quanto à organização do material genético, número
de cromossomos e finalidade reprodutiva?

Registre a resposta em seu Trabalho de Construção da Aprendizagem – TCA.

SINTETIZANDO...

Toda a biodiversidade existente é resultante do processo evolutivo dos seres vivos cujos pri‑
mórdios, segundo a hipótese heterotrófica, foram seres de grande simplicidade.

O descobrimento de que praticamente todo ser vivo é constituído por células tornou‑se pos‑
sível a partir do surgimento do microscópio, visto que grande parte das células não é visível
a olho nu.

Sendo a menor unidade que constitui um ser vivo, as células podem ser classificadas como
procariontes ou eucariontes quanto à organização do seu material genético; de haploides
112 UNIUBE

ou diploides quanto ao número de cromossomos que possuem, ou ainda de somáticas ou


germinativas quando relacionadas quanto à finalidade reprodutiva.

4.2 As divisões celulares

EXPLICANDO MELHOR

Para entendermos melhor o processo de divisão celular, ou didaticamente denominado mul-


tiplicação celular, vejamos as considerações de Paulino:

Todos nós, seres humanos, somos oriundos de uma única célula denominada
célula‑ovo ou zigoto. Foi essa célula que, por meio de sucessivas divisões,
propiciou a formação do nosso organismo, dotado de trilhões de células, que
nos conferem uma estrutura notavelmente harmoniosa. Basicamente, essas
células podem ser agrupadas de duas maneiras diferentes: as células so‑
máticas – associadas com a manutenção da vida no indivíduo – e as células
germinativas – destinadas à perpetuação da espécie.

Ao atingir um estado de maturação reprodutiva, produzimos gametas haploi‑


des (n), a partir das células germinativas. Quando um gameta masculino se
funde com outro feminino, forma‑se um novo zigoto – diploide (2n) – que,
por sua vez, originará um novo indivíduo, dotado de células somáticas e
germinativas diploides.

Por essa resumida descrição, podemos notar que muitas células, ao serem
produzidas, contêm o mesmo número de cromossomos existentes nas células
que lhes deram origem. De fato, a partir de um zigoto diploide formam‑se
células somáticas e germinativas igualmente diploides. Entretanto, algumas
células exibirão apenas a metade do número de cromossomos existentes nas
células‑mães que dividiram; é o caso dos gametas haplóides que resultam
das divisões sofridas pelas células germinativas diplóides.

Assim, podemos distinguir nos seres vivos, em geral, dois tipos básicos de
divisão celular: a mitose, processo através do qual as células‑filhas conterão
o mesmo número de cromossomos existentes na célula‑mãe; e a meiose,
divisão em que as células‑filhas conterão a metade do número de cromos‑
somos existentes na célula‑mãe. (PAULINO, 2006, p. 168)
UNIUBE 113

Apesar de ser um processo contínuo, dividiu­‑se a mitose em quatro etapas (prófase,


metáfase, anáfase e telófase) para facilitar a compreensão do processo. Vejamos, a
seguir.

4.2.1 A mitose

4.2.1.1 Prófase

No início da mitose, os filamentos de cromatina, que já se Condensação


encontram duplicados, condensam-se e à medida que os cromossômica
cromossomos vão se condensando, a atividade genética vai É o processo por
diminuindo. A condensação é necessária para que eles pos- meio do qual os
sam posteriormente se separarem e serem distribuídos para mesmos formam
as células filhas adequadamente. um emaranhado ou
enovelado, enrolados,
com o objetivo de
Cada cromossomo duplicado é constitu- proteger o material
ído por duas cromátides, que se acham genétido na divisão
ligadas pelo centrômero. Essas duas cro- celular.
mátides são geneticamente iguais entre si,
uma vez que representam cópias exatas Carioteca
do filamento original de cromatina. Por
isso, as cromátides de um mesmo cromos- É uma estrutura que
somo são chamadas cromátides­‑irmãs. envolve o núcleo das
(PAULINO, 2006, p. 169) células eucarióticas,
responsável por
separar o conteúdo do
Outros acontecimentos que também fazem parte da prófase é núcleo celular.
a duplicação do centríolo e duplicação desses para os polos
da célula; desorganização e desaparecimento da carioteca; Fuso mitótico ou
formação do fuso mitótico. Observe na figura, a seguir, o meiótico
desenvolvimento da prófase.
É uma estrutura celular
passageira que tem a
função de orientar os
cromossomos no ato
da divisão celular.

Fonte: <http://
pt.wikipedia.org>.

Figura 12: Prófase.


Fonte: Acervo EAD – Uniube.
114 UNIUBE

4.2.1.2 Metáfase

O centrômero O máximo da condensação é atingido nessa fase. Ocorre a


duplicação dos centrômeros e a separação das cromátides-
É a região mais ­‑irmãs que passam a constituir os cromossomos­‑filhos, con-
condensada do forme mostra a figura, a seguir:
cromossomo,
normalmente no
meio deste, onde
as cromátides­‑irmãs
entram em contato.

Cromátide

É cada um dos
dois filamentos de
DNA formados pela
duplicação de um
cromossomo. Figura 13: Metáfase.
Fonte: Acervo EAD – Uniube.
Fonte: <http://
pt.wikipedia.org>.

4.2.1.3 Anáfase

Os centrômeros duplicados e as cromátides separadas, cada um deles migra para um


dos polos da célula como consequência do encurtamento das fibras do fuso mitótico. A
anáfase chega ao fim quando os cromossomos­‑filhos chegam aos polos da célula.

Figura 14: Anáfase.


Fonte: Acervo EAD – Uniube.
UNIUBE 115

4.2.1.4 Telófase

Nessa fase, acontece a descondensação dos cromossomos, reorganização da carioteca


e núcleo, reconstituição dos nucléolos, desaparecimento do fuso mitótico. Acontece
também a separação dos citoplasmas, resultando na formação de duas novas células‑
-filhas.

Figura 15: Telófase.


Fonte: Acervo EAD – Uniube.

SINTETIZANDO...

Como se pode perceber, a mitose é um tipo de divisão celular na qual as células‑mães (aquelas
que serão reproduzidas) são multiplicadas e geram novas células (as células‑filhas) com a
mesma quantidade de material genético que as que lhe deram origem.

Figura 16: Mitose de uma célula humana.


Fonte: Acervo EAD – Uniube.

Mas, qual é a importância da mitose para os seres vivos? A mitose é uma divisão celular
importante, porque ela torna possível:
116 UNIUBE

• a reprodução dos organismos unicelulares (formados por uma única célula);

• a reprodução de células do organismo, garantindo assim o crescimento do indivíduo;

• a renovação de células, substituindo­‑as por outras células novas;

• a regeneração de áreas machucadas, repondo as células lesadas.

4.2.2 A meiose

A meiose é uma divisão celular reducional na qual há a produção de quatro células­‑filhas


com a metade do número de cromossomos presentes na célula­‑mãe. “A redução do
estoque cromossômico para a metade confere à meiose uma importância fundamental
na manutenção do número constante de cromossomos da espécie.” (PAULINO, 2006,
p. 174).

Assim como a mitose, a meiose é um processo contínuo, porém, para entendermos


melhor esse processo, dividiu­‑se a meiose em duas fases (meiose I e II), conforme
veremos, a seguir.

4.2.2.1 Prófase I

Nucléolos Essa fase é semelhante à prófase da mitose, ou seja, ocorrem


a desorganização da carioteca e do nucléolo; as cromátides,
São organoides já duplicadas, iniciam a condensação; os centríolos duplicam-
presentes em células
eucarióticas, ligados
­‑se e migram para os polos da célula; formam­‑se as fibras do
principalmente à fuso meiótico.
coordenação do
processo reprodutivo O diferencial desta fase em relação à prófase da mitose é que
das células.
nela há o pareamento de cromossomos homólogos que,
posteriormente, farão uma recombinação genética.
Cromossomos
homólogos
De acordo com Paulino (2006, p. 175), a prófase I é dividida
Ou cromossomas em cinco subdivisões: leptóteno, zigóteno, paquíteno, diplóteno
homólogos são cro-
mossomos iguais entre
e diacinece.
si e que juntos formam
um par. • Leptóteno: nessa etapa, como os filamentos de cromatina
ainda encontram­‑se longos e descondensados, inicia­‑se o
processo de condensação dos mesmos.

• Zigóteno: essa etapa caracteriza­‑se pelo início da ocorrência


da sinapse (pareamento de cromossomos homólogos), pro-
gredindo ainda a condensação dos cromossomos.
UNIUBE 117

• Paquíteno: finalizado o pareamento de cromossomos ho- Recombinação


mólogos, nessa etapa inicia-­‑se o crossing­‑over, também genética
chamado de permuta ou recombinação genética.
É a troca aleatória
de material genético
• Diplóteno: cada cromossomo possui duas cromátides­‑irmãs. durante a meiose.
Como se trata do par de cromossomos homólogos há qua-
tro cromátides. Acontece, então, nessa fase, a quebra de
segmentos correspondentes nos cromossomos homólogos
e a troca desses segmentos entre as cromátides. Esse
fenômeno é denominado crossing­‑over e tem relevante
importância:

O crossing­‑over permite um novo arranjo de genes entre os cromos-


somos homólogos, fato que se chama recombinação gênica. Com
isso, aumenta­‑se a variabilidade genética das células formadas, fe-
nômeno de notável importância para o processo evolutivo da espécie.
(PAULINO, 2006, p. 175)

A região da cromátide onde ocorreu a troca de segmentos é chamada quiasma.

• Diacinese: os quiasmas formados deslocam­‑se para as regiões terminais do cro-


mossomo homólogo, que se separam. A condensação continua e a carioteca e o
nucléolo somem.

4.2.2.2 Metáfase I

Os cromossomos homólogos (cada um com duas cromátides) dispõem­‑se na região


central do fuso meiótico (zona equatorial da célula). Cada par de cromátides prende­‑se
ao centríolo das fibras do fuso.

4.2.2.3 Anáfase I

Cada par de cromátide (cromossomo homólogo) migra para os polos da célula, as fibras
do fuso meiótico encolhem.

4.2.2.4 Telófase I

Acontece a descondensação dos cromossomos, reorganização da carioteca e do nuclé-


olo. Em seguida, há formação de células­‑filhas com a metade do número de cromosso-
mos da célula­‑mãe original. Observe na figura a síntese da primeira fase da meiose.
118 UNIUBE

Figura 17: Meiose.


Fonte: Acervo EAD – Uniube.

As fases da meiose II são semelhantes às da mitose, tratando­‑se apenas de um pro-


cesso equitativo.

4.2.2.5 Prófase II

Novamente desaparece a carioteca e o nucléolo, inicia­‑se a formação do fuso meiótico


e há a condensação dos cromossomos.

4.2.2.6 Metáfase II

Placa equatorial Os cromossomos são dispostos na placa equatorial da célula,


os centrômeros se duplicam e há a separação das cromátides-
Trata­‑se de uma linha
­‑irmãs que constituirão os cromossomos­‑filhos.
imaginária no meio
da célula, local onde
os cromossomos
permanecem 4.2.2.7 Anáfase II
temporariamente
alinhados quando em
divisão celular. Como as fibras do fuso diminuem, os cromossomos filhos mi-
gram para os polos opostos do fuso.

4.2.2.8 Telófase II

Os cromossomos descondensam­‑se e reorganizam­‑se a cario-


teca e o nucléolo; acontecem a citocinese (separação dos citoplasmas das células­‑filhas)
e a formação, enfim, de quatro células haploides, a partir daquela diploide, que lhe deu
origem. Observe na figura a síntese das duas fases da meiose.
UNIUBE 119

Figura 18: Meiose II.


Fonte: Acervo EAD – Uniube.

SINTETIZANDO...

A meiose é uma divisão celular reducional, ou seja, a célula‑mãe dá origem a quatro células‑
‑filhas, porém com a metade do número de material genético que continha a célula‑mãe.

EXEMPLIFICANDO!

Figura 19: Meiose de uma célula humana.


Fonte: Acervo EAD – Uniube.

Assim como a mitose, a meiose também tem grande importância na manutenção da vida; é
por meio dessa divisão que se dá a formação dos gametas, garantindo‑se, assim, a perpe‑
tuação das espécies.
120 UNIUBE

DICAS

A mitose é uma divisão celular típica de células somáticas, que estão associadas à manuten‑
ção da vida. Já a meiose é típica de células germinativas, que são destinadas à perpetuação
das espécies.

Sobre a divisão celular, podemos também discutir sobre as células‑tronco. Veja, a seguir,
o trecho extraído da Wikipédia que ilustra melhor esse assunto:

AMPLIANDO O CONHECIMENTO

Células‑tronco

As células‑tronco, também conhecidas como células‑mãe ou, erradamente, como células es‑
taminais, são células que possuem a melhor capacidade de se dividir dando origem a células
semelhantes às progenitoras.

As células‑tronco dos embriões têm ainda a capacidade de se transformar, num processo


também conhecido por diferenciação celular, em outros tecidos do corpo, como ossos, ner‑
vos, músculos e sangue. Devido a essa característica, as células‑tronco são importantes,
principalmente na aplicação terapêutica, sendo potencialmente úteis em terapias de combate
a doenças cardiovasculares, neurodegenerativas, diabetes tipo-1, acidentes vasculares cere-
brais, doenças hematológicas, traumas na medula espinhal e nefropatias.

O principal objetivo das pesquisas com células‑tronco é usá‑las para recuperar tecidos
danificados por essas doenças e traumas. São encontradas em células embrionárias e em
vários locais do corpo, como no cordão umbilical, na medula óssea, no sangue, no fígado, na
placenta e no líquido amniótico.

Fonte: <http://pt.wikipedia.org/wiki/C%C3%A9lula‑tronco>. Acesso em: 8 dez. 2009.

Como vimos, a ciência utiliza desses conhecimentos para melhorar a nossa vida!

4.3 A reprodução humana


Antes de tratarmos da reprodução propriamente dita, vamos fazer uma pequena
recordação sobre o sistema genital masculino e o feminino.
UNIUBE 121

4.3.1 O sistema genital masculino

Legenda
1 Bexiga urinária
2 Púbis
3 Pênis
4 Corpos cavernosos
5 Glande
6 Prepúcio
7 Abertura da uretra
8 Intestino grosso
9 Reto
10 Vesícula seminal
11 Ducto ejaculatório
12 Próstata
13 Glândula bulbouretral
14 Ânus
Figura 20: Sistema genital masculino. 15 Ducto deferente
Fonte: Acervo EAD – Uniube. 16 Epidídimo
17 Testículo
18 Escroto

4.3.1.1 O papel dos principais órgãos do sistema genital masculino

• Testículos: constituído de túbulos seminíferos que são os locais onde são produzidos
os gametas masculinos (espermatozoides).

• Epidídimo: enovelado de túbulos que ficam na parte superior dos testículos, encar-
regados de armazenar temporariamente os espermatozoides formados nos túbulos
seminíferos.

• Ducto deferente: túbulo que encaminha os espermatozoides e recebe os líquidos


seminal (que nutre os espermatozoides) e da próstata (que neutraliza a acidez da
vagina, aumenta a mobilidade e fertilidade dos espermatozoides).

• Ducto ejaculatório: canal que recebe o líquido encaminhado pelo ducto deferente
contendo espermatozoides, líquido seminal e da próstata e os encaminha para a
uretra.

• Glândula bulbouretrais: produzem uma secreção lubrificante que é reunida ao


sêmen.

• Pênis: órgão copulador masculino que abriga a uretra. Quando estimulado, projeta
o sêmen para fora do corpo masculino.
122 UNIUBE

CURIOSIDADE

Você sabia que problemas na ereção podem ser indício de câncer de próstata? Se quiser saber
mais, acesse: <http://pt.wikipedia.org/wiki/C%C3%A2ncer_de_pr%C3%B3stata>.

4.3.1.2 O sistema genital feminino

A figura, a seguir, ilustra a constituição do sistema genital feminino:

Figura 21: Sistema genital feminino.


Fonte: Acervo EAD – Uniube.

4.3.1.3 O papel dos principais órgãos do sistema genital feminino

• Ovários: glândula sexual feminina que libera, a cada 28 dias, aproximadamente, os


óvulos que são capturados pelas tubas uterinas.

• Tubas uterinas: são túbulos musculares e flexíveis que permitem a comunicação


entre ovários e o útero.

• Útero: o encontro entre óvulo e espermatozoide, quando acontece, geralmente dá‑se


nas tubas uterinas; após esse encontro, na maioria das vezes o óvulo é encaminhado
e recebido no útero.

• Vagina: é o órgão copulador feminino.


UNIUBE 123

CURIOSIDADE

Por ano, há aproximadamente 500 mil casos novos de câncer de colo de útero no mundo.
Se quiser saber um pouco mais sobre isso, acesse: <http://www.inca.gov.br/conteudo_view.
asp?id=326>.

4.3.1.4 O ciclo menstrual

Ovócito II A menstruação é o período de descamação do útero, que ocorre


quando não houve a fecundação do ovócito II da mulher. A
É uma célula cuja descamação do útero acontece porque há um rompimento de
formação inicia-se
alguns vasos sanguíneos do mesmo, fazendo com que ocorra
na meiose II e só
para na metáfase uma pequena hemorragia no útero.
II, completando o
processo de divisão O ciclo acontece a cada 28 dias, aproximadamente, e dura por
somente se o óvulo for volta de 3 a 5 dias. A mulher com ciclo de 28 dias costuma ovular
fecundado.
no 14° dia, sendo aqueles dias mais próximos da ovulação os
considerados mais férteis.

Levando‑se em consideração que o óvulo pode manter‑


‑se viável por cerca de um dia após a ovulação, que
esta pode adiantar ou atrasar em um determinado ciclo
e, ainda, que os espermatozoides podem manter‑se
viáveis por cerca de dois ou mais no corpo feminino,
é possível calcular o período fértil de uma mulher com
ciclo menstrual regular da seguinte maneira: calcula-se
o dia provável da ovulação contando catorze dias antes
da data marcada para o início da menstruação; então
contam-se três dias antes e três dias depois do dia pre-
visto para a ovulação. Esse período é mais ou menos
uma semana é chamado período fértil, ou seja, o período
em que a mulher tem mais chances de engravidar ao
manter relação sexual. (PAULINO, 2006, p. 38)

4.3.2 A gametogênese

Gametogênese é o processo pelo do qual se dá a formação de gametas. Ela


abrange:

• espermatogênese: formação de espermatozoides;

• ovulogênese: formação de óvulos.


124 UNIUBE

4.3.3 A espermatogênese

Espermatogônias
No homem, as células germinativas primordiais transformam‑
-se em espermatogônias (2n) e, após passarem pelas fases
São células que da multiplicação, crescimento, maturação e diferenciação, dão
darão origem aos origem aos espermatozoides (n). Estes vão se acumulando nos
espermatozoides. tubos seminíferos.

4.3.4 A ovulogênese

Na mulher, as células germinativas primordiais transformam‑se


Ovogônias
em ovogônias (2n) e, também após passarem fases de multi‑
São células que darão plicação, crescimento, maturação e diferenciação, dão origem
origem aos ovócitos. ao óvulo. Na espécie humana, esse processo só se completa
quando a mulher começa a ovular.

4.3.5 A fecundação

Compreendidos os processos de formação, desenvolvimento e maturação dos gametas


masculinos e femininos, passamos para o momento de encontro entre esses gametas
que culmina na formação de um novo ser.

EXPLICANDO MELHOR

Fecundação é o encontro entre os gametas masculino (haploide/ n) e o feminino (haploide/n),


formando uma célula‑ovo ou um zigoto (diploide/2n), ou seja, é a reunião de parte do material
genético masculino e feminino que culmina na formação de um novo indivíduo. A constituição
genética deste será a combinação dos materiais genéticos dos pais.

Em condições normais, na ejaculação são eliminados na vagina cerca de


300 milhões de espermatozoides. Estes penetram o colo do útero e chegam
à tuba uterina, local onde encontrarão o óvulo a ser fecundado.

Em contato com o óvulo, os espermatozoides liberam enzimas que irão


romper a membrana que envolve o óvulo. No entanto, normalmente somente
um espermatozoide consegue penetrar o óvulo. Quando o espermatozoide
penetra o óvulo, forma‑se uma membrana de fecundação que bloqueia a
entrada dos outros espermatozoides que rodeiam o óvulo.

A partir do encontro do material genético masculino e feminino sucessivas


divisões celulares se iniciam, o zigoto origina um embrião que percorre a
tuba uterina e se instala no endométrio do útero, caracterizando um processo
chamado nidação. (PAULINO, 2006, p. 38)
UNIUBE 125

Se fecundação é o encontro entre os gametas masculino e feminino que culmina na formação


de outro indivíduo.

CURIOSIDADE

Dentre os variados processos utilizados para a esterilização, a vasectomia e laqueadura são


alguns dos métodos contraceptivos de alto grau de eficácia.

Caso queira conhecer melhor esses métodos, acesse: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Vasectomia>.

4.4 O desenvolvimento humano


O desenvolvimento humano é um processo contínuo iniciado quando o ovócito de uma
mulher é fecundado por um espermatozoide, dando início às inúmeras transformações.
Esse desenvolvimento é objeto de estudo da embriologia, que estuda o desenvolvimento
de um ser humano desde o zigoto até o nascimento.

AGORA É A SUA VEZ

Por que é importante para o pedagogo compreender o desenvolvimento humano? Registre a


resposta em seu Trabalho de Construção da Aprendizagem – TCA.

O estudo dos estágios pré‑natal do desenvolvimento, especialmente


os que ocorrem durante o período embrionário, ajuda‑nos a compre‑
ender as relações normais entre as estruturas do adulto e as causas
das anomalias congênitas. A embriologia elucida a anatomia e explica
como as anomalias se formam. No período que vai da terceira à oitava
semana, o embrião é vulnerável à quantidade elevadas de radiação,
vírus e certas drogas. (MOORE, 2000, p. 3)

Compreender o desenvolvimento humano então é de grande importância para que se


possa respeitar o ritmo de aprendizagem de cada um e traçar estratégias de aprendi‑
zagem coerentes com as habilidades ou limitações discentes.
126 UNIUBE

4.4.1 Tipos de ovos

Além do material genético que cada um dos gametas contribui para a formação do zi-
goto, os óvulos acumulam vitelo que é o material encarregado da nutrição do embrião.
O vitelo garante o desenvolvimento do zigoto nos estágios iniciais.

Conforme a quantidade e distribuição do vitelo, os óvulos são classificados em oligo-


lécitos, heterolécitos, telolécitos e centrolécitos. Observe a definição de cada um dos
tipos, a seguir.

4.4.1.1 Ovo oligolécito

Também chamado de isolécito, alécito ou homolécito, caracteriza­‑se pela pequena


quantidade de vitelo presente no ovo e pela distribuição homogênica em seu interior.
No processo de clivagem, esse tipo de ovo tem segmentação total ou holoblástica, ou
seja, a segmentação atinge todo o ovo.

Esses óvulos são observados nos poríferos, celenterados, equinodermos e mamíferos.

Figura 22: Ovo oligolécito.


Fonte: Acervo EAD – Uniube.

4.4.1.2 Ovo heterolécito

Também chamado de mediolécito, mesolécito ou telolécito incompleto, esse


ovo caracteriza­‑se por apresentar mais vitelo que os ovos oligolécitos. O vitelo encontra-
­‑se concentrado num polo chamado de vegetativo do óvulo, e no outro polo, denominado
polo animal, encontra­‑se o núcleo da célula. No processo de clivagem, esse tipo de
UNIUBE 127

óvulo tem segmentação holoblástica desigual: a segmentação Platelmintos,


do ovo é desigual. Anelídeos e
moluscos
Esses óvulos são observados nos platelmintos, anelídeos,
moluscos, peixes e anfíbios. São animais inver-
tebrados. Ex.: platel-
mintos: planária;
anelídeo: minhoca;
molusco; lesma.

Figura 23: Ovo heterolécito.


Fonte: Acervo EAD – Uniube.

4.4.1.3 Ovo telolécito

Também chamado de megalécito, caracteriza­‑se pelo alto teor Clivagem


de vitelo presente no óvulo. O núcleo da célula restringe­‑se
a uma pequena região chamada cicatrícula que se localiza Segmentação do ovo,
no polo animal. Por ter essa grande quantidade de vitelo, no divisão.
processo de clivagem, a segmentação acontece apenas
no polo animal onde não há vitelo, sendo por isto denominada Meroblástica ou
parcial discoidal
segmentação meroblástica ou parcial discoidal.
É a segmentação que
Esses óvulos são encontrados em peixes, répteis e aves ocorre apenas onde
não há vitelo.

Figura 24: Ovo telolécito.


Fonte: Acervo EAD – Uniube.
128 UNIUBE

4.4.1.4 Ovo centrolécito

Artrópodes
Caracteriza­‑se pela presença de vitelo na região central do
óvulo, ao redor do núcleo, sendo observado na maioria dos
Grupo de animais
artrópodes. No processo de clivagem, a segmentação desse
invertebrados
caracterizados por tipo de ovo é a meroblástica superficial. Nesse caso, o núcleo
possuírem membros sofre várias divisões e os núcleos formados migram para a parte
rígidos e articulados. periférica do ovo, organizando os blastômeros.
Ex.: aranhas, formigas.

Figura 25: Ovo centrolécito.


Fonte: Acervo EAD – Uniube.

4.4.2 Clivagem do zigoto

Logo após a fecundação, inicia­‑se o processo de segmentação (ou clivagem) do zigoto.


Repetidas divisões mitóticas (por mitose) leva o zigoto ao aumento expressivo de cé-
lulas que se tornam cada vez menores e passam a ser chamadas de blastômeros. Da
clivagem fazem parte as seguintes etapas:

• primeiro, o zigoto se divide em dois blastômeros;

• por volta de 30 horas após a fecundação, essas células se dividem em quatro blas-
tômeros, depois em oito blastômeros, e assim por diante. Enquanto essas divisões
estão ocorrendo, o zigoto segue na tuba uterina em direção ao útero;

• quando se encontram aproximadamente 15 blastômeros, o ser em desenvolvimento


é chamado de mórula.

4.4.3 A formação do blastocisto

Segundo Moore (2000, p. 4), depois de aproximadamente quatro dias após a fecundação,
a mórula entra no útero, e um fluido do útero penetra na mórula, formando um espaço
dentro dela cheio de fluido. Com isso, os blastômeros separam­‑se em duas partes:
UNIUBE 129

• os trofoblastos: uma fina camada externa de células que dará origem à parte em‑
brionária da placenta;

• os embrioblastos: grupo de blastômeros que dará origem ao embrião.

Esse conjunto de células formadas será denominado, a partir de agora blastocisto.

Figura 26: 1. mórula. 2. blastocisto.


Fonte: Acervo EAD – Uniube.
Cerca de seis dias após a fertilização, o blastocisto prende‑se à parede do útero e o
trofoblasto, camada externa anteriormente formada, começa a crescer e, com rapidez,
diferencia-se em duas camadas:

• trofoblasto celular: uma camada interna de células;

• trofoblasto sincicial: uma camada externa de células.

Prolongamentos da camada externa das células do blastocisto (trofoblasto sincicial)


estendem‑se pela mucosa que reveste a parede uterina (endométrio), invadindo os
tecidos dessa mucosa. Como o trofoblasto sincicial é extremamente invasivo, ele faz a
erosão dos tecidos do endométrio, possibilitando a penetração total do blastocisto. Ao
final da primeira semana, o blastocisto está implantado superficialmente na camada
compacta do útero (endométrio) e alimenta‑se de tecidos maternos.

RELEMBRANDO

O desenvolvimento humano inicia‑se logo após a fecundação. O zigoto passa por várias
clivagens enquanto caminha nas tubas uterinas em direção ao útero. Nesse percurso,
ele passa pelos estágios de blastômeros, mórula e blastocisto. Ainda no estágio de mórula,
dá‑se o início de implantação no útero que, auxiliada pelo sinciciotrofoblasto, células extre‑
mamente invasivas do epitélio do endométrio. Ao final da primeira semana, o blastocisto está
implantado superficialmente no endométrio.
130 UNIUBE

A implantação do blastocisto começa no final da primeira semana e termina no fim da


segunda semana.

Nesse período, de acordo com Moore (2000, p. 10), o sinciciotrofoblasto começa a


produzir um hormônio chamado gonadotrofina coriônica humana (hCG), que penetra
no sangue materno nas lacunas do sinciciotrofloblasto. Esse hormônio mantém a ati‑
vidade endócrina do corpo lúteo durante a gravidez e constitui a base dos testes de
gravidez.

No final da segunda semana, o sinciciotrofoblasto já produz uma quantidade suficiente


de hCG para dar um teste positivo de gravidez, apesar de, provavelmente, a mulher
não saber que está grávida.

O blastocisto também pode implantar‑se em locais fora do útero! Esse tipo de gravidez
é chamada de ectópica.

CURIOSIDADE

Caso queira saber mais sobre a gravidez ectópica, acesse: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/


publicacoes/25gestacao_alto_risco.pdf>.

Além da gravidez ectópica, o embrião corre outros riscos em suas primeiras semanas
de gestação, e um deles é o aborto espontâneo. A maioria deles ocorre durante as três
primeiras semanas.

É difícil determinar a frequência com que este tipo de aborto acontece porque eles ocor‑
rem sem, às vezes, a mulher saber que estava grávida. É comum acontecer logo após
o atraso da menstruação. Como o embrião é muito pequeno, é eliminado juntamente
do sangue e passa despercebido.

Como você pode ver a seguir, as causas dos abortos espontâneos podem ser variadas,
mas segundo Carr e Gedeon (1977) apud Moore (2000), calcula‑se que 50% de todos
os abortos espontâneos registrados resultam de anormalidades cromossômicas.

CURIOSIDADE

Se preferir, entenda um pouco mais sobre o aborto espontâneo acessando <http://pt.wikipedia.


org/wiki/Aborto_espont%C3%A2neo>.
UNIUBE 131

IMPORTANTE!

A administração de doses relativamente grandes de estrógenos (pílula do


dia seguinte) durante vários dias, começando pouco depois de uma rela‑
ção sexual não protegida, geralmente não impede a fertilização, mas, com
frequência, impede a implantação do blastocisto. Dietilestilbestrol, dado
diariamente em altas doses, também pode acelerar a passagem do zigoto
em divisão ao longo da tuba uterina (KALANT et al., 1990). A administração
pós‑concepção de hormônio para impedir a implantação do blastocisto é,
alguma vezes, usada em casos de agressão sexual ou vazamento de uma
camisa de vênus, mas este tratamento é contraindicado para uso rotineiro
com o anticoncepcional. (MOORE, 2000, p. 55)

4.4.4 A gastrulação

Gastrulação é o processo por meio do qual as células embrionárias são totalmente remo‑
deladas, originando a gástrula e definindo o plano corporal do futuro animal.

No início da terceira semana de gestação, tem‑se a blástula (uma esfera cheia de líquido)
que diferencia um polo animal e outro vegetal. As células do polo animal dividem‑se
mais lentamente que as do polo vegetal. As do polo vegetal invaginam‑se, fazendo
com que o líquido no interior da blástula desapareça. Forma‑se, então, o arquêntero,
também chamado de intestino primitivo.

Todo o rearranjo das células resulta na formação de três camadas do embrião:

• a endoderme: dá origem aos revestimentos epiteliais das passagens respiratórias


e de órgãos como fígado e pâncreas;

• a ectoderme: dá origem à epiderme, ao sistema nervoso central e periférico e a


várias outras estruturas;
132 UNIUBE

Figura 27: 1. blástula. 2. gástrula.


Fonte: Acervo EAD – Uniube.

• a mesoderme: dá origem a camadas musculares lisas, a tecidos conjuntivos,


forma o sistema cardiovascular, é fonte de células do sangue, da medula óssea,
dentre outros.

Estrutura embrionária que dará origem ao cérebro e à medula espinal.

Em um estágio mais adiantado do desenvolvimento da gástrula, sua região dorsal


achata­‑se e forma a placa neural, estrutura que dará origem posteriormente ao cérebro
e a medula espinhal. Depois, as células ectodérmicas (exteriores) das bordas da placa
neural multiplicam­‑se até recobrir a placa neural. A placa neural, então, invagina­‑se
e forma­‑se uma goteira que dará origem ao tubo neural que desenvolverá o sistema
nervoso central.

Após a gastrulação, as células embrionárias iniciam a formação de tecidos e órgãos


especializados a partir dos três folhetos embrionários (endoderme, mesoderme e ec-
toderme), por isso, é então chamada organogênese.

4.4.5 A organogênese

A partir desse estágio de formação do tubo neural, a gástrula passa a ser chamada de
nêurula, que abrange o início da formação dos órgãos (organogênese).

À medida que o tubo neural vai se formando, as porções laterais da mesoderme


evaginam­‑se e vão organizando duas bolsas bilateralmente simétricas chamadas de
somitos. Cada somito possui uma cavidade interna denominada celoma.

Depois da formação dos somitos, a mesoderme situada entre eles e abaixo do tubo
neural diferencia­‑se e organiza um eixo de sustentação denominado notocorda.

Nesse estágio, o embrião revela a presença de mesoderme, endoderme, ectoderme,


um tubo neural, uma notocorda e um intestino primitivo.
UNIUBE 133

Na organogênese, dá­‑se a formação dos anexos embrionários que são estruturas


derivadas dos folhetos embrionários, essenciais para o desenvolvimento do embrião.
No decorrer do desenvolvimento do embrião, os anexos atrofiam­‑se ou são expelidos
no momento do nascimento.

A figura, a seguir, representa um útero gravídico no terceiro ou quarto mês de gestação


e mostra os principais anexos embrionários desenvolvidos.

Figura 28: Plano seccional de um útero gravídico.


Fonte: Acervo EAD – Uniube.

4.4.5.1 Vesícula vitelínica

Vesícula vitelínica, ou saco vitelínico, é um anexo que tem função, na maioria dos ani-
mais, de nutrir o embrião, permanecendo ligado ao intestino. À medida que o embrião
se desenvolve e faz o consumo do vitelo, consequentemente o saco vitelínico vai se
reduzindo até desaparecer.

Nos mamíferos, essa função não é muito relevante o papel de nutrir o embrião é
da placenta.

4.4.5.2 Âmnio

É uma membrana que envolve completamente o embrião de répteis, aves e mamíferos,


formando uma cavidade denominada amniótica. Esta contém o líquido amniótico, e
é encarregada de proteger o embrião de choques mecânicos e desidratação.

4.4.5.3 Córion ou serosa

Trata­‑se de uma membrana que envolve o embrião e os demais anexos. Ele ocorre
nos répteis, aves e mamíferos, mas nestes últimos contribui para a fixação do embrião
na parede do útero.
134 UNIUBE

4.4.5.4 Alantoide

O alantoide ocorre nos répteis, aves e mamíferos. Nos répteis e aves, ele tem
como função:

• armazenar excretas;

• transferir para o embrião as proteínas presentes na casca do ovo para a formação


do esqueleto do animal;

• permitir trocas gasosas entre o embrião e o meio.

No entanto, nos mamíferos ele não tem essas mesmas funções descritas anteriormente.
Ele apresenta­‑se reduzido e associado ao córion, participando apenas da formação
da placenta.

4.4.5.5 Placenta

A placenta é um anexo característico dos mamíferos e é resultante da fusão do alan-


toide e córion (alantocórion) com a mucosa uterina. Ela permite a nutrição do embrião,
a respiração, a eliminação de excretas, bem como a produção de hormônios gestacio-
nais (gonadotrofina coriônica e a progesterona). A comunicação entre placenta e feto
acontece através do cordão umbilical, observado na figura, a seguir:

Figura 29: Cordão umbilical.


Fonte: Acervo EAD – Uniube.
UNIUBE 135

CURIOSIDADE

A placenta humana impede moléculas de alto peso molecular entrarem em contato com o feto.
Mãe e feto nunca têm o sangue misturado, uma vez que os vasos sanguíneos de ambos não
são contínuos, ou seja, existe uma solução de continuidade que é preenchida pelo sistema
artério‑venoso da placenta, por si só um filtro importante. Fonte: <http://pt.wikipedia.org/wiki/
Placenta>.

4.5 Os estágios do desenvolvimento humano


De acordo com Moore (2000, p. 72), o desenvolvimento humano dá‑se da seguinte
forma:

Na primeira semana, ocorrem:

• a clivagem ou segmentação do zigoto;

• a formação do blastocisto;

• a formação do hipoblasto;

• o início da implantação do embrião no endométrio.

Na segunda semana, ocorrem:

• a formação da cavidade amniótica;

• a formação do saco vitelínico primitivo;

• a formação do disco embrionário bilaminar;

• a implantação total do embrião no endométrio;

• a instalação de uma circulação útero‑placentária primitiva;

• a formação do um saco coriônico;

• a formação da placa precordal.

Na terceira semana ocorrem:

• a gastrulação;
136 UNIUBE

• a neurulação;

• a formação da notocorda;

• o desenvolvimento do celoma intraembrionário;

• o desenvolvimento dos somitos;

• o desenvolvimento do sistema cardiovascular primitivo;

• o desenvolvimento das vilosidades coriônicas terciárias.

AMPLIANDO O CONHECIMENTO

Anomalias congênitas resultantes de neurulação anormal

Como a placa neural, primórdio do Sistema Nervoso Central, aparece durante a terceira se‑
mana e dá origem às pregas neurais e ao início do tubo neural, a perturbação da neurulação
pode causar anormalidades graves do encéfalo e medula espinhal. Os defeitos do tubo neural
(NTDs) estão entre as anomalias congênitas mais comuns (FILLU, 1991). Estima‑se que, no
leste dos Estados Unidos, a incidência de NTDs chegue a 16 por 10.000 nascimentos (GRE‑
ENBERG et al., 1983). (MOORE, 2000, p. 61)

Na quarta semana, ocorrem:

• o dobramento do embrião;

• a conclusão da neurulação.

Da quarta à oitava semana, constitui‑se o período mais crítico do desenvolvimento,


podendo originar grandes malformações congênitas no embrião.

Na quinta semana, ocorrem:

• poucas modificações na forma do embrião em comparação com as anteriores;

• o crescimento da cabeça em consequência do crescimento do encéfalo;

• os brotos dos membros superiores têm forma de remos e os dos membros


inferiores tem forma de nadadeiras;

• o desenvolvimento de rins mesonéfricos que são transitórios na espécie


humana.
UNIUBE 137

Na sexta semana, ocorrem:

•  s membros superiores começam a mostrar diferenciação no cotovelo e se de-


o
senvolvem as grandes placas da mão;

• os dedos começam a se desenvolver;

•  lguns movimentos espontâneos nos embriões, tais como contrações bruscas


a
dos membros;

• as saliências auriculares se formam;

• o desenvolvimento do olho já torna­‑se bastante evidente;

•  cabeça torna­‑se bem maior em relação ao corpo, resultando no encurvamento


a
na região do pescoço do embrião.

Na sétima semana, ocorrem:

• alterações consideráveis nos membros;

•  comum nesta fase a hérnia umbilical, um evento normal no embrião, que ocorre
é
porque a cavidade abdominal é pequena demais para acomodar o intestino.

Na oitava semana, ocorrem:

• os dedos já se encontram separados, apesar de unidos por membranas;

• a ossificação tem início nos membros inferiores;

• há formação do couro cabeludo;

•  embrião já tem características nitidamente humanas, apesar de a cabeça ser


o
desproporcionamelmente grande em relação a corpo;

• as pálpebras são óbvias;

• as aurículas das orelhas começam a assumir sua forma final.

As demais semanas, até o nascimento, caracterizam­‑se principalmente pelo crescimento


dessas estruturas já desenvolvidas nas oito semanas de gestação.
138 UNIUBE

4.6 Conclusão
O reconhecimento das dimensões biológicas dos seres vivos é necessário e envolve
a compreensão da origem da biodiversidade, origem da vida, bem como o estudo da
célula. A compreensão e discernimento das células haploides e diploides, dos tipos de
organização da célula, bem como das divisões celulares que acontecem em células
somáticas e germinativas é essencial para o entendimento do processo realizado na
gametogênese.

Para a compreensão do desenvolvimento humano foi necessário resgatar a constitui-


ção e funcionamento do sistema reprodutor feminino e do masculino, a formação dos
gametas, a fecundação, os tipos de ovos formados após a fecundação, o processo de
segmentação dos ovos. Do desenvolvimento constituíram ainda a compreensão da
gastrulação, da organogênese e os principais riscos a que estão sujeitos os embriões
durante a gestação.

É imprescindível para o pedagogo a compreensão das dimensões biológicas do ser


humano e os estágios que perpassam todo o seu desenvolvimento, a fim de que se
possa ministrar ou coordenar práticas pedagógicas que respeitem as limitações do
desenvolvimento de cada um. Por isto, ao finalizar este roteiro, espera­‑se que todos
os objetivos tenham sido alcançados, ou que, pelo menos, sirvam de subsídio para
estudos posteriores.

Resumo
Tamanha é a diversidade de vida na Terra que, já há algum tempo, estudiosos dedicaram-
­‑se à pesquisa sobre a origem dessa diversidade. Por um longo tempo, a ideia fixista
de que os seres vivos eram imutáveis teve muitos adeptos, no entanto, prevaleceu o
evolucionismo.

O primeiro evolucionista foi Lamarck, porém, suas ideias não tinham fundamento
científico. Posteriormente, as ideias de Darwin culminaram na elaboração da Teoria da
Evolução que explica cientificamente a variedade de vida entre os seres vivos. A atual
teoria que explica a evolução é a Teoria Sintética da Evolução, uma reformulação da
teoria de Darwin, acrescida do conhecimento das descobertas de Mendel.

Descoberta a origem da biodiversidade, uma nova questão surgiu: quem teria sido o
primeiro ser vivo na Terra? Várias foram as hipóteses propostas, dentre elas a pansper-
mia, a hipótese autotrófica e a heterotrófica. Esta última teve maior número de adeptos
por considerar a simplicidade do primeiro ser, bem como a evolução a partir dele.

Como todo ser vivo, com exceção dos vírus, é formado por células, a partir do surgi-
mento do microscópio, tornou­‑se possível o estudo delas. Elas podem ser classifica-
das quanto à organização do material genético (se são procariontes ou eucariontes);
UNIUBE 139

quanto à quantidade de material genético (se são haploides ou diploides), e quanto


ao envolvimento com o processo reprodutivo (se somáticas ou germinativas). A mitose
e a meiose são os dois tipos de divisão celulares aos quais as células estão sujeitas,
dependendo da sua função ou finalidade.

O sistema reprodutor masculino e feminino é constituído de vários órgãos. Cada um tem


uma função específica como a produção de secreções, o armazenamento de gametas,
o acolhimento dos gametas, dentre outros. A partir da fecundação, inicia­‑se uma série
de processos dos quais fazem parte a clivagem do ovo, a gastrulação, a organogênese
e desenvolvimento dos órgãos que tornam o feto apto para o nascimento.

Atividades

Atividade 1
As figuras 1 e 2 representam divisões celulares que ocorrem nas células dos seres
vivos.

Figura 1 Figura 2

Sobre as figuras, é correto afirmar que:

a) a Figura 1 trata­‑se de uma divisão meiótica, na qual acontece a recombinação de


cromossomos e formam células­‑filhas diferenciadas;

b) a Figura 2 trata­‑se de uma divisão mitótica, a partir da qual originam­‑se células com
a mesma composição genética;

c) a Figura 1 é uma mitose, divisão celular dividida em duas etapas: uma reducional e
outra equitativa;

d) a Figura 2 é uma meiose, divisão celular comum entre as células germinativas.

Atividade 2
Elabore um esquema ou desenho que ilustre todos os órgãos que fazem parte do sis-
tema reprodutor masculino e o trajeto do espermatozoide, desde a sua formação até
a ejaculação.
140 UNIUBE

Referências
DISCOVERY CHANNEL. Gravidez: a vida antes do nascimento. 1 videocassete (25 min.), color. São
Paulo: Abril Vídeos, 1995.

____. Sexo: a atração vital. 1 videocassete (25 min.), color. São Paulo: Abril Vídeos, 1995.

MOORE, Keith L; PERSAUD, T. U. N. Primeira semana do desenvolvimento humano. In: Embriologia


básica. Trad. Fernando Simão Vergman. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2000.

____. Segunda semana do desenvolvimento humano. In: Embriologia básica. Trad. Fernando Simão
Vergman. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2000.

____. Introdução à embriologia humana. In: Embriologia básica. Trad. Fernando Simão Vergman.
5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2000.

____. Reprodução humana. In: Embriologia básica. Trad. Fernando Simão Vergman. 5. ed. Rio de
Janeiro: Guanabara Koogan, 2000.

____.Terceira semana do desenvolvimento humano. In: Embriologia básica. Trad. Fernando Simão
Vergman. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2000.

____. Período da organogênese: da quarta à oitava semana do desenvolvimento humano. In:


Embriologia básica. Trad. Fernando Simão Vergman. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2000.

PAULINO, Wilson R. Biologia. vol. 1 e 3. São Paulo: Ática, 2006.

Referências eletrônicas

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unicamp.br/iel/site/alunos/publicacoes/textos/d00005.htm>. Acesso em: 8 dez. 2009.

WIKIPEDIA. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org>. Acesso em: 8 dez. 2009.

ZACHARIAS, Vera Lúcia Camara. Vygotsky e a educação. Centro de Referência Educacional –


consultoria e assessoria em educação: 2007. Disponível em: <http://www.centrorefeducacional.com.br/
vygotsky.html>. Acesso em: 12 dez. 2009.
UNIUBE 141

Capítulo Aspectos
5 biopsicossociais
do desenvolvimento
infantil

Waldiva Carvalho Ferreira

Introdução
Neste capítulo iremos estudar a importância dos aspectos biológicos, psico‑
lógicos e sociais da criança para o seu desenvolvimento harmônico e pleno.
Gostaria que você atentasse para a ênfase que será dada às características
de cada fase e também como o educador pode construir uma aprendizagem
mais científica a respeito do desenvolvimento infantil.

Nesse sentido, acreditamos que esse conhecimento poderá oportunizar‑lhe


uma prática pedagógica frente à educação infantil mais individualizada,
personalizada, portanto mais específica às necessidades individuais das
crianças.

Cognitivo Conhecer o desenvolvimento infantil é fundamental


para futuros profissionais da educação como você,
Aspecto do pois, a partir de estudos como esses, serão discutidos
desenvolvimento que aspectos relevantes acerca do “padrão de normali‑
leva em consideração:
inteligência,
dade” de desenvolvimento psicomotor, social, afetivo
pensamento, memória e cognitivo das crianças, bem como suas alterações,
e atenção. Constitui evitando que elas possuam dificuldades de aprendi‑
uma das áreas básicas zagem, possibilitando que elas encontrem na escola
do desenvolvimento
um espaço de aprendizagem significativa.
infantil.

Ainda é importante lembrar a relevância desse estudo


para orientação à comunidade, bem como no trabalho
com as famílias das crianças com o objetivo de orien‑
tar e prevenir atrasos, doenças e/ou deficiências.
142 UNIUBE

Objetivos
Considerando o exposto da introdução, este capítulo tem como objetivos:
• compreender o desenvolvimento físico e psicossocial da criança;
• conhecer alterações que possam prejudicar o desenvolvimento físico
da criança;
• identificar o desenvolvimento e distúrbios psicomotores;
• identificar e utilizar métodos de prevenção e atuação deles;
• compreender a dinâmica mamãe/bebê e a evolução psicossocial da
criança;
• ser capaz de uma avaliação mais ampla num sistema aberto de análise
e atuação, considerando os diferentes contextos em que você, como
pedagogo, irá atuar: clínica, creches, escolas e hospitais.

Esquema
5.1 Desenvolvimento físico da criança

5.1.1 Desenvolvimento físico de 0 a 3 anos

5.2 Relação mamãe­/bebê e o desenvolvimento psicossocial

5.3 Alterações no desenvolvimento físico e suas causas

5.3.1 A Síndrome de Down

5.3.1.1 Relato de experiência com a Síndrome de Down

5.3.2 Síndrome alcoólica fetal

5.3.2.1 Relato de experiência com a síndrome alcoólica fetal

5.3.3 Prematuridade

5.3.3.1 Relato de experiência com a prematuridade

5.3.4 Asfixia Neonatal por anóxia ou hipóxia de parto

5.3.4.1 Relato de experiência com asfixia

5.3.5 Paralisia cerebral

5.3.5.1 Relato de experiência com a paralisia cerebral

5.3.6 Epilepsia
UNIUBE 143

5.3.6.1 Relato de experiência com a epilepsia

5.4 Escalas de desenvolvimento

5.5 Intervenção e estimulação precoce

5.6 Diferenças sexuais no desenvolvimento infantil

5.1 Desenvolvimento físico da criança


Para iniciarmos a nossa conversa a respeito de desenvolvi- Desenvolvimento
mento infantil, iremos ressaltar as pesquisas de Jean Piaget neuropsicomotor
que trazem consideráveis contribuições e detalham ampla- (DNPM)
mente os princípios teóricos, nos quais, aspectos como: o
desenvolvimento físico, o raciocínio lógico­‑matemático e a Período desde o
nascimento até
psicomotricidade se entrelaçam no desenrolar do desenvolvi-
cerca de três anos
mento neuropsicomotor da criança. Nessa perspectiva, ao de idade. Nesse
nos referirmos à educação dessa criança, devemos sempre período, a criança
considerar todos esses aspectos. Para tanto, enfocarei aqui os adquire capacidades
princípios teóricos que possam auxiliá­‑lo(a) na compreensão motoras: desde
sustentar a cabeça
do desenvolvimento infantil de forma completa. até correr; cognitivas:
desde seguir com os
É preciso considerar também que, tanto o desenvolvimento fí- olhos um objeto até
sico quanto o desenvolvimento da psicomotricidade, associados conseguir carregar
um copo cheio de
aos aspectos intelectuais, afetivos, sociais e motores da criança,
água sem derramar;
permitem o seu desenvolvimento de forma segura e equilibrada, sociais: desde esbo-
além de viabilizar condições para que a própria criança organize çar o primeiro sorriso
as suas relações com o meio em que convive. até ajudar a calçar
seus sapatos; e de
linguagem: desde
Gostaria de ressaltar, em primeiro lugar, a importância e a in- emitir alguns sons
fluência do desenvolvimento psicomotor para a efetivação das guturais, até falar
aquisições das ações humanas. frases completas,
e/ou comunicar­‑se
eficientemente.
Com o desenvolvimento dos elementos psicomotores, rela-
cionados a seguir, é possível viabilizar para a criança uma
aprendizagem mais segura dos conceitos matemáticos, da
linguagem e da escrita:

• Esquema corporal: a criança aprende desde pequena a reconhecer seu corpo e


partes dele. Inicialmente ela reconhece as partes maiores e mais mencionadas, tais
como: braços, mãos, pernas, pés, cabeça e barriga. Depois, reconhece e pode apontar
partes do rosto, tais como: olhos, cabelo, boca e nariz. Num estágio mais avançado,
a criança poderá apontar essas partes em si, na pessoa que pergunta, e em uma
boneca real ou desenhada. Finalmente, o Esquema Corporal é completo quando
144 UNIUBE

a criança não só aponta partes conhecidas e muito mencionadas, mas também as


partes mais detalhadas, tais como: sobrancelhas, pestanas, cotovelo, calcanhar,
panturrilhas, entre outros.

• Lateralidade: corresponde à predominância do uso de um lado do corpo. A criança


leva um tempo para definir qual lado do seu corpo será o dominante, ou seja, aquele
que ela usará com melhor habilidade e com mais frequência. Mesmo num bebê muito
pequeno é possível prever­‑se qual será seu lado dominante, mas definitivamente só
se tem certeza dessa habilidade por volta dos seis a oito anos de idade.

• Estruturação espacial e temporal: noção que a criança adquire do espaço e do


tempo. No espaço, a criança aprende: alto, baixo, em cima, em baixo, dentro, fora,
sair e entrar. No tempo, a criança aprende: depois, daqui a pouco, amanhã, no Natal,
na Páscoa, no teu aniversário, no domingo e nas férias. Jean Piaget (1990) coloca
que uma criança bem pequena não tem noção do que significa “daqui a pouco”, por
isso chora desesperada quando quer algo. Aos poucos, vai adquirindo essa noção.
É importante, por exemplo, que mães e professores, introduzam devagar esse co-
nhecimento. Ao chamá­‑la para atividades e refeições, devem fazê­‑lo calmamente
em três etapas, não esperando que a criança responda na primeira chamada. Ela
precisa de tempo para mudar de uma ação à outra.

Agora, iremos conversar a respeito do desenvolvimento físico da criança e os aspectos


fundamentais para que a criança se desenvolva de forma natural e tranquila. Nós, edu-
cadores precisamos nos atentar para esse “padrão de normalidade” no sentido de que
possamos compreender melhor nossas crianças, bem como trabalhar com as mesmas
já identificando as habilidades e possibilidades que têm.

Esse conhecimento poderá proporcionar­‑lhe mais compreensão nas reações de


seus alunos.

5.1.1 Desenvolvimento físico de 0 a 3 anos

Segundo Coll (1997), o desenvolvimento neuropsicomotor vai desde o nascimento até


os três anos de idade do bebê. Nessa fase, o bebê precisará passar por etapas que
incluem desde sustentar a cabeça até comunicar­‑se verbalmente. Essas etapas preci-
sam acontecer na sequência correta, sem que nenhuma seja negligenciada.

Nos primeiros meses, a área motora será a preponderante. A direção em que se dá


o desenvolvimento é da cabeça para os pés (céfalo­‑caudal), portanto, primeiramente,
o bebê irá controlar a cabecinha, em seguida os ombros e os braços e finalmente as
pernas, adquirindo equilíbrio e caminhando livre e organizadamente.

A movimentação, às vezes frenética, de braços e pernas, aparentemente desorganizada,


que o bebê faz em seu berço, tem para ele um significado importante, o de conhecer
UNIUBE 145

como funciona seu corpo. Ele se movimenta na intenção de Sons guturais


autoestimular­‑se, assim como, em seguida, soltará sons
guturais experimentais e explorará o ambiente em busca de Sons que o bebê começa
informações. a emitir poucos dias
depois de nascido. São
sons indefinidos de
O progresso do bebê se dá como se ele subisse uma escada experimentação das
lentamente, degrau por degrau. É até por isso que os exames cordas vocais. A partir
de desenvolvimento se chamam “escalas”. O teórico francês desses sons, a criança vai
Jean Piaget (1990) afirma em seus estudos que, embora o começar a emitir gorjeios,
bebê esteja como que galgando cada degrau, ele volta mo- em seguida, sílabas
definidas e mais tarde
mentaneamente ao degrau anterior para ter certeza do passo palavras com sentido. É o
seguinte. Em outras palavras, ele se desenvolve dando dois começo da comunicação.
passos pra frente e um pra trás. Por essa razão, não é de se É interessante lembrar
estranhar quando um bebê, ao dar os primeiros passinhos, que um bebê surdo emite
esses sons e, ao ser
volte a engatinhar por algum tempo sem se aventurar na no- ensinado a linguagem
vidade da caminhada. de sinais, irá “balbuciar”
como um bebê ouvinte,
Essa pseudorregressão é apenas uma confirmação do sem som, mas com a
aprendido e, segundo Piaget (1990), refere­‑se ao retorno que mesma experimentação
da linguagem. Esses
a criança faz a etapas anteriores, de forma a se assegurar da sinais são válidos ao se
aquisição recém­‑adquirida. É necessário ter em consideração examinar a evolução
as diferenças individuais e não se fazer comparações. Há de sua linguagem
crianças que se desenvolvem muito mais rapidamente que com uma escala de
desenvolvimento durante
outras, entretanto, na dúvida, uma escala de desenvolvimento o desenvolvimento
deve ser usada. Um atraso no desenvolvimento, ou um de- neuropsicomotor.
senvolvimento desproporcionalmente acelerado não se atribui
a fatores genéticos ou a diferenças pessoais. Pseudorregressão

Antes mesmo que a criança inicie seu desenvolvimento, Seria o retorno temporário
existem sinais que nos confirmam a prontidão desse bebê e não patológico a
uma fase anterior do
para que as aquisições sejam consolidadas. Estes sinais se desenvolvimento.
chamam reflexos. Os reflexos são “ensaios” da ação, ou seja, Exemplo: uma criança
em princípio são automáticos e involuntários, depois, pouco aprende a caminhar,
a pouco, na medida em que o sistema nervoso amadurece, mas a mãe se queixa
que ela deu os primeiros
transformar-se­‑ão em ações na conduta consciente. Assim, passinhos e agora só
Cabrera e Palácios (1996) apontam os reflexos como previso- quer engatinhar. Essa
res nos quais poderemos observar se haverá desvios na nor- costuma ser uma fase
malidade da criança que se estuda. Esses sinais, ou reflexos curta de poucos dias, na
aparecem e desaparecem em idades determinadas. qual, mesmo sabendo
dar os passinhos, a
criança permanece
Quando a criança apresenta qualquer engatinhando. Seria
tipo de alteração, por mínima que seja, como se ela voltasse
esta se traduzirá como um transtorno de atrás um pouquinho para
desenvolvimento, o qual impedirá a apa- tomar coragem de investir
rição de uma correta integração funcional definitivamente na nova
[...] Desde o momento do nascimento, se aquisição.
146 UNIUBE

poderá explorar na criança, pelo menos cerca de setenta sinais neu-


rológicos que compreendem o estudo dos reflexos, do tono muscular
etc. (CABRERA; PALACIOS, 1996, p. 25-26)

Para o observador, é mais fácil descobrir aqueles sinais que traduzem claramente a
situação do sistema nervoso do bebê. Aqui serão definidos aqueles que o professor
que trabalha na área de Educação Infantil deverá conhecer.

Haim Grunspun (1982) descreve os reflexos mais simples que serão definidos aqui.
Com esse guia prático, você poderá se beneficiar de uma observação preventiva no
seu trabalho. Preste atenção em cada um e observe em um bebê conhecido seu.

Inicialmente serão descritos os reflexos, em seguida, será apresentado um quadro


destes. Utilize­‑se das definições e do quadro para saber em que idade esse reflexo
deve estar presente, quando ele não deverá mais existir e, na ausência ou persistência
do reflexo, o que poderá estar ocorrendo no sistema nervoso do bebê (GRUNSPUN,
1982; FLEHMINGl, 2004).

Definições dos reflexos

• Reflexo de moro: esse reflexo apresenta­‑se normalmente do nascimento até o


terceiro mês de idade. Consiste na reação total do corpo que se inicia por estímulo
repentino, como: barulho alto, sopro no rosto do bebê, mudança súbita do corpo da
criança. Dá a impressão de que o bebê levou um susto. Normalmente o que ocorrerá
ao ser estimulado, será que o bebê estenderá os braços e as pernas, abrindo as
mãos e esticando dedinhos das mãos e dos pés. Na forma incompleta (aparecendo
já algum problema) a criança somente estenderá os braços.

• Reflexo de sucção: normalmente está presente no nascimento e persistirá durante


o primeiro ano de vida. O estímulo consiste em tocar os lábios do bebê ou o rosto
e a reação dele será de virar a cabeça para o lado tocado e fazer movimentos de
sucção com os lábios e língua.

• Reflexos de preensão palmar e plantar: esses dois reflexos se correspondem.


Apresentam­‑se normalmente em crianças recém­‑nascidas e desaparecem no terceiro
ou quarto mês de vida. Nas mãos a estimulação da superfície palmar causa preensão
forçada. O bebê agarra com tanta força o dedo do examinador, por exemplo, que
será capaz de ser levantada por alguns segundos. A estimulação da planta dos pés
é mais ou menos semelhante: consiste na flexão (dobra) dos dedinhos dos pés como
um movimento de preensão.

• Reflexo de Landau: quando o examinador segura a criança, pelo ventre, paralela-


mente à cama, o corpo forma um arco para baixo e a cabeça está virada tentando
olhar para cima, e a coluna vertebral estendida. Dizemos que o bebê nessa posição
faz movimentos “como uma lagartixinha” tentando erguer a cabeça.
UNIUBE 147

Quadro 1: Idades normais de aparecimento e desaparecimento dos reflexos transitórios


da criança, significado de sua ausência ou persistência.

Idade em que
Idade em que Ausência do Persistência
Sinal não deve mais
aparece sinal tardia
persistir
Problemas de
desenvolvimento
Entre 3 e
Reflexo de do SNC 1, Paralisia
Nascimento 6 meses
moro fraturas de Cerebral
incompletos
clavícula ou
paralisia cerebral
4 meses
Problemas no
Reflexo de acordada Degeneração do
Nascimento desenvolvimento
sucção 7 meses SNC
do SNC
dormindo
Se apresenta
Reflexo de Problemas no
apenas em uma
preensão Nascimento 6 meses desenvolvimento
das mãos: Lesão
palmar do SNC
no SNC
Se apresenta em
Reflexo de Problemas no
apenas um dos
preensão Nascimento 10 meses desenvolvimento
pés: Lesão no
plantar do SNC
SNC
Lesão na medula,
Reflexo de problemas no Sem patologias
3 meses 18 a 24 meses
Landau desenvolvimento associadas
do SNC
1. SNC: Sistema Nervoso Central.

A maturação neurológica ocorre de forma harmônica nas quatro áreas básicas


do desenvolvimento, que são: área motora; área cognitiva; área social e área de
linguagem.

SAIBA MAIS

Maturação neurológica: é o processo de desenvolvimento em essência. Durante os primeiros


anos de vida do bebê, as células cerebrais terminam seu desenvolvimento, estabelecendo
suas funções definitivas. O corpo “aprende” junto com o cérebro em desenvolvimento for‑
necendo as aquisições necessárias para que uma criança se movimente, relacione‑se, e
tenha uma linguagem que lhe dê comunicação eficiente. É desse processo, basicamente,
que esse componente curricular trata. É conhecimento indispensável no papel do professor
de Educação Infantil.
148 UNIUBE

Em seguida, apresenta­‑se um exemplo de escala que considerará as idades de um mês


até cerca de três anos de um bebê normal baseada na escala das psicólogas francesas
Brunet e Lezinne (1981).

Segundo essas escalas de desenvolvimento, a maturação neurológica em busca da


independência na área motora, também chamada de área postural, se dá, generali-
zadamente, na seguinte ordem:

• sustenta a cabeça;

• ergue cabeça e ombros quando deitado de barriga;

• rola para os lados quando deitado de barriga;

• arrasta­‑se de barriga;

• senta­‑se com ligeiro apoio;

• senta­‑se sem apoio com braços livres e coluna reta;

• engatinha em padrão cruzado;

• sustenta o peso do corpo nas pernas sendo segurado;

• fica de pé e abaixa­‑se para pegar um brinquedo;

• dá passos;

• sobe uma escada de pé seguro pela mão;

• sobe uma escada de pé sozinho;

• é capaz de carregar um copo de água sem derramar;

• é capaz de correr e pular em um pé só.

Paralelamente, a área cognitiva também capta a estimulação ambiental e vai formando


os rudimentos de pensamento e raciocínio lógico­‑matemático. Assim sendo, a sequência
progressiva de aquisições é mais ou menos a seguinte:

• segue com os olhos momentaneamente uma argola;

• segura firmemente um chocalho, sacudindo­‑o involuntariamente;

• estende a mão para um objeto que lhe é oferecido;


UNIUBE 149

• agarra dois cubos, um em cada mão;

• agarra uma pastilha entre o polegar e o indicador;

• acha o brinquedo escondido sob um guardanapo;

• pega o terceiro cubo guardando os dois que já segurava;

• faz uma torre de dois cubos;

• vira páginas de um livro;

• faz uma torre de três cubos;

• faz dobras em papel por imitação;

• faz traços verticais e horizontais por imitação;

• faz uma ponte de três cubos;

• faz uma torre com oito cubos.

A área social, também chamada de pessoal­‑social, desenvolve­‑se em conjunto com as


outras áreas, estabelecendo e facilitando as relações interpessoais. Essa área colabora
com a independência do indivíduo e com a formação da sua personalidade. Percebe­‑se
seu desenvolvimento inicial por meio das seguintes aquisições sequenciadas:

• para de chorar quando alguém se aproxima e fala com ele;

• imobiliza­‑se ou vira a cabeça quando alguém fala com ele;

• sorri em resposta ao sorriso de alguém;

• ri às gargalhadas;

• sorri ao espelho;

• leva seus pés à boca;

• compreende uma proibição e interrompe uma ação quando solicitado;

• entrega algo mediante pedido ou gesto;

• repete ações que provocam risos;


150 UNIUBE

• usa uma colher;

• pede seu peniquinho, é capaz de se conter;

• imita ações simples dos adultos;

• ajuda a arrumar seus pertences;

• coloca seus chinelos;

• permanece enxuto durante a noite.

A área da linguagem, também chamada área de comunicação, possui uma pode-


rosa referência sociocultural. É por intermédio da comunicação que o pensamento se
desenvolve e se torna extremamente sofisticado. Essa área acompanha todas as ou-
tras de forma harmônica, desenvolvendo­‑se progressivamente, segundo as seguintes
aquisições:

• emite pequenos sons guturais;

• tagarela em vocalização prolongada como se conversasse com alguém;

• solta gritos de alegria;

• vocaliza sílabas bem definidas (pa­‑pa, ma­‑ma);

• diz três palavras;

• repete um som escutado;

• diz ao menos cinco palavras;

• nomeia ou aponta duas figuras conhecidas (Exemplos: sapato, relógio e caneca);

• aumenta seu vocabulário falando até dez palavras;

• indica cinco partes no corpo de uma boneca (Exemplo: braços, pernas e olhos);

• pede para beber e para comer;

• emprega o pronome “Eu”;

• diz frases completas;

• conta uma história curta com começo, meio e fim.


UNIUBE 151

CURIOSIDADE

Preste atenção aos itens dessa lista de exemplos na área da linguagem e constate algo
interessante. Um bebê surdo que seja estimulado desde cedo a comunicar‑se na língua de
sinais do seu país conseguirá vencer praticamente todos os itens aqui colocados. Ele emite
sons guturais, daí a impropriedade de chamá‑lo de surdo‑mudo. Ele não é mudo, pois tem
possibilidades de aprender a falar; solta gritos de alegria; diz três palavras (com sinais corretos,
ou tentativa dos sinais corretos, e essa tentativa é o “balbucio”, mesmo em língua de sinais),
e assim por diante em todas as solicitações da lista. Por isso essa área é também chamada
de Comunicação, que é um termo mais global. Nesse aspecto, um bebê surdo recebendo
estimulação precoce e sendo educado na língua de sinais de seu país, jamais pode ter seu
desenvolvimento considerado atrasado em qualquer escala ou exame.

Essas capacidades são mais facilmente adquiridas quando o meio é enriquecido por
pessoas que cuidam do bebê com interesse, brincam com ele, estimulam‑no, conversam
com ele e lhe oferecem objetos variados para que ele explore oportunidades diversas
(PEREZ‑RAMOS, 1996).

O professor é um dos profissionais que pode alertar e orientar mães no sentido de


oferecerem esse meio apropriado. Orientações simples tais como, deixar a criança
em ambientes espaçosos e bem iluminados, conversar bastante com ela, dar carinho
e atenção, ter paciência, atendê-la prontamente em suas necessidades podem ser
próprias de todos os profissionais que lidam com bebês e mamães.

5.2 Relação mamãe/bebê e o desenvolvimento psicossocial


A relação mamãe/bebê tem início no momento em que esse bebê é desejado, mesmo
que ele não tenha sido exatamente planejado. Considera‑se a mulher desejosa de ser
mãe como a “boa mãe em potencial”.

O afeto, a dedicação e a aceitação a essa criança tornam a relação mamãe/bebê uma


relação ideal. A mulher predisposta à maternidade tenderá a ser mãe atenta, tolerante,
carinhosa e educadora de seus filhos. Esses fatos se observam a partir de comporta-
mentos explícitos e não de declarações verbais de mulheres as quais poderão estar
contaminadas pelas predisposições sociais.

Decisões íntimas e não reveladas do tipo: “preciso ter filhos, pois a sociedade me exige
isso”, não tenderão a gerar a relação ideal da qual estou tratando aqui. O ser humano
nasce com uma necessidade de atenção, carinho e amor tão grande que pode muito
bem se equiparar à necessidade de alimentação e cuidados.
152 UNIUBE

Somatizações A história registra inúmeros casos de crianças que sofreram le-


sões gravíssimas em seu desenvolvimento, causadas pela falta
São doenças que de atenção e estimulação ambiental; são as chamadas crianças
surgem causadas por
selvagens. Mas abandono e negligência infantil não são fatos
problemas psicológicos
graves. Quando há um históricos antigos, são fatos muito atuais. Pode­‑se ver a mídia
desgaste emocional de veiculando absurdos a esse respeito hoje em dia.
grandes proporções, ou
um acúmulo de situações A pesquisa realizada pelo psicólogo francês, René Spitz (1980)
estressantes, o corpo
é literalmente agredido deixou a comunidade científica chocada ao demonstrar que um
com sintomas físicos. ambiente limpo, com boa alimentação e bons cuidados não
Vocês já devem ter é suficiente para a sobrevivência de um bebê humano. Spitz
ouvido falar que quando descreveu, pela primeira vez, a “Síndrome do Marasmo”, uma
alguém apresenta, por
exemplo, uma úlcera
condição em que a criança é exposta ao ser privada de atenção,
estomacal, essa pessoa amor e carinho.
provavelmente passou
ou passa por situações No capítulo XII de seu clássico livro: “O primeiro ano de vida
emocionalmente da criança” Spitz fala dos transtornos de carência afetiva por
desgastantes. Por isso
esse tipo de doença é privação afetiva parcial. Ao ser privada de uma pessoa em
chamada de doença especial que lhe ofereça cuidado e lhe dê afeto, uma criança
psicossomática. desenvolve sintomas de desamparo, depressão etc. além de
Desamparo
somatizações que poderão levá­‑la à morte. Para você ter uma
ideia da gravidade dessa situação veja o que Spitz escreve
Situação crítica na qual nesse livro:
um indivíduo se percebe
sem saída, sem ajuda e
Em uns estudos realizados [...] encontramos algumas crian-
sem solução. Os efeitos
psicológicos a esse tipo ças que depois de alguns meses de boas relações com suas
de situação costumam ser mães se viram privadas destas durante um período grande. O
de desânimo, depressão substituto da mãe que se lhes proporcionou durante a sepa-
e incapacidade de ração não as satisfizeram. Essas crianças apresentaram um
reação a estímulos e quadro clínico que progredia mês a mês em função do tempo
até a morte. A pessoa que durava a separação.
perde a vontade de lutar
contra o problema, não
• Primeiro mês: As crianças se tornam choronas, exigentes e se
conversa, não argumenta,
e perde mesmo a grudam ao observador que toma contato com elas.
vontade de viver. As
crianças pesquisadas • Segundo mês: Os choros se transformam em gritinhos cur-
por René Spitz (1980) tos. Há perda de peso e paralisação do desenvolvimento
apresentavam essa neuropsicomotor.
situação psicológica. Spitz
associou o Desamparo
a uma síndrome
• Terceiro mês: Recusam o contato, passam a maior parte do
denominada de Síndrome tempo deitados de barriga no berço, têm insônia, continuam
de Marasmo. a perder peso, tendem a contrair doenças, o atraso no desen-
volvimento é evidente e apresentam uma rigidez na expressão
Hipotonia facial (rosto sem expressão).
Diminuição do tônus
muscular. Moleza • Depois do terceiro mês se fixa a rigidez do rosto, os choros
muscular. cessam totalmente e são substituídos por gemidos estranhos,
o atraso aumenta e se transforma em hipotonia.
UNIUBE 153
Se a mãe retorna para a criança, ou caso se consiga achar um
substituto aceitável antes que chegue a um período crítico situado
entre os finais do terceiro e quinto mês, o transtorno desaparece com
surpreendente rapidez. (SPITZ,1980, p. 108).

Antes das pesquisas de Spitz, havia uma interessante discussão no meio científico.
Especialistas, como Sigmund Freud, por exemplo, diziam que na verdade o bebê só
demonstrava precisar da mãe porque esta satisfazia suas necessidades físicas, tais
como alimentação, higiene etc. Segundo eles, não havia provas de que essa criança
“amava” sua mãe, mas sim de que evidentemente “precisava” dela.

No meio dessas discussões surgiram os maravilhosos trabalhos de Spitz e de Harry


Harlow para comprovar o contrário.

Uma incrível demonstração de que o amor materno vai além das necessidades físicas
foi feita pelo pesquisador Harry Harlow, na Universidade de Winscousin, nos Estados
Unidos (HILGARD, 1990). O doutor Harlow é autor do livro A natureza do amor (The
nature of love), um clássico na história da Psicologia infantil. Sobre isso, disse a psicó‑
loga Silvia Helena Cardoso:

O amor é um estado prodigioso, profundo, terno e recompensador.


Os cientistas têm especulado sobre a natureza do amor. Do ponto de
vista de desenvolvimento, as respostas iniciais ao amor do ser hu-
mano são aquelas feitas pelas crianças à mãe verdadeira ou mesmo
por uma mãe substituta. Deste íntimo contato da criança com a mãe,
muitas respostas afetivas são formadas.

A posição comumente sustentada por psicólogos e sociólogos é


clara: os motivos básicos são, em grande parte, de motivações
primárias – particularmente fome, sede, eliminação e dor – e todos
os outros motivos, incluindo amor e afeto, são derivados de motiva-
ções secundárias. A mãe é associada com a saciação das motivações
primárias e, através do aprendizado, é derivado o afeto e o amor.
(CARDOSO, 2001)

AMPLIANDO O CONHECIMENTO

Harlow observou filhotes de macacos criados em jaulas sozinhos apenas acompanhados


por duas bonecas fixadas na jaula. Uma boneca era toda feita de arame e outra de arame
forrado com pelúcia. Na boneca de arame era colocada a mamadeira para que o filhote se
alimentasse. Ao longo de algum tempo, o pesquisador percebeu que sempre que o filhote
sentia fome, procurava a boneca de arame, mas quando queria dormir, sentia medo ou preci‑
sava de proteção corria para a boneca de pelúcia. Essa experiência mostra que o bebê ama
sua mãe não só porque ela o alimenta, mas também porque ela lhe dá afeto e proteção.
É bom lembrar também que um paninho, ou um bichinho de pelúcia para abraçar, pode
significar a necessidade que certas crianças sentem da presença da mãe em tempo integral
e a busca por carinho e segurança.
154 UNIUBE

Se você se interessar por esse assunto poderá ver os experimentos de Harlow na


internet, observando inclusive as demonstrações em vídeo. No site: YouTube você
encontrará as experiências com macacos Rhesus se buscar, por exemplo: “Harry Har-
low monkey experiment”. Preste atenção nas imagens, pois são muito interessantes
e definem a pesquisa.

O Dr. Berry Brazelton é um médico americano muito dedicado e divertido. Possui


um programa na TV americana chamado “Conversando com seu filho”. É pediatra
e psicólogo e, tanto em seus livros quanto em seu programa, ajuda pais a tratarem
não só do desenvolvimento físico saudável de seus bebês, como do desenvolvimento
psicológico, ouvindo queixas, respondendo dúvidas e orientando em atitudes educa-
tivas e esclarecedoras aos pais.

No primeiro capítulo de seu livro Bebês e mamães (1981) são realizados os registros
acerca dos primeiros dias de vida da criança, considerando dois bebês diferentes, o
bebê normal e o bebê sossegado, dando aos leitores uma ideia global das caracte-
rísticas especiais de ambos.

Concordando com Spitz (1980), Brazelton (1981) deixa claro, também, que separar
a mãe do bebê é um problema sério enfrentado pela criança. Nos primeiros meses,
a criança sente a separação, mas varia muito de criança para criança. Entretanto,
quando completa seis ou sete meses, já reconhece a mãe perfeitamente e sente,
tremendamente, qualquer separação dela. Reconhece quando ela se prepara para
deixá­‑lo e reage a isso com choro intenso. O autor coloca algumas experiências que
foram feitas no sentido do apego infantil, nas quais se percebeu que geralmente isso
ocorre com todos os bebês, porém em níveis diferentes.

Alguns bebês reagem a lugares e a pessoas desconhecidas mesmo na presença


das mães com ansiedade extrema. Nas pesquisas, a criança era colocada com a
mãe numa sala cheia de brinquedo: em certo momento, alguém desconhecido da
criança entrava, conversava com a criança e com a mãe e, em seguida, a mãe saía
por alguns momentos. A reação das crianças era diferente. Algumas, mesmo com a
mãe, se mostravam ansiosas.

Inicialmente, a sala desconhecida lhe causava desconforto de tal forma que sequer
explorava os brinquedos, depois a presença da pessoa estranha aumentava esse
desconforto. A saída da mãe era o ponto crítico do processo ansioso, no qual a criança
reagia chorando muito. Outras crianças mostravam pouca ansiedade em relação à
sala estranha e à pessoa estranha, e mesmo com a saída da mãe, continuavam a
exploração interessada dos brinquedos. Pode­‑se perceber que crianças criadas em
creches desde pequenos tendem a estranhar menos lugares e pessoas diferentes.

Os três primeiros anos de vida são importantíssimos para a formação da personalidade


do indivíduo. São bases na preparação para o aprendizado sistemático e acadêmico
e para o estabelecimento da individualidade e independência; nesse sentido, torna-se
UNIUBE 155

essencial que a mãe cuide, sistematicamente, da sua relação com o bebê, pois a
cada etapa vencida no desenvolvimento da criança, aumenta-se o potencial cognitivo,
motor, social e comunicativo, segundo Piaget (1990).

Agora vamos estudar alguns problemas dos quais você provavelmente já ouviu falar
e que podem interferir no desenvolvimento da criança e no seu processo de apren‑
dizagem.

5.3 Alterações no desenvolvimento físico e suas causas


São tantos os incidentes que podem ocorrer desde a concepção até o parto, que cada
criança nascida normal deveria ser considerada um milagre. Para fins de estudo desses
incidentes, costuma‑se dividi‑los pelas épocas em que eles ocorreram.

Mediante a importância que a ocorrência desses incidentes terá no desenvolvimento da


criança, Perneta (1977) propõe uma divisão didática para apresentar as épocas dessa
ocorrência, conforme apresentado a seguir:

Pré-natal – período que vai da concepção até os primeiros sinais de


parto; também chamado período intrauterino.

Perinatal – período iniciado no primeiro sinal de parto e finalizado


48 horas após o parto. É neste período que a preocupação deve estar
em torno do parto e suas condições. A criança precisa estar na idade
correta para esse nascimento, com todas as suas funções neurológi‑
cas, respiratórias, cardíacas e metabólicas maduras suficientemente
garantindo a vida e seu desenvolvimento sadio.

Pós-natal – período que começa 48 horas após o parto e termina


com a morte do indivíduo. Nesse período, cuidados como atenção,
carinho, alimentação e limpeza poderão viabilizar para a criança um
ambiente rico em estimulações e emocionalmente equilibrado para
a continuidade do seu desenvolvimento.

IMPORTANTE!

Em caso de incidentes com a criança, quanto mais cedo ele acontecer, mais prejuízo ele
poderá causar no desenvolvimento dela.
156 UNIUBE

Nessa perspectiva, Krynski (1983) alerta quanto aos cuidados necessários antes, du‑
rante e depois da gestação, tais como:

• planejamento familiar, evitando uma gravidez indesejada;

• idade materna, uma vez que mostram altas incidências de altera‑


ções genéticas em mães de idade avançada, mais precisamente
acima dos 37 anos;

• uso de agentes químicos, necessários ou não, durante a gravidez,


como: medicações variadas, álcool – mesmo em poucas quanti‑
dades – drogas alucinógenas, drogas de todos os tipos, fumo,
exposição a radiações emitidas pelos raios X, delta e gama, no-
tadamente prejudiciais ao feto;

• acidentes que incluam queda, traumas e ferimento à mulher ou ao


concepto.

SAIBA MAIS

Raios X, delta e gama: Em linhas gerais são exposições a irradiações terapêuticas utilizadas
para tratamentos diversos. Costumam ser usadas nos tratamentos de câncer e seus sintomas.
Essas irradiações são notadamente prejudiciais à mãe e ao bebê. Em alguns casos, chegam
a ser prejudiciais mesmo antes da gravidez, causando alterações nas células que irão gerar
o feto. Em alguns países, os raios X não são usados, ou são usados com muito cuidado em
mulheres grávidas, pois a exposição tanto da mãe quanto do feto pode causar problemas de
desenvolvimento.

Drogas alucinógenas: drogas que causam estado alterado de consciência. Essas drogas
alteram o estado natural do indivíduo fazendo‑o ficar mais ativo, mais lento, mais alegre, mais
dinâmico, mais extrovertido, mais triste e mais pensativo, dependendo da droga que foi usada.
Algumas delas fazem a pessoa ver e ouvir coisas fora da realidade, esse efeito é conhecido
como “viagem”. Dependendo da droga e da pessoa que a utilizou, essa “viagem” pode ser
percebida como uma experiência boa ou como uma experiência terrível e assustadora. Es-
sas drogas podem gerar dependência psicológica e física. Algumas são tão poderosas que
a dependência já se estabelece na primeira vez que a droga é usada. Exemplos de drogas
alucinógenas: maconha, LSD, cocaína, heroína, crack etc.

Concepto: denominação destinada ao bebê, assim que nasce. Significa também: aquele que
foi concebido e nasceu.

É muito importante na fase de desenvolvimento, que o adulto responsável, assim


como o professor, compare as crianças umas com as outras de forma a observar as
capacidades apresentadas e pesquisar em que idade a criança deveria ter tal e qual
aquisição. Não é verdade que, se o pai ou a mãe demorou pra caminhar ou falar,
ocorrerá o mesmo com a criança. O desenvolvimento depende de um a boa saúde
UNIUBE 157

física e mental, de uma alimentação balanceada corretamente e de um ambiente


saudável, rico em estimulações, com a presença de adultos e outras crianças.

Uma criança muito quieta e distraída precisa ser observada com cuidado, da mesma
forma que uma criança inquieta e bagunceira. A passividade extrema em uma criança
em desenvolvimento pode ser sinal de que algo errado está ocorrendo com ela. Por
outro lado, a inquietude pode estar associada a problemas neurológicos. Existe uma
excitabilidade natural que a criança apresentará, ao entrar em um ambiente ricamente
estimulativo e diferente para ela. Ali ela irá querer explorar aquilo que é tão interes-
sante e novo. Nessa exploração, você, professor poderá observar o que chamamos
de “hiperatividade útil”, na qual a criança pega um brinquedo, manipula­‑o rapidamente,
larga para pegar outro e assim por diante, sempre explorando e tentando conhecer o
objeto. Entretanto existe a hiperatividade patológica na qual a criança vaga sem rumo
ou objetivos pelo ambiente e embora pegue alguns brinquedos e os largue, não se
beneficia de conhecer coisa alguma e quase sempre se mostra irritada e frustrada.

A seguir, vamos conhecer alguns dos problemas mais frequentes que afetam nossas
crianças em idade de desenvolvimento.

As patologias aqui colocadas são de interesse dos professores de Educação Infantil


porque se iniciam muito precocemente na vida de um indivíduo. As providências a se-
rem tomadas nesses casos precisam ser muito urgentes. Pais precisam ser orientados
a agir rápido e saber o que fazer diante desses problemas. Crianças portadoras desses
tipos de alterações não podem esperar até a idade escolar para que sejam colocadas
em um estabelecimento de ensino sem antes terem tido o tratamento necessário que
evita a gravidade posterior do problema. Com o advento da era da inclusão, as crianças
estão indo para a escola comum porque é um direito que assiste a todos, entretanto sem
que as devidas providências sejam tomadas precocemente, fica difícil a essas crianças
atenderem a uma vida acadêmica de forma útil e fica muito frustrante para os profes-
sores e para as próprias crianças o processo de inserção e participação. Serem felizes
entre outras crianças e terem a oportunidade de crescer e se desenvolver se torna bem
mais complicado. É dever e papel do professor ser um agente preventivo na comuni-
dade apontando falhas no desenvolvimento que possivelmente passaram desperce-
bidas por pais e médicos. Não é raro que as atitudes e alguns pequenos sintomas em
uma criança sejam percebidos por educadores em creches e professores de maternais
e jardins de infância devido à sua intimidade com o cotidiano dessa criança.

É imprescindível, na ocorrência de qualquer desses problemas, que se possa ter


oportunidade de tomar as seguintes providências:

• haja a detecção precoce, ou seja, o diagnóstico do problema o mais cedo possível;


158 UNIUBE

• haja a Intervenção Precoce, ou seja, a investigação dos problemas apresentados e


orientação aos pais sobre quais providências tomar e quais recursos, instituições
e profissionais procurar;

• e, por último, que seja feita paralelamente a Estimulação Precoce, que é o atendi-
mento às necessidades especiais dessas crianças, com a aproximação do meio e
a facilitação do desenvolvimento sem atrasos.

Trataremos com mais detalhes sobre essa técnica indispensável de atendimento


mais adiante.

Seguindo o modelo de Haim Grunspum (1990), farei um relato de experiência no


atendimento da criança após o estudo de cada um dos problemas. O modelo é in-
teressante para que você possa observar, mesmo que teoricamente, como ocorreu
cada problema em cada pessoa em particular. Todos os relatos são de crianças por
mim atendidas.

Iniciaremos os estudos dos incidentes que afetam a criança no início da vida a partir
da Síndrome de Down, por ser uma síndrome muito conhecida e por estar entre as
ocorrências de origem genética.

5.3.1 A Síndrome de Down

Esta seção pretende auxiliar você, professor(a), a estar preparado(a) para receber
uma criança portadora da Síndrome de Down com segurança, pois essa síndrome
estará sempre presente na rotina da sua escola.

Esteja atento para algumas coisas bastante simples:

• veja que a incidência da Síndrome de Down é tão grande que dificilmente você
encontrará alguém que nunca conheceu uma pessoa portadora dela;

• preste atenção no seu aluno como um ser humano e como uma criança igual às
outras. Nas palavras de um aluno portador da síndrome: Esqueça meu terceiro
cromossomo, olhe para mim como um ser humano que eu sou. Ser amigo, tolerante
e não discriminar é um dever do professor;

• pergunte o nome dele antes de querer saber dos problemas que ele poderá causar.
Ninguém pretende dizer que essa é uma tarefa fácil. Você descobrirá junto com
seu aluno como ajudá­‑lo e aprenderá muito com ele;
UNIUBE 159

• a vida tem muitas surpresas. Nós todos somos mais diferentes que iguais. Estude
com dedicação as informações aqui colocadas e, quem sabe, nunca mais você
precisará dizer que não está preparado para receber algum aluno.

Síndrome é um conjunto de sinais e sintomas que carac‑ Anomalias genéticas


terizam determinada condição. Segundo Lefèvre (1972), a
Síndrome de Down se apresenta como uma das anomalias Alterações na
genéticas mais comuns, provocando alterações físicas e men- formação biológica
devido a fatores
tais não progressivas. Ela é originada no período pré‑natal do herdados dos pais e
desenvolvimento da criança; foi descrita primeiramente pelo familiares que fazem
americano Langdon Down, em 1866, e também é conhecida com que uma pessoa
como trissomia do par de cromossomos número 21. tenha algum problema
não só nos aspectos
físicos, também,
refletindo nos aspectos
psicológicos.

AMPLIANDO O CONHECIMENTO

Julian de Ajuriaguerra, em seu Manual de psiquiatria infantil, não denomina a síndrome


com o nome do cientista Langdon Down, ele chama‑a apenas de Trissomia do 21. Esse fato
deve‑se à discordância dos franceses quanto ao nome dado à síndrome. O francês Jérôme
Jean Louis Marie Lejeune foi o cientista que descobriu o terceiro cromossomo que caracteriza
a síndrome, e foi o americano Langdon Down quem a descreveu pela primeira vez, sendo,
desde então, dado seu nome.

A Síndrome de Down ou Trissomia do 21, como chama Julian de Ajuriaguerra, altera


consideravelmente a aparência física do indivíduo. Pode causar deficiência mental se
não tratada convenientemente, por ocasionar lesões no sistema nervoso central. Hoje já
não se considera que a Síndrome de Down terá como consequência certa a deficiência
mental, pois com um bom tratamento, a criança poderá ter inteligência normal.

A criança portadora dessa anomalia genética nasce geralmente com uma hipoto‑
nia grave, ou seja, uma moleza muscular que atrapalha o desenvolvimento neuro‑
-psicomotor. Na maioria dos casos os traços físicos apresentados pelos bebês, entre
outros, são, segundo Lefèvre (1972):

• olhos oblíquos com aparência oriental;

• palmas das mãos com apenas três linhas;

• dedos curtos;

• mãos e os pés pequenos;


160 UNIUBE

• céu da boca fundo e ovalado;

• língua projetada;

• achatamento da parte de trás da cabeça;

• cabelos lisos e finos.

Anomalias Em pelo menos 60% dos casos das crianças portadoras da


cardíacas Síndrome de Down, aparecem anomalias cardíacas graves,
o que constituía, até pouco tempo, a maior causa das mortes
Alterações na prematuras segundo Lefèvre (1972). Esse quadro foi alterado
formação do pela evolução das técnicas nas cirurgias cardíacas e terapias
coração. Defeitos antibióticas.
que impedem
o coração Um dado relevante sobre essa patologia é a respeito da sobre-
de executar vida dos indivíduos afetados, que era limitada até os nove anos
corretamente de idade e que, com as mudanças dos tratamentos cardíacos,
sua função.
com a evolução terapêutica e a estimulação precoce, essa
Um deles, por
exemplo, é a CIV, sobrevida passou para mais de 35 anos de idade, segundo as
ou comunicação publicações científicas.
intraventricular,
que causa Outro dado relevante, ainda a respeito da sobrevida dos por-
o conhecido tadores de Síndrome de Down, é que hoje você já pode ver
“sopro cardíaco”. portadores com idade avançada. Esse fato demonstra que, com
Assim chamado alguma frequência, esses indivíduos apresentam Síndrome de
porque, quando Alzheimer. Entretanto, podem desenvolvê­‑la em idade muito
o médico ouve os mais precoce do que pessoas que não são portadoras da
batimentos com o
Síndrome de Down. A razão disso, provavelmente, pode ser
estetoscópio, ouve
também um ruído que a Síndrome de Alzheimer também está ligada ao par de
característico cromossomos número 21.
parecido com
um sopro. Essa Além das cardiopatias, o hipotireoidismo e alguns tipos de leuce-
anomalia, se não mia têm incidência aumentada na Síndrome de Down; por outro
corrigida, passará lado, é importante registrar que nem todas as crianças portadoras
a prejudicar o da síndrome apresentarão todos os sinais e sintomas descritos
funcionamento nos livros, até porque mesmo que uma síndrome seja caracte-
dos pulmões.
rizada por um conjunto de sinais e sintomas, um indivíduo não
precisa necessariamente apresentar todos os sintomas e sinais
conhecidos para ser considerado portador dela.

O neurologista brasileiro Antônio Branco Lefèvre (1972) coloca


que a etiologia mais comum da Síndrome de Down é a idade
materna. Essa etiologia, embora seja apenas estatística, é a única realmente conside-
rada. Para Lefèvre, a idade materna a partir dos 37 anos é inicialmente preocupante.
UNIUBE 161

Acima dessa idade, a incidência aumenta bastante, tornando uma gravidez extrema-
mente arriscada para a ocorrência da síndrome. Ainda é desconhecida a causa exata
para a ocorrência do acidente genético que coloca um cromossomo a mais no par 21.

Claudia Werneck (1993) faz um amplo estudo sobre tratamento da síndrome mostrando
dentre outras coisas que as crianças com Síndrome de Down necessitam do mesmo tipo
de cuidado que qualquer outra criança, entretanto, logo no início do desenvolvimento,
os cuidados essenciais que o portador da síndrome precisará serão os da intervenção
e estimulação precoce.

Essa técnica, que é essencialmente preventiva e lúdica, não só colabora para que a
criança tenha rapidamente independência motora, mas age em todo meio ambiente no
qual a criança está inserida. Os profissionais que nela atuam devem ter uma formação
multidisciplinar com o objetivo de oferecer orientação e atendimento específico que
previnam principalmente o atraso no desenvolvimento neuro­psicomotor e a deficiência
mental.

Geralmente uma equipe multidisciplinar adequada para esse caso é composta por mé-
dicos neurologistas e pediatras, psicólogos, pedagogos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos
e terapeutas ocupacionais.

Na prática, observa­‑se que as crianças portadoras da Síndrome de Down são geral-


mente dóceis e carinhosas, com certa lentidão no desenvolvimento. Quando apresentam
boa saúde e são devidamente estimuladas, desenvolvem­‑se normalmente até um ano
de idade, depois disso seguem­‑se ligeiros atrasos em relação ao bebê normal. São
afetuosas e sempre predispostas a oferecer e receber carinho, o que os torna extre-
mamente agradáveis e fascinante a rotina diária de trabalho com eles. Os casos nos
quais se observa agressividade, hiperatividade, e distúrbios no comportamento de uma
forma geral, podem ser causados por falta de atendimento precoce, orientação aos pais
e falhas na educação da criança.

Na educação especial, desde as primeiras fases da estimulação precoce até a idade


adulta, os portadores da Síndrome de Down são as crianças mais fáceis de serem
trabalhadas. São aquelas que, por sua inteiração e comunicação efusivas, mais ofe-
recem o reforço necessário à mãe e à estimuladora para que a rotina de cumprimento
da programação terapêutica seja agradável e bem-sucedida.

Ao contrário do conhecimento comum, não há graus na Síndrome de Down. O que


ocorre é que algumas crianças são mais estimuladas que outras. Isso se deve a vários
fatores tais como as patologias associadas à síndrome, ou seja, doenças que a criança
apresente e que atrapalhem o seu desenvolvimento e sua estimulação. Nesse sentido,
tanto os pais quanto a equipe multiprofissional que acompanha a criança, precisa buscar
tratamentos eficazes e conscientizarem­‑se quanto às necessidades especiais que a
criança irá necessitar para que se desenvolva adequadamente.
162 UNIUBE

A sexualidade do indivíduo portador da Síndrome de Down não é maior, exagerada ou


exacerbada. Você, professor, deve procurar desmistificar essa informação enganosa.
Quando ocorrem manifestações de caráter sexual inconvenientes; estas podem ser
facilmente atribuídas a falhas na educação do indivíduo. Outro indivíduo mal-educado,
com ou sem problema de desenvolvimento, também apresentará essas inconveniências.
Em muitos casos, os portadores da síndrome são desculpados em diversas atitudes que
não se tolera em pessoas que não possuem nenhuma patologia, o que faz com que a
educação seja permissiva e deficitária. Nesse caso, a pessoa portadora da síndrome
aprende que pode se comportar de diversas maneiras pouco sociais, podendo inclusive
apresentar agressividade, pois é sempre desculpado. É função da equipe multidisciplinar
deixar claro para os pais que a educação de uma criança com Síndrome de Down é a
mesma oferecida a uma criança sem a síndrome.

Ao finalizar a descrição da síndrome, Langdon Down enfatiza algo extremamente


importante para que se considere o ensino regular como base de apoio ao desenvol-
vimento acadêmico ideal a essas crianças, ele diz: “[...] são excelentes imitadores”
(PESSOTTI, 1984).

A observação aparentemente ingênua de Langdon Down nos mostra que, sendo ex-
celentes imitadores, eles terão bem mais sucesso se tiverem como padrão de compor-
tamento colegas de uma escola comum. Além do que serão bem mais exigidos. Essa
afirmativa reforça a questão inclusiva que propõe que a escolarização de um portador
da Síndrome de Down deva ser feita, preferencialmente, no ensino regular. Essa fre-
quência no ensino regular deve estar dependente, é claro, de que a criança tenha tido
atendimento precoce, e que tenha condições de estar em sala de aula participando.

As queixas de professores com relação ao comportamento inadequado ou lentidão


exagerada de uma criança com Síndrome de Down não teriam lugar se todas fossem
tratadas por pais e profissionais eficazes e de forma precoce. Prova disso é que, em
vários países, essas crianças frequentam o ensino regular e têm um desenvolvimento
satisfatório na maioria dos casos.

A afirmativa bastante comum de que as escolas não estão preparadas para receber
crianças com necessidades especiais de certa forma está correta, mas também é
correto o fato de que os pais de crianças especiais por sua vez, também não estavam
preparados para receber, assim, seus filhos, mas não puderam recusá­‑los. Sem que
se tenha nas mãos o problema para senti­‑lo, conhecê­‑lo e dar­‑lhe um nome, jamais
haverá desafio, sem desafio não se faz ciência.

5.3.1.1 Relato de experiência com a Síndrome de Down

Como psicóloga na da área de Educação Especial, desde meus primeiros anos de


trabalho na APAE de Araranguá, interior de Santa Catarina, estive em contato com
crianças portadoras da Síndrome de Down. Recebíamos orientações da Fundação
UNIUBE 163

Catarinense de Educação Especial por meio de sua equipe eficiente e muito amiga.
Na época (cerca de 1983), as crianças diagnosticadas com a síndrome, mesmo antes
da idade escolar, eram “rotuladas” de deficientes mentais moderados, pois segundo
a experiência dos profissionais da área, como DM moderado, nenhum down jamais
conseguiria aprender a ler. As equipes volantes interdisciplinares da LBA, vindas de
Florianópolis, acompanhavam nosso trabalho regularmente porque a LBA era órgão
financiador da instituição.

Em uma das visitas técnicas, foi examinada a pasta de um aluno (L.P.) com 11 anos,
portador da Síndrome de Down. Um dos membros da equipe espantou‑se com meu pa‑
recer psicológico diagnosticando L.P. como deficiente mental leve, uma vez que, dentre
outras capacidades, L.P. era alfabetizado. O colega contestou o laudo e comentou em
tom de brincadeira que nós naquele “fim de mundo” estávamos alfabetizando downs.
Sua contestação terminou quando apresentamos L.P. à equipe e ele conversou com
todos os presentes, e educadamente escreveu e leu tudo que lhe foi solicitado.

Esse fato nos dias de hoje pode parecer pequeno e insignificante. Mas diante dele,
podemos avaliar a evolução que os benefícios do processo educacional, da inclusão
e das pesquisas trouxeram para os portadores da Síndrome de Down. E é muito bom
sabermos que poderemos contar, esperançosos e confiantes, com o trabalho de tantos
professores, que como você se dedicam a esse estudo.

Em minha vida profissional, tive centenas de experiências com crianças e adultos por-
tadores da síndrome. Vi bebês crescerem, desenvolverem-se e tornarem-se adultos
capazes. Tive a oportunidade de vê‑los escrever livros, casar, atuar em filmes, receber
prêmios ou mesmo sucumbir às cardiopatias e a tantas doenças quando os recursos
eram escassos. Sorri e chorei com muitas mães. Mas nunca, em nenhum momento
sequer, duvidei da capacidade de crescer de nenhum dos meus pacientes.

CURIOSIDADE

Em um workshop em Londres John Sims e Tracy Lazars (pessoas portadoras da Síndrome


de Down) fizeram e apresentaram esta lista de direitos os quais eles acham que deveriam
ser respeitados em relação a eles.

Temos direito

• à vida (contra o aborto no caso da síndrome);

• a saber que temos a síndrome e que isso nos seja explicado de forma compreensiva
para nós;

• a ensinar os outros sobre a síndrome;


164 UNIUBE

• a não sermos tratados como crianças, e sim como adultos, com igualdade e respeito;

• a falarmos por nós mesmos e por outros;

• a não sermos maltratados por pessoas, governos ou leis;

• a termos participação igual na sociedade;

• a fazer o que desejamos e não o que os outros acham que devemos fazer;

• a sermos ouvidos sobre decisões que nos afetam;

• aos nossos próprios sentimentos e opiniões;

• a dizer “Não”;

• a não sermos rotulados, manipulados, magoados;

• a termos relações interpessoais, sexuais, casarmos ou vivermos com alguém que


queremos;

• a termos filhos e criá­‑los;

• a controlar nosso dinheiro;

• a empregos e salários dignos;

• a tomarmos nossas próprias decisões;

• a termos nossos amigos e vida social;

• a errarmos e aprendermos com nossos próprios erros.

As pessoas que tomam decisões podem ignorar um de nós, mas não podem ignorar
todos nós.

Agora estudaremos alguns problemas bastante comuns cuja ocorrência se dá durante


a gravidez, no período pré­‑natal, mas não são de origem genética.

Sabe­‑se que, nos três primeiros meses de gravidez, o bebê está em formação e que
são os meses mais delicados. Deveria ter­‑se um cuidado especial não só com a mulher
grávida, mas com toda mulher em idade de procriação e com vida sexual ativa. Mui-
tas vezes a gravidez é uma surpresa até mesmo para os casais que tomam diversos
cuidados. Já se teve notícia de mulheres grávidas, no princípio da gravidez e sem o
UNIUBE 165

conhecimento desta, em atividades perigosas e fazendo uso de drogas de uma forma


geral que poderiam causar danos ao feto. Pensando nisso, lembramos que todo cui-
dado é pouco quando há a possibilidade de estarmos abrigando uma nova vida.
O cuidado com gestações não programadas, indesejadas e desconhecidas deve ser re-
dobrado e toda equipe que atenderá a essa futura mãe deverá estar bem informada.

5.3.2 Síndrome alcoólica fetal

O uso do álcool durante a gravidez já foi visto como perigoso em altas dosagens. Por
altas dosagens é considerado, por exemplo, a ingestão por dia de uma garrafa de um
destilado (uísque, cachaça, vodka etc.). A mulher que faz a ingestão dessa dosagem
por necessidade é vista pelos especialistas como dependente do álcool.

Hoje se sabe que a ingestão de qualquer dose de álcool durante a gravidez é perigosa
para o feto. No começo da gravidez, quando as células cerebrais estão se formando
e se organizando para dar origem aos órgãos do corpo do feto, a ingestão de bebidas
alcoólicas em qualquer dosagem pode afetar a migração dessas células e em conse-
quência disso, essa organização (NIEBYL, 1983). E durante a gravidez em qualquer
época é igualmente perigoso o uso do álcool.

Relatos recentes demonstram que doses pequenas de álcool diárias


aumentam até quinze vezes mais o descolamento prematuro da
placenta, fator que causa altíssimos riscos neurológicos e para o
parto. (FONTES,1990, p. 17)

Nesses momentos, no início da gravidez, nos quais as células estão se preparando para
a formação dos órgãos do bebê, e de seu corpinho como um todo, o feto terá contato
com o álcool ingerido pela mãe, e esse álcool estará presente no sangue materno. As
células do organismo em formação, que estão a caminho de compor algum órgão, pode-
rão ser destruídas ou terem seu curso alterado. Esse fator poderá provocar problemas
futuros. Muitas vezes não se tem ideia da causa de diversos problemas de desempenho
escolar entre outras coisas que bem poderiam ter tido origem nesse dano causado pela
ingestão do álcool durante esse delicado processo (LEFÈVRE, 1972).

Em referência recente, Melo Freire e colaboradores (2005), demonstraram em seu


estudo que o uso de álcool na gravidez esteve associado à restrição do crescimento
fetal, sendo os fetos do sexo feminino aparentemente mais suscetíveis aos efeitos do
álcool. Se essa constatação pode estar ligada ao fato de que o fígado das mulheres
é mais sensível que o dos homens à ação do álcool é algo a ser pesquisado. De todo
jeito, vemos sempre os especialistas recomendarem às mulheres que utilizem a metade
das doses utilizadas pelos homens.
166 UNIUBE

A fonoaudióloga Roberta Garcia et al. (2007) em uma pesquisa, mais recente que a
anterior, demonstra resultados que parecem confirmar os dados da referência anterior.
Nesta, uma mulher dependente do álcool, é mãe de dois filhos com problemas. Uma
menina de dezesseis anos e um menino de oito anos, os quais foram examinados
pelas fonoaudiólogas. Apesar de ambos terem o mesmo modelo genético e viverem
sob as mesmas condições familiares, puderam­‑se observar prejuízos mais graves em
habilidades comunicativas na menina. As pesquisadoras referem que talvez a menina
possa ter sido exposta durante a gravidez a níveis mais elevados de álcool, mas essa
é apenas uma suposição.

Hipoglicemia Quando uma mulher é dependente do álcool e faz uso dele


durante a gravidez em grandes quantidades a criança poderá
Quantidade de glicose nascer (de 25% a 30% dos casos) portando uma síndrome
abaixo do normal típica chamada síndrome alcoólica fetal. As crianças estuda-
no sangue. Quando das na pesquisa das fonoaudiólogas eram portadoras dessa
a pessoa se alimenta
mal, ou não se
síndrome. Nesses casos, os bebês apresentam inúmeros
alimenta, a taxa de problemas, dentre eles: defeitos físicos, microcefalia (cérebro
glicose do sangue cai pequeno e mal formado) etc. O crescimento intrauterino será
de forma exagerada retardado pela ação da droga. A gestante dependente costuma
causando crises que
ter alimentação irregular e inadequada, sendo também um
se parecem com crises
epilépticas. Existem fator comprometedor responsável por danos cerebrais ao feto.
outras razões para Todas essas alterações somadas aos problemas enfrentados
ocorrer a hipoglicemia, por essa criança após o nascimento poderão dar origem a de-
mas essa é muito ficiência mental. O bebê, ao nascer, sofre muito também por
comum.
conta da falta da droga no seu organismo acostumado durante
a gestação, isso é denominado pelos especialistas de síndrome
de abstinência. O recém­‑nascido deverá receber cuidados
pediátricos especiais, pois poderá apresentar hipoglicemia e
problemas respiratórios.

5.3.2.1 Relato de experiência com a síndrome alcoólica fetal

Como professora da Universidade Federal de Uberlândia (UFU),


Neuropsicológico
tive a oportunidade de conduzir um laboratório de Intervenção e
Referente a lesões Estimulação Precoce na clínica psicológica dessa universidade.
neurológicas que Nesse setor, eram oferecidas vagas de estágios para alunos
afetam funções do curso de Psicologia. Esses alunos passavam por dois se-
psicológicas. Lesões mestres de preparação teórica nos quais estudavam diversos
que podem alterar a
percepção, atenção,
problemas neuropsicológicos e aprendiam a técnica para
inteligência, atendimento direto com o paciente. No setor, recebíamos, até
emoção etc. a idade de três anos, crianças portadoras de sequelas neuro-
lógicas de qualquer etiologia.
UNIUBE 167

No quadro de pacientes, havia o caso de uma criança portadora de sequelas da sín-


drome alcoólica fetal. J.L. foi recebido com a idade de dois anos e seis meses. Sua mãe
fora usuária de álcool durante a gravidez. A guarda de J.L. estava sendo questionada
pelo Conselho Tutelar uma vez que sua mãe, além do consumo de álcool, mendigava
e se prostituía.

Ao nascer, J.L. apresentou baixo peso e medidas cranianas compatíveis com provável
microcefalia. Chorava muito no hospital. A mãe relatou que enfermeiros colocavam
algodão com álcool no travesseiro do bebê, próximo ao seu rosto e essa prática o
acalmava. Segundo informações da própria mãe, a medida parecia ser para diminuir
a provável síndrome de abstinência alcoólica que o bebê sofria. Com a idade que o
recebemos, J.L. ainda não engatinhava. Seu rendimento nas escalas de desenvol-
vimento era muito baixo. J.L. foi atendido no setor, sendo trazido pela mãe, durante
cerca de seis meses com pouquíssima regularidade. Após algum tempo de ausência
J.L. chegou a ser trazido algumas vezes por voluntário de um orfanato conduzido
por grupo espírita de Uberlândia. O voluntário informou que a criança estava sendo
abrigada na instituição temporariamente por falta de condições da mãe em criá­‑lo. O
desenvolvimento dessa criança foi muito prejudicado pelas constantes ausências que
impossibilitavam o trabalho. Tanto a mãe quanto os voluntários recebiam orientações
de exercícios e atitudes a serem tomadas no ambiente doméstico, ou da instituição,
para a melhora do caso de J.L. Sua mãe, apesar dos graves problemas de saúde e
sociais que possuía, demonstrava cuidado e muito carinho ao trazê­‑lo. Era cooperativa
no atendimento, tinha boa aparência e era educada. O bebê estava sempre cheiroso,
de banho tomado e roupas limpas.

Em seguida, vamos estudar a Prematuridade, um problema que ocorre na fase pré-


­‑natal, entretanto as suas consequências se refletem no período perinatal. Sendo o
feto privado do tempo correto dentro do útero é de se esperar que em seus primeiros
dias de vida ele tenha diversas ocorrências prejudiciais ao seu desenvolvimento, sendo
assim esse estudo nos interessa muito.

5.3.3 Prematuridade

Segundo Viegas (1983), os recém­‑nascidos com idade gestacional abaixo de 37 sema-


nas e peso muito baixo são considerado prematuros e de risco elevado, não apenas
quanto à sua sobrevivência, mas também quanto à grande frequência de sequelas em
sua evolução.

A prevenção da prematuridade é um problema bastante complexo que envolve o controle


da fase pré­‑natal pelo obstetra e também as condições econômico­‑familiares.

Na fase pós­‑natal, o recém­‑nascido prematuro é sempre um bebê de alto risco, sendo


comum acontecer problemas de hemorragias no cérebro, icterícia prolongada, hipo-
glicemia, infecções, dificuldades respiratórias, desidratações etc.
168 UNIUBE

SAIBA MAIS

Icterícia

Condição fisiológica que ocorre logo após o parto nos dias subsequentes ao nascimento. Por
um processo biológico, o organismo do bebê libera bilirrubina, uma substância que dá um
aspecto amarelecido à pele do bebê. Esse processo se inicia e termina em mais ou menos
uma semana, durante a qual, os médicos recomendam, entre outras coisas, farta ingestão de
líquidos, banhos frequentes etc. Caso essa condição se prolongue, é necessário outras pro‑
vidências para que o cérebro do bebê não sofra lesões. Em muitos casos, o bebê é internado
e recebe os conhecidos “banhos de luz”.

O futuro dessas crianças é bastante incerto, sendo difícil comparar os


numerosos estudos realizados nesse sentido pela diferença na me‑
todologia empregada. (Tais como recursos hospitalares: equipe bem
formada com pediatras, neonatologistas, fisioterapeutas, psicólogos,
enfermeiros especializados, e bem aparelhados com incubadoras,
berços aquecidos, respiradores etc.)

Personalidades famosas nasceram prematuras: Newton, Darwin,


Voltaire, Napoleão, Renoir, Victor Hugo, Winston Churchil.

Eillen Elise Hill descreve grande incidência de retardo neuropsicomo‑


tor em prematuros abaixo de 2 kg de peso (VIEGAS apud KRYNSKI
et al., 1983, p. 35).

Da Cunha (2007) faz referência a alterações cerebrais encontradas em bebês prematu‑


ros a partir de exames de ultrassom. O exame é feito através da fontanela (moleira) do
bebê. É interessante notar que a situação econômica da família influencia seriamente
na previsão de transtornos nessas crianças.

Raquel Gick Fan (2008), em sua dissertação de mestrado, afirma que a prematuridade
pode ser um fator que prevê problemas visomotores, visoespaciais e verbais. Esses
problemas podem gerar alterações de comportamento tais como ansiedade, agressi-
vidade e, mais tarde, déficit cognitivo.

Um dos problemas preocupantes nessa fase é a ausência relativa da mãe. Relativa


porque hoje os hospitais já têm programas nos quais a mãe é incluída na equipe
que cuida do bebê. Entretanto a ausência da mãe ainda é sentida pelo bebê. Depois que
se percebeu que prematuros sofriam menos a ausência da mãe quando esta se fazia
presente mesmo que ocasionalmente, os profissionais da área de saúde começaram
a pensar numa forma de aumentar esse tempo mamãe/bebê juntos. O bebê nascido
a termo (9 meses) tem logo em seguida o carinho e a atenção materna de que tanto
necessita e, por isso, não sofre tanto essa separação. Os recém‑nascidos prematuros
UNIUBE 169

expostos a essa separação se mostraram mais sensíveis a problemas de ordem emocio-


nal e com manifestações a curto, médio e longo prazo de síndromes de desajustamento
familiar, problemas de crescimento etc. (VIEGAS apud KRYNSKI et al., 1983).

Na Colômbia, em 1979, foi criado um programa muito interessante chamado “Pro-


jeto canguru”, também chamado de “Projeto mãe canguru”, e aqui no Brasil esse
projeto está funcionando em diversos hospitais. O programa é bem simples, embora
dependa da situação física do bebê; já existem locais em que se está implantando
mesmo nas unidades de tratamentos intensivos infantis. Nesse projeto, o bebê fica
em sua casa e sempre com a sua mãe. O bebê é abrigado em contato direto com o
seio materno, recebendo assistência respiratória por meio de uma aparelhagem de
oxigênio com cânulas longas de forma que a mãe pode caminhar pelo cômodo em
que esteja, sempre levando o bebê consigo. Quando a mãe precisa se deslocar muito
para atividades pessoais, ou familiares, o bebê pode ser acalentado por outro membro
adulto da família: o pai, quando disponível, uma tia ou avó. Dessa forma, ele sempre
terá atenção, carinho e cuidado.

O trabalho de Fabrícia Adriano Mazzo Neves at al. (2006), um grupo de estudantes de


enfermagem, e que foi publicado em uma revista científica, mostra com detalhes esse
projeto e a implantação dele num hospital­‑escola de São Paulo.

A eficiência desse projeto está demonstrada por vários fatores tais como: aumento
do vínculo mãe/filho; menor tempo de separação mãe/filho, evitando longos períodos
sem estimulação sensorial; estímulo ao aleitamento materno, favorecendo frequência,
precocidade e duração; maior competência e confiança dos pais no manuseio do seu filho
de baixo peso, mesmo após a alta hospitalar; melhor controle térmico; menor número de
recém-nascidos em unidades de cuidados intermediários, devido à maior rotatividade
de leitos; melhor relacionamento da família com a equipe de saúde; diminuição da taxa
de infecção hospitalar; diminuição da permanência hospitalar. Por tudo isso, podemos
ver que o bebê, sendo cuidado diretamente por sua mãe, tem bem mais proveitos.

5.3.3.1 Relato de experiência com a prematuridade

Embora a prematuridade possa causar diversos quadros patológicos, como os citados


por Viegas (1983) e Cunha (2007) em seus estudos sobre o assunto, prefiro relatar
aqui um caso um pouco diferente.

Na clínica psicológica da UFU, o laboratório de Intervenção e Estimulação Precoce não


tratava apenas de casos clínicos graves com sequelas aparentes. Havia uma parceria
com o hospital escola e com a reabilitação física da UFU para a indicação de pacientes
a serem tratados. Os pediatras do hospital nos encaminhavam qualquer criança que
nascesse com suspeitas de prováveis sequelas, ou que tivessem tido problemas durante
o parto e após este. E a reabilitação física, por meio da psicóloga e das fisioterapeutas,
encaminhavam casos que estivessem dentro de nossa faixa etária de atendimento (zero
170 UNIUBE

a três anos) para atendimento paralelo à fisioterapia e cujos diagnósticos, às vezes


raros, pudessem ser estudados pelas alunas.

Dessa forma, um bebê, que nascera prematuro e já havia recebido alta hospitalar, foi
encaminhado a nós para acompanhamento durante o desenvolvimento neuropsico-
motor. Esse bebê, do sexo masculino, chegou a nós com pouco mais de três meses
de vida. O exame inicial de desenvolvimento mostrou que sua idade desenvolvimental
correspondia à sua idade cronológica, ou seja, o bebê não apresentava atrasos. Sua
mãe, muito dedicada, recebia bem as orientações, executava em casa os exercícios
e interessava­‑se muito pelo progresso do menino. Essa colaboração materna foi estu-
dada amplamente por especialistas e confirmada mesmo em pesquisas (KRYNSKI et
al., 1983; ANDRADE, 2005).

Confirma­‑se a importância da qualidade do estímulo doméstico


para o desenvolvimento cognitivo infantil, além do relevante papel
das condições materiais e dinâmica familiar. Os achados apontam
a pertinência de ações de intervenção que favoreçam a qualidade
do ambiente e da relação cuidador­‑criança para o desenvolvimento
cognitivo. (ANDRADE et al., 2005, p. 2)

Durante dois anos e seis meses foi feito um trabalho de observação, exames do de-
senvolvimento global e orientações. No final do processo, o paciente recebeu alta do
atendimento e ingressou no ensino regular.

Esse caso mostrou que a prematuridade não afetou o bebê nos primeiros anos de vida
nem prejudicou seu desenvolvimento. É interessante destacar a atuação da mãe junto
ao profissional no atendimento. Podem­‑se ter muito mais resultados favoráveis no pro-
cesso educacional quando pais e profissionais se unem. A presença da mãe dentro de
uma situação clínica ou escolar pode ser extremamente útil quando o profissional que
ali atua se alia a ela, ao invés de se posicionar do outro lado como frio profissional. A
educação é um processo conjunto.

Você pode estar se perguntando, por que observar uma criança “normal” por tanto
tempo? A razão principal para isso é que em qualquer época desse período inicial da
vida da criança podem surgir problemas cuja causa tenha sido a prematuridade. Nesse
caso, é importante ter­‑se em mente a preocupação de que assim que surgir o problema
ele seja trabalhado. Na idade escolar, quando a criança chega finalmente à sua sala
de aula, ela aparentemente era um bebê sem nenhuma “responsabilidade”, entretanto
agora tem a obrigação de estar no nível dos colegas de turma. Isso significa estar ca-
minhando e correndo, falando frases longas e contando pequenas histórias com início,
meio e fim, com atenção e concentração em condições normais etc. Qualquer coisa
fora dessa ordem será prejudicial a ela e ao seu aprendizado.

Agora veremos um problema tipicamente da fase perinatal que é a asfixia. Esta é, dentre
outras, uma das intercorrências do parto. São acidentes, ou alterações no processo
natural do nascimento, ou dos dias subsequentes.
UNIUBE 171

5.3.4 Asfixia neonatal por anóxia ou hipóxia de parto

Você não precisa ficar preocupado com os termos médicos que aqui aparecem. Vamos
entender devagar cada um deles e a relevância que eles têm para esse estudo e a
utilidade do conhecimento deles para sua vida profissional. Se em um momento ou
noutro você precisar conversar com qualquer profissional da área de saúde, com um
médico, por exemplo, você saberá ao que se referir e entenderá quando a resposta
à sua dúvida lhe for dada. Esse conhecimento é necessário, para a sua vida dentro e
fora da escola. É interessante ver como pais americanos, ao receberem diagnóstico
dos filhos, pesquisam tanto a ponto de discutirem com os médicos as condutas e os
tratamentos e, por vezes, fazerem parte da equipe de tratamento. E é interessante ver
como a educação cada vez mais se une à saúde para o proveito de todos.

O termo anóxia significa ausência completa de oxigênio nas Hipóxia


células. A hipóxia seria pouca quantidade de oxigênio. Quando
é dado um diagnóstico do tipo encefalopatia hipóxico-isquê- Pouco oxigênio. Essa
mica, o médico está se referindo diretamente ao problema e é uma condição que
à causa dele, no caso, a soma de duas situações (ROTTA, pode ocorrer durante
2002). Nesse caso, ocorreu uma lesão no cérebro por falta de o parto e em outras
situações, acidentais
oxigênio, e pela redução do fluxo sanguíneo. Esses termos são ou não. O bebê que
bastante usados. demora muito a
nascer, pode sofrer
Aqui trataremos da anóxia e hipóxia de parto pela importância falta de oxigênio em
proporções que vão
destas como causa de muitos problemas que os professores desde uma leve falta
enfrentam com seus alunos em seu dia a dia profissional. E de ar (hipóxia)
também por terem, como consequência, a asfixia neonatal até a asfixia total
(FONTES, 1990). (anóxia). Nesses
casos, o bebê nasce
cianótico (roxo)
Um termo bastante usado também é a “cianose neonatal”. podendo causar
A palavra “cianose” é originária do grego e se refere clinica- problemas (sequelas)
mente à cor roxa do bebê ao nascer por meio de um parto que se refletem em
problemático. Assim como ouvimos as mães dizerem que a seu desenvolvimento.
criança nasceu roxa, os médicos têm a cianose como termo
Encefalopatia
técnico. Um bebê poderá também nascer com as mãozinhas e
Doenças ou lesões
os pezinhos roxos, nesse caso os médicos dirão que ele nasceu
causadas ao cérebro
com cianose de extremidades. do indivíduo com
sequelas aparentes.
Por alguma razão, durante o parto, o bebê não recebeu oxi-
gênio, ou não conseguiu respirar no momento correto e por Isquemia
isso sofre a asfixia. Dentre outras causas diversas, a demora Do grego isq: redução
do parto, o cordão umbilical enrolado em volta do pescoço do e ema: sangue,
isquemia significa
bebê, são algumas das causas de asfixia. O processo obstétrico uma redução do fluxo
é delicado e necessita de um bom acompanhamento pré­‑natal sanguíneo nos vasos,
com orientações à mulher grávida e exames que possam prever que pode causar morte
problemas que dificultarão o momento do parto. celular.
172 UNIUBE

Muitas vezes, de plantão em um hospital, o médico recebe parturientes pela primeira


vez em uma situação de emergência, sem conhecer seu histórico, nem saber em que
circunstâncias aquela mulher dará à luz uma criança. Isso dificulta bastante esse pro-
cesso delicado. A necessidade do acompanhamento pré­‑natal tem sido um assunto
bem veiculado por campanhas pelo país a fora, mesmo assim essas situações ainda
ocorrem com frequência.

Fontes (1990), afirma que os termos hipóxia e anóxia se confundem no seu uso cos-
tumeiro e considera a anóxia aguda, a do momento do parto, como muito mais nociva
por levar muito mais e mais rapidamente danos ao sistema nervoso central do bebê.

A falta de oxigênio ao bebê também pode ocorrer durante a gestação por diversas
razões e é chamada de anóxia crônica.

É interessante destacar aqui a observação que o autor faz sobre os males do cigarro,
ao falar sobre anóxia crônica:

Na rotina de acompanhamento pré­‑natal, o fator de maior agravo a


uma situação de Anóxia crônica (determinada por outras causas) é
o hábito materno de fumar. Um único cigarro reduz, por vaso-cons-
trição, em 50% o fluxo de sangue na placenta. Além disso, o cigarro
possui aproximadamente quatro mil substâncias tóxicas veiculadas
pela sua fumaça e produz alterações que restringem o oxigênio que
iria irrigar a placenta. Esse fato causa Anóxia crônica e consequen-
temente danos cerebrais ao feto. (FONTES, 1990, p. 22)

Desde os primeiros sinais do parto até seu término, sem dúvida, a asfixia é uma das
grandes preocupações dos obstetras. Um exame rápido e fácil, chamado índice de Ap-
gar, é feito pelo pediatra, ou enfermeira, no momento que o bebê nasce e repetido cinco
minutos depois. Nele se observam alguns aspectos que vão determinar as condições
de nascimento. Esses aspectos são apresentados no Quadro 2.

Quadro 2: Cálculo do índice de Apgar.

Tabela para cálculo do índice de Apgar: Pontos 0 / 1 / 2 respectivamente


1. Frequência cardíaca: Ausente / Menor que 100 por min. / Maior que 100 por min.
2. Respiração: Ausente ou fraca / Irregular / Forte com choro bem audível.
3. Tônus muscular: Flácido / Flexão de pernas e braços / Movimento ativo
4. Cor; Cianótico (roxo) ou pálido / Cianose de extremidades (mãos e pés roxos) /
Rosado
5. Irritabilidade Reflexa: Ausente / Algum movimento / Espirros / Choro
Fonte: Krynski et al. (1983); Wikipedia (2009).
UNIUBE 173

A pontuação muito baixa, ou seja, abaixo de cinco pontos na média dos dois momen‑
tos (primeiro e quinto minutos), significa que o bebê teve dificuldades respiratórias ou
de outra natureza. Esse fato leva à suspeita de que problemas sérios podem vir em
seguida atrapalhando as aquisições que ele precisará dar conta nos primeiros anos.
Uma observação durante todo período do desenvolvimento neuropsicomotor se fará
necessária.

Em nível cerebral, a deficiência de oxigênio pode causar graves


alterações que levam o recém‑nascido ao óbito ou a graves seque‑
las neuropsicomotoras. As sequelas mais importantes atribuídas
à hipóxia perinatal têm sido relatadas como a paralisia cerebral,
surdez, cegueira, distúrbios do comportamento etc. (KRYNSKI et
al., 1983, p. 33)

CURIOSIDADE

Ao realizar uma pesquisa para minha dissertação de Mestrado com base nos dados de
pacientes atendidos na Apae de Araranguá (Santa Catarina), verifiquei que o percentual
de crianças nascidas com dificuldades no parto era de 39,6% da amostra de 275 pacientes.
Nestes, anóxia e hipóxia são dados constantes. Entretanto um detalhe me chamou a atenção.
Cerca de 112 pacientes sofreram Anóxia ou Hipóxia, sendo que a maioria deles, 60% nasceu
em hospitais com médicos atendendo e 39% em casa com o atendimento de parteiras. Isso
permitiu concluir que foi maior o percentual de danos causados nas crianças nascidas em
hospitais do que nas crianças nascidas em casa. (FERREIRA, 1988)

É necessário rever‑se a importância de um ambiente doméstico saudável e contro‑


lado para um parto tranquilo. Na Inglaterra, as mães podem optar por terem em casa
seus bebês, obviamente com assistência especializada e preparada para qualquer
intercorrência que possa arriscar o processo. As vantagens dessa escolha são ter
um ambiente conhecido da parturiente, a presença de pessoas amadas ao seu redor,
menor utilização de leitos hospitalares e menor risco de infecções tanto para o bebê
quanto para a mãe.

5.3.4.1 Relato de experiência com asfixia

Durante a minha atuação como psicóloga na APAE de Araranguá, estive em contato


com inúmeros casos de sequelas de hipóxia neonatal. Na minha prática, o caso que
mais me chamou a atenção foi o de J.M.R que chegou para nós com seis anos apre‑
sentando um déficit intelectual leve. Conseguira aprender a ler, porém, não conseguira
aprender a escrever, pois sua coordenação fina era precária. J.M.R. nasceu de parto
normal em casa acompanhado por médico em local do interior. Era um bebê bastante
174 UNIUBE

grande, com cerca de 5 kg e a dificuldade e demora do parto provavelmente se deveu


a esse fato. Ao nascer, estava cianótico (roxo), com anóxia e foi reanimado com difi-
culdade. Seu desenvolvimento neuropsicomotor foi com atraso. Não possuía sequelas
físicas aparentes. Nunca frequentara o ensino regular e mesmo seu comparecimento
na instituição era muito raro. A família de J.M.R. não procurava ajuda, nem colaborava
muito no atendimento. Já adulto, observou­‑se que ele cuidava­‑se bem às refeições,
mas necessitava de orientações nos outros cuidados pessoais, tais como tomar banho,
vestir­‑se, pentear­‑se e barbear­‑se. Ao vestir­‑se, tinha dificuldades em abotoar as rou-
pas e nunca aprendeu a amarrar os sapatos, necessitando usar sempre sapatos sem
cadarços. Até completar 17 anos, J.M.R. era um paciente com lentidão no aprendizado
e participação relativa nas atividades. Relacionava­‑se com os colegas, mas participava
das brincadeiras com certa dificuldade. Possuía memória prodigiosa. Assistia a todas
as novelas. Era capaz de descrever as novelas da TV uma por uma, por título, atores,
e ordem de apresentação desde a atual, a anterior e assim por diante até quase trinta
novelas atrás. Desde pequeno demonstrava “esquisitices” (nas palavras da mãe) tais
como: ficar horas parado no portão de casa, durante o dia, observando os carros que
passavam enquanto murmurava algumas palavras desconhecidas e outras incompre-
ensíveis. Caso chovesse e ele não pudesse ficar no portão, tornava­‑se agressivo e
esbravejava, o que às vezes fazia com que a mãe lhe permitisse usar um guarda­‑chuva
para permanecer no portão. Chamava­‑lhe atenção notícias fúnebres. Mesmo aparen-
temente desatento à conversa ao seu redor, fixava­‑se rapidamente se o assunto se
voltasse para algo fúnebre. Nessa época faltava muito às atividades da instituição, fator
pelo qual nunca foi consultado por um dos médicos a respeito desses comportamentos.
Ao completar dezoito anos, J.M.R. passou a apresentar maior agressividade, insônias,
falta de apetite, delírios e alucinações as quais ele se referia com detalhes. Achava que
seu sobrinho queria matá­‑lo e dizia ver a parede ondulando. Perdeu a capacidade de
ler. Finalmente, depois de encaminhado para a psiquiatria, foi diagnosticado e tratado
como esquizofrênico.

Esse caso, com intervenção e estimulação precoce e sem a ocorrência da esquizofrenia,


poderia ter tido um prognóstico muito bom. O paciente era capaz de aprender, mesmo
que lentamente, possuía excelente memória e poderia ter tido além de alfabetização,
um treinamento profissional compatível às suas limitações, frequentando paralelamente
o ensino regular e sendo acompanhado em ocupações simples no mercado competitivo.
A presença da doença mental agravando o diagnóstico teria que ter sido detectada na
infância para que o tratamento já fosse introduzido. Se esse paciente tivesse frequên-
cia regular na instituição, provavelmente os professores chamariam atenção para as
“esquisitices” referidas pela mãe.

Em minha opinião, os prejuízos no desenvolvimento psicossocial desse paciente foram:


a falta da intervenção e estimulação precoce, as inúmeras ausências ao atendimento
e a negligência da família dificultando a detecção da doença mental.

Embora esse caso não apresentasse sequelas físicas, as doenças mais comuns em
consequência dessas dificuldades respiratórias do parto costumam ser: a paralisia
UNIUBE 175

cerebral, a epilepsia, algumas dificuldades de aprendizagem Epilepsia


etc. Um bebê pode nascer com anóxia e hipóxia e ainda as-
sim não apresentar sequelas. Você mesmo professor, pode Estado de mal
ter conhecimento de vários casos nos quais os bebês nas- epiléptico.
ceram cianóticos ou “roxinhos”, como relatam as mães, e Situação na qual uma
pessoa portadora
desenvolveram­‑se normalmente sem apresentarem problema
de epilepsia tem
algum. crises continuadas.
As crises se repetem
Estudaremos em seguida as duas doenças mais comuns, a pa- indefinidamente
ralisia cerebral e a epilepsia, problemas típicos da fase pós­‑natal podendo causar sérios
problemas inclusive
embora suas causas estejam provavelmente na fase perinatal. a morte do paciente.
Essas doenças foram destacadas aqui para que você possa ter Por causa dessa e de
noção de suas características e de como agir diante de cada outras ocorrências,
uma e dos problemas trazidos por elas a seus alunos. é importante que se
solicite atendimento
médico sempre que
alguém tiver uma
5.3.5 Paralisia cerebral crise.

O termo paralisia cerebral (PC) é usado para definir qualquer


desordem caracterizada por lesões em uma ou mais partes do
cérebro as quais se refletem no corpo causando dificuldades
de movimentos e/ou movimentos involuntários.

O pesquisador Juércio Samarão Brandão et al. propõe várias definições para a paralisia
cerebral, sendo uma delas:

Paralisia cerebral é uma condição causada por uma lesão no cérebro


imaturo de caráter não progressivo. Os sinais e sintomas dependem
da área lesada do cérebro e da extensão da lesão e se mostram
em padrões anormais de postura e movimento. (BRANDÃO, 1992,
p. 9)

Foi Sigmund Freud, o criador da Psicanálise, que em 1897, sugeriu a expressão paralisia
cerebral (PC), que, mais tarde, foi consagrada por Phelps, ao se referir a um grupo de
crianças que apresentava transtornos motores mais ou menos severos devido à lesão
do sistema nervoso central (SNC) (ROTTA, 2002).

O desenvolvimento do cérebro tem início logo após a concepção e continua após o


nascimento. Ocorrendo qualquer fator agressivo ao tecido cerebral antes, durante ou
após o parto, as áreas mais atingidas terão a função prejudicada e, dependendo da
importância da agressão, certas alterações serão permanentes.

O cérebro comanda as funções do corpo e cada área dele é responsável por uma de-
terminada função, como os movimentos dos braços e das pernas, a visão, a audição
e a inteligência. Uma criança com PC pode apresentar alterações que variam desde
leve falta de coordenação dos movimentos até a inabilidade para segurar um objeto,
176 UNIUBE

falar ou engolir. Essas alterações, de uma maneira geral na motricidade do paciente,


acabam por lesar a musculatura de forma que a parte afetada pouco a pouco passe
a apresentar deformações, e tenha paralisias ou se movam irregularmente às ordens
do cérebro.

Brandão et al. (1992) fazem referência à importância da estimulação precoce na PC.


Dessa forma, tentam demonstrar que as lesões secundárias (e deformações) em mo-
tricidade e movimento na paralisia cerebral são devido a movimentos errados execu-
tados pelos membros. Portanto, se o membro afetado fosse “ensinado” a executar o
movimento correto desde cedo, as lesões não ocorreriam. As lesões e/ou deformações
de que ele fala são, por exemplo, braços com ossos disformes e musculatura atrofiada,
pernas mais curtas e mais finas etc. O trabalho de fisioterapia na estimulação precoce
tem essa função. Em minha experiência pude comprovar a afirmativa de Brandão ao
ver que crianças tratadas precocemente e com um bom acompanhamento fisioterápico
apresentam bem menos sequelas posteriores.

Diament (1997) coloca que as áreas motoras do cérebro são particularmente sensíveis
à falta de oxigênio nos últimos meses de gravidez, por isso o bebê prematuro tem maior
risco de ter PC em caso de sofrimento que inclua asfixia ao nascer. Isso ocorre em
menor número em bebês de partos a termo.

O sofrimento fetal na hora do parto continua sendo o maior fator causador de paralisia
cerebral. Outros fatores observados são infecções do sistema nervoso, hipóxia e trau-
mas de crânio. O desenvolvimento anormal do cérebro pode também estar relacionado
com uma desordem genética, e nestas circunstâncias, geralmente, observam­‑se outras
alterações primárias além da cerebral. Em muitas crianças, a lesão ocorre nos primeiros
meses de gestação e a causa é desconhecida.

O tipo de sequela na criança, causado pela PC, está relacionado com a localização da
lesão no cérebro e a gravidade dela depende da extensão da lesão. A PC é classificada
de acordo com a alteração de movimento que predomina. Formas mistas também são
observadas.

Destacamos aqui dois tipos, segundo Fontes (1990):

Espástica: quando a lesão está localizada na área responsável pelo


início dos movimentos voluntários. Neste caso, o tônus muscular é
aumentado, isto é, os músculos são tensos e os reflexos são exacer-
bados. Essa condição é chamada de paralisia cerebral espástica. A
tetraplegia espástica, situação que ocorre quando as crianças com
envolvimento dos braços, das pernas, tronco e cabeça (envolvimento
total) têm e são mais dependentes da ajuda de outras pessoas para
a alimentação, higiene e locomoção. A tetraplegia está geralmente
relacionada com problemas que determinam sofrimento cerebral
grave.
UNIUBE 177
Com movimentos involuntários: quando a lesão está localizada nas
áreas que modificam ou regulam o movimento, a criança apresenta
movimentos involuntários, ou seja, movimentos que ela realiza e que
estão fora de seu controle. Esta condição é definida como paralisia
cerebral com movimentos involuntários ou distônica e é frequente‑
mente causada pela icterícia prolongada. Nas formas graves, antes
desta idade, a criança apresenta hipotonia (tônus muscular diminuído)
e o desenvolvimento motor é bastante atrasado. Muitas crianças
não são capazes de falar, andar ou realizar movimentos voluntários
funcionais e são, portanto, dependentes para a alimentação, loco-
moção e higiene.

Como já foi comentado antes, a paralisia cerebral requer atendimento em Intervenção e


Estimulação Precoces com equipes multidisciplinares. Desde bem pequeno, o bebê afe‑
tado precisa desses cuidados especiais para desenvolver-se e tornar-se independente.

IMPORTANTE!

Nem todas as crianças portadoras de paralisia cerebral terão deficiência mental. As dificul-
dades de comunicação por lesões presentes em diversas partes do corpo podem sugerir
que a criança seja deficiente mental. Recomendo exames cuidadosos por parte de colegas
psicólogos e pedagogos. Observações detalhadas, e entrevistas com pais e pessoas que
lidam direto com a criança são extremamente úteis antes de anunciarem um diagnóstico de
deficiência mental.

Em alguns casos, a criança terá dificuldades na fala e a escrita também apresentará


alterações, mas, embora lidando com as dificuldades de movimento, o indivíduo poderá
ter uma vida escolar como qualquer pessoa.

Se você optar por assistir ao filme: Meu pé esquerdo, sugerido no final desse capítulo,
poderá observar um portador da paralisia cerebral sem deficiência mental. O filme
trata de um caso verdadeiro. Como leigos, seus pais haviam aprendido que crianças
com essas sequelas eram deficientes mentais e, aos poucos, percebem que não era
o caso de seu filho. Esse e outros fatos entusiasmaram a família e fizeram com que o
personagem tivesse toda ajuda possível. Eram amorosos e dedicados. Incluíam‑no em
todas as atividades e celebrações da família. Elogiavam‑no sempre em suas aquisições
e procuravam todo tipo de recurso que pudesse fazer com que ele se desenvolvesse
plenamente. É um filme bastante didático e emocionante.

Uma criança com PC apresenta necessidades específicas em cada etapa do seu de‑
senvolvimento. Por exemplo, durante os seis primeiros meses de vida, predominam as
necessidades com relação aos cuidados médicos – avaliações clínicas, realização de
exames complementares, orientações sobre a patologia, aconselhamento e apoio aos
pais. Na medida em que a criança cresce, vão surgindo as necessidades relacionadas
178 UNIUBE

com a inserção social, como maior grau de independência, escolarização, orientação vo-
cacional e reforço do suporte psicológico à criança e à família nos momentos críticos.

5.3.5.1 Relato de experiência com a paralisia cerebral

A paralisia cerebral, assim como a Síndrome de Down está e sempre esteve presente
na minha rotina de psicóloga em Educação Especial, portanto não é difícil relatar inú-
meros casos dessas duas desordens.

Em meu trabalho na linda cidade de Torres, no estado do Rio Grande do Sul, tive a
oportunidade de atender a um menino portador de sequela de paralisia cerebral. O
menino, B.P. era trazido por sua mãe de uma cidade distante que não possuía qualquer
recurso para o atendimento de crianças com esse tipo de sequela. Seu atendimento
naquela instituição iniciou­‑se quando B.P. estava com três anos e meio. A professora
que o acompanhava na Estimulação Precoce e auxiliava na aplicação das técnicas,
era a mesma responsável por estar com B.P. durante toda a jornada diária na institui-
ção. Essa jornada iniciava­‑se quando o menino era recebido, trazido pela mãe desde
o transporte coletivo de sua cidade, até a rodoviária local e em seguida recolhido pelo
transporte escolar. A professora o recebia e o acompanhava nos atendimentos especí-
ficos, nas refeições junto com todas as crianças no refeitório da escola e no descanso
coletivo à tardinha para crianças de sua idade. Ao iniciar o laudo diagnóstico de B.P. eu
possuía poucas informações que me ajudassem a estabelecer um diagnóstico mental.
B.P. não falava, não respondia a solicitações, não movia eficientemente, nem braços
nem pernas. Portanto, não caminhava e não tinha controle de tronco, precisando de
apoio completo para sentar­‑se. Usava fraldas, era alimentado e cuidado por alguém.
Era calmo e sorridente. A comunicação de seu olhar era evidente. Embora movesse a
cabeça com dificuldade, seguia uma pessoa pela sala virando a cabeça por onde essa
pessoa fosse, principalmente pessoas conhecidas e que cuidavam dele. Sorria quando
se brincava com ele e ficava sério quando se lhe falavam coisas sérias. Mas isso era
insuficiente para definir meu diagnóstico.

Sem dados suficientes e que pudessem dar qualquer sinal de que o paciente possuía
algum tipo de comunicação era comum definir a criança como deficiente mental de ní-
vel severo a profundo. Nesse tempo era rotina considerar os PCs imediatamente, sem
perda de tempo, como deficientes mentais, classificando­‑os conforme as aquisições
demonstradas.

Antes que eu definisse o laudo, a professora que era responsável por B.P. na escola
me procurou e disse que tinha quase certeza de que ele compreendia tudo ou quase
tudo o que se falava ao seu redor, pois por vezes parecia rir de coisas realmente en-
graçadas, ou ter expressões faciais significativas diante das conversas. Mesmo assim,
achei estranho como chegara a essa conclusão e quis conversar detalhadamente com
ela. Depois de alguns minutos de conversa, as informações colhidas não me convence-
ram e tive a curiosidade de submeter B.P. a um exame psicológico de inteligência não
UNIUBE 179

verbal ajudada pela professora. Isso sim, parecia total perda de tempo. Ficou com-
binado que nos sentaríamos num tatame (pequeno colchonete) com B.P. e, uma vez
que ela o conhecia bem melhor que eu, ela daria ao menino as instruções do teste, e
colocaríamos as pranchas uma a uma na sua frente. Ele por sua vez, da forma que lhe
fosse possível, responderia à questão.

O teste que eu usei é muito simples. Compõe­‑se de várias pranchas coloridas com três,
quatro ou cinco figuras dependendo da prancha. A criança precisa apenas apontar qual
das figuras não se parece com as outras, ou não combina com as outras. Apenas uma
resposta é a certa. E não há necessidade de falar, nem comentar as figuras. Assim foi
feito, e para nós inacreditavelmente, mesmo com muita dificuldade, B.P. abaixava a
cabeça e, posicionava a ponta do nariz na figura certa. O resultado final foi que B.P.
não só não era deficiente mental de severo a profundo, como tinha inteligência normal
para um menino de sua idade! Em outras palavras, a observadora professora estava
certa, ele compreendia tudo ou quase tudo que era dito ao seu redor, respeitando, é
claro, a sua idade e o seu limite de compreensão.

Agora, vamos estudar um pouco a epilepsia, a qual é um distúrbio comum a várias


doenças. Na verdade, é uma síndrome. Na epilepsia, esses sintomas indicam que,
por algum motivo, um agrupamento de células cerebrais se comporta de maneira
diferente das outras refletindo esse comportamento na parte do corpo que elas
comandam.

Nas palavras de Guerreiro e Guerreiro (1993), a epilepsia deve ser entendida como
uma síndrome, pois envolve conjunto de sintomas e sinais decorrentes de diferentes
causas que apresentam um elo fisiopatológico bastante comum. Sua classificação
pode ser feita de acordo com a causa, idade de início das crises, à possível existência
de lesão estrutural no cérebro, sinais clínicos ou neurológicos associados e história
familiar. A maioria não tem necessariamente causa comum.

5.3.6 Epilepsia

A frequência da epilepsia é maior na infância, uma vez que as crianças são mais vul-
neráveis a doenças tais como meningite, sarampo, varicela, caxumba, bem como a
acidentes que provocam traumatismos cranianos. Cerca de 80% da população porta-
dora de epilepsia é constituída por crianças ou apresenta o problema quando criança
(GUERREIRO e GUERREIRO, 1993).
180 UNIUBE

Grumspun (1982) propõe a seguinte classificação das epilepsias, tendo como base a
idade do início da crise:

Início neo­‑natal:

• Convulsão neo­‑natal benigna: associada com bom prognóstico de


desenvolvimento neurológico. Crises convulsivas podem ocorrer no
segundo ou terceiro dia, podendo persistir até o sétimo e depois
desaparecem.

• Encefalopatia mioclônica precoce: apresenta­‑se com crises mio


clônicas fragmentadas ou seriadas, motoras parciais ou tônicas. A
condição é caracterizada por anormalidade neurológica severa e
morte prematura.

Início nos primeiros anos de vida:

• Síndrome de West: Caracterizada por espasmos, também chama-


Mioclônicos ou
dos de mioclonias, retardo no desenvolvimento neuropsicomotor
mioclonia
ou regressão deste. Déficits neurológicos e intelectuais subse-
quentes são comuns. Essa síndrome ou evolui muito cedo na vida
Abalos musculares.
Exemplo: em uma
da criança para o óbito do paciente, ou para uma outra síndrome
crise mioclônica, chamada Síndrome de Lenox­‑Gastaut.
a criança abre e
ergue os braços • Epilepsia mioclônica benigna da infância: Caracteriza­‑se por surtos
repentinamente e de espasmos mioclônicos repetitivos em crianças previamente
abaixa a cabeça. É um normais. O prognóstico a longo prazo é bom.
episódio de curtíssima
duração. Podendo se
repetir algumas vezes • Epilepsia mioclônica severa da infância: Início com crises clôni-
no mesmo momento e cas normalmente associadas à febre. Mais tarde, aparecem as
em épocas diferentes. crises mioclônicas generalizadas, com frequência precipitada pela
alteração de intensidade de luz. O retardo no desenvolvimento é
comum.

Início em qualquer época da infância:

• Síndrome de Kojewnikow: consiste em dois tipos: a) em paciente


com diagnóstico de lesão ou anormalidade neurológica, as crises
motoras são parciais seguidas de espasmos mioclônicos bem lo-
calizados; b) em crianças previamente normais as crises motoras
parciais associam­‑se rapidamente com espasmos mioclônicos.
Os danos e déficits neurológicos são progressivos. (GRUNSPUN,
1978, p. 221)

É preciso diferenciar a epilepsia de convulsões causadas por febre alta, distúrbios


metabólicos (hipoglicemia) ou drogas que são classificadas diferentemente. Sobre isso
veremos detalhes um pouco mais adiante.
UNIUBE 181

Já se considerou a epilepsia como distúrbio psiquiátrico e distúrbio neurológico. Hoje


em dia deve ser abordada de uma maneira multidimensional, levando­‑se em conta tanto
os aspectos biológicos como os psicológicos e sociais.

Como os neurônios estão permanentemente gerando impulsos elétricos, essa atividade


elétrica ocorre, normalmente, de uma maneira organizada. Crises epilépticas ocorrem
quando vários neurônios entram em atividade elétrica ao mesmo tempo, ocasionando
distúrbio no funcionamento do sistema nervoso central (AJURIAGUERRA, 1988;
GRUMSPUN, 1989; DIAMENT, 1996).

Essas crises podem evoluir com enrijecimento e contrações musculares, que são
conhecidas como convulsões. Mas existem muitos tipos diferentes de manifestações
epilépticas e não apenas crises convulsivas, como se pensa, tais como: perda súbita do
tônus muscular, perda, ou alteração temporária da consciência e alteração temporária
do comportamento.

Podem haver contrações musculares localizadas e isoladas nos dedos (ou em um só


dedo), nos braços, nas pernas, no rosto etc. São chamadas de crises focais.

Segundo Fernandes e Souza (2001), uma criança em crise pode apresentar os se-
guintes sinais:

• contrações musculares generalizadas ou localizadas;

• movimentos rítmicos com a cabeça;

• desvio do olhar para cima ou para o lado (olhar de sol poente);

• movimentos rápidos de piscar os olhos;

• movimentos mastigatórios;

• ausência de resposta a uma solicitação verbal;

• episódios breves de olhar parado ou vago, ou crises de medo.

Quando existe dúvida quanto à possibilidade de a criança estar apresentando qualquer


um desses sinais, o melhor a fazer é registrar as alterações observadas, procurando
descrever o sintoma, qual parte do corpo envolveu, qual a hora em que ocorreu e quanto
tempo durou. Somente o médico pode confirmar se a criança está realmente apresen-
tando crises e orientar o tratamento correto. O professor pode ajudar ao observar a
criança em sala de aula e comunicar aos pais o ocorrido com detalhes.
182 UNIUBE

Além da epilepsia, muitas outras condições podem determinar crises convulsivas


isoladas, tais como:

• desidratação grave;

• hipoglicemia;

• infecções cerebrais ou intoxicações;

• febre alta em crianças.

O que caracteriza a epilepsia é a repetição de crises não provocadas, ou seja, não deter-
minadas por um processo patológico agudo ou evento emocional (DIAMENT, 1996).

Autolimitada A Liga Internacional contra a Epilepsia classifica as crises em


generalizadas e parciais. As generalizadas envolvem o cére-
Atividade que termina bro como um todo. As parciais permanecem restritas a certa
por si mesma, que tem área do cérebro e os sintomas dependem da área envolvida.
autonomia de começo A crise generalizada é a que mais preocupa os pais ou outras
e fim, que não se pode
interromper. As crises
pessoas que a presenciam, mas, na maioria das vezes, ela é
epilépticas são assim autolimitada, iniciando e terminando em cerca de dois a cinco
denominadas porque minutos.
elas começam e
terminam sem que se
Como proceder durante uma crise convulsiva de qualquer
possa intervir, ou seja,
não há conduta, nem origem
remédios que possam
interromper uma crise Inicialmente, é muito importante que, durante uma crise, você
epiléptica. O que se professor mantenha absoluta calma, para transmiti­‑la às outras
pode fazer é proteger
e ajudar o paciente.
crianças e para que possa atender à criança afetada. Enquanto
ajuda a criança em crise, solicite que uma outra criança chame
um responsável da escola para que essa criança seja levada a
um atendimento médico.

Na presença de uma crise convulsiva, a criança deve ser


protegida de traumas. As contrações musculares não devem
ser contidas e a cabeça deve ser colocada sobre algo macio
e mantida em posição lateral para evitar aspirações no caso
de vômitos.

O professor não deve puxar a língua, ou introduzir qualquer objeto na boca da criança.
Como pensa o leigo é impossível engolir a própria língua. O que acontece em alguns
casos é que o relaxamento completo do indivíduo, em desmaios ou outros tipos de
crises sem convulsões, relaxa também a língua, podendo atrapalhar a respiração. Não
é esse o caso em uma crise convulsiva. A respiração pode alterar­‑se durante a crise,
UNIUBE 183

essa é mais uma razão para não introduzir nada na boca do indivíduo, mas normaliza
nos primeiros minutos após a crise.

Todo episódio, se convulsivo, deve durar em média três minutos e é imprescindível so-
licitar ajuda, e encaminhar a criança a um atendimento especializado, pois pode haver
crises recorrentes que caracterizam o estado de mal epiléptico.

Após o incidente, é necessário que o professor converse com os outros alunos sobre o
ocorrido deixando claro que não há o que temer diante de uma situação desse tipo. O
colega não é diferente nem deve ser mantido distante de ninguém, ele apenas possui
uma condição que poderá necessitar em algum momento de ajuda do professor ou de
qualquer outro colega. Não há nada de contagioso no problema apresentado. É muito
importante deixar claro que uma pessoa portadora de Epilepsia, na maioria dos casos,
é perfeitamente normal, inteligente, sociável e produtiva. Na rotina de um epiléptico,
a crise ou as crises, poderão ocupar um pequeno momento e por vezes serem muito
raras, e de forma alguma deverão ser dramatizadas para que interfiram na vida toda
do indivíduo.

Tipos de tratamentos

• Medicamentoso: em uma grande quantidade de casos, cerca de 70% segundo


Grunspun (1982), o tratamento medicamentoso é suficiente para controlar as crises.
Quando as crises são controladas, pode ser observada melhora tanto motora quanto
cognitiva. Mesmo tendo cessado as crises, o tratamento deve ser mantido durante
muito tempo com acompanhamento médico.

Uma vez iniciado o tratamento com a ingestão de remédios, a dose somente deve ser
alterada conforme orientação médica. Jamais se deve interromper o tratamento sem
orientação. A suspensão súbita da medicação pode desencadear novamente as crises
com possibilidade de agravamento do quadro. É interessante que o professor tenha
esse conhecimento para alertar os pais e oferecer­‑se para ministrar a medicação no
caso da criança fazer uso dela em horário escolar.

É muito comum observar­‑se casos nos quais a criança tem uma crise, é levada ao
hospital, o médico introduz a medicação e os pais não obedecem ao que foi prescrito.
Uma vez interrompido o tratamento a criança volta a ter as crises precisando novamente
ser internada. Infelizmente por várias razões isso é comum, seja por falta de recursos
para continuar o tratamento, seja por ignorância da importância deste.

• Dietético: alguns tipos de epilepsia resistentes ao tratamento com medicações são


chamadas de Epilepsias refratárias (GUERREIRO, 1993). Uma forma alternativa de
tratamento é a dieta cetogênica, geralmente feita em ambiente hospitalar e com severo
controle. A dieta cetogênica é rica em gorduras, moderada em proteínas e pobre em
carboidratos. Há quem se utilize desse método para emagrecer, mas é uma forma peri-
gosa para o organismo e necessita controle absoluto de especialistas. É uma forma de
tratamento que consegue reduzir o número de crises epilépticas em muitos casos.
184 UNIUBE

Crises psicogênicas • Cirúrgico: o processo cirúrgico tem como objetivo a retirada do


foco irritativo, ou seja, o local específico do cérebro em que se
São crises não encontra a lesão que causa as crises quando este pode ser
autenticamente determinado em exames. Entretanto hoje vem sendo utilizado
epilépticas, outro método cirúrgico. Eliana Garzon (2002) demonstra, em
convulsivas ou não,
artigo científico, as várias formas de tratamento para os casos
geradas por estresse
emocional. Essas mais persistentes de epilepsias. Nesse artigo a autora cita a
crises podem ocorrer dieta cetogênica detalhando­‑a e como alternativa mais mo-
tanto em pacientes derna à estimulação do nervo vago (situado do lado esquerdo
epilépticos, em do pescoço) com um determinado aparelho implantado cirur-
alternância às crises
autênticas, como em gicamente. A localização desse aparelho é a mesma de um
pacientes portadores marca­‑passo cardíaco e na mesma posição, ou seja, em um
de algum tipo de espaço subcutâneo da parede do tórax abaixo da clavícula.
neurose. Por serem
crises dramáticas,
muito semelhantes
• Psicoterapêutico: algumas pessoas portadoras de Epilepsia
às crises convulsivas são também submetidas a psicoterapias de apoio. Nesses
epilépticas, chamam casos, o tratamento visa fortalecer a auto­estima, desmistificar
muita atenção das incapacidades e ajudar o indivíduo a manter sua rotina sem
pessoas em volta. prejuízos à sua vida como um todo. As psicoterapias podem
Alguns pacientes
passam a ser individuais e de grupo, conforme a disponibilidade do
apresentá-las paciente e a especificidade do profissional. Essa terapêutica
justamente por essa ajuda também pacientes que, embora sejam epilépticos,
razão. Um bom eventualmente apresentam falsas crises epilépticas chamadas
profissional da área
sabe distinguir a
crises psicogênicas.
diferença entre esses
dois tipos de crises.
5.3.6.1 Relato de experiência com a epilepsia

Na APAE de Araranguá, atendíamos pessoas portadoras de


necessidades especiais desde o nascimento até a idade adulta.
Havia duas oficinas divididas em feminina e masculina as quais
o aluno passava a frequentar em um dos turnos após com-
pletar cerca de doze anos. Na oficina masculina, a prática principal era o trabalho em
madeira, com a fabricação de camas, mesinhas e cadeirinhas para crianças, desde o
beneficiamento da madeira até a decoração com pintura artística. Na oficina feminina
eram feitos trabalhos manuais tais como, bordado, confecção de flores artificiais, etc.
Essa divisão tipicamente “sexual” foi discutida por mim em dissertação de Mestrado
(FERREIRA, 1988). A oficina masculina recebia meninos desde os doze anos e sem
limite de idade nem restrições diagnósticas.

Portador de Epilepsia com crises convulsivas de difícil controle. R.S., na época com
16 anos, era um excelente aprendiz na oficina. Era calmo, bem comportado, amigo
e colaborador. O produto de seu trabalho era tão bom que, se não fossem as crises,
ele seria encaminhado ao mercado competitivo. R.S. chegava a ter de três a cinco
crises por dia. Constantemente sua medicação era revisada e modificada pelo médico
UNIUBE 185

sem que isso ajudasse na diminuição das crises. Na oficina, o marceneiro, que era
o professor e orientador dos trabalhos, e os colegas eram instruídos e já conheciam
detalhadamente os episódios de R.S. Conheciam até seus sinais e reações anteriores
à crise. Havia um local mais quieto e calmo no ambiente da marcenaria arrumado com
colchões que servia para que R.S. pudesse se recuperar de cada episódio. R.S. não
usava máquinas perigosas, do tipo das que cortavam a madeira, por exemplo. Uma
das minhas orientações a R.S. foi que ele começasse a reconhecer a antecipação da
crise, chamada de aura pelos especialistas. Não é muito difícil reconhecer a aura, a não
ser que o paciente tenha pouquíssimas crises. R.S. aprendeu a fazer isso e informou
ao professor e a seus colegas. Quando os sinais da crise começavam, e quando os
colegas mais próximos conseguiam perceber, ele era levado imediatamente ao local
preparado e ali permanecia até que sua consciência retornasse ao normal, sempre
observado pelo professor e por seus colegas. Essa observação pós­‑crise é importante
porque o indivíduo poderá ficar confuso, caminhar sem rumo, ferir­‑se ou ferir alguém
sem ter noção disso.

Vamos entender agora um pouco sobre como são feitos esses exames para detectar
exatamente se a criança se encontra atrasada em seu desenvolvimento.

5.4 Escalas de desenvolvimento


Para saber com exatidão o nível de desenvolvimento de uma criança até três anos de
idade, são utilizadas escalas de desenvolvimento. Comumente costumam ser chamadas
de testes de desenvolvimento. Os mais conhecidos são testes como a escala citada
anteriormente de autoria das psicólogas francesas Odete Brunet e Irene Lezine, além da
Escala de Denver II, a Escala Bailey, o Baby Wisc etc. e são utilizados por psicólogos,
médicos e pedagogos e profissionais que lidam com bebês.

Uma escala bem utilizada hoje é a Escala de Desenvolvimento de Denver II. Esse
teste auxiliou em pesquisa sobre a situação de crianças prematuras em São Luís do
Maranhão (CUNHA, 2007).

Durante o tempo que trabalhei naquela instituição, participei do caso de um menino


Uma escala de desenvolvimento infantil utilizada nas avaliações de bebês é mais bem
aproveitada quando oferece dados tanto quantitativos quanto qualitativos. Necessita ser
um instrumento psicopedagógico baseado nas teorias de desenvolvimento infantil que
contemple aquisições amplamente estudadas em bebês de várias partes do mundo.
As aquisições graduais adquiridas no período de zero a três anos de idade, junto com
as provas a serem aplicadas e suas formas de aplicação, devem estar claramente
explicitadas no manual desse instrumento, de forma que qualquer profissional da área
de saúde e educacional possa manuseá­‑lo sem problemas, bem como, utilizar seus
resultados.

Como exemplo, para que você tenha uma ideia, cito aqui a escala de Brunet e Lezine
por ser o instrumento que mais utilizei em minha prática.
186 UNIUBE

A Escala de Brunet e Lèzinne

Referendadas no livro: Desenvolvimento psicológico da primeira infância, o qual


também serve de manual para a utilização da escala, estão as aquisições gradativas das
idades de zero a três anos. Também constam no livro, as ordens das provas e as formas
de tabulação para obter resultados quantitativos. Através da aplicação dessas provas,
pode­‑se inclusive, ter subsídios para a preparação do programa terapêutico. Elaborada
por duas profissionais da área de psicologia, a Escala de Brunet e Lèzinne, conta com
os princípios da Psicologia do Desenvolvimento baseadas na linha cognitivista.

A base para a escala das duas psicólogas foi a pioneira Escala de Gesell, um médico
americano que iniciou, dessa forma, o processo de medida do desenvolvimento. A
grande inovação de Brunet e Lezine foi a inclusão de medidas e fórmulas matemáticas,
as quais nos dão de forma exata uma idade de desenvolvimento (ID) e um quociente de
desenvolvimento (QD), facilitando muito a elaboração de uma programação terapêutica
no caso em que a criança se encontre com atraso em qualquer das áreas.

A grande vantagem oferecida por essa escala é a condição de se obter esses resulta-
dos exatos (quantitativos), além de resultados qualitativos e de ter aplicação e correção
fáceis e rápidas. Ao aplicar essa escala, ter­‑se­‑á a idade de desenvolvimento em que
essa criança se encontra e o percentual desse desenvolvimento sabendo­‑se com exa-
tidão se essa criança está atrasada em seu processo evolutivo.

São poucas as escalas e testes que oferecem resultados quantitativos, tais como uma
idade de desenvolvimento e um nível de desenvolvimento percentual.

Particularidades e material da escala

Não existem respostas certas ou erradas. O objetivo é que a criança siga determinadas
ordens e sugestões do examinador para que ele possa ter certeza de que a aquisição
foi adquirida. Numa tabela fornecida pelo livro, o examinador apenas marcará positivo
(+), caso a criança realize a ordem dada, ou negativo (­‑), caso ela não consiga. Não
existe tempo estipulado para o exame. A criança apenas deverá estar bem disposta e
colaborando. Não se realiza o exame se a criança estiver chorando, com sono, com
fome, doente, irritada ou com medo do examinador e do ambiente. A mãe da criança
precisará sempre estar presente porque boa parte da investigação depende de res-
postas que ela dará ao examinador sobre aquisições que a criança possui; entretanto
poderá não demonstrar no momento do exame. Exemplo: “Puxa o lençol em direção a
si agarrando a perna e o joelho?”; “Sorri a rostos familiares?” etc.

O material da escala é de fácil aquisição e de conhecimento corriqueiro da criança e


se compõe de:

• uma caneca de alumínio de 100 ml;

• uma campainha metálica de 10 cm de altura;


UNIUBE 187

• livro de histórias infantis de capa e folhas duras;

• vinte cubos de madeira de cor vermelha de 2,5 cm x 2,5 cm de lado;

• uma argola de plástico vermelha (tipo bastidor de bordado) de 10 cm de largura;

• uma colher de sopa metálica;

• uma fralda de tecido comum;

• uma prancha vazada de blocos lógicos de 35 cm de largura por 15 cm de altura de


cor verde escura;

• blocos lógicos de 7 cm (quadrado, triângulo e círculo) na cor preta.

• um chocalho (qualquer tipo);

• duas pranchas com figuras variadas e muito comuns ao cotidiano do bebê:

•  ma com seis figuras: um brinquedo, uma xícara de café, uma colher, um cão,
u
um sapato e uma casa;

•  ma com oito figuras: um brinquedo, uma xícara de café, uma colher, um cão,
u
um sapato, uma casa, um relógio e uma faca.

Na aplicação da escala de Brunet e Lenzine, um bebê retira o círculo do seu buraco na


prancha de blocos lógicos como solicitado.

A partir dos resultados da aplicação das escalas de desenvolvimento, prepara­‑se uma


programação de atendimento no caso de a criança apresentar atrasos. Da detecção
do atraso ao tratamento, as providências devem ser imediatas. Sabe­‑se que o diagnós-
tico de atraso no desenvolvimento não pode de forma alguma ser negligenciado, pois
o fato em si, é um alerta para problemas futuros mais sérios caso não sejam tomadas
providências.

5.5 Intervenção e estimulação precoce


A estimulação precoce é uma técnica de intervenção infantil determinada por uma
filosofia de ação que visa, sobretudo a harmonia e a normalidade do desenvolvimento
neuropsicomotor. Quando se intervém precocemente com estimulações, visa­‑se al-
cançar comportamentos e aquisições que se aproximem ao máximo da normalidade,
facilitando­‑se esses comportamentos e aquisições.

Possuindo uma metodologia eminentemente educacional, a estimulação precoce está


inserida num contexto maior dentro da Educação Especial denominado Intervenção
188 UNIUBE

Precoce ou Global e às vezes Estimulação Essencial. Esse contexto tem sua atuação
na detecção, diagnóstico e tratamento dos desvios do desenvolvimento infantil. Por
se tratar de um processo educacional, tem uma ação globalizadora e integral sobre o
indivíduo, visando o seu desenvolvimento. Considera­‑se precoce por atingir a criança
em etapas críticas do seu desenvolvimento e é essencialmente preventiva.

A estimulação precoce está ligada a uma ideia de ação preventiva, para isso faz­‑se
necessário que se inicie a intervenção o mais cedo possível. Essa intervenção é sempre
identificada com a palavra “cedo” (early em inglês e temprana ou precoz em espanhol).
O Ministério da Educação adota a terminologia estimulação precoce por ser dessa forma
que a técnica é bastante conhecida no Brasil, o que facilita a procura do atendimento
por parte da população. Portanto desde o nascimento, apresentando ou não alguma
condição especial, o cuidado do bebê deve ser orientado na direção de um conjunto
global de atenções, que incluam aspectos biopsicossociais e pedagógicos.

A atuação interdisciplinar na estimulação precoce é fundamental. O profissional moderno


não pode se considerar autossuficiente, nem agir isoladamente. Uma vez que, para se
estabelecer um diagnóstico e um programa terapêutico, tem­‑se envolvidos aspectos
biológicos, psicopedagógicos e sociais, necessita­‑se de uma equipe que possa atuar
conjuntamente para que esse processo seja o mais fidedigno possível.

É importante frisar que nenhuma fase deve ser negligenciada; por exemplo, se a criança
está atrasada para engatinhar, não estimulá­‑la a caminhar antes que engatinhe. Se você
se interessa por aprofundar seus estudos nesse assunto observe que os livros citados
aqui são de grande ajuda não só para detectar­‑se a fase em que a criança deveria
estar, como para orientar as mães quanto ao tipo de estimulação.

Estimular quando, como e onde

De acordo com Oliveira (1982), toda criança em etapas críticas do seu desenvolvimento
neuropsicomotor, isto é, nos três primeiros anos de vida, tem como necessidades bási-
cas: Nutrição, Estimulação e Afetividade. A nutrição deve ser feita à base de proteínas,
uma vez que estas contêm todos os aminoácidos essenciais necessários. A estimulação
deve ser oportuna, ou seja, o indivíduo deve ter oportunidade de experienciar o próprio
corpo, explorando os objetos que o cercam, descobrindo gradativamente a relação entre
os objetos e a causalidade dos fatos ambientais. Tudo isso somente se integra se vier
acompanhado de motivação para aprendizagem. A base dessa motivação é a afetivi-
dade que essa criança recebe, daí a importância dos vínculos afetivos estabelecidos
pela criança nessa fase do desenvolvimento.
UNIUBE 189

A aplicação das técnicas de estimulação precoce se faz necessária quando:

A – uma dessas condições está ou esteve ausente ou carente;

B – acontece um incidente que provoca o impedimento da recepção de uma dessas


condições, tais como alguma das patologias citadas anteriormente nesse roteiro;

C – e até mesmo quando tudo estiver correndo bem.

A. Quando uma dessas condições está ou esteve ausente ou carente:

Segundo Perneta (1977), se uma criança não recebe nutrição apropriada desde os
primeiros meses de vida, não desenvolverá normalmente e seus crescimento estatural
e ponderal serão diminuídos e/ou alterados. A ausência de alimentação adequada preju-
dica o funcionamento do cérebro, em alguns casos chegando a danificá­‑lo permanente-
mente. A carência de calorias e de proteínas, e a desnutrição neonatal são, infelizmente
assunto quase diário em nossos jornais e revistas. E é um mal aparentemente crônico
nos países de terceiro mundo.

Se um bebê for privado de estimulação ambiental adequada nos três primeiros anos de
vida apresentará comportamentos desadaptados, e em casos mais graves apresentará
déficit intelectual tão significativo que o impedirá de frequentar o ensino regular. Uma
equipe da UNICEF, fazendo pesquisa de campo em aldeias na África, encontrou
uma criança de cerca de oito anos dentro de uma cabana semi­escura, deitada numa
rede. Essa criança não caminhava, mal se expressava verbalmente e precisava de aju-
da para se alimentar. Ao ser investigado o problema da criança, a equipe foi informada
de que, há cerca de seis anos a criança havia contraído uma doença desconhecida e,
para que não contaminasse os outros membros da aldeia, fora isolada desde então.
Ao ser encontrada pela equipe, a criança não apresentava moléstia alguma, a não ser
as sequelas de seu isolamento (UNICEF, 1979).

As privações afetivas são tão danosas quanto as duas condições anteriores. E como
vimos anteriormente esses sintomas da carência afetiva em bebês foram amplamente
estudados por Spitz (1980).

A negligência do afeto e atenção, por parte daqueles pais muito ocupados, a negação
desse afeto e dessa atenção por questões de rejeição, ou abandono criam condições
que são consideradas pelos especialistas como originárias das neuroses e facilitadoras
das psicoses infantis.

B. Quando acontece um incidente que provoca o impedimento da recepção de uma


dessas condições:

Segundo Matas e colaboradores (1994) podemos resumir em quatro os fatores que


levam a alteração do desenvolvimento normal:
190 UNIUBE

• lesão direta no sistema nervoso central;

• afecções em outras partes do corpo que provoque secundariamente alterações


neurológicas;

• causas que dependam do meio ambiente, que influam sobre o crescimento normal,
como a já citada ausência de estímulo ambiental;

• alterações genéticas.

Ao apresentar qualquer um desses fatores, o bebê estará diante de um impedimento


significativo que poderá torná­‑lo incapaz de desenvolver­‑se naturalmente. Vimos ante-
riormente alguns dos mais frequentes em nosso ambiente escolar.

Caso você perceba que uma criança esteja atrasada em seu desenvolvimento ou tenha
apresentado algum impedimento significativo, a melhor orientação aos pais será procu-
rar atendimento em estimulação precoce o mais rápido possível em alguma instituição
que o ofereça. No Brasil, temos muitas associações, uma delas poderá encaminhar a
criança para o setor adequado ao seu caso.

C. Quando tudo está normal:

A mãe é a primeira estimuladora. Ela é a “terapeuta única” nas palavras de Matas


(1994). A relação mãe e filho se inicia na gestação e com ela a estimulação. O bebê
ouve, sente, alimenta­‑se e experiencia desde a vida intrauterina. Ao nascer, o contato
físico a cada mamada, banhos e troca de fraldas significam muito no processo de es-
timulação global.

Toda mulher antes de dar à luz um bebê deveria ser orientada e preparada para essa
expectativa e para essas funções, as quais, além de extremamente importantes, são
também incrivelmente gratificantes. A cumplicidade, o carinho, o companheirismo de
mãe e bebê são peças fundamentais na formação da personalidade de um indivíduo.

Matas (1994) sugere que somente a mãe pode tomar o mesmo ponto de vista de
seu filho sobre as coisas para viver em harmoniosa interação. Para Winnicott, a mãe,
ao identificar­‑se com seu filho sabe o que ele sente e está, portanto, predisposta a
prover­‑lhe tudo que lhe faça falta. Como estimular?
UNIUBE 191

Existem vários livros e manuais demonstrando a técnica da estimulação. As institui-


ções costumam ter alguns livros e criar manuais até bastante simples para distribuir às
mães, uma vez que estas precisarão repetir em casa os exercícios. Em O despertar
do bebê, Janine Levy demonstra, para as mães técnicas agradáveis que facilitam o
desenvolvimento em crianças normais, além de sugerir material de fácil confecção.
Essa é uma das leituras que você poderá pesquisar se estiver interessado em atuar
nessa área que cresce cada vez mais em nosso país.

Cabrera e Palácios (1996) mostram um enfoque prático nessa tarefa, oferecendo as-
pectos teóricos de grande importância, tais como: dados sobre Psicologia do desen-
volvimento, Neurologia evolutiva e Psicologia do comportamento. Se você, professor,
interessa­‑se por essa área específica será indispensável aprender sobre esses aspectos
citados. Não é possível atuar em estimulação precoce sem saber como se dá o de-
senvolvimento infantil detalhadamente. Um pouco dessas informações visando esse
aprendizado consta nesse capítulo, porém é necessário estudar bem mais.

A estimulação precoce como terapêutica atua de zero a seis anos de idade, dividindo-
­‑se em Primeira, Segunda e Terceira fases.

• Na primeira fase, que vai de zero a três anos, é dada ênfase às áreas: Motora, Cog-
nitiva, Linguagem e Socialização.

Em todo o processo da primeira fase, é extremamente importante a participação da


mãe, e se possível de membros da família, os quais são orientados pelos profissionais
da equipe interdisciplinar quanto às condutas que utilizarão, em casa, na estimulação
da criança. Eles, portanto, participam ativamente das sessões de atendimento, acompa-
nhando, atuando e/ou assistindo às técnicas praticadas. Em casa, darão continuidade
ao que observaram na instituição. A criança passa cerca de cinquenta minutos sendo
atendida pela equipe enquanto a mãe e família observam. Mas serão as outras horas
do dia que contarão mais seriamente nos resultados dessa prática. É sendo estimulada
em casa, o máximo possível, pela mãe e pela família, que essa criança se desenvolverá
plenamente.

• Na segunda fase, que vai de três a seis anos, prioriza­‑se a socialização. Formam-
­‑se grupos de até cinco crianças com a finalidade de introduzir­‑se a participação de
atividades em comum, facilitar a camaradagem, a divisão de brinquedos e tarefas. A
criança aprenderá a esperar sua vez para atuar nas atividades, compartilhar objetos
em um jogo etc. Nessa fase, a família é dispensada. Sem a presença da mãe, e de
familiares, a criança precisa aprender a conviver e relacionar­‑se com seus compa-
nheiros de turma sob orientação da professora.

• A terceira fase, que vai de seis a oito anos, é a fase de preparação para as atividades
de alfabetização. A criança inicia esse delicado processo já de posse das aquisições
imprescindíveis a ele. Nesse momento, pais e professores são orientados pelo
pedagogo da equipe, pois esse processo precisa ser ministrado com bastante cuidado
no caso de crianças com outros prejuízos.
192 UNIUBE

Entendemos que uma criança pode chegar a essa fase pronta para ser alfabetizada,
porém com grandes prejuízos, que seriam, por exemplo, prejuízos sensoriais (visão e
audição) e físicos (sequelas motoras diversas). Essa criança terá necessidades espe-
ciais, mas está perfeitamente apta a enfrentar os desafios da fase.

Quando o atendimento transforma­‑se em terapêutica remediativa, ou seja, quando


a criança já chega a essa fase com idade superior a seis ou oito anos, é importante
observar­‑se o diagnóstico atribuído à criança para que a técnica seja adequadamente
aplicada. Nesse caso o termo “estimulação precoce” já não se aplica. O currículo será,
obviamente, adaptado a essa necessidade e não se poderá esperar um rendimento
semelhante às crianças com a prontidão referida anteriormente.

Para a ajuda em atividades diversas com essas crianças, as instituições têm sempre
uma pessoa contratada e que se dedica somente a essa função que é o educador ou
educadora. É muito importante que o profissional interessado em atuar nessa área seja
previamente treinado para isso por algum membro da equipe, seja ele o psicólogo, o
fisioterapeuta, o pedagogo ou qualquer outro (OLIVEIRA, 1982).

Instituições diversas pelo Brasil afora criam manuais simples para as mães levarem
para casa, atuarem com o bebê e ensinarem aos familiares. E criam outros manuais
mais complexos para que educadores atuem dentro do atendimento e da orientação a
essas mães e familiares. Esses manuais sugerem e ensinam alguns exercícios, mas
é no dia a dia com a criança que se vão criando estratégias e métodos nesses atendi-
mentos. Muito do que se faz é fruto da imaginação e perspicácia da pessoa interessada
na técnica. Um exemplo de trabalhos que mostram sugestões interessantes é o de
Oliveira e Oliveira (2006).

Durante alguns anos atendi pessoalmente vários casos para poder sentir essa rotina.
Estar junto às mães e bebês e aprender a conciliar as relações mamãe­/bebê, estimula-
dora/bebê e mamãe/estimuladora foi muito proveitoso para minha função de professora
de estimulação precoce. Em minha experiência como professora também aprendi muito
com minhas alunas e alunos nesse aspecto. Por diversas vezes observar as táticas e
alternativas que os alunos demonstravam era fascinante. Era aquela reação típica de
surpresa: “Por que não pensei nisso antes?”.

É bom reforçar o fato de que os exercícios não podem ser realizados se a criança não
estiver bem disposta. A estimulação precoce é uma técnica realizada com a colaboração
total da criança. Uma criança não pode ser atendida aos prantos ou apresentando sin-
tomas tais como: febre, sono, fome ou irritabilidade. A paciência, o carinho, a aceitação
e a inteligência da pessoa que exerce essa função são indispensáveis. Os exercícios
serão conduzidos de forma a que a criança adquira determinada capacidade e para
isso não podem ser executados à força.
UNIUBE 193

Uma das perguntas-chave que faziam parte do processo de seleção para participar do
estágio em estimulação precoce da Universidade de Federal de Uberlândia, do qual
eu era psicóloga responsável era: “Como você agiria para acalmar uma criança que
chora no momento do exercício?”. A pergunta desconsiderava mal-estar, sintomas di-
versos etc. Era levado em conta apenas um choro comum no qual a criança estranha
o ambiente e as pessoas.

Nesse caso eram vistas como corretas respostas tais como: sair com a criança do am-
biente por algum tempo; oferecer brinquedos diversos; pedir ajuda à mãe; e até mesmo
devolvê­‑la ao colo de sua mãe.

Áreas de desenvolvimento e seus objetivos

Cada vez que a criança é examinada com uma escala de desenvolvimento são deter-
minados sua idade de desenvolvimento e o percentual desse desenvolvimento, e, em
seguida, estabelecidos os objetivos a serem alcançados. Esses objetivos precisam
ser os passos imediatos a essa evolução neurológica, ou seja, se um bebê ainda não
engatinha e já está pronto para isso, ele será trabalhado na intenção de engatinhar.

As áreas e seus objetivos são definidas segundo Bizzoto (1982) a seguir:

• Área motora – Desenvolver condutas motoras básicas, como equilíbrio, coordenação,


dinâmica geral, e coordenação viso­‑motora, indispensáveis ao controle postural e
aquisição de marcha.

• Área cognitiva – Desenvolver na criança a ação intencional, a capacidade de res-


ponder adequadamente aos estímulos. Ampliando conhecimentos, possibilitando a
generalização de suas experiências, levando­‑o a solucionar situações problemas.

• Área da (linguagem) comunicação – Desenvolver na criança a capacidade de


comunicar­‑se, estimulando­‑se a linguagem expressiva e compreensiva e permitindo-
­‑lhe que por meio de gestos, vocalizações, palavras e frases, expresse suas
ideias.

• Área (pessoal) social – Desenvolver na criança a independência nas atividades de


vida diária, bem como a capacidade de reagir adequadamente diante de situações
sociais.

Sugestões de atividades estimulativas

Um manual pode conter sugestões até cerca de três anos, porém aqui, nesta seção,
serão colocadas apenas algumas atividades de exemplo para cada área específica.
Isso servirá para que você tenha uma ideia de como são dadas essas sugestões e de
como elas são trabalhadas.
194 UNIUBE

Assim que as condições do bebê são determinadas pela escala de desenvolvimento,


prepara­‑se um plano de atendimento constando objetivos a serem estimulados e a forma
de estimulação. Do mesmo jeito que o professor prepara seu plano de aula, esse plano
é escrito anteriormente para que o educador/estimulador possa se guiar durante o aten-
dimento ao bebê e à mãe. Em centros clínicos de atendimento esse plano é chamado
de Programação Terapêutica, entretanto esse é um trabalho educacional que pode ser
realizado em escolas, creches, clínicas etc. A estimulação é preventiva e é assunto de
todos nós para o pleno desenvolvimento de nossas crianças.

Bizzoto (1982) em um manual de sugestões para o programa de intervenção precoce


coloca que:

Ambiente favorável é o que oferece à criança uma interação afe-


tiva, quer seja com sua mãe, quando atendida no lar, ou com a
”mãe substituta”, quando atendida em Centros de Cuidados Diários
acompanhada de estimulação apropriada. Entende­‑se por “estímulo”
qualquer ação do meio ambiente, ou realizada por agente estimula-
dor que resulta numa resposta da criança exteriorizando sensações
agradáveis e de bem­‑estar. (BIZZOTO, 1982, p. 4)

Nos exemplos seguintes, serão dadas sugestões de objetivos, exercícios e material


para que seu plano de atendimento possa ser preparado.

Área motora (idade – 0 a 2 meses) – Objetivos a serem alcançados

1. Desenvolvimento do equilíbrio da cabeça.

2. Deitado de barriga, girar a cabeça para os lados.

3. Deitado de barriga, erguer a cabeça momentaneamente do plano horizontal.

4. Fixação ocular.

5. Persecução visual de objetos.

Atividades sugeridas para alcançar os objetivos:

Objetivo 1: Estímulos para movimentar a cabeça nas posições de barriga para cima e
de barriga para baixo – seguindo um objeto em diferentes direções. Da esquerda para
direita; de cima para baixo; de baixo para cima.

Objetivos 1, 2 e 3: Criança de barriga para cima, segurar as mãos, dando apoio na


cabeça, puxando­‑a para sentar. Voltar à posição deitada mantendo apoio na cabeça.
UNIUBE 195

Objetivos 1 e 2: Colocar a criança de bruços e usando estímulos sonoros, estimular a


criança a girar a cabeça para os lados e erguê­‑la do plano horizontal, força nos braços.
Colocar a criança no colo de bruços e estimular a erguer a cabeça. A mãe deitada de
bruços de maneira que a criança possa sentir a vibração da voz da mãe.

Objetivos 4 e 5: Criança de barriga para cima, estimular a fixação do olhar no rosto


humano (usar voz suave e mímicas faciais). Partindo da fixação ocular (linha média de
visão), estimular a criança a seguir com os olhos o movimento lento do rosto humano
partindo do meio para a direita, volta ao meio e depois para a esquerda. Seguir objetos
interessantes.

Materiais sugeridos

• Chocalho brilhante; rosto humano; voz humana; foco luminoso.

Área cognitiva (idade 0-2 meses) – Objetivos

1. Fixação ocular.

2. Persecução visual de objeto grande.

3. Persecução auditiva.

4. Descobrimento das mãos.

5. Trocar de olhar entre 2 objetos.

Atividades sugeridas para alcançar os objetivos

Objetivo 1: Aproximar o rosto, do rosto da criança, realizar mímicas faciais. Falar sua-
vemente. Pendurar no berço, diante do seu campo visual, objetos grandes coloridos.

Objetivo 2: Movimentar o rosto, no campo de visão da criança, lentamente, em um arco


de 180º. Movimentar objetos grandes, coloridos e sonoros no campo visual da criança
– lentamente – (de um lado para o outro, da direita para esquerda e da esquerda para
a direita).

Objetivo 3: Falar suavemente com a criança no seu campo visual e fora do seu campo
visual. Ativar dos seus lados direito e esquerdo um brinquedo musical.

Objetivo 4: Colocar pulseiras coloridas e/ou de guizos. Bater palmas, segurando as


mãos do bebê, na sua linha média de visão.
196 UNIUBE

Objetivo 5: Usar dois objetos coloridos e atraentes e chamar a atenção da criança para
os mesmos sacudindo­‑os, balançando­‑os, etc. Estimular a fixação do olhar da criança
ora num objeto, ora noutro objeto. Movimentar um objeto, deixar o outro parado.

Materiais sugeridos

• Rosto humano; voz humana; móbiles atraentes; chocalho colorido; brinquedo musical;
pulseiras coloridas de guizos; chocalhos diferentes e atraentes.

Por exemplo, em uma atividade em que se utiliza uma argola vermelha e um barbante,
a criança é estimulada na área cognitiva a alcançar a argola, puxando­‑a pelo barbante.
Segundo Piaget (1990), é parte das aquisições da relação de causa e efeito. O bebê
aprende que o fio está em ligação com a argola a qual é o objeto que lhe chama aten-
ção.

Área de linguagem (idade 4-6 meses) – Objetivos

1. Reconhecer a voz da mãe.

2. Tenta imitar sons familiares.

3. Voltar a cabeça em direção ao som.

4. Balbucios – ri fortemente.

5. Sorrir diante de sua imagem ao espelho.

6. Estranha pessoas e ambientes.

7. Responder à voz humana.

Atividades sugeridas para alcançar os objetivos

Objetivo 1: Mãe usará tons de voz diferentes para ocasiões diversas. Estimulará o bebê
a lhe procurar.

Objetivos 2, 3, 4 e 5: Estimular o bebê a imitar sons familiares. Imitar os sons emitidos


pelo bebê, mantendo a posição face a face. Realizar sons diversos fora do campo vi-
sual da criança, estimulando­‑a a buscar a fonte sonora. Repetir seus balbúcios, fazer
cócegas suaves, dar beijos na barriga, observar as respostas emitidas pela criança
(movimentos de boca, braços, pernas, aumento da respiração). Mostrar sua imagem
diante do espelho, dizendo o seu nome e apontando sua imagem.
UNIUBE 197

Objetivo 6: Coloque a criança em contato com estranhos gradativamente. Evite os


contatos bruscos. O bebê fica com a mãe até se acostumar com o estranho.

Objetivo 7: Estimular o bebê a responder à voz humana. Repetir os sons emitidos pela
criança, estimular novos sons.

Materiais sugeridos

Voz humana; rosto humano; espelho.

Área social (Idade 8-12 meses)

Essa área envolve o aprendizado de atividades de vida diária que inclui: tomar banho so-
zinho, pentear­‑se, brincar, vestir­‑se, alimentar­‑se, além dos diversos hábitos sociais.

Objetivos

1. Favorecer a mastigação.

2. Favorecer o uso das mãos para se alimentar.

3. Favorecer o manejo do copo.

4. Favorecer a participação na alimentação com a família.

Atividades sugeridas para alcançar os objetivos

Objetivos 1, 2 e 3: Oferecer para a criança pedaços de alimentos sólidos. Deixar usar


os dedos para pegar pedaços de alimentos no seu prato (carne, batata, grãos de feijão).
Continuar a dar líquidos no copo, sempre com pouca quantidade, para ajudar a criança
a não derramar muito, use copo plástico. Sempre que a criança se mostrar interessada
em manejar a colher deixe­‑a fazê­‑lo, orientando­‑a nos movimentos corretos.

Objetivo 4: Gradativamente incluir a criança nas refeições da família, colocando­‑a confor-


tavelmente em uma cadeira grande, junto a mesa, mantendo seus pés e tronco apoiados.
Coloque em seu prato pedaços de alimentos sólidos secos (pequenas quantidades).

Materiais sugeridos

• Alimentos sólidos; copo plástico com a borda recortada; prato de plástico fundo.

A área social é muito mais trabalhada pela mãe da criança do que pelo educador na
instituição por conter objetivos e materiais essencialmente domésticos. Por essa razão
você deverá instruir a mãe com exemplos simples e claros, insistindo para que ela
execute diariamente as orientações recebidas. Você saberá se ela está seguindo suas
198 UNIUBE

instruções, pois verá o desenvolvimento mais rápido da criança e a desenvoltura da


mãe ao realizar em sua presença algumas das orientações que você deu.

Lembre­‑se de que, pais de crianças com atraso no desenvolvimento, além de serem


orientados a procurar ajuda rapidamente, devem receber imediatamente orientações
do que fazer em casa enquanto a ajuda não se concretiza.

Para facilitar sua tarefa, serão colocadas neste capítulo mais algumas sugestões do-
mésticas, indicadas a bebês desde bem pequenos até cerca de um ano e os objetivos
em relação ao que queremos deles.

Idade: 2 meses a 1 ano e 3 meses

• Objetivo: Parar de chorar quando alguém se aproxima e lhe fala.

Sugestão: converse com ela sempre que estiver chorando, chame sua atenção.

• Objetivo: Imobilizar­‑se ou virar a cabeça quando alguém lhe falar.

Sugestão: Chame­‑ a insistentemente, vire sua cabecinha na direção do som


estimulado.

• Objetivo: Sorrir em resposta ao sorriso de alguém.

Sugestão: Estimule­‑a conversando bastante com ela, sorria para ela.

• Objetivo: Rir às gargalhadas.

Sugestão: Faça­‑lhe cócegas, brinque com ela.

• Objetivo: Sorrir ao espelho.

Sugestão: Brinque com ela diante de um espelho, faça­‑a explorá­‑lo.

• Objetivo: Levar seus pés à boca.

Sugestão: Exercite o movimento de levar os pés do bebê à boca dele, estimulá­‑lo a


fazê­‑lo seguidamente.

• Objetivo: Compreender uma proibição e interromper uma ação quando solicitado.

Sugestão: Converse com ele, use a negativa, delicadamente.


UNIUBE 199

• Objetivo: Entregar algo mediante pedido ou gesto.

Sugestão: Coloque algo em sua mão e ofereça ao bebê, em seguida solicite de


volta o objeto sem tirar da mão dele. Faça­‑o colocar o objeto na sua mão sem soltar,
pois esse é o primeiro passo para o gesto de entregar algo mediante a pedido. Depois
que ele vencer essa etapa, solicite o objeto completamente.

• Objetivo: Repetir ações que provocam risos.

Sugestão: Brinque com ele, ria com ele, faça brincadeiras engraçadas com ele.

• Objetivo: Usar uma colher.

Sugestão: Ofereça­‑lhe uma colher, demonstrando seu uso diversas vezes.

• Objetivo: Pedir seu peniquinho, ser capaz de se conter.

Sugestão: Ofereça­‑lhe um peniquinho de presente para que brinque com ele.


Aos poucos, ensine­‑lhe para que serve. Se houver crianças na casa, pedir­‑lhes que
ajudem nas demonstrações.

• Objetivo: Imitar ações simples dos adultos.

Sugestão: Brinque com ele, calce seus sapatos para demonstrar o gesto, penteie
seus cabelos.

• Objetivo: Ajudar a arrumar seus pertences.

Sugestão: Solicite sua ajuda quando for colocar os brinquedos e suas coisas
em ordem.

• Objetivo: Colocar seus chinelos.

Sugestão: Ensine­‑o o gesto. Coloque os seus pra que ele observe.

Os manuais e livros sobre estimulação precoce são bastante enfáticos na simplicidade


do material utilizado. Listam diversos objetos de utilidade cotidiana tais como: colcho-
netes, cobertores grossos, brinquedos coloridos, sucatas variadas (tampinhas, garrafas
e potes de plástico, caixas grandes e caixinhas de papelão etc.). Ensinam as mães a
confeccionar outros brinquedos a partir de sobras de material doméstico. A Figura 1
mostra que facilmente se podem montar chocalhos com material simples.
200 UNIUBE

Figura 1: Chocalhos confeccionados a partir de garrafas de plástico.

Em todas as áreas, a contribuição vinda de você como professor e pedagogo é extre-


mamente necessária, orientando os pais e educadores, ou reabilitadores, em atividades
que favoreçam o desenvolvimento da aprendizagem.

Onde estimular

A estimulação programada deve ser feita prioritariamente na casa da criança. Projetos


bem organizados levam os profissionais ao lar onde o bebê convive dia a dia e estes
observam os recursos disponíveis e orientam a mãe a utilizá­‑los de maneira eficiente.
Sabemos que as instituições se equipam para realizarem esse trabalho, mas as mães
não podem pensar que, por não possuírem aqueles equipamentos em casa, não po-
derão realizar os exercícios.

Um local ótimo para os exercícios de estimulação institucional pode ser montado em uma
sala ampla e arejada, com paredes pintadas preferencialmente com tinta verde clara e
que possua uma pia em tamanho infantil. É recomendada a utilização de poucos móveis
para que tanto o bebê como as pessoas que o assistem possam se movimentar com
liberdade no ambiente. É necessário apenas: uma mesinha e cadeirinhas, um espelho
bastante largo e alto (2 m de largura por 1 m, 70 cm de altura) fixado em uma das pa-
redes na altura do rodapé da sala, um tatame com as mesmas dimensões do espelho,
posicionado abaixo do espelho e um armário fechado para conter os brinquedos. A ins-
tituição irá adquirir objetos específicos para o trabalho dos profissionais que ali atuarão,
tais como, por exemplo, para a fisioterapia: rolos de vários tamanhos, bolas plásticas
de vários modelos e cores, e mais a aparelhagem que o profissional solicitar.
UNIUBE 201

Como uma especialidade dentro da nova era da inclusão, a estimulação precoce tem
condições de oferecer oportunidades aos seus profissionais e melhor qualidade de
vida àqueles que dela se utilizam. A estimulação precoce é uma técnica que veio pos-
teriormente para o Brasil após ter sido desenvolvida em outros países. Entretanto, veio
significar também uma esperança nova. Veio dar uma injeção de ânimo surpreendente
na difícil caminhada do atendimento a criança portadora de necessidades especiais e
estabelece a garantia de um desenvolvimento satisfatório à criança dita normal. Vincu-
lada a ela, está a moderna visão do profissional interativo dentro da equipe e ligada a
isso está a participação do pedagogo e do professor como figuras indispensáveis nesse
complexo processo. Essas presenças são importantes na participação em reuniões de
estudo clínico, na elaboração do plano terapêutico, no levantamento das prioridades
terapêuticas, até mesmo na orientação de pais e responsáveis.

5.6 Diferenças sexuais no desenvolvimento infantil


Embora meninos costumem desenvolver­‑se mais lentamente que meninas, principal-
mente na área motora e comunicativa, as escalas de desenvolvimento não levam isso
em consideração, pois a diferença não é estatisticamente significativa. Entretanto,
pediatras e psicólogos do desenvolvimento, tais como Brazelton (1981) e Coll (1997)
costumam observar o fato e acompanharem essas e outras diferenças sexuais.

Não é raro perceber que, quando um casal deseja ter um filho, o sexo do bebê já é
assunto de discussão. A sociedade como um todo tem suas próprias exigências nesse
sentido. Se for o primeiro bebê, o sexo deste, para a sociedade na qual os pais estão
inseridos, até não faz muita diferença, mas do segundo bebê em diante, as exigências
começam. Se o primeiro bebê for menina, a expectativa é pelo menino, e vice­‑versa.
O desejo por um sexo específico, por si só, já contribui com expectativas.

É notadamente diversa a educação oferecida a meninas e meninos no que diz respeito


à sexualidade. Isso estabelece, por aprendizagem e socialização, os comportamentos
sexuais e as preferências por objetos, brinquedos, jogos e atividades.

As expectativas dos adultos em relação à criança e ao sexo dela, também influenciam


no estabelecimento do comportamento sexual. Ao menino são atribuídos adjetivos
fortes, agressivos e dinâmicos: “Campeão do papai”, “Gatão da mamãe”. A menina
recebe os adjetivos delicados, meigos e passivos: “Princesinha do papai”, “Florzinha
da mamãe”.

Sem perceberem, os adultos cobram de seus filhos comportamentos que se encaixem


em papéis femininos e em papéis masculinos, do tipo meninas brincam com boneca,
são mais quietas, calmas e ajudam nos afazeres domésticos. Meninos brincam com
carrinhos, não podem chorar, têm que ser fortes, gostar de futebol e mostrar que são
“machos”.
202 UNIUBE

Nesse aspecto, vemos uma agressividade velada na criação do menino e não da


menina. É preciso lembrar, já que esta seção trata disso, que nós, seres humanos,
somos biopsicossociais e cada um de nós tem sua história de vida. Um brinquedo de
guerra pode se tornar uma arma na mão de uma criança tanto quanto um carrinho, isso
dependerá de como essa criança lida com a vivência universal incutida na sociedade
em que o mal luta contra o bem e vice­‑versa. Os valores e mais um enorme conjunto
de fatores determinarão o comportamento da criança. A ideologia que supostamente
estaria incutida nesse brinquedo e na educação que é oferecida à criança é bem
específica. Provavelmente, o pai que fornece esse brinquedo ao filho o faz muitas
vezes sem calcular possíveis consequências e não consegue com isso trabalhar os
valores junto a essa criança, até porque, em sua maioria, esses valores podem estar
ausentes e omissos em sua educação.

Estudos recentes sugerem que a criança deve ter liberdade de escolher suas ativi-
dades e brincadeiras sem preconceitos e ideias pré­‑fabricadas. As expectativas dos
adultos não devem impedir as crianças de desenvolverem sua personalidade de acordo
com o seu potencial.

A construção do papel social do que é ser menino ou menina deve ser trabalhada pelos
pais com maior naturalidade possível, num incentivo para a quebra de preconceitos.
Essa construção se faz aos poucos, pois é preciso considerar que esses pais foram
criados com preconceitos. Entretanto, o crescimento da ciência como um todo e as
mudanças com a evolução dos conceitos para uma convivência melhor requerem
conscientização social. Mais tarde, na adolescência as influências recebidas serão
refletidas na escolha da profissão e do parceiro sexual. Esse reflexo se dará de forma
sadia quanto mais liberdade de escolha o indivíduo tiver e quanto menos pressão sofrer
contra sua própria maneira de ser.

Segundo Brazelton e Sparrow (2002), é fácil reconhecer quando as crianças começaram


a compreender as diferenças sexuais. Um menino imita seu pai nos gestos e hábitos.
Uma menina procura caminhar delicadamente como a mãe, quer ser igual a ela e fazer
o que ela faz. Quando a criança tem outras pessoas participando de seu cuidado, sem
problema algum procura o referencial masculino ou feminino ao seu redor.

Embora uma criança de cerca de três anos não possa saber a diferença sexual de um
menino para uma menina por não enxergar normalmente os genitais, se ela for questio-
nada sobre essas diferenças irá se referir a detalhes por ela observados. Provavelmente
dirá que uma menina geralmente tem cabelos compridos, usa vestidos e brinca com
bonecas. São características simples que vão distinguir diferenças importantes.

A identidade sexual é aprendida por informações sutis dadas pelos adultos em volta
da criança. Um elogio se a menina se veste de forma bem bonita, ou se o menino joga
uma boa partida de futebol fazem parte dessa sutileza consciente ou inconsciente dos
pais e são fortes o bastante para dar à criança a direção intencionada.
UNIUBE 203

Brazelton e Sparrow (2002) também falam sobre as questões da educação sexual,


orientando pais e professores a serem naturais diante de qualquer manifestação sexual
da criança, respondendo suas questões com sinceridade e encarando a sexualidade
como parte da vida humana.

Resumo
Após os estudos que você realizou vamos fazer uma conclusão geral dos assuntos
abordados. Aqui iremos ressaltar em tópicos que o consideramos mais relevantes.

• O estudo dos aspectos do desenvolvimento biopsicossocial Biopsicossocial


da criança vem contribuir fundamentalmente na formação
do profissional da educação, sobretudo para sua prática Expressão que
pedagógica. engloba os
aspectos biológicos,
psicológicos e sociais
• Ao falar do desenvolvimento biológico, o desenvolvimento em diversas situações
físico da criança, o teórico que nos apoia é Jean Piaget. em que se queira
tratá-los.
• Para compreender as atividades motoras iniciais da criança,
é necessário o estudo referente aos reflexos, suas caracte-
rísticas e períodos de início e término de cada um deles.

• É importante entender, também, a função da maturação neurológica para as aquisi-


ções das atividades motoras, cognitivas, sociais e da linguagem.

• Os três primeiros anos de vida são importantíssimos para a formação da persona-


lidade do indivíduo, pois eles são as bases para o aprendizado sistemático, aca-
dêmico e também para o estabelecimento da individualidade e independência do
indivíduo.

• Os incidentes mais prevalentes que afetam as crianças no início e/ou durante suas
vidas são: Síndrome de Down, síndrome alcoólica fetal, prematuridade, asfixia neo-
natal por anóxia ou hipóxia de parto, paralisia cerebral e epilepsia.

• Dados qualitativos e quantitativos que podemos colher do desenvolvimento infantil


podem ser feitos por escalas de desenvolvimento. A partir dos resultados da aplicação
das escalas de desenvolvimento, prepara­‑se uma programação de atendimento no
caso da criança apresentar atrasos. Esses atendimentos são chamados pela litera-
tura de intervenção e estimulação precoce que visam sobretudo a harmonia e a
normalidade do desenvolvimento neuropsicomotor.

• O trabalho da estimulação e intervenção precoce se divide em três fases: 1ª fase – 0­‑3


anos fase em que se dá ênfase às áreas motora, cognitiva, linguagem e socialização;
2ª fase – 3­‑6 anos prioriza­‑se a socialização e 3ª fase – 6­‑8 anos fase de preparação
para as atividades de alfabetização.
204 UNIUBE

Atividades

Atividade 1
Quais as características físicas mais comuns nos portadores de Síndrome de Down
pelas quais mesmo você, professor, poderá identificar um portador?

Atividade 2
Cite algumas condições que podem ser consideradas perigosas e que poderiam causar
ao bebê problemas no desenvolvimento.

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208 UNIUBE

Capítulo Entre palavras,


6 pensamentos e ações:
a linguagem por
muitas vozes

Márcia Regina Pires

Introdução
Neste capítulo, pretendemos abordar a linguagem em
Marilena Chauí diferentes dimensões, ressaltando sua importância.
Para isso, dialogaremos com poetas, personagens
Possui graduação de romances, artistas plásticos, filósofos, jornalistas
em Filosofia pela
Universidade de
e estudiosos. Dentre eles, destacamos Paulo Freire,
São Paulo (1965), na relação pensamento, palavra e ação; e a filósofa
especialização em Marilena Chauí, em relação aos conceitos filosóficos
Licenciatura pela e a historicidade desses conceitos, enfocando, inclu-
Universidade de sive as contribuições da linguística do século XX; por
São Paulo (1965),
mestrado em Filosofia isso, nos baseamos, em grande parte, nos capítulos
pela Universidade de 5 – “A Linguagem” e 6 – “O Pensamento”, do livro
São Paulo (1967) e Convite à Filosofia, dessa autora.
doutorado em Filosofia
pela Universidade
de São Paulo
Entendemos que as reflexões suscitadas aqui fo‑
(1971). Atualmente mentarão o seu entendimento em relação a outros
é professora titular capítulos, especialmente, aos que se referem ao de‑
da Universidade senvolvimento humano, à Literatura, à aprendizagem
de São Paulo. Tem
e ao ensino da língua materna. Objetivamos suscitar,
experiência na área
de Filosofia, com em você, o entendimento da linguagem e a utilização
ênfase em História dela pelo homem, a partir de diversos pontos de vista,
da Filosofia. Atuando percebendo que eles não são totalmente antagônicos,
principalmente nos seus significados se entrecruzam e, muitas vezes, se
seguintes temas:
imanência, liberdade,
complementam. Esperamos que você faça um esforço
necessidade, servidão, de buscar as conexões entre essas abordagens e
beatitude e paixão. entenda que a linguagem, como característica hu‑
(Fonte: Plataforma mana, não deve ser estudada de forma fragmentada,
Lattes)
mas com um olhar múltiplo, desperto, atento para a
UNIUBE 209

interação dos fenômenos que se originam dela e que


Língua materna
a condicionam. Para isso, desejamos que se desfaça
Primeira língua que de qualquer resistência, e, enquanto estudante, abra
a criança aprende, o coração e a mente, para ler, levantar hipóteses e
normalmente, é a discutir sobre o trazemos aqui.
língua falada em sua
nação de origem. Por
Ter um conhecimento amplo e profundo sobre a língua
exemplo, a língua
materna do brasileiro é materna e, por consequência, sobre a linguagem nos
a Língua Portuguesa. possibilita uma melhor elaboração de nossos pensa-
mentos e sentimentos, bem como uma melhor comu-
nicação com os outros e ação na vida. Em especial ao
pedagogo, possibilita encontrar formas mais profícuas
de lidar com os alunos, com os professores e com
profissionais que irá acompanhar e gerir.

Foi para você, querido(a) aluno(a), que escrevemos este capítulo. Esperamos
que ele seja, entre várias coisas, mensageiro de nossa paixão pela docência
e pela linguagem, pois foi elaborado com grande prazer! Mas, nosso prazer
será maior ainda se você, ao lê­‑lo, sentir­‑se dono dele e, por isso, livre para
completá­‑lo com suas indagações e pensamentos!

Objetivos
Considerando o exposto da introdução, este capítulo tem como objetivos:
• explicar a historicidade das reflexões sobre a linguagem;
• explicar a relação entre pensamento, palavra e linguagem;
• demonstrar diferentes abordagens filosóficas em relação à linguagem
que podem influenciar na educação;
• analisar conceitos linguísticos que interferem no ensino da língua.

Esquema
6.1 Pensamentos e palavras

6.1.1 A linguagem: entre percepções e memórias, percepções e


imaginações

6.1.2 Linguagem: conservando e interligando nossas ideias para uma


ação

6.2 S omos feitos de silêncio e som: a linguagem e suas múltiplas


dimensões

6.3 A cura pela palavra: a linguagem e a elaboração dos sentimentos

6.4 Conclusão
210 UNIUBE

6.1 Pensamentos e palavras


Um dia, – era uma sexta‑feira, – não pude mais. Certa ideia, que
negrejava em mim, abriu as asas e entrou a batê‑las de um lado
para outro, como fazem as ideias que querem sair. [...] Entretanto,
não havendo almanaques no cérebro, é provável que a ideia não
batesse as asas senão pela necessidade que sentia de vir ao ar e à
vida. (Machado de Assis. Dom Casmurro)

Epígrafe Nessa epígrafe, o personagem -narrador Bento, o


Dom Casmurro, do livro com este nome, expressa a sensação
2. Título ou frase que, de recorrência de um pensamento. Para mostrar a insistência
colocada no início de de sua ideia, imagina-a e a descreve-a dando-lhe comporta-
um livro, um capítulo, mentos e anseios de um pássaro ou de um inseto que sonha
um poema etc., serve
de tema ao assunto
com a liberdade.
ou para resumir o
sentido ou situar a A respeito da epígrafe desta seção, você pode entender que
motivação da obra; Dom Casmurro foi feliz na representação de sua ideia, ou, pelo
mote. (Dicionário
contrário, pode estar achando‑a estranhíssima!
Houaiss da Língua
Portuguesa. Rio de
Janeiro: Objetiva,
2001. p. 179)

SAIBA MAIS

Dom Casmurro

É um romance que foi escrito por Machado de Assis, publicado pela editora Garnier em 1899.
Essa obra é considerada uma das mais importantes da Literatura Brasileira, e talvez, a mais
importante desse escritor. No romance, o personagem Bento, alcunhado de Dom Casmurro,
faz uma retrospectiva da sua vida, analisando, especialmente, a história de amor vivida com
Capitu.

Machado de Assis

(1839‑1908). É considerado o maior nome da Literatura Brasileira e um dos grandes nomes


da Literatura Mundial. Dom Casmurro foi escrito na segunda fase da trajetória literária, cha‑
mada Realismo Psicológico. O termo psicológico mostra o quanto ele conseguia adentrar e
revelar a psique humana! Nesse romance e, em outros, como Memórias Póstumas de Brás
Cubas, Machado utiliza‑se da narração em primeira pessoa, e, ainda usa, com propriedade,
a metalinguagem, as interlocuções, o humor, a ironia. Seus romances são construídos com
um capricho extraordinário, de quem, em detalhes, descreve os cenários e os tipos psicológi‑
cos que concorrem para o enredo. Sem dúvida nenhuma, ler Machado é mergulhar na alma
humana, saboreando suas virtudes e suas mazelas. Ao lê‑lo, sentimo‑nos próximos de seus
personagens e, em várias vezes, vemos o quanto somos semelhantes, o quanto experimen‑
tamos sentimentos, pensamentos e sensações da essência que nos é comum: a essência
UNIUBE 211

humana. Além disso, a competência da elaboração da linguagem que utiliza é uma aula de
língua Portuguesa. Entendemos que nenhum brasileiro pode morrer sem ter tido o prazer e
a riqueza de ler essas obras, ainda mais se ele for professor!

Mas, Machado não foi o único a representar uma ideia. Nas Personificadas
histórias em quadrinhos, por exemplo, ela é representada pelo
desenho de uma lâmpada acesa! Em outras histórias, as ideias Personificar. 1.t.d.
são personificadas em um anjinho ou um capetinha, depen‑ atribuir dotes e
dendo do seu aspecto moral. Esses estão sempre emitindo qualidades de
pessoa a; tornar
suas opiniões ao pé do ouvido do personagem. igual a uma pessoa.
(HOUAISS. Antônio.
Pensamos que a ideia de representar uma ideia, é bem inte‑ VILLAR, Mauro
ressante! Por isso, convidamos você, para representar o sur‑ Salles. (Dicionário
Houaiss da Língua
gimento ou a reincidência de uma ideia. Como você imagina o
Portuguesa. Rio de
surgimento de um pensamento em seu cérebro? Que analogia Janeiro: Objetiva,
poderia fazer? A ideia teria comportamentos de animais, como a 2001. p. 2197)
de Bentinho? Teria comportamentos humanos? Ou nada disso?
Use o espaço do TCA e desenhe, descreva ou narre, ou tudo
isso junto! Seja criativo!

PARADA PARA REFLEXÃO

E, então? Como ficou a representação do pensamento? Quando tiver oportunidade, mostre‑o


a seus colegas de turma e para seu preceptor! Veja, também, a dos seus colegas! Troquem
ideias, conversem sobre suas representações! Dialoguem sobre quais motivos cada um teve
para representar o pensamento da forma que representou. Esse é um ótimo exercício de
linguagem e filosofia!

Vamos retomar a representação do pensamento de Dom Casmurro. Ressaltamos a se‑


guinte passagem: é provável que a ideia não batesse as asas senão pela necessidade
que sentia de vir ao ar e à vida.

AGORA É A SUA VEZ

Mas, será que Dom Casmurro está certo? Nossos pensamentos sentem a necessidade de
vir ao ar e à vida?!

Sentem a necessidade de ser libertados?

De serem expressados?
212 UNIUBE

Registre a resposta em seu Trabalho de Construção da Aprendizagem – TCA.

Veja o que a filósofa Marilena Chauí, em seu livro Convite à Filosofia, nos diz sobre
o pensamento:

Certa vez um grego disse: “O pensamento é o passeio da alma”.


Com isso, quis dizer que o pensamento é a maneira como nosso
espírito parece sair de dentro de si mesmo e percorrer o mundo
para conhecê-lo. Assim como no passeio levamos nosso corpo a
toda parte, no pensamento levamos nossa alma a toda parte e mais
longe do que o corpo, pois a alma não encontra obstáculos físicos
para seu caminhar.

O pensamento é essa curiosa atividade por meio da qual saímos de


nós mesmos sem sairmos de nosso interior. Por isso, outro filósofo
escreveu que pensar é a maneira pela qual sair de si e entrar em si
são uma só e mesma coisa. Como um voo sem sair do lugar. (CHAUÍ,
2005, p. 157)

Nos momentos de reflexão, a concentração das pessoas parece tirá-las da sua realidade
imediata, transportando‑as para outros lugares, outros contextos!

Você conhece os versos “(...) O pensamento parece uma coisa à toa / mas como é
que a gente voa quando começa a pensar (...)” da canção “Felicidade”, composta por
Lupicínio Rodrigues?

Essa canção “estourou” no ano de 1947, quando foi composta e, daquela época em
diante, sempre esteve, de alguma forma, nas rádios, ou, nas bocas, cantada, pelas
diversas pessoas de nosso país. Podemos dizer que a canção “Felicidade” é popular
e tem sido cantada, por diferentes gerações!

CURIOSIDADE

Caso você queira ver a letra inteira, sugerimos que acesse o site Letras.mus.br:

<http://64.233.163.132/search?q=cache:6Y2jayIxSn4J:letras.terra.com.br/lupcinio‑rodrigues/
47152/+Felicidade+Lupic%C3%ADnio+Rodrigues&cd=1&hl=pt‑BR&ct=clnk&gl=br>.
UNIUBE 213

O compositor Lupicínio Rodrigues traz, nos versos dessa canção, esse poder que o
pensamento tem de nos fazer voar, de nos transportar para outros lugares. Veja que,
além do pensamento transportá‑lo, o seu voo é poderoso e veloz, uma vez que atra‑
vessa o mundo, num segundo!

Uma outra canção, igualmente bonita é “Aonde quer que eu vá”. Nela, Paulo Sérgio
Valle e Herbert Vianna, do grupo Paralamas do Sucesso, falam-nos sobre a possibi-
lidade de encontrarmos a pessoa que amamos nos sonhos e de a levarmos conosco,
no pensamento, para onde quer que a gente vá.

CURIOSIDADE

Caso queira conhecer essa linda canção, ela está disponível para ser executada no site
Letras.mus.br:

<http://64.233.163.132/search?q=cache:PBZTuLtlWw8J:letras.terra.com.br/os‑paralamas‑do‑su
cesso/30129/+Aonde+quer+que+eu+v%C3%A1&cd=1&hl=pt‑BR&ct=clnk&gl=br&lr=lang_pt>.

A partir das canções “Felicidade” e “Aonde quer que eu vá”, podemos interrogar:

Será que, quando pensamos, somos transportados para outros lugares?

Será que, pelo pensamento, somos capazes de trazer, para perto de nós, as pessoas que
amamos? Somos capazes de levá‑las conosco para onde vamos?

Há um ditado popular que diz: “quem canta, os males espanta”.

Quais são os sentimentos das pessoas quando cantam? O que elas lembram? O que ima‑
ginam?

AGORA É A SUA VEZ

Convidamos você a ouvir uma canção de que goste.

Ouça‑a. Deixe sua memória e sua imaginação fluírem!

Usufrua as imagens trazidas por elas! Sinta os sentimentos e os pensamentos que evocam!

Depois, quando tiver oportunidade, converse com seus colegas sobre essa experiência!
214 UNIUBE

Esperamos que você tenha usufruído de imagens prazerosas e que o exercício tenha
sido muito agradável!

Nesse exercício, por meio da canção, nos utilizamos da linguagem musical e da lingua‑
gem verbal, para lembrarmos situações que vivemos e imaginarmos outras que podem
ou não acontecer. Usufruímos da linguagem para instigar nossos pensamentos e nos-
sos sentimentos. Mas, qual a relação entre a linguagem e a memória, a imaginação, o
tempo e o pensamento?

PONTO-CHAVE

A linguagem articula percepções e memórias, percepções e imaginações, oferecendo ao


pensamento um fluxo temporal que conserva e interliga as ideias. (CHAUÍ, 2005, p. 161)

6.1.1 A linguagem: entre percepções e memórias, percepções e imaginações

NOVOS CONHECIMENTOS

Veja, a seguir, uma memória de Dom Casmurro, dentre as várias que compõem o romance
com este nome. Trata-se de partes do capítulo O penteado.

Penteado
Capitu deu‑me as costas, voltando‑se para o espelhinho. Peguei‑lhe dos cabelos, colhi‑os
todos e entrei a alisá‑los com o pente, desde a testa até as últimas pontas, que lhe desciam
à cintura. Em pé não dava jeito: não esquecestes que ela era uma nadinha mais alta que
eu, mas ainda que fosse da mesma altura. Pedi‑lhe que se sentasse.

– Senta aqui, é melhor.

Sentou‑se. “Vamos ver o grande cabeleireiro”, disse‑me rindo. Continuei a alisar os cabe‑
los, com muito cuidado, e dividi-os em duas porções iguais, para compor as duas tranças.
Não as fiz logo, nem assim depressa, como podem supor os cabeleireiros de ofício, mas
devagar, devagarinho, saboreando pelo tato aqueles fios grossos, que eram parte dela. O
trabalho era atrapalhado, às vezes por desazo, outras de propósito para desfazer o feito e
refazê‑lo. Os dedos roçavam na nuca da pequena ou nas espáduas vestidas de chita, e a
sensação era um deleite. Mas, enfim, os cabelos iam acabando, por mais que eu os quisesse
intermináveis. Não pedi ao céu que eles fossem tão longos como os da Aurora, porque não
conhecia ainda esta divindade que os velhos poetas me apresentaram depois; mas, desejei
penteá‑los por todos os séculos dos séculos, tecer duas tranças que pudessem envolver o
infinito por um número inominável de vezes. Se isto vos parecer enfático, desgraçado leitor,
UNIUBE 215

é que nunca penteastes uma pequena, nunca pusestes as mãos adolescentes na jovem
cabeça de uma ninfa... Uma ninfa! Todo eu estou mitológico. Ainda há pouco, falando dos
seus olhos de ressaca, cheguei a escrever Tétis; risquei Tétis, risquemos ninfa; digamos
somente uma criatura amada, palavra que envolve todas as potências cristãs e pagãs.
Enfim, acabei as duas tranças. Onde estava a fita para atar‑lhes as pontas? Em cima da
mesa, um triste pedaço de fita enxovalhada. Juntei as pontas das tranças, uni‑as por um
laço, retoquei a obra alargando aqui, achatando ali, até que exclamei:

– Pronto!

– Estará bom?

– Veja no espelho.

Em vez de ir ao espelho, que pensais que fez Capitu? Não vos esqueçais que estava sentada,
de costas para mim. Capitu derreou a cabeça, a tal ponto que me foi preciso acudir com
as mãos e ampará‑la; o espaldar da cadeira era baixo. Inclinei‑me depois sobre ela, rosto
a rosto, mas trocados, os olhos de um na linha da boca do outro. Pedi‑lhe que levantasse
a cabeça, podia ficar tonta, machucar o pescoço. Cheguei a dizer‑lhe que estava feia; mas
nem esta razão a moveu.

– Levanta, Capitu!

Não quis, não levantou a cabeça, e ficamos assim a olhar um para o outro, até que ela
abrochou os lábios, eu desci os meus, e...

Grande foi a sensação do beijo; Capitu ergueu‑se, rápida, eu recuei até a parede com
uma espécie de vertigem, sem fala, os olhos escuros. Quando eles me clarearam, vi que
Capitu tinha os seus no chão. Não me atrevi a dizer nada; ainda que quisesse, faltava‑me
língua. Preso, atordoado, não achava gesto nem ímpeto que me descolasse da parede e
me atirasse a ela com mil palavras cálidas e mimosas... Não mofes dos meus quinze anos,
leitor precoce. Com dezessete, Des Grieux (e mais era Des Grieux) não pensava ainda na
diferença dos sexos.

Fonte: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bn000069.pdf>. Acesso em: 10


mar. 2010.

PESQUISANDO NA WEB

Se sentir vontade de saber mais sobre a história de Bentinho e Capitu, você pode encontrá‑la
no romance Dom Casmurro, de Machado de Assis, disponível no site Domínio Público:

<http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_
obra=2081>.
216 UNIUBE

Por meio das palavras, o narrador Dom Casmurro vai codificando suas percepções de
sentido como a visão e o tato, por exemplo, e então constrói expressões como: “sa‑
boreando pelo tato aqueles fios grossos”, “Os dedos roçavam na nuca”; “os olhos de
uma linha da boca do outro”, entre outras. Essas e outras expressões aguçam a nossa
memória e nos fazem imaginar a cena e sentir algo semelhante ao que o personagem
sentiu.

Por isso, esperamos que você tenha imaginado o primeiro beijo de Capitu e Bentinho
(Dom Casmurro, ainda menino)! E, que a cena imaginada tenha sido com detalhes, uma
vez que o narrador os traz, com riqueza. Esperamos mais ainda, querido(a) leitor(a),
digo, querido(a) aluno(a)! Esperamos que você tenha sentido sensações semelhantes
às do Bentinho! E... quem sabe? Tenha se lembrado do seu primeiro beijo de amor?!

PONTO-CHAVE

Ao narrarmos uma lembrança, transformamos as memórias de nossas percepções em pala‑


vras, e, por sua vez, essas palavras, expressadas, aguçam a memória visual e a memória
táctil cinestésica de nosso ouvinte ou leitor, levando-o a imaginar e a sentir algo semelhante
ao que vivemos e sentimos.

E, ainda, essas palavras nos levam a outro tempo, a um fluxo de tempo diferente do tempo
cronológico!

Nesse caso, a narrativa de Dom Casmurro direcionou nossa imaginação! Se por um


lado, ele usou de sua memória para recuperar seus sentidos e nos dizer, também
usamos de nossa memória e de nossa imaginação para imaginar, sentir e entender o
que ele disse!

SAIBA MAIS

Memória visual

É aquela que vem pelos olhos e é responsável por cerca de 75% que se grava na memória.

Memória táctil cinestésica

Memória tátil é de ampla confiabilidade. Vai além do mero sentido do tato; inclui também a
percepção e a interpretação por meio da exploração sensorial (Fonte: Proavirtualec2).
UNIUBE 217

6.1.2 Linguagem: conservando e interligando nossas ideias para uma ação

A linguagem não nos ajuda apenas a reviver nossas lembranças, nossos sentimentos
e a entender o outro. Ela também é inerente ao nosso pensamento, conservando e
interligando nossas ideias, em um fluxo de tempo, como explicou Chauí (2005).

Para refletir sobre isso, vamos pensar sobre o fragmento, a Monólogo interior
seguir, que evidencia a voz interior do sertanejo Fabiano. Este
é um personagem do romance Vidas secas, de Graciliano Ra- Lit. representação,
mos. No romance, o sertanejo e sua família tentam sobreviver em um monólogo ger.
no interior do sertão. A situação de carência vivida pelos per- Extenso, do fluxo da
consciência de um
sonagens condiciona­‑os a uma série de injustiças, suprimindo
personagem ficcional,
direitos humanos fundamentais. O monólogo de Fabiano foi seus pensamentos
pensado, na ocasião em que foi preso injustamente. e sentimentos,
habitualmente com
Era bruto, sim senhor, nunca havia apren- uma desarticulação
dido, não sabia explicar­‑se. Estava preso lógica dos períodos
e sentenças; diálogo
por isso? Como era? Então mete­‑se um
interior. (Dicionário
homem na cadeia porque ele não sabe Houaiss da Língua
falar direito? Que mal fazia a brutalidade Portuguesa. Rio de
dele? Vivia trabalhando como um escravo. Janeiro: Objetiva,
Desentupia o bebedouro, consertava as 2001. p. 1953)
cercas, curava os animais − aproveitara
um casco de fazenda sem valor. Tudo Vidas secas
em ordem, podiam ver. Tinha culpa de ser
bruto? Quem tinha culpa? (GRACILIANO Romance do escritor
RAMOS, 2003, p. 35) brasileiro Graciliano
Ramos, considerado
por muitos como a
No monólogo, podemos ver claramente que, ao pensar sobre
maior obra do autor.
a situação, Fabiano levanta uma hipótese sobre a causa de O livro retrata a vida
ter sido preso: não sabia explicar­‑se. E, à medida que vai pen- de pessoas que vivem
sando, constrói outras hipóteses, lapidando suas reflexões, no no sertão brasileiro
julgamento da situação que está vivendo. e o sacrifício delas
para sobreviver. Tendo
como tema a luta
Como Fabiano, nós também temos nossa voz interior e, a pela sobrevivência
todo momento, a usamos por meio de nossa inteligência, para diante do flagelo
resolver nossos problemas práticos e teóricos. Vejamos o que da estiagem, o
autor traz em seus
Marilena Chauí (2005) nos diz, sobre isso:
personagens muito da
alma nordestina nos
A inteligência humana, como atividade traços de Fabiano e
mental e de linguagem, pode ser definida sua família. (Fonte:
como a capacidade para enfrentar e co- Wikipédia)
locar diante de si problemas práticos e
téóricos, para os quais encontra, elabora
ou concebe soluções, seja pela criação de
instrumentos práticos (as técnicas), seja
pela criação de significações (ideias e
218 UNIUBE

conceitos). Caracteriza­‑se pela flexibilidade, plasticidade e inovação,


bem como pela possibilidade de transformar a própria realidade (tra-
balho, artes, técnicas, ações políticas etc.) A inteligência se realiza,
portanto, como conhecimento e ação.

O conhecimento inteligente apreende o sentido das palavras,


interpreta­‑o, inventa novos sentidos para palavras antigas ou cria
novas palavras para novos sentidos. O movimento de conhecer é,
pois, um movimento cujo corpo é a linguagem. Graças a ela, com-
partilhamos com outros os nossos conhecimentos e recebemos de
outros os conhecimentos. (CHAUÍ, 2005, p. 161)

Sobre a linguagem, sendo corpo do movimento de conhecer e, por isso, essencial para
consciência e enfrentamento dos problemas do mundo, Paulo Freire (1996), em seu
livro Pedagogia da autonomia, explica:

No momento em que os seres humanos, intervindo no suporte, fo-


ram criando o mundo, inventando a linguagem com que passaram
a dar nome às coisas que faziam com a ação sobre o mundo, na
medida em que se foram habilitando a inteligir o mundo e criaram
por consequência a necessária comunicabilidade do inteligido, já
não foi possível existir a não ser disponível à tensão radical e pro-
funda entre o bem e o mal, entre a dignidade e a indignidade, entre
a decência e o despudor, entre a boniteza e a feiúra do mundo. [...]
(FREIRE,1996, p. 57, 58, 59)

Porque, ao criarmos a linguagem, significamos as coisas, conferimos­‑lhes valores. À


medida que conhecemos, que damos nomes e significado a nós mesmos, aos outros e
ao mundo, tornamo­‑nos conscientes de nosso estar no mundo, de nosso ser no mundo;
deixamos de ser inocentes! E, a perda de nossa inocência, exige de nós a perda de
nossa leviandade, porque conseguimos perceber a relação de causa e consequência
em nossas ações e nas ações dos outros. À medida que concebemos os conceitos,
concebemos a realidade, somos capazes de julgá­‑la, de nos defender, tornamo­‑nos,
cada vez mais, participantes dela, tornamo­‑nos conscientes, responsáveis por ela, e,
por isso, sujeitos de escolha. Chauí (2005) nos explica a importância de um conceito
ou de uma ideia, elementos essenciais ao ato de conceber:

Um conceito ou uma ideia é uma rede de significações que nos ofe-


rece: o sentido interno e essencial daquilo a que se refere; os nexos
causais ou as relações necessárias entre seus elementos, de sorte
que por eles conhecemos a origem, os princípios, as consequências,
as causas e os efeitos daquilo a que se refere. O conceito ou ideia
nos oferece a essência­‑significação necessária de alguma coisa,
sua origem ou causa, consequências ou seu efeitos, seu modo de
ser e agir.

Pensando no conceito, retomemos o monólogo de Fabiano, mas, agora, acrescido de


uma outra parte, em que ele dá continuidade a suas reflexões:
UNIUBE 219
Era bruto, sim senhor, nunca havia aprendido, não sabia explicar­‑se.
Estava preso por isso? Como era? Então mete­‑se um homem na
cadeia porque ele não sabe falar direito? Que mal fazia a brutalidade
dele? Vivia trabalhando como um escravo. Desentupia o bebedouro,
consertava as cercas, curava os animais − aproveitara um casco de
fazenda sem valor. Tudo em ordem, podiam ver. Tinha culpa de ser
bruto? Quem tinha culpa?

Se não fosse aquilo... nem sabia. O fio da ideia cresceu, engrossou


− e partiu­‑se. Difícil pensar. Vivia tão agarrado aos bichos... Nunca
vira uma escola. Por isso não conseguia defender­‑se, botar as coisas
nos seus lugares. O demônio daquela história entrava­‑lhe na cabeça
e saía. Era para um cristão endoidecer. Se lhe tivessem dado ensino,
encontraria meio de entendê­‑la. Impossível, só sabia lidar com bichos.
(GRACILIANO RAMOS, 2003, p. 35)

Veja que Fabiano considera difícil pensar. No fragmento O fio da ideia cresceu, en‑
grossou – e partiu­‑se, o sertanejo percebe que o pensamento foi iniciado, mas não
conseguiu chegar à uma conclusão, rompendo­‑se. Percebe, ainda, que se tivesse tido
estudo, certamente, conseguiria pensar com maior facilidade, entender melhor a história
que estava vivendo. Ele suspeita que, se conseguisse usar melhor os conceitos e as
ideias, botando as coisas nos seus lugares, conseguiria se defender, e, assim, poderia
participar de forma mais ativa e profícua em sua história, modificando­‑a.

Observe que, Fabiano, também, suspeita que a linguagem é algo, fundamentalmente,


humano, quando afirma que vivia tão agarrado aos bichos. Ele percebe que se tivesse
uma interação maior com outras pessoas, certamente conseguiria pensar com maior
facilidade.

A história de Fabiano nos faz refletir sobre a libertação que o pensamento nos possi-
bilita, fazendo da história da qual fazemos parte um tempo de possibilidade e não de
determinismo. Sobre essa libertação, Paulo Freire nos diz:

Gosto de ser gente porque a História em que me faço com os outros


e de cuja feitura tomo parte é um tempo de possibilidades e não
determinismo. Daí que insista tanto na problematização do futuro e
recuse sua inexorabilidade. (FREIRE, 1996, p. 57, 58, 59)
220 UNIUBE

Possibilidade: sf. 1. Qualidade ou


condição de possível; 2. Aconteci- Determinismo: sm. Filos. Conexão
mento ou circunstância possível, rigorosa entre os fenômenos (naturais

x
que pode ser, ter sido ou vir a ser ou humanos), de modo que cada um
real; 3. restr. Hipótese, opção ou deles é completamente condicionado
alternativa possível; 4. Uso ou uti- pelos que o precederam.
lidade potencial; oportunidade.
(FERREIRA, 2005)
(FERREIRA, 2005)

Para pensamos melhor sobre isso, é importante refletirmos sobre os conceitos expostos
acima.

Veja que eles são antagônicos!

Se Fabiano conseguisse entender melhor a sua realidade, ele poderia atuar nela,
modificando­‑a, criando novas possibilidades para aquele momento, tomando parte de sua
história. Entretanto, não conseguia progredir em seu pensamento, e, por isso, não conseguia
se defender, agir mudando o fenômeno, a situação de ter sido preso.

A palavra liberdade, aqui, ganhou duplo significado. Na situação da prisão, Fabiano foi apri-
sionado. Mas, o seu aprisionamento, ainda era maior e vinha antes dessa circunstância. Em
todas as situações de sua vida, ele se sentia aprisionado, ora por fenômenos naturais como
a seca que o empobrecia; ora por fenômenos humanos como a relação com seus patrões
que o exploravam, de certa forma, escravizando­‑o. Sua vida, então, parecia um ciclo que
se repetia, interminavelmente, como se não houvesse a possibilidade de ser diferente!

O pensamento é triplamente libertador: ele nos leva para lugares diferentes, como cantou
Lupicínio Rodrigues; traz pessoas ao nosso encontro, como compuseram Valle e Viana,
e, ainda, nos ajuda a ver e a transformar a realidade, como explicaram Paulo Freire e
Marilena Chauí!

Não há como falar no pensamento, sem pensar na linguagem! Até este momento, você viu
o quanto à linguagem é importante ao pensamento, à inteligência. Mas, essa importância
não para por aqui! Ainda há muito sobre o que aprender em relação à linguagem. Então,
vamos lá!

6.2 Somos feitos de silêncio e som: a linguagem e suas múltiplas


dimensões
Os versos “Não existiria som se não houvesse o silêncio / Não haveria luz se não fosse
a escuridão / Nós somos medo e desejo / Somos feitos de silêncio e som / Tem certas
coisas que eu não sei dizer” fazem parte de uma linda canção chamada “Eu te amo
calado”, de Lulu Santos. Você a conhece?
UNIUBE 221

PESQUISANDO NA WEB

Caso queira ver a letra inteira, sugerimos que acesse o site Letras.mus.br:

<http://letras.terra.com.br/lulu‑santos/35063/>.

Os poetas sempre disseram sobre os sentimentos, sempre tentaram trazer à tona a


essência que nos faz participar da humanidade, que nos torna unos. Eles utilizam‑se
dessa essência para dialogar com o que temos de mais profundo e, por meio de pa‑
lavras, constroem uma ponte entre o eu e o outro, entre o outro e o nós. E, mesmo
quando afirmam “Tem certas coisas que eu não sei dizer”, conseguem nos dizer, e
dizem o que parece indizível!

O uso de figuras de linguagem como as sinestesias silêncio e luz, silêncio e som; as


temáticas fundamentais do ser como o amor, o não e o sim, o medo e o desejo evocam
em nós múltiplas sensações, múltiplos sentimentos, e, então a linguagem assume um
poder encantatório como o do canto das sereias, ou como o do som do Flautista de
Hamelin.

SAIBA MAIS

Sinestesias

É a relação de planos sensoriais diferentes: Por exemplo, o gosto com o cheiro, ou a visão
com o olfato. O termo é usado para descrever uma figura de linguagem e uma série de fenô‑
menos provocados por uma condição neurológica (Fonte: Wikipédia).

Figuras de linguagem

São estratégias de escrita literária que o autor se utiliza no texto para provocar efeitos de
sentido.

O canto das sereias

As sereias são criaturas folclóricas cujo corpo é formado por metade mulher e metade peixe.
São musas que têm o poder de encantar todos aqueles que ouvem o seu canto.

O Flautista de Hamelim

Conto folclórico, reescrito pela primeira vez pelo Irmãos Grimm e que narra um desastre
incomum acontecido na cidade de Hamelin, na Alemanha [...]. A cidade de Hamelin estava
sofrendo com uma infestação de ratos. Um dia, chega à cidade um homem que reivindica
ser um “caçador de ratos” dizendo ter a solução para o problema. Prometeram‑lhe um bom
222 UNIUBE

pagamento em troca do sumiço dos ratos - uma moeda pela cabeça de cada um. O homem
aceitou o acordo, pegou uma flauta e hipnotizou os ratos, afogando‑os no Rio Weser. Ape‑
sar de obter sucesso, o povo da cidade abjurou a promessa feita e recusado‑se a pagar o
“caçador de ratos”, afirmando que ele não havia apresentado as cabeças. O homem deixou
a cidade, mas retornou várias semanas depois e, enquanto os habitantes estavam na igreja,
tocou novamente sua flauta, atraindo desta vez as crianças de Hamelin. Cento e trinta me‑
ninos e meninas seguiram-no para fora da cidade, aonde foram enfeitiçados e trancados em
uma caverna. Na cidade, só ficaram seus opulentos habitantes e seus repletos celeiros e
bem cheias despensas, protegidas por suas sólidas muralhas e um imenso manto de silêncio
e tristeza. E foi isso que se sucedeu há muitos, muitos anos, na deserta e vazia cidade de
Hamelin, onde, por mais que se procure, nunca se encontra nem um rato, nem uma criança.
(Fonte: Wikipédia)

Imaginamos que você já tenha ouvido falar das sereias e do Flautista de Hamelin.
Tais personagens são protagonistas de histórias folclóricas que são passadas de pais
para filhos. Essas histórias, pela beleza da linguagem, pelas temáticas, pelo poder de
encantamento que exerceram sobre gerações antecedentes, despertam na criança um
grande interesse, como ressaltam Pires e Sousa (2007):

Elas [as crianças] se colocam “na pele” desse personagem e viven‑


ciam todas as emoções que ele experimenta: suas dúvidas, seus
conflitos, suas tristezas, suas alegrias, suas raivas, seus amores.
Assim, elas exercitam várias situações e sentimentos: a angústia,
a indecisão, a tristeza, a alegria, a raiva, o amor, a compaixão, a
solidariedade, o medo, o afeto, a rejeição, a vitória e a derrota, a
acolhida e a exclusão.

[...] a Literatura como exercício de sensibilidade possibilita ao homem


desenvolver a sua compreensão empática, uma vez que proporciona
a vivência de situações diversas e adversas, leva a criança e mesmo
o adulto a interagir com culturas, tempos e espaços diferentes, sem
resistência, pois sabe que está seguro, ainda que se deixe envolver
pela imagem em ação.

As histórias folclóricas sobreviveram aos tempos em que não havia o registro escrito,
porque foram passadas oralmente. Ainda hoje, existem várias nações ágrafas, sobretudo
indígenas, que passam o seu legado de geração para geração de forma oral. Mas, não
é apenas nessas nações que a palavra oral tem poder.

Em nossa sociedade, por exemplo, em vários momentos percebemos que a palavra


pronunciada tem um poder mítico (CHAUÍ, 2005). Nesse sentido, a palavra está imbuída
de uma força realizadora, como, por exemplo, o sim e a jura de comprometimento dos
noivos na hora do casamento, seja no cartório ou na Igreja; as expressões religiosas
como bença, Deus lhe abençoe, aleluia; o poder das palavras pronunciadas por ben‑
UNIUBE 223

zedores em processos de cura, e, até mesmo, nas expressões solenes que o reitor ou
o pró­‑reitor irá pronunciar para você em sua colação de grau!

Se os homens acreditam que a palavra tem esse poder mítico, Eufemismo


acreditam que ela tem poder realizador tanto para o bem quanto
para o mal. Algumas expressões de doenças muito severas como Expressão mais
câncer, ou expressões que designam entidades maléficas como suave usada para
demônio e diabo são evitadas e substituídas por eufemismos, substituir expressões
mais duras, mais
como doença ruim, o tinhoso; entre outros. Então, os eufemis- desagradáveis.
mos, de certa forma, parecem afastar os males da coisa que a Um exemplo de
palavra significa. eufemismo é dizer que
a pessoa descansou
ao invés de dizer que
Por outro lado, a palavra pode assumir um sentido mais lógico, ela morreu.
quando queremos, por exemplo, apresentar ou demonstrar um
raciocínio, de forma mais objetiva. Em grande parte, essa forma de
dizer é utilizada, por exemplo, pelo jornalismo factual; pela ciência,
no sentido de explicar o objeto de estudo com maior racionalidade;
e, ainda, pela escola, pela academia na transmissão e construção
de conhecimento, de forma sistemática e metódica.

Chauí (2005, p. 249) nos explica que para referir­‑se à palavra e à linguagem, os gre‑
gos possuíam duas palavras: mythos e logos. Segundo essa autora, a palavra grega
mythos significa

[...] ‘narrativa’ e, portanto, ‘linguagem’. Trata­‑se da palavra que narra


a origem dos deuses, do mundo, dos homens, das técnicas (o fogo, a
agricultura, a caça, a pesca, o artesanato, a guerra) e da vida do grupo
social ou da comunidade. Pronunciados em momentos especiais – os
momentos sagrados ou de relação com o sagrado –, os mitos são mais
do que uma simples narrativa; são a maneira pela qual, através das
palavras, os seres humanos organizam a realidade e a interpretam.

O mito tem o poder de fazer com que as coisas sejam tais como são
ditas ou pronunciadas. [...]

A linguagem tem, assim, um poder encantatório, isto é, uma ca-


pacidade para reunir o sagrado e o profano, trazer os deuses e as
forças cósmicas para o meio do mundo, ou como acontece com os
místicos em oração, tem o poder de levar os humanos até o interior
do sagrado.

E a palavra logos:

Logos é a palavra racional em que se exprime o pensamento que


conhece o real. É discurso (ou seja, argumento e prova), pensamento
(ou seja, raciocínio e demonstração) e realidade (ou seja, as coisas e
os nexos e as ligações universais e necessárias entre os seres).
224 UNIUBE

Logos e a palavra‑pensamento compartilhada: diálogo; é a palavra‑


‑pensamento verdadeira: lógica é a palavra conhecimento de alguma
coisa: o ‘logia’ que colocamos no final de palavras como cosmologia,
mitologia, teologia, ontologia, biologia, psicologia, sociologia, antro-
pologia, tecnologia, filologia, farmacologia etc.

Como vocês viram, ainda hoje, em diversos momentos de nossa vida, lidamos com
essas diferentes concepções sobre a palavra. Ao assumir duas dimensões, a palavra
parece habitar duas arenas, existindo ora sob uma concepção, ora sob outra, como não
pudesse existir em um só momento de forma múltipla, diversa. E isso, a gente percebe,
em vários momentos da nossa realidade.

EXEMPLIFICANDO!

Ouvimos e vemos, repetidamente, na televisão, campanhas contra aids. A divulgação de


informações sobre o contágio da doença e sobre a importância do uso da camisinha nos
meios televisivos, nos postos de saúde, nas escolas tem sido ampla. Mas, mesmo assim, falar
sobre aids, e sobre a prevenção dela, mesmo em momentos particulares e com pessoas que
nos são íntimas, para muitas pessoas, ainda é muito difícil. No site governamental Agência
Brasil, lemos:

No ambiente familiar, a conversa franca com os pais ainda é o fator que


mais tem influência na conscientização dos filhos. Segundo pesquisas do
ministério da Saúde, não falar de sexo torna o jovem mais vulnerável a um
comportamento de risco. Por esse motivo, as peças publicitárias da campanha
deste ano [2007] tiveram como foco o jovem e a sua relação com a família.

“Nós escolhemos o contexto familiar exatamente por termos pesquisas mos‑


trando que ainda se fala pouco sobre sexo nas famílias; e por outro lado nós
entendemos que a família é um espaço privilegiado para que essa orientação
se dê de maneira clara, transparente e adulta, objetivando no final prevenir a
doença”, declarou o ministro da Saúde, José Gomes Temporão.

Pelo depoimento de Temporão, podemos ver que a palavra sexo ainda é um tabu em
muitas famílias. Embora os pais, em geral, amem os seus filhos e saibam da importância
de esclarecê‑los sobre o sexo seguro, essa expressão ainda traz muito constrangimento
aos genitores. Por isso, muitas vezes, esse assunto, é deixado de lado, como se deixar
de falar nele fizesse os riscos de contágio das doenças sexualmente transmissíveis
desaparecerem.

Geralmente, a expressão fazer amor é utilizada como eufemismo para o ato sexual.
Esse eufemismo nos remete a dimensão romântica do sexo. Entretanto, embora o sexo
possa ser feito com amor, isso não garante a segurança necessária em relação à aids
e a outras doenças.
UNIUBE 225

Nesse exemplo, vemos que ao falar sobre o ato sexual usamos as duas dimensões
da linguagem:

A dimensão encantatória A dimensão lógica


dos sentimentos sagrados, da ciência:
dos poetas: fazer amor. fazer sexo.

Figura 1: As dimensões da linguagem, segundo os gregos.

Na reflexão e discussão sobre a relação sexual, não podemos negligenciar a dimen-


são do encanto de fazer amor e nem a dimensão lógica de fazer sexo. Se por um lado
os sentimentos e o romantismo são importantes para que a relação seja agradável e
significativa, por outro lado, a consciência do uso da camisinha para evitar doenças e
gravidez indesejáveis também é fundamental.

Então, deve haver uma intersecção entre essas duas dimensões da linguagem, para
que haja uma discussão mais profunda e uma melhor compreensão sobre o assunto. A
palavra sexo deve ser contemplada como mythos + logos, para que seus significados
sejam desvelados, refletidos e ressignificados, desencadeando ações.

TROCANDO IDEIAS!

Mas, o que é a linguagem?

Converse com seus colegas e com seu (sua) preceptor(a) sobre isso. Troque ideias!

Segundo Marilena Chauí (2005, p. 151), muitos filósofos têm‑se preocupado em definir
linguagem e uma dessas definições afirma que:

1 A linguagem é um sistema, isto é, uma totalidade estruturada,


com princípios e leis próprios, sistema esse que pode ser
conhecido.

2 A linguagem é um sistema de sinais ou de signos, isto é, os


elementos que formam a totalidade linguística são um tipo
especial de objetos, os signos, ou objetos que indicam outros,
designam outros ou representam outros.
226 UNIUBE

3 A linguagem indica coisas, isto é, os signos linguísticos (as


palavras) possuem uma função indicativa ou denotativa, pois
como apontam para as coisas que significam.

4 A linguagem estabelece a comunicação entre os seres hu-


manos, isto é, tem uma função comunicativa: por meio das
palavras, entramos em relação com os outros, dialogamos,
argumentamos, persuadimos, relatamos, discutimos, amamos
e odiamos, ensinamos e aprendemos etc.

5 A linguagem exprime pensamentos, sentimentos e valores,


isto é, possui uma função de conhecimento e de expressão,
ou função conotativa: uma palavra pode exprimir sentidos ou
significados diferentes, dependendo do sujeito que a emprega,
do sujeito que a ouve e lê, das condições ou cirunstâncias em
que foi empregada, ou do contexto em que é usada. Assim,
por exemplo, a palavra água, se for usada por um professor
numa aula de química conotará o elemento químico que
corresponde à fórmula H2O, se for empregada por um poeta,
pode conotar rios, chuvas, lágrimas, mar, líquido, pureza
etc.; se for empregada por uma criança que chora pode estar
indicando uma carência ou uma necessidade como a sede.

A definição nos diz, portanto, que a linguagem é um sistema


de sinais com uma função indicativa, comunicativa, expressiva
e conotativa.

Entretanto, para Chauí (2005), essa definição de linguagem não diz sobre várias coisas
e não respondem vários questionamentos, porque há uma divergência entre o que nos
dizem os empiristas e o que nos dizem os intelectualistas.

O que os empiristas e os intelectualistas nos dizem?

Os empiristas estudaram a linguagem a partir de estudo médico sobre as deficiências


como a afasia, a agrafia, a surdez verbal e a cegueira verbal. Segundo a autora

Os médicos que estudaram essas pertubações concluíram que elas


estavam relacionadas com lesões no cérebro e que, portanto, a
linguagem era um fenômeno físico (anatômico e fisiológico) do qual
não temos consciência (desconhecemos suas causas), mas de cujos
efeitos temos consciência, isto é, falamos, ouvimos, escrevemos,
lemos e compreendemos o sentido das palavras. (CHAUÍ, 2005, p.
152)
UNIUBE 227

Então, para os empiristas:

[...] uma imagem é a associação de vários elementos independentes


provenientes da sensação e dos movimentos corporais (ou da motrici‑
dade de nosso corpo) e unificados pela mente do sujeito. Isso significa
que, para um empirista, uma imagem é uma síntese de sensações e
movimentos. [...] As imagens motoras são as que adquirimos quando
aprendemos a articular sons (falar) e letras (escrever), graças a me‑
canismos anatômicos e fisiológicos. As imagens sensoriais são as
que adquirimos quando, graças aos nossos sentidos, à fisiologia de
nosso sistema nervoso, sobretudo a de nosso cérebro, aprendemos
a ouvir (compreender sons e vozes) e a reconhecer a grafia dos
sons (ler). As imagens verbais ou as palavras são aprendidas por
associação, em função da frequência e repetição dos sinais externos
que estimulam nossa capacidade motriz e sensorial.

SAIBA MAIS

Afasia

s.f. Méd. Impossibilidade, por lesão cerebral, de expressão pela escrita ou por sinais ou de
compreensão da fala ou da escrita. (FERREIRA, 2005)

Agrafia

Impossibilidade, incapacidade de escrever todas ou algumas palavras.

Surdez verbal

Impossibilidade ou incapacidade de entender as palavras, apesar de ouvi-las.

Cegueira verbal

Incapacidade de entender o que está escrito, ler sem conseguir entender.

IMPORTANTE!

Em outro capítulo do curso, você estudará o termo empirismo, de acordo com a perspectiva
pedagógica. Segundo essa visão, o empirismo valoriza o ambiente no aprendizado humano,
ou seja, a criança desenvolve suas características em função das condições em que vive, a
partir das estimulações que o meio proporciona.

Veja que, neste capítulo, estamos nos referindo ao termo empirismo apenas em relação à
linguagem!
228 UNIUBE

E os intelectualistas? Os intelectualistas têm uma forma bem diferente de entender a


linguagem. Para eles, a linguagem é um fenômeno do pensamento, da consciência.
Segundo Chauí (2005)

Embora, aceitem que a possibilidade para falar, ouvir, escrever e


ler esteja em nosso corpo (anatomia e fisiologia), afirmam que a
capacidade para linguagem é um fato do pensamento ou da nossa
consciência. A linguagem, dizem eles, é apenas a tradução auditiva,
ora, gráfica ou visível de nosso pensamento e de nossos sentimentos.
[...] Duas provas poderiam confirmar essa concepção de linguagem: o
fato de que o pensamento procura e inventa palavras; e o fato de que
podemos aprender outras línguas, porque o sentido de duas palavras
diferentes em duas línguas diferentes é o mesmo e tal sentido é a
ideia formada pelo pensamento para representar ou indicar coisas.
(CHAUÍ, 2005, p. 152)

Chauí (2005), explica‑nos ainda que uma grande prova dos intelectualistas contra os
empiristas foi a história real de Hellen Keller. Hellen foi cega, surda e muda, entretanto,
sua professora Anna Sullivan conseguiu ensiná-la a ler e a escrever em braile.

IMPORTANTE!

Imagine o quanto deve ser difícil para uma pessoa que nunca tenha visto coisas, ouvido sons,
e pronunciado uma palavra ao menos, entender a linguagem e ser capaz de se comunicar
quer seja por meio de palavras orais, ou de palavras em braile. Veja que Hellen não ouvia nem
os próprios sons que emitia e não enxergava nada, ou seja, dos cinco sentidos que temos
audição, olfato, paladar, tato e visão, ela contava apenas com o olfato, o tato e o paladar, que
pouco contribuem com a comunicação.

Como Hellen Keller conseguiu compreender a função simbólica entre duas expressões
diferentes? Chauí (2005, p. 152), explica que:

[Ela] em uma das mãos sentia correr a água de uma torneira, en-
quanto a outra mão segurava um lápis e, guiada por sua professora,
ia traçando a palavra água: quando se tornou capaz de compreender
que uma mão traduzia o que a outra sentia, tornou‑se capaz de usar a
linguagem, isto é, passou a usar a linguagem dos gestos, a escrever
e a ler em braile.

E, ressalta que, a partir do exemplo de Hellen, os intelectualistas entendem que:

Se a linguagem dependesse exclusivamente de mecanismos e dis-


posições corporais, Hellen Keller jamais teria chegado à linguagem.
[...] Assim, a linguagem, longe de ser um mecanismo instintivo e
biológico, seria um fato puro da inteligência, uma atividade intelectual
simbólica e de compreensão, uma pura tradução de pensamentos.
UNIUBE 229

SAIBA MAIS

Se possível, sugerimos que assista ao filme O milagre de Anna Sullivan, que encena esse
momento da vida de Hellen Keller e Anna Sulivan.

Título no Brasil: O Milagre de Anna Sullivan

Título original: The Miracle Worker

País de origem: EUA

Gênero: Drama

Duração: 106 minutos

Ano de lançamento: 1962

Estúdio: Classic Line

Direção: Arthur Penn

Fonte: INTERFILMES.COM. Disponível em: <http://www.interfilmes.com/filme_13914_O.


Milagre.de.Anna.Sullivan‑(The.Miracle.Worker).html>. Acesso em: 4 nov. 2009.

Hellen Keller, depois de aprender a se comunicar, tornou‑se escritora, conferencista e


atuou na sociedade para melhorar a vida dos deficientes visuais e auditivos.

PESQUISANDO NA WEB

Se quiser saber mais sobre Hellen Keller, sugerimos que acesse o site:

KELLER, Helen. Três dias para ver. In: Cérebro e mente, revista de divulgação científica em
Neurociência. Disponível em: <http://64.233.163.132/search?q=cache:ZsOfAnvXxVIJ:www.
cerebromente.org.br/n16/curiosidades/helen.htm+Hist%C3%B3ria+de+Hellen+Keller&cd=1&
hl=pt‑BR&ct=clnk&gl=br&lr=lang_pt>. Acesso em: 4 nov. 2009.
230 UNIUBE

Então, temos duas concepções diferentes sobre a linguagem:

X
Os empiristas ressaltam a Os intelectualistas ressaltam o

anatomia e a fisiologia. pensamento e a consciência.

Entretanto, as concepções dos empiristas e dos intelectualistas possuem dois pontos


em comum:

Depurar Ambas consideram a linguagem fundamentalmente


indicativa ou denotativa, isto é, os signos linguís-
v. 1. t. d. bit. E pron. ticos ou as palavras servem apenas para indicar
Purificar, limpar,
coisas;
desembaraçar (algo,
alguém ou a si
mesmo). (Dicionário Ambas consideram a linguagem um instrumento de
Houaiss da Língua representação das coisas e das ideias, ou seja, as
Portuguesa. Rio de palavras têm apenas uma função ou um uso instru-
Janeiro: Objetiva, mental representativo. (CHAUÍ 2005, p. 152)
2001. p. 618)
Mas, se as palavras têm, fundamentalmente, um cunho deno-
Conotativa
tativo, porque elas revelam sentidos diferentes, dependendo
De conotação: do seu contexto? Esse era o grande problema dos empiristas
sentido translado,
e dos intelectualistas!
ou subentendido,
às vezes de teor
subjetivo, que uma A questão conotativa da linguagem era considerada um pro-
palavra ou expressão blema para as correntes filosóficas empiristas e intelectualis-
pode apresentar tas, uma vez que consideravam que as palavras deveriam ter
paralelamente à
acepção em que é apenas um sentido, indicando claramente as coisas e as ideias.
empregada. (Fonte: Por isso, na história da humanidade, de tempos em tempos,
Miniaurélio: o aparecem outras correntes filosóficas que se ocupam em
dicionário da língua depurar a linguagem, valorizando, apenas, sua representação
portuguesa)
conceitual. Tais correntes entendem que a linguagem ótima
para o pensamento é a das ciências. Uma dessas correntes
Denotativa
chama­‑se positivismo lógico, que distingue a linguagem em
Refere­‑se ao sentido duas: 1) natural que seria confusa, imprecisa, perceptiva e ima-
denotativo das
palavras, ou seja, o ginativa e 2) lógica que seria purificada, formalizada. (CHAUÍ,
sentido objetivo, sem 2005, p. 152).
subentendidos, sem
teor de subjetividade,
não conotativo.
UNIUBE 231

CURIOSIDADE

As ciências da computação, também, utilizam‑se da linguagem lógica. Como todos sabem,


ao contrário dos seres humanos, o computador só executa o que ordenamos. Para isso, os
analistas de sistemas e programadores se utilizam de algoritmos. Estes são instruções bem
definidas e não ambíguas que serão executadas pelo computador e com uma quantidade de
esforço finito. Ou seja: o computador não executará nada que não tenha sido programado
por meio de algoritmos.

Veja o algoritmo a seguir:

Figura 2: Algoritmo de demonstração da estrutura condicional.


Fonte: Acervo EAD – Uniube.

Note que o programador utiliza‑se de conectivos lógicos como “se, então, senão” para
ordenar o computador. Mas, não é só o computador que utiliza esse conectivos, a todo
o momento, usamos conjunções quando pensamos, falamos ou escrevemos. Mas, di‑
ferente dos computadores, a nossa linguagem não é inteiramente programável, muito
menos limitada e tão somente lógica.

O positivismo lógico valorizava a linguagem lógica em detrimento da linguagem tida


como natural, ou seja, pormenorizava o aspecto conotativo das palavras. Chauí (2005,
232 UNIUBE

p. 153) explica‑nos que a forma do positivismo lógico entender a linguagem também


não era adequada, pois descobriu‑se que:

Havia expressões linguísticas que não possuíam caráter denotativo


nem representativo e, apesar disso eram verdadeiras.

Havia inúmeras formas de linguagem que não podiam ser reduzidas


aos enunciados lógicos de tipo matemático e físico.

A linguagem usa certas expressões para as quais não existe denota‑


ção. Por exemplo, as preposições e as conjunções só têm existência
na linguagem e não na realidade.

E, ainda,

[...] que a redução da linguagem ao cálculo simbólico ou lógico despo‑


java de qualquer verdade e de qualquer pretensão ao conhecimento a
ontologia, a literatura, a história, bem como as várias ciências huma‑
nas, isto é, todas as linguagens que são profundamente conotativas,
para as quais a multiplicidade de sentido das palavras e das coisas
é sua própria razão de ser.

A supervalorização do aspecto objetivo da linguagem nos remete à valorização da cien‑


tificidade em detrimento da subjetividade. Os efeitos dessa supervalorização, também,
foram sentidos na educação, conforme explica Pires e Oliveira (2008, p. 123):

Durante muitos anos, a imaginação e o sentimento foram porme-


norizados pela escola. Acreditava‑se que os modos de sentir, de
imaginar e de interpretar do aluno podiam contaminar a percepção
dos fenômenos que deveriam ser entendidos objetivamente. [...]
A educação tinha uma forma cartesiana que seccionava o conhe‑
cimento em campos de saber, separava corpo e alma, restringia o
olhar, fragmentando a própria formação humana.

Além das descobertas que invalidavam o positivismo lógico, outros estudos também
criticaram as correntes empiristas e intelectualistas. Segundo Chauí (2005, p. 153), tais
estudos identificaram que:

PONTO-CHAVE

A linguagem não é um conjunto de imagens verbais, ou seja, ela é inseparável do pensamento.

Não podemos imaginar um pensamento puro, mudo, silencioso, pois assim não o compreen-
deríamos, ou seja, ele não seria nada.
UNIUBE 233

Por isso, para Chauí (2005, p. 153):

Não pensamos sem palavras, não há pensamento antes e fora da


linguagem, as palavras não traduzem pensamentos, mas os envol‑
vem e os englobam. É justamente por isso que a criança aprende a
falar e a pensar ao mesmo tempo, pois, para ela uma coisa se torna
conhecida e pensável ao receber um nome.

Na Pedagogia, vários pesquisadores aprofundaram‑se nesse tema. Dentre eles, ressal‑


tamos Vygotsky (1896‑1934) que reuniu um grupo de cientistas, para pesquisar sobre a
relação entre pensamento e linguagem, sobre como a criança aprende e a importância
da instrução e da interação no desenvolvimento. É importante ressaltar que Vygotsky
estudou Direito, Filologia, Literatura e Medicina. Lecionou Literatura, Psicologia e Peda‑
gogia e trabalhou no Instituto de Psicologia e no Instituto de Estudos das Deficiências,
em Moscou, este último criado por ele.

Dado a relevância de suas contribuições, em vários momentos do curso, você terá a


oportunidade de estudar mais profundamente sobre esse pesquisador, por isso, não o
faremos neste texto.

Mas, ressaltamos, aqui, sobre o quanto a formação de Vygosty foi interdisciplinar e isso
nos aponta que as diferentes áreas do saber devem estar interligadas!

Apesar de não conseguirmos contemplar todas essas áreas neste texto, entendemos ser
importante trazer algumas reflexões feitas pela linguística, ciência que tem a linguagem
como objeto de estudo prioritário.

CURIOSIDADE

Vários linguistas contribuíram com conhecimentos importantes para diversas áreas do saber.
Dentre eles, ressaltamos Noam Chomsky, idealizador da gramática gerativo‑transformacional
que trouxe importantes conhecimentos para a informática. Bizzocchi (2000), do Programa de
Mestrado em Comunicação, da Fundação Cásper Líbero, de São Paulo, explica:

[...] Chomsky pensou que, se fosse possível descobrir o que há de universal


na linguagem humana (aquilo que todas as línguas têm em comum), a estru‑
tura do pensamento humano seria obtida e poderia ser adaptada a qualquer
língua. Ele partiu do princípio de que a aptidão linguística é inata, de que as
estruturas sintáticas de base são finitas e estão registradas na mente humana
desde antes do nascimento. Já as infinitas estruturas gramaticais (as frases
que se pode formar nas várias línguas) são geradas, a partir das estruturas
de base, através de processos de transformação também em número finito
daí veio o nome de gramática gerativo-transformacional. Essa proposta con-
verte a língua em um algoritmo matemático que, a partir de finitos estados
iniciais e processos de transformação, pode gerar infinitos enunciados finais,
processo simulável por computador. Evidentemente, essa teoria é valiosa
234 UNIUBE

para o desenvolvimento de computadores inteligentes que reconhecem e


processam enunciados linguísticos [...]. (BIZZOCCHI, 2000, p. 44).

Os linguístas contribuíram para o desvelamento da relação pensamento e palavra e, muitas


vezes, tiveram ideias muito diferentes sobre a origem da linguagem, de como o ser humano
a desenvolve e organiza, da forma como a língua se transforma no decorrer do tempo, das
causas de suas transformações, entre outras questões. Essas discussões foram profunda‑
mente estudadas!

IMPORTANTE!

Pensamos que os conhecimentos linguísticos poderão instrumentalizá‑lo para que, você, aluno,
possa articulá‑los aos conhecimentos pedagógicos que possui e os que irá construir. Enten‑
demos assim, porque você, certamente, também será responsável pelo desenvolvimento da
linguagem pensada, falada e escrita em seus futuros alunos. Possivelmente, será um professor
alfabetizador, no sentido de que a alfabetização se dá em níveis de aprofundamento, durante
toda a nossa vida! Seja na sala de aula presencial ou virtual, seja nas mediações das discus‑
sões feitas com colegas de trabalho ou com professores que estiverem sob sua supervisão,
você deverá ter compreensão da importância e das possibilidades que a linguagem pode lhe
proporcionar, sabendo usá-la com competência.

Veja que nem todos os conhecimentos construídos, aqui, surtirão sentidos e efeitos
agora, imediatamente. Na verdade, eles vão se somando, se articulando como se fi-
zessem parte de um imenso quebra‑cabeça, que você está montando ao longo de sua
formação! O importante é que esses conhecimentos não sejam pormenorizados, mas
pelo contrário, que sejam adaptados ao que você já sabe, ou, que sejam guardados,
mas com a consciência de que eles existem e que poderão ser usufruídos no momento
oportuno!

Sinta‑se convidado a dispor desses conhecimentos linguísticos, trazendo‑os, sem


fronteiras, para suas reflexões e, depois, para sua prática profissional!

Sendo assim, vamos tentar fazer um paralelo entre o que Chauí (2005) nos diz sobre
as contribuições da Linguística, a partir do século XX, e o que podemos entender.

[...] a linguagem é constituída por duas dimensões: a língua e a fala


ou palavra. A língua é uma instituição social e um sistema, ou uma
estrutura objetiva que existe com suas regras e princípios próprios,
enquanto a fala ou a palavra é o ato individual de uso da língua, tendo
UNIUBE 235
existência subjetiva por ser o modo como os sujeitos se apropriam
da língua e a empregam. [...] (CHAUÍ, 2005, p. 153)

Sobre isso, podemos entender que nós somos falantes da língua portuguesa, certo?
Por exemplo, se pegarmos um dicionário que contempla grande parte dessa língua,
veremos que ele tem aproximadamente 442 mil verbetes, ou seja, palavras. Entretanto,
cada um de nós não conhece todas as palavras que existem no dicionário, não fala-
mos todas as palavras da língua. Nesse exemplo, podemos notar uma das diferenças
básicas entre língua e fala, ou seja, a língua é muito maior por ser uma construção
histórica coletiva, por ser um sistema e a fala é menor porque se restringe ao uso que
cada falante faz da língua.

Parte da língua usada por um


falante particular,
por exemplo, por você.
Língua

Fala
Sistema usado
por todos os falantes.

Figura 3: Diferença entre Língua e Fala.

Chauí (2005) diz:

A língua é uma totalidade ou uma estrutura, isto é, nela o todo não


é mera soma das partes e sim articulação e organização das partes
que são suas e que só possuem sentido e função por serem partes
desse todo;

Numa língua, distinguem­‑se o significante e o significado: o signo


é o elemento verbal material da língua (r, l, p, b, q, g, por exemplo)
e o significante é uma cadeia ou um grupo organizado de signos
(palavras, frases, orações, proposições, enunciados) que permitem
a expressão dos significados e garantem a comunicação; o signi-
ficado são os conteúdos ou sentidos imateriais (afetivos, volitivos,
perceptivos, imaginativos, evocativos, literários, científicos, retóricos,
filosóficos, políticos, religiosos etc.) veiculados pelos signos. (CHAUÍ,
2005, p. 153)

Então, podemos entender que os signos linguísticos apresentam dois componentes:


uma parte material – o som ou as letras que é o significante; e outra parte abstrata ­– a
ideia, que é o significado.
236 UNIUBE

Figura 4: O signo, o significante e o significado.


Chauí (2005) mostra ainda:

A relação dos signos e significantes com as coisas é convencional


(ou seja, as palavras são escolhidas por convenções entre os ho‑
mens, os quais poderiam convencionar palavras diferentemente das
que escolheram), mas uma vez constituída a língua como sistema
de relações entre signos/significantes e significados, a relação das
palavras com as coisas indicadas, nomeadas, expressadas ou co-
municadas por elas torna-se uma relação necessária para todos os
falantes da língua. (CHAUÍ, 2005, p. 153)

EXPLICANDO MELHOR

Na história de Marcelo, do livro Marcelo, marmelo, martelo e outras histórias, Ruth Rocha
brinca com esta questão da língua, uma vez que esse personagem não se conforma com
alguns signos, e, por isso, quer mudá‑los!

Por exemplo, Marcelo não se conforma com o signo travesseiro. Para ele, o suporte almofa-
dado, que colocamos debaixo da cabeça para descansarmos, deveria se chamar cabeceiro!

Embora a ideia de Marcelo seja interessante, ela não pode ser efetivada porque o signo con‑
vencionado na língua portuguesa para representar esse suporte almofadado é travesseiro!
Se começássemos usar a expressão cabeceiro em vez de travesseiro não conseguiríamos
nos comunicar, nos fazer entender pelos outros falantes da língua!

Ou seja: não podemos simplesmente inventar uma palavra nova quando acharmos que o
signo não representa bem uma ideia!
UNIUBE 237

CURIOSIDADE

Caso queira conhecer essa história, ela pode ser acessada no site:

<http://www.scribd.com/doc/5308703/Marcelo‑Marmelo‑Martelo‑Ruth‑Rocha>.

SAIBA MAIS

Convenção

s.f. acordo sobre determinada atividade, assunto etc., que obedece a entendimentos prévios e
normas baseadas na experiência recíproca <c. de sinais>. [...] 3.Conjunto de usos ou costumes
estabelecidos ou aceitos pelos indivíduos de determinado grupo [...] Dicionário Houaiss da
Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p. 542.

Travesseiro

s.m. 1. Almofada de paina, pena, algodão, espuma, etc. que se coloca à cabeceira da cama
e serve para descansar a cabeça, ao dormir. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa.
Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p. 1874.

Chauí (2005) ressalta:

A língua é um código (conjunto de regras que permitem produzir


informação e comunicação) e se realiza por meio de mensagens,
isto é, pela fala/palavra dos sujeitos que veiculam informações e se
comunicam de modo específico e particular (a mensagem possui
um emissor, aquele que emite ou envia a mensagem, e um receptor
aquele que receber e decodifica a mensagem, isto é, entende o que
foi emitido). (CHAUÍ, 2005, p. 153)

[...] O sujeito falante possui duas capacidades: a competência (isto é,


sabe usar a língua) e o desempenho (a performance, o jeito pessoal
e individual de usar a língua); a competência é a participação do
sujeito em uma comunidade linguística e o desempenho são os atos
de linguagem que ele realiza. (CHAUÍ, 2005, p. 153)

Veja que, como a língua é um código e faz parte do legado científico e cultural da huma‑
nidade, é de suma importância que seja contemplada e priorizada na educação formal.
Possibilitar a aprendizagem da língua com competência é possibilitar ao educando
desempenhá‑la com propriedade em diferentes circunstâncias e atingindo os objetivos
desejados. Ao dominar o código linguístico, o educando tem acesso a esse legado tão
238 UNIUBE

fundamental ao exercício da cidadania. Se não aprendemos a ler, não podemos usufruir


plenamente dos conhecimentos que existem no mundo, é como se não participássemos
efetivamente do tempo presente, da nossa contemporaneidade; assim, de certa forma,
ficamos à parte, excluídos dos ganhos intelectuais, culturais e, consequentemente, dos
recursos de nossa sociedade, de nosso tempo, sem poder, inclusive, refletir e discutir
com as pessoas deste mundo sobre como participar dele ativamente, com autonomia.
Veja que essas reflexões nos remetem ao que o sertanejo Fabiano e Paulo Freire nos
mostraram, no início deste capítulo.

Chauí (2005) expõe ainda:

A língua é praticada por nós de maneira não consciente, isto é, nós


a falamos sem ter consciência de sua estrutura, de suas regras e
seus princípios, de suas funções e diferentes internas; vivemos nela
e empregamos sem necessidade de conhecê-la cientificamente.
(CHAUÍ, 2005, p. 153)

Não precisamos ser linguístas, ou seja, cientistas da língua, para a usarmos. Veja que
uma criança de dois anos, aproximadamente, já a utiliza quando chama por sua mãe
ou quando pede água. Num outro exemplo, percebemos que, antes de pronunciarmos
uma frase, não pensamos assim: vou usar um sujeito, depois um verbo e no final um
objeto direto para dizer: “Eu quero água”. Mas, apenas a pronunciamos! Desde peque‑
nos, internalizamos as regras da língua pelo uso que fazemos dela, em nossa casa,
em nossa comunidade.

Apesar de não necessitarmos entender a cientificidade da língua, é importante que o


código padrão da língua portuguesa e as diferentes variantes dialetais sejam estudados
na escola, no sentido de se desenvolver a competência e o desempenho linguístico de
nosso educando, em diversas circunstâncias.

EXPLICANDO MELHOR

Vamos relacionar as regras da norma padrão da língua com as normas do trânsito!

Veja que para dirigir, não precisamos compreender todos os nomes das peças que compõem
um carro e explicar toda a estrutura de seu funcionamento. Mas, apenas precisamos saber
usar o automóvel com competência, considerando as regras de trânsito. Entretanto, o uso
dessas regras está condicionado ao local e às circunstâncias em que iremos dirigir. Por
exemplo, se você for dirigir num campo de futebol, sozinho, certamente não precisará usar
nenhuma delas!

O código linguístico também é assim: há diferentes regras, para diferentes circunstâncias


de uso. Então, por exemplo, quando vamos conversar com nossos amigos, podemos utilizar
gírias; mas quando participamos de uma reunião com nossos patrões na empresa em que
trabalhamos, ou quando vamos escrever um trabalho de escola, ou um artigo científico, temos
que utilizar a norma padrão da língua portuguesa!
UNIUBE 239

Por outro lado, se não conseguimos entender esse código padrão, temos dificuldades em ler
uma enciclopédia, um artigo científico, uma lei, entre outros textos.

Além das contribuições citadas, há ainda linguístas que estudam a linguagem sob a
abordagem da Análise do Discurso. Esse campo da linguística e da comunicação analisa
as construções ideológicas presentes em um texto. Nessa perspectiva, o discurso é
considerado prática social, ou seja, uma construção social que só pode ser analisada
mediante o estudo de seu contexto histórico‑social e suas condições de produção. O
discurso reflete a visão de mundo de seu autor e da sociedade em que vive. O texto é
produto da atividade discursiva, por isso objeto de estudo investigado cientificamente
pelo linguísta.

CURIOSIDADE

Foi inaugurado, em 21 de março de 2006, o Museu da Língua Portuguesa que está locali‑
zado na Praça da Luz, no centro de São Paulo. O projeto foi avaliado em aproximadamente
R$ 37.000.000,00 (trinta e sete milhões de reais) e contou com sociólogos, museólogos,
especialistas em língua portuguesa e artistas que participaram de uma equipe de mais de
trinta profissionais. A equipe trabalhou sob a orientação da Fundação Roberto Marinho,
instituição conveniada ao Governo do Estado de São Paulo responsável pela concepção e
implantação do museu. No site Museu da Língua Portuguesa – Estação da Luz, podemos
ter uma noção dessa riqueza.

SAIBA MAIS

Acesse o site: <http://www.poiesis.org.br/mlp/>.

Caso você ainda não conheça o museu, saiba que vale a pena conhecê‑lo! Quem sabe você e
sua turma de curso não organizam uma excursão? Temos certeza que muitos conhecimentos
podem ser instigados nesse passeio!

Agora que terminamos esse breve passeio pelas contribuições da linguística, não po‑
demos terminar este capítulo sem nos remeter à linguagem enquanto instrumento de
elaboração dos sentimentos, por isso, vamos lá!
240 UNIUBE

6.3 A cura pela palavra: a linguagem e a elaboração dos


sentimentos
Durante o nosso capítulo, já falamos sobre os sentimentos, especialmente, quando
nos reportamos aos poetas que o declamaram em diferentes tons e versos. Entretanto,
chamamos a sua atenção para os versos do poema “Metade“ de Oswaldo Montenegro:
“Que as palavras que falo não sejam ouvidas como prece e nem repetidas com fervor,
apenas respeitadas como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimento
(...)”. Vemos na poesia desse autor um realce especial: o sentimento inunda! O poeta
nos diz sobre uma tensão que o corrói por dentro e que parece lhe tirar a paz e a calma
que merece e deseja.

AGORA É A SUA VEZ

Você já se sentiu assim?

Registre a resposta em seu Trabalho de Construção da Aprendizagem – TCA.

Entendemos que, muitas vezes, todos nós, como o poeta, temos um sentimento de
angústia, sem saber qual o motivo, porque uma parte de nós é o que conhecemos pelo
pensamento, pela consciência, mas outra parte é o que existe e que não sabemos
decifrar, entender.

Essa parte escondida, da qual não temos consciência, chama‑se inconsciente e foi a
maior descoberta do médico austríaco chamado Sigmund Freud!

As contingências sentimentais humanas foram, profundamente, estudadas por Freud.


O inconsciente, a vida psíquica constituída pelo id, ego e superego, a pulsão, o princípio
do prazer, a libido, a sexualidade infantil e suas diferentes fases de desenvolvimento, o
complexo de Édipo, o imaginário psíquico, a sublimação, a alienação foram algumas de
suas contribuições para a humanidade. Tais conhecimentos o possibilitaram desenvolver
a análise da vida psíquica humana. A essa análise, Freud chamou de Psicanálise!

Se esses conceitos são desconhecidos para você, não se preocupe! Pela relevância
das contribuições desse importante cientista, você irá estudá-los, mais profundamente,
em outro texto. Aqui, queremos apenas mostrar o quanto a linguagem é importante no
processo de cura de perturbações e doenças mentais.
UNIUBE 241

SAIBA MAIS

Contingência

s.f. 1. caráter do que é contingente. 2. Possibilidade de que alguma coisa aconteça ou não. 3.
P. ext. fato imprevisível ou fortuito que escapa ao controle; eventualidade. Dicionário Houaiss
da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 818)

Inconsciente

adj. 2 g. 10 psicn segundo a primeira teoria da pisiquê formulada por S. Freud (neuropsiquiatra
austríaco,1856‑1939), diz‑se de ou sistema do aparelho psíquico constituído por conteúdos
recalcados, nos quais se desenrrolam processos dinâmicos que contribuem para determinar
a vida consciente. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva,
2009).

Segundo Chauí (2005), para Freud, o nosso inconsciente não é representado pela
linguagem da mesma forma que a utilizamos quanto temos consciência de nossos
pensamentos e os expressamos. Mas, é representado:

• por nossos sonhos por meio de imagens que são pistas de pensa‑
mentos, sentimentos e ações;

• por lapsos como o esquecimento de palavras ou situações,

• por nossos atos falhos, quando deixamos escapar palavras que


representam o contrário do que queremos dizer.

Essas representações do inconsciente trazem à tona conteúdos sentimentais que, de


alguma forma, foram reprimidos em nós, causando‑nos angústia ou perturbações e até
doenças psicológicas.

Para tratar esses desconfortos, Freud fez profundos estudos e análises da vida psíquica,
e os chamou de Psicanálise. Uma das formas que criou para o tratamento foi a “técnica
de associação livre”. Até hoje, muitos psicanalistas se utilizam dessa técnica, que usa
a linguagem verbal e corporal na interpretação dos sentimentos e sua elaboração.

Nesse sentido, vemos que a linguagem, por meio da análise e definição dos sentimen‑
tos, também oportuniza a cura ou atenuação das angústias, tristezas, depressões e
neuroses do ser humano, possibilitando‑lhe um apaziguamento interior.

A psicanálise nos mostra também que a forma com que interpretamos as situa‑
ções que vivemos é fundamental na constituição de nossa memória, de nossas as‑
pirações e personalidade. Nessa perspectiva, as formas e as palavras com as quais
242 UNIUBE

interagimos com as pessoas, em especial, com as crianças, são muito importantes em


relação ao que interpretam sobre nós, sobre as circunstâncias e sobre as diferentes
concepções que constroem acerca delas mesmas, dos outros e da vida.

6.4 Conclusão
Esperamos que você tenha percebido o quanto a linguagem é importante e o quanto
está presente e participa de diversas formas na/da existência humana. Entendemos
que muito do que falamos aqui é apenas “a ponta de um iceberg” do que ainda temos
que desvelar sobre esse tema, e contamos com você para isso! Estaremos felizes se os
conhecimentos que foram construídos por você, neste capítulo, levarem­‑no a suspeitar
alguns dos fatores que se interagem na complexidade da relação entre linguagem e
Educação, possibilitando­‑lhe uma reflexão e uma prática mais consciente.

Pensar e viver (ou seria viver e pensar?) na complexidade nos exige uma intensa
interação com outras pessoas e outros saberes, por isso, desejamos que esses co-
nhecimentos sejam, para você, como tentáculos a serem lançados para o passado e
para o futuro, em todos os sentidos, em todas as ciências, sem fronteiras, na busca
incessante do devir!

Resumo
Num primeiro momento deste capítulo, tentamos fazê­‑lo refletir sobre a relação entre
pensamento, palavras e ações. A partir do capítulo O penteado de Dom Casmurro, de
Machado de Assis, abordamos a memória e a imaginação, discorrendo sobre a relação
entre elas e a linguagem. No item Linguagem: conservando e interligando nossas ideias
para uma ação, por meio do monólogo do personagem Fabiano, de Graciliano Ramos,
apresentamos uma situação prática em que a linguagem constitui­‑se como instrumento
libertador, nesse sentido, remetemo­‑nos à Educação Libertadora.

Em seguida, no tópico “Somos feitos de silêncio e som: a linguagem e suas múltiplas


dimensões”, discorremos sobre várias reflexões feitas a partir de diferentes abordagens
da linguagem. Baseando no raciocínio de Chauí (2005), especialmente no capítulo 5
– A linguagem, discorremos sobre a linguagem mythos e logos, dos gregos; sobre as
contribuições dos filósofos, inclusive dos empiristas, intelectualistas, sobre o positivismo
lógico e as contribuições da linguísticas do século XX, explicando­‑as, e, apresentamos,
brevemente, a análise do discurso.

Por fim, sob o subtítulo A cura pela palavra: a linguagem e a elaboração dos sentimentos,
dialogamos sobre a psicanálise, ressaltando o método de associação livre, criado por
Freud, na cura das neuroses e doenças psicológicas. Nesse momento, ressaltamos a
importância da linguagem na constituição da personalidade humana.
UNIUBE 243

Atividades

Atividade 1
Leia o texto a seguir:

Em seus braços...

Há um mundo bem melhor, todo feito pra você...

(It’s small word. Disney)

A canção chega tão serenamente. Num desafino, ouvem‑se vozes de crianças que experi‑
mentam a alegria de ser e apostam na certeza de um futuro irresistível. Seduzidas, sedutoras,
as vozes acariciam, embalam, lembram o coração que reina e sonha.

O cheiro. Cheiro de corpos de amigos que se esbarram ao fazer a fila. Depois, no pátio, as
palavras de boas‑vindas da diretora e a oração. Mãozinhas encontradas postas a orar. Os
olhos inquietos deveriam estar fechados, imaginando Deus. Mas, sorrateiros, teimam em
olhar para aquele céu tão irresistivelmente azul. O que será que há além do céu azul? Mamãe
explicou que em cima das nuvens há anjos de asas enormes que tocam harpas douradas e
cantam canções de amor.

E a imagem dos anjos cantantes se mistura com as vozes da canção que começa a ser
cantada em coro pelas crianças, naquele instante: “há um mundo bem melhor, todo feito pra
você...”.

A felicidade da menina parece duvidar: pode o mundo ainda ser melhor?!

O sol ardente, nos olhos infantis, impele-os a se fecharem. E as sensações se voltam para o
calor dos corpos dos colegas, um ao lado do outro: o suor, o hálito dos amigos cantantes, a
maresia, num experimento da quentura do mundo.

No pensamento, a imagem dos anjos tocando e cantando; anjos com rostos, vozes e cheiros
dos primeiros amigos na Terra, iluminados na manhã de um sol criança.

No caminho de volta para casa, a canção é cantada, pela menina, nas ruas do morro de Santa
Teresa. A criança equilibra seus pés e seu corpo naqueles paralelepípedos tão estreitos, en‑
quanto, deslumbrada, observa casarões que parecem se estender pelas copas das árvores,
tão igualmente grandes e antigas.

A beleza dos casarões, das árvores, dos bondes, das ruas ladeadas por muros de pedras é
explícita. Mas, ainda há uma beleza encoberta. Uma beleza que não se vê, que não se ouve,
mas que se sente. A beleza de tantos sentimentos que aquele lugar abriga. Quantas crianças
passaram por lá? Quantos pais contaram histórias embaixo daquelas árvores? Quantas mães
grávidas subiram aquelas ladeiras? Quantos beijos de amor foram dados ali?
244 UNIUBE

Na rua Ocidental, as árvores abrem passagem para o sol, pode-se avistar outros morros.

Ao chegar em casa, a menina ganha beijo de pai, de mãe e, na sacada, avista o amigo, de
braços abertos. Seu abraço vem com a maresia que, em gotas de mar, traz o cheiro da mata
Atlântica. Abraço de amigo com cheiro de pai, de mãe, de irmão-criança. Abraço com cheiro
de infância.

Mas, certo dia, levaram a menina de lá para um lugar onde bondinhos não existem.

Longe daquelas ruas, daquele bairro e dos amigos que havia ali, a criança descobriu a palavra
saudade. Impotente, a menina não tinha passagem de ônibus ou avião, nem mesmo dispunha
do pó de pirilim pim pim, mas desejava ardentemente voltar.

Foi assim, desejando, que ela descobriu o caminho de volta. Toda vez que sentia saudade,
começava a cantar a canção. E, magicamente, feito sonho, as ruas, as pessoas, os casarões,
o céu azul e sua casa cresciam em sua volta.

Na sacada, o amigo de braços abertos a esperava num abraço. Depois, enamorada, ela o
admirava de longe. Ele mantinha seu olhar altivo para o horizonte, de peito e braços abertos,
com o poder de um Pai. E o mundo diante dele parecia tão pequeno e, ao mesmo tempo, tão
vasto. Ela, diante dele, experimentava a vastidão do mundo sem medos.

Quem experimenta o colo de um Pai não pode olvidar a doçura da vida.

O fato é que foi nos braços do Cristo que a menina foi acolhida no mundo. E, para os braços
dele, redenta, ela voltava sempre que sentia sua felicidade ameaçada.

Distância é coisa fácil de resolver para quem traz na alma o gosto do amor.

Nos braços do Cristo, a criança descobriu que o abraço do mundo para com a gente tem o
tamanho do ângulo de nosso abraço para com ele, com Ele.

Sempre, quando a mulher hesita, a menina que a habita pega carona na canção e vai de
encontro ao seu amigo que, ainda, a espera de braços abertos...

Na Seção Entre palavras, pensamentos e ações: a linguagem por muitas vozes, le-
mos:

Ao narrarmos uma lembrança, transformamos as memórias de


nossas percepções em palavras, e, por sua vez, essas palavras,
expressadas, aguçam a memória visual e a memória táctil cinesté‑
sica de nosso ouvinte ou leitor, levando-o a imaginar e a sentir algo
semelhante ao que vivemos e sentimos.
UNIUBE 245
E, ainda, essas palavras nos levam a outro tempo, a um fluxo de
tempo diferente do tempo cronológico!

Na crônica Em seus braços..., a autora rememora tempos vividos na infância, narrando-


­‑os. Por meio da imaginação e de sua narrativa, ela transporta o leitor para outro tempo,
levando­‑o a imaginar as situações vividas por ela na infância.

Rememore uma circunstância, vivenciada, por você na infância ou adolescência.


Depois elabore uma breve narrativa, de aproximadamente 10 linhas, contando o que
aconteceu, descrevendo os sentimentos e os pensamentos elaborados, bem como as
ações realizadas por você.

Atividade 2
Chauí (2005, p. 249) nos explica que para referir­‑se à palavra e à linguagem, os gre‑
gos possuíam duas palavras: mythos e logos. Segundo esta autora, a palavra grega
mythos significa

[...] ‘narrativa’ e, portanto, ‘linguagem’. Trata­‑se da palavra que narra


a origem dos deuses, do mundo, dos homens, das técnicas (o fogo,
a agricultura, a caça, a pesca, o artesanato, a guerra) e da vida do
grupo social ou da comunidade. Pronunciados em momentos espe-
ciais – os momentos sagrados ou de relação com o sagrado –, os
mitos são mais do que uma simples narrativa; são a maneira pela
qual, através das palavras, os seres humanos organizam a realidade
e a interpretam.

O mito tem o poder de fazer com que as coisas sejam tais como são
ditas ou pronunciadas. [...]

A linguagem tem, assim, um poder encantatório, isto é, uma ca-


pacidade para reunir o sagrado e o profano, trazer os deuses e as
forças cósmicas para o meio do mundo, ou como acontece com os
místicos em oração, tem o poder de levar os humanos até o interior
do sagrado.

E a palavra logos:

Logos é a palavra racional em que se exprime o pensamento que


conhece o real. É discurso (ou seja, argumento e prova), pensamento
(ou seja, raciocínio e demonstração) e realidade (ou seja, as coisas
e os nexos e as ligações universais e necessárias entre os seres).

Logos é a palavra­‑pensamento compartilhada: diálogo; é a palavra-


­‑pensamento verdadeira: lógica é a palavra conhecimento de alguma
coisa: o ‘logia’ que colocamos no final de palavras como cosmologia,
mitologia, teologia, ontologia, biologia, psicologia, sociologia, antro-
pologia, tecnologia, filologia, farmacologia etc.
246 UNIUBE

Com base nessas definições, pesquise em jornais, revistas, textos em que possa per-
ceber essas duas concepções de linguagem, de forma separada. Depois, pesquise
textos em que possa perceber uma concepção de linguagem que considere essas
duas dimensões da palavra. Exemplifique as três situações, anexando os textos na
atividade e mostrando porque foram selecionados. Não se esqueça de fundamentar
suas escolhas.

Referências
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