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Sumário ....................................................................................................................................13
Capítulo Um ............................................................................................................................14
Capítulo Dois ...........................................................................................................................32
Capítulo Três ...........................................................................................................................48
Capítulo Quatro.......................................................................................................................66
Capítulo Cinco .........................................................................................................................79
Capítulo Seis ............................................................................................................................88
Capítulo Sete ..........................................................................................................................113
Capítulo Oito .........................................................................................................................132
Capítulo Nove .......................................................................................................................144
Capítulo Dez ..........................................................................................................................158
Capítulo Onze ........................................................................................................................165
Capítulo Doze ........................................................................................................................176
Capítulo Treze .......................................................................................................................180
Capítulo Catorze ...................................................................................................................200
Capítulo Quinze ....................................................................................................................206
Capítulo Dezesseis ................................................................................................................219
Capítulo Dezessete ................................................................................................................231
Capítulo Dezoito ...................................................................................................................239
Capítulo Dezenove ................................................................................................................256
Capítulo Vinte........................................................................................................................278
Capítulo Vinte e Um .............................................................................................................288
Capítulo Vinte e Dois ............................................................................................................304
Capítulo Vinte e Três ............................................................................................................313
Capítulo Vinte e Quatro .......................................................................................................332
Capítulo Vinte e Cinco..........................................................................................................339
Capítulo Vinte e Seis .............................................................................................................350
Capítulo Vinte e Sete.............................................................................................................364
Capítulo Vinte e oito .............................................................................................................374
Capítulo Vinte e Nove ..........................................................................................................391
Capítulo Trinta ......................................................................................................................399
Capítulo Trinta e Um ............................................................................................................412
Capítulo Trinta e Dois...........................................................................................................418
Capítulo Trinta e Três ...........................................................................................................429
Capítulo Trinta e Quatro ......................................................................................................444
Capítulo Trinta e Cinco ........................................................................................................460
Capítulo Trinta e Seis ............................................................................................................473
Capítulo Trinta e Sete ...........................................................................................................485
Capítulo Trinta e Oito ...........................................................................................................504
Capítulo Trinta e Nove .........................................................................................................526
Capítulo Quarenta.................................................................................................................539
Capítulo Quarenta e Um ......................................................................................................553
Capítulo Quarenta e Dois .....................................................................................................567
Capítulo Quarenta e Quatro ................................................................................................605
Capítulo Quarenta e Cinco...................................................................................................623
Capítulo Quarenta e Seis ......................................................................................................636
Capítulo Quarenta e Sete......................................................................................................652
Capítulo Quarenta e Oito .....................................................................................................670
Capítulo Quarenta e Nove ...................................................................................................682
Capítulo Cinquenta ...............................................................................................................688
Capítulo Cinquenta e Um ....................................................................................................706
Capítulo Cinquenta e Dois ...................................................................................................719
Capítulo Cinquenta e Três ...................................................................................................733
Capítulo Cinquenta e Quatro...............................................................................................742
Capítulo Cinquenta e Cinco .................................................................................................749
Capítulo Cinquenta e Seis ....................................................................................................757
Capítulo Cinquenta e Sete ....................................................................................................766
Capítulo Cinquenta e Oito ...................................................................................................787
Capítulo Cinquenta e Nove .................................................................................................794
Capítulo Sessenta ..................................................................................................................800
Capítulo Sessenta e Um ........................................................................................................806
Capítulo Sessenta e Dois ......................................................................................................812
Capítulo Sessenta e Três .......................................................................................................820
Epílogo....................................................................................................................................828
Fim...Por enquanto. ...............................................................................................................829
Nota do Autor........................................................................................................................830
Quando abriu o segundo selo, ouvi o segundo ser vivente,

dizendo: — Vem e vê. — Saiu outro cavalo vermelho, e ao que estava

assentado sobre ele, foi concedido que tirasse a paz da terra e que os

homens se matassem uns aos outros; e foi-lhe dada uma grande

espada.

- Apocalipse 6: 3-4 NVI


Chore Havoc e solte os cães de guerra;

Que o cheiro deste ato asqueroso

Caia sobre a terra e se misture ao fedor pestilento

Dos mortos suplicando sepultura.

– Shakespeare
Ano 13 dos Cavaleiros

Jerusalém, Nova Palestina

O dia começa como a maioria dos outros. Com um pesadelo.

A explosão ruge pelos meus ouvidos, a força me derrubando na água.

Trevas. Nada. Então...

Solto um suspiro. Há água e fogo e... e... Deus a dor... dor, dor, dor. A

mordida afiada quase rouba minha respiração.

— Mamãe, mamãe!

Não posso vê-la. Não posso ver ninguém.

— Mamãe!

O céu balança sobre mim. Eu tusso com a fumaça. Minha bolsa está

enrolada no tornozelo e está me arrastando para baixo, para baixo, para baixo.
Não. Eu preciso chutar e voltar à superfície, mas apesar dos meus esforços,

se afasta cada vez mais do alcance.

Meus pulmões ardem. A luz do sol acima fica fraca, mesmo enquanto luto.

Abro minha boca para pedir ajuda.

A água entra em...

Sento na cama ofegante.

Posso ouvir meu relógio de parede o pêndulo balançando para

frente e para trás, para frente e para trás.

Toco a cicatriz na base da minha garganta enquanto seguro minha

respiração. Meus lençóis estão enrolados ao redor dos meus tornozelos.

Eu me desenrolo e saio da cama.

Agarrando uma caixa de fósforos próxima, acendo uma lamparina

a óleo. Resumidamente, ilumina uma imagem da minha família antes

de levantá-la o suficiente para ver a hora no relógio.

03:18.

Ugh. Esfrego meu rosto.

Coloco a lâmpada na minha bancada, empurrando as penas,

flechas de vidro e pedaços de plástico que cobrem sua superfície.


Olho ansiosa para minha cama. Não há nenhuma maneira de

voltar a dormir, o que significa que posso trabalhar na minha última

comissão ou posso sair em busca de comida. Olho para as paredes,

onde alguns dos meus produtos acabados estão pendurados - os arcos

cobertos de óleo e as flechas pintadas pouco visíveis na escuridão.

Armas de salvamento vendem bem nos dias de hoje.

Está escuro demais para ver as fotos penduradas ao lado delas, mas

minha garganta aperta com o pensamento das imagens de qualquer

maneira. Agora, ainda pensando em eu sonho, não quero acompanhar

as lembranças que assombram meu apartamento.

É muito devastador.

Minhas botas trituram o cascalho solto enquanto percorro as ruas

de Jerusalém, carregando meu arco, aljava e a bolsa de lona que usarei

para guardar minhas descobertas. Eu tenho uma adaga no quadril e

um pequeno machado na bolsa.

Passo por uma mesquita escura, que estará cheia de pessoas

quando eu voltar. A sinagoga da rua é escura e sinistra, várias de suas

janelas fechadas. Parece tranquilo, como se não possuísse mais o

orgulho de antes.
Ninguém mais está fora, a não ser pelo ocasional guarda palestino.

Eles me olham severamente, mas me deixam em paz.

A vida nem sempre foi assim.

Posso lembrar vagamente da minha infância. Eu tive uma feliz ou

melhor, costumava ter preocupações e isso é quase a mesma coisa.

Agora, as preocupações se acumulam como pedras nos meus ombros.

Mas essa vida é menos real para mim do que o sonho com o qual

acordei. Toco a pulseira hamsa1 no meu pulso enquanto olho ao meu

redor. O momento em que fico um pouco confortável com o que me

rodeia é o momento em que sou atacada.

Não, a vida nem sempre foi assim, mas esta tem sido a minha

realidade desde que os cavaleiros chegaram. Posso ver o Dia Um em

minha mente como se estivesse acontecendo novamente.

Como as luzes da minha sala de aula do quarto ano piscaram

quando se apagaram, uma após a outra. Meus ouvidos ainda soam com

os gritos dos meus colegas de classe.

1
É um objeto da cultura árabe que foi incorporado pelos judeus. É um escudo contra o mau. É uma mão
que representa os cinco níveis da alma, o órgão ou canal através da qual uma pessoa abençoa outra,
simbolizando, portanto, bênçãos e proteção.
Tive a infelicidade de me sentar perto de uma janela, então vi em

primeira mão como os carros perderam força, seus corpos de metal

colidindo com o que quer que fosse ou quem quer que estivesse mais

próximo deles.

Eu vi uma mulher ser atropelada por um carro, os olhos

arregalados por aquele único segundo antes do impacto. Às vezes,

quando me lembro, é meu pai que vejo e não a mulher.

Eu me pergunto às vezes, se foi assim que aconteceu. Eu nunca vi

seu corpo mutilado. Apenas ouvi que foi atropelado por um ônibus,

então tudo o que restou não foi uma maravilha.

As pessoas por aqui gostam de dizer que a vida pode mudar

instantaneamente e é verdade. Nascimento, morte, quatro homens

estranhos aparecendo um dia com planos para destruir o mundo —

todas as mudanças instantâneas da vida.

Mas às vezes, a mudança mais insidiosa acontece com o tempo.

Porque o primeiro dia terminou e o segundo começou. Esperávamos

que todos continuassem vivendo mesmo quando os carros não

pudessem ser dirigidos, os telefones não pudessem ligar, os

computadores não pudessem computar e tantas vidas amadas foram

perdidas. Por fim, essa terrível nova existência precisou se tornar


normal. E é assim que a vida tem sido durante a maior parte dos meus

vinte e dois anos.

Eu me movo para o oeste através da cidade, passando por um

aviário, os pássaros quietos a esta hora. Uma vez, você poderia obter

notícias quase instantaneamente. Agora o pombo-correio é a maneira

mais rápida de enviar mensagens... e não há garantia de que uma

mensagem de saída chegará onde precisa. Os pássaros, afinal, não são

tão obedientes e inteligentes.

A noite está quieta. Tem sido assim no último mês. Não que seja

sempre particularmente barulhento aqui à noite, mas parece diferente.

Você pode sentir a preocupação das pessoas no ar parado.

Deve ser os rumores.

Havia... histórias estranhas do leste, histórias destinadas a assustá-

lo quando estivesse encolhido perto do fogo e a noite parecesse

especialmente aterrorizante.

Histórias sobre cidades inteiras indo para o túmulo. Sobre ruas

cheias de ossos e cemitérios cheios de campos. E através de tudo,

Guerra, montando seu corcel vermelho sangue, sua espada no alto.


Não sei o quanto são verdadeiras — hoje em dia muitas coisas são

boatos — mas Jerusalém foi mais moderada do que o habitual.

Algumas pessoas até fizeram as malas e partiram.

Eu poderia ter sido uma dessas pessoas, se tivesse dinheiro

suficiente para chegar onde queria ir. Mas não tenho, então permaneço

em Jerusalém.

Quando chego perto das montanhas da Judéia, que ficam nos

arredores da cidade, ouço os passos de alguém atrás de mim. Poderia

ser a Irmandade Muçulmana, a força policial palestina, um invasor

como eu ou uma prostituta procurando preencher o último de sua cota

para noite.

Provavelmente não é nada. Ainda assim, isso não me impede de

passar por cima do meu código de sobrevivência, também conhecido

como Guia de Miriam Elmahdy para Permaneça Viva Porra:

1. Burle as regras — mas não as quebre.

2. Fique com a verdade.

3. Evite conformidade.

4. Ouça seus instintos.


5. Seja corajosa.

Cinco regras simples que, embora nem sempre sejam fáceis de

seguir, me mantiveram viva nos últimos sete anos. Eu pego meu ritmo,

esperando colocar distância entre mim e o estranho. Menos de um

minuto depois, ouço os passos atrás de mim acelerarem.

Solto um suspiro.

Deslizando meu arco do ombro, puxo uma flecha da aljava e a

coloco no lugar. Girando, miro na forma escura.

— Siga em frente. — Eu digo.

A figura sombria está talvez a dez metros de distância. Levanta as

mãos, avançando um pouco.

— Apenas queria saber o que uma garota como você estava

fazendo tão tarde nas ruas. — Grita o homem.

Então, o indivíduo não é uma prostituta e provavelmente não é a

polícia. Isso deixa a Irmandade Muçulmana, um membro da gangue

local ou um civil comum disposto a pagar pela companhia de uma

mulher. Claro, ele também poderia ser um colega procurando roubar

minhas descobertas.
— Eu não sou uma prostituta. — Respondo.

— Não achei que você fosse.

Então, não é um cliente confuso.

— E se estiver com a Irmandade. — Eu digo: — Paguei minhas

dívidas do mês. — É o custo de se mover pela cidade com impunidade.

— Está tudo bem. — Diz o homem. — Eu não estou com a

Irmandade.

Um atacante então?

Ele dá um passo em minha direção. Então outro. Puxo a corda de

volta, a madeira do meu arco geme.

— Eu não a machucarei. — Ele diz tão gentilmente que quero

acreditar. Mas aprendi a confiar no que as pessoas fazem e não no que

dizem, ele não está recuando.

Um criminoso então. Pessoas honestas não apenas falam para se

aproximarem, a menos que desejem algo de você. E o que ele quiser,

duvido que vá gostar.

— Bem, se você se aproximar mais, irei atirar. — Eu aviso.


Seus passos param e nós dois ficamos ali por vários segundos em

um impasse. Ele está parado nas sombras entre os postes de iluminação

a gás, então é difícil entender o que está fazendo, mas acho que irá se

afastar. Seria a coisa mais sensata a fazer.

Seus passos retomam — um, dois, três...

Eu fecho meus olhos castanhos brevemente. Isso não é a maneira

de começar um dia.

O homem começa a acelerar o ritmo enquanto ganha mais

confiança de que não atirarei. Ele não sabe que fiz isso antes.

Perdoe-me.

Eu solto a flecha.

Não vejo exatamente onde ela cai na escuridão, mas ouço o suspiro

sufocado do homem, então o vejo desmoronar. Por vários segundos

fico onde estou. Com relutância abaixo meu arco e caminho até ele,

uma mão pairando perto da adaga no quadril.

Quando me aproximo, vejo minha flecha saindo da garganta do

homem, seu sangue escurecendo sua pele e o chão abaixo dele. Sua

respiração esta ofegante e com dificuldade.


Olho para o rosto dele por vários segundos enquanto ele agarra o

projétil. Eu não o reconheço, não que pensei fazê-lo. Acho que é um

alívio. Meus olhos vão para a bolsa que ele está carregando.

Agachando, abro e reviro as coisas dele. Corda, um pé de cabra e

uma faca. O pacote inicial de um assassinato.

Inquietação me percorre. A maioria das pessoas que fazem coisas

ruins tem seus motivos — ganância, poder, luxúria, autopreservação.

É irritante cruzar com alguém que planeja machucá-lo não como um

meio para um fim, mas como o fim em si.

A respiração sufocante do homem diminui, depois param

completamente, o peito fica plano.

Uma vez que tenho certeza de que ele se foi, retiro a flecha do corpo

dele, limpo na calça antes de colocá-la de volta na aljava. Ninguém se

importará em investigar o que aconteceu. Ninguém será punido e

quando o sol estiver alto, o corpo será removido e a cidade logo

esquecerá que havia um cadáver na estrada.

Dando ao homem um último olhar, toco o hamsa no meu bracelete

e me afasto.
Saio da cidade e entro nas colinas que ficam a oeste, tentando não

pensar no homem que matei e no que ele queria. Ou que mal fiz uma

pausa antes de matá-lo.

Esfrego minha testa e depois minha boca. A morte está ficando

mais fácil. Isso é... preocupante.

Uma vez que fiz o meu caminho para as montanhas, desvio da

estrada e para as árvores. O céu está começando a clarear, mudando de

cinza para rosado, quando o sol se aproxima do horizonte. Mais acima,

na colina, vejo os restos de uma casa, o bloco de concreto e a parede de

ferro parcialmente completos antes que seu proprietário abandonasse

o projeto.

Eu me movo em direção a ela, a casca de uma casa uma visão

familiar. Mas não é o prédio que procurava tanto quanto as árvores ao

redor.

Indo para um pinheiro, pego meu machado e começo a cortar um

galho grosso. A madeira aqui faz boas curvas e flechas.

Quinze minutos no meu trabalho ouço... alguma coisa.

Eu paro, meus olhos indo para estrada. Forço meus ouvidos, mas

as colinas arborizadas são silenciosas


Esperar.

Ali novamente. O som é quase inaudível. Não posso dizer o que é,

apenas que é firme.

Provavelmente um viajante.

Eu vou para a casa vizinha, entrando silenciosamente. Prefiro não

entrar em uma escaramuça duas vezes em uma noite.

Dentro da estrutura abandonada, sujeira, folhas velhas e várias

pontas de cigarro enchem o chão. Pela aparência do local, foi

construído após a chegada — não há tomadas elétricas, nem tubos que

possam carregar água corrente. Aqueles luxos que perdemos logo

depois que os cavaleiros chegaram e por mais que tentemos, não

conseguimos recuperá-los.

Eu me movo para uma janela aberta emoldurada, mantendo-me

principalmente as sombras. Sinto-me como uma covarde, me

escondendo atrás de uma parede, porque ouvi alguma coisa, mas

depois do meu primeiro encontro hoje, melhor ser covarde do que uma

mulher morta.

Sempre tão devagar o som fica mais alto, até que consigo distingui-

lo distintamente.
Clop. Clop. Clop.

Um viajante montado.

Olho pela janela, o céu agora um tom rosado. Há árvores e arbustos

que obscurecem parcialmente minha visão da estrada, então não vejo

o indivíduo imediatamente. Mas quando o faço...

Respiro fundo.

Um monstro de um homem sentado em seu corcel vermelho

sangue, uma espada maciça amarrada às costas. Há anéis de ouro em

seus cabelos escuros e linhas de kohl grossas em seus olhos. Suas maçãs

do rosto estão altas e a carranca o faz parecer absolutamente

petrificante.

Por um momento, nada do que estou vendo realmente se registra.

Porque o que estou vendo está errado. Nenhum cavalo é tão vermelho

e nenhum homem tem uma estatura tão impressionante, mesmo na

sela.

Bem, se os rumores são verdadeiros, então talvez uma pessoa seja...

Eu começo a tremer.

Não.
Querido Deus, não.

Porque se os rumores sobre a sua descrição são verdade, então isso

significa que o homem para o qual estou olhando pode ser realmente

Guerra.

Meus pulmões param com o simples pensamento.

E se os rumores forem verdadeiros...

Então Jerusalém está ferrada.

Um pequeno ruído sai dos meus lábios e Guerra, se for de fato ele

— gira em minha direção.

Eu me abaixo.

Oh meu Deus, oh meu Deus, oh meu Deus.

Um cavaleiro do apocalipse está a vinte metros de mim.

O casco faz uma pausa, depois sai da estrada principal. E de

repente, eu ouço o clop-clop-clop deles subindo a colina em minha

direção.

Cubro a boca, abafando o som da minha respiração e aperto meus

olhos fechados. Posso ouvir o barulho das folhas secas as exalações

barulhentas do cavalo.
Eu não sei o quão perto o cavaleiro está antes dele parar. Parece

estar fora do edifício, tanto, que se aproximasse da janela eu poderia

levantar a mão e acariciar seu cavalo. Os pelos do meu braço se

levantam.

O cavalo para e espero que o cavaleiro desmonte.

Poderia ser realmente Guerra?

Mas por que não seria ele? Jerusalém tem sido o epicentro de várias

religiões por séculos. É um bom lugar para trazer o fim do mundo —

foi até predito que será aqui que o mundo termina no Dia do Juízo Final.

Eu não deveria ficar surpresa.

Mas ainda estou.

Depois de um longo minuto, ouço os passos recuando de Guerra

— merda, acho que realmente é Guerra e seu cavalo.

Espero até que os passos estejam longe o suficiente antes que eu

suspire, uma lágrima de medo escorregue.

Oh meu Deus.

Eu não me movo. Não até que tenha certeza de que Guerra seguiu

em frente.
Mas quando penso que ele se foi, ouço mais batidas de casco.

Várias batidas de casco. Quem mais poderia seguir o cavaleiro?

Os cascos parecem se multiplicar até começar a soar como um

trovão.

Olho por um buraco na janela. O que vejo tira meu fôlego.

Deve haver centenas de cavaleiros na estrada, armados com facas,

arcos, espadas e todos os outros tipos de armamento.

Meu coração está cada vez mais rápido e ainda assim continuo

quieta, ainda com medo de respirar alto demais.

Espero que eles passem, mas continuam se aproximando os

cavaleiros seguidos pelo que parecem ser soldados a pé e estes

seguidos por carroças puxadas por cavalos.

Quanto mais olho, mais os homens passam por mim, até ficar claro

que não há apenas centenas de homens, mas milhares deles, todos

seguindo Guerra.

Há apenas uma razão pela qual muitos homens armados viajam

juntos.

Guerra não está simplesmente chegando a Jerusalém.


Ele está invadindo.
Espero até que todo o exército tenha passado antes de sair do meu

esconderijo. Saio do prédio com os pés trêmulos, sem saber o que fazer.

Eu não sou santa. Mas também não sou uma heroína.

Olho para aquela estrada indo para o oeste, na direção oposta ao

exército e parece muito atraente. Olho na outra direção, para onde o

exército se dirige.

Minha casa.

Saia, a voz da minha mãe diz na minha cabeça, saia com as roupas

nas costas e nunca mais volte. Saia e salve-se.

Eu vou para a estrada, deixando para trás os galhos que cortei.

Olho para os dois lados — a oeste, longe da cidade e a leste, de volta a

Jerusalém.

Esfrego minha testa. Deus, o que devo fazer?

Repasso meu código de sobrevivência: Burle as regras, mas não as

quebre. Fique com a verdade. Evite comodismo. Ouça seus instintos.

Seja corajosa.
Seja sempre corajosa.

Claro, estas são as regras para se manter vivo. Não preciso das

regras para saber que ir para o oeste aumentará minhas probabilidades

de sobrevivência enquanto ir para o leste irá diminuí-las. Não deveria

ser uma questão — tenho que ir para o oeste.

Mas quando me viro e começo a descer a estrada, meus pés não me

levam para o oeste. Em vez disso, marcho de volta para Jerusalém. E

de volta a minha casa, o exército e ao cavaleiro.

Talvez seja estupidez ou curiosidade mórbida.

Talvez o apocalipse não tenha arrancado o último pedaço de

abnegação de mim.

Ainda não sou santa.

Quando chego à cidade, as ruas já estão vermelhas de sangue.

Pressiono as costas da minha mão na minha boca, tentando

encobrir o cheiro doentio da carne que tinge o ar. Preciso contornar os

corpos ensanguentados que cobrem as ruas. Muitos dos prédios estão

queimando, fumaça e cinzas pairam sobre mim.


À distância, ouço as pessoas gritando, mas bem aqui, bem onde

estou andando, as pessoas já foram mortas e o silêncio parece ser uma

coisa em si.

Antes que a Nova Palestina se erguesse, os militares de Israel

recrutaram a maioria de seus cidadãos. Desde a guerra civil do meu

país, não houve recrutamento obrigatório, mas a maioria dos jovens

aqui aprendeu a lutar de qualquer maneira. Ao olhar ao redor para

todos os cadáveres, percebo que nada disso importa.

Por todo o conhecimento que tinham sobre combates e guerras,

ainda estão mortos.

Na verdade, o que estava pensando voltando aqui?

Meu aperto no arco agora fica mais forte. Pego uma flecha e coloco.

Sequer deveria me importar em salvar estas pessoas. Depois de

tudo o que os muçulmanos fizeram com os judeus e os judeus fizeram

com os muçulmanos, o que todos fizeram aos cristãos e os drusos,

qualquer outra seita religiosa minoritária, você pensaria que eu ficaria

feliz em deixar tudo queimar até o chão.

Todas as religiões querem a mesma coisa — salvação. Eu posso

ouvir a voz do meu pai como um eco do passado. Somos todos iguais.
Eu ando mais e mais rápido pelas ruas, minha arma pronta. O lugar

foi varrido. Mais estruturas estão em chamas, mais corpos estão

espalhados pelas ruas.

Cheguei tarde demais. Tarde demais para a cidade e tarde demais

para o povo.

Alguns quarteirões a mais e começo a ver pessoas vivas. Pessoas

que estão fugindo. Uma mulher corre com o filho nos braços. Dez

metros atrás dela, um homem montado a persegue.

Sequer penso antes de levantar meu arco e disparar a flecha.

Atinge o quadrado no peito, a força derrubando-o de seu cavalo.

Eu olho por cima do meu ombro a tempo de ver a mulher e seu

filho entrarem em um prédio.

Pelo menos estão seguros. Mas há tantos outros que estão lutando

por suas vidas. Eu pego uma flecha, coloco e atiro. Agarre, arrume,

dispare. Novamente. Alguns dos meus disparos erram, mas sinto uma

onda de satisfação por estar conseguindo pegar qualquer um desses

invasores.

Eu tenho que me abaixar enquanto continuo pelas ruas. As pessoas

estão inclinando-se para fora de suas janelas, jogando todos os itens


que podem neste exército estranho. Ao me mexer, vejo um homem

sendo empurrado da sacada. Ele pousa em um toldo em chamas

abaixo. O último que ouço dele são seus gritos.

Em algum momento, alguns dos soldados invasores reconhecem

que sou uma ameaça. Um deles aponta o seu próprio arco e flecha para

mim, mas ele está a cavalo e seu tiro vai longe.

Agarre, arrume, dispare.

Acertei seu ombro. Agarre, arrume, dispare. Desta vez minha flecha

atinge seu olho.

Precisa de mais flechas. E outras armas, para esse assunto.

Eu vou em direção a minha casa, que fica a vários quarteirões de

distância, sussurrando uma prece sob a minha respiração para que não

fique sem flechas antes de chegar lá. Carrego uma adaga, mas não sou

páreo para um adversário maior e a maioria desses soldados são

apenas isso — grandes oponentes.

Demora cerca de trinta minutos para chegar ao meu lugar. Eu moro

em um prédio condenado — não que alguém vá derrubá-lo tão cedo.

Ele sofreu alguns danos durante os combates há alguns anos e a


maioria das pessoas se mudou como resultado. Eu não fiz. Chame-me

de sentimental, mas foi onde eu cresci.

Quando me aproximo, a entrada está pegando fogo.

Porra, por que não pensei nisso?

Eu olho a estrutura. É feito principalmente de pedra e além da

entrada, parece tudo bem. Mordo o lábio.

Tomando uma decisão, corro para dentro. Não três segundos

depois que o faço, a parte da frente desmorona, me prendendo.

Merda. Precisarei sair por uma janela ou esperar que a antiga

escada de incêndio funcione.

Uma vez que estou dentro, corro pela escada até o meu

apartamento, tossindo com a fumaça. Diminuo quando avisto meu

apartamento. A porta da frente está entreaberta.

Filho da puta. Alguém já deve ter tido a mesma ideia que eu. As

pessoas por aqui sabem que eu faço armas.

Eu entro e o lugar está uma bagunça. Minha estação de trabalho foi

derrubada. Ao longo das prateleiras, as facas, espadas e punhais, arcos


e aljava, maças e flechas que guardei cuidadosamente quase todos

foram removidos.

Eu não paro para vasculhar através deles. Correndo para o quarto,

levanto meu colchão. Abaixo, dezenas e dezenas de flechas e uma

adaga sobressalente.

Deixando cair a minha sacola de lona no chão, pego as flechas e

enfio o máximo que posso. Então pego um punhal embainhado e

rapidamente o prendo em mim.

Depois que estou armada, desço a escada. Chutando a porta de um

dos apartamentos que sei que está abandonado e entro. As janelas aqui

estão praticamente intactas, preciso pegar uma cadeira descartada e

esmagá-la contra o vidro para que se estilhace.

Derrubando os últimos cacos, saio e corro para a briga mais uma

vez.

Não é até que estou fora da Cidade Velha que vejo Guerra.

E ele está bem. Não acreditei em meus olhos quando o vi pela

primeira vez, mas agora, banhado pelo sangue de suas vítimas, seus

olhos brilhando como ônix, não há como ele ser qualquer outra pessoa.
Ele está montado em seu cavalo no meio da estrada, seu corcel

agitando o chão. A criatura é tão temível quanto todas as histórias

prometidas seriam.

Guerra observa a carnificina ao redor dele, parecendo muito

satisfeito com os resultados. Encaixando uma flecha no arco, miro no

cavaleiro à minha frente.

Aponto para o peito. Qualquer outra coisa é muito provável que

erre completamente.

A cabeça de Guerra se vira para mim, quase como se ouvisse

minhas intenções sussurradas ao vento.

Merda.

Ele olha minha arma, depois meu rosto. Guerra chuta o cavalo para

frente.

Eu deixo a flecha voar, mas ela desvia, errando por completo.

Jogando meu arco no peito, viro e retiro as flechas balançando nas

minhas costas.

Olho por cima do meu ombro. Guerra está dirigindo seu cavalo

para frente, o cruel olhar do cavaleiro preso em mim. Atravesso os

escombros onde havia um prédio e vou para a Cidade Velha.


Por favor, não torça o tornozelo, por favor, não torça o tornozelo.

Atrás de mim posso ouvir o bater de cascos e praticamente posso

sentir o olhar ameaçador do cavaleiro em minhas costas. Há uma dúzia

de outras pessoas lutando e fugindo ao meu redor, mas o cavaleiro

desconsidera todas elas. Eu sou a única para quem ele parece ter olhos.

Porra. Porra. Porra.

É apropriado, suponho, encontrar o cavaleiro aqui, neste lugar que

viu milênios de conflitos e guerras. Jerusalém está cheia de sangue e

lágrimas.

O casco bate mais alto, mais perto.

Não me atrevo a olhar para trás.

Normalmente, há algumas pessoas que permanecem na Cidade

Velha, mas agora, o lugar está totalmente abandonado. Por que pensei

em vir aqui? Deus não pode me salvar. Não quando seu cavaleiro está

muito ocupado me atropelando.

Viro para esquerda e de repente o Muro das Lamentações se

aproxima. Eu corro ao lado dele, meus olhos fixos no Domo da Rocha.


E se alguma vez houve um tempo para acreditar na salvação, agora

seria.

Empurro meus braços e pernas, serpenteando de um lado para o

outro, para que o cavaleiro não possa me cortar por trás. A mesquita

está tão perto que consigo distinguir os detalhes mais finos ao longo de

suas paredes e...

A entrada está fechada.

Não.

Continuo correndo. Talvez não esteja trancada. Talvez...

Percorro os últimos metros, pegando a maçaneta da porta.

Trancada.

Eu quero gritar. Posso ver a Pedra da Fundação na minha mente,

posso ver o pequeno buraco que leva ao Poço das Almas abaixo. E se

houvesse algum lugar onde um cavaleiro precisaria respeitar a

santidade, seria ali.

Afasto-me da porta trancada e do arco. Volto para o sol ofuscante.

Atrás de mim, as batidas do casco param. Os pelos dos meus

antebraços se erguem.
Eu giro.

Guerra desce de sua montaria e cambaleio ao vê-lo.

Ele é enorme. Mais alto que um homem normal e cada centímetro

é construído como um guerreiro — ombros largos, braços grossos,

cintura magra e pernas poderosas. Até mesmo seu rosto tem a

aparência de algum herói trágico, sua beleza selvagem e masculina

apenas serve para fazê-lo parecer mais letal.

Quase casualmente, Guerra tira a espada da bainha nas costas.

Meus olhos vão para a lâmina maciça. Ela brilha prateada à luz do sol.

Quantas mortes está arma entregou?

Mas então outra visão chama minha atenção. Meu olhar vai da

arma de Guerra para sua mão. Em cada junta há um estranho grifo que

brilha em vermelho.

Guerra começa a caminhar em minha direção, sua armadura de

couro vermelho fazendo barulhos suaves enquanto se esfrega, seus

adornos dourados brilhando ao sol. Ele se parece menos com um

mensageiro celestial e mais como um deus pagão da batalha.

Agarrando meu arco, puxo uma flecha.


— Fique para trás. — Eu aviso.

O cavaleiro ignora o comando.

Deus me perdoe. Mas irei atirar.

A flecha atinge Guerra no ombro, em sua armadura de couro. Sem

desviar o olhar, ele agarra a ponta da flecha e a arranca. Ele sangra e

sinto um momento de orgulho, sabendo que minha arma passou pela

armadura dele.

Eu pego atrás de mim outra flecha, encaixo e deixo voar. Esta não

o acerta, o ângulo do golpe está errado.

E agora estou sem tempo.

Apenas tenho tempo para mais um tiro antes de precisar trocar de

arma. Eu pego uma flecha, aponto e solto.

Passa irremediavelmente longe.

Eu deixo cair meu arco e tremo, minhas flechas cuidadosamente

coletadas agora se espalham pelo chão. Minha mão vai para uma das

minhas adagas.
Não é páreo para aquela fera com uma espada. Eu dou outra

olhada nos enormes músculos de Guerra e não há nenhuma chance de

ganhar isso.

Engulo.

Morrerei.

Minha mão aperta a lâmina. Eu tenho que pelo menos tentar pará-

lo.

Começo a me mover, tentando colocar minhas costas contra o sol.

Guerra diminui os últimos metros de distância entre nós, sem se

preocupar em me superar. Ele não precisa de nenhum tipo de

vantagem para me derrubar, nós dois sabemos disso. E se o sol é

irritante para ele, não mostra nenhum sinal.

É neste momento em que percebo que isso não será uma luta. Este

é um leão que joga o rato de lado.

Devo tê-lo realmente irritado mais cedo.

Guerra levanta sua espada, o sol faz a lâmina brilhar cegamente.


Com uma batida no braço, a terrível lâmina se conecta com a minha

muito menor, derrubando-a da minha mão. Eu grito com o impacto; a

força do golpe entorpece meus braços e me deixa de joelhos.

Alcanço minha outra lâmina. Quando o cavaleiro se aproxima, eu

atiro, pegando-o na panturrilha.

Uma linha de sangue sai da ferida. Por um instante, olho para ele

de maneira estúpida.

Bolas sagradas, realmente o acertei.

Guerra olha para a ferida, em seguida, seus olhos se movem para

mim, ele ri baixo e profundo, o som causando arrepios em minha pele.

Este filho da puta é absolutamente aterrorizante.

Eu me movo para trás, o punhal ainda na mão, tentando me afastar

dele o mais rápido possível. O cavaleiro caminha vagarosamente atrás

de mim, parecendo levemente entretido.

Consigo colocar meus pés debaixo e me levantar.

Corra, a voz de minha mãe comanda, mas estou com medo de virar

as costas para esse homem. Gostaria de olhar a morte nos olhos quando

for entregue.
Guerra avança e balança sua espada novamente e eu levanto minha

adaga para enfrentar o golpe. Mesmo sabendo o que está por vir, a

força de sua batida ainda é um choque. Eu grito com o impacto, minha

arma jogada mais uma vez da minha mão. Ela bate no chão a um metro

de distância.

Eu tropeço de volta. O salto da minha bota pega uma das flechas

espalhadas pelo chão, escorrego, caindo duro na minha bunda.

O cavaleiro se aproxima, o sol iluminando sua pele morena e seus

olhos. Ele me olha, nossos olhares se fixam.

Levanto meu queixo desafiadoramente, apesar de sentir medo.

Meu corpo treme.

O cavaleiro ergue a lâmina.

Mas ele não a abaixa imediatamente. Ele olha para o meu rosto por

um longo tempo, tempo suficiente para me perguntar por que ele está

hesitando. Os olhos de Guerra vão para minha garganta e sua espada

vacila.

O que ele está fazendo?

Minha mão se contrai com a necessidade de tocar minha garganta

e sentir a horrenda cicatriz.


Os olhos de Guerra voltam para os meus. Agora há algo diferente

em sua expressão, algo que me assusta de uma maneira totalmente

nova.

— Netet wā neterwej.

Você é aquela que Ele me enviou.

Eu começo pela voz dele. Suas palavras não são hebraicas, árabes,

iídiche ou inglês. Ele não fala nenhuma língua que reconheço... e ainda

assim o entendo.

— Netet tayj ḥemet

Você é minha esposa.


Você é minha esposa.

Essa declaração não é processada. Nem o fato de poder realmente

entendê-lo.

O cavaleiro embainha sua espada, dando-me um olhar estranho e

feroz. Ele não vai me matar.

Processo a situação. Eu me deito por mais dois segundos e depois

corro de volta.

Eu me forço a ficar de pé quando Guerra passa por mim e agora eu

corro.

Volto para o caminho que vim, indo em direção a uma saída da

Cidade Velha. Não ouço o cavaleiro atrás e acho que talvez ele me

deixará ir.

Minhas esperanças são frustradas um minuto depois, quando ouço

o barulho ameaçador dos cascos de seu cavalo contra o pavimento de

pedra.
Oh cara, o primeiro passo é um idiota alegando que você é sua

esposa e o segundo é quando a merda de repente se torna real.

O casco bate perto em mim como antes. Apenas que desta vez não

acho que posso ultrapassá-los. Minha adrenalina está explodindo.

O cavalo de Guerra está quase sobre mim e juro que posso sentir

sua respiração quente contra a minha pele. Apenas quando acho que

vai me atropelar, algo bate nas minhas costas.

O ar deixa meus pulmões quando pulo para frente. Mas não caio

no chão. Em vez disso, sou pega e depositada na sela do cavalo.

Por vários segundos fico ali, me orientando. Então olho para trás,

para os olhos do monstro.

Guerra está me olhando, aquela expressão estranha ainda em seu

rosto. Eu me sinto tremer sob o olhar. Este é um homem para ser

temido.

E por vários longos minutos, sinto medo. Estou completamente

aterrorizada com essa criatura sombria.

Mas então a boa autopreservação entra em ação.

Começo a lutar contra ele. — Deixe-me ir.


Sua resposta é apertar o braço que tem em volta da minha cintura,

seu olhar se movendo para o nosso entorno.

— Sério. — Eu digo, tentando e falhando em sacudir sua mão

firme. — Eu não sou sua esposa.

Os olhos de Guerra se voltam para os meus e por uma fração de

segundo, ele parece surpreso.

Talvez não goste do fato de eu não concordar com esse negócio de

esposa, talvez ele não tenha percebido que posso entendê-lo.

Seja o que for, ele se recupera com rapidez suficiente, sua surpresa

se esvaindo de suas feições. Ele não responde e não me libera, ao invés,

dirige seu cavalo pela cidade.

Eu luto um pouco mais contra ele, mas é inútil. Seu braço é como

uma algema, me acorrentando a ele.

— O que você fará comigo? — Eu exijo. Pareço chocantemente

calma. Eu não me sinto calma. Sinto-me esgotada e apavorada.

Novamente, Guerra não responde, embora seu aperto aumente

apenas um pouquinho. Apenas o suficiente para saber exatamente

onde está sua mente.


Fecho meus olhos, tentando manter fora todas as imagens horríveis

do que acontece com as mulheres na guerra.

— Neṯet ṯar. — Diz ele.

Você está segura.

Quase gargalhei com isso.

— Bem, de sua lâmina, talvez. — Não de outras coisas.

Talvez o cavaleiro tenha oitenta esposas, cada uma delas um

prêmio de guerra que ele arrancou de outra cidade conquistada.

Oh Deus, isso realmente parece plausível.

Uma onda de náusea me percorre.

Guerra desembainha sua espada enquanto cavalga através de

Jerusalém. Os prédios estão pegando fogo e as ruas fervilham de gente

— brigando, fugindo, morrendo.

Eu vi minha quota de lutas, mas minha casa nunca pareceu assim,

como uma pilha fumegante de selvageria humana. Olho para tudo isso,

atordoada. Acho que o choque pode estar se instalando.

Posso sentir dezenas de olhos em mim enquanto me observam com

Guerra. Seu medo é claro — ninguém espera ficar cara a cara com um
desses míticos e mortais cavaleiros — mas também sinto um terror

mais profundo. Ninguém percebeu que Guerra podia fazer

prisioneiros, não até o momento em que viram a prova sentada em sua

sela. A visão deve gerar mais medos.

Por aqui sabemos que às vezes uma morte rápida é o melhor

caminho a percorrer.

O cavaleiro começa a guiar seu cavalo para frente em um ritmo de

punição. Sua espada ainda está no alto e ele leva sua montaria em

direção a humanos em fuga. E de repente ele a abaixa e dá um grande

giro.

Preciso fechar meus olhos contra a visão, mas ainda assim, às vezes

sinto o spray doente de sangue.

Por muito tempo, simplesmente me concentro em não vomitar. É

tudo que posso administrar. Escapar é impossível com o aperto de

Guerra em mim e lutando — bem, sinto-me cansada.

Nós nos movemos para o oeste através da cidade, de volta para as

colinas que visitei recentemente. O cavaleiro segue o mesmo caminho

que nós dois pegamos.


A cidade dá lugar à floresta e logo, os sons da batalha desaparecem.

Ali, você nunca saberia que uma cidade inteira estava sendo abatida.

Nós dois passamos pela casa na qual me escondi, indo cada vez mais

fundo para as montanhas.

Uma vez que estamos bem e verdadeiramente longe da civilização,

Guerra me segura.

— Onde você está me levando? — Eu pergunto.

Sem resposta.

— Por que você deixou a luta? — Eu começo novamente.

Eu sinto os olhos terríveis de Guerra em mim e olho para trás para

encontrá-los. Ele segura meu olhar por vários segundos, depois volta

sua atenção para a estrada.

Okaaaay.

Talvez ele não me entenda como eu o entendo?

O restante da viagem nós fazemos em silêncio.

Em algum ponto aleatório, Guerra sai da estrada. As plantas ali

foram pulverizadas pelo exército do cavaleiro. Ele segue os rastros que

sua horda deixou, nos levando pelas montanhas.


Logo fazemos uma curva e respiro fundo.

Em uma parte relativamente plana da terra está um acampamento

tão grande quanto uma cidade pequena. Milhares de tendas estão

aninhadas entre as árvores e arbustos, cobrindo uma grande parte da

montanha.

Quem sabe há quanto tempo eles estão acampados ali,

completamente fora da vista da estrada principal?

Guerra passa por várias baias de cavalos improvisados, filas e filas

de tendas. Agora que estamos nos movendo pelo lugar, percebo que

há pessoas ali. A maioria são mulheres e crianças, mas há alguns

soldados musculosos também.

O cavaleiro para seu corcel. Desmontando da criatura, ele então se

vira e me tira de seu cavalo. Não tenho ideia do que está acontecendo,

mas realmente gostaria de ter minhas armas.

O cavaleiro me coloca no chão. Ele olha para mim por vários

minutos, depois coloca uma mecha de cabelo atrás da minha orelha.

Que porra ele está fazendo?


— Odi acheve devechingigive denu vasvovore memsuse. Svusi

sveanukenorde vaoge misvodo sveanudovore vani vemdi. Odedu

gocheteare sveveri, mamsomeo. — Guerra diz.

Você ficará segura aqui até eu voltar. Tudo o que precisa fazer é jurar

fidelidade aos outros. Então conversaremos novamente, esposa.

— Eu não sou sua esposa.

Mais uma vez, vejo um eco de sua surpresa anterior.

Não acho que eu deveria entendê-lo.

Um dos soldados aparece, uma faixa vermelha ao redor do braço.

Guerra se inclina para ele e diz algo tão baixo que não consigo ouvir.

Uma vez que termina, o cavaleiro me dá um longo olhar, depois monta

seu cavalo.

Com um puxão de suas rédeas, Guerra se vira e sai do

acampamento, eu fico sozinha para descobrir a situação.


No momento em que o sol está se pondo, meus pulsos estão

amarrados nas minhas costas e sou forçada a esperar em uma fila ao

lado de outros indivíduos ligados de maneira semelhante.

Eu não sei se isso é o que Guerra imaginou para sua esposa quando

ele me deixou, mas parece certo.

Outros cativos chegam ao longo do dia. Há talvez cem de nós;

provavelmente chegamos a uma fração da população total da cidade.

E o restante dela...

Quando fecho meus olhos, os vejo. Todas aquelas pessoas que

respiravam apenas um dia atrás agora jaziam mortas na rua, comida

para os abutres. Por muito tempo a fila fica apenas ali. Um homem

enorme alguns metros à minha frente está tremendo

incontrolavelmente, provavelmente de choque. Posso ver respingos de

sangue nas costas dele.

Quem ele perdeu?

Pergunta estúpida. A resposta deve ser todo mundo. A única

diferença nos dias de hoje é quem todo mundo inclui. Uma esposa?

Pais? Crianças? Irmãos? Amigos?


Um de meus clientes me disse uma vez que havia mais de

cinquenta membros de sua extensa família. Todos morreram hoje?

O pensamento traz bílis para minha garganta.

Minha atenção vai ao redor. A maioria dos outros cativos na fila é

do sexo masculino. Visivelmente atléticos. Procuro outra mulher entre

nós. Há algumas. Muito poucas para o meu gosto. E todas são jovens e

bonitas, o melhor pelo que posso dizer. Algumas das mulheres se

apegam às crianças, isso é outro choque. Não sei o que me deixa mais

doente — que essas pequenas famílias estão agora à mercê desses

selvagens ou que deve haver incontáveis mais para trás em Jerusalém...

Fecho meus olhos.

Sempre soube que esse dia chegaria. O dia em que os Quatro

Cavaleiros terminariam o que começaram. Mas saber não me preparou

para a realidade disso. Os corpos, o sangue, a violência.

Isso é um pesadelo doentio.

— Eu me aproveitarei de você mais tarde.

Eu abro os olhos bem a tempo de ver um homem apontando sua

lâmina para mim, sua mão livre se movendo para sua virilha. É preciso

uma montanha de esforço para não reagir.


Minha mente vai para todas as mulheres bonitas na fila. O que esse

acampamento está planejando fazer com elas?

Conosco?

Um coro de gritos interrompe o pensamento. A atenção do homem

bruto é atraída para a frente da fila de onde os gritos estão vindo.

O homem me mostra um sorriso maldoso, recuando. — Eu a terei

em breve. — Ele promete.

Eu fico olhando para ele por muito tempo, memorizando suas

feições. Cara comprida, o começo de uma barba, cabelos escuros e

recuados.

Meu olhar se move sobre os outros homens que nos guardam.

Todos têm um olhar malvado, como quisessem roubar e estuprar se a

oportunidade se apresentar.

— Movam-se! Movam-se! — Grita um dos soldados.

A fila de arrasta para frente.

Mais à minha frente, outro prisioneiro se inclina e vomita. Alguns

soldados riem dele. E os gritos, aqueles gritos penetrantes e terríveis,


continuam intermitentemente, seguidos pelo barulho do

acampamento.

Eu não posso ver adiante o que está acontecendo; há muitas

pessoas e tendas no caminho, mas isso deixa meu estômago agitado.

Há uma agonia peculiar em esperar quando você sabe que algo ruim

está chegando.

Não é até que viro em uma curva na linha que tenho uma visão do

que é esse algo ruim.

À minha frente, há uma grande clareira livre de tendas e arbustos.

Em pé no meio dela está um homem segurando uma espada

ensanguentada. Um prisioneiro ajoelhado na frente dele. Eles estão

conversando, mas não consigo entender o que estão dizendo. Ao redor

deles, homens e mulheres preenchem o espaço, observando com olhos

ávidos e famintos.

Sentado em uma plataforma a uma curta distância e

supervisionando tudo está Guerra.

Meu coração se agita ao vê-lo. Esta é a primeira vez que o vejo

desde que me capturou. O homem com a espada agarra o cabelo do

cativo, arrastando minha atenção de volta para os dois. Agora posso

ouvir os gritos do cativo.


Eles parecem cair em ouvidos surdos. O homem com a espada

puxa a lâmina para trás e com um golpe limpo, decapita o cativo.

Eu viro meu rosto no ombro, respirando contra o tecido da minha

camisa para manter meu estomago controlado. Agora entendo os

gritos e a náusea.

Os prisioneiros estão sendo abatidos.

Leva trinta minutos agonizantes para eu me mover perto da frente

da fila. Nesses trinta minutos, vi vários outros cativos morrerem,

embora muitos tenham se livrado.

O homem enorme que vi antes, aquele que tremia

incontrolavelmente, está agora na frente. Alguém o agarra rudemente,

levando-o ao centro da clareira antes de empurrá-lo de joelhos. Ele não

está mais tremendo, mas você pode praticamente sentir o medo

enchendo o ar.

Pela primeira vez, ouço as palavras do carrasco sobre o barulho e

a distância.

— Morte ou fidelidade? — Pergunta ele ao homem ajoelhado.

E de repente eu entendo. Estamos recebendo a opção de nos unir a

este exército... ou morrer.


Meus olhos se movem por todas as pessoas ao redor. Eles devem

ter escolhido lealdade. Mesmo que possam ter visto o cavaleiro matar

seus entes queridos e incendiar suas cidades.

É horrível.

Eu não me tornarei a mesma coisa contra a qual lutei.

Na minha frente, não ouço a resposta do homem ajoelhado, mas

depois o carrasco o agarra pelo cabelo.

Isso é resposta suficiente.

O cativo dá uma olhada na espada. — Não, não, não...

Com a varredura da lâmina, o carrasco corta seus gritos.

A saliva entra na minha boca e forço minha náusea.

Isso é o que acontecerá comigo se não concordar com os termos

deste acampamento. É quase o suficiente para me fazer mudar de ideia.

Fecho meus olhos.

Seja corajosa. Seja corajosa. Provavelmente não deveria usar a

Regra Cinco do Guia de Miriam Elmahdy para Ficar Vivo para

convencer-me de que a morte é a melhor opção. O ponto principal das

minhas regras era ficar viva, porra.


O punhado de prisioneiros que seguem, todos escolhem

fidelidade. Eles são puxados da arena e engolidos pela multidão.

Alguém me empurra para frente e agora é a minha vez de encarar o

julgamento.

Um soldado quase me arrasta para o centro da clareira, onde o

carrasco espera. Poças de sangue sujam a área e o líquido respinga sob

minhas botas enquanto ando até o homem com a lâmina. Ali, o ar

cheira a carne e excremento.

A morte é confusa. Você esquece isso até cortar um homem.

Os olhos do acampamento agora estão todos em mim. Eles

parecem fascinados, como se fosse algum tipo de show macabro.

Mas todos seus rostos desaparecem quando olho para Guerra.

Assim que o cavaleiro me vê, se senta para frente em seu assento.

Seu rosto é plácido, mas seus olhos escuros são intensos.

Tudo o que você precisa fazer é jurar fidelidade aos outros. Então nós

falaremos novamente, esposa.

Uma de suas mãos aperta o braço; a outra descansa sob o queixo,

aqueles estranhos grifos brilhando em seus dedos.


Agora que ele não está no campo de batalha, Guerra removeu sua

armadura e camisa, deixando-o nu. Nenhuma ferida machuca a pele,

mesmo sabendo que pelo menos uma das minhas flechas atingiu seu

ombro. Há, no entanto, mais desses estranhos grifos brilhantes em seu

peito, duas linhas vermelhas deles arqueando-se de seus ombros até

seus peitorais antes de voltar para suas costelas. As marcas parecem

tão perigosas quanto o restante dele.

Ele não carrega mais sua espada gigante. Na verdade, a única arma

é um punhal preso ao braço.

O executor se move na minha frente, forçando-me a afastar meu

olhar de Guerra. A lâmina do homem está tão perto que poderia

alcançá-la e tocá-la, o aço densamente revestido de sangue.

Atrás de mim, um soldado me empurra de joelhos. O sangue

espirra quando meus joelhos atingem a terra encharcada. Eu me

encolho com a sensação de calor do líquido.

Fecho meus olhos e engulo.

— Morte ou fidelidade. — Exige o carrasco.

Deve ser uma resposta fácil, mas não posso me forçar a dizer as

palavras.
Apesar de tudo, não quero morrer. Realmente não quero morrer e

não quero sentir aquela lâmina.

Agora mesmo, qualquer coisa, até mesmo o pensamento de trair

meus próprios irmãos, é mais tentador. Abro os olhos e olho para o

carrasco. O homem tem olhos mortos. Muito matando e não vivendo o

suficiente. Isso é o que acontecerá comigo se escolher viver.

Inadvertidamente meu olhar se move para o cavaleiro sentado em

seu trono.

O cavaleiro, que me pegou e me poupou. Que me chamou de

esposa? Ele me observa agora com olhos cativados. Eu sei qual resposta

ele quer de mim e parece quase certo de que a darei.

Quanto mais olho para ele, mais nervosa me sinto. Um arrepio

percorre minha pele. Há todo um mundo inexplorado em seus olhos,

um que me promete coisas negras e proibidas.

Eu afasto o olhar para longe dele e meus pensamentos errantes,

minha atenção voltando para a espada sangrenta na minha frente.

Morte ou fidelidade?

Seja corajosa, seja corajosa, seja corajosa.


Olho para o carrasco e falo a única palavra que não pude

momentos antes.

— Morte.
O carrasco força a minha cabeça para baixo, de modo que a parte

de trás do meu pescoço esteja descoberta para ele. Eu não o vejo

levantar a espada, mas sinto o calor do sangue dela.

Eu mordo meu lábio com a sensação. Não foi assim que imaginei

minha vida acabando...

— Não. — A voz de Guerra enche o acampamento. O som é como

a respiração de um amante contra a minha pele. É sinistro, profundo

— muito, muito profundo — e o peso parece ecoar pela clareira. Talvez

seja simplesmente o silêncio.

Todo soldado barulhento e de olhos pequenos fica quieto. Olho

para cima. A multidão parece recuar e o medo é uma coisa física.

Meus olhos se movem para Guerra, onde ele se reclina em seu

trono. Seu olhar se fixa ao meu e de repente, é como se estivéssemos de

volta em solo sagrado e ele está me declarando sua esposa novamente.

Os olhos de Guerra não são nada parecidos com os do carrasco. São

muito, muito vivos. Queimam brilhantes. No entanto, por toda a vida


que os preenche, não posso dizer o que o homem por trás deles está

pensando. E se fosse humano, quando o desafiasse, esperaria raiva,

mas não tenho certeza se é isso que ele sente.

Guerra levanta a mão e me chama para frente.

Um soldado agarra-me pelo braço e leva-me ao cavaleiro, parando-

me apenas a alguns metros de seu tablado.

Com um aceno para Guerra, o soldado recua.

O olhar do cavaleiro gira sobre mim e não pela primeira vez,

percebo como ele é antinaturalmente bonito. É uma beleza viciosa, que

apenas homens perigosos têm.

Seu lábio superior se curva um pouco e isso me faz pensar que ele

está enojado com a visão. O sentimento é mútuo.

E de repente, ele se levanta. Eu engulo delicadamente enquanto

estico meu pescoço para olhá-lo.

Ele não é humano.

Não há dúvidas sobre isso agora. Seus ombros são largos demais,

seus músculos são muito grossos; seus membros são longos demais,

seu torso é muito volumoso. Suas feições também... complicadas.


Ele puxa o punhal fino do coldre que envolve seu bíceps. Ao vê-lo,

uma onda de adrenalina me percorre, o que é ridículo, considerando

que pedi a morte minutos atrás.

— San suni ötümdön satnap tulgun, virot ezır unı itdep? Sanin

ıravım tılgun san mugu uyuk muzutnaga tunnip, mun uç tuçun

vulgilüü. — Diz ele, circulando-me.

Eu a poupei da morte e agora você a procura? Como minha esposa pode

me insultar assim? Eu que nunca fui conhecido por minha misericórdia.

Cada palavra é gravemente ressonante.

Sob seu escrutínio, minha garganta se move — Eu não manterei a

minha vida apenas para que você possa me fazer matar os outros. —

Eu digo, minha voz rouca de medo.

Nas minhas costas, sinto o cavaleiro parar. Ele está mais uma vez

surpreso que possa entendê-lo?

Antes que possa me virar, ele pega uma das minhas mãos. É apenas

agora, quando ele está me tocando, suas mãos calejadas engolindo as

minhas, que percebo que estou tremendo.

Eu respiro fundo antes de controlar minha ansiedade crescente.


Guerra se aproxima, sua boca roçando minha orelha. — San suni

sunen teken dup esne dup uynıkut?

Você acha que o Sakdun não é bom? É isso que pensa que quero de você?

Fazê-la um soldado?

Ele ri contra o meu cabelo, o som fazendo minha pele picar. Eu

coro, nervosa com suas palavras.

Sinto o metal frio da lâmina de Guerra quando ele a insere entre as

mãos amarradas nas minhas costas. Há uma breve pressão enquanto

sua adaga pressiona contra minhas amarras. Um segundo depois, ouço

um rasgo quando, em um golpe limpo, Guerra corta o fio e libera meus

pulsos.

Meus braços ardem quando o sangue flui de volta para eles.

— Eu sei o que você quer de mim. — Eu digo baixinho, começando

a esfregar meus pulsos.

— Uger uzır vurvı? San vakdum tunduy uçıt-uytın.

Você sabe? Quão transparente me tornei.

Guerra volta para minha frente. Ele ainda está fazendo uma careta

para mim, como se eu tivesse ofendido suas delicadas sensibilidades.


— A hafa neu a nuhue inu io upuho eu ha ia um fu nuhueu a fu

Ihe. — Diz ele. Seu tom e a linguagem parecem mudar e suavizar.

Há muitas coisas que posso dar que a morte não pode.

— Eu não quero suas coisas. — Respondo.

O canto da boca de Guerra se ergue. Eu não posso dizer se o sorriso

dele é zombeteiro ou divertido. — Ua fu ua nuou peu e fuhio.

E ainda assim as terá.

Ele me olha. — Huununu ia lupu, upu. Eu fu ua fu ipe huy.

Limpe-se, esposa. Você não morrerá hoje.

Ele joga sua adaga aos meus pés, a lâmina fina afundando na terra,

então se afasta.

Depois que Guerra sai, ninguém parece saber o que fazer.

Eu reajo primeiro. Ajoelhando-me, pego o punho da arma

descartada de Guerra e tiro-a da terra. No braço do cavaleiro, parecia

mais um grampo do que um punhal, mas na minha mão, é pesada e

grande. Muito grande.

Girando, aponto a lâmina para qualquer um e para todos. Alguém

ri.
Hora de dar o fora daqui.

Agarrando a lâmina, saio da clareira, acotovelando-me pela

multidão. Espero que alguém me ataque, mas nunca chega. Apenas

consigo andar a uma curta distância antes que uma mulher agarra meu

braço.

— Por aqui. — Ela diz, começando a me direcionar pelo labirinto

do acampamento.

Eu olho para ela. — O que você está fazendo?

— Levando você para suas novas acomodações. — Diz ela, sem

perder o ritmo. — Eu sou Tamar.

Tamar é uma coisa pequena, com cabelos grisalhos, pele bronzeada

e olhos verde-oliva.

— Eu não estou pensando em ficar.

Ela suspira. — Sabe, a maioria das pessoas que saúdo aqui dizem

isso para mim. Estou cansada de ter que lhe contar toda a verdade

brutal.

— E qual é? — Pergunto enquanto ela nos leva pelas filas de

tendas.
— Todo mundo que sai morre.

Tamar me leva a uma tenda manchada de poeira que parece

idêntica às dezenas de tendas erguidas em ambos os lados dela.

— Aqui estamos. — Diz ela, olhando. — Sua nova... espere. — Ela

chama outra mulher quatro tendas para baixo. — Esta é uma das que

estamos dando, certo?

A outra mulher acena com a cabeça.

Tamar se vira para mim. — Aqui é onde você ficará a partir de

agora.

— Eu já disse, não ficarei.

— Oh, querida. — Diz ela, encolhendo minhas palavras. — Você

teve um dia angustiante. Amanhã será melhor.

Eu engulo uma resposta. Não preciso convencê-la das minhas

intenções.

Ela puxa as abas da tenda para trás e gesticula para eu olhar para

dentro. Relutantemente, o faço.

É um espaço pequeno, dificilmente grande o suficiente para um

colchonete amarrotada que se estende por toda a extensão. Em um


canto, há um livro de orelhas e um jogo de café turco. Em outro canto

repousa um pente e algumas bijuterias.

É claramente a casa de outra pessoa.

— O que aconteceu com a última pessoa que ficou aqui? — Eu

pergunto.

Tamar encolhe os ombros. — Ela saiu em seu cavalo esta manhã...

mas nunca voltou.

— Ela nunca voltou. — Repito.

Meus olhos percorrem os móveis novamente. Quem quer que essa

mulher fosse, nunca mais pegaria aquele livro. Nunca dormiria nesta

cama, usaria estas joias ou beberia dessas xícaras.

— Não pertencia tudo a ela. — Diz Tamar, olhando para os itens

ao meu lado. — Alguns pertenceram a outros que passaram antes dela.

E se essa explicação foi para me dar algum conforto, perdeu a sua

marca. Então herdei as posses dos mortos. E quando eu morrer, alguém

herdará os poucos itens meus.

Isto é, claro, supondo que ficarei. O que não farei.

Todo mundo que sai morre.


Engulo em seco. A coisa é que realmente não quero morrer. E ainda

estou decidida a descobrir como deixar este lugar, mas já posso dizer

que isso não acontecerá ainda.

Meus olhos percorrem o escasso mobiliário. Então acho que está é

minha casa por agora.

Tamar se vira para mim. — O que você pode fazer? — Ela

pergunta.

Minhas sobrancelhas franzem antes que ela acrescente. — Você

pode lutar, cozinhar, costurar...?

— Eu faço arcos e flechas para ganhar a vida ou eu costumava fazer

de qualquer maneira.

— Maravilhoso. — Ela diz, como se eu tivesse dado a resposta que

estava procurando. — Sempre precisamos de demais artesãos. Muito

bem, direi à equipe administrativa para manter isso em mente quando

lhe atribuírem seus deveres.

— Meus deveres? — Eu pergunto, levantando as sobrancelhas.

Nossa conversa é interrompida por várias mulheres que vêm

carregando uma bacia cheia de água.


— Ah. — Tamar diz, tempo perfeito. — Entrem e coloquem dentro

da tenda. — Diz ela para as mulheres, que então colocam uma bacia

em minha nova casa.

Para mim, ela diz: — Aproveite o banho. Estaremos de volta em

quinze minutos com roupas e comida.

Antes que eu possa dizer qualquer outra coisa, Tamar e o resto das

mulheres saem, provavelmente para situar outros recém-chegados. Eu

volto para a tenda. Depois de um momento, respiro fundo e entro.

Mordo o lábio enquanto olho para a água do banho. É marrom

avermelhada e escura. Junto a ela, uma das mulheres deixou uma barra

molhada de sabão e uma toalha.

Atrevo-me a entrar?

Quase não sei. Não é que isso seja algo estranho. Temos que

bombear a maioria da nossa água hoje em dia, então estou acostumada

a estes banhos e a compartilhar a água. Normalmente não é tão

imundo.

Ainda assim, posso sentir o sangue secando no meu jeans,

fundindo o tecido com as minhas pernas e isso, no final, é o suficiente

para me levar ao banho, água escura e tudo.


Eu me lavo rapidamente e seco. Quando termino, vou trabalhar

nas minhas roupas, usando a água do banho para lavar o sangue delas.

Você nunca pode tirar completamente manchas de sangue...

No meio da tarefa, uma das abas da tenda é puxada para trás,

Tamar e as outras mulheres se amontoam, trazendo consigo vários

itens — mais notavelmente um prato de comida.

Meu estômago ruge ao ver isso. Eu não comi a maior parte do dia.

Até agora, estava muito agitada para sentir fome, mas agora que tive

tempo para descansar, minha fome invadiu.

Tamar olha para mim, enrolada na toalha que me deixaram. Ela

segura os itens no braço. — Suas roupas e sapatos. — Diz ela,

entregando-me roupas transparentes e um par de sandálias.

A roupa é um conjunto de duas peças, tudo o que posso dizer sobre

o top e saia é que ambos são frágeis, o tecido preto e dourado

transparente na maioria dos lugares.

Eu aperto mais um pouco a toalha. Quero muito roupas limpas,

mas também não estou muito ansiosa para andar ao redor do

acampamento com essa roupa fina.


— Hum. — Como não ser um idiota sobre isso? — Você tem algo

mais substancial para usar?

Tamar franze a testa para mim, sentindo-se claramente desprezada

por ajudar. — O cavaleiro gosta que suas mulheres se vistam assim. —

Diz ela.

O cavaleiro?

Suas mulheres?

Porra.

— Eu não sou sua mulher. — Eu digo defensivamente.

Você é minha esposa.

Esta é a primeira vez que Tamar fala sobre o cavaleiro. Eu deixei

de lado o fato de que ela acabou de confirmar que Guerra é na verdade

guerra e se concentrar no fato de que Tamar tem me preparado para o

cavaleiro.

— Melhor a mulher do que outra pessoa. — Diz uma das outras

garotas. Algumas das outras mulheres murmuram sua concordância.

Eu me aproveitarei de você mais tarde, esse soldado me disse há

apenas algumas horas.


Seguro um arrepio.

É assim que esse lugar funciona?

Relutantemente, pego as sedas de Tamar, o tecido parece deslizar

pelos meus dedos. Eu os coloco?

Minha única outra opção é voltar para a roupa molhada e sapatos.

Olho os itens novamente.

Eu não sou mais mulher de Guerra do que de qualquer outra

pessoa e usar esses itens não muda isso. Mas o interesse do cavaleiro

em mim é outro assunto.

Há coisas que ele quer de mim, coisas que não têm nada a ver com

minhas habilidades de luta e tudo a ver com o fato de que me chama

de esposa.

Meu aperto se intensifica nas sedas.

Há coisas que também quero. Respostas, informações, uma solução

para esse monstruoso apocalipse. Quem sabe, talvez esta noite eu

consiga alguns deles.

Apenas preciso vestir a maldita roupa.


Tambores de batalha enchem o ar da noite. E do lado de fora da

minha tenda, as tochas brilham, a fumaça se curva no céu escuro.

Eu giro meu bracelete de hamsa ao redor do pulso enquanto sigo

as mulheres de volta para a clareira, minha saia escura farfalhando

sobre minhas pernas.

No tempo desde a minha quase morte, o lugar foi transformado.

Eu posso sentir o cheiro de carne e há canecas de algum tipo de álcool

já colocadas. A visão de todo aquele licor é um tanto chocante. A

maioria das pessoas na Nova Palestina não bebe.

Ao meu redor, as pessoas estão conversando, rindo e curtindo a

companhia um do outro. É estranho pensar que hoje cedo, estavam

invadindo e massacrando uma cidade. Não há sinal de toda essa

depravação agora.

Meus olhos se movem de pessoa para pessoa, tentando ler seus

pecados em seus olhos — até eu ver Guerra.


Ele está sentado em seu estrado, assim como anteriormente. Ele me

observa, a fumaça e a luz do fogo deixando suas feições brutais

hipnotizantes. Eu não sei quanto tempo ele olha. Aqueles olhos

parecem o toque de uma mão contra a minha pele; é difícil ignorar a

sensação.

Alguma parte minha reage à visão dele. Meu estômago aperta

quando o medo torce meu intestino. Abaixo disso, há outra sensação...

uma em que não posso colocar o dedo, apenas que me faz sentir

vagamente envergonhada.

Uma das mulheres ao meu lado pega minha mão. Fatimah é o

nome dela. — Ele não pode morrer. — Ela me diz conspiratoriamente,

inclinando-se para perto.

Eu olho para ela. — O que?

— Eu mesma vi duas cidades atrás. — Diz ela, com os olhos

brilhantes enquanto reconta a história. — Um homem ficou furioso

com alguma coisa — quem sabe o que? Ele puxou sua espada e se

aproximou do cavaleiro.

— Guerra deixou o homem conduzir sua lâmina diretamente

através de seu torso — bem entre essas tatuagens. E então ele riu.
Um calafrio involuntário desliza pela minha espinha.

— O cavaleiro puxou a arma de si mesmo, então quebrou o pescoço

do homem como se fosse cinza. Foi horrível. — Fatimah não parece tão

angustiada com a história. Parece ansiosa.

Eu olho para Guerra novamente, que ainda está me observando.

— Ele não morre? — Que tipo de criatura é imortal?

Fatimah se inclina e dá um aperto na minha mão. — Basta fazer o

que ele quiser e você será bem tratada.

Sim, isso não acontecerá

— E as outras? — Eu pergunto a ela. Alguém vai até o cavaleiro

com um prato de comida, afastando sua atenção de mim.

A testa de Fatimah se franze. — Que outras?

— Suas outras esposas. — Deve haver outras.

— Esposas? — A testa de Fatimah se enruga. — Guerra não se casa

com as mulheres com quem está. — Agora ela me lança um olhar

estranho. — Como ele a encontrou? — Ela pergunta. — Ouvi dizer que

ele saiu direto da batalha com você em seu cavalo.


Escolho minhas palavras quando a atenção de Guerra retorna para

mim. Pela segunda vez hoje, ele gesticula, as marcas escarlates nas

juntas dos dedos brilhando ameaçadoramente na escuridão crescente.

Acho que alguém se cansou de esperar.

Por um momento, fico enraizada no lugar. Meu lado teimoso entra

em ação e estou tendo fantasias sombrias sobre o que o cavaleiro faria

se simplesmente ignorasse seu comando.

Mas então Fatimah percebe e me leva para frente, começo a andar,

sentindo o peso dos olhares da multidão. Eu me movo através da

multidão, parando apenas uma vez que estou a uma curta distância do

cavaleiro.

Ele se levanta do assento e uma onda atravessa a multidão. Os

tambores continuam batendo, mas parece que temos toda a atenção do

acampamento.

Guerra avança um, dois, três passos, deixando seu trono

improvisado e diminuindo a distância entre nós até fica bem na minha

frente.

Ele observa minhas feições por vários segundos e seu olhar é tão

intenso que quero desviar o olhar.


A luz das tochas queima profundamente em seus olhos. Excitação

e interesse.

Ele não diz nada por tanto tempo que finalmente rompo o silêncio

entre nós. — O que você quer?

— Meokange vago odi degusove.

Eu pensei que você já soubesse.

Ele joga minhas palavras anteriores de volta para mim.

E sim, ainda acho que sim.

Os olhos de Guerra observam meu rosto. Ele tem a mesma

expressão estranha de quando estávamos em Jerusalém.

Depois de alguns segundos, ele estende a mão e passa um nó na

minha bochecha, como se não conseguisse se conter.

Eu afasto a mão dele. — Você não pode me tocar. — Eu digo

baixinho.

Seus olhos se estreitam.

— Sonu moamsi, mamsomeo, monuinme zio vavabege odi?

Então diga-me, esposa, quando poderei tocá-la?


— Você não poderá.

Ele sorri para mim, como se eu fosse charmosa, antiquada e

extremamente ridícula da maneira mais cativante.

— Gocheune dekasuru desvu.

Veremos.

Afasto-me do cavaleiro então. Ele me observa avidamente, mas

não tenta me chamar de volta. Em algum momento, me viro, minha

saia fina desliza pelos meus tornozelos e me afasto entre a multidão.

Estou quase desapontada. Depois de toda aquela fanfarra que as

mulheres fizeram para me apresentar ao cavaleiro, pensei o poderoso

Guerra faria mais do que murmurar algumas palavras e me olhar.

Mas é esse olhar que ainda posso sentir nas minhas costas como

uma marca. Olho por cima do ombro e encontro aqueles olhos

inquisitivos e violentos. O canto de sua boca se curva em um sorriso

desafiante.

É tudo o que preciso para fazer a única coisa que mais odeio: fugir.

Sento-me como uma tola na escuridão da minha tenda por várias

horas. Mesmo ali, posso ouvir a festa e sentir o cheiro da comida.


Deveria sair e pegar alguma coisa para comer, exceto que teria que

mostrar meu rosto. Já é ruim o suficiente ter fugido, mas pelo menos

foi algum tipo de saída. Para mostrar que nada aconteceu...

Posso ver como um desafio a Guerra. Ele gostaria disso. Pensaria

ser outra abertura. E é realmente o que me impede.

O mundo pode estar chegando a um fim sangrento, mas porra, se

não pularei uma refeição apenas para salvar a cara. Então ignoro o

cheiro de carne e depois de acender a pequena lamparina a óleo que

Tamar me deu, leio o romance de fantasia deixado na minha tenda e

debato como seria uma ideia horrível queimar o acampamento.

Entre toda a conversa distante, ouço passos se aproximando.

Instintivamente, sinto meus músculos tensos.

Depois de tudo o que Guerra disse, espero ser levada para sua

tenda, por isso não me surpreendo quando as abas da minha própria

tenda sussurram e Tamar entra na minha residência emprestada.

— Eu não irei. — Digo.

— Irá para onde? — Ela pergunta.

Franzo a testa. — Você não está me levando para sua tenda?


— Guerra? — Ela pergunta, levantando as sobrancelhas. — Há

muitas mulheres dispostas que o cavaleiro pode escolher se quiser

desfrutar de um corpo quente esta noite. Ele não precisa que seja você.

Outras mulheres? Imagino aquelas mãos pesadas e fortes tocando

outro corpo e faço uma careta.

— Não é por isso que estou aqui. — Diz Tamar, mudando de

assunto.

Ela se senta ao meu lado. — Ouvi vocês dois conversando mais

cedo. — Diz ela, suas palavras baixas. Ela se inclina para perto. —

Como você conhece a linguagem do cavaleiro? — Pergunta, sua voz

abafada.

Balanço a cabeça.

Estou prestes a negar quando ela diz: — Todos a ouvimos se

comunicar com ele. — Ela insiste.

Eu não percebi que alguém estava ouvindo a conversa tão de perto.

Olho para Tamar. — Eu não sei o que ouviu. — Respondo. — Nem

porque ele falou comigo. Sinto muito, mas é o melhor que eu tenho.

Não entendo nada disso.


Tamar olha em meu rosto. Ela balança a cabeça e estende a mão

para apertar a minha. — Guerra passa por mulheres. — Ela diz isso

como se fosse algum tipo de confissão e me sinto um pouco doente.

Realmente não quero saber sobre os relacionamentos pessoais de

Guerra.

— E se quiser se livrar logo dele. — Continua ela. — Basta ceder

por uma noite ou duas.

O que há com as mulheres aqui me dando conselhos sexuais não

solicitados?

— Isso a manterá protegida. — Acrescenta ela.

A última vez que verifiquei, uma lâmina me protegeu muito bem.

— E se não ceder? — Pergunto.

Há uma longa pausa, então Tamar agarra meu queixo. — Este é

um lugar perigoso para uma mulher, particularmente uma bonita. —

Seus olhos vão para onde a lâmina de Guerra descansa ao lado da

minha lâmpada a óleo. — Mantenha essa faca perto. Provavelmente

precisará dela.
Aceito o último conselho de Tamar — durmo com a adaga de

Guerra sob minha cabeça.

É uma coisa boa fazê-lo.

— Acorde, Miriam. — Uma voz profunda me arrasta do sono.

Meus olhos se abrem. Sentado ao lado do meu catre, com os braços

sobre os joelhos, está Guerra. Minha mão vai para a faca e me sento,

levantando-a.

Os olhos de Guerra brilham, observando a lâmina.

— Aproveitando minha adaga? — Ele pergunta.

Ouço bem suas palavras. Ele está falando hebraico fluente.

— Você pode se comunicar. — Afirmo. E sabe meu nome, eu

percebo.

Ele resmunga.
— Quer dizer, eu entendo você. — Estou acostumada a ouvi-lo

falar em línguas, o seu significado sobrepondo as palavras. É irritante

ouvi-lo falar a mesma língua que eu.

O que significa que esse tempo todo ele foi capaz de me entender.

Eu mantenho minha lâmina apontada para ele. — Por que você fala

em línguas? — Pergunto.

Pergunta errada, Miriam. A pergunta correta é: que porra você está

fazendo na minha tenda?

O cavaleiro se levanta e se aproxima. Em resposta, levanto minha

arma.

Ele ignora completamente a ameaça. Guerra se senta na beirada do

colchão, mesmo quando a ponta da minha lâmina pressiona sua

garganta.

Os olhos negros dele vão para a lâmina e o canto da boca se curva.

Ele parece sombriamente divertido.

Obviamente, não faz sentido ameaçá-lo. E se alguma coisa, tenho a

impressão de que ele acha a coisa toda cativante.


— Como posso entendê-lo quando está falando em línguas? — Eu

pergunto.

— Você é minha esposa. — Ele responde suavemente. — Entende

minha natureza e meus dons.

Existe um problema com isso. — Eu não sou sua esposa.

Guerra sorri, sua expressão zombando novamente. — Você

gostaria que eu provasse minha afirmação? Ficaria mais do que feliz.

— Suas palavras são cheias de tons sexuais.

Eu reajo e aperto o punhal. — Saia da minha tenda.

Guerra me observa, seus olhos brilhando na escuridão. — Está

tenda é realmente sua? — Pergunta ele.

Não. Não muda o fato de que quero que ele saia.

— Saia desta tenda. — Corrijo.

— Ou então? — Ele levanta uma sobrancelha.

Isso não é óbvio o suficiente?

Pressiono a ponta de sua adaga um pouco mais em sua carne. Uma

linha escura de sangue escorre pela garganta dele.


Guerra se inclina para frente. — Bravo, pequena guerreira, me

ameaçando em meu próprio acampamento. — Seus olhos observam

meu rosto.

— Como você me encontrou? — Pergunto. Há milhares de

residências neste lugar.

— Pensei que me quisesse em sua tenda. — Diz ele. Eu sinto sua

diversão.

— Então você está aqui.

— Não posso responder a sua pergunta se você cortar minha

garganta. — Ele olha incisivamente para o punhal.

Eu hesito. Acordar com qualquer homem na minha tenda é o que

consideraria uma ameaça aberta. No entanto, preciso admitir que se

Guerra quisesse me prejudicar de alguma forma, provavelmente já

teria feito isso até agora e nada seria capaz de detê-lo.

Finalmente, abaixo o punhal.

Ele toca o sangue em sua garganta e juro que vejo um sorriso no

rosto dele. — Este é meu acampamento. Não há segredos aqui.


Olho para ele mais um pouco, meu aperto na adaga mais forte. —

Ouvi que você não pode morrer. — Eu digo.

— Por isso que ainda não tentou me matar? — Esse tom de

zombaria está de volta em sua voz.

Sim.

Meu silêncio é resposta suficiente.

— Você pode? — P.

— Morrer? — Guerra esclarece. — Claro que sim.

Merda. Apenas quando abaixei minha lâmina.

— Apenas tenho uma tendência a não ficar morto.

Eu o olho. — O que isso significa?

Ele pega uma lamparina a óleo que não notei e fica de pé. — Você

entenderá, logo — juntamente o todo o resto, aššatu. — Esposa. — Tudo

o que você precisa fazer é se render.

Lançando-me um olhar final enigmático, Guerra apaga a lâmpada

e depois desaparece como um fantasma durante a noite.


Mesmo que minha cidade tenha desaparecido e fui capturada,

espera-se que continue com minha vida. Isso é claro o suficiente na

manhã seguinte, quando acordo ao som da tagarelice geral fora da

minha tenda.

Acho que não deveria ficar tão surpresa. A mesma coisa era

esperada de mim no dia seguinte à chegada dos cavaleiros. Até agora

sou uma veterana nisso.

Visto minhas roupas manchadas. Ainda estão úmidas, mas Deus,

é muito mais prático do que a roupa que me foi dada. Calçando as

botas, eu saio.

As pessoas ficam ao redor de suas tendas, conversando, rindo,

bebendo chá ou café. Esta seção do acampamento é preenchida

principalmente por mulheres e crianças, fico chocada ao ver que várias

delas têm suas cabeças cobertas. Eu assumi que a Guerra nos faríamos

abandonar nossa religião, mas aparentemente não.

O ar ainda está cheio do cheiro de carne e por um momento, tudo

em que consigo pensar são nos cadáveres que cobriram o chão quando

entrei em Jerusalém no dia anterior. Cheirava a carne também.

Eu sigo o cheiro de volta para clareira. Este lugar aterrorizante

parece ser onde o café da manhã é servido. Meus olhos se movem sobre
as ovelhas sendo viradas em um espeto, as bandejas de frutas e nozes

e pão que estão espalhados diante de mim.

Caminho até a fila para o café da manhã e tento não pensar de onde

veio toda essa comida. Exércitos precisam ser alimentados e um tão

grande quanto este... bem, invadir cidades seria a menor das

atrocidades que cometeram.

No momento em que estou na frente da fila, vejo um rosto familiar.

O homem do dia anterior, aquele que pegou sua virilha e apontou a

lâmina para mim, está do outro lado da clareira, usando um keffiyeh e

fumando um cigarro enrolado à mão. Ele passa os dedos pela barba

curta enquanto conversa com os homens ao seu redor. Mas seus olhos

estão em mim e não importa quanto tempo eu olhe, ele não desviar o

olhar.

O peso da adaga ao meu lado é um pouco de conforto.

Rompo o contato visual primeiro, pegando minha comida e

deixando a clareira.

Eu vou para a beirada do acampamento, encontrando um lugar

relativamente calmo para sentar e comer. Enquanto faço isso, meus

olhos vagueiam pelas montanhas que nos cercam.


Seria tão fácil escapar sem ser notada.

Eu paro, meio que mastigo, olhando disfarçadamente pelos

arredores do acampamento para qualquer guarda patrulhando. Não

vejo nenhum.

Deixando meu prato de lado, me levanto. Preciso lutar contra o

desejo de olhar ao meu redor e verificar se alguém notou meu

comportamento. Essa é a maneira mais rápida de alertar as pessoas de

que você não está fazendo nada de bom.

Casualmente, começo a me afastar do acampamento, prendendo a

respiração enquanto faço isso. Os segundos passam e o zumbido geral

da vida no acampamento continua gradualmente desaparecendo.

Estou realmente fazendo isso.

Foi apenas quando passei por meia dúzia de árvores que exalo meu

alívio.

Consegui.

Isso foi mais fácil do que eu pensei

— Com pena de morte, pare!

Merda.
Eu paro, há uma flecha apontada para minhas costas.

Com certeza, quando me viro, um homem está caminhando para

mim, uma flecha apontada para meu peito.

— Todos os desertores enfrentam o carrasco. — Ele me informa.

Estive em uma posição assim mais vezes do que gostaria de

admitir. Com a Irmandade Muçulmana, com a guarda palestina, com

outros invasores que me pegaram desprevenida. A chave para sair

dessas situações relativamente incólume era ter uma história

convincente e seguir a Regra Dois — manter a verdade.

— Eu faço armas. — Digo rapidamente. — Tamar mencionou que

o campo poderia usar um armador.

O soldado olha para mim. — Que porra isso tem a ver com alguma

coisa?

— Eu uso a madeira das árvores nesta área para fazer arcos e

flechas. — Digo devagar, como se toda essa situação fosse óbvia.

— Você espera que eu acredite que está aqui, coletando madeiras

para armas?
Para ser justa, ele tem razão. Eu não tenho bolsa para coletar galhos

e minha adaga no coldre dificilmente é útil para cortar madeira. Pareço

uma fugitiva, não uma trabalhadora.

— Guerra me pediu armas. — A mentira sai rapidamente.

Lamento de imediato.

Tanto para manter a verdade — apenas joguei essa regra pela

janela.

O soldado me observa de cima abaixo, provavelmente pesando os

prós e contras de acreditar em mim.

Finalmente, ele chega a algum tipo de decisão. — Eu não me

importo com quem usa suas atividades, se quiser viver, é melhor voltar

para o acampamento. Agora.

Dando as árvores ao meu redor um olhar final, me afasto de volta

para o acampamento, uma flecha apontada para mim por todo o

caminho até lá.

Tanto para fugir.

Há uma ordem para esse labirinto de acampamento. Leva-me o

resto do dia para descobrir isto, mas eventualmente o faço.


O layout é dividido em quatro quadrantes. Eu fico entre as

mulheres e crianças em uma delas. Outro é isolado para os homens e

mulheres que escolhem viver juntos. E de longe, o maior quadrante é

o dedicado aos homens.

Então, claro, há área de Guerra.

Todos esses quadrantes do campo tocam a clareira, que parece ser

o coração deste lugar. E é um coração enegrecido.

Durante todo o dia, um tambor toca intermitentemente, descubro

que estes ruídos precedem as execuções. Alguns são por pequenos

furtos, alguns são por desertores capturados, um homem foi

condenado à morte por mijar na bebida de um camarada.

Aparentemente, essa piada não foi tão bem. E depois há algumas

execuções que não têm causa declarada. Acho que isso realmente não

importa no final; Guerra quer nossa morte, ele apenas manterá o

suficiente de nós vivos para ajudá-lo a alcançar esse objetivo.

Você pensaria que a enorme quantidade de execuções traria uma

atmosfera sombria — e talvez isso afete as pessoas em um nível mais

privado — mas em todos os lugares que olho, homens e mulheres estão

se movendo, conversando e carregando roupas ou tecendo paletes para

dormir. Cestas e assim por diante.


Todo mundo parece ter tarefas para concluir. Eu não consigo

descobrir se receberam essas tarefas ou se simplesmente se ofereceram

para ajudar, mas há pessoas para cozinhar, limpar, vigiar, cuidar dos

cavalos, desenterrar latrinas e uma centena de outras tarefas que são

necessárias para manter esse campo funcionando como uma máquina

bem lubrificada — não que as máquinas funcionem sem problemas,

lubrificadas ou não. Mas de qualquer forma. Meu ponto ainda

permanece.

Eu entendo tudo.

Parece tão irremediavelmente normal. Eu não sei como Guerra faz

isso. Como ele consegue fazer as pessoas trabalharem juntas depois de

perderem tudo nas mãos de seu exército.

Mas nem tudo é normal. Afinal, não há indicação de que a religião

exista aqui. Concedido, apenas estou no acampamento por um dia,

então talvez preciso ser paciente. No entanto, até agora não houve

pedidos de oração e nenhum sermão público. Eu não vi nada que

indique que estas pessoas acreditem em um deus. Os únicos sinais da

religião que vejo, são os poucos artigos religiosos que as pessoas usam

em si mesmas. Fora isso, é como se Deus não existisse.

O que é muito irônico, considerando nossas circunstâncias.


Por fim, volto para minha tenda. Ninguém me visita ou me dá

quaisquer deveres para realizar pelo acampamento, apenas só saio

quando a comida ou a natureza chama.

O som ensurdecedor de batidas de cascos acaba me levando de

volta para fora. Até então o sol está afundando no céu, o calor do dia

gradualmente esfriando. Ao meu redor, outras mulheres deixam suas

tendas, olhando para o som.

— Eles estão chegando. — Ouço uma delas murmurar.

Ao meu redor, a maioria das pessoas se dirige para a clareira. A

curiosidade me puxa junto com eles. Mal chego quando dezenas de

homens montados atravessaram o acampamento, levantando poeira e

cortando os arbustos em seu caminho. Cavalgando na frente está

Guerra. Ele e o restante dos cavaleiros estão encharcados de sangue.

E de volta de outra invasão.

Eu não percebi que havia mais pessoas para matar; o exército

parecia ter feito um bom trabalho no dia anterior. Fazia sentido

embora. Jerusalém é grande e depois há as comunidades satélites

próximas. Acho que até mesmo uma força sobrenatural como o

cavaleiro precisa de mais de um dia para acabar com todos nós.


Os tambores de guerra recomeçam, a batida deles fervendo o

sangue em minhas veias.

Guerra entra na clareira enquanto as pessoas se esforçam para sair

do caminho, eu engulo com a visão da fera vermelho-sangue que ele

monta. Seu cavalo mal diminuiu quando Guerra desceu de sua

montaria.

Atrás dele, outros cavaleiros correm para clareira, cada um usando

uma faixa vermelha no braço.

— Quem são esses homens? — Pergunto a uma mulher ao meu

lado.

— Cavaleiros Phobos. — Diz ela, brevemente afastando o olhar

para longe deles. — São os melhores soldados de guerra.

O que significa que são seus melhores assassinos. Eu olho para eles

com novos olhos enquanto circulam o cavaleiro antes de se espalharem

ao redor dele. Quando o último se posiciona, os tambores param.

Eu não tenho ideia do que está acontecendo até que a poeira abaixa.

Deitado no chão na frente de todos está um homem sangrando.

Ele parece morto, pela forma como fica ali, mas depois de um

minuto, se levanta.
Guerra não fala, apenas observa-o levantar-se. Uma vez que o

homem está em pé com as pernas trêmulas, o cavaleiro vai em direção

a ele.

A multidão fica quieta enquanto um Cavaleiro Phobos pula de seu

cavalo e avança. — Este homem, Elijah. — Diz ele, gesticulando para o

homem quase morto. — Era um Phobos, a elite do Senhor da Guerra.

Nosso senhor o alimentou, deu-lhe abrigo, confiou nele. E o que ele fez

para pagar essa gentileza? — Ele faz uma pausa, seu olhar percorrendo

a multidão. — Ele ficou contra nosso cavaleiro e contra seus colegas

guerreiros!

Como se à sugestão, as pessoas ao meu redor gritam sua

indignação. Eu olho para eles, chocada ao ver que muitos parecem

legitimamente irritados. E se estão fingindo, fazem um bom trabalho.

— Assim que a batalha começou, Elijah começou a abater seus

irmãos de armas. — Continua o orador, enquanto Guerra olha Elijah,

seus olhos afiados como lâminas. — Perdemos muitos homens bons

hoje.

Ainda olhando para Elijah, Guerra alcança suas costas e agarra o

cabo de sua enorme lâmina. O aço é retirado da bainha.


Eu me encolho ao vê-lo, lembrando do meu próprio encontro

íntimo. Mas em vez de cortar o homem, Guerra joga a lâmina na frente

dele.

— Sunu uk. San suni, adas Susturu tıtuu üçüt huniştüü nunıtnuu

utenin dukikdep nurun. — Ele diz.

Pegue. Prove que você é digno o suficiente para me desafiar, humano.

Elijah está tremendo, seja por medo ou por exaustão, mas não

parece que se arrepende de suas ações.

Guerra recua devagar. — San Tuduygu uturun teknirip, nik

niygiziş üçüt hutişnüü nunıtnuu utenin dukikdep nurun.

Prove que você é digno o suficiente para desafiar o próprio Deus.

Com isso, o cavaleiro se vira, dando as costas a Elijah.

O maldito Cavaleiro Phobos espera um ou dois segundos, depois

corre para a espada de Guerra. Ele atinge seu primeiro obstáculo

quando pega a espada. A arma é claramente muito pesada para

empunhar; mesmo com as duas mãos no punho, a espada balança em

seu aperto.
Meu coração aperta. Aqui está um homem que decidiu matar os

assassinos. Quero que ele mate o cavaleiro de uma vez por todas. A

parte realista de mim sabe que não há chance disso. Eu vi a força de

Guerra. Não há como matá-lo.

O cavaleiro se vira, as mãos nuas. Sua armadura de couro

vermelho está salpicada de sangue e seus olhos delineados com kohl

estão ferozes. Ele tem outra lâmina, mas mesmo quando seu oponente

começa a se aproximar dele, não consegue alcançá-la.

Elijah se aproxima, seu rosto cheio de raiva. — Você esperava que

eu apenas assistisse enquanto nos massacrava?

— Você não está mais na posição em de reivindicar isso. Atna üçüt

ıtuuzı vokgon.

Você se contentou em fazer isso nas últimas dezessete cidades pelas quais

passamos.

Dezessete? Dezessete?

Não tenho certeza se deveria aplaudir esse homem mais...

Ele tropeça para frente, seu aperto trêmulo, seu corpo obviamente

esgotado. Ele deve saber que lutar é uma causa perdida, mas isso não

o impede de correr para Guerra, ódio em seus olhos.


O homem está quase sobre o cavaleiro, este está muito quieto.

Elijah luta para levantar a espada o suficiente para atacar. Guerra ainda

não se move.

— San sunin nupşırsunı suksugın tönörö ukvuyn.

Você não pode carregar o peso da minha tarefa.

Como se desafiando as palavras de Guerra, o cavaleiro Phobos

balança a lâmina. O cavaleiro desvia facilmente do golpe, as mechas

douradas em seu cabelo brilhando enquanto se movem na luz.

Elijah tropeça para frente, levantando poeira enquanto tenta

recuperar o controle da arma pesada. Leva alguns segundos

agonizantes para o Cavaleiro Phobos se virar e enfrentar Guerra mais

uma vez.

O cavaleiro está completamente à vontade, ainda assim sinto tanto

poder refreado por trás de sua postura relaxada.

— San Tuduydin, urtin nüşütüü süstün eses. — Ele insulta.

Você não pode entender a vontade de Deus.

Com um grito, Elijah avança para ele novamente, balançando a

espada de Guerra descontroladamente. E novamente, o cavaleiro evita


o ataque. Seu oponente está ofegando, seus braços tremendo com o

esforço necessário para segurar a lâmina do cavaleiro.

É quase doloroso assistir e o pior é que estou torcendo por Elijah.

Posso ser a única ali.

Guerra se aproxima e agarra um dos pulsos de seu oponente. O

movimento força Elijah a perder o aperto de duas mãos que ele tinha

na espada gigante e sem esse aperto, a arma cai de sua mão.

O cavaleiro se aproxima, suas próximas palavras quase inaudíveis.

— Sani övütün urtin nüşütügö süstün és, vurok San senin öç nüşünön.

Você pode não entender Sua vontade, mas entenderá minha vingança.

Acontece quase rápido demais para seguir. Eu ouço algo estalar,

depois um grito. O homem solta a espada de Guerra, segurando o

braço dele contra o peito.

O Senhor da Guerra pega a enorme arma enquanto cai. Ele

desembainha sua outra espada menor. Por uma fração de segundo, os

dois homens olham um para o outro. Então, Guerra passa as lâminas

pelo corpo de seu oponente.

Sangue espirra e parte do corpo do homem vai para um lado, o

resto, para outro. É preciso tudo em mim para não vomitar com a visão.
Ao meu redor, um grito se eleva da multidão. O mundo

enlouqueceu.

Embainhando suas espadas, o cavaleiro se afasta, deixando o resto

do acampamento se aproximar e contaminar o corpo.

Nem mesmo uma hora depois, sou chamada à tenda do cavaleiro.

Caminho ao lado de vários Cavaleiros Phobos de rosto solene, os

homens me acompanhando. Pela primeira vez desde que cheguei,

entro na seção de acampamento de Guerra.

Agora que o ataque terminou durante o dia, os Cavaleiros Phobos

vagam pelas tendas, fumando cigarros enrolados e jogando cartas.

Alguns deles me observam com interesse, mas a maioria simplesmente

ignora a mulher que está sendo levada para a tenda de Guerra.

É inconfundível qual é a tenda do cavaleiro. É separada do resto,

embora as acomodações dos cavaleiros Phobos sejam muito maiores

do que a minha, a tenda de Guerra as deixam pequenas. Ele fez um

palácio de lona para si mesmo, o lugar iluminado no exterior por

tochas acesas.
A cerca de um metro de distância das abas da tenda, os Cavaleiros

Phobos se afastam de mim para ficar de guarda, deixando-me sozinha

no limiar da tenda de Guerra.

Meu coração bate rápido no peito. Enfrentei uma quantidade

decente de merda assustadora desde a chegada. Você pensaria que

tenho tolerância para isso agora. Mas não sei. Ainda estou com medo.

Tenho medo desse lugar e do que isso faz com as pessoas. Tenho medo

do que o futuro nos reserva. Acima de tudo, tenho medo do cavaleiro

e do que ele quer comigo, especialmente depois de vê-lo abater sem

piedade um homem.

— Entre. — Um dos cavaleiros Phobos diz.

Soltando uma respiração, dou um passo à frente e entro.

A primeira coisa que vejo é a estrutura maciça de Guerra sentada

em um banco. Ele ainda está vestido com sua armadura de couro

vermelho, ainda coberto de poeira e sangue. Seus olhos me avistam

quando começa a remover um guarda de braço.

— Miriam. — Diz ele por meio de saudação.

Eu engulo.
A tenda da Guerra tem uma mesa e cadeiras, uma cama e vários

baús que devem conter todos seus espólios de guerra. Tapetes e

travesseiros brilhantemente tecidos estão espalhados por todo o espaço

e há as armas. Espadas e punhais, machados de duas pontas, arcos e

flechas em várias superfícies. Ele é claramente apaixonado por objetos

pontiagudos.

É tudo muito letal e luxuoso, mas é difícil de entender quando mal

consigo olhar para Guerra.

— Por que estou aqui? — Pergunto, parada perto da entrada.

Guerra faz uma pausa em seu trabalho. Deixando de lado sua

armadura, ele se levanta, seus olhos escurecidos com kohl se movendo

para os meus.

Meus joelhos ficam um pouco fracos, tendo toda a força do foco de

Guerra em mim.

Deus, ele é bonito — bonito como as coisas são mortais. Ele não

tem bordas suaves, de sua mandíbula afiada a seus lábios cheios e

perversos. E depois há seus olhos violentos e intensos.

— Como você está, esposa? — Ele pergunta, sem se incomodar em

falar em línguas. —Divertindo-se?


— Não, realmente não.

Eu tenho que lutar contra mim mesma para não dar um passo para

trás, especialmente quando ele dá um passo à frente. Ainda há metros

e metros entre nós.

— Ouvi dizer que você foi aventureira esta manhã. — Diz ele.

Ele está de olho em mim?

Engulo delicadamente. — E?

Ele remove o coldre, sua espada e bainha se soltando. Olho para a

lâmina que recentemente matou um homem.

— Disseram-me que você faz armas. — Diz ele casualmente.

Eu fecho meus olhos por um momento.

Aquele soldado deve ter contado a Guerra tudo, inclusive o fato de

que o cavaleiro supostamente sabia que eu estava naqueles bosques.

Não quero tremer, mas o faço. Acabei de ver esse homem

transformar uma pessoa em um kabob humano por traí-lo e agora ele

sabe que tentei desafiá-lo também.

— Aparentemente, aprovei estes planos.


É por isso que tenho uma regra contra a mentira. É tão fácil ser

pego.

Abro meus olhos e desafiadoramente levanto meu queixo.

Ele caminha até mim, cada passo ameaçador. Guerra se aproxima,

perto demais. — Nunca mais me use em uma mentira. — Diz ele com

a voz baixa.

Eu ouço a ameaça implícita em suas palavras.

Ou então a punirei.

E agora que vi a justiça de Guerra. É tão aterrorizante quanto

poderia imaginar.

Os olhos do cavaleiro observam meu rosto. — Você será um

problema, não é, esposa? — Ele me observa um pouco mais. — Sim,

definitivamente problema. — Diz ele para si mesmo.

Guerra remove o último do espaço entre nós, sua armadura de

couro roçando meu peito. Ele está perto o suficiente para ver as

manchas de ouro em seus olhos. Aqueles olhos são aterrorizantes.

Lindos e aterrorizantes.
— Você está errada, se acha que isso me irrita. — Seu sorriso é

ameaçador. — Tudo o que faz é me incentivar.

Esse bastardo arrogante. Aposto que ele acha que todos os seres

humanos foram criados para seu entretenimento. Para lutar, foder,

matar.

O cavaleiro estende a mão e passa um dedo pela minha clavícula,

seu olhar nunca deixando o meu. — Eu a vi e pela primeira vez, quis.

Suas palavras me deixam arrepiada.

— E assim, eu tomei.
O toque de Guerra faz uma pausa na minha pele. — Pensar que

você quase escapou. — Ele se afasta então, continuando com sua tarefa,

soltando a armadura do braço. — É uma coisa boa não ter conseguido.

Ele é bem e verdadeiramente desumano. Nada desta terra poderia

me assustar como ele. Tentei escapar do cavaleiro duas vezes em

muitos dias — uma vez pela morte e outra pela deserção. E se é tão

impiedoso como se faz parecer, então minhas ações terão

consequências.

— Você pode realmente fazer armas? — Ele pergunta.

Eu paro, sem saber onde ele está indo com isso.

— Eu não sou muito boa nisso. — Respondo depois de um

momento.

Ele olha para cima. — Isso é um sim?

Relutantemente, aceno.

O olhar de Guerra cai para os meus lábios. — Bom. Então fará ao

meu exército essas armas que pedi quando a autorizei ir ao bosque.


Outra maldita razão pela qual nunca deveria quebrar a Regra Dois

e mentir. Porque agora tenho o trabalho que disse ter algumas horas.

— Eu não posso fazer nada sem minhas ferramentas. — Digo. — E

elas estão em meu apartamento na cidade.

Guerra me olha por vários minutos, talvez tentando descobrir se

estou mentindo novamente. — Onde você morava?

Morava. Pretérito.

Eu olho para o cavaleiro enquanto isso afunda. Até onde ele sabe,

minha casa é uma coisa do passado; esta cidade de tendas é minha casa

agora.

Depois de um momento de hesitação, digo meu endereço.

Normalmente não daria, mas... se Guerra está sugerindo seriamente

que pegará minhas ferramentas para mim, então aceitarei. Afinal,

estou sendo observada muito de perto para escapar desse lugar tão

cedo.

— Posso ir agora?

O olhar de Guerra está de volta em mim. Ele me observa por vários

segundos, então redireciona sua atenção para remover sua armadura.


— Você não acredita em Deus, não é? — Ele pergunta.

Acho que não posso sair ainda.

Apesar de tudo, levanto as sobrancelhas. — Por que você

pergunta?

O canto da boca se levanta, como se a resposta fosse uma piada

interna que não entendi. — É curioso.

— Por que é curioso?

Os olhos de Guerra voltam para os meus. — Aproxime-se e lhe

direi.

Ele balança a resposta como isca. Eu dou um passo em sua direção.

Mais uma vez, aquele sorriso, mas desta vez parece um pouco

menos engraçado, um pouco mais perigoso.

— Covardia não combina com você, esposa.

— Eu não sou covarde. — Respondo da minha distância segura

longe dele.

Seu olhar escuro esta fixo no meu. — Então prove isso. Seja

corajosa.
Eu, de maneira hesitante, diminuo a distância entre nós, até sentir

o cheiro de suor e poeira dele.

— Não é covarde depois de tudo. — O cavaleiro me observa. —

Quanto à sua pergunta, é curioso que você não acredite em Deus

quando eu existo.

— Por que isso deveria ser estranho? Você não é Deus.

Acredito que Guerra seja uma entidade sobrenatural. É tudo o mais

que acho difícil de acreditar.

O cavaleiro não se incomoda com minhas palavras e com o desafio

nelas.

— Eu não sou. — Ele concorda.

O cavaleiro rompe o contato visual para terminar com sua

armadura e exalo bruscamente pela perda daquele olhar. Não sei por

que parece uma perda; toda vez que seus olhos caem em mim, tremo

como uma folha.

— Acredito em Deus. — Eu digo. — Simplesmente não acredito em

seu Deus. Minha mãe era judia, meu pai era muçulmano. Cresci

acreditando em tudo e nada de uma vez.


— Isso é muito ruim. — Diz Guerra, olhando para mim. — Porque

parece que Ele se interessou por você.

Há mais dias de invasões, dias em que a batida do casco marca o

início do dia e o desfile sangrento que retorna marca o seu fim.

É apenas no quarto dia quando os sons mudam.

Pisco meus olhos abertos e olho para os postes de madeira gastos

acima de mim. Lá fora, posso ouvir mulheres conversando. Esfrego

meus olhos, sufocando um bocejo enquanto me sento. Meu joelho bate

em uma pilha de galhos que ocupam a maior parte do quarto na minha

tenda.

Guerra fez bem em seu fim do acordo, fui autorizada a recolher

madeira para fabricação de armas. Com um acompanhante, claro.

Eu dou à pilha um chute deliberado extra.

Rolando, eu pego minhas botas e começo a calçá-las. Quando

termino, passo as mãos pelo meu cabelo castanho escuro. Agora durmo

com minhas roupas —não sou corajosa o suficiente para arriscar

qualquer outra coisa em uma cidade sem nenhuma porta verdadeira

— então simplesmente aliso minha camisa antes de sair.


Ao meu redor, tendas estão sendo desmontadas e arrumadas. Eu

olho em confusão. Uma mulher se agita.

— Com licença. — Digo a ela. — O que está acontecendo?

Ela me dá uma aparência que deveria ser óbvia. — Estamos nos

movendo.

Movendo.

Mesmo agora, quando minha tenda é nada mais do que uma pilha

de gravetos e tecidos aos meus pés, a ideia aperta meu estomago.

Eu não previ me mudar. Mas naturalmente é isso que uma horda

aterrorizante faz. Eles se movem e atacam, se movimentam e atacam.

— Miriam.

Eu quase pulo com a voz atrás de mim. Quando giro, dois homens

usando bandas vermelhas estão nas minhas costas. Cavaleiros Phobos

de Guerra.

— O Senhor da Guerra quer vê-la.

Meu estomago aperta novamente. Já faz meia semana desde que

falei com o cavaleiro pela última vez e não consigo decidir se estou

agora apavorada ou empolgada ao pensar em encontrá-lo novamente.


Eu me convenci de que qualquer interesse que teve inicialmente

passou. Que talvez encontrou outra mulher para incomodar e chamar

de esposa por aparentemente nenhuma razão.

A tenda palaciana de Guerra ainda está alta. É uma das últimas

estruturas deixadas de pé. E quando entro, o próprio homem está lá,

vestindo calça e uma camisa preta, uma faca amarrada à cintura. Ele

está ajoelhado diante de um baú aberto, de costas para mim e meus

acompanhantes.

— Meu Senhor. — Anuncia um dos Cavaleiros Phobos ao meu

lado. — Nós a trouxemos.

Guerra não reage imediatamente, preferindo continuar com o que

está segurando no baú. Ele fecha a peça de mobília, passando as mãos

pela tampa.

— Você pode ir. — Diz ele, sem se preocupar em falar em línguas.

Acho que ele apenas a usa para anúncios gerais.

E de cada lado, os cavaleiros Phobos de Guerra recuam. Eu começo

a sair com eles.

— Não você, Miriam.


Eu paro no meio do passo, os cabelos ao longo dos meus braços

subindo. Quero dizer que é porque estou assustada, mas há uma nota

em sua voz... isso me faz pensar em lençóis macios e pele quente.

Eu engulo, girando de volta.

Guerra fica de pé e se vira para mim, parecendo gigante, magnífico

e assustador, tudo de uma vez. A ameaça que sai dele em ondas não

tem nada a ver com sua armadura ou seu armamento. Há algo

intrínseco que incita o medo.

Ele me observa por vários segundos. Tempo suficiente para eu

pensar que definitivamente não me substituiu por outra esposa. Meu

ritmo cardíaco aumenta com o pensamento.

— Eu tenho algo para você. — Diz ele.

Levanto minhas sobrancelhas. Acho que não quero nada do que o

cavaleiro tem a oferecer.

Quando ele apenas continua olhando, minhas sobrancelhas se

levantam um pouco mais. — Você entregará o presente? — Eu

pergunto.

— Eu quero olhar para você primeiro, esposa. Vai me negar até

mesmo isso? — Os olhos dele carregam um peso e não tenho certeza


do que fazer com isso. Toda vez que acho que ele vai para a esquerda,

vai para a direita. Durante quatro dias o cavaleiro manteve distância.

Agora está fazendo soar como se estivesse ansioso para me ver.

Eu não consigo entendê-lo. Mas posso me negar.

Infelizmente, antes que tenha a chance de fazer exatamente isso,

Guerra se move para o canto de sua tenda, pegando uma sacola ali. Ele

passa para mim, sua camisa preta ficando mais justa enquanto ele faz

isso. Ele joga a sacola aos meus pés.

Leva apenas um momento para reconhecer minha velha bolsa de

lona.

Mas eu a deixei em...

Meus olhos vão para Guerra. — Você esteve no meu apartamento?

Eu tento imaginar o cavaleiro enchendo minha casa, seus olhos

afiados se movendo sobre o meu espaço. Ele viu todas as lembranças

que guardei da minha família. Viu minha bancada bagunçada — ainda

mais bagunçada por quem invadiu o local — viu as fotos penduradas

nas paredes, o relógio e a cozinha desarrumada, minhas roupas sujas,

a cama desarrumada e uma dúzia de outras coisas pessoais. Detalhes.

O que pensou, olhando minhas coisas?


Quando ele não responde, volto minha atenção para a mochila.

Ajoelhando-me em frente, abro.

Meus olhos pousam primeiro no meu rolo de couro. Puxo para fora

e abro. Minhas várias ferramentas de trabalho em madeira estão em

seus bolsos macios. Deixo de lado e volto para a mochila.

Eu vejo uma lixa e alguns grampos; parece que ele pode ter até

embalado uma das minhas serras menores e meu machado. Guerra

realmente fez isso. Ele me trouxe minhas ferramentas. Não esperava

que o fizesse.

Ainda não consigo acreditar que ele viu minha casa. Isso me faz

sentir estranhamente exposta, como se tivesse olhado em minha mente

e visto seu conteúdo.

As abas da tenda farfalham e um Cavaleiro Phobos entra. — Meu

Senhor, precisamos começar a arrumar suas coisas.

Guerra acena e o cavaleiro se move para pegar um dos baús

menores antes de sair da tenda.

Uma vez que o soldado sai, o cavaleiro diminuiu a distância entre

nós, seu corpo eclipsando todo o nosso entorno.

— Você deve andar ao meu lado.


— Ordena isso a todas suas esposas? — Eu pergunto.

A sobrancelha da Guerra se levanta. — Você acha que existem

outras? — Guerra sorri, um sorriso aterrorizante.

Mais homens do cavaleiro entram na tenda, imediatamente

começam a arrumar suas coisas.

— Alguém arrumará seu cavalo. — Diz Guerra, afastando-se de

mim. — Estou ansioso para nosso passeio.

Não entendo porque precisamos andar a cavalo quando existem

bicicletas. Bicicletas não ficam famintas ou cansadas, não cagam e

definitivamente não tentam dão coice, porque são bastardos

temperamentais.

No entanto, para ser justa, um exército de soldados em bicicletas

não causa exatamente medo.

Olho para Thunder, o cavalo que monto. Mal consegui evitar ser

punida por essa fera e agora tenho que montá-lo. Tenho certeza que o

cavalo sente minha inadequação como ser humano.

Leva uma eternidade para o acampamento se preparar. No

momento em que tudo foi embalado, a horda se reuniu em uma


procissão gigante composta de soldados montados, carroças e muitos,

muitos indivíduos carregados com pacotes.

O cavaleiro é o último a sair, parecendo majestoso em seu corcel.

Ele está vestido mais uma vez com sua armadura de couro, sua espada

gigante amarrada às costas e seus cabelos brilhando na luz do sol. Ele

não se parece com nada que pertence a este século.

Guerra se aproxima do meu lado. — Pronta?

Não é como se tivesse muita escolha. Aceno de qualquer maneira.

— Siga-me.

Ele cavalga, seu cavalo indo à frente da linha que está formada. As

pessoas aplaudem quando ele passa, como se ele fosse seu salvador,

em vez de alguma ameaça sobrenatural. Eu o observo por vários

segundos antes de persuadir Thunder a seguir o cavaleiro.

As pessoas não comemoram quando passo, mas sinto seus curiosos

e questionadores olhares.

Quem é ela?

Por que está seguindo Guerra?


Eu abro caminho à frente da procissão e depois passo

completamente.

Ali, Guerra aguarda. Seus olhos parecem dançar quando me

aproximo dele. Quando me aproximo, ele sem palavras começa a

andar, estabelecendo o ritmo para nós.

Não oi, não como você está? Apenas uma tranquila confiança de

que entrarei na linha.

Olho ao redor para a horda, que está começando a se mover. É claro

por seu ritmo que eles não nos alcançarão. Nunca quis que uma massa

tão infiel de pessoas me salvasse como agora.

Eles seguem atrás de nós por meio quilômetro antes do cavaleiro e

eu passarmos uma curva na estrada, então nós dois estamos sozinhos.

O silêncio entra em cena. Espero que Guerra acabe com ele — com

certeza o fará — mas ele simplesmente segue em frente, os olhos

perigosos fixos na estrada à frente.

Eu limpo minha garganta. — Por que você quer que cavalgue ao

seu lado? — Pergunto, finalmente rompendo o silêncio.

— Você é minha esposa.


Eu não sou sua esposa, quero insistir. Não que importe.

As palavras estão bem na ponta da minha língua, mas depois

observo o perfil de Guerra e há algo tão... certo sobre a maneira como

ele me trata. Eu penso um pouco mais, dos cabelos escuros até os lábios

curvos e a mandíbula afiada.

— Por que você acha que sou sua esposa? — Pergunto.

Os olhos de Guerra passam para o meu queixo.

— Eu não acho isso. — Diz ele. — Apenas sei.

Arrepios. Aí está essa certeza. Você pensaria que eu também

deveria saber, caso fosse escolher um marido.

— Bem, se sou sua esposa, por que não durmo na mesma tenda

que você? — Eu digo. — E por que não... — Paro antes de poder dizer

mais.

O cavaleiro olha para mim. Agora chamei sua atenção.

— Vá em frente. — Diz ele. — Diga-me, Miriam, tudo sobre o resto.

Não.

— Por que não a fodo e a mantenho acorrentada à minha cama

como um bom marido? — Ele termina por mim.


Acorrentada à cama como um bom marido?

Eu olho para ele. — Quem porra educou você sobre casamento?

Sério, que porra é essa?

Esqueça Deus. Esse homem provavelmente é um demônio.

Guerra olha para meu rosto e ri. — Isso não é o que os maridos

apropriados fazem?

Eu não tenho ideia se ele está realmente brincando.

Bolas do caralho.

— Quem disse que não estou casada? — Eu não sei porque digo

isso. Certamente não é verdade.

Por um momento, Guerra não reage. Então, com calma, ele olha de

relance.

— Você está? — Ele pergunta suavemente. — Tem um marido,

Miriam?

A voz dele, aqueles olhos assustadores... causa um arrepio em

minha espinha e lembro novamente que isso não é um homem; guerra

é uma criatura sobrenatural que mata sem remorso.


— Não. — Eu não podia mentir sob esse olhar, mesmo que

quisesse.

Guerra acena com a cabeça. — Sorte sua e dele

Outro arrepio.

E de repente, não tenho dúvidas de que, se eu fosse casada, este

cavaleiro não pensaria duas vezes antes de terminar. Balanço instável

em minha sela com o pensamento.

Guerra é definitivamente um demônio.

Fica em silêncio por alguns minutos, então enquanto observa o que

nos cerca, Guerra pergunta: — Você tem família?

— Sim. — Eu tenho que forçar a palavra a sair. — Mas então você

já sabe disso, verdade? — O cavaleiro esteve dentro do meu

apartamento — ou pelo menos acho que ele foi quem esteve lá para

pegar minhas ferramentas. Com certeza viu as fotos dos meus pais, da

minha infância e irmã.

— O que aconteceu? — Ele pergunta.

Você aconteceu, seu bastardo maluco.


Olho para a pulseira de hamsa que uso. Não é nada mais do que

uma única pedra em um cordão de couro — a corda vermelha

originalmente enroscada já gasta há muito tempo. Mas aquele pingente

de metal simples foi o último presente que meu pai me deu.

Para me proteger do mal.

— Meu pai morreu no dia em que você e os outros cavaleiros

chegaram. Ele estava atravessando a rua, voltando para a universidade

depois de almoçar com outro professor. O ônibus bateu nele e em seu

colega, nenhum deles sobreviveu. Minha mãe e irmã... o tiroteio foi

ensurdecedor. Nós três corremos para fora da cidade com nada mais

do que uma mochila cada. Tivemos sorte. Mas então, aquele barco,

aquele barco sinistro... havia uma guerra na Nova Palestina muito

antes de você chegar. Enquanto as pessoas viviam neste canto do

mundo, houve guerra. Estávamos fugindo...

Eu posso sentir os olhos do cavaleiro em mim, esperando que

termine, mas não posso falar sobre o restante. Essa perda é mais recente

do que a outra.

Balanço a cabeça. — Elas também se foram.


Cavalgamos para o oeste de Jerusalém, ao longo da estrada

solitária. É chocantemente silencioso, como a própria terra não tem

palavras para o que aconteceu nela.

Olho por cima do ombro, procurando algum sinal da horda que

viaja atrás de nós, mas nos últimos vinte minutos não consegui ver

nenhum sinal deles.

— Eles estão lá atrás. — Diz Guerra.

Não tenho certeza se ele está me tranquilizando ou me avisando —

provavelmente os dois.

— Como você consegue que eles o siga? — Eu pergunto. — Não

apenas agora, mas em batalha?

Um pequeno juramento de fidelidade não pode ser suficiente para

ganhar a devoção de um exército, especialmente depois das

atrocidades que todos nós testemunhamos.

— Eu não os forço a fazer qualquer coisa. — Diz o cavaleiro. —

Meu trabalho não é ganhar sua lealdade, é julgar seus corações.

Essa resposta parece... bíblica. Bíblica e preocupante.

— E o meu coração? — Eu pergunto. — Você já julgou?


Guerra me olha por um instante antes de dizer baixinho: — Seu

coração é em grande parte um enigma para mim. Mas descobriremos

a verdade em breve.
Nós não passamos uma única alma enquanto andamos pela

estrada da montanha e depois de um tempo a falta de pessoas se torna

alarmante.

Minha pele fica arrepiada. Estão todos mortos? E se sim, como?

Como poderia Guerra e alguns milhares de homens no máximo

acabar com uma região inteira? Não apenas cidades, mas também tudo

entre elas? Algo sobre isso não fazia sentido.

Olho para o cavaleiro e sua calma apenas me deixa mais nervosa.

Nada disso o incomoda. Deveria incomodá-lo.

Não humano, eu me lembro.

E seja qual for a fera que Guerra realmente seja, tenho o prazer de

ser seu brinquedo no momento.

Você passará por isso, Miriam, assim como fez sempre.

O problema é que, pela primeira vez em muito tempo, não acho

que apenas passar por isso seja bom o suficiente. Simplesmente não sei

o que é bom o suficiente.


Ainda não.

Passamos pelos restos queimados de uma grande estrutura que

poderia ser uma mesquita ou um templo judaico.

Ouvi falar dos horrores que aconteceram em algumas outras áreas

da Nova Palestina durante nossa guerra civil, mas esta é a primeira vez

que vejo evidências fora de Jerusalém. Ninguém e nenhuma religião

foi poupada.

Essa foi a minha primeira lição de guerra: todos perdem, até os

vencedores.

Uma montanha leva a outra, que leva a outra. É lindo, mas...

— Onde estamos indo? — Eu pergunto a Guerra.

— Em direção ao oceano.

O oceano. Meu coração pula uma batida.

Há água e fogo e... e... e Deus a dor — dor, dor, dor. A mordida

afiada quase rouba minha respiração.

Eu não vi o oceano em sete anos.

Guerra olha para mim. — Está tudo bem?


Aceno rápido demais. — Estou bem.

Ele me olha por mais um tempo, depois olha para frente

novamente. — Ao longo da existência humana, seu tipo criou centenas

de milhares de palavras para tudo que é imaginável, mas de alguma

forma nenhum de vocês descobriu como realmente falar o que está em

sua mente.

— Estou bem. — E de jeito nenhum compartilharei meus

pensamentos verdadeiros sobre o oceano.

No alto, o peso total do sol do meio-dia está fritando minha pele

até ficar crocante. Meu rosto parece apertado e posso ver o vermelho

empoeirado dos meus antebraços.

Também estou suando como uma vaca.

Olho para o cavaleiro, para a armadura marrom que ele usa sobre

sua roupa.

— Você não está com calor? — Pergunto a ele, mudando de

assunto.

E se eu fosse ele, estaria me sentindo infeliz.


Todo aquele couro apenas prende o calor. E se fosse ele, estaria

molhada de suor. Em vez disso, ele parece irritantemente não afetado.

— Minha esposa está preocupada com o meu bem-estar?

Eu fixo meu olhar em uma baia de cavalo à frente. — Eu esqueci,

você está acostumado a climas mais quentes. — Digo. — Ouvi que o

inferno é particularmente quente nesta época do ano.

Posso sentir o peso dos olhos do cavaleiro em mim. — Você acha

que eu sou um demônio? — Ele pergunta com ceticismo.

— Eu não descartei isso... — Minhas palavras param quando olho

um pouco mais de perto para outra estrutura à nossa frente.

Hoje em dia você pode encontrar estábulos e pousadas recém-

construídos e armazéns gerais salpicados ao longo das estradas. São os

lugares que você usa para reabastecer e descansar. Parece que estamos

chegando a um desses lugares.

Mas à medida que nos aproximamos, algo aparece... fora do lugar.

Aves circulam acima e deve haver mais no chão, porque posso

ouvi-las chamando umas às outras. Olho para aqueles pássaros.

Apesar do calor, um frio desliza sobre a minha pele.


Não é até que passamos o armazém geral e as baias de cavalos

abandonadas que vejo o que chamou a atenção das aves. Perto de uma

dúzia de pássaros — águias, abutres, corvos — todos pululam e brigam

por alguma coisa imóvel no chão.

Alguns momentos depois, registra que a coisa no chão é um

humano.

Eu olho, olho, olho e então paro meu cavalo e desço. Os pássaros

voam quando me aproximo do corpo. Uso a ponta da minha camisa

para cobrir a boca enquanto olho para o cadáver. Não consigo entender

exatamente o que estou vendo e não tento. O indivíduo está morto. Isso

é tudo que importa. Qualquer outra coisa é apenas pesadelo. Perto

repousa uma pilha de ossos descoloridos, a boca sorridente do crânio

manchada de sangue.

Eu franzo minhas sobrancelhas. Isso parece menos com um

assassinato em massa e mais como um sacrifício ritual.

— Miriam.

Eu me viro e olho para Guerra. Ele não desmontou. Na mão ele

segura as rédeas de Thunder. — Você matou até aqui? — Eu pergunto.

Parece excessivo. Estamos no meio do nada. Isto não é um bastião da


humanidade; não pode haver mais do que algumas pessoas que

moram nesse trecho particular de morros.

— Eu mato todos. — Responde Guerra suavemente.

Todos, exceto eu.

Olho para aquele corpo novamente, o corpo que uma vez foi uma

pessoa com esperanças, sonhos, amigos e familiares.

— Monte seu corcel, Miriam. — Diz Guerra, completamente

imperturbável pelo nosso entorno. — Temos um longo caminho a

percorrer.

Não é pessoal. Posso dizer que não é pessoal. Nenhum dos

sofrimentos de Guerra é pessoal. Meu olhar se volta para o cadáver.

Apenas isso é pessoal.

Eu levo tudo isso muito, muito pessoal.

Não quero voltar a esse cavalo e não quero andar ao lado do

cavaleiro. Não quero passar mais baias de cavalos com mais cadáveres

frescos.

O cavaleiro estreita os olhos, como se pudesse ouvir meus

pensamentos.
Seja corajosa, Miriam.

Eu me forço a dar o primeiro passo para frente. O segundo vem

mais fácil. Eu dou outro passo e outro e outro até que pego as rédeas

de Guerra e olho em seus olhos perversos enquanto monto o cavalo.

Ele não tenta oferecer uma explicação, não lhe digo meus

pensamentos. Eu monto e continuamos. Isso é tudo.

Quando o sol está se pondo, passamos por mais cadáveres e

pássaros circulando do que eu gostaria de admitir. É claro que os

ataques de Guerra foram bem-sucedidos.

Não sobrou ninguém.

Eu franzo a testa com o pensamento, o movimento esticando

minha pele apertada. Depois de um dia de cavalgada, meu rosto está

mais do que um pouco queimado pelo sol. Estou começando a me

sentir febril e minha pele exposta é dolorosa ao toque. Não há muito

que possa fazer sobre isso no momento. Não tenho chapéu ou lenço de

cabeça para proteger minha pele.

O cavaleiro olha para mim e franze a testa. — Você não parece bem,

esposa.

— Eu não me sinto tão bem. — Admito.


Ele amaldiçoa em voz baixa. — Faremos uma parada para a noite.

Eu olho para trás na estrada vazia. — E o resto de seu exército?

— Eles ficarão bem. Nós não acamparemos com eles. — Diz ele.

— Nós não... — Isso leva um minuto para filtrar. Meu olhar se volta

para o sol poente.

Oh meu Deus

Uma coisa é andar sozinha com Guerra, outra é para passar a noite

ao lado dele e apenas ele. E agora que me lembro do que pode fazer,

estou duplamente nervosa.

Cerca de cem metros à frente há uma bomba de água, uma bacia e

uma pilha de feno. Paramos por tempo suficiente para que o Thunder

beba e coma um pouco do feno antes que Guerra nos conduza a uma

das colinas inclinadas.

Ele desmonta suavemente, agarrando as rédeas do cavalo.

Cuidadosamente, eu deslizo para fora de Thunder, estremecendo

quando meus músculos internos da coxa gritam em protesto. Porra,

isso dói.
Eu dou um passo instável, depois outro, me encolhendo com todas

as minhas dores e sofrimentos. Não são apenas minhas pernas. Minha

pele está quente demais, meu estômago está se agitando e estou um

pouco tonta.

— Eu não me sinto bem. — Eu digo novamente. Talvez fosse a

carne que alguém preparou para mim; talvez a água que tomei antes

estivesse contaminada.

Ou talvez isso fosse insolação.

Eu tropeço um pouco, então sento duro.

Não ouço abordagem de Guerra —- o filho da puta é silencioso —

mas se agacha na minha frente, sua testa franzida. Acho que é tão

preocupante quanto Guerra demonstra. Ele estende a mão.

— Você me toca e o cortarei com sua própria lâmina. — Eu digo.

Guerra cobre meu rosto de qualquer maneira. Ele é um bastardo.

Eu vou para o punhal, mas minha mão mal segura o punho quando

a mão livre do cavaleiro se fecha ao redor da minha. Ele torce a lâmina

para fora do meu aperto e a joga de lado.

— Miriam, deixe a batalha no campo de batalha.


— Oh, isso é lindo vindo de você.

Seus olhos encontram os meus e minha respiração fica presa. Deus

é ele irritantemente atraente. E quanto mais olho para ele, mais percebo

cada detalhe inconveniente que o torna assim — como a plenitude de

seus lábios e a íris do olho de tigre, as maçãs do rosto afiadas e altas

que o fazem parecer tão exótico.

— Você deveria ter dito alguma coisa sobre a queimadura solar. —

Diz ele.

— Eu não achei que você se importaria.

Ele me observa. — Eu me importo.

— Por quê? — Pergunto.

— Nós já passamos por isso. — Ele responde.

Porque sou sua esposa, ele quer dizer.

Nós nos olhamos por mais um pouco.

Depois de um momento, respiro fundo e afasto o olhar. — Eu me

sinto melhor.
Realmente me sinto. Agora que me sentei, não me sinto mais tão

febril e juro que minha pele não lateja tanto quanto há alguns minutos

atrás.

Agora que já tive tempo suficiente para me reagrupar, quero que o

cavaleiro pare de me tocar. Algumas palavras gentis, um toque gentil

e começarei a acreditar que ele não é um demônio hediondo.

Guerra abaixa a mão e se levanta, dirigindo-se ao cavalo, que move

a cabeça enquanto seu mestre se aproxima.

— Firme, Deimos. — Diz ele ao seu cavalo, colocando uma mão no

casaco vermelho escuro da fera.

Deimos? Ele realmente nomeou seu cavalo?

Ele alcança os alforjes da criatura, retirando água e comida. O

cavaleiro volta para mim e entrega os itens para mim.

Eu os pego e dou-lhe um breve sorriso. Seus olhos permanecem na

minha boca por um momento, depois ele se afasta novamente para

lidar com os cavalos — ou talvez para desfazer as malas.

Eu aceito sua forma. Ele tem sido estranhamente gentil comigo hoje

e tenho que me lembrar que o vi abater muitas e muitas pessoas —


quase fui uma delas. Eu não posso deixar sua preocupação e alguns

toques suaves ofuscarem isso.

— Você sente alguma coisa? — Pergunto. — Quando mata?

É hora do meu lembrete de que Guerra é um homem ruim.

Ele faz uma pausa, de costas para mim. — Sim.

Espero que ele diga mais. O silêncio se estende.

— Eu sinto sede de sangue e excitação, uma satisfação profunda

em um trabalho bem feito. — O cavaleiro diz isso como se estivesse

falando sobre algo mundano, como o clima e não o massacre por

atacado de inocentes.

Ele se vira para mim. — Eu sou seu e você é minha, Miriam...

Tremo com essas palavras.

— Mas eu não sou como você, nunca deve esquecer isso.


As estrelas brilham acima de nós quando Guerra arruma nossas

camas. Uma é apenas uma esteira com uma colcha fina, mas a que ele

está trabalhando agora é cheia de cobertores.

Qual delas é dele e qual a minha? Eu odeio o fato de que ele os fez

tão obviamente desiguais. E se pegar uma enxertada, saberei que, além

de ser depravado, o cavaleiro também é uma espécie de idiota. Mas se

ele me der essa...

Eu me contorço um pouco, desconfortavelmente com a

possibilidade. Não gosto de gentileza excessiva; isso me faz sentir

como se devesse algo a alguém. E realmente não quero pensar sobre o

que Guerra pode querer.

Pelo menos ele fez duas camas. Acho que deveria ficar feliz por não

termos que compartilhar uma.

Depois que o cavaleiro termina, ele caminha até onde estou

sentada perto do fogo que fizemos há pouco. Ele tira sua armadura

parte por parte, colocando-as ao seu lado. Há algo terrivelmente


confiante e sem pressa em seus movimentos, como se o mundo e todos

esperassem por ele.

Eu não sou como você.

Observo o cavaleiro um pouco, tentando não me concentrar no fato

de que, por baixo de toda essa armadura, há um corpo perverso.

— Sua cama é aquela com os cobertores. — Diz ele, soltando o

peitoral de couro.

Droga. Definitivamente sentirei que devo algo a ele agora.

— Suas acomodações parecem um pouco ásperas. — Eu digo,

acenando para sua cama.

Guerra tira a última parte de sua armadura. — Eu não seria um

bom marido se não pudesse deixar minha esposa confortável.

Ele e este negócio de marido.

Eu olho ao redor. — Onde estão as correntes que você deveria

usar?

Tenho certeza de que estava na lista de coisas que um bom marido

deveria ter.
— Embalado com o resto da minha tenda, infelizmente. — Guerra

diz isso com tanta calma que acho que ele pode não está brincando —

até que um sorriso malicioso aparece em seu rosto.

— Certo, da próxima vez então. — Eu digo.

— Eu vou abraçá-la, esposa.

Nós dois realmente nos damos bem quando eu quero. Quão

perturbador... Guerra tira sua camisa, suas marcas brilhando na noite.

Elas emitem brilho vermelho assustador.

Definitivamente um demônio.

— Mais cedo. — Ele diz. — Você queria saber por que não falo as

línguas dos homens quando posso. — Diz ele.

Eu perguntei a ele sobre isso quando invadiu minha tenda várias

noites atrás; ainda estou curiosa, especialmente porque ele fala

hebraico comigo.

— Eu falo todas as línguas que já existiram. Mesmo as que não

deixaram registro. Elas há muito desapareceram da memória mortal,

mas não da minha.


Guerra fica em silêncio por um minuto. — O que as pessoas não

entendem as assusta.

Quantas vezes eu vi a prova desse medo? Dezenas, pelo menos. E

agora Guerra armou esse terror.

— Então eu falo línguas mortas e deixo os humanos entenderem o

que quiserem. — Responde Guerra.

— Mas você nem sempre fala em línguas. — Eu digo. Houve várias

ocasiões em que ele falou hebraico ou árabe comigo e seus cavaleiros.

— Não. Há momentos em que isso me serve para ser entendido.

— E quando você fala em línguas mortas. — Digo. — Por que eu

ainda consigo entender você?

Guerra me dá um olhar paciente. — Eu já disse, você é minha

esposa. Conhece a mim e meu coração, quer queira ou não.

A inquietação se agita no meu estômago. Mais uma vez, ele diz

com tanta certeza que eu me pergunto...

Mas não. Eu me recuso a acreditar que devo estar com esse

monstro.
— O que você quer comigo? — Eu pergunto, virando uma pedra

próxima.

Eu sinto, em vez de ver, os olhos de Guerra descendo pelo meu

rosto. — Não é óbvio?

Meu olhar se move para o dele. — Não, não é.

E das poucas histórias que ouvi, esse homem se ficou com quase

todas as mulheres de uma cidade — um grande merda de cidade —

não fez mais do que tocar minha bochecha e afirmar que sou sua

esposa.

— Você gostaria que contasse então? — Ele pergunta, sua voz

enganosamente suave.

Meu pulso acelera. — Sim.

— Eu quero que você se renda.

Uma batida de silêncio passa.

Eu não tenho ideia do que isso realmente significa, mas noto que

me acorrentar a uma cama e festejar na minha buceta não foram

mencionados. Vergonha. Sob as circunstâncias certas (muitas e muitas

bebidas), eu poderia realmente fazê-lo.


— Render-me? — Pergunto. — Eu já o fiz.

— Você não fez. — Ele insiste.

Você está brincando comigo? Ele me forçou a deixar minha vida

para trás, porque isso lhe convinha. E se isso não se render, então não

sei o que é.

Quanto mais penso, mais indignada fico.

— Nós conversamos sobre o quão diferente você é e como é difícil

de entender, mas não falamos sobre mim. — Eu finalmente digo. —

Não quero você como marido, não o aceito e o que quer que seu deus

pense em fazer comigo e com o resto do mundo, lutarei com meu

último suspiro. — Ah, não me renderei a você, filho da puta.

Guerra solta uma risada malévola e apesar disso, levanta os cabelos

na parte de trás do meu pescoço. — Lute com tudo o que você quiser,

esposa. Batalha é no que sou melhor e garanto a você, não ganhará está.

O segundo dia de equitação é mais e menos miserável que o

primeiro. Mais, porque ainda tenho que andar ao lado de Guerra e

menos, porque Thunder apenas tentou me derrubar uma vez até agora,

isso é uma melhoria em relação às três tentativas do dia anterior.


Minha queimadura solar terrível também parece estar muito

melhor hoje — a pele apenas um pouco tensa e sensível — e minhas

coxas doloridas na sela não doem tanto quanto esperava. Não sei que

bruxaria é responsável por isso, mas não vou reclamar.

Hoje deixamos a cordilheira árida, nos movendo em direção ao

terreno mais plano perto da costa. No momento em que as colinas se

afastam, sinto-me nua. Eu vivi nas montanhas toda a minha vida. A

extensão larga e plana da terra que se estende na minha frente agora é

estranha e me deixa dolorosamente ansiando estar em casa.

Eu realmente não voltarei. Meu coração aperta um pouco com o

pensamento, mesmo quando um tipo estranho de alegria me percorre.

Durante anos, tentei economizar dinheiro suficiente para deixar

Jerusalém. E agora eu realmente o fiz.

Não que esta parte da Nova Palestina seja muito para olhar. Não é

nada além de faixas e faixas de grama amarelada, interrompidas de vez

em quando por um remendo de terra cultivável. E de vez em quando,

passamos por um prédio em ruínas ou por uma cidade aparentemente

vazia, talvez ainda haja pessoas morando ali. Não parece que a guerra

devastou esses lugares, mas é tudo muito tranquilo.

— As pessoas aqui já estão mortas? — Eu pergunto.


Sente-se como se estivessem mortos. Tudo está muito parado. Nem

mesmo o vento se move, como se já tivesse abandonado este lugar.

— Ainda não. — Diz ele ameaçadoramente.

Como é possível que Guerra amplie seu alcance até ali? As cidades

que assedia, isso eu entendo, mas as casas que salpicam esses lugares

esquecidos — como ele consegue isso?

Ele não diz mais nada, fico com uma preocupação horrível e

angustiante de que ele e os outros cavaleiros são realmente imbatíveis.

Mas podem ser parados, certo? Afinal, outro cavaleiro veio antes

de Guerra, e então, em algum momento depois, ele desapareceu.

— O que aconteceu com Peste? — Eu pergunto.

O medo silencioso se instalou em Jerusalém depois que chegou a

notícia de que um cavaleiro do apocalipse estava espalhando a peste

pela América do Norte. Mas pouco tempo depois surgiram rumores de

que Peste desapareceu. Não sei se alguém realmente acreditou nisso —

que ele desapareceu, quero dizer. Nós fomos enganados por essa

explicação uma vez antes, quando os cavaleiros chegaram pela

primeira vez.

Mas Peste não retornou depois de tudo; Guerra veio em vez disso.
— O Conquistador foi derrotado. — Diz Guerra.

— O Conquistador? — Eu repito. — Você quer dizer Peste?

Guerra inclina a cabeça um pouco.

— Eu pensei que vocês fossem imortais. — Eu digo.

— Eu não disse que meu irmão estava morto.

Estreito meus olhos, observando o perfil de Guerra. Como poderia

um cavaleiro estar vivo e derrotado?

Ele olha para mim. — Você carrega problemas em seus olhos,

esposa. Pensa demais.

— Conte-me sobre ele. — Eu digo. — Peste.

Guerra fica em silêncio por um longo tempo. Seus olhos delineados

com kohl muito conscientes. — Você quer saber como Peste foi

derrotado?

Claro que sim. Eu não tinha ideia de que os cavaleiros poderiam

ser parados. Um segundo depois, as palavras de Guerra realmente se

registram.

— Então ele foi derrotado? — Eu tento imaginar Peste acorrentado

e imobilizado, frustrado de sua tarefa mortal.


Guerra se instala melhor em sua sela. — Essa é uma história para

outro dia, temo. — Suas palavras são conclusivas. — Mas esposa. —

Ele acrescenta. — Há algo que você deveria saber agora.

Eu levanto minhas sobrancelhas. Oh...

Guerra me lança um olhar feroz. — Meu irmão falhou. Eu não irei.

Acho que eu deveria sentir medo das palavras de Guerra, mas tudo

em que posso pensar é que Peste falhou. Ele falhou em qualquer coisa

que deveria fazer.

Merda. Os cavaleiros realmente podem ser parados.

Guerra continua, inconsciente dos meus pensamentos. — Peste

pode ter sido um Conquistador, mas eu não procuro conquistar,

mulher selvagem, procuro destruir.

Já é tarde quando finalmente paramos. Nós não estamos no oceano,

mas das poucas palavras que Guerra disse sobre o assunto, está

extensão de terra é onde o exército inteiro montará acampamento

quando chegarem no dia seguinte.

O que significa que apenas tenho que aguentar mais uma noite de

um contra um com Guerra. O pensamento não é tão assustador quanto

foi no dia anterior. Além de segurar meu rosto, ele não tentou me tocar.
No entanto, está noite, Guerra coloca os paletes visivelmente

próximos uns dos outros. Perto o suficiente para nos estendermos e

segurar as mãos de nossas respectivas camas — se quiséssemos.

Como no dia anterior, Guerra ainda me dá todos os cobertores,

ainda me sinto culpada por isso. Não deveria me sentir culpada. Ficar

frio por uma noite é o mínimo do que esse filho da puta merece.

Mas mesmo quando escorrego debaixo desses cobertores, a culpa

ainda escorre. Talvez especialmente porque o ar da noite está muito

frio.

Não lhe ofereça um cobertor, Miriam. Não faça isso. Você estende esse

ramo de oliveira e abre a porta para ser algo mais do que companheiros de

viagem distantes.

Eu mordo minha língua até não sentir mais o desejo de

compartilhar meus cobertores.

Guerra, por sua vez, parece completamente em casa em sua cama

puída. Ele deita de costas, as mãos atrás da cabeça e as pernas cruzadas

nos tornozelos enquanto olha para as estrelas. Mais uma vez eu invejo

sua facilidade. Ele parece perfeitamente em casa ali, neste pedaço

aleatório de terra — mais em casa do que eu sinto e vivi nesta terra

muito mais do que ele.


— Então. — Eu começo.

Ele vira a cabeça para mim. — Sim?

Deus, essa voz profunda. Meu núcleo aperta ao som.

— O que você fazia antes de invadir cidades? — Pergunto.

Guerra olha de volta para as estrelas. — Eu dormi.

Uh... — Onde?

— Aqui na terra.

Sua resposta não faz muito sentido para mim, mas também não faz

muito mais sentido sobre ele — até agora, o que aprendi sobre ele é que

não pode ser morto, não precisa de comida ou água. Não caga ou mija

como o resto de nós.

Eu repito: o cavaleiro não caga nem mija.

Estou dizendo, ele não faz sentido.

A voz de Guerra corta o ar da noite. — Enquanto dormia, sonhei.

Podia ouvir tantas vozes. Tantas coisas. — Ele murmura.

Observo seu perfil. Até agora, Guerra foi arrogante, possessivo,

mordaz e aterrorizante. Mas esta é a primeira vez que o vejo assim.


Cheio de alteridade. Um estranho sentimento me invade, como se

estivesse prestes a derramar os segredos do universo.

Ele parece se abalar. — Mas isso não importa.

Eu olho para ele por mais. — Amanhã meu exército chegará aqui.

E as coisas voltarão a ser como eram. — Eu digo.

Eu imagino minha minúscula tenda. Deveria sentir alívio por

poder colocar distância entre nós mais uma vez. Em vez disso meu

estômago aperta. Não percebi o quão solitária estava. Você não se

concentra em coisas como a solidão quando está apenas tentando

sobreviver a cada dia como se estivesse em Jerusalém. Mas me sentia

sozinha. Sentia todas as noites em que adormecia sem minha família e

acordava em silêncio.

E então Guerra invadiu minha cidade e parei de tentar sobreviver.

Abri os braços para a morte e foi o cavaleiro que me impediu esse

destino.

— As coisas não precisam voltar a ser como eram, esposa.

Esposa.
O cavaleiro sabe exatamente como me atrair. Eu não quero estar

com ele, mas agora me lembro do que é estar com alguém. Ter

conversas abertas e sem enfeites.

Eu engulo seco. — Deveriam.


Acordo nos braços de Guerra.

Eu sei disso antes de abrir meus olhos — antes mesmo de me livrar

completamente do sono. Estou muito quente e posso sentir seus

membros pesados sobre mim enquanto deito de lado. Ainda assim,

quando abro os olhos, não estou preparada para a realidade disso.

Meu rosto está enterrado no peito nu. Afasto a cabeça um pouco.

Perto dele, tudo que posso ver é o brilho carmesim de suas marcas e a

pele infinita bronzeada.

Como isso aconteceu?

Olho para baixo entre nós e porra, estamos em sua cama, não na

minha, o que significa que me virei para ele em algum momento da

noite, sacrificando meus cobertores por seu tapete fino e músculos

grossos.

Meus olhos vão para cima, passando pela coluna de sua garganta,

até que posso ver em seu rosto.


No sono, a Guerra parece angelical — ou mais apropriado,

angelicamente demoníaco. Todos seus traços afiados ficam embotados

um pouco. Ele quase parece... em paz. Sua mandíbula não é tão firme,

seus lábios parecem um pouco mais convidativos e agora que não

consigo ver seus olhos com adagas, não é tão intimidante.

Olho para ele por um longo tempo antes de me lembrar de mim

mesma.

Pare de olhar um cavaleiro do apocalipse, Miriam.

Eu também preciso sair debaixo dele, sim. A última coisa que

quero é que ele também acorde com isso.

A perna de Guerra está jogada sobre a minha e o braço dele está

pendurado no meu lado, me abraçando. Com um pouco de esforço,

consigo deslizar uma perna, depois a outra, por baixo da sua. Quando

chego ao seu braço, tento empurrá-lo para fora — tentar é a palavra

operativa.

Meu Deus, seu braço pesa cinco bilhões de quilos e não está

desistindo de mim.

Eu viro um pouco com o esforço. Esse ogro...

— Esposa.
Eu respiro fundo, encarando seu peito. Isso é realmente o que eu

não queria.

Lentamente, meus olhos se movem para o rosto de Guerra. Ele está

tão perto que posso ver essas partículas de ouro neles. Há uma

sugestão de um sorriso nos lábios e um profundo olhar de satisfação.

— Isso é culpa sua. — Eu digo.

Ele levanta as sobrancelhas. — Sim?

O cavaleiro não se incomoda em apontar que estamos em sua frágil

desculpa de cama. Ele também não se incomoda em tirar o braço de

onde está sobre mim. Em vez disso, a mão dele desliza das minhas

costas para as costelas, acomodando-se na minha cintura. Eu posso

dizer que ele está mapeando os contornos do meu corpo. Deve gostar

do que está descobrindo, porque parece irritantemente satisfeito.

Seus olhos são como mel quando ele diz: — Fique comigo, Miriam.

— Sua mão flexiona contra o meu lado. — Durma na minha tenda. Faça

suas armas. Converse comigo.

Eu procuro seu rosto. Ah se ele soubesse o quão tentadoras suas

palavras são para uma garota solitária como eu. E pergunta como estou
me aquecendo em seus braços. O toque é um luxo que passei muito

tempo sem.

Mas isso é o que é — um luxo. Não posso pagar, especialmente

com essa criatura.

— Não. — Eu digo. Agora que Guerra está acordado, parece feroz.

Isso torna mais fácil recusá-lo. — Eu brincarei e o deixarei me chamar

de sua esposa, mas não o escolherei de livre e espontânea vontade.

O aperto da Guerra aumenta em minha cintura. Ele me puxa para

perto. — Você quer saber uma verdade, Miriam? Os humanos fazem

proclamações como essa o tempo todo. Mas seus juramentos são

frágeis e rompem com a idade. Eu não tenho medo do seu, mas você

deveria ter medo do meu, pois lhe direi: você é minha esposa, se

renderá a mim e será minha em todos os sentidos da palavra antes de

eu destruir este mundo.

As coisas voltaram a ser como eram.

Guerra está em sua tenda, eu estou na minha e agora há cinco mil

pessoas que nos separam.

Nós não nos falamos desde que o exército do cavaleiro chegou no

dia anterior. Ele foi arrastado para conversas com seus cavaleiros
Phobos, sem dúvida, pensando em melhores estratégias para matar a

próxima cidade.

Quanto ao resto de nós, estamos todos nos estabelecendo neste

lugar como se fosse um novo par de sapatos. No meu caso, um par de

sapatos muito mal ajustado. Mas acho que é um problema pessoal

neste momento.

Minha tenda e minhas coisas me foram devolvidas no dia anterior,

até o esfarrapado romance e café que herdei da última pobre alma que

morava aqui.

Até minha madeira foi devolvida. Minha madeira. Eu pensei com

certeza que desapareceria.

Passo as mãos por um galho agora. Adiei fazer armas, mas a

coceira para criar voltou aos meus dedos.

Eu pego a bolsa de lona que Guerra me deu há alguns dias. Sem a

menor cerimônia, despejo tudo.

Vasculho minhas ferramentas, procurando uma para raspar.

Enquanto faço isso, minha mão toca em algo que não me pertence.

Parando, afasto as ferramentas e descubro uma estrutura metálica

familiar.
Dentro dela está uma foto da minha mãe, meu pai, minha irmã e

eu.

Um pequeno som escapa.

Agarrando a foto, levanto-a reverentemente. É minha família.

Engulo enquanto eu passo o polegar sobre o rosto enrugado da minha

irmã Lia. Ela e minha mãe estão mais novas aqui do que eu me lembro

— como eu. Mas esta foi a última foto de família de todos nós quatro.

Nela, minha mãe está viva, meu pai está vivo, minha irmã está viva e

estou sentada entre todos eles.

Conseguir isso de volta é como pegar um pedaço de mim mesma.

Sem isso, eu poderia ter esquecido seus rostos.

Não percebo que estou chorando até que uma gota cai sobre o

vidro.

Por que a Guerra o pegou? Foi um acidente? Ele não parece o tipo

sentimental. Ou foi para ser cruel? E se foi, perdeu sua marca.

Pelo lado de fora da minha tenda, ouço a batida rítmica de um

tambor — uma, duas, três vezes. Comecei a entender os ruídos bem o

suficiente para distinguir os batuques de execução de batidas

comemorativas ou batidas de batalha. Este é uma espécie de anúncio.


Eu respiro fundo, então cuidadosamente coloco minha foto de

família de lado e deixo minha tenda. Seguindo a multidão crescente de

pessoas, vou para o centro do acampamento.

O layout aqui é exatamente como foi no último acampamento,

então sei exatamente aonde ir; a configuração pode mudar, mas os

espaços não mudam.

Guerra já está na clareira com seus cavaleiros, de pé sobre um

estrado improvisado para que possa ser visto. Minha respiração para

com a visão dele. Não sei o que sinto, apenas sinto algo quando o olho.

Ele recuperou a foto da minha família. Isso não poderia ter sido

outra coisa senão intencional. Quero agradecê-lo, mas a distância entre

nós e o olhar temível em seu rosto o faz parecer mais distante do que

nunca.

Uma vez que a maior parte do acampamento chegou, Guerra

avança e a multidão se cala. Ele nos dá um longo olhar, então abre a

boca e fala naquela sua língua gutural. — Etso, peo aduno vle vegki.

Os cabelos ao longo dos meus braços se levantam.

Amanhã iremos para a batalha.


Sento dentro da minha tenda, movendo a adaga de Guerra

repetidamente em minhas mãos.

Sobreviver não é bom o suficiente.

Era uma vez, minhas regras para sobreviver ao apocalipse. Mas

agora o jogo não é mais apenas sobre sobrevivência. Não pode ser. É

sobre permanecer decente durante o verdadeiro fim do mundo.

Guerra quer que nós lutemos — bem, para ser justa, ele não dá a

mínima se eu luto. Deixou isso claro no dia em que me levou. Mas a

maioria dos ocupantes do acampamento devem ir para a batalha e

matar, assim como sua família e amigos foram mortos. Eu não sei

quantas pessoas aqui podem tolerar isso, mas eu não posso. Não posso

apenas ficar de pé enquanto pessoas inocentes são massacradas.

Olho para onde eu coloquei a foto da minha família. E se gastasse

meu tempo em batalha matando esse exército ímpio?


Matar é um negócio horrível e confuso. E matar o exército de

Guerra é semelhante a uma sentença de morte — se for pega fazendo

isso. Minha ideia não é tão sábia ou decente.

Eu também sei que não posso simplesmente sentar e ver o mundo

queimar.

A tenda é aberta e um Cavaleiro Phobos olha para dentro. — O

Senhor da Guerra deseja vê-la.

Meu estômago aperta.

Seguro o punhal de Guerra, sigo o cavaleiro fora da tenda das

mulheres, os dois fazendo o nosso caminho em direção a tenda do

cavaleiro.

À medida que nos movemos pelo acampamento, noto que as armas

foram colocadas e as pessoas estão olhando-as, descobrindo quais

delas melhor se adaptam. Eu até vejo uma criança verificando uma

adaga. Estremeço com a visão.

Entre o aglomerado de pessoas, vejo o homem da primeira noite

que agarrou sua virilha e apontou sua adaga para mim. Ele conversa

com alguns outros homens, mas seus olhos me seguem quando passo.

O agarrador de virilha passa a língua pelo seu lábio inferior.


Ele não se esqueceu de mim, o que não é bom.

Essa é uma das razões pelas quais a Regra Três está em minha lista

de diretrizes para viver. Quando as pessoas notam você hoje em dia,

muitas vezes é pelas razões erradas. Muito bonita, muito rica, muito

vulnerável, muito ferida, muito doente, muito estúpida. Você pode se

tornar uma escolha fácil para a pessoa errada.

Eu franzo a testa para o homem e sigo em frente.

Quando a tenda de Guerra aparece, meu coração acelera. Esta é a

primeira vez que nós dois conversamos desde que viajamos juntos e

minhas emoções estão em conflito. Guerra que me acompanhou antes

era uma pessoa normal. Guerra que administra esse campo é um ser

temível e sem consciência.

E a verdade é que nem conheço toda a extensão de seu poder e

crueldade, apenas que é capaz de aniquilar cidades inteiras.

Quanto da Nova Palestina se foi? Aliás, quanto das terras a leste

da Nova Palestina se foram?

Náusea me percorre. Esse é o homem com quem estou lidando. Um

cavaleiro que já matou incontáveis. Um cavaleiro que gosta da

carnificina.
Assim que nos aproximamos da abertura da tenda de Guerra, o

Cavaleiro Phobos fica de lado, deixando-me entrar sozinha.

No interior, Guerra se está sentado em uma cadeira, seus dedos

estão inclinados e pressionados contra a boca. Quando ele me vê, seus

olhos ganham vida. Meu coração acelera mais com a visão.

Por medo, não por lisonja. Pelo menos é o que digo a mim mesma.

O cavaleiro se levanta e vem até mim, é tão intimidante como

sempre. Ele estende a mão para me tocar, mas eu recuo antes que

possa.

As coisas são diferentes agora.

Guerra franze a testa. — Você dormiu em meus braços apenas dois

dias atrás e agora não pode suportar meu toque?

E se não soubesse melhor, diria que o cavaleiro parece um pouco

ferido.

— Eu não queria dormir perto de você. — Eu digo.

— Você não queria? — Ele pergunta. — Eu lhe dei a melhor cama

que pude e você ainda veio para mim.

— Pare de contar o que aconteceu. — Eu digo.


Ele se aproxima. — Parar?

— Eu não iria conscientemente dormir com você. — Eu digo. —

Não enquanto está massacrando minha espécie.

— Estou fazendo o que devo, assim como você. — Diz ele. — Pode

me culpar por isso?

— Sim. — Eu posso muito bem.

— E se soubesse o que estava do outro lado da morte. — Diz ele.

— Saberia que não há nada a temer.

— E quanto a dor? — Pergunto.

— E isso?

— Não se importa com o fato de que está nos matando, em tal dor

que está causando?

— Seu tipo apenas sente por um tempo curto.

Eu o olho. Ele não entende. Dor é dor e a morte é o fim — talvez

continuemos de alguma outra forma, mas é um fim. Nossos corpos

morrem, todas essas esperanças e sonhos terrestres morrem junto com

isso. Ele está ignorando o fato de que vale a pena a própria vida.

Eu recuo. — Por que você me chamou?


— A luta de amanhã não é para você. — Diz ele. — Deve ficar aqui,

na minha tenda. Eu terei todas as amenidades que você possa precisar.

Ah, então ele está feliz em matar pessoas, mas quando se trata de

mim, não me quer tocada por sua violência.

Sobreviver não é mais bom o suficiente.

— E se eu quiser ir junto?

Os olhos da Guerra se estreitam. Ele olha para mim por um tempo

longo demais, preciso lutar contra o desejo de me afastar.

— Que travessura está pensando? — Ele diz.

— Por que você está preocupado? — Eu respondo um pouco

defensivamente. — O que poderia fazer?

— Poderia morrer.

— E se é tão confiante que Deus me enviou para você, então com

certeza sabe que Ele vai me poupar — ou está inseguro depois de tudo?

A boca do cavaleiro se curva. — Desafiando-me não a levará a

lugar nenhum, esposa.

— Deixe-me ir. — Para que eu possa matar todos os seus leais

assassinos.
Quando ele não responde, meu olhar se move para seus lábios.

Há outras maneiras de convencer o cavaleiro...

A adrenalina aumenta minha corrente sanguínea apenas com o

pensamento. Eu sei que o cavaleiro quer me beijar. Ele quer isso e sem

dúvida, mais.

— Por favor. — Insisto, tentando novamente convencer o cavaleiro

com minhas palavras. — É apropriado que... — Hesito em minhas

próximas palavras. — Sua esposa lute ao seu lado.

Ele me observa, mas juro que parece um pouco convencido. Seus

olhos vão para os meus lábios, olhando para a minha boca da mesma

maneira que eu estava olhando para ele apenas alguns momentos

atrás.

A vitória está ao alcance; tudo o que tenho a fazer é...

Antes que eu possa pensar duas vezes sobre isso, envolvo minha

mão na parte de trás do pescoço de Guerra, meus dedos roçando os

cabelos escuros e ondulados dele. Eu tinha certeza que se sentiria

grosseiro - como o resto dele — mas é macio. Tão suave.

Os olhos de Guerra se arregalam quase imperceptivelmente ao

meu toque.
Levantando-me na ponta dos pés, pressiono meus lábios nos dele.

O beijo acabou antes de começar — sequer tenho certeza de que algo

tão breve possa ser chamado de beijo. Não obstante, o cavaleiro parece

estar em choque com isso. Em choque e faminto.

Minha mão desliza do pescoço dele e meus calcanhares tocam o

chão. — Você terá outro se concordar em me deixar lutar.

Os olhos de Guerra estão cheios de carinho enquanto ele me

observa. — Eu sabia que você seria um problema. — Ele olha para

longe e passa a mão pelo queixo. — Isso me deixa duas vezes relutante

em deixá-la ir amanhã. E ainda...

Ele se vira para mim, uma feroz vantagem em suas feições.

— Paruv Eziel ratowejiwa nós, pei auwep ror.

A mão de Deus protege você, mas a minha não pode.

Meu corpo inteiro estremece quando as palavras passam por mim,

meus joelhos enfraquecendo pelo som delas. O efeito permanece por

vários segundos antes de se dissipar.

— O que foi isso? — Eu digo, esfregando meu braço.


— Angélico, minha língua nativa. — Ele me dá um olhar intenso.

Amanhã não serei capaz de protegê-la da batalha. Você terá que se

manter segura.

Caramba, ele está realmente aceitando? Há apenas alguns minutos

ele parecia convencido de que eu deveria ficar de fora da briga. Quem

saberia que bajulação e um pequeno beijo poderia mudar toda essa

consideração calculada?

— Então, isso é um sim?

Em vez de me responder, Guerra me envolve, inclinando meu

rosto para cima. Antes que eu saiba o que está fazendo, sua boca está

de volta na minha.

Seu beijo não é nada parecido com o que dei a ele. Eu sei disso no

momento em que nossos lábios se tocam. Esse beijo é um desejo cru e

feroz. Não fui verdadeiramente beijada em mais de um ano e até

mesmo essa experiência empalidece. Os lábios de Guerra queimam

contra os meus enquanto ele me aperta.

Meus joelhos já estavam fracos de suas palavras anteriores, mas

agora cedem completamente e apenas o aperto dele que me mantém

de pé.
O cavaleiro sorri contra a minha boca, mais do que ciente de seu

efeito sobre mim.

Sua necessidade está despertando a minha. Eu o beijo de volta,

acho que não poderia fazer nada além de beijá-lo de volta neste

momento.

Eu pagarei por isso mais tarde... mas agora realmente não dou a

mínima. Esqueci como é o autocontrole.

Guerra separa meus lábios com os seus e de repente, sua língua

está pressionando contra a minha. Seu corpo parece pecado, mas ele

tem gosto de paraíso.

Minhas mãos voltam para o cabelo macio dele e meu núcleo está

em chamas. E se isso é o que o beijo dele faz comigo, não posso

imaginar como seria o resto.

Eu não sei quem termina o beijo, mas eventualmente nossos lábios

se separam.

Eu saio cambaleando dos braços de Guerra. Agora sou eu quem

está chocada. Olho para a boca dele.


Meu Deus, eu nunca quis tanto alguém de quem não gostasse. Mas

novamente, aqui está outro lado de Guerra que estou apenas

começando a ver — o imprudente e apaixonado Senhor da Guerra.

Guerra respira ofegante, seu corpo avassalador em ação. Pensei

que ele pudesse me mostrar um de seus sorrisos zombeteiros; sabe

exatamente o que fez comigo. Em vez disso, caminha na minha direção,

sua expressão determinada, claramente pronta para retomar aquele

beijo.

Eu dou um passo hesitante para trás. — Eu não posso.

A resposta correta deveria ser não, mas a verdade é que quero

beijar o cavaleiro de volta. É constrangedor o quanto quero isso.

Seu olhar está fixo nos meus lábios.

— Por que. — Diz ele. Não é uma pergunta.

Eu respiro fundo, controlando minha luxúria. Um dia minha

vagina pode encenar um golpe e dominar meu cérebro — mas esse dia

não será hoje.

Meus olhos se encontram com os de Guerra. — Porque amanhã

você ainda sairá com seu exército e isso partirá meu coração.
Nós nos reunimos antes do amanhecer.

É uma coisa quieta e sombria. Gostaria de pensar que os soldados

ao meu redor estão tão angustiados com o pensamento de matar

inocentes tanto quanto eu, mas não sei.

Eu sou uma das várias centenas que tem um cavalo. O resto do

exército segue a pé — bem, exceto pelos poucos homens e mulheres

que estão cuidando dos carros gigantes que levarão para a cidade,

carroças que acabarão voltando para o acampamento cheias de

mercadorias roubadas.

Os soldados me fazem esperar do lado da procissão do exército,

assim como da última vez que deixei o acampamento. E como da

última vez, ouço as batidas do casco cortando o ar da manhã. Guerra

sai da escuridão, a luz da tocha o fazendo parecer particularmente

ameaçador.

Eu olho para o seu cavalo vermelho sangue. Deimos, ele chamou a

criatura.
Guerra para quando se aproxima de mim.

— Fique segura. — Diz ele, sua voz tão séria quanto já ouvi.

— Tente não matar muitas pessoas. — Eu respondo.

Um sorriso curva seus lábios. — Não existe tal coisa como muitos.

Ugh.

— Adeus, esposa. Nos encontraremos novamente no campo de

batalha.

Com isso, Guerra cavalga até a frente da procissão. Os soldados

que podem vê-lo levantam suas armas e tochas e gritam.

Idiotas.

Lentamente, todo o exército começa a se mover. Eu entro na linha

junto com o resto deles, meus nervos tensos. Muitos de nós estamos

indo para Ashdod, uma cidade situada ao longo da costa da Nova

Palestina. Lar de muitas pessoas.

O passeio é estranhamente quieto. Ninguém fala um com o outro,

então o único som é a batida de cascos e passos. Dezenas de soldados

carregam tochas e a luz do fogo ilumina seus rostos sombrios.


E de um lado da minha cintura está a adaga embainhada de Guerra

e do outro lado está uma espada que levantei antes. É um pouco pesada

e a vantagem é pouca, mas precisarei usá-la de qualquer maneira, se

entrarei na briga.

Sinto minha resolução endurecendo.

A Regra Um sempre foi: siga as regras. Mas se as regras estão

erradas, precisam ser quebradas. Precisam ser esmagados em pedaços.

E hoje farei exatamente isso.

O Exército de Guerra ataca os aviários primeiro.

Assim que entro na cidade, ouço os gritos agudos dos pássaros. O

fogo já engole vários edifícios e em um deles há pássaros presos dentro.

Ao meu redor, as pessoas estão brigando e gritando, fugindo e

morrendo, mas é o som daqueles gritos de pássaros que realmente me

arrepiam.

Atacar os aviários é como cortar todo e qualquer aviso que possa

ser transmitido ao mundo exterior.

Presumo que Guerra se reuniu com seus homens para falar sobre

estratégia de batalha, mas realmente não pensei em como essa

estratégia seria.
Um pássaro solitário voa pelo ar, sua forma parcialmente

obscurecida pelas nuvens de fumaça saindo da cidade em chamas. Eu

me atrevo a esperar que ele escape do fogo, carregando um aviso que

alguém conseguiu rabiscar antes que fosse tarde demais. Espero que

esteja indo para algum lugar que não tenha sido atingido pela guerra.

E espero que o pássaro realmente chegue ali.

Vá, eu silenciosamente incentivo.

Tem uma chance de lutar, realmente sim.

Mas então vejo alguns arqueiros em um telhado próximo. Eu vejo

aqueles soldados armarem seus arcos e mirar. E então os vejo soltar

suas flechas. Deve haver uma dúzia delas pelo céu.

A maioria erra o pássaro, mas uma atinge a criatura no peito. Ele

cai do céu e sinto minha esperança mergulhar com aquele pássaro.

Não haverá avisos para repassar, assim como não fomos avisados.

Todos apenas lutaremos e morreremos, Guerra seguirá em frente para

destruir mais cidades até que o mundo inteiro acabe.

Estamos enfrentando uma extinção em massa e não

sobreviveremos a ela.
É horrível as coisas que vejo.

Os corpos, o sangue, a violência desnecessária. Mas o pior, o pior

absoluto, são os rostos dos civis que perderam tudo de uma vez.

Alguns deles sequer correm. Eles veem as vidas que construíram

para si mesmos destruídas e ficam nas ruas, simplesmente chorando.

Todas essas pessoas sobreviveram a uma guerra civil. Viram a

destruição e a violência varrer tudo. E pela segunda vez, precisam

suportar isso. Alguns simplesmente desistiram. E se o mundo é tão

difícil de viver, não vale a pena viver nele.

Eu passeio pela cidade no meu cavalo, meu coração na garganta.

Edifícios estão totalmente envolvidos em chamas. Pior ainda,

Ashdod é uma cidade para a qual as pessoas se aglomeravam após a

chegada e as favelas pelas quais passei parecem ser ainda mais

inflamáveis do que os prédios mais antigos. Não é nada além de uma

parede de chamas vermelho-laranja; até o chão parece arder nesses

bairros mais novos e desesperados, posso ouvir os horríveis gritos

agonizantes dos que estão presos lá dentro.


Eu paro meu cavalo, meus olhos vasculhando a paisagem. Estou

tão empenhada em lutar contra o exército de Guerra que esqueci que

ainda posso ajudar as pessoas. Esse não é o objetivo final? Sobreviver

ao apocalipse?

Eu vejo uma mãe e os dois filhos que ela pressiona perto dela, não

posso reagir. Poderia ser minha família e eu.

Eu guio meu cavalo até eles e pulo, mantendo as rédeas no meu

punho.

Os olhos da mulher estão fechados, como se isso pudesse excluir o

pesadelo e ela está calando os filhos chorando.

— Você precisa sair da cidade. — Digo a ela. Quando ela não reage,

pego seu braço. Ela grita e se afasta. — Ouça-me. — Repito, sacudindo-

a um pouco.

Seus olhos se abrem ao tom da minha voz.

— Leve seus filhos, pegue este cavalo e ande o mais longe possível

da cidade. Acho que o exército está descendo a costa, então ande em

qualquer direção, menos essa.

Ela me dá um aceno de cabeça trêmulo.


— Deve haver comida e água nos alforjes. Não muito, mas o

suficiente para mantê-la por um tempo. Não pare, não até que esteja

longe, muito longe.

Quando ela não se move imediatamente, empurro minha cabeça

para o cavalo, que está ficando cada vez mais agitado com a violência

ao nosso redor. — Depressa, antes que eles matem todos nós.

A mulher parece se libertar de qualquer feitiço, se movimentando

e seus filhos em direção ao cavalo. Rapidamente, ajudo-a e aos seus

filhos e entrego-lhe as rédeas.

— Fique segura. — Eu digo, ecoando as palavras anteriores de

Guerra.

Com isso, ela bate nas laterais do cavalo e Thunder — ou quem

quer que seja esse cavalo — decola. Olho para eles por vários segundos,

observando-os ir embora. Eu tenho uma sensação terrível de que eles

não estarão melhores do que aquele pássaro que escapou dos aviários.

Que dentro de uma milha ou duas, também serão abatidos.

Espero que não. Não posso suportar o pensamento daquela família

sendo despedaçada como a minha. Os sons da guerra flutuam — os

gritos, o choro e entre todos, o barulho dos corpos sendo abertos.


Eu pego minha espada.

Seja corajosa.

Eu me viro justamente quando um homem aponta uma arma de

cano longo para mim. Ao vê-lo, congelo.

Meu coração está na garganta.

Eu não vi um desses em meses. Mas lembro-me das armas e sei

como fica a carne quando uma bala rasga.

Eu vejo a camisa branca do homem e a calça do pijama. Ele

provavelmente estava dormindo quando entramos — agora está

lutando por sua vida. Há respingos de sangue em sua camisa e merda,

realmente não quero lutar com ele, quero ajudá-lo.

— Por favor. — Eu digo levantando a mão para acalmá-lo. — Eu

não irei...

Eu não vejo o dedo do homem se mover, mas ouço a explosão da

arma. Gritos de metal como parte da arma explodem, soprando o rosto

do dono.

Ao vê-lo, cubro minha boca com as costas da mão, forçando minha

náusea.
É por isso que as pessoas pararam de usar armas. Nos dias de hoje,

armas de fogo tinham o péssimo hábito de explodir. Você estava mais

propenso a se matar do que a acabar com um inimigo.

Apenas tenho alguns segundos para processar o fato de que o

homem está morto e eu não estou, antes de ser arrastada na maré da

luta.

Nas próximas horas, há outros que ajudo no corpo a corpo. Não

tenho certeza se isso faz muita diferença. Quero continuar salvando

pessoas inocentes — e o farei — mas é difícil ver o ponto em que elas

estão tão sobrecarregadas pelos soldados. É o exército de Guerra que

realmente precisa ser parado.

As carroças do exército circulam pela cidade e soldados

saqueadores carregam mercadorias. Sacos de cereais, jarras de água e

quaisquer outros em que possam colocar as mãos. Frutos secos, nozes,

animais de fazenda — que prontamente matam, porque galinhas e

cabras não viajam bem.

O que não está sendo levado é queimado até o chão. A cidade

inteira parece estar em chamas.

À minha frente, meus olhos caem sobre um soldado morto, um

arco e uma aljava quase cheia ainda presa às costas.


Olho para os itens por vários segundos. O arco é grande — feito

para um homem alto — e o aperto não será familiar, mas aí está. Sou

muito melhor com um arco e flecha do que com uma lâmina. E uma

arma como essa me daria a habilidade de ferir inimigos de forma

encoberta.

Sem outro momento de hesitação, corro para ele, abaixando-me e

desviando-me para evitar as batalhas na rua.

Caio de joelhos ao lado do homem. Seu sangue está escorrendo

como um rio de uma ferida na cabeça. Tento não olhar para ele mais

de perto quando começo a erguer o arco e a aljava de seu corpo.

Eu tenho o arco sobre o ombro quando uma mulher a cavalo sobe

pela rua e tenho que sair do caminho para que seu corcel não me

atropele. Um momento depois, estou de volta ao lado do homem,

arrastando suas armas para longe de seu corpo, as flechas tremendo.

Consegui!

A aljava foi projetada por um torso muito maior, o arco é pesado e

estranho na minha mão, mas tenho os dois!

Agora corro, meus olhos observando as ruas em busca de um bom

prédio para entrar. Não há muito para escolher, considerando que a


maior parte da cidade está queimando, mas vejo alguns edifícios que

estão resistindo às chamas.

Eu corro para uma deles, uma estrutura de três andares que deve

ter ocupado escritórios ou apartamentos. Encontrando a escada, subo

de dois em dois. O suor escorre pela minha pele e tusso enquanto

respiro o ar esfumaçado.

No terceiro andar vou para uma das salas, que não são escritórios

depois de tudo, mas sim apartamentos. A família grita dentro e uma

mulher mais velha tenta bater minha cabeça com um pote.

— Uau! Estou saindo!

Porra.

Eu deslizo de volta para fora e fecho a porta atrás de mim. —

Tranque a porta da próxima vez! — Eu grito através das paredes.

A porta provavelmente não tem um cadeado, você é uma idiota.

Correndo para a próxima porta, entro no apartamento, desta vez

um pouco mais cautelosa. Mas o lugar está vazio. Vou a janela e

pegando um jarro próximo, quebro o vidro.


Derrubando os cacos restantes, pego uma flecha e coloco no arco.

E então vou a caça.

Nas ruas abaixo, os soldados de Guerra estão causando o caos.

Aponto minha flecha para uma mulher que conduz sua faca através da

barriga de outra mulher.

Por favor, não erre.

Eu respiro fundo e libero a flecha.

Vai largo por um metro.

Coloco outra flecha no arco, aponto novamente, desta vez

corrigindo a distância. Puxando a corda de volta, libero a flecha.

Eu não ouço a pancada doentia de bater na barriga da mulher, mas

vejo a flecha espetar. É uma ferida que ela pode sobreviver, mas não

me incomodo em acompanhá-la, porque a dez metros da rua, um

homem está tentando puxar a calça de uma mulher.

Eu poderia acertar...

O pensamento não me impede de mirar e atirar. O corpo do

homem recua quando a flecha o atinge logo abaixo do coração. Ele

cambaleia para frente, para a mulher que grita. Ela empurra seu corpo
para longe e corre, sem olhar para trás para ver de onde veio a

libertação.

Sem parar atiro até ficar sem flechas.

Deixo meu ponto de vista, voltando para o prédio. Acabo de sair

pela entrada da frente quando Guerra percorre a rua, com a espada

ensanguentada. As pessoas estão gritando e se espalhando.

Outra arma dispara. Eu não tenho tempo para ver o atirador ou me

perguntar se a arma de fogo realmente funciona. Estou muito ocupada

olhando Guerra quando o tiro explode nele. Seu corpo vai para trás, a

força do golpe jogando aquela montanha de homem fora de seu cavalo.

Sua montaria continua avançando, deixando-o para trás.

O cavaleiro está imóvel no chão, os cabelos escuros sem brilho na

luz nebulosa.

Ele está morto? Disse que poderia morrer.

Minha pele se arrepia com o estranho pensamento. Seja o que for

que sinto, a emoção é mais conflituosa do que deveria ser.

Guerra começa a se mover e meus pensamentos somem. Ele se

levanta do chão, tenta várias vezes. Um sorriso malicioso se espalha

em seu rosto.
Agora me viro para olhar para mulher que segura a arma. Sua mão

está firme, embora seus olhos estejam arregalados. Ela é um pouco

mais velha do que eu, o hijab que ela usa ondula na brisa enquanto

aponta sua arma para Guerra. E então ela aperta o gatilho.

As balas atingem seu corpo, empurrando para esquerda e para a

direita enquanto ele avança. Ele abre os braços e ri como um bastardo

louco quando os disparos perfuram sua armadura e afundam na pele.

Seu sangue escorre em grossos riachos das feridas, deslizando por seu

corpo.

Eu olho para ele com horror.

Deus querido, ele realmente não pode morrer.

A mulher atira até que sua arma clica. Guerra solta uma risada

baixa e seus olhos estão selvagens. Sem pensar, atravesso a rua, ficando

na frente da mulher, bloqueando-a do cavaleiro.

Os olhos de Guerra se fixam em mim. Há um momento de

surpresa; esta é a primeira vez desde o início da batalha que nos

encontramos. Mas sua surpresa rapidamente desaparece e seus olhos

se estreitam.
— Não fique entre nós, mulher. — Diz ele, sem se incomodar em

falar em línguas. Sua voz gutural me corta como um vento frio.

— Eu não o deixarei matá-la. — Eu não sei o que a mulher estava

pensando, mas é melhor ela fazê-lo rapidamente.

— Miriam. — A voz de Guerra é tão séria quanto já ouvi. — Mova-

se.

Seja corajosa.

— Não.

O cavaleiro me observa, suas feridas ainda estão sangrando. — Há

milhares de inocentes nesta cidade. Ela não é uma delas. Não

desperdice sua misericórdia.

Eu endireito meus ombros. — Eu não me moverei.

Guerra chega até mim e me lembro de por que ele é tão assustador.

Tem mais de dois metros de altura e quase todo centímetro dele está

coberto de sangue.

— Você está jogando um jogo perigoso, esposa. — Diz ele, sua voz

baixa.
Acho que é para ser uma ameaça, mas sinto aquela voz baixa no

meu ventre e sou lembrada novamente do beijo do cavaleiro.

— Eu não considero a vida e a morte como um jogo. Poupe-a.

— E se ela tentar me matar novamente? — Ele diz. — Isso é

loucura, mulher.

Quando ele diz isso, ouço um tinido surdo. Olho para baixo a

tempo de ver uma bala sangrenta e gasta rolar ao longo da estrada.

Isso... saiu dele.

Bolas sagradas.

— Que mal faria? Poupe-a. — Eu insisto novamente.

— Você gosta dela simplesmente, porque tentou me matar. — Diz

ele, dando-me um olhar.

Talvez.

— Ela é corajosa.

Ele olha por cima do meu ombro para mulher, uma careta no rosto.

— Ela causará problemas.

Mas ele está realmente considerando isso.


Eu pressiono minha vantagem. — Dê a ela uma tarefa útil, faça-a

cozinhar coisas ou administrar algo.

A batalha ainda está acontecendo ao nosso redor e a cada segundo

que passa as chances dessa mulher sobreviver aumenta cada vez mais.

Guerra olha para ela por um tempo incrivelmente longo. Seu lábio

superior se curva.

— Isso é um desperdício do meu tempo. — Diz ele. — Por causa

de seu coração mole, a deixarei viver, por enquanto.

Ele assobia para um soldado próximo e acena. O homem corre para

o lado de Guerra. Inclinando-se para perto, o cavaleiro sussurra algo

para o soldado. O homem acena com a cabeça em resposta e depois se

afasta.

Eu olho para trás. A mulher ainda está parada no meio da estrada,

embora em algum momento ela tenha conseguido uma faca.

Por que você não correu quando teve a chance? Quero perguntar a ela.

Ela muda o peso de um pé para o outro, os olhos em mim, depois

em Guerra e o soldado. Ela tem um olhar irritado e desesperado.

O homem se afasta de Guerra, caminhando até a mulher.


— O que ele está fazendo? — Pergunto a Guerra, alarmada.

O lábio superior do cavaleiro se curva. — Poupando-a. — Diz ele,

com uma nota de nojo em sua voz.

A mulher ergue a arma quando o soldado se aproxima, mas o

homem bate com facilidade a lâmina, agarrando-a pelo ombro. Assim

que o soldado a toca, ela fica furiosa, arranhando, chutando e gritando.

Apertando os dentes, o soldado começa a se explicar para ela,

gesticulando primeiro para o cavaleiro e para mim, logo para um

cavalo próximo. O que quer que o soldado esteja lhe dizendo, está

fazendo com que ela lentamente, relutantemente, coopere.

Um minuto depois, ele leva a mulher a um cavalo próximo e a

ajuda a subir na sela, murmurando baixinho.

— Tem certeza de que ele não vai apenas cortar sua garganta no

momento em que estivermos fora de vista? — Eu pergunto a Guerra

enquanto olho para os dois. Eu nem sei porque estou tão envolvida

nisso. Talvez seja simplesmente porque a mulher feriu Guerra.

— Não. — Ele responde enquanto o soldado e a mulher se afastam.

— Não o fará. Os corações dos homens são inconstantes e cruéis.


Eu dou a ele uma olhada assim que outra bala se solta da

armadura, tilintando no chão.

O cavaleiro chega perto e sem aviso, ele segura a parte de trás da

minha cabeça e me puxa para um beijo selvagem. O mundo está

girando, mas no momento em que os lábios de Guerra tocam os meus,

o ciclone parece parar.

Não há mais batalha, não mais morte e violência, não há mais céu

aberto contra a terra. Apenas ele e eu.

Ele tem gosto de fumaça e aço, meus lábios respondem aos dele,

assim como na noite anterior. Parece que não posso não o beijar,

mesmo quando ele representa tudo o que luto contra.

Sua boca saqueia a minha repetidamente, logo Guerra se afasta do

beijo e o mundo volta ao normal.

Eu olho para o cavaleiro, atordoada, enquanto ele se afasta, seus

olhos delineados com kohl fixos aos meus.

— Deimos! — Ele chama, sem desviar o olhar.

O corcel da guerra vem galopando para ele como se estivesse

apenas esperando pela ordem.


O cavaleiro monta a fera enquanto eu fico ali, imaginando que

porra estava pensando quando o beijei de volta.

Guerra não diz mais nada. Com um olhar final, ele volta para a

batalha.

No momento em que a luta termina, ninguém é deixado.

As ruas estão cheias de mortos e moribundos. Os edifícios cinzas e

entulhados. O outrora céu azul é agora um vermelho acastanhado e

cinza desce como a neve.

Os cativos foram levados e o resto de nós volta ao acampamento.

Minhas mãos tremem de dor e exaustão, fome e um profundo

sentimento de pesar. O que aconteceu hoje não foi o certo.

Eu tropeço no cavaleiro novamente no meu caminho para fora da

cidade.

Guerra está em uma encruzilhada, de costas para mim, um campo

de corpos espalhados ao redor dele. Está salpicado de sangue,

inspecionando calmamente a destruição.

Não pode ser algo sagrado. Não pode. Nada puro pode ser

responsável por uma dor como essa.


Mas então ele se vira e seus olhos encontram os meus. Sob seu

olhar, há um peso e uma resolução. E se olhar o suficiente, posso até

dizer que ele parece um pouco sobrecarregado.

Olho para longe antes que isso aconteça.

Eu continuo andando e contornando os corpos, passeando direto

por ele como se fosse invisível.

Não dois minutos depois, ouço galopar atrás de mim. Eu giro

apenas a tempo de ver o cavaleiro montado em seu cavalo de batalha,

Deimos, os dois vindo direto para mim.

Guerra se inclina para fora da sela, o braço estendido. Eu começo a

sair do caminho, mas ele simplesmente ajusta sua trajetória. A

distância diminui entre nós — dez metros, cinco, dois.

Seu braço bate no meu meio, me levantando do chão. Minha

respiração me deixa de uma vez quando sou arrastada para seu cavalo.

Ofego por ar enquanto Guerra coloca minhas costas contra sua frente.

— E da próxima vez, espere por mim. — Diz ele no meu ouvido.

Improvável.
Eu faço uma careta para ele por cima do meu ombro enquanto me

leva para fora da cidade, odiando que esteja pressionada contra ele.

Uma vez que respiro profundamente algumas vezes, digo: — Você

me fez matar hoje. — Eles eram seus soldados, mas ainda assim eu não

era.

Não estava certo, nada disso estava certo.

Guerra não responde.

Claro que não.

O cavalo do cavaleiro diminui à medida que nos juntamos ao

último exército, que se reuniu nos limites de Ashdod. Não sei por que

os soldados de Guerra pararam ali, em vez de voltar ao acampamento

ou por que Guerra está parando com eles.

Deimos para. Guerra me deixa ir e isso por si só deveria ter me

dado a entender que algo estranho estava acontecendo.

Sinto o olhar do cavaleiro queimando nas minhas costas enquanto

vou para a multidão de soldados reunidos. As pessoas ao meu redor

olham para o Senhor da Guerra como se estivessem esperando por um

anúncio.
Os Cavaleiros Phobos de Guerra se espalham ao redor dele, o

grupo ainda em seus corcéis. Eu olho para esses homens estoicos,

montados, cada um usando uma faixa vermelha em seu bíceps. Como

Guerra, muitos deles passaram a usar kohl para escurecer seus olhos.

Um silêncio cai sobre a multidão e minha pele fica arrepiada.

Todos os olhos ainda estão em Guerra.

O que está acontecendo?

Sem palavras, o cavaleiro chega às ruínas de Ashdod, com a palma

da mão virada para cima. Seu braço começa a tremer, seus músculos

tensos sob sua armadura. Lentamente, ele levanta o braço, cada vez

mais alto, como se levantasse um grande fardo.

Eu olho ao redor novamente para todos os rostos enlevados.

Ok, sério, que porra está acontecendo?

Por um longo minuto, tudo fica silencioso, tudo ainda está.

Então, sinto isso aos meus pés.

A terra começa a tremer. É sutil no início — quase acho que é minha

imaginação — mas continua se intensificando até que minhas pernas

vibrem. Seixos escorregam pelo chão e pela terra. Durante todo o


tempo, Guerra senta-se em seu cavalo, o braço erguido, suas feições

plácidas.

Um arrepio percorre minha espinha. Algo está acontecendo, algo...

Ao nosso redor, a terra começa a se abrir. As pessoas saltam ou

tropeçam enquanto o chão ao redor se abre.

E depois...

O chão se move. Não apenas abrindo, mas movendo-se. Parece

vivo e não consigo entender o que estou vendo — até que uma mão

ressecada se ergue do chão.

— Querido Deus. — Digo.

E da terra, os mortos se levantam.


As histórias eram verdadeiras. As do leste. Aquelas sobre o leste.

Meus olhos percorrem a paisagem plana. Em todos os lugares que

meus olhos pousam, os mortos estão subindo. Existem dezenas e

dezenas deles. O chão debaixo dos meus pés estava cheio de sepulturas

não marcadas e delas, os que se foram há muito estão voltando à vida.

Alguns não são nada além de esqueletos; outros ainda têm pedaços

de carne agarrados a seus corpos ressecados.

Assim que se levantam, se voltam para Ashdod.

Demora menos de um minuto para ouvirmos os gritos distantes

começarem.

Querido Deus. Ainda havia pessoas vivas na cidade. Apenas que

agora, ouvindo aqueles gritos...

A horrível e assustadora verdade profunda e é paralisante.

Os mortos estão matando os sobreviventes. Por isso que não ouvi

nada além de rumores sobre as cidades que foram para o túmulo.


Guerra não deixa sobreviventes e sem sobreviventes, não há como

avisar o restante do mundo que o cavaleiro estava chegando.

Eu vou à frente do grupo, ao lado dos Cavaleiros Phobos. Logo

vejo a estrada para Ashdod. Minhas pernas quase se dobram enquanto

olho para a cidade ardente agora cheia de zumbis.

Meu olhar se volta para Guerra, com o braço estendido.

Ele está fazendo isso. Sozinho.

Sem pensar, meus pés se movem para frente, em direção a ele.

Um cavaleiro Phobos montado bloqueia meu caminho. —

Ninguém perturba o Senhor da Guerra.

Guerra se vira então, seus olhos cheios de intenção sombria. Ele

abaixa o braço, embora os gritos não parem.

— Jehareh se hib'wa. — Diz ele.

Deixe-a passar.

Eu empurro o cavaleiro, sentindo o olhar dele em mim.

— Pare com isso. — Eu digo quando me aproximo.


Ele me olha por um longo tempo, seu rosto ilegível. Então, muito

deliberadamente, se vira de volta para a cidade.

Está é minha resposta. Está escrito em todas as linhas do corpo

dele.

Não.

— Pare com isso. — Eu digo mais alto. — Por favor. Isso não é

guerra.

Isso é erradicação.

A voz do cavaleiro ressoa. — Esta é a vontade de Deus.

Sou forçada a esperar até acabar. É depressivamente rápido. Pelo

que parece, não há vencedores contra os mortos. E se o seu oponente

não pode morrer, então não pode realmente ser parado.

Em algum momento, os gritos começam a diminuir. Não é mais

um coro distante de gritos, mas um sussurro. E então isso também

desaparece.

Logo após os gritos desaparecerem, algo ao meu redor... muda.

Não posso dizer exatamente o que é, apenas que o ar parece mais fácil
de respirar. Talvez seja a tensão coletiva de todos. A multidão parece

estar se animando agora que o entretenimento acabou.

Guerra abaixa a mão e vira o cavalo para longe da cidade, guiando-

o para mim. Ele para ao meu lado, estendendo a mão. É a mesma mão

que ele usou para ressuscitar os mortos.

— Aššatu. — Diz ele.

Esposa.

Está claro que ele quer me carregar de volta em seu cavalo e me

devolver ao acampamento. Afasto da mão dele, meus olhos se

levantando para encontrar o do cavaleiro.

— Eu te odeio. — Eu digo baixinho, meu pulso acelerado. — Acho

que o odeio mais do que nunca odiei qualquer coisa antes.

O comportamento confiante de Guerra diminuiu um pouco com as

minhas palavras. Eu juro por um momento que ele parece quase...

incerto.

Afasto-me dele e ele recebe a mensagem alto e claro, afastando a

mão. Ele permanece por vários segundos a mais e novamente, sinto sua

profunda dúvida. Por tudo que supostamente conhece os humanos,

parece não saber como lidar com o nosso humor.


Logo, Guerra me lança um olhar pesado e final, então dirige seu

cavalo para a frente da multidão. Acho que ele imaginou que o seguiria

de volta a pé ao lado dos soldados, que agora estão atrás dele.

Não.

Fico enraizada no lugar, observando todos recuarem como vieram.

Eu giro ao redor e enfrento os restos ardentes de Ashdod. Meu

coração dói ao vê-lo. Era assim que Jerusalém estava? Bem, se pudesse

ficar no Monte das Oliveiras neste exato momento e olhar para minha

cidade natal, pareceria tão silenciosa e quieta quanto Ashdod?

Eu dou alguns passos em direção à cidade, o pensamento me causa

arrepios.

Esta pode ser minha chance de escapar. Há, sem dúvida, motos,

barcos e comida, além de todos os outros tipos de recursos deixados na

cidade. Eu poderia armar e me equipar, logo sair.

Lançando um breve olhar sobre meu ombro, verifico para ter

certeza de que nenhum soldado está voltando por mim. Mas nenhum

dos homens e mulheres lançam um olhar atrás deles.


Por que ninguém me impede? O pensamento preocupante passa

pela minha mente apenas por um segundo ou dois antes de encarar

Ashdod novamente.

Eu dou mais alguns passos. Não importa, eu decido, sou eu quem

precisa me adiantar se quiser realmente fazer isso.

Porque Guerra provavelmente virá e apenas posso imaginar sua

ira.

Com esse pensamento arrepiante, começo a correr em direção à

cidade.
A cinza roda ao longo das estradas de Ashdod e o ar cheira a

fumaça e carne carbonizada.

É como as histórias disseram que seria. Ossos nas ruas, cemitérios

cultivados como campos. Apenas agora que entendo completamente.

Eu me abaixo e pego um fêmur, deixando o resto do esqueleto onde

estava na estrada.

Os mortos vieram e arrasaram os últimos remanescentes vivos da

cidade, então, pela aparência, estão mortos. Um calafrio me percorre

quando vejo os corpos, alguns que claramente morreram hoje e outros,

como o esqueleto à minha frente, há muito desaparecido.

Agora preciso encontrar uma bicicleta.

Começo a vasculhar as ruas procurando por qualquer bicicleta,

tentando não ficar assustada com o silêncio antinatural. Estou tão

perdida em minha própria missão que quase não ouço os passos suaves

nas minhas costas.

É quase tarde demais quando me viro.


Um homem enorme está a poucos metros de mim e correndo a toda

velocidade, com uma espada na mão. Eu tenho apenas alguns

segundos para desembainhar minha própria arma.

Ele balança sua espada acima, abaixando e solto um grunhido

enquanto apressadamente bloqueio seu ataque, sua lâmina

encontrando a minha menor. Eu tenho que segurar minha espada

emprestada com as duas mãos para mantê-lo afastado.

Eu olho nos olhos do homem.

Puta merda

Estão vidrados como os de uma boneca e levemente embaçados.

Mas o pior de tudo, não há nada por trás deles. Nenhuma inteligência,

nenhuma curiosidade, nenhuma personalidade.

Nós realmente temos almas. Devemos, porque essa centelha de

vida se foi do olhar deste homem.

Subindo meu pé entre nós, o chuto para longe, comprando alguns

segundos preciosos. Agora que dou uma boa olhada nele, seus olhos

não são a única coisa errada sobre ele. Seu torso está encharcado de

sangue de uma ferida no estômago que recebeu e sua pele é de uma

cor cinza.
Ele pode estar se movendo e lutando, mas não há dúvida em minha

mente que este homem está bem e verdadeiramente morto.

Consigo soltar meu arco antes que ele ataque novamente. Minhas

flechas balançam em seu tremor quando desvio outro golpe e depois

outro.

Sinto-me como uma idiota. Fui até ali assumindo que qualquer que

fosse a mágica que Guerra usou em seus mortos, acabou. Eu mereço a

morte que provavelmente terei por este tipo de merda.

O homem morto continua se aproximando e é tudo que posso fazer

para desviar seus golpes.

Eu realmente espero que minha espada seja afiada o suficiente para

a carnificina que preciso fazer. E isso será como em um açougue. Um

golpe letal não vai parar este cadáver.

Eu pego o pulso do homem, então me sinto quase em choque. Sua

pele é apenas um pouco fria e há mais, a carne um pouco dura — eu

não sei, algo — que é claramente anormal.

Um segundo depois, abaixo a espada e começo a seu pulso. Meu

agressor empurra o braço para longe, me enviando tropeçando para

trás.
Em um ataque de pânico, desembainho minha adaga e o apunha-

lo nos olhos, fazendo uma careta.

Bem, se ele não me enxergar, tenho uma chance de sobrevivência.

Eu tento lembrar que o homem se foi, que essa coisa é apenas uma

marionete que não pode sentir dor. E tenho certeza que a criatura

realmente não pode sentir nada, porque ao invés de se defender, ele

solta sua espada e alcança minha garganta.

E agora meu atacante cego não precisa me ver para matar minha

bunda idiota. Ele pode espremer a vida de mim perfeitamente bem sem

seus olhos.

Então, desesperadamente começo a serrar o pulso dele novamente

e quando isso não faz uma diferença notável, coloco um dos meus pés

contra o peito dele, depois o outro.

Pontos pretos preenchem minha visão.

Sufocando.

A água corre em...

Não, não, não. Isso não acontecerá novamente.


Com um impulso enorme, empurro meus pés contra o peito do

homem morto, recostando-me contra seu aperto.

Meu pescoço se solta de suas mãos e caio no chão, sufocando por

ar. Quando ele mergulha atrás de mim, consigo me afastar na hora

certa, minhas armas miraculosamente ainda na mão.

Levantando, me arrasto pelo chão.

O homem morto está lutando para voltar a ficar de pé.

Não posso deixar isso acontecer.

Eu fecho meus olhos contra o que estou prestes a fazer, então

coloco a lâmina no pescoço dele.

Minha espada corta sua carne e ela não é tão afiada quanto precisa

ser. São necessárias muitas oscilações para cortar a cabeça do corpo

dele e tenho vergonha de dizer que o tempo todo mordo meu lábio

para não gritar — apenas para o caso de haver mais mortos por aí.

Foda-se este dia e todas as suas atrocidades.

Mesmo depois de conseguir remover a cabeça do homem de seus

ombros, seu corpo ainda se move. Seus braços ainda se agitam, suas

pernas ainda chutam; ele não perdeu nada de sua motivação.


Eu cambaleio para longe dele, depois tropeço, caindo duro em

minha bunda. Pressiono as costas da minha mão na boca, segurando

um soluço persistente que quer sair. O cadáver se levanta, balançando

um pouco agora que sua cabeça se foi.

Levante-se, Miriam. Levante-se antes que outra criatura a encontre.

Eu me forço a levantar e recuar, embainhando a espada e minha

adaga. Meus olhos continuam voltando para essa abominação, mesmo

quando me afasto dela.

E então corro.

Não sei como o próximo zumbi me encontra, apenas sei que não

estou fora da cidade antes que outro venha em minha direção com uma

espada na mão.

Porra.

Sempre imaginei que os fantasmas se arrastavam e mancavam.

Nunca imaginei que seriam tão ágeis.

Então, novamente, a julgar pelo homem enorme que vem em

minha direção, suponho que Guerra escolheu apenas os mortos mais

frescos e mais equipados enquanto o resto apodrecia.


Estes últimos zumbis devem patrulhar a área a procura de

qualquer pessoa viva que se atreva a caminhar pela cidade.

Bombeio meus braços e forço minhas pernas a se moverem mais

rápido, embora o peso do meu armamento me atrase. Eu não ouso cair.

Mas acho que o farei em breve.

O pensamento de fuga parece um sonho. Abandonei toda a

esperança de fugir de Guerra e seu exército. Tudo que quero agora é

voltar ao acampamento com vida.

Eu avanço apenas um quarteirão antes do cadáver quase me pegar.

Giro ao redor, desembainhando minha espada.

O homem vem para mim como um trem de carga, balançando sua

arma com perícia sobrenatural. O lado esquerdo de seu corpo está

inundado de sangue. Fora isso, ele parece quase completamente

intocado.

Eu o afasto o melhor que posso, mas ele é implacável, incansável.

Balança sua espada uma e outra vez, a cada golpe que bloqueio, sinto-

me enfraquecendo. Apesar da minha adrenalina anterior, o cansaço

está se instalando. Eu tenho lutado por muito tempo e passei a última

das minhas energias.


O som de cascos troveja nas minhas costas.

— Cessar! — A voz profunda de Guerra soa.

E de repente, meu atacante cai no chão, inanimado mais uma vez.

O barulho dos cascos não diminui.

— Miriam! — Guerra grita.

Eu me viro para encará-lo, meu corpo inteiro subindo e descendo

com minha respiração ofegante.

O inabalável Senhor da Guerra não está mais estoico. Seu rosto é

uma máscara de fúria.

O cavaleiro está fora de sua montaria em um movimento fluido. E

então corre para mim. — O que em nome de Deus você está fazendo?

— Ele grita. Quando se aproxima, agarra meus braços. Ele obviamente

não se importa que eu ainda esteja segurando uma espada.

Eu entro e saio, ofegando por ar. Olho para o homem morto a meus

pés e um tremor espontâneo invade meu corpo.

Querido Deus, nunca vi nada tão assustador e antinatural em toda

a minha vida. E isso não podia ser parado.


— Esta manhã lhe pedi para ficar segura e é isso que você faz? Veio

aqui procurando a morte?

Ainda estou tentando recuperar o fôlego. Tudo que consigo é

balançar minha cabeça. Eu nem sabia que ainda havia zumbis

patrulhando essas ruas por sobreviventes. Claro que não teria vindo se

soubesse.

— Você poderia morrer! — Diz ele, com os olhos selvagens.

Eu quase morri.

Guerra me solta para amaldiçoar, passando a mão pela boca e

mandíbula.

Eu respiro instável e me afasto dele, tentando recuperar a

compostura e mais importante, não me mijar.

— Onde você pensa que vai? — A voz do cavaleiro é mais calma

agora, mais sob controle.

Ainda assim, não respondo.

Na minha frente, um dos mortos começa a se contorcer. Então,

como uma marionete, o homem se levanta. Ele é um dos mortos


grotescos, metade do seu rosto desapareceu. Ele se aproxima de mim e

agora eu paro, minha mão instintivamente apertando a espada.

Mas a criatura não ataca. Não que precise. Tudo o que precisa fazer

é caminhar em minha direção e agora estou recuando, recuando até me

deparar com carne dura e quente.

As mãos de Guerra se fecham sobre meus braços, me prendendo

no lugar mais uma vez.

Na minha frente, o homem morto cai no chão.

— Responda. — Diz o cavaleiro. — E você não fugirá.

Minha raiva aumenta, enchendo-me de veneno. Giro nos braços de

Guerra para que possa encará-lo.

Quero dizer novamente o quanto o odeio, como me sinto repelida

por ele, mas um olhar nos olhos do cavaleiro e ele sabe. Eu não sei se

importa, mas pelo menos sabe.

— Por quê? — Eu digo em vez disso. — Por que matou todos?

Agora é a sua vez de não responder.

— Por quê? — Pergunto novamente, mais insistente.


O lábio superior de Guerra se levanta, o rosto sombrio. Ele não

responde.

Ainda mantém meus braços em cativeiro, mas isso não me impede

de empurrá-lo.

— Por quê? — Eu repito. Outro empurrão — Por quê? — Outro. E

outro. — Porque, porque, porque?

Estou perguntando como um canto e empurrando-o

repetidamente. O cavaleiro não oscila tanto. Eu também poderia estar

empurrando uma pedra.

Agora as lágrimas estão chegando, estou com raiva e triste, me

sinto tão desamparada.

Guerra me puxa para ele, me abraçando. E apenas fico ali. Meu

corpo cai contra o dele, estupidamente aliviada pelo abraço. Choro

contra seu ombro e ele me deixa, de alguma forma isso torna toda essa

provação ainda mais horrível.

Sua mão acaricia meu cabelo.

Em algum momento ele embainha minha espada, então me pega.

Eu não me incomodo em lutar. Seria tão útil quanto meus impulsos

anteriores.
Silenciosamente, Guerra me coloca em Deimos, montando um

momento depois.

Ele me segura perto enquanto saímos daquela cidade.

— Eu sinto você escorregando de meus dedos como grãos de areia,

Miriam. — Guerra diz em meu ouvido. — Diga-me o que fiz de errado.

— Tudo. — Respondo cansada.

Ele me força a olhá-lo. — O coração humano pode ser consertado.

— Diz ele, como se eu fosse aquele cuja perspectiva precisa ser alterada.

— Pode o seu? — Eu pergunto.

Ele procura meu rosto. — Isso a fará me odiar menos?

Eu não sei.

— Não quero perdê-la. — Diz Guerra, uma promessa em sua voz.

— Eu a poupei naquele dia em Jerusalém porque você é minha. E

pretendo continuar assim, não importa o custo.

Quando voltamos ao acampamento, a noite caiu. A fumaça dos

últimos fogos em Ashdod obscurece as estrelas. É melhor assim.

Odiaria que o céu visse todas as coisas horríveis que fizemos um com

o outro.
Assim que Guerra parar seu cavalo, eu pulo de Deimos.

Uma vez que meus pés tocam o chão, eu paro.

Estou pronta para ir me afastar e ignorar Guerra completamente,

mas não é algo que ele deveria saber.

Voltando-me para ele, eu digo: — Eu encontrei a foto da minha

família. A que está dentro da minha bolsa de ferramentas.

O cavaleiro olha para mim sem emoção.

— Senti-me absurdamente grata a você, sabe. — Eu continuo. —

Por um momento, quando segurei aquela foto, quis voltar àquelas duas

noites em que estivemos juntos. Queria revivê-las de forma diferente.

Melhor.

E o deixo ele com isso.

Posso sentir o olhar intenso de Guerra em mim enquanto me

afasto, mas aqui não há nenhum morto para me parar. Ou talvez ele

tenha me enjaulado. E de qualquer forma, me deixa ir, sou deixada

sozinha para lidar com a minha dor e horror.


Estou distraída com a caminhada até minha tenda quando passo

por um grupo de mulheres, Tamar e Fátima entre elas. No centro do

grupo está a mulher que salvei anteriormente, aquela que atirou

repetidamente em Guerra.

Ela está na frente de uma das tendas, cercada pelos mesmos rostos

que me receberam. Sua calça está manchada de sangue e seu hijab

levemente torto, revelando uma mecha de cabelo preto. Ela se abraça,

parecendo completamente miserável.

Eu vou para o grupo, atraída pela curiosidade e um profundo

senso de propósito compartilhado.

Os olhos da mulher encontram os meus quando me junto ao grupo;

o reconhecimento brilha neles.

— Você me poupou. — Diz ela. Eu não posso dizer se ela é grata

por isso ou se quer me matar.

— Como você está? — Eu pergunto com cuidado.

Ela engole, seus olhos se afastando.


Certo.

Eu dou-lhe um breve sorriso. — Eu sou Miriam.

— Zara. — Diz ela.

Meus olhos se movem para as mulheres ao redor. — Eu posso

ajudá-la a partir de agora. — Eu digo a elas.

Elas estão felizes o suficiente para seguir em frente. Há outros

novos recrutas que precisam de sua atenção.

Quando estamos sozinhas, meu olhar retorna para Zara. — Então

você jurou fidelidade.

Ela não é como eu, percebo.

Mais cedo, tudo o que vi foram as nossas semelhanças, mas depois

da batalha em Jerusalém, a luta desapareceu. E se não tivesse sido

poupada por Guerra, meu corpo seria alimento para os catadores

agora.

Mas não Zara.

Ela lutou contra o cavaleiro e talvez quisesse morrer, mas quando

os soldados a alinharam e pediram sua lealdade, entregou. Ela queria

viver.
Ela suspira. — Sim. — Ela chuta a terra com a ponta da bota.

Quando olha para mim novamente, vejo todas aquelas mortes que

ela testemunhou. Precisou assistir, assim como eu fiz, como seus

vizinhos e seus amigos foram cortados. E então ficou na fila e os viu

serem cortados novamente.

— E esta é sua tenda? — Eu pergunto, acenando para a barraca em

suas costas.

— Não é minha.

Certo. É uma tenda de uma mulher morta.

Eu levanto minhas sobrancelhas. — O que você herdou?

— O que quer dizer? — Ela pergunta.

Movendo-me ao redor dela, eu puxo para trás uma aba e olho em

sua tenda. — Pulseiras, uma escova de dentes, um diário e maquiagem

de olhos. — Eu listo os itens que vejo. Pelo menos o cobertor dobrado

repousando sobre o catre dela parece novo.

— Eu não quero nenhuma dessas coisas. — Diz Zara com

veemência.

Eu não a culpo.
— Você não precisa ficar com nada.

Ela olha para mim desolada. — O que acontece agora?

Soltando as abas da tenda, encontro seu olhar com relutância. —

Você quer que lhe diga o que gostaria de ouvir ou quer que diga a

verdade?

Ela flexiona a mandíbula. — A verdade.

Eu dou-lhe um olhar triste. — Você será forçada a celebrar o

massacre de sua cidade com o restante do acampamento. — Já posso

ouvir a multidão reunida na clareira central. O tambor ainda não

começou, mas em breve.

Eu exalo. — Depois da festa, irá para cama e acordará nessa tenda

amanhã descobrindo que não foi apenas um pesadelo depois de tudo.

Que esta é a sua vida. Depende de você o que faz dela. Mas a dor não

passará. Guerra e seus melhores soldados atingirão todas as

comunidades vizinhas nos próximos dias, matarão todos e você será

incapaz de impedir isso.

— Bastardos. — Ele responde.

— E então você terá um trabalho, seja como soldado, cozinheira ou

outra coisa e é isso.


— E se não fizer? — Ela desafia.

Nós duas já sabemos a resposta para esta pergunta.

— Então você provavelmente morrerá.

Zara olha para mim. — Você ainda não morreu.

Eu posso dizer que ela está se lembrando de mais cedo, quando o

impedi de matá-la, mas tudo que lembro é a sensação das mãos

daquele zumbi na minha garganta, sufocando-me.

Eu dou a Zara um longo olhar. — Ainda.

Quando o sol está se pondo, os tambores de guerra começaram a

soar. Posso sentir o cheiro dos animais premiados de alguém chiando

sobre um espeto, as pessoas estão constantemente indo em direção ao

centro do acampamento, conversando preguiçosamente como se não

tivéssemos acabado de massacrar uma cidade. Tochas já foram acesas

e as pessoas mudaram para o traje do festival.

Eu vou em direção à clareira, impulsionada pela minha fome.

Agora que a adrenalina se esgotou, meu estômago vazio está se

contraindo.
Entro na fila por comida e enquanto espero, observo a multidão.

Está noite, vejo algo que não percebi antes. Tantos rostos estão

desesperados. Eles sorriem e agem normalmente, mas há um olhar oco

assombrado em seus olhos que não tive tempo para perceber antes.

Foi uma merda assumir que essas pessoas não são estavam

assustadas e eram tão estúpidas quanto eu. Estão petrificados. Estamos

todos petrificados — eu, Zara e todos os outros.

E temos boas razões para isso.

Através da névoa da multidão, vejo Guerra sentado em seu trono,

inclinando-se para um lado enquanto um cavaleiro Phobos conversa

com ele.

Todas as minhas emoções anteriores voltam. Ele saqueou uma

cidade, depois ressuscitou os mortos para banir o restante.

E então me salvou de suas abominações ímpias.

O cavaleiro esfrega a parte inferior do quadril enquanto ouve o

soldado, seus olhos com kohl parecendo tão escuros quanto buracos.

Girando para longe dele, pego dois pratos de comida e duas

bebidas, volto para as tendas das mulheres. As tochas queimam baixo

ali.
— Toc, toc. — Eu digo quando chego na tenda da Zara.

Eu não me incomodo em esperar que ela responda antes que me

abaixe. Lembro de quão pouca energia tive por boas maneiras ou

qualquer outra coisa no dia em que cheguei.

Zara está usando o que sobrou da maquiagem de olhos do dono

anterior para desenhar imagens no chão sujo, embora na luz fraca, é

difícil entender exatamente quais são essas imagens.

Entrego um prato de comida para ela.

Ela para de desenhar para pegá-lo. — Obrigada. — Diz ela. — Isso

foi gentil de sua parte.

— Eu também peguei um pouco de vinho, mas... — Eu dou-lhe um

olhar significativo. — Não sei se você quer.

Ela pega o copo de qualquer maneira e coloca de lado do prato. Seu

olhar se move da comida de volta para o meu rosto. Ela me observa um

pouco. — Por que você está sendo gentil comigo?

Por que, de fato?


Eu tomo um gole do meu próprio vinho e me sento ao lado dela.

Não me incomodo em perguntar se devo ir embora. Provavelmente

deveria e também sei que ficaríamos ainda mais infelizes por isso.

— Porque você é digna disso. Além disso, conseguiu atingir

Guerra, estou com um pouco de inveja de você por isso.

Zara me dá um pequeno sorriso, mas rapidamente desaparece

quando gritos se ouvem das festividades.

— Por que eles estão felizes? — Ela pergunta, ouvindo os sons.

— Porra, se eu sei. — Eu tomo outro gole do meu copo.

Eu posso senti-la olhando para mim, pesando minhas palavras.

— O que? — Eu finalmente pergunto.

— Bem, se os odeia tanto por que luta com eles?

Eu olho para ela, abaixando minha bebida. — Por que você

escolheu lealdade sobre a morte? — Eu pergunto.

Ela não diz nada a isso. Não há nada a dizer. É tudo muito

complicado.

Eu balanço o líquido no meu copo. — Eu tenho lutado. — Admito.

— Mas eu tenho como alvo o exército do cavaleiro, não os civis.


Zara me dá um olhar penetrante. — Você pode fazer isso? — Ela

parece intrigada.

— Não com impunidade, não. Em algum momento alguém me

pegará e terei que enfrentar as consequências de matar o exército de

Guerra. Eles realmente não gostam de traidores aqui.

— Mas você não foi punida por isso? — Zara pressiona.

Eu hesito. — Ainda não. — Ali está outra vez, essa palavra —

ainda. Porque é inevitável que algo de ruim aconteça com todos nós.

Nós duas ficamos em silêncio, logo preciso perguntar

— Onde, em nome de Deus, você encontrou coragem para disparar

uma arma?

Eu não posso dizer se Zara está sorrindo ou franzindo a testa para

o lembrete. — Eu não tenho muito a perder e fiquei tão irritada.

Furiosa. Ainda estou brava. Eu peguei a arma da minha família e mirei

naquele idiota.

Família.
Oh Deus. Eu sinto meu horror se espalhar. Claro que ela tinha

família. E agora eu fico imaginando o que viu antes de pegar aquela

arma de fogo e decidir que foda-se, eu vou me arriscar.

— Como impediu o cavaleiro de me matar? — Zara pergunta.

É uma pergunta razoável, mas há muito para essa questão que não

quero responder.

— Eu pedi a ele para poupá-la. — Respondo, feliz que a escuridão

sombreia meu rosto.

Há uma pausa Então Zara diz: — Isso não foi realmente o que

perguntei.

Eu sei. O que ela quer saber é porque Guerra me ouviu.

Eu tomo minha bebida e engulo quase tudo, estremecendo com o

gosto.

Apenas diga a ela.

— Ele acha que sou sua esposa.

Mais silêncio.

— O que é que isso quer dizer? — Zara finalmente pergunta.


— Acho que significa. — Minha boca seca. — Sexo, mas por

enquanto, é um título vazio.

Penso nas vezes em que o cavaleiro e eu nos beijamos, estou tão em

conflito. Muito conflito.

Zara fica em silêncio, sem dúvida porque não estou fazendo

sentido. Você é casado ou não, faz sexo ou não. Qualquer outra coisa

merece uma explicação maior.

Uma que não estou realmente pronta para dar, porque não entendo

muito a situação.

— Então você tem alguma influência sobre ele. — Diz Zara.

Influência?

Eu medito sobre isso. — Talvez para incidentes isolados, como

poupar sua vida, mas não, ele é bem inflexível quando se trata de matar

todos nós.

— Você já tentou convencê-lo a parar?

Eu dou a Zara um olhar que tenho certeza que ela não pode ver na

escuridão. — Claro que tentei.


Não é bom o suficiente, aquela voz irritante diz na minha cabeça.

Tente novamente. E de novo. E tente mais.

Zara exala. — Por que ele está fazendo isso?

— Porque seu Deus disse a ele ou alguma besteira como essa.

— Você não acredita em seu Deus? — Ela pergunta, parecendo

surpresa.

Meus olhos se movem para o lenço de Zara. — Você sim? — Eu

pergunto.

Nós duas ficamos em silêncio.

Como eu disse, é tudo muito complicado.


Naquela noite, demoro mais do que o normal para adormecer.

Entre a batalha, a revelação de que Guerra pode ressuscitar os mortos

e a excitante possibilidade de que realmente fiz uma amiga com Zara,

meu cérebro não desliga.

Não ajuda que após as festividades do acampamento esta noite, as

pessoas são barulhentas e desagradáveis. Posso ouvir vários grupos de

mulheres falando sobre isso ou aquilo.

Basta ir para a cama e nos tirar da miséria.

Eventualmente, as vozes se acalmam e durmo.

Sinto que estou dormindo por um instante quando acordo com

uma sensação de formigamento na parte de trás do meu pescoço de

que algo não está certo.

Regra Quatro do meu guia de sobrevivência: ouça seus instintos.

Eu vivi no limite tempo suficiente para saber que raramente estão

errados.
Alcançando sob o meu estrado, pego o punhal de Guerra. Meus

olhos vasculham a escuridão, procurando pelo cavaleiro, certo de que

ele é o responsável por me acordar. Mas minha pequena tenda está

limpa.

Estou quase desapontada com o pensamento.

Fora da minha tenda, ouço várias vozes masculinas sussurrando.

A essa hora da noite, os homens não deveriam estar nesta seção do

acampamento, especialmente depois de um dia de luta e uma noite

bebendo.

Por uma fração de segundo, acho que talvez alguma mulher os

tenha trazido aqui ou fizeram planos de se encontrar com alguém.

Ouço essas vozes novamente — há pelo menos três — e elas não

parecem confusas, soam desonestas.

Ouça seus instintos.

Eu me movo para parte de trás da tenda. A parede de lona é muito

tensa para deslizar para baixo, então levanto a adaga de Guerra,

pressionando a ponta no tecido resistente.


E se estiver errada sobre isso e cortar um buraco na minha tenda

sem motivo, me sentirei uma idiota.

Melhor tola do que qualquer outra coisa...

Com isso, perfuro a lona. O mais silenciosamente possível, começo

a serrar o tecido grosso, criando uma abertura.

Aperto os dentes ao ouvir a lona enquanto abro. Lá fora, os

sussurros ficaram em silêncio.

Mordo minha bochecha com tanta força que sinto gosto de sangue.

Mais rápido! Mais rápido!

É o tipo mais angustiante de situação, tentar cortar a tenda o mais

rápido e silenciosamente possível. O som que estou fazendo parece

ensurdecedor para mim.

Finalmente, o buraco é grande o suficiente. Agarrando minha

adaga colo a cabeça na abertura

Atrás de mim, ouço as abas da minha tenda sendo abertas.

Querido Deus, querido Deus, querido Deus.

Vou para frente, forçando meu tronco para fora da tenda.


Uma mão segura minha perna. — Ela está tentando escapar! — Um

dos homens sussurra tão alto quanto ousa.

Solto um grito, não me incomodando em ficar quieta. Espero que

isso acorde todo o acampamento.

Aquela mão me arrasta de volta para dentro da tenda e sinto mais

do que vejo o grupo de homens que se espremeram lá dentro.

Agora estou presa ali com eles.

Continuo gritando. Idiotas se pesam que ficarei em silêncio.

— Cale a boca, sua puta estúpida. — Diz outra voz masculina.

Eu chuto e ouço algo crocante. Um dos meus agressores grita,

soltando meu tornozelo. Eu luto mais uma vez pela abertura que fiz,

gritando o tempo todo.

Mais mãos seguram meus tornozelos e me arrastam de volta. Um

deles me vira de costas e outro conjunto de mãos abre minha camisa.

Desta vez, quando o tecido rasga, soa como um tiro.

Oh deus, oh deus, oh deus. Isso não está acontecendo.

Onde está todo mundo?

Por que ninguém ajuda?


Eu grito e puxo a adaga, a lâmina pegando o peito de alguém. Eu

sinto seu sangue quente me atingir e a sensação apenas me faz gritar

mais alto.

Meu atacante grita de dor.

Outro assobia: — Ela tem uma arma!

Estou chutando e lutando contra as mãos deles, que estão

ocupadas tentando me imobilizar.

Eu sinto joelhos nas minhas coxas, mãos na carne nua do meu

estômago.

Oh Deus, por favor Deus, não.

Eu grito mais alto.

Onde porra está todo mundo? Vivemos em uma cidade sem

paredes verdadeiras e estamos acampando em um país que tem uma

forte base militar. Deve haver pelo menos uma outra pessoa sóbria e

corajosa para impedir isso.

Um dos meus assaltantes vai para o punhal, inclinando-se para

perto para pegar meu pulso. Com uma última explosão de energia,

afundo minha lâmina na garganta do homem.


Sinto seu sangue jorrar da ferida e mesmo no escuro, até com a

confusão, tenho certeza de que a lesão é letal.

Agora são os homens que estão gritando, entram em pânico.

— A cadela pegou Sayid!

— Sua puta imunda!

Alguém me chuta nas costelas com tanta força que meu grito é

cortado. Outro pé de botas me chuta novamente, este logo acima da

orelha.

Eu me enrolo, cobrindo minha cabeça enquanto os homens mudam

de me imobilizar para me bater. Sinto os golpes em todos os lugares —

meus braços, pernas, tronco, cabeça. A dor...

A dor, a dor, a dor, não consigo respirar. Está explodindo de cem

lugares diferentes. Estou perdendo todos meus outros sentidos para

ela.

É ofuscante, é uma agonia sufocante.

E de repente, ouço uma voz como um trovão, falando palavras que

não reconheço, mas ainda entendo.

— Jinsoi mohirsitmon dumu mo mohirsitum!


Você cruza Deus quando me atravessa!

Eu reconheceria aquela voz se a ouvisse no inferno.

Guerra.

O espancamento para imediatamente. Depois, há mais gritos —

ruídos estridentes e horríveis que os animais fazem quando são

abatidos — mas eles não vêm de mim.

Eu tento abrir meus olhos para ver o que está acontecendo, mas

minhas pálpebras não obedecem a meus comandos.

Um minuto depois, as mãos estão de volta, deslizando sob o meu

corpo. Eu tento gritar, lutar contra essas mãos, mas minha boca está

cheia de sangue e quando tento mover um dos meus braços — dor

ofuscante.

— Miriam, Miriam. — A voz de Guerra... nunca o ouvi soar assim.

Calmante e agonizante de uma só vez. — Sou apenas eu.

Eu choro quando ele me levanta. — Não. — A palavra sai

distorcida enquanto tento empurrar suas mãos para longe.


— Ssssh. Você está segura. — A voz de Guerra é profunda, áspera

e terrível — também abalada. Ou talvez meus ouvidos estão brincando

comigo.

Ainda não consigo ver e mal consigo me mexer. Estou com medo

da minha própria vulnerabilidade, mas sinto... me sinto protegida. Por

um momento. Em seus braços. Está tudo tão fodido.

Guerra grita ordens a alguém e eu recuo com a ira em sua voz.

— Minha esposa, minha esposa. — Diz ele, sua voz reconfortante

e abalada mais uma vez. — Você está segura, está segura.

Tudo machucado. Deus, tudo dói. Quando começamos a nos

mover, a dor passa de cega a inimaginável.

Estou desamparada

Para onde vai minha mente?

Quer dizer, para onde estou indo... indo... o que estava pensando?

As coisas estão se movendo e desaparecendo tão rápido... tão, tão

rápido...

E então aquela voz cortando a escuridão como uma lâmina.

— Eu prometo a você, eles pagarão.


Acordo com a sensação de mãos em mim e o toque é terrível e

indesejável.

Eu suspiro, começando a lutar.

Onde está minha adaga?

Por que não consigo abrir meus olhos?

A dor retorna como um admirador indesejável e choro com a

intensidade cega dela.

— Firme, esposa. — A voz de Guerra ecoa.

São as mãos dele em mim. O que ele está fazendo?

— Pare, pare, pare. — Eu gemo, tentando afastar as mãos dele. —

Dói. Em todos os lugares. Dói em todos os lugares.

— Sinto muito, Miriam. — Diz ele, mas um momento depois, seu

toque retorna.

— Não, não, não. — Começo a lutar contra ele.


Por que porra não o vejo?

Essas mãos não são como as outras. Elas me seguram rápido e nada

que faço parece desalojá-las.

— Eu não a machucarei, Miriam. Por favor, preciso que você fique

quieta.

Eu não fico parada. Tudo que consigo lembrar é o som da minha

camisa rasgando e a sensação daquelas mãos indesejadas contra a

minha pele, então a dor. Toda a dor.

Eu estou lutando, ofegante. E então meus sentidos desaparecem...

Desta vez, quando acordo, a forma embaçada de Guerra preenche

minha visão. Ele se inclina sobre mim, sua testa franzida e seus olhos

escuros pesados. Sinto a pressão quente de suas mãos contra a minha

pele.

— O que está acontecendo? — Eu murmuro.

Ele franze a testa, seu corpo perto. Muito perto. Estendo a mão para

afastá-lo. Em vez disso, minha mão desliza inutilmente contra sua

bochecha.

— Durma, Miriam.
— Não. — Eu digo quase petulante enquanto a forma de Guerra

entra e sai de foco.

Quando suas feições se aguçam, vejo ele me dando um sorriso. —

Você tem espírito de luta, esposa e estou contente além da medida, mas

não precisa lutar comigo. Está segura agora.

Estou segura com um cavaleiro que está acima de mim?

Minha cabeça dói demais para decidir de um jeito ou de outro.

Eu tento me concentrar nele, mas minhas pálpebras estão pesadas

e continuam fechando.

Não quero dormir. Realmente não quero. Mas a dor me esgotou.

Minhas pálpebras se fecham e todas as últimas preocupações

desaparecem.

A primeira coisa que noto é o toque quente contra a minha testa.

Agora reconheço esse toque. As mãos do cavaleiro são mais resistentes

e gentis do que aquelas que me atacaram na noite passada.

Guerra coloca meu cabelo para trás, murmurando coisas muito

baixas para eu entender.


Suspiro com a sensação de suas mãos na minha pele. Não há mais

dor com a sensação; se alguma coisa, é estranhamente reconfortante no

momento.

Em resposta ao meu suspiro, sua mão faz uma pausa, seus dedos

pressionando minha carne.

Ainda não abro meus olhos. Não estou pronta para lidar com as

consequências da noite anterior. Já as dores estão ressurgindo. Não

tenho certeza se quero enfrentar minha situação atual.

Mas não voltarei a dormir e apenas posso fingir por um tempo.

Abro meus olhos.

Guerra está ao lado, sua coxa quase pressionada a mim. Ele me

olha, seus olhos parecendo claros tão perto de mim.

— Você está acordada. — Seu olhar procura o meu. — Como está

se sentindo?

— Como merda. — Eu falo.

Meus lábios estão rachados e inchados, uma dor de cabeça está

começando a bater atrás de um dos meus olhos, meu torso dói de forma

latejante e minha garganta está machucada — embora essa última


provavelmente de ter sido estrangulada por um zumbi, não por meus

estupradores.

Essa cadela simplesmente não consegue dar um tempo.

A mão de Guerra se flexiona contra a minha pele, mas não a afasta

de onde está contra a minha testa.

— Há quanto tempo fiquei fora? — Eu pergunto.

— Apenas por uma noite. — Lentamente, ele começa a colocar meu

cabelo para trás novamente com os dedos, observando-me com a

certeza de que empurrarei sua mão no momento em que tiver a chance.

Acho que fiz muito isso na noite anterior.

Agora, para as questões mais difíceis. — Meus ferimentos, quão

ruins são? — Droga, dói falar. Meus dentes estão moles e minha

mandíbula dói.

O cavaleiro tem um olhar sombrio no rosto. — Eram...

significativos.

Eram?
— Você pode me dizer mais do que isso? — Eu pergunto a ele

suavemente. Estou com medo de me mover e sentir a dor no meu

corpo.

Um músculo na mandíbula dele flexiona. — Esposa, estou

acostumado a quebrar coisas, não as consertar. Não posso dizer

precisamente quais ferimentos você sofreu, apenas que havia muitos

deles. Seu corpo estava inchado, machucado e quebrado quando a tirei

de sua tenda.

Eu tremo com o lembrete.

Agora a questão mais difícil de todas. — Meus atacantes... — Eu

devo dizer mais — há uma pergunta que precisa sair, mas não consigo

expressar.

Um olhar sombrio cruza os olhos de Guerra, como se ele fosse

algum Deus colérico de antigamente. — Capturados, torturados e

deixados para sofrer até o momento do julgamento. — Sua voz

reverbera, o som dela fazendo minha carne esfriar.

E se levasse essa situação menos pessoalmente, quase me sentiria

mal por aqueles homens. Mas não, então os deixem queimar.


Eu me empurro para cima então, gemendo enquanto faço isso.

Tudo —e eu quero dizer tudo dói para caralho.

E é apenas quando o lençol escorrega do meu torso que percebo

que ainda estou usando minha camisa da noite anterior — minha

camisa arruinada. Abre-se e nada além da graça de Deus impede que

meus mamilos saiam para dizer olá.

Guerra e eu agora estamos sentados lado a lado, em um catre

acolchoado, ele no chão, nossos ombros e pernas perto. Devo estar

melhor do que estava na noite anterior, porque mesmo que esteja

sofrendo, ainda sou ciente de cada ponto de contato entre nós.

E me forço a notar meu entorno.

Hoje estou de volta à tenda de Guerra. Ele deve ter me carregado

até ali depois que me resgatou.

O que significa que o lugar onde estou sentada... é de Guerra. Meu

estômago aperta. Estava tentando evitar acabar neste lugar.

Eu tento me concentrar nisso, analisar a situação extremamente

ruim que me encontro com o cavaleiro, mas tudo em que posso pensar

é que ele impediu aqueles homens e passou a noite cuidando de mim,

sou muito grata por isso.


Muito mesmo, porra.

Eu não me senti assim quando ele poupou minha vida em

Jerusalém, nem fiquei muito grata quando ele parou o zumbi me

atacando, mas agora estou.

Um soldado chama de fora da tenda: — Meu Senhor, há um

problema com um novo cavaleiro que precisa...

— Isso pode esperar. — Diz Guerra.

Meu olhar passa sobre ele, permanecendo na curva sensual de sua

boca.

Por que estou pensando em sua boca?

— Você pode ir. — Digo a ele. — Eu ficarei bem.

Guerra olha para mim e vejo sua hesitação.

— Sério. Eu não morrerei, graças a você. —Eu falo.

Os olhos do cavaleiro se estreitam. Seus lábios se separam e acho

que ele pode responder, mas em vez disso, seu olhar se move sobre o

meu rosto, parando aqui e ali, seus olhos ficando cada vez mais

violentos.
Eu devo parecer uma merda para seu humor escurecer com a

minha visão.

— Eles ficarão bem sem mim. — Afirma.

— Eu vivi sozinha por sete anos. — Insisto, puxando o tecido da

minha camisa sobre o peito. — Ficarei bem enquanto você estiver fora.

— Preciso de um pouco de privacidade.

Ele olha por vários longos segundos. Então relutantemente se

levanta, caminhando até um baú onde uma adaga no coldre está. Meus

olhos observam o jeito que seu corpo maciço se flexiona a cada passo

dele.

Pare com isso, Miriam.

Guerra pega a adaga e volta para mim. Ajoelhando-se, coloca a

arma no meu colo. — Qualquer um, menos eu, entra nesta tenda. —

Ele diz, acenando para as abas da tenda. — Você mata.

Dito de um homem que conhece o bom caminho para um

assassinato.

Minhas mãos seguram a arma. Agora não estou me sentindo muito

piedosa.
— Dez minutos. — Ele promete se levantando.

Vai para as abas da tenda. Quase está fora quando faz uma pausa,

olhando por cima do ombro para mim.

— Há comida na mesa. — Dando-me um olhar pesado, ele repete.

— Dez minutos.

Com isso, o cavaleiro sai e pela primeira vez desde a noite anterior,

estou sozinha novamente.

Quase fui estuprada e espancada até a morte.

Agora que Guerra saiu, acabo aceitando isso.

Provavelmente não ajuda que esteja em uma tenda novamente e

tudo dói, mas estou sozinha e não sei quão bem realmente seria capaz

de me defender se alguém vier até mim novamente.

Não que diria ao cavaleiro quando ele estava pensando em ficar.

Uma coisa é se sentir vulnerável, outra é mostrar ao mundo.

Sinto meu rosto um pouco, tentando descobrir pela sensação quão

ruim estou. Junto com um lábio cortado, meu nariz está macio e a pele

ao redor dos meus olhos está inchada. Nunca estive mais agradecida
por não haver nenhum espelho à vista. Realmente não quero ver os

restos do meu rosto.

Eu fico sentada ali por vários minutos, entediada e inquieta de uma

só vez. Minha pele palpita como se tivesse um pulso e você pensaria

que a dor acabaria com todos os outros desejos humanos, mas isso não

acontece.

Meu estômago revira. Deus, estou com fome.

Olho para a comida que Guerra mencionou. A mesa pode estar a

um milhão de quilômetros de distância no estado em que estou.

Eu pego a adaga que a Guerra me deu e me forço a levantar de

qualquer maneira.

Bolas sagradas, vou vomitar. Vou vomitar por toda a cama de

Guerra agora e isso não tem nada do apelo que teria um dia atrás.

Forço meu estomago a se acalmar e cambaleio até a mesa,

empurrando meu cabelo castanho escuro para longe dos meus olhos.

Com um suspiro, sento em uma cadeira, colocando minha arma na

mesa.
Acho que não deveria ter me levantado. As coisas parecem...

quebradas. Ou melhor, recém-remendadas, como se meus ossos

fossem galhos quebradiços, ajustados ao vento.

Espalhado diante de mim está um prato cheio de damascos secos,

figos e tâmaras, azeitonas, carne — provavelmente cabra ou ovelha

porque tudo hoje em dia é cabra ou ovelha, queijo cortado e vários

pães. Próximo a tudo isso, há uma cafeteira e uma xícara com café turco

grosso.

O café há muito que ficou frio, o pão ficou duro e o queijo secou

um pouco, mas tudo tem gosto do céu. Nem mesmo os hematomas e

lábio partido podem parar isso.

Enquanto como, olho ao redor novamente. É estranho estar aqui,

na tenda de Guerra, não apenas como uma espécie de visitante, mas

como hóspede — e uma ferida.

Você não é uma convidada, é minha esposa. Eu praticamente posso

ouvir a resposta de Guerra mesmo agora.

Como e depois de terminar, sento-me ali, adiando a caminhada de

volta para a cama.

Hora de inspecionar o resto dos meus ferimentos.


Eu olho para mim mesma. Minha camisa rasgada revela uma pele

manchada e descolorida. Cautelosamente movo o tecido rasgado para

ver melhor. Ugh. Agora, minha carne parece mais com a dos zumbis

que lutei no dia anterior do que com a pele humana saudável. Tudo

está inchado e descolorido.

Estou prestes a voltar minha atenção para a metade inferior do

meu corpo quando ouço o som de passos vindo em minha direção. Eu

puxo minha camisa da melhor maneira que posso.

As abas da tenda são abertas e Guerra entra, sua expressão

tempestuosa. Quando me vê na mesa, seu passo vacila, seu rosto se

torna feroz de uma maneira totalmente diferente.

— Miriam. — Sua voz é crua e grave.

Acho que gosto do som do meu nome nos lábios dele. Ele me faz

soar... formidável. Eu poderia ter uma boa dose de formidável hoje.

Guerra caminha até a mesa e puxa uma cadeira. Ele se senta ao

meu lado, observando a comida e meu rosto. Neste momento o

cavaleiro é todo propósito e cheio de energia, me sinto como uma fruta

esmagada.

Guerra levanta seu braço, seu cabelo ondulado se move com a ação.
Eu fico tensa quando o vejo pegar a adaga embainhada ali.

O Senhor da Guerra estende a arma para mim. — Isso é seu.

Eu olho para a arma — sua arma. A que tirei dele quando cheguei.

Ele carregava no coldre do braço, como agora.

— Pertence a você. — Eu digo.

Ele parece um pouco exasperado quando diz: — Pegue.

Tudo bem, quer dizer, eu não lutarei contra esse demônio por

causa de uma lâmina.

Eu pego o punhal dele e o coloco ao lado do outro punhal que me

deu.

— Como você se sente? — Ele pergunta pela segunda vez hoje.

— Como merda. — Eu respondo pela segunda vez hoje.

Ele sorri.

Eu olho ao redor, certificando-me de que meus olhos pousem em

qualquer lugar menos ele. — Para onde eu vou?

— Você não vai. — Diz ele. — Ficará aqui.


Eu começo a protestar, mas então o cavaleiro pega meu braço,

levantando uma manga da minha camisa para observar as contusões.

— Parece melhor. — Seus olhos se movem para os meus. — Mas você

parece cansada.

Eu estou cansada. E realmente não quero lutar com ele, não quando

está cuidando de mim. Passou um tempo desde que tive alguém

cuidando de mim e esqueci o quão bom é.

Você não precisa de ninguém para cuidar de você, Miriam, muito menos

do cavaleiro.

Com esse pensamento em mente, começo a ficar de pé, mas dói

muito. Eu caio de volta no meu lugar.

Guerra sai de sua cadeira, seus olhos doem quando ele me acolhe.

Eu não posso dizer exatamente o que ele está pensando, mas se tivesse

que adivinhar, diria que ele percebeu que subestimou o quanto estou

machucada.

Ele vem para o meu lado e sem palavras, me pega e leva de volta

para sua cama.

O cavaleiro me deita e minha camisa, que antes estava se

comportando, agora está aberta — meus seios aparecendo.


Isso poderia ficar pior?

Mas o cavaleiro não olha para baixo e quero chorar mais uma vez,

por ele de todas as pessoas ser aquele com decência.

Rapidamente arrumo a camisa.

Guerra se ajoelha ao meu lado. — Eu preciso tocá-la novamente.

Eu lhe dou um olhar incrédulo. — Por quê?

— Você ainda está ferida.

Oh. Certo. Ele está cuidando dos meus ferimentos.

Eu aceno, mordendo o interior da bochecha. O toque ainda é uma

coisa duvidosa para mim.

Sua mão se fecha no meu pulso e ele empurra a manga da camisa

para cima, revelando a pele descolorida e inchada. Meus olhos estão

no cavaleiro, absorvendo sua profunda carranca enquanto olha para

meus ferimentos. Mas então me distraio com a sensação de suas mãos

em mim.

Guerra passa a palma da mão sobre a carne do meu antebraço, suas

tatuagens brilhantes contra os nós dos dedos. Sob seu toque, minha

pele aquece. E então, algo estranho acontece.


Diante dos meus olhos, minhas contusões mudam de escuro para

amarelo e parte da palidez doentia da pele desaparece, como veneno

sendo tirado de uma ferida.

Eu olho para Guerra, meus olhos arregalados quando a percepção

me atinge.

— Você está me curando.


Não apenas o cavaleiro pode ressuscitar os mortos, como

aparentemente pode curar os feridos.

É por isso que ele está com as mãos em mim quase constantemente

desde a noite anterior. Simplesmente pensei que estivesse

excessivamente consciente do seu toque, mas não, parece que é assim

que ele cura.

Guerra encontra meus olhos por um momento, parecendo

nitidamente perturbado pelas minhas palavras. Alguém não gosta da

ideia de ajudar um humano — esposa ou não.

O cavaleiro move as mãos para outra parte da minha pele, começa

a trabalhar, ignorando o que eu disse. Não me incomodo de empurrá-

lo sobre isso. E não quero que ele de repente decida que é um filho da

puta muito duro para brincar de babá.

Por um tempo ele trabalha em silêncio, aprecio a visão de sua

cabeça inclinada sobre mim. Seu cabelo foi reunido — adornos de ouro

e tudo — em um coque. Olho para baixo, nos ângulos agudos de seu

rosto. Eu vejo sua bochecha tensa.


Todo o tempo, minha pele aquece sob suas mãos enquanto meus

ferimentos desaparecem lentamente. Aquele toque do qual me encolhi,

aquele toque que ainda desperta estranhas emoções em mim, esse

toque está me curando. Eu não posso entender.

— Eu não quis isso, esposa. Nunca o quis. — Murmura Guerra.

Depois de alguns segundos, acrescenta: — Quando você chorou,

ninguém apareceu. Ninguém além de mim. — Sua voz é crua quando

ele admite isso.

Eu engulo quando me lembro. Tinha tanta certeza de que alguém

viria, alguém pararia os homens. Ninguém o fez. Nós vivemos em uma

cidade sem paredes reais. Meus gritos foram ouvidos, apenas foram

ignorados.

E se ele não tivesse aparecido, eu provavelmente estaria morta.

Morta e contaminada.

— Como você soube?

— Eu ouvi seus gritos.

— Como você sabia que eram meus? — Eu pergunto. Há centenas

de mulheres em seu acampamento; certamente minha voz não é tão

diferente.
Agora seus olhos encontram os meus. — Bem, da mesma forma

que você entende minhas palavras quando falo. Esposa, estamos

conectados de maneiras que desafiam a natureza humana.

É uma resposta ridícula e não sei se acredito nisso. Eu sei que não

quero.

— Eu ainda o odeio. — Digo, sem qualquer calor. Principalmente

porque preciso me lembrar.

Eu desenho essas palavras ao meu redor como um manto.

O canto da boca dele se curva. — Estou ciente. — Diz ele.

Guerra fica em silêncio por um pouco mais de tempo, o observo e

suas mãos cuidadosas, a maravilha de tudo isso não se desgastando.

— Como você faz isso? — Eu finalmente pergunto. — Curar-me,

quer dizer.

— Apenas faço. É simples assim. — Ele faz uma pausa e acho que

esse é o fim de sua explicação, mas depois Guerra acrescenta: — Meus

irmãos e eu podemos fazer o oposto de nossos poderes. Peste pode

espalhar doenças e curá-las. Fome pode destruir as plantações e

cultivá-las. Morte pode dar e tirar a vida à vontade. — Guerra faz uma

pausa. — Eu posso ferir... e curar.


Eu não sei o que dizer sobre isso. Acho que minha mente explodiu

agora. Eles foram todos encarregados de acabar com a humanidade...

mas também receberam as ferramentas para salvá-la.

Guerra me encara por um longo momento, então seus olhos vão

para os meus lábios. Desta vez, posso sentir o beijo prestes a acontecer.

Guerra está inconscientemente inclinado mais perto e eu estou

inclinando meu rosto para melhor encontrar sua boca.

Guerra é violento e intransigente, mas não é puro mal. Está

provando isso agora enquanto seu toque ainda aquece minha pele.

Estou inclinada e ele também

No último momento, viro a cabeça.

Não posso.

Perdão é uma coisa. Isso é outra. Não posso cruzar essa linha.

Eu não posso.

Continuo esperando por aquele momento horrível quando Guerra

vai querer sua cama de volta, mas isso não vem. Não naquela tarde,

quando entro e saio do sono, não naquela noite, quando o sol se põe e

o acampamento se acalma.
Guerra vem a mim várias vezes, seja para tranquilamente colocar

comida na minha cama ou para colocar as mãos na minha pele e

continuar curando meus ferimentos, suas tatuagens vermelhas rubi

brilhando na escuridão.

— Como você ainda está acordado? — Murmuro quando sinto

suas mãos em mim no que deve ser a quinta vez esta noite.

— Eu não preciso dormir. — Diz ele.

Abro meus olhos para isso.

Depois de uma pausa, ele acrescenta. — Meu corpo não exige isso.

É uma característica humana que simplesmente peguei ao longo dos

meses.

No começo, isso não é realmente computável. Meu cérebro está

muito nebuloso do sono. Mas então acontece.

— Você realmente não precisa? — Eu me sento um pouco.

— Eu posso curar os feridos e ressuscitar os mortos, mas você está

chocada com isso? — Ele pergunta, com um sorriso irônico no rosto.

Ponto justo.

Eu deito de volta. — O que mais você pode fazer? — Eu pergunto.


— Você já conhece todos meus outros segredos. Não preciso comer

ou beber, embora goste. Meu corpo pode se curar. Posso falar todos os

idiomas conhecidos, embora eu prefira falar em línguas mortas ao dar

ordens. E posso ressuscitar os mortos.

Fico em silêncio e fecho meus olhos novamente, deixando-o

trabalhar. Mas não posso voltar a dormir. Não quando as mãos dele

estão em mim e quase o beijei mais cedo, ainda estou um pouco

confusa, que mesmo brevemente quis os lábios dele em mim logo

depois que fui atacada.

Abro meus olhos novamente.

— Por que eles fizeram isso? — Eu pergunto baixinho. — Por que

esses homens me atacaram?

Olho para o cavaleiro e talvez a escuridão esteja me enganando,

mas na penumbra da tenda seus olhos parecem tão tristes. Eu nunca

notei isso antes. Estava muito presa em como ele era assustador. Mas

agora sua expressão não parece tão faminta por batalhas e isso muda

todo o rosto do cavaleiro.

— O coração dos homens está cheio de maldade, esposa. — Ele

admite.
Eu não discordo. Odeio os cavaleiros — sim — mas agora acho que

posso odiar minha própria espécie mais. Nós sempre fomos assim? Isso

é cruel? Ou os quatro demônios que cavalgaram na terra nos fazem

assim?

As mãos de Guerra deixam minha pele. — Durma, Miriam. E não

se preocupe com esses homens ou seus motivos. Você terá sua justiça.

Isso é estranhamente um mau presságio.

Com isso, Guerra recua e sou deixada para dormir um sono

inquieto.

No dia seguinte, acordo com um café da manhã frio e uma pilha

de minhas coisas ao lado do catre de Guerra.

Ah e nenhum sinal do cavaleiro.

Sem fazer guerra, sem dúvida...

Pelo menos ele se sente mais confortável deixando-me sozinha hoje

do que no dia anterior.

Eu pego o prato de comida e o café, pensando ter um bom negócio:

estou sendo cuidada por um dos cavaleiros do apocalipse e ele não

pediu nada em troca.


Ainda.

Posso ouvir meu aviso anterior para Zara tocando em meus

ouvidos. Apenas posso ter um tempo. É assim que esse mundo

funciona.

Claro, isso não é tão perturbador quanto o fato de que agora estou

começando a imaginar como seria estar com alguém como Guerra.

Alguém que é mais uma força da natureza do que um homem real. E

não estou totalmente de acordo com a ideia...

Depois do café da manhã, pego minhas coisas. Há madeira para

flechas, meus sapatos, minhas ferramentas de carpintaria, meu

conjunto de café herdado e mais excitante de tudo, o esfarrapado

corpete rasgado que me foi legado.

Há também uma pilha de roupas novas entre meus itens, junto com

uma nota.

Há um banho esperando por você. Pode estar frio agora. Aproveite mesmo

assim.

Eu olho para cima do pedaço de papel e imediatamente, meus

olhos pousam na bacia de metal no fundo da tenda.


Eu tenho o mais estranho desejo de chorar. A maior parte da água

é bombeada de poços nos dias de hoje, então um banho é uma

produção. Especialmente um quente.

Eu olho de volta para nota, passando o polegar sobre a escrita de

Guerra. Assim como tudo mais sobre ele, há uma certeza imponente

em sua caligrafia; você pensaria que ele escreve notas há décadas.

Colocando o papel de lado, pego as roupas e vou para a banheira.

Uma das coisas que aprendi sobre mim desde que entrei para o

exército de Guerra: os banhos são uma experiência indutora de

ansiedade. O som de cada transeunte me deixa pronta para sair da

banheira. O que é uma vergonha, porque a água — embora não esteja

quente — ainda parece incrível.

Deus, sinto falta do encanamento interno. Sinto tanto sua falta.

Pelo menos tenho a chance de inspecionar minhas feridas. Os

hematomas na minha pele são mais fracos e menores do que no dia

anterior. O corte no meu lábio desapareceu completamente e meu peito

não doía tanto quando respirava agora.


Sentia-me me fraca e cansada, como se fosse refeita nos últimos

dois dias —o que não é muito longe da verdade. Então, apesar das

conversas entro na banheira e me deixo ficar na água por um tempo.

Além disso, realmente sinto falta de um sabonete. Banhos de

esponja não são os mesmos.

Estou prestes a sair quando ouço alguém caminhando em direção

à tenda. Prendo a respiração, esperando que passem.

Em vez disso, as abas da tenda são abertas e Guerra entra. Eu

congelo ao vê-lo, nua como no dia em que nasci.

O rosto e a armadura do cavaleiro estão salpicados de sangue e

uma camada fina de poeira. Algumas delas grudam no cabelo dele.

Meu estômago se aperta com a visão.

Os olhos de Guerra encontram os meus e eles aquecem.

Isto é estranho.

Muito estranho.

Afundo um pouco mais na banheira. — Oi.

Oi? Porra, Miriam?


Além disso, ele pode ver meus mamilos? Essa é uma grande

preocupação minha.

— Esposa. — Sua voz é mais dura do que o habitual e meu núcleo

aperta com o som. — Você encontrou meu bilhete.

Sim. Um pouco tarde demais, a julgar pelo fato de que ele já voltou.

Quanto tempo eu dormi?

Melhor pergunta: quanto tempo Guerra ficou fora?

— Você ainda não deveria estar fora... — Eu não posso dizer isso.

Matando pessoas. — Invadindo?

Meus olhos caem para sua armadura. A última vez que o vi usando

seu equipamento, estava cheio de buracos de bala da arma de Zara.

Agora, apesar da sujeira e respingos de sangue, a armadura de couro é

lisa e inteira mais uma vez.

Como isso é possível?

Guerra entra em sua tenda, me distraindo. Ele começa a tirar a

armadura começando com sua espada grande. — Eu fiquei... ansioso

deixando-a sozinha. — Diz ele.

Ansioso? Sou eu quem está ansiosa.


Ele remove as braçadeiras, em seguida, as ombreiras de couro.

Logo, ele solta a armadura no peito, deixando tudo cair no chão. Por

fim, tira sua camisa.

Eu respiro fundo ao vê-lo sem camisa. Por baixo de toda essa

armadura está o músculo escorregadio. As tatuagens no peito

queimam carmesim contra a pele.

E essa pele! É tão anormal quanto sua armadura. Eu vi balas

entrarem em sua carne e espadas cortarem, mas sua carne não carrega

nenhum traço dessas feridas. Ele me disse que pode se curar, mas

apenas agora vejo a evidência real disso.

Guerra se senta com força em um de seus assentos, a madeira

rangendo com seu peso. Inclinando-se para trás, ele cruza os braços

sobre o peito volumoso.

— Alguém a incomodou desde que sai? — Ele pergunta.

Quando encontro seus olhos, ainda há calor neles.

— Não.

Para ser honesta, tenho certeza de que Guerra colocou vários de

seus homens ao redor da tenda. Havia muitos passos próximos para


acreditar no contrário. E se há uma coisa em que esse homem é bom, é

exagero.

— E como você está se sentindo?

Exposta. Vulnerável. Com meus seios estão em exibição. —

Melhor.

Guerra acena com a cabeça. — Bom. — Seus olhos observam minha

pele e eu sei que ele está checando para ver como minhas lesões estão

cicatrizando, mas tudo em que consigo pensar é em minha nudez. E

agora se tornou uma coisa muito importante na minha mente me cobrir

como uma pessoa sensata.

— Feche os olhos. — Eu digo abruptamente.

— Por quê? — Ele pergunta, levantando uma sobrancelha. Ainda

está usando suas caneleiras.

— Porque estou nua e eu quero sair e não quero que você continue

olhando para mim.

O calor em seus olhos se aprofunda. — Eu verei essa pele bonita,

eventualmente, esposa.

Mais uma vez meu núcleo aperta com sua voz.


Estou prestes a protestar quando seus olhos se fecham. Deixando

escapar o fôlego, saio do banho e envolvo uma toalha próxima ao meu

redor. O mais rápido que posso, pego as novas roupas que Guerra

deixou para mim, surpreso por elas se encaixarem de maneira

moderada. Para ser justo, uma camiseta e calça cargo padrão são

difíceis de confundir.

Ainda.

— Obrigada pelas roupas. — Eu digo. Porque a civilização pode

estar morta, mas as boas maneiras não.

— Posso abrir meus olhos? — Ele diz em resposta.

— Uh, sim. — Eu digo, puxando minha camisa para evitar que ela

grude na pele ainda úmida.

Guerra termina de tirar sua armadura, então fica de pé. Eu não sei

o que espero que ele faça em seguida, mas definitivamente não espero

que ele tire sua calça.

O que é precisamente o que ele faz.

— Caramba! — Cubro meus olhos. Pelo menos, cubro um pouco

— quer dizer, ser corajosa é o meu mantra...


Tecnicamente, deveria ver isso chegando. Ele estava se despindo

depois de tudo. Apenas esperava que esperasse.

Além disso, duas palavras: sem roupa interior. E agora eu sei com

certeza que se a Guerra quisesse sexo, ele me quebraria.

Bolas sagradas — ou talvez pau sagrado seja mais apropriado.

Claramente a nudez é uma coisa minha, porque Guerra parece não

se incomodar com isso. Ele sequer olha para mim enquanto caminha

pela tenda, em direção a banheira. Há apenas zero consciência de que

está nu e estou perversamente intrigada, além de maciçamente

desconfortável.

Meus olhos voltam para a banheira na qual eu estava. Aquela em

que ele está entrando agora. Há algo literalmente e figurativamente

sujo sobre o fato de que está reutilizando minha água. E isso está me

fazendo sentir estranha e autoconsciente.

— Você quer que eu saia? — Pergunto. Sequer sei porque

pergunto. Deveria apenas sair. Mesmo que meus joelhos estejam

tremendo de fadiga, eu deveria.

Os olhos delineados com kohl de Guerra encontram os meus

quando ele entra na banheira. — E perder sua reação, esposa? Nunca.


— Então você não sabe que é inadequado ficar nu diante das

pessoas? — Eu digo com indignação.

O cavaleiro recosta-se na banheira. — É apenas nudez. Não é para

ser ofensivo.

E de alguma forma Guerra, o idiota que está matando todo mundo,

apenas conseguiu soar inocente.

— Não é ofensivo. — Eu digo. — É apenas... cedo.

— Agora? — Ele diz. — Então os maridos não veem suas esposas

nuas e as esposas não veem seus maridos nus? Eles de alguma forma

apenas se divertem completamente vestidos?

Quero passar minhas mãos pelo meu cabelo. — Nós não somos

casados.

Guerra me dá um olhar que afirma claramente, nós somos.

— Eu não deveria ficar em sua tenda. — Eu digo, recuando.

Claramente não pensei na logística de dormir ali, onde Guerra dorme

e toma banho.
— Você deveria ficar sempre na minha tenda comigo. Eu a deixei

ter seu próprio espaço, porque lhe agradava e gosto de agradá-la e seus

ridículos caprichos humanos.

Meus ridículos...

— Você quer me agradar? —Pergunto, oficialmente irritada. —

Pare de matar pessoas.

Guerra me dá um olhar penetrante. — Há outro que procuro

agradar também, Miriam. E infelizmente para você, Ele deseja

diferente.

Eu sobrevivia a provação do banho.

Quase.

Agora Guerra está completamente vestido e diligentemente

curando minhas feridas. Desta vez, quando me toca, estou muito

consciente de sua proximidade. Há um tipo peculiar de intimidade em

ver o Senhor da Guerra com o kohl esfregado de seus olhos.

Quero estender a mão e tocá-lo e se olhar muito de perto, tenho

certeza que verei que ele também quer.

Então mantenho meus olhos para baixo.


Uma vez que ele termina com suas ministrações, fica por perto.

Isso é novo.

Quer dizer, estou acostumada a ele estar na tenda — afinal, é dele

— mas até agora estava desmaiada. Eu o olho enquanto afia uma

lâmina e folheia algum livro que parece muito menos divertido do que

meu próprio romance.

Isso parece... doméstico. Como se Guerra estivesse realmente

vivendo o casamento no qual ele continua insistindo que temos.

Eu preciso sair logo.

Falando sério, o que farei sobre essa situação? Não posso ficar ali

para sempre. E quanto mais tempo ficar, mais nos acostumaremos com

essas acomodações.

Isso realmente não pode acontecer. Guerra já é muito atraente para

seu próprio bem e agora sei que ele é capaz de ser gentil. Não tenho

resistência a nada disso.

Realmente não importa, independentemente disso. Eu não sairei

está noite, quando meus ossos se sentem como pernas de pau bambas

e minha pele ainda está dolorida ao toque. Ficarei, aguentarei um

pouco mais e quando estiver fisicamente pronta para sair, o farei.


Até então...

Pego meu kit de carpintaria e um pedaço de madeira, começo a

cortar o galho, raspar a casca como a casca de uma maçã.

Tenho que fazer o tempo passar de alguma forma.

Eu trabalho em silêncio e eventualmente, minhas preocupações

desaparecem, deixando apenas eu, a madeira e o constante arranhão

das minhas ferramentas. E de vez em quando, aliso meu trabalho com

uma lixa, esfregando a haste da flecha até que a superfície fique

relativamente lisa.

— Onde você aprendeu a fazer isso?

Eu olho para cima, apenas para perceber que o olhar firme de

Guerra está em mim — que seu olhar pode esteve mim por um tempo.

Fiquei tão perdida no meu trabalho que não percebi.

— É uma longa história. — Digo.

— Temos tempo.

Maldito seja ele e sua voz profunda. Não posso deixar de pensar

em sua boca toda vez que ele fala.


Poderia muito bem contar-lhe a história. Qualquer coisa para evitar

que minha mente vagueie pelo caminho que deseja seguir.

Coloco o pedaço de madeira de lado. Ao meu redor, aparas de

madeira estavam espalhadas como confetes.

— Minha mãe era professora de história na Universidade

Hebraica. — Eu digo. — Um dos cursos que ensinou foi sobre armas

antigas. Ela tinha muitos livros sobre armas antigas e fabricação.

Antes que minha mãe, minha irmã e eu tentássemos escapar de

Israel devastada pela guerra, já estava folheando esses livros, meu

coração ingênuo voltado para sobrevivência. Estupidamente imaginei

que se pudesse aprender a fazer armas, poderia usá-las para caçar,

como uma amazona moderna.

Foi um desejo infantil que levou a um interesse sincero.

— Levou muito tempo até mesmo dar sentido aos livros e ainda

mais tempo para acertar algo. Mas acabei conseguindo. Então uma se

tornou duas e assim por diante. Uma vez que perdi minha mãe e minha

irmã, retornei a Jerusalém sozinha e sem qualquer tipo de renda para

viver, me joguei no meu trabalho. Eu fiz punhais de madeira primeiro.

Mesmo em um processo de tentativa e erro. A madeira estava

apodrecida e pode ser muito mole, quebradiça. Mas uma vez que
entendi um pouco mais sobre a natureza e as formas de temperar e

endurecer, foi quando realmente consegui manipular o material. Então

mudei para outras armas. Fiz arcos e flechas, testando madeira mais

macia e dura. Aprendi quando aplicar calor, quanto e por quanto

tempo. E descobri que podia adaptar vidros quebrados em pontas de

flechas e plástico fino. Casas e ferros-velhos estavam cheios dessas

coisas, bem como cordas e cola. Os livros de minha mãe tinham a

maioria das respostas, mas precisava ser criativa em como os aplicava.

— Então você é autodidata. — Diz Guerra. Ele parece

impressionado e fico desconfortável com o quão bem isso me faz sentir.

Eu concordo.

— E suas habilidades de luta? Também é autodidata?

Balanço a cabeça. — Uns soldados mais velhos me ensinaram

algumas habilidades básicas. Soldados como minha mãe. A maioria

dos israelenses se juntaram ao exército por pelo menos dois anos. Mas

quando fiquei mais velha, havia um novo regime político, que não

acreditava em treinar mulheres para a guerra. Então precisei trabalhar

com o que minha mãe me ensinou e o que alguns outros israelenses

mais velhos estavam dispostos a ensinar.


— Eles a ensinaram como atirar um arco? — Guerra pergunta

incrédulo.

— Bem, não. Isso foi autodidata. — Antes da chegada, as armas

eram uma escolha. Foi somente quando as armas de fogo pararam de

funcionar corretamente que arcos e flechas, espadas e adagas, maças e

machados voltaram à moda. — Por que você quer saber? — Eu

pergunto, autoconsciente.

— Você é uma criatura curiosa, isso é tudo. — Ele me lança um

sorriso malicioso. — Uma criatura curiosa e perigosa.


No terceiro dia, estou mudando novamente. Depois de mais uma

noite com as mãos quentes de Guerra na minha pele, sinto-me quase

de volta ao normal. Ainda há dores e sofrimentos — como se tivesse

torcido meu torso de uma certa maneira, meus ferimentos na costela se

intensificam — mas se pisasse com cuidado, poderia fingir que estava

curada.

O que é exatamente o que faço quando acordo e descubro que

Guerra — sem dúvida, foi chamado pelos soldados. Eu me levanto e

me movo pela tenda do cavaleiro e não vou mentirei, espiono.

Levanto travesseiros e folheio a pilha de livros em uma mesa

lateral. Olho para lâmpadas a óleo e abro parte do baú, desapontada

quando acabo encarando as armas e mais armas.

Honestamente, a vida intima de Guerra não é intrigante. Esperava

descobrir que ele secretamente gosta de usar vestidos ou colecionar

bonecas russas, alguma outra coisa estranha assim.

Em vez disso, encontro mapas antigos com cidades riscadas.

Engulo quando os vejo.


Abro o último de seus baús e exalo quando vejo o que está dentro.

Sua armadura vermelha está no fundo dela. Sua espada, percebo,

está ausente.

Eu puxo uma braçadeira, virando na minha mão. O couro está

novamente em bom estado, apesar do fato de que juro ter manchas de

sangue no dia seguinte. Acho que no final do dia, Deus lava todos os

pecados.

Por que Guerra não usa seu equipamento?

A resposta chega um segundo tarde demais.

— É leve, não é?

Estremeço ao som da voz de Guerra. Quando olho por cima do

ombro, ele está na porta de sua tenda, olhando para mim, sua

expressão inescrutável.

Deus, quão culpada eu pareço, agachado na frente do baú dele,

segurando um pedaço de sua armadura.

— Você não espera isso de armadura. — Diz ele, caminhando em

minha direção. — Meus irmãos usam armadura de metal, mas no

campo de batalha o metal é pesado e duro.


Eu coloco a braçadeira de volta dentro do baú e fecho. Então me

viro para enfrentar Guerra. Ele veste uma camisa preta, o cabo de sua

espada espreitando por cima do ombro.

— E isso? — Eu pergunto, meu queixo apontando para sua arma.

— Isso não é... complicado?

— Bastante. Mas eu gosto.

Atrás dele, as abas da tenda se abrem e um soldado entra

carregando uma bandeja de comida e café. Ele coloca os itens na mesa

e sai.

Uma vez que estamos sozinhos novamente, Guerra caminha até a

mesa e puxa uma cadeira para mim.

— Quem o ensinou a oferecer uma cadeira a uma mulher? —

Pergunto, seguindo-o. Eu me sento, meus olhos sobre a mesa.

Ele não solta a parte de trás da minha cadeira, se inclina para

sussurrar em meu ouvido: — As mesmas pessoas que a ensinaram a

bisbilhotar as coisas das pessoas.

Guerra se endireita e ao fazê-lo, avisto um punhal familiar

amarrado a seu coldre de braço.


— Minha adaga. — Eu digo como reconhecimento. Foi uma das

armas com as quais lutei em Jerusalém. — Você manteve. — Eu tinha

certeza que desapareceu. Vê-lo desencadeia uma emoção antiga.

Sem pensar, levanto a mão apenas para ter Guerra segurando meu

pulso.

Eu lhe dou um olhar incrédulo. — É minha.

— Considere isso um negócio, você pega minha adaga, eu tenho a

sua.

— Isso não é um comércio. — Eu reclamo ficando de pé. — Você

manteve minha arma sem me dizer e simplesmente me deu a sua.

Quero a minha de volta.

Minha adaga é mais leve que a de Guerra e tem alguns problemas.

Ainda quero de volta.

— Não. — Apenas pelo tom de sua voz, posso dizer que não é

negociável. Ugh.

Eu olho para ele.

— Por que você quer minha adaga? — Pergunto.


Há dezenas de armas nesta tenda. Há milhares mais em todo o

acampamento e com cada cidade que atacamos, há incontáveis mais

para Guerra adquirir. Minha humilde lâmina não é páreo para isso.

— Eu... gosto dela.

Assim como ele gosta de sua espada.

Ele gesticula para a cadeira novamente. — Sente-se.

Eu o faço, observando a variedade de comida e o café espesso e

fumegante ao lado dela.

Em vez de sentar, Guerra se ajoelha, pressionando as mãos nos

meus ferimentos. Até agora me acostumei com essa rotina. Ainda é

surpreendentemente íntimo tê-lo tão perto e sentir a carne dele

pressionada na minha, mas espero — até mesmo antecipo.

E não estou bem.

— Você está apenas me curando porque quer me foder?

Santa mãe de Deus. Essas palavras realmente saíram da minha

boca?

O que há de errado com você, Miriam?


A cabeça do cavaleiro se aproxima de mim. Ele olha por alguns

segundos, seus olhos caindo para minha boca. — Eu curei você por

minhas próprias razões. Fodê-la é outro assunto completamente

diferente.

Guerra termina seu trabalho e senta-se na cadeira ao lado da

minha.

E agora tenho que lidar com as doze toneladas de tensão sexual

que introduzi na tenda.

Para me distrair, forço as palavras que tenho a intenção de dizer a

ele. — Vou voltar.

Os olhos de Guerra se movem casualmente para mim, mas sinto

uma profunda tensão com minhas palavras. — Para onde? — Sua boca

realmente levanta um pouco, como voltar em qualquer sentido da frase

seja ridícula e impossível.

— À minha tenda.

Agora Guerra endireita em seu assento. Ele tem uma expressão

terrível e assustadora, que faz os homens tremerem antes de colocar a

mão sobre eles.

— Por quê? — É uma exigência mais que uma pergunta.


— Nós não somos amantes.

O olhar profundo que o Senhor da Guerra me dá aquece meu

núcleo.

Isso mudará, seus olhos dizem.

— Sem mencionar que você está destruindo o mundo inteiro. — Eu

digo. — Foi gentil da sua parte me curar...

— Gentil. — Ele repete, como se nunca tivesse ouvido nada tão

desagradável em sua vida.

— Mas estou melhor agora e quero minha tenda de volta.

Realmente pensei que os olhos do Senhor da Guerra estavam

tristes? Há apenas violência neles. Devoradora de alma, violência

terrível.

Ele se inclina para frente e essa única ação me faz querer recuar.

— E se eu disser não? — Ele diz, sua voz baixa. — E se dissesse que

não pode sair?

Eu levanto minhas sobrancelhas. — Você tentará me impedir

quando trabalhou tão duro para me dar espaço?


— Não se engane, Miriam. — Diz ele, sua voz enganosamente

suave. — Eu posso fazer o que quiser. Eu a arranquei da sua primeira

casa. Posso arrancar da segunda também.

— Não estrague isso. — Digo baixinho.

Seu rosto brilha e por um momento, acho que ele está lembrando

como eu disse a ele que o odiava.

— E se a deixar voltar para sua tenda, quem garantirá que não seja

atacada no momento em que estiver sozinha?

— Você me deixa montar na batalha. — Eu digo. — Há uma parte

que claramente confia em seu deus para me proteger.

— Ele é seu deus também.

Hum, concorde em discordar.

— Bem, se me obrigar a ficar aqui. — Eu digo. — Não é melhor que

os homens que me atacaram.

Tudo bem, isso é um pouco exagerado.

Parece fazer sentido lógico para Guerra, no entanto.

Sua mandíbula flexiona e ele olha para longe, suas narinas

queimando.
— Tudo bem. — Ele grita depois de um momento, seus olhos ainda

cheios de violência. — Você pode ter sua tenda de volta, por um tempo.

Guerra se levanta e inclina. — Mas eu decidirei quando o tempo

acabar e nenhum de seus argumentos humanos mudará isso.

Guerra é um homem de palavra. Ele de fato me devolve minha

tenda mais tarde naquele mesmo dia... mas simplesmente coloca-a bem

ao lado da sua.

— O que é essa besteira? — Eu exijo, olhando para as nossas duas

tendas lado a lado. A minha parece ridiculamente pequena ao lado da

dele.

O cavaleiro está ao meu lado, observando a vista. Eu precisei

arrastá-lo de sua tenda para me ouvir e tenho certeza que ele estava

esperando essa reação.

Agora ele se aproxima de mim. — Seja bem-vinda.

O que? Era apenas isso?

— Não foi com isso que concordamos. — Eu digo.

— É exatamente o que nós concordamos. Apenas fique feliz por

não a ter colocado dentro da minha própria tenda. Eu fiquei tentado,


esposa. — Guerra me observa de cima abaixo. — Como você está se

sentindo?

Como uma bagunça sangrenta.

Eu levanto um ombro. — Melhor. — Eu digo a contragosto. Muito,

muito a contragosto.

Seu olhar me percorre. Ele dá um breve aceno de cabeça. — Então

vamos arrumar as coisas e sair amanhã, depois que seus atacantes

enfrentarem seu julgamento, é claro.

Com essa linha final sinistra, ele sai.


Na manhã seguinte, Guerra me acorda em minha nova tenda.

Eu sei que é ele desde o momento em que seu toque quente e firme

encontra minha pele. Ainda estremeço com a sensação. Vai demorar

um pouco para apagar completamente o ataque da minha memória.

— Levante-se, Miriam. — Diz ele, já recuando da minha tenda. —

O dia chegou.

Eu franzo a testa, esfregando meus olhos. — Que dia?

Mas então suas palavras correm de volta.

Terei que enfrentar meus agressores. Esse pensamento me deixa

quente e fria ao mesmo tempo.

Eu sento, passando as mãos pelo meu cabelo. Respiro fundo,

desejando uma xícara de café turco. Eu beberia, lodo e tudo, se pudesse

me preparar para este dia.

Calçando as botas, eu saio, olhando contra o brilho brutal do sol.

Guerra está vários metros à frente e está andando de forma que possa

segui-lo. O bastardo. Odeio ser previsível.


O cavaleiro me leva para a clareira no centro do acampamento,

onde a maioria da horda já se reuniu. A multidão se separa como o mar

para deixar Guerra e eu passarmos, fechando-se suavemente atrás de

nós.

É apenas quando passamos por eles que tenho uma visão clara dos

três homens que estão amarrados e espancados, vários Cavaleiros

Phobos armados se espalham atrás deles.

O vento quase me derruba.

Meus atacantes.

Ainda posso sentir suas mãos em mim e ouvir o rasgo de tecido

enquanto rasgavam a minha camisa. Estava desamparado então.

Mas agora o jogo mudou.

Meu olhar se move de um homem amarrado para o próximo.

Reconheço um dos meus atacantes como o homem do primeiro dia,

aquele que me agarrou sua virilha. Os outros são estranhos.

Olhar para seus rostos em plena luz do dia os torna muito menos

assustadores. Talvez sejam porque parecem aterrorizados ou o fato de

não poderem ser muito mais velhos que eu. Em um mundo diferente,

poderiam ser homens com quem eu fui para a escola.


Mas isso não é este mundo.

Um Cavaleiro Phobos se separa de seus companheiros,

aproximando-se para me entregar uma arma. Eu pego a espada que ele

entrega, então olho para ela.

— O que é isso? — Eu pergunto a Guerra.

Seu lábio superior se curva em desgosto enquanto ele olha para os

homens. — Wedaw.

Justiça.

Leva vários segundos para que a compreensão chegue a mim.

— Você quer que eu mate esses homens? — Eu pergunto ao

cavaleiro.

Em resposta, Guerra cruza os braços, sem dizer nada. Seja qual for

a gentileza que ele mostrou nos últimos dias, se foi. Este é o violento

Guerra, cuja vontade reina absoluta.

Eu olho de volta para os homens.

Eles tentarão novamente. E se não comigo, então com outra

mulher. Eles provavelmente já o fizeram. São uma ameaça aberta e

continuarão sendo enquanto viverem.


Mas não é isso que Guerra acredita de todos nós? Que somos todos

maus e imutáveis? Não é verdade. Mesmo que sejamos capazes de

maldade, isso não significa que estamos condenados a ela. Também

somos capazes de bondade.

Eu olho para a arma na minha mão e respiro fundo.

— Eu não os matarei. — Eu digo.

Não agora e não assim.

Depois de uma longa e pesada pausa, o cavaleiro diz: — Ovun obē

tūpāremi ātremeṇevi teri, obevi pūṣeṇevi teri epevitri tirīmeṭi utsāhe

teḷa eteri, obeṭi vuttive iṭuvennē næppe?

Eles invadiram sua tenda, e tentaram estupra-la e contaminar, mas não

fará justiça?

— Isso é vingança. — Respondo.

Ele estreita os olhos. — Kē kahatē, peḷivænīki sehi vuttive eke sā

sekānevi.

Agora, vingança e justiça são uma e a mesma coisa.

— Eu não os matarei. — Repito.


Eu sei que devo parecer uma hipócrita. Matei antes e estes não são

homens inocentes. E se estivéssemos no campo de batalha, lutaria

facilmente contra eles até a morte. E se me encurralassem em uma noite

escura em Jerusalém, eu mataria também. Mas vendo esses homens

alinhados, seus pulsos amarrados — isso seria uma execução.

Eu não sou executora.

Guerra me encara por um longo tempo. Logo ele faz um som baixo

e balança a cabeça, como se eu fosse a coisa mais maldita.

— Abi abutiva eṭu naterennē nek, keki evi abi saukuven genneki,

aššatu.

E se não tomará a justiça, então a levarei para você, esposa.

O cavaleiro caminha para os homens. Vendo-o se mexer, lembro

que isso é quem é Guerra. E ao contrário dos humanos, não tenho

certeza se o cavaleiro pode mudar. Ele certamente não quer.

Meus atacantes recuam, mas não há para onde ir. Estão cercados

pela multidão e pelos Cavaleiros Phobos.

Quando Guerra se aproxima dos três homens, puxa uma espada

de sua bainha no quadril. Não é a enorme espada que carrega nas

costas. Este parece mais clara e estreita.


— Avā kegē epirisipu selevi menni.

Está é minha lâmina imunda, diz Guerra, sua voz aumentando a

intensidade.

— Gīvisevē pī abi egeurevevesṭi pæt qū eteri, etækin abejē kereṇi

pe egeurevenīsvi senu æti.

Na vida vocês foram desonrosos, assim, suas mortes também serão

desonrosas.

Os sons guturais de suas palavras o tornam ainda mais

aterrorizante.

— Por favor. — Um dos homens começa a implorar. — Nós não

queríamos isso.

O da esquerda está visivelmente trêmulo.

Mas é o homem que reconheço que levanta o queixo

desafiadoramente, com os olhos em mim. Ele não parece arrependido,

parece irritado. — O que quer que essa cadela tenha dito, é mentira.

Ela queria.
Guerra se aproxima do homem e agarra sua mandíbula. — Ela

queria aquilo? — Desta vez, quando ele fala, não se incomoda em falar

em línguas. Todos nós ouvimos as palavras perfeitamente enunciadas.

O homem olha furioso para o cavaleiro, mas ele não responde.

Depois de um momento, Guerra deixa o homem ir e começa a se

afastar.

Em um relance de velocidade, o cavaleiro se volta para o homem e

com um golpe cruel, afunda a lâmina no estômago, empalando-o com

ela.

Estremeço com a repentina violência.

Meu ex-atacante solta um grito abafado e seus dois companheiros

gritam de surpresa.

Guerra solta a espada, deixando o cabo sobressair do abdômen do

homem.

O homem balança por alguns instantes, depois cai no chão, uma

mancha crescente de sangue saindo da ferida.

— Isso é bom? — Pergunta Guerra, novamente se fazendo

entender. Ele paira sobre o homem, a lâmina ainda saindo de sua


vítima. — Eu espero que sim. Aposto que você queria que minha

espada fosse empurrada dentro de você tanto quanto Miriam queria

que a sua fosse empurrada nela.

Querido Deus.

Eu esqueci a selvageria do cavaleiro.

A boca do homem se move, mas tudo o que sai é um gemido

estrangulado.

A atenção do Senhor da Guerra se volta para os dois homens

restantes. Assim que seu olhar feroz se fixa neles, ambos visivelmente

murcham.

Guerra pega o cabo de sua espada do abdômen do moribundo e

arranca a lâmina, a ação fazendo um som molhado e forte.

O cavaleiro se aproxima dos mais assustados dos dois restantes e

sem cerimônia, apunhala-o no estômago. Quase mecanicamente, ele

retira sua espada e se move para o próximo, repetindo a ação até que

todos os meus três atacantes estejam morrendo em uma poça de seu

próprio sangue.
Eu olho para eles com horror enquanto se contorcem e gemem no

chão. O cavaleiro feriu-os mortalmente, mas ele não os matou

instantaneamente, deixou-os sofrer.

Guerra move os olhos violentos na multidão. — Qualquer um que

colocar um dedo desonesto em outra mulher sofrerá o mesmo destino.

Ele se vira para mim e me dá um aceno de cabeça.

Vingança e justiça são uma e a mesma coisa, ele disse.

Talvez seja essa a razão pela qual o mundo está queimando. Afinal,

se isso é Guerra sendo justo, então a justiça de seu Deus também faz

sentido.

Não volto imediatamente à minha tenda. Em vez disso, faço a

jornada familiar de volta aos meus aposentos originais. Chame de

curiosidade mórbida ou de fechamento, mas quero ver o lugar onde fui

atacada. Quero ver se a terra está manchada de vermelho com o sangue

que foi derramado ou se o solo já voltou ao normal.

Eu não sei porque, mas o desejo me pressiona.

Cerca de dez metros da minha tenda, noto que algo está errado. As

tendas nesta área batem desamparadamente na brisa. Ninguém está

por perto e está em silêncio. Tão silencioso.


Um calafrio me percorre, apesar do calor do dia.

Continuo em direção ao local original da minha própria tenda,

ciente de que o barulho e a agitação habituais dessa área agora

desapareceram.

Meus antigos vizinhos podem estar no centro do acampamento.

Ainda havia algumas pessoas...

Quando me aproximo de onde minha tenda deveria estar, tudo o

que resta é um pedaço vazio de terra e algumas manchas de sangue

fracas. Assim que vejo essas manchas, a noite mais uma vez volta em

todo o seu terror vívido. As mãos dos homens em mim, me prendendo,

batendo.

Eu respiro fundo, tentando me desfazer essas lembranças. Não

quero sentir-me frágil e com medo.

Eu dou um passo para trás e esse silêncio enervante surge

novamente. Eu olho ao redor para todas as tendas vazias, suas abas

cortando o vento. Há algumas cestas viradas espalhadas, mas não há

vida, nem mesmo um sussurro.

Quando você chorou, ninguém veio. Ninguém além de mim.


A justiça de Guerra tocou mais de três homens, percebo com um

arrepio. As pessoas que uma vez viveram ao meu redor agora se foram.

Estou deitada de lado em minha tenda quebrada, batendo outro

eixo de flecha quando ouço comoção nas proximidades.

Eu olho para cima a tempo de ver os Cavaleiros Phobos se

aproximando de alguém.

— Deixe-me passar!

Eu levanto as sobrancelhas com a voz vagamente familiar.

— Ninguém passa sem a aprovação de Guerra.

— Sua esposa aprovaria!

Eu deixo o meu trabalho de lado e vou para os Cavaleiros Phobos,

que agora tem a mão na arma. Além dos dois homens está Zara.

Assim que a reconheço, respondo: — Deixe-a passar!

Um dos homens franze a testa para mim e cospe.

Aparentemente ele gosta muito de mim. O outro, no entanto,

aquele que me trouxe a espada na execução esta manhã, gesticula para

que Zara passe. Seu camarada imediatamente começa a discutir com

ele, mas ignora o outro homem.


Minha nova amiga passa com dois pratos cheios de comida em

suas mãos.

— Eu estou tentando vê-la por dias. — Ela reclama quando me

encontra. — E por dias esses idiotas continuaram me mandando

embora.

— Eu sinto muito. — Digo. — Não sabia.

Eu a levo de volta para minha tenda, ciente dos muitos olhos em

nós. Aparentemente, os Cavaleiros Phobos não aceitam gentilmente

qualquer um que entre em sua seção de acampamento — mesmo

quando a seção deles esteja arrumando tudo para viajar.

— Está tudo bem. — Diz ela. — Eu sabia que isso aconteceria.

Quando chegamos às minhas coisas, ela entrega um dos pratos

para mim. — Eu queria devolver sua gentileza.

Isso... isso me bate mais do que deveria.

— Obrigada. — Respondo, pegando o prato dela com um nó na

garganta.
— Como você está? — Ela pergunta, seus olhos se movendo sobre

mim. A maioria dos meus ferimentos visíveis se curou; não sei se ela

consegue ver o que sobrou deles.

— Estou bem. — Eu digo.

Hoje sinto que nossos papéis se inverteram completamente. Zara

parece estar de bom humor e sou a isolada.

— Naquela noite. — Diz Zara. — Ouvi os gritos. Pensar que um

deles era seu... — Ela balança a cabeça. — Pensei que pertenciam às

outras pessoas, aqueles que matavam... — Ela balança a cabeça.

Ela ouviu aqueles gritos e achou que fosse algum tipo de justiça

perversa.

Zara pega sua comida. — Eu não descobri que era você até que

chegou a notícia de que uma mulher foi ferida, uma das quais o

cavaleiro gostava. Eu coloquei dois e dois juntos... — Seus olhos

encontram os meus. — Sinto muito por não ter vindo.

— Foi a sua primeira noite. Eu não teria. — Sem mencionar que ela

não morava perto da minha tenda.

Ficamos em silêncio por alguns minutos e como a comida que Zara

trouxe.
— O que é isso? — Ela pergunta, acenando para a faca e o pedaço

de madeira no qual estava trabalhando.

Eu pego e inspeciono. — O começo de uma flecha.

— Você está fazendo uma? — Eu não tenho certeza se é julgamento

ou temor em sua voz. Ela pega o pedaço de madeira e olha para ele. —

Eu nunca aprendi a atirar um arco. — Ela admite. — Estou bem com

lâminas curtas, mas essa habilidade não me ajuda muito desde que

realmente não possuo uma lâmina.

— Você não tem uma arma? — Eu pergunto, chocada. Mas claro

que ela não tem. Zara foi despida de suas armas quando chegou e não

terá uma até a próxima batalha.

E se os mesmos homens que me atacaram tivessem escolhido a

tenda de Zara, ela estaria totalmente indefesa.

O pensamento me deixa doente.

— Espere aqui. — Levanto-me e vou para a tenda de Guerra, que

ainda está de pé. O cavaleiro não está no momento, o que

provavelmente é o melhor.

Mais fácil pedir perdão do que permissão.


Eu pego um dos punhais embainhados de Guerra, depois saio de

sua tenda, voltando para Zara. Vários Cavaleiros Phobos nas

proximidades acompanham todos os meus movimentos.

— O que é isso? — Minha amiga pergunta quando estendo a arma

para ela.

— Coloque-a.

— Não caberá. — Diz ela, desenrolando o cinto de couro que

envolve a bainha; foi claramente feito para encaixar em uma cintura

muito maior. Ela enlaça o cinto ao redor dela, fazendo o melhor que

pode para se encaixar.

Zara olha para baixo. — Guerra vai me matar por isso? — Ela

pergunta, olhando com cautela para os Cavaleiros Phobos que nos

olham. Eles vão, sem dúvida, relatar que entreguei uma adaga da

coleção do cavaleiro.

— Eu falarei com ele. Ficará tudo bem.

Ela levanta as sobrancelhas. — Você falará com ele? — Ela diz com

ceticismo. — E isso funcionará?

— Tem até agora.


Ela solta uma gargalhada. — Que tipo de conversa terão? O tipo

horizontal?

Eu faço uma careta mesmo quando rio um pouco. — Não. O tipo

normal de conversa.

Ela balança a cabeça. — Você é a mulher mais convincente do

mundo, Miriam ou esses favores acabarão custando muito.

Você é minha esposa, se renderá a mim e será minha em todos os sentidos

da palavra antes de destruir o último deste mundo.

Zara está certa. Nada nos dias de hoje vem sem preço, favores

especialmente. E Guerra me fez muitos favores.

Em algum momento, ele me fará pagar.


Eu quebrei a regra três.

Evite conformidade.

Para ser justa, Guerra parece sempre me notar. Agora é o resto do

acampamento que está muito, muito consciente de quem eu sou.

Sinto seus olhares enquanto monto Lady Godiva, um novo cavalo

que está muito menos interessado em me chutar do que Thunder

estava. O olhar coletivo do acampamento faz minha pele coçar. É

impossível se misturar e odeio isso.

Assim como o cavaleiro prometeu, hoje o exército arrumou tudo.

Ashdod foi erradicado, assim como todas as comunidades satélites que

o cercam. Não há mais nada para Guerra matar, então é hora de irmos.

Como antes, Guerra e eu cavalgamos à frente da horda, colocando

distância suficiente entre nós, tanto que posso esquecer por um tempo

que há um exército assassino seguindo.

O cavaleiro nos leva para o sul pela estrada 4. A terra é plana

demais para eu ver o oceano, mas juro que posso sentir o cheiro. São
meros quilômetros da estrada. E pelas conversas no acampamento,

ficaremos perto do litoral nos próximos dias.

Eu tento manter meus pensamentos preocupados com a jornada

em si, mas inevitavelmente voltam para o meu companheiro de

viagem, assim como desde que saímos do acampamento.

Por absolutamente nenhuma razão lógica, hoje sou incapaz de

ignorá-lo. Ou talvez haja uma razão; talvez a justiça bárbara de Guerra

mais cedo tenha quebrado algo em mim.

Seja qual for o motivo, agora não posso deixar de notar o corte

afiado de sua mandíbula; seu cabelo escuro e quase preto; aqueles

lábios curvos. Observo sua armadura de couro vermelho e suas

poderosas coxas.

Estou tendo fantasias sobre suas coxas. Sobre meu inimigo.

Eu sou uma idiota.

Naturalmente, claro, isso não me impede de continuar olhando

para Guerra e quanto mais eu olho, mais tenho certeza de que quero

passar meus dedos por suas marcas estranhas e brilhantes, espalhar o

kohl que reveste seus olhos. Quero provar esses lábios novamente.

Eu quero tudo e não devo, o que me faz querer ainda mais.


— Por que você não esteve com outras mulheres desde que nos

conhecemos? — A pergunta simplesmente escapa, mas assim que

acontece, eu quero morrer.

As pessoas que estão juntas fazem esse tipo de pergunta. Estou

fazendo-o flagrantemente acreditar que isso é importante para mim. E

não é. Apenas estou curiosa. Quer dizer, todo mundo não quer saber

sobre a vida sexual de um cavaleiro?

Não? Apenas eu?

Merda.

Guerra olha de lado. — Quem disse que não estive com outras

mulheres?

— As pessoas falam.

Eu me lembro quando cheguei pela primeira vez e as mulheres

fizeram soar como se Guerra tivesse uma porta giratória de mulheres

entrando e saindo de sua tenda.

— Ah. — Diz o cavaleiro. — Humanos e suas fraquezas. — Há um

longo período de silêncio.


— Então? — Pressiono. Eu já me envergonhei. Também poderia

ver essa questão. — Por que não?

Guerra vira-se completamente para mim, seus olhos castanhos

brilhando ao sol. — Estou comprometido com você, esposa e apenas

você.

Eu quero encolher os ombros. Poderia tê-lo feito alguns dias atrás.

Mas por qualquer motivo, hoje, essa explicação me atinge.

— Uau, estou lisonjeada. — Tento parecer zombeteira e

irreverente, mas não consigo fazer isso.

Guerra me dá um sorriso dolorido, como se o esforço da

abstinência tivesse seus desafios. O pobre cavaleiro e seu negligenciado

pau. O que fará?

— E se eu nunca dormir com você? — Eu pergunto.

— Eu não sou humano, Miriam. Posso controlar meu corpo bem o

suficiente.

Arrepios. Eu sabia que ele não era verdadeiramente humano, mas

ouvi-lo dizer é muito mais preocupante do que apenas estar ciente

disso.
— Você, por outro lado. — Continua ele. — Sempre foi humana e

está ligada à sua natureza mais básica. Veremos quanto tempo você

dura, esposa.

Hoje de todos os dias, essa declaração acerta o alvo.

Na estrada aberta, não há dúvidas de que estou vivendo um

momento terrível. O sinal mais óbvio disso são os corpos. Assim como

na primeira vez que viajei com Guerra, passamos por vários deles.

Estão inchados e fedendo, os catadores já os mutilaram. Estavam

deitados na rua ou meio dentro, meio fora das residências. Tenho

certeza de que há mais mortos presos em casas, apodrecendo entre

todas suas posses mundanas.

Espalhados perto dos corpos há montes de osso, e sei que os

zumbis de Guerra são responsáveis por isso.

Mas não são apenas os corpos.

Nós passamos por Ascalon, a cidade ao sul de Ashdod. Este lugar

também foi saqueado. Alguns dos edifícios ainda ardem ao longe e há

uma quietude no ar que parece totalmente desprovida de vida

humana.
Mesmo quando passamos pela cidade, ainda há visões estranhas

que nunca teria visto uma década atrás. Aqui, entre cidades, nossos

arredores são salpicados de ferro-velho e sucata de metal. As carcaças

de carros velhos, eletrônicos e outras tecnologias inúteis estão

abandonadas ao longo da estrada.

Eu não sei se a visão de toda essa velha decadência e desperdício

deixará de ser chocante para mim. Vasculhei tantos ferros-velhos ao

longo dos anos, mas mesmo depois de visitar centenas de vezes, ainda

não estou imune à sensação de formigamento nas minhas costas, como

se houvesse fantasmas antigos.

— Você pode me falar sobre seus irmãos? — Eu pergunto, meus

olhos se demorando em uma secadora enferrujada e uma geladeira

manchada pela qual passamos.

— Eles são letais e terríveis como eu. — Diz Guerra.

Mesmo no calor escaldante do meio-dia, os pelos dos meus braços

se erguem.

— Onde eles estão? — Eu pergunto.

— Onde precisam estar. — Ele responde enigmático.


— Mesmo Peste? — Eu pressiono. Guerra mencionou que o

primeiro cavaleiro foi parado.

O cavaleiro curva o superior um pouco. Seu silêncio faz meu

coração acelerar. — Onde ele está, não é da minha conta. Seu propósito

foi cumprido.

Eu acho que... acho que é a forma evasiva de Guerra dizer que seus

irmãos realmente podem ser parados.

Agora preciso descobrir como.

— Quando a fome vem? — Eu pergunto.

— Quando for a hora dele.

— E... quando é isso?

Guerra balança a cabeça, olhando ao longe. — Depois que cumprir

com o meu julgamento final.

— Seu julgamento final? — Eu digo. — Sobre o que? Humanos?

Levanto as sobrancelhas.

Guerra vira a cabeça e me dá um longo olhar.

Sim, humanos.
— Por que você acha que estamos aqui? — Pergunta Guerra.

Eu olho de volta para ele. — Por que você não me conta? — Ele é o

único com todas as respostas.

— Seu tipo não tem nada errado. — Diz Guerra de forma crítica.

— Mas todos vocês escolheram errado.

Estou tentando seguir as palavras de Guerra e como se encaixam

no julgamento, mas realmente não sei o que ele está tentando dizer.

Que a própria natureza humana está bem, acabamos nos

transformamos em algo mal ao longo do caminho? E agora ele precisa

nos punir por isso?

— Então todos nós morreremos? — Pergunto.

— Você será chamada para casa.

O que ele quer dizer é que a humanidade está sendo arrastada para

o lixo de Deus como sobras ruins.

— E não há nada que você possa fazer sobre isso? — Eu pergunto.

Não sei porque me incomodo. Guerra não mostrou nenhum interesse

em realmente salvar a humanidade. Ele está completamente bem nos

aniquilando.
— Miriam, não tenho que fazer qualquer coisa. Os homens são

aqueles que precisam mudar. Eu simplesmente julgo seus corações ao

longo do caminho.

Passo a mão pelo meu cabelo castanho escuro. — Como você pode

nos julgar se está muito ocupado nos atacando?

O rosto de Guerra é sombrio. — Há uma ordem para o que eu e

meus irmãos fazemos.

— O que isso significa? — Ele está dançando ao redor das minhas

perguntas.

— Quatro calamidades, quatro chances.

Um formigamento indesejado de medo desliza pela minha

espinha. — Quatro chances para o que?

Seus olhos se fixam em mim. — Redenção.


Redenção. Essa palavra pesou sobre mim naquela noite quando

olhei para o céu. A humanidade tem estado tão empenhada em parar

os cavaleiros que negligenciamos uma simples verdade: talvez não

sejam os cavaleiros que precisam ser detidos.

Talvez sejamos nós.

Não nossas vidas — embora Guerra insistisse de maneira diferente

— mas nossas ações. A tecnologia foi interrompida no dia em que os

cavaleiros chegaram. Mas se as coisas que criamos que estavam

erradas, esse único ato de obliteração poderia ser isso.

Talvez.

Peste surgiu cinco anos depois disso. Cinco anos. E agora faz mais

de uma década desde a chegada inicial do cavaleiro. Por que a espera?

O que estamos perdendo?

Eu me lembro da visão dos meus três atacantes sobreviventes,

todos esperando para morrer. Lembro-me de olhar para aqueles

homens, tendo tanta certeza de que machucariam alguém novamente


se fossem libertados. Eu não queria acreditar — ainda não — mas acho

que tudo é a mesma coisa.

E de alguma forma, todos devemos nos redimir. Apenas não tenho

certeza de que todos estamos dispostos.

E então estamos escalados para morrer.

Passamos por Gaza, a faixa inteira. Ninguém permaneceu. Está tão

abandonado quanto Ashdod e Ashkelon. Corpos apodrecem sob o sol

do verão, o zumbido profundo e agourento de moscas que pululam

levanta o cabelo na parte de trás do meu pescoço.

Jabalia, Khan Yunis — todas as cidades da faixa parecem iguais.

Mortas.

— O que você fez? — Eu sussurro enquanto absorvo tudo.

— Eu não podia deixá-la. — Diz Guerra.

Eu olho para ele.

— Quando você foi ferida. — Ele esclarece.

Horror me percorre. Enquanto ele ficou ao meu lado e me curou,

ainda estava matando.


Guerra encontra meu olhar e não há remorso em sua expressão

impiedosa. Ele terá tudo — a mim e o fim do mundo. É seu direito

destruir tudo.

Eu olho para longe. Pensar que estive fantasiando sobre ele apenas

um dia atrás...

Minha atenção retorna às ruínas dessa civilização. Sequer sabia que

o exército invadiu tão longe de seu acampamento.

Mas quanto mais olho para a carnificina e quanto mais penso nisso,

mais acredito que o exército de Guerra não se moveu tão para o sul.

Não há edifícios fumegantes, não há soldados mortos. Não há nada que

indique que homem encontrou homem no campo de batalha e cada um

lutou com o outro até a morte.

Mas há pilhas de ossos. Muitos e muitos ossos.

— Você usou os mortos? — Eu pergunto.

Sua única resposta é encontrar meus olhos e dizer novamente: —

Eu não podia deixá-la.

Não converso com Guerra depois disso. Não por horas e horas.

Infelizmente, ele parece perfeitamente bem com esse arranjo.


Não é até o sol se pôr e Guerra está conduzindo seu corcel para fora

da estrada e para um posto avançado deserto que diz: — Eu sei que

você está com raiva de mim.

Balanço a cabeça. — Eu não estou com raiva de você. — Digo. Eu

posso sentir o seu olhar em mim. — Estou com raiva de mim mesma.

Guerra se afasta de Deimos e pega as rédeas do meu cavalo,

levando a criatura a um conjunto de valas cheias de comida velha e

água escura.

Eu olho ao redor. Estamos no meio do nada. Verdadeiramente.

Posto avançado de lado, não há nada ali além da estrada e da terra

árida, banhada pelo sol.

— Uma semana atrás, seu pessoal a brutalizou. — Ele diz. — E você

ainda acha que eles deveriam ser poupados?

Eu o ignoro, descendo de Lady Godiva e estremecendo com

minhas pernas doloridas.

Ele amarra as rédeas do meu cavalo e volta para o meu lado.

— Responda-me. — Ele exige. Pela primeira vez seus olhos estão

com raiva e tenho a impressão de que ele está se lembrando da noite

em que fui atacada.


— Por quê? — Pergunto. — Argumentar com você não muda nada.

Guerra se aproxima. — E se mudasse? — Ele pergunta

suavemente. — E se a ouvisse e tentasse mudar, o que então?

Eu procuro seu rosto. Tudo nele é brutal — beleza brutal, poder

brutal, personalidade brutal.

— Acho que você sabe o que aconteceria se tentar mudar. — Eu

digo, levantando o queixo um pouco.

Estou com dificuldade o suficiente para manter minhas mãos longe

de Guerra. E se ele me desse uma razão para acreditar que é capaz de

mudar para melhor, ficaria tentada a manchar seu bom nome aqui e

agora.

O olhar do cavaleiro cai em meus lábios e seus olhos visivelmente

se aquecem. — E se eu fizesse isso, se... mudasse, você ficaria menos

envergonhada do fato de que o mundo me odeia e você é minha?

— Eu não sou sua. — Há uma diferença muito grande entre querer

foder um homem bonito e ser dele.

Os cantos dos lábios pecaminosos de Guerra se curvam para cima.

— Você é minha. Soube disso no momento em que olhou para o meu

rosto naquele dia em Jerusalém. Assim como eu sabia que você era
minha também. — Seu olhar cai para minha garganta, onde está a

cicatriz.

Guerra se aproxima, atraído pela minha antiga ferida. — Minha

pela violência. Minha por poder. Minha pela proclamação divina.

Acho que ele pode me beijar. Ele tem aquele olhar intenso em seu

rosto e deixou perfeitamente claro que ele acredita que eu sou dele em

todos os sentidos da palavra.

Mas em vez de se inclinar e pressionar os lábios nos meus, ele passa

por mim e começa a montar o acampamento.

Olho para suas costas enquanto ele trabalha. Por que não apenas

fecha o negócio? Ele é forte o suficiente e não tem problema em

dominar humanos inocentes no campo de batalha. Por que desenhar a

linha quando se trata de sua — esposa — pouco disposta?

— O que você mudaria em mim? — Ele pergunta sobre o ombro,

interrompendo meus pensamentos.

Seja o que for que o motiva.

— Pare de matar pessoas. — Eu digo.


Ele faz uma pausa em seu trabalho. — Você quer que eu entregue

o meu propósito?

Sim. Mas isso é claramente demais para pedir a ele.

Caminho até ele, agarrando a outra extremidade do colchonete que

está desdobrando e ajudo-o.

— Pelo menos salve as crianças. — Eu digo.

Guerra afasta minhas mãos e para um homem que não é realmente

humano, ele com certeza parece saber um pouco sobre cavalheirismo

ou o que quer que acha que está fazendo por mim.

— As crianças crescem. — Diz ele. — E as trágicas infâncias fazem

o mais vingativo dos homens.

Homens que tentariam impedir Guerra... se ele pudesse ser

parado.

Eu penso na minha própria infância. Ao sentar no colo do meu pai

e ouvi-lo contar histórias de lugares distantes e pessoas que conhecia.

Lembro-me de estar na cozinha, fazendo chalá com a minha mãe, a

receita da família supostamente transmitida ao longo de centenas de

anos antes de vir a aprender sobre isso. Eu me lembro de quão pacífica,

amorosa, minha infância foi.


Pelo menos, era assim antes.

Depois de...

Fecho os olhos e posso ouvir o esmagamento de metal no dia em

que os cavaleiros chegaram. O dia em que meu pai morreu. E então,

anos depois.

A água corre em....

Eu posso sentir seu frio gelado, espremendo a vida dessas

lembranças.

O cavaleiro está certo. É difícil lembrar o que você amou sem

também lembrar o que odeia.

— Além disso. — Continua Guerra, inconsciente dos meus

próprios pensamentos. — As crianças se tornam adultos, que então

geram mais filhos.

Problemático quando você está tentando matar uma espécie.

Guerra termina de arrumar tudo, depois tira alguns troncos de

madeira do alforje do meu cavalo, junto com um pacote de fósforos

desgastados e alguns gravetos.


— Isso não o incomoda? Que crianças morram? — Pergunto,

sentando-me em um dos paletes. — Certamente há uma parte de você,

talvez a parte que me salvou, que se incomodada com isso.

O cavaleiro começa a empilhar a madeira seca. — Fome não tem

problema com crianças e nem a Morte. — Um sorriso sem graça passa

pelo rosto de Guerra por um segundo, então desaparece. — Morte

amaria nada mais do que segurar o mundo inteiro em seu abraço frio.

— Então não, Miriam, não estou preocupado com a minha

indulgência.

— E Peste? — Eu pressiono, jogando meus braços sobre os joelhos.

— O que tem ele? — Guerra finalmente pergunta, adicionando o

graveto aos troncos.

Meu coração bate mais e mais forte. Tem algo ali. Algo para este

primeiro irmão que Guerra decididamente não quer que eu saiba.

— Você não o incluiu na sua lista. — Eu digo.

Guerra leva seu tempo acendendo um fósforo e depois levando-a

para a fogueira.
— Não preciso. — Diz ele, apagando o fosforo. — Você e eu

sabemos que a praga não discrimina suas vítimas.

Estreito meus olhos em Guerra, com certeza que ele está sendo

inteligente com suas palavras. — Seja o que for que você está

escondendo de mim, descobrirei.

Mais tarde naquela noite, depois de ter comido e bebido o

suficiente (abstendo-se Guerra em nome de racionamento), observo o

cavaleiro sobre o fogo que está morrendo. Ele tem a espada no colo e

uma pedra de amolar para afiar a lâmina. Eu posso ouvir o zumbido

rítmico enquanto ele desliza a pedra ao longo do metal.

— Amanhã montaremos acampamento aqui. — Diz ele, rompendo

o silêncio.

— Aqui? — Pergunto, olhando ao redor. Estamos no meio do nada.

— Onde estamos mesmo? — Eu pergunto.

— Egito. — Responde Guerra.

Egito.

Eu nunca estive fora do país antes. Parece estranho viajar mais

longe do que nunca. Por anos quis viajar; vai entender que quando

finalmente tive a oportunidade, estou na direção errada.


Meu olhar percorre novamente nosso entorno estéril. Então este

será o fim de nossas viagens. Não que isso signifique alguma coisa. O

cavaleiro erigirá minha tenda ao lado dele e continuaremos com essa

coisa que temos entre nós.

Mas este é o fim de alguma coisa, pelo menos por enquanto. Na

estrada é mais fácil gostar de um homem como Guerra. Ele não está

focado em matar pessoas, e honestamente, quando você remove isso

da equação, ele não é tão horrível.

As chamas baixas cintilam sobre sua pele morena e dançam em

seus olhos. Eles brilham através da lâmina de sua espada e iluminam

amorosamente seu braço espesso. Guerra não parece um homem

moderno agora.

— Antes de você chegar na Terra, quem você foi? — Pergunto.

Seus olhos encontram os meus. — Não quem, Miriam. — Diz ele.

— Mas o que.

Eu não digo nada e logo, continua.

— Eu vivi ao longo do Somme, descansei na Normandia e me

espalhei pelas antigas praias de Tróia; provei a maioria das partes desta

terra e meus mortos semearam incontáveis campos com seus corpos.


Mesmo agora posso sentir aqueles corpos profundamente abaixo de

mim no solo.

Arrepios percorrem minha pele. Metade do que ele diz não faz

sentido, mas posso sentir a verdade disso. Cada última palavra.

— Eu sou velho e novo e é uma experiência terrível, onerosa. —

Zing. Ele passa a pedra de amolar por cima da espada novamente.

— Mas ao contrário dos meus irmãos, sou único de uma maneira

única e fundamental. — Ele faz uma pausa, seu olhar pesado no meu.

— O que é isso? — Pergunto, embora não tenha certeza se quero

saber a resposta.

Seus olhos vão para o fogo. — Eu existo apenas no coração dos

homens. — Guerra olha as chamas. Agora que o abri, parece que toda

a história dele está caindo. — Todas as criaturas podem experimentar

peste, fome e morte, mas a guerra, a verdadeira guerra, é uma

experiência singularmente humana.

Enquanto olho para ele, seu rosto na maior parte eclipsado pela

sombra, eu entendo.
— É por isso que você julga os corações dos homens. — Eu digo.

Porque Guerra, nascido da luta humana, é o único cavaleiro que

verdadeiramente compreende nossos corações.

Guerra ri, colocando a pedra de amolar e sua espada de lado. —

Todos os meus irmãos julgam o coração dos homens. — Ele se inclina

para frente. — Eu conheço seus corações. Resido neles por muito

tempo, esposa.

Mais uma vez, um frio desliza sobre mim. O olhar de Guerra é

intenso demais e o que ele está dizendo faz-me sentir que a realidade e

o incompreensível estão na verdade, separados por uma fina cortina e

agora, o cavaleiro puxa a cortina para o lado.

Por um capricho, aproximo-me dele.

Ele não conhece nada além de guerra. Essa foi a totalidade de sua

existência até agora.

Estendendo a mão, seguro a dele entre as minhas. Não sei o que

estou fazendo, apenas que o brilho de suas tatuagens nos dedos parece

pirilampos entre as minhas mãos.

Imediatamente, o olhar de Guerra se move para o meu, seus dedos

se curvam.
— E se conhece o coração dos homens. — Eu digo, entrelaçando

meus dedos com os dele. O que estou fazendo? — Então você também

deve saber que a maioria dos homens não querem lutar.

São países, causas e reis que querem a guerra e soldados que

pagam o preço por isso.

— Você realmente tem tanta certeza disso, Miriam? — Mas pela

primeira vez, Guerra é o único que parece não querer lutar.

Passo meu dedo sobre os nós dos dedos, traçando cada grifo. —

Sim.

Ainda não tenho ideia do que estou fazendo, mas sei que Guerra

não impedirá.

Ele quer meu toque muito mais tempo do que eu.

Ele olha para a ação, seus olhos profundos, seu corpo incomum

ainda.

Meu dedo desliza sobre as costas de sua mão e até seu antebraço

bronzeado, tocando toda a pele que eu disse a mim mesma para não

tocar. Sob a ponta do meu dedo, posso sentir as grossas faixas de seus

músculos. Músculos que, pelo que sei, formaram-se há pouco mais de

uma década.
— Esposa. — A voz de Guerra está rouca com desejo e há mil

desejos em seus olhos. Ele está começando a se inclinar para frente e

parece que atacará a qualquer momento.

Porra, acho que quero descobrir como é, assim como quero saber

como seria ter os quadris de Guerra aninhados entre as minhas coxas,

seu corpo maciço pressionado contra o meu...

Estou inclinado para frente também.

Quase consegui esquecer todo o resto.

Mas há muito para esquecer. Demais.

Posso ouvir os gritos da batalha, ver o modo como os pássaros

circulavam essas cidades conquistadas. Lembro-me dos cadáveres —

todos aqueles cadáveres — espalhados por tantos quilômetros de

estrada e a armadura de Guerra coberta de sangue.

Solto a mão dele. Ele é bonito e gentil, salvou minha vida, mas

como ele disse: não sou como você e nunca deve esquecer isso.

E de repente, estou de pé. — Acho que preciso ir para cama.

Sua idiota, Miriam. Pensar que você quase iniciou algo com o cavaleiro.

A solidão está claramente levando a melhor sobre mim.


Eu posso sentir o olhar do cavaleiro nas minhas costas enquanto

me movo para a cama. Assim como na primeira vez que viajamos, a

minha está cheia de cobertores. Aceitei isso de Guerra, apenas para

fazer um ponto que eu posso dormir como uma avarenta, mas

considerando o jeito que estávamos nos fodendo apenas um momento

atrás com os olhos, ele poderia ter a impressão errada.

E não acho que o recusaria duas vezes.

Quando tiro minhas botas, Guerra apaga o fogo. Espero que ele

diga algo sobre o que acabou de acontecer — alguma promessa de

mais, alguma frustração porque o tirei de seu alcance (literalmente)

mais uma vez, mas ele não faz nada disso.

É enervante como o inferno, principalmente porque me lembro

que, por mais brutal que Guerra seja, é um estrategista. E acho que ele

sabe jogar comigo.

Pouco depois de me deitar na cama, ele faz o mesmo, tirando a

camisa. Eu posso ver suas tatuagens brilhando no meio da noite.

— Você não precisa dormir apenas porque o farei. — Eu digo.

— Eu não quero ficar acordado enquanto você estiver dormindo.

Conversar me lembra de como é solitário existir.


Essas palavras apertam meu peito. Eu não imaginava que o

cavaleiro pudesse se sentir assim enquanto vivesse entre uma horda de

humanos. Para ser sincera, não considerei que ele fosse capaz de se

sentir sozinho. A solidão é um sentimento muito vulnerável e humano.

Não se encaixa no meu conceito de Guerra.

Talvez seu conceito esteja errado.

Ele está bem aí. Não é tarde demais para ficar um pouco menos

solitário durante a noite.

— Miriam. — Chama ele, interrompendo meus pensamentos.

— Mm? — Eu digo.

— Diga-me algo bonito.

Não tenho certeza se ouvi o cavaleiro corretamente. Ele quer ouvir

algo bonito? Eu não achava que um homem como Guerra tivesse

espaço nele para algo como beleza.

Meu conceito está definitivamente errado.

Eu me viro para poder olhá-lo. Ele está deitado em sua própria

cama, olhando para as estrelas. Deve sentir meu olhar sobre ele, mas

não se vira para mim.


Algo bonito...

A história vem quase que imediatamente. — Meu pai era

muçulmano. Minha mãe judia.

Ele fica em silêncio.

Passo os dedos sobre o tecido dos meus cobertores enquanto falo.

— Eles se conheceram em Oxford enquanto ambos estavam fazendo

doutorado. Meu pai me disse que ouviu a risada da minha mãe antes

de ver o rosto dela. Supostamente é quando soube que a amaria.

Aperto os dedos nos cobertores. — Eles não deveriam se amar.

— Por quê? — A voz de Guerra vem da escuridão.

Meus olhos se movem para ele. — As famílias deles não queriam

que ficassem juntos, porque eram de duas culturas diferentes e duas

religiões diferentes. — Meu pai, turco-americano e minha mãe,

israelense.

O cavaleiro não diz nada a isso, então continuo.

— No final, não importava para eles o que suas famílias pensavam.

Sabiam que o amor era amor. Isso pode preencher todas as lacunas.
Eu exalo. Agora meus pais se foram e essa grande história de amor

na qual acreditava quando criança chegou a um final ruim.

Então talvez não seja lindo, depois de tudo. O mundo acaba, no

final.

Agora ele vira a cabeça para me encarar. — Então, você acha o

amor bonito, Miriam? — Ele pergunta.

— Não. — Eu digo, meus olhos encontrando os dele na escuridão.

— Não o amor em si. — Tudo o que sempre amei perdi. Não há beleza

nisso. — É o poder do amor que acho bonito.

Pode mudar muitas coisas

Para melhor ou pior.


Acordo encostada em Guerra.

Assim como da última vez que isso aconteceu, deixei meu catre,

meu corpo gravitando em direção ao do cavaleiro como um ímã.

Levanto minha cabeça um pouco e vejo que pelo menos esta

manhã, Guerra deixou sua própria cama também, nós dois nos

encontrando em algum lugar no meio.

Isso apenas me faz sentir melhor.

Meus olhos se movem para o cavaleiro. Ele ainda está dormindo,

seus longos cílios se espalham contra suas bochechas. Sinto o calor da

minha pele ao mesmo tempo em que lentamente me permito voltar

para ele.

É errado imaginar essa situação? Porque quero. Tanto.

Quanto mais me pressiono a ele, mais meu corpo desperta. Estou

ciente de que ele é feito de músculo e talvez nada mais, que todo esse

músculo parece tão bom contra mim. Há também uma parte perversa
que gosta de se sentir pequena e protegida no casulo de seus braços.

Faz muito tempo desde que me senti protegida.

Meu olhar se move para seu peito, onde seus peitorais estão

envoltos naquelas tatuagens brilhantes. Antes que possa pensar

melhor, levanto a mão e contorno uma. Sob meu toque, os grifos

brilham.

O braço de guerra aperta em mim e ele acorda com um sorriso lento

e diabólico. Eu me pergunto quantos mais desses conseguirei hoje. Fico

horrorizada ao perceber que comecei a ansiar esses sorrisos. O

cavaleiro não sorri muito, então cada um que ganho me dá um prazer

perverso. Ênfase no perverso.

— Esposa, você está criando o hábito de encontrar o caminho para

os meus braços.

Um hábito que, a julgar pelo seu rosto, ele não fará nada para

impedir.

— Você me encontrou no meio. — Digo defensivamente, porque

estou me sentindo muito como se estivesse o perseguindo agora,

quando foi o contrário.

Guerra me dá outro sorriso sonolento, que aquece meu núcleo.


— Como não? — Ele diz. — No sono eu não tenho quase nenhuma

restrição.

Ele ainda não me deixou ir e não tentei sair de seus braços. Acho

que nenhum de nós está ansioso para terminar este momento.

O cavaleiro estende a mão e traça a cicatriz na base da minha

garganta. — Como você conseguiu isso?

A pergunta acaba com meu humor.

A explosão ruge pelos meus ouvidos, a força me derrubando na

água.

Trevas. Nada. Então...

Suspiro forte. Há água e fogo e... e... e Deus a dor. Dor, dor, dor.

Eu fecho meus olhos contra a lembrança. Quando abro, o olho

cuidadosamente.

— Por que isso importa? — Eu pergunto.

Os olhos profundos de Guerra se erguem para os meus. —

Importa.

Enrugo a testa. — Estava em um acidente. Tenho outras cicatrizes

em outros lugares.
Isso, obviamente, é a coisa errada a dizer. Os olhos de Guerra ficam

ávidos; parece que ele quer tirar minhas roupas e ler minha pele como

se fosse um roteiro.

Seu olhar se move para cima da coluna da minha garganta.

Passando minha boca e nariz. Fixo os olhos nele e nenhum de nós olha

para o outro lado. Eu posso ver essas manchas de ouro em sua íris.

Posso até ver isso agora, seus olhos despojados de violência.

O que resta neles é puro desejo.

Minha respiração acelera e meu núcleo começa a pulsar, eu o

quero, o quero, o quero. Pensei que dormir fora mudaria as coisas, mas

não mudou.

Seu rosto está tão perto. Muito perto.

Sou eu que diminuiu a distância entre nós. Pressiono meus lábios

aos dele. Este é um impulso puro e não adulterado.

Tanto para não o perseguir.

Ele tem o mesmo gosto do qual me lembro. Como fumaça e aço. E

ao contrário do resto de seu corpo, a boca de Guerra é flexível.


O beijo deve ser gentil, mas o cavaleiro aperta seus lábios contra os

meus. Ele está me devorando com a mesma intensidade que tem em

batalha.

Ele nos rola de modo que fico deitada de costas e ele sobre mim,

me prendendo no chão. Ele mantém seu peso longe, mas mesmo assim,

se sente tão sólido e pesado quanto aqueles tanques apodrecendo nos

ferros-velhos de Jerusalém. Sem vergonha, aperto o corpo contra ele,

engolindo um gemido.

À distância, ouço o lento som de cascos, mas minha atenção está

intensamente concentrada em Guerra enquanto sua mão se move para

o meu peito e segura um seio.

Eu não quero dizer nada, mas um suspiro ofegante escapa.

Guerra termina o beijo tempo suficiente para dizer: — Esposa, eu

não vivi até este momento. Você deve fazer esse som novamente.

Porra, ele percebeu isso?

Clop, clop, clop, clop.

Os lábios do cavaleiro retornam aos meus e sua mão está de volta

no meu peito, estou esfregando minha pélvis contra a dele como se

fosse um esporte profissional.


Clop, clop, clop, clop.

Isso acontecerá aqui e agora. Meu período de seca será oficialmente

terminado. Lidarei com as consequências desta má decisão mais tarde.

Uma sombra rola sobre nós e quando me incomodo em olhar para

cima, percebo o cavalo de Guerra inclinado, fungando o cabelo do

cavaleiro.

Ao contrário de Lady Godiva, Guerra não se incomodou em

amarrar seu cavalo. E agora ele apenas bloqueou a merda dessa

situação.

Guerra se afasta de mim. — Deimos. — Ele geme, soando

exasperado enquanto empurra o focinho do cavalo para longe.

Dando-me um olhar de desculpas, Guerra se afasta para lidar com

seu corcel.

Eu me sento, limpando a sujeira do meu cabelo e roupas, me

sentindo apenas um pouco decepcionada com o que acabei de fazer.

Vejo Guerra interagir com Deimos, acariciando a fera ao longo de sua

bochecha e pescoço.
Sempre achei que o cavalo de Guerra, com sua estrutura maciça e

pelo vermelho sangue, fosse uma criatura assustadora, mas agora ele

parece mais um garotinho necessitado, ansioso pela atenção de seu pai.

Tudo bem, cavalos podem ter uma ou duas coisas acima de

bicicletas. Mesmo que façam cocô em todos os lugares.

Estou prestes a vagar até onde o cavalo e o cavaleiro estão quando

ouço um som baixo. Olho para a estrada e vejo formas indistintas bem

naquele ponto onde a terra encontra o céu.

Deimos não estava nos bloqueando, afinal. Ele estava soando o

alarme.

O exército de guerra está no horizonte.


Saio da minha tenda recém-erguida naquela noite.

E do lado de fora, o pequeno local abandonado em que Guerra e

eu estamos acampados está agora coberto de tendas até onde a vista

alcança. Os momentos privados que tivemos ali há apenas algumas

horas foram substituídos por pessoas e movimentos.

Sinto uma breve pontada de perda, mas desaparece rapidamente,

substituída por meus nervos.

Eu mordo o interior da minha bochecha, meus olhos indo para a

tenda do cavaleiro. Tenho um plano. Um plano cheio de falhas, mas

um plano, no entanto. Um que faz meu estômago revirar um pouco

toda vez que penso nisso.

Pelo menos, vai parar de fazer você se sentir tão dilacerada — se

funcionar.

Guerra invadirá a próxima grande cidade em outro dia ou dois.

Preciso fazer acontecer antes disso.

Eu dou um passo em direção a sua tenda, então hesito.


Meu plano poderia esperar até o dia seguinte...

Então, novamente, se adiar, talvez nunca encontre coragem para

fazer isso novamente.

Começo a me dirigir para a tenda de Guerra, meu coração na

garganta.

A noite é quente e calma, os sons do acampamento me cercam — o

ronronar das tochas, a risada distante, o suave bater de lona. E se

nossas circunstâncias fossem diferentes, esses ruídos seriam

reconfortantes.

Deus, realmente farei isso?

Os cavaleiros Phobos que normalmente estão de guarda ao redor

da área se foram. Eu me aproximo da tenda e de dentro ouço várias

vozes.

Eu hesito, torcendo meus dedos úmidos juntos, minha respiração

vindo rápido demais. Agora pode ser um mau momento para isso.

O baixo murmúrio da voz do cavaleiro sai de dentro e meu

estômago aperta. Ainda posso me virar. Ele nunca saberia.

Seja corajosa.
Eu puxo a aba da lona para o lado apenas um pouco.

No interior, o cavaleiro ouve seus homens enquanto planejam a

melhor forma de invadir Arish, a próxima cidade de sua lista

aparentemente.

— O oceano bloqueia a cidade a partir do norte, o deserto a partir

do sul. — Diz um Cavaleiro Phobos. — Estamos vindo do leste,

deixando apenas os civis fugirem para o oeste. Pode ser melhor dividir

o exército e chegar a ele de ambos os lados.

Eu franzo a testa para o homem falando. Ele está falando de como

melhor aniquilar uma cidade inteira.

Guerra estuda a topografia, o peito nu, as tatuagens brilhando

como rubis.

— Também há a Highway 55 para pensar. — Diz um soldado,

passando o dedo por uma parte do mapa. — Leva ao deserto, mas se

as pessoas estiverem desesperadas o suficiente, usarão para fugir para

o sul

Uma mão envolve meu braço.

— Espionando o Senhor da Guerra? — Um homem rosna atrás de

mim.
Eu me viro e vejo outro dos Cavaleiros Phobos. Uzair, acho que é

o nome dele. Ele tem um olhar especialmente malvado.

Ele me empurra dentro da tenda de Guerra. O cavaleiro e os outros

soldados olham para a comoção.

— Encontrei sua mulher na entrada da tenda. Ela estava ouvindo

seus planos. — Diz Uzair.

Os olhos de Guerra passam por mim antes de se mover para o

homem. — Vá.

O cavaleiro hesita. Claramente, ele achou que ganharia um tapinha

no ombro por me denunciar.

Ele dá a Guerra um arco rígido e sai. Os soldados restantes

observam o cavaleiro, esperando sua sugestão antes de agir.

Guerra move a cabeça em direção às abas da tenda. Sem palavras,

eles saem. Enquanto vão, a maioria deles me lançam olhares duros.

Eu não ganhei nenhum aliado entre seus homens.

O cavaleiro olha para as abas da tenda por vários segundos, mesmo

depois de todos terem saído.


— Bem, se deseja conhecer meus planos. — Ele finalmente diz. —

Apenas precisa perguntar.

Guerra e eu sabemos que apenas usaria a informação para sabotar

seus esforços.

— Não é por isso que estou aqui. — Eu digo.

— Então por que está aqui? — Pergunta ele, afastando-se do mapa.

Seus olhos estão acesos com interesse.

Seja corajosa. Seja corajosa. Seja corajosa.

Ele caminha mais perto, eu o observo — realmente. Seu corpo

imponente, para seus olhos escuros e maçãs do rosto afiadas, sua

mandíbula cortante e a vasta extensão de seu torso nu. Tudo nele foi

feito para acabar com vidas.

Abro minha boca

Seja corajosa.

— Sabe o que, esqueça. — As palavras saem depressa.

Em outro momento, prometo a mim mesmo.

Assim que me viro para ir, Guerra pega meu braço e me viro para

olhar para ele.


Ele procura meu rosto. — Você tem um olhar...

Eu tenho um olhar?

— Diga-me por que você está aqui. — Ele ordena.

Meu olhar se move da mão do meu braço para o rosto dele.

Vamos mulher, responda.

Eu exalo. — Eu tenho uma proposta para você.

— Uma proposta. — Ele repete. Sua voz está tensa, aquece minhas

bochechas.

E se alguém entende de negócios, é Guerra. Lados opostos se

encontram, trocam uma coisa pela outra e depois retomam o conflito

pela manhã.

Ele continua me observando intensamente. — O que, esposa, você

propõe?

Enquanto olho para ele, aproximo-me. Muito deliberadamente,

coloco minha palma contra o peito dele.

— Acho que você quer isso. — Eu digo baixinho, incapaz de dizer

o que exatamente estou oferecendo. — E mais.


Muito mais.

Guerra respira profundamente e seus olhos ardem. Ele não nega.

— Esta é a sua proposta? — Ele pergunta.

Meu plano temido.

Concordo.

— O que você quer? — Sua voz é profunda e ressonante.

Ele quer fazer um acordo.

Eu solto uma respiração instável. Isso é exatamente o que esperava.

As dúvidas que tenho são fracas em comparação.

— Pare de ressuscitar os mortos. — Eu digo.

Não estou pedindo a Guerra para terminar sua maldita cruzada;

estou simplesmente pedindo que ele não nos erradique

completamente. Talvez então algumas pessoas sobrevivam aos

ataques. Neste ponto, alguns são melhores que nenhum.

Guerra fecha os olhos e passa a mão sobre a minha, prendendo a

palma da mão no peito dele.


— É uma boa oferta. — O cavaleiro abre os olhos. — Estou muito

tentando, como nuca estive...

Sinto minha esperança se expandindo...

— ... mas não, Miriam, não aceitarei.

... então despencando.

Minhas bochechas coram com a rejeição.

Eu fui uma tola em pensar que poderia convencê-lo tão facilmente.

Ou pensar que meu corpo tem esse preço alto. E também há a pequena

humilhação que sinto. Estava me degradando o suficiente para oferecer

os meus serviços — mas depois recusá-los assim mesmo?

E de repente estou com raiva — principalmente de mim mesma,

mas também de Guerra.

Eu começo a puxar minha mão, mas ele a mantém prisioneira.

— Tão rápido para sair? — Ele diz.

Encaro abertamente o cavaleiro e o olhar faz com que ele ria

ameaçadoramente.

— Sim, me odeie, mulher selvagem; sua raiva a faz viver.


Ele ainda tem minha mão presa. — É aqui que negociamos. — Diz

ele.

— Isso não é negociável. — Eu digo. — Você pode pegar minha

oferta ou me deixar ir.

Guerra ignora minhas palavras. — E se acampássemos um pouco

mais entre as cidades? — Ele diz. — Eu poderia comprar seu tempo

extra para o seu pessoal.

Alguns dias? Bem se farei o que o cavaleiro quiser, quando e como

ele pede, quero comprar anos — décadas até — da vida de alguém.

Não dias.

— Isso não é bom o suficiente.

Ele me mostra um sorriso cruel. — Você é rápida para saltar de

acordo para demandas.

— E você é rápido para derrubá-los. — Eu digo.

O cavaleiro solta minha mão, mas apenas para poder passar o

polegar pelo meu lábio inferior.

O Senhor da Guerra se inclina. — Você se entregará a mim mesmo

assim. Está marcado para mim, meu prêmio de guerra.


Agora é a minha vez de lhe dar um sorriso cruel. — Talvez. — Eu

digo. — Talvez você me consiga, talvez não. Mas não será esta noite e

poderia ter sido.

Os olhos de Guerra parecem escurecer.

Oh, tocou em algo que ele queria agora, verdade?

Que pena.

Eu me viro e vou para a porta.

Estou quase nas abas da tenda quando ele diz: — Os aviários.

Minhas sobrancelhas se franzem e olho por cima do ombro para

ele. — O que?

Ele dá um passo à frente. — Eu não queimarei os aviários.

Posso ouvir meu coração acelerar.

Os aviários. Esse era o sistema de comunicação mais eficiente da

cidade. E se fossem deixados intactos, outras cidades poderiam ser

avisadas sobre Guerra. As pessoas poderiam ter tempo de fugir antes

que o cavaleiro entrasse em sua cidade.


Giro completamente para encará-lo. — Isso é algum tipo de

truque? Você não está apenas pensando em me dar sua palavra apenas

para matar os pássaros de alguma outra maneira?

Guerra parece quase satisfeito com a pergunta. Talvez sua mente

estratégica goste de ser testada. Enquanto isso, aqui estou eu, achando

a coisa toda tediosa.

— Não impedirei que meus homens matem os pássaros. — Diz ele.

— Mas não darei a ordem de destruir os aviários.

Isso é o melhor que vou conseguir. E é muito melhor que sua

primeira contraproposta.

Lentamente, aceno. Aceno antes de poder realmente pensar nas

outras ramificações deste acordo. As ramificações que vão me custar.

— Tudo bem. — Eu digo baixinho. — Concordo com seus termos.

O olhar intransigente do cavaleiro está fixo no meu. Finalmente,

ele dá um pequeno aceno de cabeça. — Bom. Então temos um acordo.

Seus olhos se movem sobre mim, aquecendo enquanto isso.

— Agora, venha para mim. — Diz ele. Sua voz está mais áspera,

mais profunda. — Mostre-me o que comprei.


Isto está realmente acontecendo.

Deus, eu não esperava que isso acontecesse tão rápido. Talvez não

tivesse realmente esperado que isso acontecesse. Acho que ainda posso

estar em choque.

Respiro de forma instável. Ansiedade, trepidação e excitação

perversa se revolvem no meu estômago enquanto dou esses passos

hesitantes para ele.

Uma das mãos dele cobre minha bochecha e estremeço de

sensação. Agora que sei o que nós dois faremos — o que eu aceitei fazer

— seu toque parece particularmente elétrico.

— As coisas que imaginei, esposa. — Ele murmura, seu polegar

acariciando minha pele. E de maneira prazerosa ele observa todas as

facetas do meu rosto —meu nariz, meus lábios, minhas bochechas,

meus olhos.

Um arrepio me percorre.
Guerra se inclina, sua boca a perto da minha. Apenas quando eu

acho que seus lábios vão se fechar sobre os meus, ele diz: — Toque-me.

Eu engulo.

Erguendo minha mão, toco seu rosto suavemente, tão suavemente.

Eu não acho que isso é o que Guerra tinha em mente quando me deu a

ordem, mas não está objetando. Continua olhando para mim, seu olhar

ardendo.

Que tipo de mente está por baixo desse rosto bonito? Eu o chamaria

de mal e ainda assim vi a marca humana do mal. Ela prospera em

crueldade e tortura. Não acho que Guerra seja depravado, mesmo que

sua brutalidade seja surpreendente.

Deslizo meus dedos sobre sua bochecha alta, abaixo de sua

mandíbula e na coluna de sua garganta. Continuo movendo minha

mão para baixo e para baixo até que volto ao ponto logo abaixo de seu

peitoral.

Guerra fecha os olhos, exalando pelo nariz.

Ele tem uma constituição de guerreiro, o que não é surpreendente

— e não é nada que já não tenha visto. Mas esta noite, quando sei que

ficará pressionado contra a minha própria pele esta noite, eu noto.


Agora estou olhando para o peito dele e para aquelas marcas

brilhantes. Por que estou tão nervosa? E por que estou deixando tudo

estranho? Deveria apenas beijá-lo?

— Você já fez isso antes? — Ele pergunta, abrindo os olhos.

Aceno, não encontrando seu olhar. Eu não digo a ele que não fiz

muito. Muito complicado com a gravidez.

— Você fez? — Como um idiota a pergunta escapa dos meus lábios

antes que possa evitar.

Guerra inclina minha cabeça, forçando-me a encontrar seus olhos.

— Mmm. — Ele diz, o que eu acho que é sua maneira de dizer sim.

Antes que ele possa fazer qualquer outra coisa e antes que eu tenha

uma chance de fazer isso parecer verdadeiramente desconfortável,

levo minhas mãos para o peito dele novamente. Ignorando a maneira

como tremem, acaricio sua pele.

Sob o meu toque, sinto a pele de Guerra arrepiar e é um choque,

saber que posso fazer isso com ele.

Movo minhas mãos para baixo, tocando sua calça, pronta para

fazer tudo isso acontecer, mas logos Guerra pega um dos meus pulsos.
— Espere.

Esperar?

Meus joelhos estão quase batendo com os nervos. Eu não acho que

posso esperar.

Segurando meu braço, Guerra me puxa para uma mesa lateral,

onde uma garrafa e óculos descansam. Abrindo o contêiner, ele despeja

dois drinques e entrega um para mim. O outro ele mantém para si

mesmo.

Eu pego, envolvendo minhas duas mãos ao redor. Pelo menos isso

acabará com o nervosismo. Meus sentidos poderiam ficar

entorpecidos.

Eu tomo a bebida hesitante. É picante e honestamente não saberia

dizer que tipo especial de destilados estou bebendo, mas me aquece

instantaneamente, então tomo outro gole.

Talvez eu possa simplesmente fazer isso bêbada...

No espírito desse pensamento, tomo todo meu copo, fazendo uma

careta com o ardor.


Guerra me vigia de perto. Depois de um momento, ele se senta em

sua cadeira, seu olhar nunca me deixando. Acho que ele dirá que

pareço nervosa. Em vez disso, toma um longo gole de sua bebida e

coloca o copo de lado. Depois de um momento, ele toma minha bebida

e também a coloca de lado.

Estendendo a mão, ele me agarra pelos quadris e me puxa para que

minhas pernas fiquem presas entre as dele. Meu coração está

martelando no peito.

Olhando para mim, o cavaleiro começa a esfregar os polegares

sobre a minha pele. Lentamente, as palmas das mãos roçam meus

lados, levantando minha camisa junto com eles. Seu toque é elétrico.

Eu nunca estive tão consciente de mim mesma em toda a minha vida.

Pouco a pouco ele levanta minha camisa, revelando um sutiã

esfarrapado embaixo. Eu termino de tirar a camisa, jogando a peça de

lado.

Sinto que estou prestes a saltar da minha própria pele, o que é

alarmante, considerando o quão pouco fizemos.

Precisa liderar isso.

Com esse pensamento, eu me inclino e o beijo.


Doce alívio.

No momento em que meus lábios se pressionam contra os dele,

toda a minha energia ansiosa se transforma em intensidade. Aperto

minhas mãos em ambos os lados do seu rosto, direcionando sua boca

para a minha.

Ele geme contra mim e qualquer que seja o ritmo agonizantemente

lento que ele estabeleceu para nós antes, desaparece em um instante.

Suas mãos estão no meu cabelo enquanto devora minha boca.

Meus joelhos ainda estão fracos e praticamente tenho que rastejar

no colo de Guerra para não cair no chão. A pele do meu peito pressiona

contra o dele e estremeço contra ele.

O Senhor da Guerra esfrega seus quadris contra mim, posso sentir

sua ereção lutando contra o tecido.

— A sensação de seu corpo contra o meu... — Ele rosna. — Todos

os santos, é como uma lembrança do céu.

Eu não sei o que dizer sobre isso; o cavaleiro apenas me comparou

ao céu— e ele sabia tudo sobre o lugar. Em uma nota mais pessoal,

ninguém nunca teve qualquer parte minha como Guerra tem agora. E

é inebriante. Muito inebriante.


Guerra se afasta da minha boca. — Eu quero ver seus seios bonitos.

— Diz ele, sua voz grave.

Eu olho de volta para ele, atordoada por seus lábios.

Antes de suas palavras processarem completamente, ele tira meu

sutiã. Um momento depois, meus seios se soltam.

Automaticamente, meus braços se levantam e o nervosismo

anterior volta com força total.

Ainda assim, é Guerra quem puxa meus braços para longe,

revelando meus mamilos escuros. Seu olhar ardente encontra o meu.

— Você não tem razão para estar nervosa, esposa.

Esposa. O sentimento faz meu estômago apertar.

— Por favor, não me chame assim agora. — Eu pensei que tinha

me acostumado com o termo, mas estava errada. Agora parece muito

íntimo. Posso banalizar o que faço com o cavaleiro, desde que

permaneça emocionalmente distante.

— Isso é algo com o que não concordarei. Esposa.

Eu estreito meus olhos para ele.


Sua mão desliza sobre minha pele, em seguida, segura um seio. É

quase risível, quão grandes são as mãos dele. Eles engolem meu peito.

Ele levanta a outra mão, de modo que segura os dois. Seu polegar

raspa um mamilo.

— Eu quero entrar em você, Miriam. — Ele respira. — É tudo em

que penso ultimamente.

Suas palavras incendiaram meu núcleo. A necessidade está

crescendo e quero levar isso mais longe, mais rápido.

Guerra me levanta facilmente, dando acesso ao seio. Sinto sua

respiração quente tocar o mamilo, em seguida, ele leva a sua boca.

Minha reação é instantânea.

Eu gemo, arqueando contra ele, me pressionando contra seu peito.

Seus lábios são como o pecado, posso me sentir molhada com cada

golpe de sua língua.

Ele geme contra mim. — Esposa.

Aquele som.

Eu preciso de mais.

— O que você quer que eu faça? — Pergunto em vez disso.


— Toque-me onde quer que a agrade.

Agora esse é um comando complicado. Isso implica que qualquer

parte dele me agrada e mesmo que meus lábios já estejam inchados de

seu beijo, mesmo que esteja escarranchada em seu colo e minha

calcinha molhada, ainda não quero que nenhuma parte dele me

agrade.

E definitivamente não quero que ele saiba disso.

Mas o desejo vence. Passo as mãos sobre seus peitorais, ombros,

costas e braços. Estou tocando em todos os lugares. Seu corpo é

enorme, seu enorme tronco superando o meu.

O cavaleiro geme novamente e se mexe contra mim. Seus lábios

começam a roçar meu peito, ficando mais exigentes, suas mãos estão

ficando mais gananciosas. Reflexivamente, passo os dedos pelo seu

cabelo escuro.

Seus olhos violentos e delineados com kohl se fixam nos meus,

aguçam com um propósito.

Guerra me levanta e leva até seu catre, me colocando na cama que

dormi há não muito tempo atrás. Parece familiar e estranho ao mesmo

tempo, os lençóis cheirando fracamente ao cavaleiro.


Eu deito ali e olho para Guerra, que parece maior deste ângulo.

Minutos atrás eu estaria nervosa. Agora apenas o quero.

Ele se ajoelha ao meu lado, seu olhar fixo no meu. Suas mãos vão

para minhas botas, tirando-as e as minhas meias, uma a uma. Ele se

move para cima da cama, seus dedos indo para o cós da calça.

Minha garganta entope um pouco quando ele desabotoa minha

calça. O som do zíper me deixando mais excitada. Ele prende os dedos

ao redor da calça e calcinha, então puxa tudo, pouco a pouco.

Eu ouço sua ingestão aguda de ar e seus olhos estão fixos no meu

núcleo, mesmo enquanto puxa as roupas pelas panturrilhas e depois

para fora dos meus pés. Parece hipnotizado pela visão em sua cama.

Depois de um momento, Guerra endireita, suas próprias mãos

indo para as botas pretas, seus músculos ondulando com o movimento.

Ele começa a me despir e é tão sexy. O cavaleiro está sem camisa,

então não há muito para tirar, uma vez que as botas estão fora. Suas

mãos se movem para a calça preta. Ele não olha para longe enquanto

puxa — e o que quer que use por baixo — para baixo, para baixo, para

baixo.

Meu olhar desce... oh. O nervosismo volta.


Seu pau é enorme. Grande o suficiente para me intimidar e grande

o suficiente para machucar, se não formos cuidadosos.

E de repente sinto minha inexperiência. Eu não sei muito e Guerra

provavelmente esteve com mulheres o suficiente para ver o quão

pouco prática tenho.

Antes que minhas inseguranças possam se apressar, o cavaleiro se

ajoelha no catre e então seu corpo se acomoda sobre mim. Seus quadris

se encaixam entre os meus, assim como imaginei e seu peito pressiona

cada parte exposta. A sensação é melhor do que minhas fantasias

doentias.

Ao redor, as lâmpadas piscam, sua luz brilhante dançando ao

longo do corpo de Guerra.

O cavaleiro olha para mim por alguns segundos. — Agora, esposa,

eu posso respirar fácil. Tudo está como deveria.

Sua boca encontra a minha e parece que estou sendo levada à vida.

Guerra não me pede novamente para tocá-lo. Não precisa. Sua

boca acende um fogo dentro de mim e estou cheia de uma necessidade

selvagem e imprudente.
Deslizo minhas mãos ao redor de seu peito, minhas palmas se

movendo pelas costas. Não preciso ouvi-lo falar para sentir o quão

satisfeito está. Talvez por ter minhas mãos em sua pele, talvez pela

natureza do toque. Tudo que sei é que ele aprofunda o beijo, sua língua

tocando a minha.

Seu pênis está preso entre nós e tê-lo dentro de mim é uma

necessidade física.

Queimando. Estou queimando de dentro para fora, minha

respiração ficando cada vez mais rápida. Minhas mãos deslizam para

baixo em sua espinha e sobre sua bunda.

Preciso dele em mim.

Ele sorri contra meus lábios enquanto me beija, como se ouvisse

meus pensamentos.

— Por milênios ansiei por isso. — Sua voz baixa parece vibrar

contra a minha pele. — Por milênios fui negado.

Eu solto um suspiro, presa entre o quão assustador são suas

palavras e o sexy é o sentimento.

Alcanço entre nós, envolvendo a mão ao redor de seu pênis.


Guerra ofega. — Deus, Miriam, seu toque...

Ele me beija, empurrando para frente na minha mão.

Eu levanto meus quadris, posicionando-o na minha entrada. Estou

ofegante, pronta para sentir...

— Não. — Guerra diz, seu corpo enrijecido contra o meu.

Não?

Ele se afasta um pouco e então, minha mão escorrega. Quero

chorar, porque a dor dentro de mim não diminuiu. Estou a três

tentativas de terminar e ele está me negando?

— Não até você se render. — Diz Guerra.

— O que? — Eu mal posso me concentrar em suas palavras. Eu não

tenho ideia do que ele está falando, apensa que mencionou deveria me

render.

— Eu quero mais do que seu corpo, esposa, não a terei totalmente

até que se entregue a mim.

O que? Coloco uma mão na minha cabeça. Afinal, o que isso quer

dizer?
Por vários segundos, o único som na tenda é a minha respiração

superficial. — Então, não faremos sexo?

Por favor. Tome minha vagina. Ela quer você.

Os olhos de Guerra brilham. Ele agarra meus joelhos e abre minhas

coxas, expondo minhas partes mais íntimas.

— Bem, agora, isso depende da sua definição de sexo.

E então ele desce em mim.


Oh meu deus, oh meu deus, oh meu deus.

— O que você está fazendo? — Minha voz soa sem fôlego, mas

esses malditos nervos voltaram.

A única resposta de Guerra é um beijo lento na parte interna da

coxa.

Minha boca fica seca. Eu nunca fiz isso, nunca fiz isso e acho que

posso estar em pânico. Guerra me tem total e completamente à sua

mercê.

E ele não tem muita piedade.

Eu tento mover minhas pernas, mas ele as prende em sua posição.

Olha para mim, continuamente deixando beijos em direção ao meu

núcleo.

— Relaxe, esposa, você gostará.

Por que ele está fazendo isso? Os favores sexuais deveriam ser em

seu benefício, não meus.


Guerra é um bom beijador, mas não descubro o quão bom até a

boca dele chegar até o final das minhas coxas.

Ele faz uma pausa e não aguento mais.

Então sua boca encontra minha buceta e não é nada como senti

antes. Reflexivamente, empurro seu beijo e não acho que gosto disso.

Estou muito exposta e parece esmagadora. Seus lábios e língua se

movem sobre cada parte do meu núcleo e terminações nervosas que

sequer sabia que tinha.

Eu tento empurrar seus ombros, mas é como tentar derrubar um

prédio. — É demais, Guerra. Por favor.

Eu o sinto sorrir contra mim. — Segure-se esposa, nem cheguei à

melhor parte.

A melhor parte?

Estou sem fôlego com a sensação e ele é implacável. O cavaleiro

lambe, belisca e chupa, me atormenta até que estou ofegando e

gemendo impotente, movendo os quadris para cima para encontrar

sua boca.

E então ele encontra meu clitóris.


— Oh meu deus. — É como uma bomba explodindo. Quase chego

lá.

Minhas mãos encontram seu cabelo e ele solta um profundo som

de aprovação.

— Por favor, Guerra, por favor. — Eu nem sei o que estou

implorando, apenas que o cavaleiro pode consertar isso.

Ele insere um dedo em mim e é isso. Eu grito quando um orgasmo

quase violento me rasga.

— Guerra. — Meus dedos apertam seu cabelo enquanto onda após

onda me percorre. Estou fazendo barulhos constrangedores e

desesperados, não estou bem. Eu me movo contra ele mais e mais, sua

boca mantendo a sensação pelo tempo que ele pode.

Apenas depois de descer que Guerra se afasta da minha buceta. Eu

olho para ele como se nunca o tivesse visto antes.

O cavaleiro sobe pelo meu corpo e me dá um beijo carnal. Posso

sentir meu gosto no beijo, estou envergonhada e excitada, não sei o que

fazer com o fato de que isso é muito mais do que pretendia que fosse.

Ele se deita ao meu lado, me colocando em seus braços.


E ele me abraça.

Merda. Uma garota solitária como eu não tem defesa contra isso,

especialmente agora, quando me sinto particularmente vulnerável.

Apenas quando minha respiração voltou ao normal que percebi

que agora é a minha vez.

Não acho que Guerra pedirá, mas também quero esses aviários

intactos. É por isso que fiz este acordo em primeiro lugar.

O cavaleiro está desenhando círculos nas minhas costas quando

coloca a mão entre nós e envolvo minha mão ao redor dele.

Ainda está dolorosamente duro. Seu pau pulsa e seu corpo

tenciona.

Eu começo a descer por seu corpo, passando por suas tatuagens

brilhantes, por seu abdome, pelo triângulo tentador de músculos que

compõe sua pélvis, até que estou ajoelhada entre suas coxas, minha

mão ainda em punho ao redor dele.

Guerra fica sobre seus antebraços. — Esposa. — Seus olhos

brilham.
— Um acordo é um acordo. — Eu digo. Movo minha mão para

cima e para baixo em seu eixo para enfatizar o ponto. Em resposta, seus

quadris se movem.

— Ira de deus. — Ele diz sob sua respiração. — O que, exatamente,

você pretende fazer?

Suas palavras cortam bruscamente enquanto meus lábios

envolvem a cabeça de seu pau. Ele geme, seus quadris se levantando

para encontrar minha boca.

Ele é enorme, eu sou desajeitada e não tenho certeza do que faço,

mas ele está gemendo e estremecendo, então devo fazer pelo menos

alguma coisa certa.

— Misericórdia, eu nunca... nunca senti uma sensação como essa...

— Suas palavras se transformam em um gemido.

Certo, ele está me bajulando ou totalmente perdi uma carreira

como uma prostituta especializada, porque Guerra parece estar

realmente gostando.

Em algum momento encontro um ritmo, então são as mãos dele

que mergulham no meu cabelo, me segurando.

— Sua boca contra mim é a dor mais deliciosa, esposa.


Estou feliz que ele pense isso, porque o pau desse homem vai

quebrar meu queixo.

Uma vez que ganho confiança suficiente, minha mão se move para

suas bolas.

— Miriam...

Esse é todo o aviso que recebo.

Guerra engrossa dentro da minha boca e então ele goza, goza e

goza. Eu provo-o contra a minha língua por um momento — deveria

engolir? Mas então não importa, porque estou engolindo, ele soltando

sons sensuais e satisfeitos enquanto continua entrando e saindo da

minha boca.

Eu me sinto estranhamente orgulhosa do meu jogo oral por uns

quentes cinco segundos antes de perceber que acabei de dar a um

cavaleiro do apocalipse um boquete e tenho sêmen não humano dentro

de mim, com certeza nada disso é bom.

Guerra me puxa para cima dele, me distraindo daquela linha

perturbadora de pensamentos.

— Posso conhecer todas as línguas, esposa. — Ele diz, sua voz

áspera. — Mas eu não tenho palavras para o que eu sinto agora.


Eu procuro seu olhar delineados com kohl, em seguida, dou-lhe

um beijo suave nos lábios.

O cavaleiro é dolorosamente gentil. Muito mais gentil do que eu

imaginava que fosse.

Não muda quem ele é, a parte cínica diz. E então a culpa se infiltra

no que fiz e no que continuarei fazendo com o cavaleiro. Pior,

realmente quis isso por minhas próprias razões egoístas.

Pelo menos os aviários serão salvos. Eu posso ficar tranquila

sabendo disso.

Fico ali nos braços do cavaleiro por um longo tempo. Tempo

suficiente para a nossa respiração voltar ao normal e nossos corpos

esfriarem. Eu até passo alguns minutos traçando as tatuagens

brilhantes de Guerra.

Assim como na noite anterior, quero reimaginar tudo, apenas para

aliviar minha culpa. Quero fingir que o tenho e a uma vida decente,

sem batalhas e tudo mais que eu sei que não entendo.

O devaneio dura apenas alguns minutos. Uma vez que não consigo

mais segurar a realidade, começo a me levantar.


Apenas comecei a sair da cama de Guerra quando ele passa um

braço ao meu redor e me arrasta de volta para sua cama.

— Onde você está indo? — Ele pergunta, sua respiração quente

contra o meu ouvido.

Eu mostro-lhe um olhar surpreso. Não é óbvio? — Bem, de volta à

minha tenda.

— Não. — Ele diz simplesmente.

Eu deito, minhas costas contra o peito dele, por um segundo. —

Não foi isso que nós concordamos. — Eu digo.

— Seu toque. — Responde Guerra. — Isso foi o que nós

concordamos. E quero todos, mesmo sem me tomar em sua boca.

Meu rosto aquece. Eu não sei o que dizer sobre isso. Realmente não

tenho argumentos. Apenas não planejei continuar abraçada a esse

monstro.

Ele se inclina sobre mim e começa a deixar beijos pelo meu torso.

Não que ele planeja abraçar...

Seus lábios passam pelo meu umbigo.


— As coisas serão diferentes agora. — Ele murmura contra a minha

pele.

Sinto-me quente e fria, errada e certa, tudo ao mesmo tempo.

Seus lábios se movem mais baixo, mais baixo...

— Novamente? — Eu pergunto sem fôlego. — Mas não estou

pronta...

Ele beija meu clitóris e me empurro contra ele.

Oh Deus, com o que eu concordei?

— Sim, Miriam, faremos isso novamente. E de novo. E de novo. —

Ele se afasta tempo suficiente para olhar meu corpo. — Minha esposa.

— Diz ele. — Estou ansioso por este acordo.

O sol acabou de nascer quando acordo. Estou presa em um

emaranhado de membros de Guerra, meu corpo se sente cru e cansado

de tudo que fizemos durante a noite.

Ao meu lado, o cavaleiro dorme profundamente. Meus olhos

vagam para sua boca e minhas bochechas ardem novamente. Meu

núcleo está extremamente sensível e meus músculos da coxa doem


quando saio da cama de Guerra e visto as roupas. Quando termino,

vou para a saída.

Eu paro, olhando para trás para ver o cavaleiro uma última vez.

Os ângulos agudos de seu rosto suavizaram-se no sono; ele parece

quase feliz. Sinto meu estômago revirar em resposta, a sensação

rapidamente seguida de horror.

Este é apenas um relacionamento físico. Qualquer outra coisa

apenas promete mágoa.


Sento-me na minha tenda, meus antebraços apoiados nos joelhos,

meu polegar pressionado contra meus lábios enquanto penso. Hoje não

consigo nem me concentrar em fazer arcos e flechas.

Toda vez que fecho os olhos, juro que sinto o deslizar das mãos de

Guerra e a pressão dos lábios dele. E toda vez que um conjunto de

passos se aproxima da minha tenda, fico tensa, pensando ser ele. Mas

até hoje, ele me deu meu espaço.

— Miriam! Você está na sua tenda? — A voz de Zara soa.

Porra. Ela é a última pessoa que quero ver agora. E a única vez que

preciso dos Cavaleiros Phobos para mantê-la fora, eles a deixaram

passar.

— Sim. — Eu digo baixinho. — Estou aqui.

Vários segundos depois, as abas recuam e ela olha para mim. — O

que você está fazendo aí? Está quente.

Estou me escondendo.

Em vez de respondê-la, saio da tenda.


Assim que faço isso, Zara me olha, com uma carranca crescendo

em seu rosto. — Você está bem? Parece uma merda.

Estremeço — Obrigada pela sua honestidade.

— Não importa sobre isso. — Ela aperta minha mão entre as dela.

— Você sairá amanhã? — Ela pergunta, uma nota de urgência em sua

voz.

Oh Deus, a invasão. Uma onda de náusea rola através de mim na

perspectiva.

— Sim, acho que sim. — Respondo.

Apenas porque me acostumei com este lugar não significa que não

tentarei impedir esses soldados em todas as oportunidades que recebo.

— Miriam. — Ela aperta minha mão ferozmente. — Eles me

colocaram na cozinha para amanhã, mas ir com vocês.

— Por quê? — Eu pergunto intrigada. Ser soldado significa que

você tem que matar sua própria espécie... e isso significa que pode

morrer. Nem são opções desejáveis.

— Minha irmã. — Sua voz se rompe — Ela mora em Arish com o

marido e o filho. Preciso tirá-los.


Meu estômago revira.

— Você tem certeza de que eles moram lá? — É uma pergunta

idiota; claro que ela tem certeza.

Zara acena de qualquer maneira. — Meu cunhado, Aazim, é um

pescador.

Um pescador...

O oceano bloqueia a cidade do norte.

Eu aperto a mão dela. — Ele tem um barco?

— Ele compartilha um com alguns outros homens, eu acho...

Atrás de Zara, um Cavaleiro Phobos se dirige para nós.

Eu olho de volta para minha amiga, minha mente acelerada.

— Por favor, — diz ela, — se há alguma maneira de você ajudar...

O Cavaleiro Phobos cavalga até nós, seus olhos se movendo entre

mim e Zara.

— O Senhor da Guerra quer ver você. — Ele diz para mim.

Meu foco ainda está em Zara. Eu aperto a mão dela novamente e

tomo uma decisão.


— Eu ajudarei. — Digo, assentindo. Eu a puxo para um abraço e

sussurro em seu ouvido. — Eu a encontrarei em sua tenda amanhã de

manhã. Esteja pronta e traga as armas que puder.

Ela balança a cabeça enquanto se afasta. — Obrigada. — Ela diz

suavemente, mesmo quando o Cavaleiro Phobos me leva para longe.

Aceno para Zara, depois sigo o cavaleiro. Depois de um longo

período de silêncio, olho para o homem. É o mesmo soldado que me

entregou a espada no dia em que matei meus atacantes.

— Qual é o seu nome? — Eu pergunto. Ele tem olhos gentis e nas

poucas outras vezes que interagi com ele, não foi tão hostil quanto

alguns dos outros Phobos.

— Hussain. — Diz ele.

A tenda de Guerra aparece à frente. A visão me faz corar.

— Eu sou Miriam. — Eu digo distraidamente.

O cavaleiro quer mais. Eu posso sentir isso. Meu corpo se agita com

o pensamento.

Hussain dá uma pequena risada. — Eu sei quem você é. — Diz ele.

Parece gentil e não me despreza.


Não estou acostumada à gentileza aqui — para ser honesta, mesmo

em Jerusalém, a bondade era algo raro. A vida é uma série de dívidas,

empréstimos e obrigações. A bondade é apenas algo para turvar as

águas.

Nós dois chegamos às abas da tenda. Hussain se curva e se afasta,

deixando-me entrar sozinha.

Quando entro na tenda de Guerra, tudo parece diferente. Neste

espaço fechado, nada além de mim e do cavaleiro existe. Não a morte

e tristeza, a violência e horror do mundo exterior.

Ali, com o cheiro de couro e óleo perfumado no ar, lembro-me de

outras coisas mais íntimas.

E do outro lado, o próprio homem está em uma cadeira, com um

copo de vinho na mão.

— Miriam. — Seus olhos aquecem quando encontram os meus,

praticamente posso ver a noite passada brincando em sua mente.

Ele fica de pé, deixando seu vinho de lado.

Eu respiro fundo e me movo para ele, minha mão arrastando sobre

a mesa enquanto passo por ela. Olho para ele, mas o que vejo me chama

a atenção.
Um mapa de Arish está aberto, várias notas e flechas rabiscadas

através dele. Este é o mapa de guerra que os Cavaleiros Phobos e ele

olhavam no dia anterior quando discutiam a estratégia. Apesar de

todas as suas habilidades sobrenaturais, o cavaleiro ainda confia em

nós, os nativos, para ajudá-lo.

Guerra se aproxima.

— Eu ainda não consigo acreditar que existem pessoas que são

leais a você. — Eu digo, meus dedos se movendo sobre a escrita. Mãos

diferentes escreveram notas diferentes.

— Meus cavaleiros não são leais a mim, Miriam. — Sinto seus

dedos em meu pescoço. — Eles são fiéis à arte de respirar.

Minha pele arrepia com sua proximidade e leva vários segundos

para ignorar a resposta do meu corpo.

Eu me viro do mapa, a mesa se sobressai nas minhas costas. Eu

tenho que levantar a cabeça para olhar para Guerra.

— Por que você está fazendo isso? — Eu pergunto.

— Fazendo o que? — Seus olhos estão fixos na minha boca.

— Batalha. Matar.
Guerra me dá um olhar estranho, como se estivesse perguntando

por que os pássaros voam ou os corações batem. Algo que não precisa

de resposta.

— Por que não o faria? É por isso que estou aqui. É o que sou.

É o que eu sou.

Continuo pensando nele como uma pessoa, não como uma

entidade, mas eu acho que é isso que ele é — guerra. Apenas tem um

rosto humano.

— Você poderia parar de lutar e invadir? — Eu pergunto.

— Eu não o farei.

— Isso não é o que estou perguntando.

Guerra me encara por um longo tempo, seus olhos se estreitando.

— Sim, esposa, suponho que poderia parar.

Bem, claro, se ele quisesse. Isso torna tudo um pouco pior; não

estava certa até agora de que o cavaleiro poderia ter uma escolha no

assunto.

Solto uma respiração trêmula. — Você tem um arco e flecha? — Eu

pergunto, mudando de assunto.


Guerra me observa. — Sim. — Diz ele com cuidado.

— Posso usá-lo amanhã?

— Amanhã? — Ele repete. — Você quer dizer para a batalha? — O

cavaleiro estreita os olhos. — E aqui você me convenceu de que estava

tentando pressionar pela paz.

Eu não respondo a isso. Temo que qualquer outra coisa que diga

possa fazer Guerra decidir que me manter fora da luta é a opção mais

inteligente. É definitivamente o mais seguro.

Mas duvido que a mente de Guerra vá até lá. Não desde que o

convenci da última vez que o deus dele me protegeria.

Ele se inclina para perto, colocando os nós dos dedos na mesa, me

prendendo. — Em quem, minha doce esposa, você planeja atirar com

meu arco e flechas?

Meu queixo está tenso. — Quem quer que me atravesse.

O canto dos lábios dele se curva. — Eu sabia que você seria um

problema. — Seu olhar cai para os meus lábios. — Mas não importa.

Não foi por isso que a chamei aqui.

Meu estomago revira. — Eu sei porque você me chamou.


— Bom. Então não fale mais.

Guerra não espera que eu responda. Em um instante, sua mão está

segurando minha nuca e sua boca está na minha.

Embaraçosamente, meus joelhos enfraquecem e agarro o antebraço

do cavaleiro para me manter de pé. Guerra tem um beijo exigente, suas

mãos no meu cabelo, sua língua insistente contra meus lábios até que

abro e o deixo entrar.

Ele me levanta e sobre a mesa, me colocando em sua borda. — Esta

manhã, você saiu antes de começarmos.

Grosseiramente, o cavaleiro tira minhas botas.

— Não há pressa. — Eu digo sem fôlego.

As mãos de Guerra vão para minha calça, desabotoando-a, em

seguida, puxando pelos quadris e pernas.

Ele solta uma risada baixa. — Oh, eu não planejo apressar isso.

Minha calcinha sai em seguida. O cavaleiro se ajoelha, puxando

meus quadris na direção dele.

Deus, estamos fazendo isso novamente.

— Guerra...
Mas então minhas palavras cedem aos suspiros.

Passa-se muito tempo antes de conversarmos. Horas e horas

depois. A essa altura, estamos de volta à cama de Guerra, meu corpo

coberto pelo dele.

Ele passa os dedos pela minha espinha. — Sua pele é mais macia

do que eu imaginava. — Diz ele, com os olhos seguindo a mão. — Tão

suave, minha esposa mortal.

Eu apoio o queixo em seu peito. Assim, perto dele, sou atingida

novamente por sua beleza. Ele é grande demais, um pouco feroz,

cativante.

Ele não brilha como sempre imaginei que um anjo pudesse,

obviamente não é puro e limpo da maneira que os anjos são retratados,

mas há algo, algo estranho. Algo decididamente não demoníaco,

embora queira demonizá-lo — ou costumava querer isso de qualquer

maneira.

Guerra me vê olhando, sorri para mim, seus olhos divertidos. — E

se não soubesse melhor, acho que gosta de me olhar tanto quanto gosto

de olhar para você.

Eu pego uma das mãos dele e entrelaço nossos dedos.


— Eu gosto de olhar para você. — Admito. Levo a mão dele para

minha boca, beijando suas tatuagens uma por uma. — E gosto de tocar.

Eu não deveria dizer-lhe coisas assim, especialmente quando soam

verdadeiras para meus próprios ouvidos.

O rosto de Guerra muda sutilmente. Ou talvez seja simplesmente

seus olhos. Ele envolve um braço ao meu redor e vira os dois para que

eu fique embaixo. — Toque-me o quanto quiser, esposa.

Eu traço suas marcas, de repente me sentindo possessiva e

insegura de uma só vez.

— Quantas vezes você fez isso? — Eu pergunto, deliberadamente

mantendo meu tom leve.

Não engana o cavaleiro.

Ele olha para meu rosto, se acomodando contra mim, seus

antebraços em ambos os lados da minha cabeça. — O que importa?

Não deveria importar.

Eu engulo e ele percebe, seus olhos observando a pequena ação.

Isso faz com que suas sobrancelhas se ergam. — Eu não sei o que devo

dizer. Você parece assustada, esposa.


Assustada?

— Eu não estou assustada. — Respondo ofendida.

Você teria que estar emocionalmente envolvida para ter medo.

Mais uma vez, suas sobrancelhas se juntam. — Isso é uma coisa

humana que não entendo, mas se realmente quer saber, fiz isso

inúmeras vezes antes de hoje.

Eu gemo e cubro meus olhos com a mão. Inúmeras? Eu estive com

quatro homens e apenas um deles foi memorável de qualquer maneira.

E ele agora está deitado sobre mim.

O cavaleiro puxa minha mão do meu rosto. — Miriam, você está

sendo estranha. Isso importa?

Eu rio. — Você deve saber que importa. — Respondo. A vergonha

faz meu rosto aquecer. Quer dizer, vamos lá, eu sei que esse homem

não é humano, mas está na terra tempo suficiente para dormir com

inúmeras mulheres — e talvez alguns homens também. Certamente

deveria saber que as pessoas se importam com essas coisas.

— Você quer saber sobre as outras mulheres com quem estive? —

Ele pergunta.
Claro que sim. Estou curiosa sobre essa merda. E também tenho

vergonha disso.

Eu nem preciso responder; tudo o que ele vê no meu rosto deve ser

o suficiente.

— Ah. — Ele diz. — Você quer, mas também não. Quão

desconcertante é uma mulher.

Guerra olha para mim e é alarmante como é bonito com seu cabelo

escuro e feições principescas.

Ele solta um suspiro. — Eu estive com dezenas e dezenas de

pessoas, Miriam. Seus rostos se misturam, não consigo me lembrar de

nenhum de seus nomes.

— Ainda há alguns em seu exército? — Esta é uma pergunta tão

farpada.

— Sim.

Ick. Eu faço uma careta. Por alguma razão, isso faz com que ele se

sinta um pouco menos como meu.

Ele não é seu, Miriam.

— Como eles se sentem sobre isso? — Eu forço a pergunta.


— Como se sentem sobre o que? — Guerra pergunta, perplexo.

— Fazer sexo com você apenas para vê-lo com outra mulher?

Guerra parece que está tentando entender o absurdo. — Por que

isso deveria me preocupar?

É a minha vez de dar a ele um olhar estranho. Mas é claro, por que

isso deveria preocupá-lo? O cavaleiro não tem consciência da etiqueta

social e dos tabus entre os humanos.

Ele não diz mais nada. Acho que é toda a resposta que conseguirei.

— Agora e você? — Ele pergunta.

— E eu? — Pergunto desconfiada.

— Eu quero saber sobre os outros homens com quem você esteve.

— Não. — A resposta saem dos meus lábios rapidamente.

Guerra sorri, passando o dedo pela minha boca. — Quantos.

— Por que isso importa? — Faço essencialmente a mesma pergunta

que ele me fez há poucos minutos.


O olhar do cavaleiro se move para meus olhos e aquele olhar corta

todas as minhas besteiras. — Eu me deliciei com você. Entrarei em

você. Quero saber quem mais o fez.

Homem estranho. Ele não pareceu entender meus motivos para

trazer esse assunto, mas agora ele quer saber minha história sexual...

de repente, está agindo muito humano. Humano e possessivo.

Balanço a cabeça. — Eu estive com três homens. Apenas... —

Respiro fundo e forço as palavras para fora. — Fiz sexo com um deles.

— E mesmo isso foi apenas uma coisa de duas vezes. Sair é um negócio

complicado em uma época de contraceptivos limitados. Geralmente

não vale a pena.

— Quem era ele? — A expressão de Guerra fica decididamente

mais sanguinária.

— Quem eram elas? — Eu lanço de volta para ele.

E se Guerra espera que eu conte a ele sobre minhas façanhas

sexuais, então espero o mesmo dele.

Ele me dá um sorriso arrepiante. — Muitos humanos são atraídos

pelo poder, independentemente do custo. É tentador, como comer

sobremesa antes do jantar. Todos meus parceiros anteriores vieram até


mim e se ofereceram, não há nada tão satisfatório como uma luta

seguida de uma foda.

Eu não sei se Guerra está deliberadamente tentando me deixar de

lado ou se está perdido em sua própria cabeça distorcida.

— Mas no final. — Continua ele. — Foi tudo o que elas eram, uma

boa foda e nada mais. Eu não tentei me envolver emocionalmente até

agora.

Comigo, ele quer dizer.

— Por que começar agora?

— Porque você está aqui. E se estivesse aqui no dia em que acordei,

eu teria começado então. Nunca foi o quando, mas o que impediu meu

coração de se envolver.

Eu estava pronta para ser odiada por Guerra, mas acho que não

estou pronta para isso. Suas palavras sem remorso ficam sob minha

pele, me sinto um pouco desequilibrada.

— Como você se sente sobre o seu coração se envolver? — Eu

pergunto com cuidado, olhando para ele.


— Alegre. — Outra resposta sem remorso para a qual não estou

preparada. Ele se inclina para perto. — É tão emocionante quanto a

guerra.

Tarde da noite, muito depois do acampamento dormir, saio dos

braços de Guerra e da tenda. O cavaleiro mencionou anteriormente que

queria acordar para a batalha comigo ao seu lado, mas... isso não

acontecerá. Os favores sexuais são uma coisa; passar a noite é outra.

Guerra deveria saber que planejava fugir, no entanto, porque

quando entro na minha tenda, já há um arco e uma aljava esperando

por mim, junto com uma nota: Para o seu coração mole.
Muito antes do sol nascer, encontro Zara em sua tenda. Embora a

maior parte do acampamento ainda esteja dormindo, ela já está

acordada.

— Temia que tivesse esquecido. — Diz minha amiga quando me

vê. Ela já está vestida e nervosa.

— Eu não poderia. — Digo. Não quando ela tem sua família para

salvar. O que daria por essa oportunidade.

Ajusto o jogado sobre meu ombro. — Isso é o que vai acontecer. —

Digo sem preâmbulos. — Terei um cavalo e você o levará.

Não há como ela receber um cavalo de outra forma.

— Você andará com os outros soldados montados, assim terá uma

vantagem inicial.

Ela ainda entraria na cidade atrás dos Cavaleiros Phobos, mas pelo

menos não estaria no fim do exército, onde estão os soldados. Onde eu

estarei.
— Uma vez que encontrar sua irmã e sua família, não lhes dê mais

que dez minutos para arrumar o essencial, pense em comida, água e

cobertores. Então leve-os para as docas. — Eu respiro fundo. — Eles

precisarão pegar o barco do seu cunhado e velejar o mais longe que

puderem e precisarão ficar longe. — Mesmo quando a batalha acabar,

haverá zumbis rondando por quem sabe quanto tempo — talvez

indefinidamente. E se a família de Zara voltar, morrerão.

— Oh. — Acrescento. — E não dê razão a ninguém para atacá-la.

Em Ashdod, vi soldados se virarem sem motivo algum. Não há

verdadeira lealdade lá fora e o cavaleiro não se importa muito se suas

fileiras forem abatidas; sempre há mais pessoas dispostas a serem

recrutadas.

Zara acena com a cabeça, me puxando para outro abraço. —

Obrigada, Miriam. Muito obrigada.

— Não morra. — Aviso, abraçando-a de volta.

— Eu não planejo isto.

Pego meu cavalo e como planejado, entrego secretamente as rédeas

para Zara. E se este fosse um exército normal, nunca seria capaz de sair

com esse plano. Mas no exército sempre em mudança de Guerra,


estamos acostumados a não reconhecer os soldados que lutam ao nosso

lado.

— Existe um lugar para encontrar? — Pergunto a Zara. — Sabe, se

você precisar de ajuda ou as coisas não saírem conforme o planejado?

Ela hesita, tenho certeza que é porque não quer pensar em coisas

que não vão de acordo com o planejado. Mas então concorda. — Minha

família mora no extremo oeste da cidade, perto das docas. Há um

aglomerado de palmeiras perto da praia... — Sua voz se esvai e posso

dizer que ela mesma está tendo dificuldade em lembrar como é o lugar.

— Tentarei encontrá-la, embora provavelmente não sentiremos

falta uma da outra.

Um soldado próximo assobia em nossa direção, apontando com a

mão para Zara se juntar aos outros soldados montados.

Com um sorriso de despedida, ela vai para o cavalo e dirige a

criatura para perto dos outros.

Adrenalina aumenta no meu sistema. Espero que isso funcione.

— Aí está você. — Uma voz diz atrás de mim.


Eu me viro e encontro o olhar de Hussain, um dos Cavaleiros

Phobos de Guerra. Ele está carregado de armas.

— Guerra está procurando por você; não estava em sua tenda hoje

de manhã. — Isso vem como uma acusação, então não me incomodo

em explicar. Hussain acena de volta ao acampamento. — Ali. O Senhor

da Guerra quer vê-la antes de cavalgar.

Ele me leva de volta para a tenda do cavaleiro. E do lado de fora, a

luz da tocha ilumina Guerra enquanto ele verifica o freio de seu corcel.

Deimos, descobri, não fica com os outros cavalos. Ele é muito

temperamental para isso. Fica no estábulo separadamente ou vagueia

livremente.

O cavaleiro olha para cima e no momento em que seus olhos se

prendem nos meus, parece relaxar. Ele se afasta do cavalo, diminuindo

a distância entre nós e tomando minha boca na dele.

Eu levanto minhas sobrancelhas, mesmo quando devolvo o beijo.

Foi com isso que concordamos — intimidade —mas simplesmente não

esperava exibições públicas, mas é claro que sim. O cavaleiro está bem

com as pessoas sabendo o que eu significo para ele. Sou eu que tem

problemas.
Depois que ele se afasta, toca meu arco. — Eu vejo que você

encontrou meu presente.

Presentes e beijos. Que porra estou fazendo com esse homem?

— E o seu cavalo? — Ele pergunta, olhando por cima do meu

ombro.

— Entrarei na cidade a pé.

Guerra estreita os olhos e por um momento estressante, tenho

certeza de que ele sabe que reivindiquei um cavalo antes.

Em vez disso, aperta a parte de trás do meu pescoço. — Fique

segura, esposa e tente não ser tão intrometida.

Ele me dá outro beijo rápido, então volta para seu cavalo vermelho

sangue.

Eu o vejo montar, o cavaleiro parecendo um conquistador

selvagem de uma época passada, sua espada gigante amarrada às

costas, sua armadura de couro rangendo com seus movimentos.

Dando-me um olhar final e longo, ele chuta os lados de Deimos

para longe, em direção à procissão de soldados em espera. Eu sigo mais

devagar e quando chego ao grupo, já estão começando a se mexer.


E assim começa minha segunda invasão.

Entro em Arish com os soldados de infantaria, então sou uma dos

últimos a chegar. Quando entro, já vejo as grandes colunas de fumaça

subindo para o céu. A luta se moveu para dentro, as ruas que atravesso

já estão cheias de corpos.

Mais adiante, vejo o primeiro aviário. Os prédios ao redor estão em

chamas, mas este permanece intocado. Guerra cumpriu sua palavra.

Por curiosidade, olho dentro. Há um homem deitado morto no

chão, mas as gaiolas estão vazias. Não há pássaros mortos. Nenhum

vivo também.

Talvez foram libertados — e talvez eles tenham voado com avisos

presos a seus corpos.

Olho para aquelas jaulas vazias e por um segundo sinto orgulho.

Mas então me afasto do prédio, de volta para a rua e toda a cidade

parece estar queimando, as pessoas estão gritando ou mortas. Em um

instante, meu acordo com o cavaleiro parece tolice. Um pouco tarde

demais.

Eu me movo para dentro, passando por uma mesquita em chamas

e um café cujas mesas ao ar livre foram todas derrubadas. Corro por


lojas e prédios de apartamentos, passando pelos mortos que serão

cruelmente revividos antes que o dia termine.

Três quarteirões até a batalha furiosa. Muitos dos soldados ao meu

redor se apressam, indo diretamente para a briga. Eu me movo um

pouco mais devagar, tentando lembrar as instruções que Zara me deu.

Preciso encontrar meu caminho para o extremo oeste da cidade, caso

ela precise de ajuda.

Não estou nem na metade do caminho quando chega ao limite da

luta. Soldados em cavalos estão derrubando todo mundo. As pessoas

estão gritando, fugindo — tudo está se tornando terrivelmente

repetitivo.

Percebo um soldado agarrar uma mulher em uma burca, uma faca

em sua garganta. Ele se atrapalha com a roupa dela, tentando levantá-

la. Toda aquela roupa modesta, toda sua piedade — não a salvou disso.

Guerra proibiu o estupro em seu acampamento, mas não proibiu isso.

No instante seguinte, meu arco está na mão. Eu chego atrás de

mim, puxando uma flecha da aljava, colocando-a no lugar.

Eu me lembro daquelas mãos exigentes em mim. Eu me lembro de

como foi me machucar. Sentir minha roupa rasgada. O medo e

humilhação que me sentindo impotente para pará-lo.


Sequer percebo que apontei e atirei até a flecha cruzar as costas do

soldado, a ponta dela explodindo em seu peito. A mulher, que estava

chorando e implorando, agora grita com a visão. O soldado tropeça no

chão e a mulher consegue fugir.

Eu abaixo meu arco, minha respiração ofegante. O suor está

começando a cair no meu rosto. Por um momento, não consigo me

lembrar de mim mesma.

Encontre Zara.

Eu pisco várias vezes. Certo. Coloco meu arco por cima do ombro

e corro.
Demora muito mais tempo para atravessar a cidade do que

esperava. As ruas estão totalmente congestionadas com combates — se

é que você pode chamar assim. É mais como procurar e destruir; os

civis de Arish correm e o exército de Guerra os persegue.

Eu chego ao oceano e meu coração para ao vê-lo. Toda aquela água

azul cristalina parece algo de um sonho. Ou uma lembrança.

Meus pulmões se contraem. A luz do sol acima fica fraca mesmo

quando eu luto. Abro minha boca para pedir ajuda.

A água corre em...

Ignoro a lembrança e continuo seguindo uma rua que corre ao lado

da praia. Enquanto me movo, vejo pessoas nadando no mar... e vejo

que alguns soldados saírem atrás deles. Há barcos que salpicam a água,

um número decepcionante deles virou, provavelmente pelas próprias

pessoas que atualmente estão balançando com as ondas. Todo mundo

quer ser salvo.

— Miriam! Miriam!
Eu me viro ao som de pânico do meu nome e vejo Zara.

Não estamos nem perto do extremo mais ocidental da cidade. Isso

por si só é suficiente para o meu desconforto aumentar. Mas é a visão

dela caindo contra um prédio à beira-mar, seu lenço em farrapos em

volta dos ombros, que realmente me preocupa.

Corro até ela.

Apenas quando me aproximo que vejo o garotinho mole embalado

em seus braços, uma flecha saindo de seu peito.

Ah não.

Caio de joelhos para o lado dela.

— Eu não pude salvá-los. — Ela chora, inclinando a cabeça sobre o

corpo da criança. — Eu não pude salvar nenhum deles.

Meu estômago revira ao ver a criança ferida em seus braços; ele

deve ser o sobrinho dela. Alguém fez isso com um garotinho. Atiraram

no peito dele como se sua vida não significasse nada.

— Eles já tinham chegado quando eu cheguei. — Ela soluça.

Chegaremos pelo leste, deixando apenas alguns civis fugindo para

o oeste, disse um dos soldados de Guerra quando estavam planejando


o seu ataque. Seria melhor dividir o exército e chegar a ele de ambos os

lados.

Os soldados de Guerra devem ter feito exatamente isso.

— Eu sinto muito, Zara. — Sequer pensei em avisá-la — não que

fizesse diferença. Tenho certeza de que ela cavalgou o mais rápido que

pode para chegar a sua família. E se era tarde demais. Nunca teve uma

chance.

Sinto lágrimas nos olhos quando olho para criança. Dormi com o

cavaleiro, e para que? Não salvou a irmã de Zara, nem seu cunhado,

nem seu sobrinho.

Coloco a mão no menino. Quase estremeço com o calor de sua pele.

Olho para ele e vejo seu peito subir e descer apenas o mínimo.

— Ele ainda está vivo. — Eu digo chocada.

Ela está chorando abertamente enquanto balança a cabeça. — Ele

não sobreviverá, poderá?

Eu olho para baixo, onde a flecha está embutida em seu peito. A

roupa em volta já está coberta de sangue escorregadio. Certamente é

uma ferida mortal e ainda assim...


Talvez ainda haja algo a ganhar com isso.

— Há uma chance, uma pequena chance...

O que estou pensando dizendo essas palavras e dando esperança

a Zara? É uma ideia tão condenada.

Zara pisca para mim, posso dizer que ela não acredita — que ela

ficou desapontada muitas vezes para acreditar em mim.

Eu olho ao redor. Onde o cavaleiro estaria agora?

— Guerra! — Eu grito inutilmente. — Guerra!

— O que você está fazendo? — Minha amiga pergunta, olhando

horrorizada que eu chame pelo cavaleiro.

— Ele pode ajudar.

Zara olha para mim como se tivesse enlouquecido. — Ele é o único

responsável por isso. — Ela diz.

— Você quer a ajuda dele ou não? — Respondo.

Ela pressiona os lábios juntos.

Fico de pé. — Preciso encontrá-lo. É arriscado... — Eu digo, me

afastando.
É mais que arriscado, Miriam.

Eu não deixo o pensamento insidioso se arrastar mais do que isso.

— Voltarei. — Corro pelo caminho que vim, sentindo a futilidade

da situação. Eu não o encontrarei a tempo. E mesmo se o fizer,

convencê-lo a ajudar outro ser humano é ainda menos provável. Isso

não me impede de entrar em rua após rua, gritando o nome de Guerra,

perguntando a quem pudesse se o viram.

Corro dois quarteirões e depois viro à direita, depois à esquerda e

lá está ele, descendo a estrada, a espada empunhada, o corpo coberto

de sangue.

Ele não ajudará.

É tão ridiculamente óbvio. Quer dizer, por que o faria?

E justamente quando também consegui a primeira tarefa

impossível —encontrá-lo.

— Guerra! — Eu grito.

Sua cabeça vira para mim. Não sei dizer qual expressão o cavaleiro

tem, apenas que depois de um momento ele embainha sua espada nas

costas e galopa na minha direção.


Guerra diminui a distância em menos de um minuto, chegando ao

meu lado.

— Esposa. — Diz ele, sorrindo, seus olhos um pouco loucos. —

Apreciando esse presente? — Ele acena para meu arco.

— Eu preciso da sua ajuda. — Respondo depressa.

Isso não funcionará.

Sua expressão muda instantaneamente de enlouquecida a séria. —

E você terá.

Veremos...

Ele estende a mão para a minha. Eu agarro sua palma e deixo ele

me puxar para sua sela.

— O que é? — Ele pergunta, uma vez que sento na frente dele.

Eu molhei meus lábios, virando minha cabeça para ele. Agora a

parte complicada.

— Eu direi, mas primeiro, precisamos chegar lá. — Eu digo.

É um testemunho da crença de Guerra em mim que ele vai junto,

deixando-me direcioná-lo de volta ao prédio à beira-mar sem protestar.


Zara está onde a deixei, seu sobrinho ainda embalado em seus

braços. Mesmo dali posso ver que ela está murmurando coisas suaves

para ele.

Eu sei que Guerra instantaneamente vê Zara. Atrás de mim, seu

corpo endurece.

O cavaleiro recua Deimos. — O que é isso? — Ele exige. Toda a

gentileza desapareceu de sua voz.

Eu me viro para ele na sela e coloco uma mão em sua bochecha. —

Por favor. — Eu digo.

Sob meu toque, sinto um músculo em seu maxilar pulsar.

Por um momento, nós dois nos encaramos. Espero contra a

esperança de que ele sinta o suficiente para ajudar. Mas não tenho

certeza de que saiba.

Antes de responder de um jeito ou de outro, eu pulo de seu corcel

e volto para o lado de Zara.

Guerra é mais lento para se juntar a nós, embora tenho que dar

crédito, ele desmonta seu cavalo e me segue. Eu não tinha certeza se

ele faria.
— Você me puxa da batalha para salvar um deles? — Ele diz atrás

de mim. — É isso? — Sua voz está cheia de raiva.

Eu me agacho ao lado de Zara. Ela está tremendo, seja por medo,

tristeza ou ambos. Seu sobrinho ficou ainda mais pálido, embora seus

olhos tremulem um pouco.

— E se não fizer nada, ele morrerá.

— Você ficou louca, esposa? — Ele pergunta fole. — Esse é o ponto

exato! E você me tira da batalha por isso? — Seus olhos estão

inflamados com sua fúria.

Esta é a primeira vez que vejo verdadeiramente Guerra em fúria.

Mesmo quando mata, ele não é assim.

Acho que pela primeira vez ele se arrepende de mim. Sua esposa

humana.

Eu respiro fundo, tentando ignorar como meu próprio corpo

começou a tremer de medo. Ele é aterrorizante o suficiente quando

suas emoções estão sob controle. Mas vê-lo com raiva me faz sentir

como se minhas entranhas tivessem se liquefeito.

Guerra dá um passo mais perto. — Eu já não sacrifiquei o suficiente

por você?
Eu subo para minha altura total, apesar do meu terror. Eu vi outro

lado desse homem. Apenas preciso persuadi-lo. Então, indo contra

meus instintos, caminho de volta para ele.

Ele está com raiva, a violência não está mais em seus olhos. Está

cobrindo todo o rosto dele, da mandíbula apertada às narinas

dilatadas. Mas ele olha para mim quando me aproximo, como se nunca

tivesse encontrado alguém como eu — e poderia estar disposto a me

ouvir.

Eu pego a mão de Guerra. — O que você quer de mim? — Eu

pergunto.

Ele faz uma careta. — Eu não farei outra barganha com você.

— Eu não estou falando de barganhas. — Eu digo. — Em sua tenda,

você me disse que queria mais do que apenas meu corpo. Você ainda

quer isso?

O lábio superior de Guerra está se contorcendo de raiva e desgosto.

Provavelmente não é o melhor momento para lhe fazer esse tipo de

pergunta. Eu acho que agora, ele gostaria nada mais do que anular

nosso pequeno casamento falso.


Aperto a mão dele. — É assim que você consegue tudo. — Eu digo

baixinho.

Suas concessões, sua gentileza, seu altruísmo e misericórdia —

essas são as coisas que me convencerão.

— Eu conseguirei o que quero de você de qualquer maneira.

— Você não irá. — Respondo.

O olhar do cavaleiro estreita.

— Quer que eu pare de odiar você? — Eu digo. — Quer que o ame

absolutamente?

Na palavra amor, Guerra se endireita, como se finalmente estivesse

falando sua língua.

— É assim que você me faz amá-lo. — Eu digo. Parece errado

prometer ao cavaleiro coisas que não pretendo dar. E talvez ele saiba

disso porque olha para mim por um bom tempo.

Ele julga os corações dos homens. O que ele está encontrando

dentro do meu?

O Senhor da Guerra se vira e olha para a criança. Ele faz uma

careta.
Seu olhar se volta para o meu, me dá um olhar final e longo, o lábio

superior ainda se contraindo de raiva. — Para o seu coração mole. —

Diz ele amargamente.

Caro Deus, isso realmente... funcionou?

Guerra sai do meu lado, indo para Zara e seu sobrinho. Quando

ele se aproxima, Zara agarra o garoto com força em seu peito.

— Não. — Ela implora.

— Está tudo bem, Zara. Verdadeiramente. — Eu digo. Pelo menos

espero que esteja tudo bem.

O cavaleiro se ajoelha ao lado dela, avaliando a lesão do menino.

Estendendo a mão, ele rasga a camisa da criança, fazendo com que Zara

estremeça.

— O que você está fazendo? — Ela exige.

Ignorando-a, Guerra se estende, sua mão pairando logo acima da

ferida. Eu posso ver sua carranca feroz. Depois de um longo momento,

ele pressiona a mão na pele do menino e vejo o corpo do bebê

estremecer.

Eu me movo em direção a eles, atraída por Guerra.


A outra mão do cavaleiro se move para a flecha.

— Prepare-o. — Guerra instrui Zara enquanto ele coloca seus

dedos ao redor da arma. — Eu a tirarei e ele não gostará.

Assentindo, Zara envolve os braços com mais força ao redor do

sobrinho.

Com um único e hábil empurrão, Guerra arranca a flecha do corpo

da criança.

O menino acorda com um grito estridente, começando a chutar e

debater. Em um sentido muito real, ele está lutando por sua vida.

Assim que a flecha sai, a mão de Guerra está de volta, apesar do

ataque do garoto. O cavaleiro permanece lá por um longo tempo,

mesmo quando a criança continua se debatendo e lamentando contra

seu aperto. O aperto de Guerra é inflexível e logo, o menino perde sua

luta. Ele choraminga, depois cai no silêncio exausto.

Lágrimas silenciosas escorrem pelo rosto de Zara, posso ver seu

corpo tremendo visivelmente. Isso a está quebrando.

Depois do que parece uma quantidade interminável de tempo,

Guerra tira a mão da ferida.


— Não está completamente curado. — Diz Guerra. — Mas está

além do risco de infecção séria agora.

Ele olha para Zara. — Duas vezes eu a ajudei agora. Espero

lealdade em troca disso.

Minha amiga franze a testa, mas dá um leve aceno a Guerra.

O cavaleiro se levanta, virando-se. Seus olhos violentos travam nos

meus.

Ele se aproxima. — Não peça isso novamente, esposa. — Diz ele

sombriamente. — Você será negada.

Com isso, Guerra passa por mim. Ele monta em Deimos e depois

desaparece.
Eu me ajoelho ao lado de Zara, que está segurando seu sobrinho

com força, lágrimas escorrendo pelo rosto.

Suas mãos vão para a ferida. Ainda há sangue cobrindo a área, mas

uma vez que o toca, está claro que não há nada abaixo, exceto uma

crosta fresca. Ao vê-lo, um soluço sufocado escapa de Zara.

— Ele salvou a vida de Mamoon. — Ela olha para mim. — Como

fez isso? E como você sabia que ele poderia fazer isso?

Eu me sento ao lado dela. — Ele salvou minha vida uma vez antes.

Ele salvou sua vida mais de uma vez.

Zara pega minha mão e aperta. — Não posso retribuir, Miriam.

Obrigada. Serei eternamente grata.

— Você não está em dívida comigo. — Além disso, me aproximo e

puxo o lenço de Zara para trás sobre o cabelo dela. — Você e seu

sobrinho ainda não estão seguros. — Olho para o oceano, onde as

pessoas batem em vários dos barcos emborcados. Nosso plano anterior

— de ter a família de Zara fugindo para o mar — desapareceu como


fumaça ao vento. — Deixe-me encontrar um cavalo para vocês dois

poderem voltar ao acampamento com segurança e lembre-se, se

alguém vier até você, mate-os.

Há tanta ferocidade nos olhos de Zara. — Com prazer.

Deixo-os lá, examinando as ruas em busca de cavalos sem

cavaleiro. Inevitavelmente, há sempre algum cavalo assustado

andando por aí. Eles não são ótimos para o transporte, mas pelo menos

diminuem as chances de Zara e seu sobrinho serem atacados. O

exército de Guerra não tem como alvo homens e mulheres montados.

Um quarteirão de distância, vejo um cavalo amarrado a um poste

de luz. Eu corro pela rua em direção a ela. Definitivamente é um cavalo

de um soldado, a julgar pelas armas em seus alforjes — os itens

claramente roubados da casa de alguma pobre alma.

Muito ruim para aquele soldado, seus bens roubados estão prestes

a ser roubados dele.

Assim que chego ao cavalo, começo a desamarrar as rédeas da

criatura.

— Hey! — Um homem grita acima de mim.


Três andares acima, um soldado se inclina pela janela.

Aparentemente, este é o cavaleiro do cavalo, ocupado pilhando outra

casa.

— Que porra você está fazendo? — Ele grita para mim.

Ignorando-o, acabo de desamarrar as rédeas e me arrastar para o

corcel.

Há algo inegavelmente satisfatório em roubar um ladrão.

Batendo nos lados do cavalo, saio, sorrindo para a série de

maldições que o soldado grita nas minhas costas.

Demora pouco tempo para voltar a Zara e seu sobrinho.

Desço do cavalo, a poeira ondulando no meu rastro. — Tudo bem,

você monta primeiro lugar, então levantarei seu sobrinho

— Mamoon. — Ela interrompe. Ela me dá um pequeno sorriso. —

O nome dele é Mamoon.

— Levantarei Mamoon para você.

Ela hesita, não querendo ficar longe dele nem por um momento.

Mas logo ela levanta, levantando seu sobrinho exausto em seus braços.

Ela o entrega para mim, então vai para o corcel.


Eu olho para a criança em meus braços e meu coração incha. Ele

está vivo quando ele poderia ter morrido. Guerra o poupou.

Guerra o poupou.

Zara estende a mão e eu levanto o sobrinho para os braços dela.

Juntas, nós duas o colocamos na sela na frente de Zara.

No momento em que Mamoon percebe que está a cavalo, ele

começa a chorar. Não são as casas em chamas ou as pessoas que gritam

ou até minhas armas o aterrorizam ele. É o cavalo.

— Sssh. Mamoon. — Minha amiga diz. — Zaza tem você.

— Hey! — Essa mesma voz masculina de gritos anteriores. Eu olho

para o lado e vejo o soldado seguindo em nossa direção.

Eu volto para Zara. — Hora de ir.

Zara olha para o homem. — Você virá?

— Eu ficarei bem. — Eu já estou deslizando meu arco do meu

ombro. — Vá. Vejo você mais tarde.

Zara acena com a cabeça e dá um tapinha rápido no cavalo, a

montaria dela decola.

— Ei! — O homem diz novamente. — Esse era meu cavalo!


— Arranje outro. — Eu digo, virando para ele enquanto puxo uma

flecha da aljava.

— Eu não pegarei outro, porra. — Ele diz, vindo na minha direção,

com uma espada na mão. — Você pegará meu cavalo de volta ou se

arrependerá.

Eu pego a flecha e aponto no peito dele. — Chegue mais perto e

vou atirar.

O soldado sequer hesita.

Eu solto a flecha e ele a evita. Aponto e disparo outra e outra — ele

evita, sem nem parecer preocupado.

— É o melhor que você consegue? — Ele grita.

É então que noto a faixa vermelha ao redor de seu braço.

Um Cavaleiro Phobos.

— Eu não me importo com o quanto o Senhor da Guerra gosta de

sua buceta; esculpirei membro em membro e a deixarei apodrecendo.

E ele sabe quem eu sou, mas ainda me ameaça.

Eu pego duas flechas e as coloco ao mesmo tempo, apontando-as

para o cavaleiro. Apenas pratiquei isso e sempre com resultados de


merda, mas se não acertar o homem logo, serei forçada a desembainhar

minha espada e contra sua espada... ele terá a vantagem.

Eu puxo com força a corda do arco e solto as duas flechas. Ambas

eram, uma desviando descontroladamente. Mas o tiro distrai o

cavaleiro e a próxima flecha eu solto... aquela atinge o homem no peito.

O Cavaleiro Phobos cambaleia, olhando para baixo em sua carne

perfurada, com os olhos arregalados.

Antes que ele possa fazer muito mais, eu disparo mais duas flechas,

uma que o atinge diretamente no coração. O corpo recua com o

impacto. Agora seus olhos não são tão largos quanto estão fora de foco.

Ele tropeça para frente e cai de joelhos.

Estou apenas abaixando meu arco quando sinto a ponta da espada

nas minhas costas.

— A única razão pela qual você não está morta, menina. — Diz a

voz atrás de mim. — É porque eu quero que nosso Senhor da Guerra

conheça seus crimes.

Bem, merda.
E de volta ao acampamento, sob os raios do sol poente, os soldados

alinham os traidores. Eu sou um deles.

Os novos cativos já juraram lealdade — ou estão mortos. Agora é

nossa vez de ser julgado.

Sou empurrada para frente, para a clareira, minhas mãos

amarradas. As pessoas estão gritando comigo, colocando as mãos em

mim; seu ódio é palpável. Eles fazem isso com todos os traidores, ainda

assim sou destacada no meio da multidão, sem dúvida, porque agora

todos sabem do meu relacionamento com Guerra.

O cavaleiro se senta em seu trono no centro da clareira. Quase me

esqueci desse trono. Ele é uma pessoa diferente lá em cima, diferente

de como estava no campo de batalha — sanguinário e calculista — e

diferente de como normalmente é comigo — gentil. Sentado naquele

trono, ainda vestido com sua maldita armadura, ele é altivo e

indiferente. Embora hoje eu admita que pareça mais agitado que o

normal.
Ao entrar na clareira, mantenho meu queixo erguido, apesar do

fato de que o chão está encharcado de sangue fresco e os corpos dos

prisioneiros recém-mortos estão empilhados ao lado.

A multidão está gritando e cuspindo e furiosa. Mais de uma pessoa

está literalmente jogando esterco de cavalo em nós.

Querido Deus, isso é realmente o que você pretendia? Transformar os

homens em demônios e deixar o inferno reinar na terra?

A nossa linha é forçada a enfrentar Guerra.

Ele olha para todos nós, seu olhar entediado passando de traidor a

traidor até que seus olhos pousam em mim. Por um instante, há uma

faísca de alívio. Então seu rosto endurece.

Não tenho certeza, mas tenho a impressão de que nenhum de seus

cavaleiros lhe contou meu paradeiro. Acho que eles queriam adotar

uma abordagem mais dramática e pública para a coisa toda.

Guerra se levanta e a multidão fica quieta. Eu não sei o que ele está

pensando, o que está acontecendo por trás daqueles olhos turbulentos.

É provavelmente lamento que, pela segunda vez hoje, estou minando

todos seus planos cuidadosamente planejados.


— Miriam. — Sua voz ondula através do acampamento e ninguém

fica imune.

As pessoas fazem uma pausa no arremesso de esterco para

poderem encarar o cavaleiro, depois a mim.

Seu olhar cai para a minha garganta, então minhas mãos

amarradas. Quando ele olha novamente, há algo em seus olhos.

— Solte-a. — Ele não fala em línguas.

— Meu Senhor. — Um dos Cavaleiros Phobos, diz afastando-se

dos outros cavaleiros. — Ela matou um de seus cavaleiros.

Eu não reconheço o homem falando, mas sei que ele não é o

soldado que me capturou hoje. Este era Uzair, o mesmo cavaleiro

Phobos que também me pegou do lado de fora da tenda de Guerra

quando o cavaleiro estava discutindo estratégias de batalha com seus

homens. Neste momento, Uzair fica com os outros cavaleiros, a

mandíbula dura.

— Por que você a mantém por perto? — Exige este novo Cavaleiro

Phobos, entrando na clareira.

Guerra parece entediado enquanto olha para o homem.


Vários soldados se aproximam de mim, provavelmente na ordem

de Guerra para me libertar, mas suas expressões são duras. É claro que

acreditam que eu deveria morrer hoje.

Eles vêm para o meu lado e me levam pelos braços, para longe.

— Ela mata nossos homens, sabota seus planos e ainda assim a

poupa? Ela? — O Cavaleiro Phobos diz furioso. — Você nunca fez

exceções antes. Por que agora e para que? Uma prostituta?

Os olhos de Guerra se estreitam.

— Kikle vležoš di je rizvoroš maeté vlegeve ika no ja rizberiš Vlegi?

— O cavaleiro diz, agora voltando para uma de suas línguas mortas.

Como você poderia entender meus motivos se não entende Deus?

— Ela deixou sua mente fraca, cavaleiro? — Neste ponto, o

Cavaleiro Phobos parece estar abertamente provocando Guerra, o que

nunca é uma boa ideia quando se lida com um homem que gosta de

derramamento de sangue.

O cavaleiro dá um passo ameaçador para frente e a multidão se

agita com desconforto. Ele desce a plataforma e entra na clareira.

Ele caminha até o homem.


Acontece tão rápido que mal tenho tempo de registrar. Guerra

puxa uma adaga de seu quadril e a empurra através do coração do

soldado. Os lábios do cavaleiro se separam, seus olhos tão largos

quanto o cavaleiro que matei mais cedo, com a morte vindo de surpresa

para ele.

Guerra retira sua lâmina e o sangue escorre pela ferida aberta.

O Cavaleiro Phobos engasga um pouco, seu olhar movendo-se

pelas pessoas quietas. Ele balança por um momento, depois cai no

chão, morto.

O sangue do Cavaleiro Phobos não esfriou antes que Guerra passe

pelos soldados e pegue.

Ele fica em silêncio enquanto me leva de volta para sua tenda. Eu

não me incomodo em dizer que posso andar. Não estou muito

interessada em me opor a ele agora, quando desafiou suas próprias

convenções duas vezes em um dia por mim.

Atrás de nós, a multidão está quieta, mas uma vez que estamos

bem fora da visão, ouço o ruído aumentar novamente, então, de

repente, a multidão parece rugir — indubitavelmente como resultado

do resto dos traidores. Execuções.


Eu fecho meus olhos contra o pensamento de todas aquelas

pessoas com quem estava minutos atrás. Eles ousaram parar o exército,

morreram por isso.

O cavaleiro me leva até sua tenda. É apenas quando estamos

dentro que ele me coloca para baixo. Ele puxa uma de suas lâminas e

corta minhas amarras, liberando meus pulsos antes de jogar de lado a

corda grossa.

— Guerra. — Eu começo.

— Não

Um olhar para a expressão dele e está claro que devo ficar quieta.

Agitado, ele começa a remover o resto de suas armas.

— Deus não me enviou uma esposa. — Diz ele em voz baixa. —

Ele me enviou o meu acerto de contas.

Eu fico ali, esfregando meus pulsos, sem saber onde estão meus

sentimentos. Por um lado, vi tanta morte horrível hoje — e esse homem

é responsável por tudo isso. Por outro lado, salvou uma criança e

depois me poupou. Estou enojada com o mundo dele, mas também

estou estranhamente grata a ele.


— Você não deveria atacar o meu exército. — Diz ele asperamente.

— Por que não?

— Porque eu disse isso! — Ele grita. Guerra se volta para mim

agora, seu rosto inflamado de raiva. — Eu salvei uma vida para você,

fui contra minha própria natureza para fazê-lo e você me agradece

matando meus homens em troca?

— Aquele homem iria me matar!

Seu rosto aguça. — Não minta e finja que foi apenas um homem

que você matou.

— Por que de repente importa? — Eu digo, minha própria voz se

aquecendo. — Você me deu o arco e flecha sabendo muito bem o que

pretendia fazer com ele.

— Você criou discórdia em minhas fileiras. — Diz ele.

Eu o fiz, sem dúvida. E as pessoas nos odiarão por isso.

— Já existe discórdia em suas fileiras ou você esqueceu que

destruiu todas as cidades dessas pessoas e matou suas famílias antes

de levá-las como prisioneiras?

Um músculo em sua mandíbula salta.


Guerra se aproxima de mim, chegando tão perto que nossos peitos

se tocam. — Eu fui tolerante com você. Não cometerei esse erro

novamente.

Meu coração aperta. Foi sua indulgência que poupou Mamoon.

Essa é a única parte dele que não quero mudar.

Ele começa a passar por mim quando seguro seu braço.

O cavaleiro faz uma pausa, olhando para mim. Seus olhos ainda

estão furiosos.

— Obrigada. — Eu digo. — Por salvar o menino.

Guerra se afasta, parecendo um pouco enojado, como se eu tivesse

conseguido ofender suas delicadas sensibilidades.

Eu aperto seu braço um pouco mais forte. — Sério. Você não pode

saber o que isso significa para mim. — Ele poupou a vida de um

estranho. É quase inconsequente ao lado das pessoas que matou, mas

nunca salvou alguém fora de seu próprio interesse. Não até hoje.

Guerra olha em meus olhos, talvez procurando validação de que

fez algo certo, mesmo que para ele parecesse errado.


Minha garganta lateja e percebo que há coisas que preciso fazer se

quiser que Guerra considere salvar outra vida.

Eu movo minha mão do seu braço para a parte de trás do seu

pescoço, o puxo para baixo em minha direção. Quando ele está ao meu

alcance, eu me levanto na ponta dos pés e beijo qualquer

arrependimento que ele possa ter.

Ele não cai nisso — não imediatamente. Mas uma vez que se

entrega ao beijo, se entrega completamente. Suas mãos estão de repente

no meu cabelo e sua raiva reprimida está se transformando em paixão.

Não há nada tão satisfatório quanto uma briga seguida por uma

foda, ele disse.

Mostre a ele o quanto você é grata pelas vidas poupadas hoje.

Talvez então Guerra volte a considerar ser tolerante no futuro.

Com o coração batendo rápido, começo a tocar o corpo do

cavaleiro. Ele ainda está usando sua armadura ensanguentada e suja.

Começo a puxá-la.

— Tire isso. — Ordeno.


— Primeiro você me faz quebrar as minhas regras, agora me dá

ordens? — Ele diz isso mesmo quando começa a nos despir. — Está

jogando um jogo delicado e perigoso.

— Não são perigosos seus jogos favoritos? — Pergunto.

Guerra me puxa para perto. — Mulher selvagem, eu não jogo. —

Com isso, ele rasga a última das minhas roupas.

Ainda estamos sangrando da batalha, mas isso não impede que nós

dois nos unamos. Eu o puxo para o chão coberto de carpete, seu corpo

grande me cobrindo.

Eu pego uma das mãos dele, entrelaçando com as minhas. As

marcas em seus dedos brilham e as beijo uma a uma. Essas mãos

causaram tanta morte, mas agora me salvaram e a outra vida.

Talvez um dia essas mãos parem de matar completamente. É

insano desejar algo tão improvável, mas sou viciada nessa

possibilidade. É toda a esperança que me resta.

O pau de guerra está quente e duro contra mim, posso sentir aquele

zumbido de batalha ainda queimando através de seu sistema. Ele está

praticamente tremendo com a necessidade de se enterrar em mim.


A ideia de fazer sexo com o cavaleiro é absolutamente aterrorizante

e completamente emocionante. Eu me movo sob ele, até que a cabeça

do seu pau esteja pressionada contra a minha entrada.

Por um instante, os quadris de Guerra avançam e oh meu deus,

acontecerá. Mas então ele geme e se afasta de mim, seu corpo inteiro

tremendo com sua restrição. — Criatura celestial, você foi criada para

me tentar. — Guerra está respirando ofegante. — Mas você não se

rendeu. Ainda não. E a terei somente então.

O cavaleiro estende a mão, tocando minha buceta. Muito

deliberadamente, ele mergulha um dedo. — Mas por enquanto, isso

serve.
Enquanto o restante do acampamento — incluindo Guerra — está

nas festas mais tarde naquela noite, vou para a tenda de Zara, com

comida na mão. Tornou-se nossa coisa, levar comida uma para a outra

quando temos um dia difícil.

Eu entro na tenda sem bater. Lá dentro, Mamoon está dormindo

no catre de Zara, e minha amiga se senta ao lado dele, acariciando seus

cabelos.

Ela levanta quando eu entro, sua mão alcançando o punhal. Relaxa

quando me vê.

— Sinto muito, deveria ter me anunciado. — Eu digo.

Em resposta, ela me puxa e me abraça apertado. Não solta depois

de alguns segundos e logo ouço seus soluços abafados quando ela

chora no meu ombro. Hoje foi um dia terrível para ela. Perdeu a irmã

e o cunhado, quase perdeu o sobrinho.

Esfrego as costas dela e a seguro, deixando-a derramar toda sua

dor. Isso continua por um longo tempo e seus soluços são em sua
maioria silenciosos, provavelmente devido ao fato de que está

tentando deixar Mamoon dormir.

— O que eu digo a ele? — Ela sussurra.

Balanço a cabeça contra ela. — Eu não sei. — Esta é uma situação

tão natural. Não há palavras fáceis para isso.

Logo seus soluços se tornam fungadas, então ela se afasta,

enxugando os olhos.

— Como ele está? — Eu pergunto.

— Tudo bem. — Diz ela, sua voz trêmula. — Quer dizer, ele está

traumatizado, mas está vivo. — Sua voz quebra um pouco sobre a

palavra. — Isso é mais do que posso dizer sobre...

Sobre o restante da família.

— O que aconteceu com eles?

Zara levanta as pernas no peito. — Os cavaleiros de Guerra

chegaram primeiro a eles. Sequer estavam em casa quando cheguei lá.

Acho que eles tentaram fugir, encontrei seus corpos caídos na rua...

Mamoon se agita e Zara deixa a história escapar.

— O que ele sabe? — Pergunto, acenando para o sobrinho.


Suas feições ficam tensas e balança a cabeça. — Não tenho certeza.

Ele não falou muito.

— Pelo menos vocês têm um ao outro.

Zara respira fundo, estremece e balança a cabeça.

Ela limpa os olhos novamente e me olha. — Como você está? —

Ela pergunta, se recompondo. Alarme brilha em seus olhos. — Oh meu

Deus, esta tarde. — Diz ela, como se estivesse percebendo o que

aconteceu pela primeira vez. — Você fez muito pelo meu sobrinho,

então foi pega por isso, sinto muito. — Ela começa a chorar novamente

e seguro sua mão.

— Ei, ei, ei. — Eu digo. — Eu entrei nessa bagunça. Você não. Não

se desculpe por isso. Além disso, Guerra não me deixa morrer, então...

então sou a idiota que destrói seus planos. Mais ou menos. Então tenho

que compensar isso em favores sexuais que aprecio mais do que

deveria.

— Eu não quero que você sofra pela minha situação. — Diz Zara.

Sofrer pode não ser a palavra que usaria...

— Eu não estou. — Asseguro ela.


— Tenha cuidado com o cavaleiro. — Ela diz para mim. — O que

ele fez hoje... está mais do que apenas apaixonado por você.

Engulo um pouco. Assumi que Guerra gostava de mim apenas

porque acreditava que seu deus me fez para ele. Pensar que poderia

haver sentimentos reais...

Não, Zara estava enganada. Guerra sente paixão e posse, nada

mais.

Absolutamente nada mais.

— O Senhor da Guerra quer vê-la. — Hussain chama do outro lado

da minha tenda tarde naquela mesma noite.

A essa altura, há muito que voltei de ver Zara e seu sobrinho. Até

consegui terminar de fazer duas flechas. Coloco o livro que estou lendo

de lado, apago minha lamparina a óleo e saio da tenda, seguindo o

Cavaleiro Phobos em direção a tenda de Guerra.

E do nada, Hussain diz: — É melhor você vigiar suas costas,

Miriam.

Olho para ele bruscamente. Está me ameaçando?


Ele encontra meu olhar, depois suspira. — Os homens têm falado

de você e não disseram nada de bom.

Não é uma ameaça, percebo, é uma informação privilegiada que

está passando.

— Ouça, Miriam, apenas... fique atenta. — Continua ele. — Guerra

não escolhe seus Cavaleiros Phobos por sua honra.

Significa que sou uma mulher marcada. Meus braços se arrepiam

com isso.

Nós dois chegamos à tenda de Guerra. Hussain inclina a cabeça e

depois se afasta na escuridão, deixando-me sozinha.

Respiro fundo e me forço a deixar de lado essa preocupação para

outra hora. Tenho assuntos mais imediatos para lidar. Puxo as abas da

tenda do cavaleiro e entro.

Apenas... o cavaleiro não está em lugar nenhum.

Pânico.

Esta era uma armadilha. Seja lá o que Hussain tivesse dito, isso não

aconteceria em algum momento no futuro; estava prestes a acontecer

agora.
Puxo minha adaga da bainha assim que as abas da tenda são

puxadas para trás.

Guerra entra com o peito nu e ele está bêbado. Muito bêbado.

— Esposa. — Seus olhos brilham quando me vê. Ele atravessa a

tenda, ignorando completamente a adaga na minha mão. Afastando o

cabelo do meu rosto, ele pega meu rosto em suas mãos.

Seus olhos estão turvos. — Deite-se comigo.

Por um momento, não respiro. Não me movo de jeito nenhum,

mesmo que essas três palavras tenham tirado todos os tipos de

respostas inapropriadas do meu corpo.

Um minuto atrás tinha certeza de que estava prestes a ser

emboscada; em vez disso, estou recebendo propostas. Por um cavaleiro

bêbado.

— Pensei que você quisesse que eu me rendesse primeiro. — Eu

digo.

— Mudei de ideia. — Seus polegares acariciam minhas bochechas

e é tão tentador. Muito tentador.


Ele deve ver o quão fraca sou, porque ele se inclina e me beija

ferozmente. No segundo que o faz, sinto sua língua.

Eu me afasto — Quanto bebeu? — Pergunto para ele com

desconfiança. Guerra é um homem grande; ele provavelmente

precisaria tomar muito álcool para chegar a esse ponto.

— O suficiente para deixar de lado minhas reservas.

Deite-se comigo.

Eu inclino minha testa contra seu ombro quando um pensamento

aparece. — Mesmo se quisesse...

— Você quer. — Diz ele, sua voz cheia de certeza.

Meu estômago aperta com sua voz. É baixa e certa, ele parece um

amante — como meu amante.

— E quanto a proteção? — Eu digo. Algo que claramente não

pensei até agora, embora definitivamente deveria.

Ele puxa meu rosto para longe de seu ombro, seus olhos turvos,

mas inteligentes.

— Proteção. — Diz ele. — Pelo que? Eu sou a personificação da

guerra. Quem quer que tente me atravessar, morrerá.


Quero rir. Quero me derreter no chão.

— Não esse tipo de proteção. — Eu digo.

Oh garoto. Não esperava ter essa conversa hoje.

As sobrancelhas do cavaleiro se erguem.

— Eu poderia engravidar. — Digo devagar.

Não posso dizer por sua expressão se ele está ouvindo ou não.

Talvez eu tenha entendido tudo errado. Talvez Guerra não possa ter

filhos. Quer dizer, ele não é um humano comum.

Eu olho seu corpo cheio de músculos. Nunca vi um homem mais

viril. Eu sinto que um longo olhar dele poderia me derrubar.

Minha próxima pergunta simplesmente sai.

— Você já engravidou uma mulher?

Aquelas tatuagens brilham na escuridão. O cavaleiro me encara,

parecendo pronto para atacar. E de fato, quanto mais eu olho, mais

ameaçador ele aparece.

— Por que faz tal pergunta? — Ele diz.

Curiosidade principalmente. — Já? — Eu pressiono.


Seja qual for o estado de embriaguez em que Guerra estava quando

entrou em sua tenda, se foi.

— O que você acha, Miriam? — Aqueles olhos violentos estão fixos

nos meus e ele parece particularmente perigoso. — Você acha que

engravidei uma mulher enquanto estou em sua terra? Acha que eu

matei meu filho junto com sua mãe? Ou você acredita que ambos estão

aqui em algum lugar no acampamento, escondidos da vista?

Eu não sei. Não pensei muito a respeito, mas ele parece ofendido.

Tão ofendido, na verdade, que agora tenho certeza de que, apesar do

festim sexual que teve desde que veio à Terra, não tem filhos.

Esse pensamento deveria me aliviar. Em vez disso, toda a conversa

está me lembrando de todas as razões pelas quais dormir com Guerra

é uma má ideia. Brincar com ele é divertido quando não preciso pensar

muito nisso.

— Vir aqui foi um erro. — Eu digo. Começo a passar por ele, em

direção à saída.

Ele pega meu braço e me gira para encará-lo. — Isso não foi um

erro.
— Durma, Guerra. — Eu digo. — Você se sentirá melhor quando o

fizer.

— Então está fugindo? — Ele acusa.

— Não é isso que todos nós, humanos, fazemos? — Pergunto.

— Não você, mulher selvagem. — Diz ele, sua expressão sombria

e esperta enquanto agarra meu braço. — Você luta mesmo quando é

imprudente fazê-lo.

— O que você faria se engravidasse uma mulher? — Pergunto.

Guerra apenas me encara. Ele não tem absolutamente nenhuma

ideia e isso é aterrorizante por si só.

— Boa noite, Guerra. — Eu digo.

Solto meu braço e deixo sua tenda.

Não vejo Guerra novamente até o dia seguinte. No momento em

que ele vem para mim, voltou de invadir todas as comunidades

satélites ao redor de Arish. Pelo que vi do Egito até agora, não há

muitos dele. Ali fora, há deserto, oceano, céu e nada mais.


— Você está com ressaca? — Eu pergunto a ele. Sento-me do lado

de fora da minha tenda, ocupada montando uma ponta de flecha de

vidro em um poço de madeira acabado.

— Uma ressaca? — Ele sorri um pouco. — Houve um breve

lampejo de dor e algumas náuseas fugazes, mas não chamaria isso de

ressaca.

Parte de mim fica tardiamente surpresa que ele saiba o que é uma

ressaca, mas ele viveu entre soldados por um ano agora. Estava

destinado a aprender sobre eles eventualmente.

— Você se lembra da nossa conversa? — Eu pergunto a ele. — E a

última noite?

Seu rosto muda, mas não posso dizer exatamente qual é a

expressão dele. Irritado? Curioso? Agora é impossível dizer.

— Tudo.

Impressionante.

Ele segura minha mão. — Venha, quero tê-la sozinho.

Eu pego sua mão, mesmo quando minhas sobrancelhas levantam.

— Onde vamos?
Ele responde. — Você verá.

Um minuto depois, Deimos vem galopando em direção a nós, seu

pelo vermelho escuro brilhando ao sol. Ainda tem a sela e o freio do

ataque matinal.

O cavalo para ao nosso lado.

— Como você o faz fazer isso? — Eu pergunto. Ele não precisa estar

por perto, mas sempre ouve o chamado de seu mestre. Não conheci

muitos cavalos, mas não acho que isso seja normal.

Guerra se inclina para mim. — Ele não é mais um cavalo do que eu

sou um homem.

Certo.

O cavaleiro gesticula para montar Deimos. Por um momento,

hesito, não tenho certeza se quero passar mais tempo com Guerra do

que o absolutamente necessário. Mas no final, o faço.

Guerra vai para a sela atrás de mim, tão perto que suas coxas que

envolvem as minhas, seu peito pressiona contra minhas costas. Esta

não é a primeira vez que compartilho uma sela com o cavaleiro, mas é

a primeira vez que observo todos os detalhes.


Seu cabelo faz cócegas em meu pescoço, posso sentir sua respiração

na minha bochecha. Um braço ao redor da minha cintura, me

pressionando mais contra ele, o que não deveria me afetar tanto.

Quer dizer, pelo amor de Deus, eu tive o pau do homem na minha

boca.

— Fique comigo na minha tenda. — Diz Guerra contra mim, sua

respiração tocando meu ouvido.

— O que será de mim se o fizer? — Não quero dizer isso em voz

alta, mas as palavras saem de qualquer maneira.

— Esposa, não a comerei se o fizer, bem, comerei, mas sei que você

gosta desse tipo de coisa.

Eu sinto minhas bochechas esquentarem, lembrando da sensação

da boca dele entre as minhas coxas.

Viro a cabeça para ele. — Você não pode dizer coisas assim.

A mão de Guerra aperta contra meu estômago. — Fique comigo,

Miriam.

— Não, a menos que você queira fazer outro acordo.


O cavaleiro fica em silêncio. — Você percebe que poderia

simplesmente fazê-la ficar comigo.

Ele já me ameaçou antes.

— Então faça isso. — Eu digo, sabendo que não fará.

Deve ser estranho para ele, um homem de ação, fazer ameaças

vazias. Ele nunca o fez antes de mim. Quando você quer que o mundo

morra, é fácil fazer ameaças reais — ou mais do que isso, simplesmente

matar sem ameaçar ninguém.

— Você se apaixonará por mim, esposa, assim como todos e tudo.

É exatamente disso que tenho medo.

O cavaleiro nos leva para o sul, para o deserto. Não há nada ali,

exceto extensões de terra seca. É lindo de uma maneira muito austera.

Apenas cavalgamos por talvez cinco ou dez minutos quando Guerra

para seu cavalo.

— Onde estamos? — Eu pergunto, olhando ao redor quando desço

de Deimos.

— Eu não sei exatamente. — Diz ele desmontando, seu olhar com

kohl olhando para o sol.


Eu olho ao redor. — Então não há nenhuma razão particular para

me trazer aqui? — Eu pergunto.

— Oh, há uma razão. — Diz ele. — Não tem nada a ver com o que

nos rodeia.

Eu dou alguns passos para longe dele, mas agora olho para trás. —

Qual é o motivo? — Eu pergunto.

— Quero ouvir como você grita quando ninguém além de mim está

ouvindo.
Quando se trata de intimidade, Guerra dá mais do que leva. O que

é muito. É tudo demais. Ele tem o apetite de uma divindade e mal

consigo acompanhar de cada lado.

Ele está me fazendo trabalhar por esses aviários.

Deitei-me em um cobertor com ele, nossas roupas deixadas de

lado.

— Eu gosto quando você está assim. — Diz ele, passando um dedo

sobre o meu abdômen nu.

Eu olho para ele. — Aposto que sim.

— Não apenas assim, esposa. — Diz ele, soltando uma risada baixa.

— Você se mostra mais aberta comigo nesses momentos.

Sou? Os sinos de alarme estão tocando. — E você gosta disso? —

Pergunto.

— Claro que sim.

Observo o rosto do cavaleiro. — Por quê?


Seu olhar procura o meu. O ouro em seus olhos brilha na luz.

Ele esta mais do que apenas apaixonado por você. As palavras de Zara

soam nos meus ouvidos.

Antes que Guerra diga alguma coisa, algo se move à distância,

fazendo-me tremer de surpresa. Meu corpo inteiro está exposto.

Desesperadamente recolho minhas roupas, tentando me cobrir.

— O que foi? — Guerra pergunta, sua voz aguda. Seu olhar segue

o meu.

É uma pessoa que já está condenada à morte.

Mas quando o cavaleiro o vê, a tensão em seu corpo diminui. —

Relaxe, esposa. Ele é um dos meus.

— Um dos seus? — Ele quer dizer um de seus soldados? Porque

eu realmente não quero que um deles me veja nua.

— Os mortos ressuscitados. — Explica Guerra.

Os pelos do meu braço se levantam. Quase me esqueci daquela

habilidade macabra dele.

Observo a figura distante novamente. — O que está fazendo aqui

fora?
— Miriam, meus mortos-vivos ficam em todos os lugares onde

vou. Eles patrulham cada pedaço da terra que toco.

Percebi isso depois de encontrar seus zumbis em Ashdod.

— Quanto tempo patrulham uma cidade?

— Para sempre. Depois de reivindicar um território, não desisto.

Arrepios.

Cada lugar que Guerra esteve, seus mortos-vivos ainda estão lá,

nunca dormindo, nunca parando, mas sempre, sempre caçando.

Coloco uma mecha de cabelo atrás da minha orelha, me afasto do

cavaleiro, uma ação que ele percebe. Continuo esquecendo a

verdadeira natureza de Guerra.

— Você me viu matar muitas vezes, Miriam e ainda assim isso a

incomoda?

— Claro que isso me incomoda. — Eu digo. — Isso me faz não

querer tocá-lo.

O rosto de Guerra... essa violência está de volta aos seus olhos, mas

por um único instante — um único e breve instante — vejo sua dor.


É quase absurdo pensar que uma força da natureza como Guerra

seja capaz de se sentir magoado. Mas talvez eu não seja a única que fica

vulnerável quando você tira tudo.

— Mas você continuará me tocando. — Diz ele. — Contanto que

queira que seus aviários permaneçam intactos, o fará e não preciso

lembrar-lhe com que facilidade posso desfazer todo o progresso que

comprou para sua espécie.

— Comprei. — Repito. Agora sou eu quem se sente magoada,

machucada, usada e suja. Esqueço que esta situação foi ideia minha ou

que é exatamente isso que eu fiz — comprei aos meus semelhantes a

menor chance de sobrevivência— além de me queimar ouvir Guerra

falar sobre isso como se fosse uma transação fria e sem emoção.

Eu me levanto, completamente nua, não dando a mínima para o

que Guerra vê. — Fico feliz por ambos entenderem como é isso tudo.

— Começo a vestir minhas roupas. — Odiaria que você tivesse a

impressão de que realmente o quero.

— Oh, você me quer. — O cavaleiro parece quase convencido.

Eu visto a calça. — Foda-se você.

— Não até que você entregue tudo.


Terminei, terminei com isso. Eu me visto e começo a me afastar.

— Você voltará comigo. — Ordena Guerra atrás de mim.

Eu mostro o dedo do meio em resposta.

Eu mal caminho vinte metros quando vejo o movimento pelo canto

do olho. Eu me viro a tempo de ver o zumbi vindo em minha direção.

Consigo não gritar, mas não mentirei, quase faço xixi ao ver a criatura

correndo em minha direção.

Atrás de mim, Guerra está em nosso cobertor, vestindo a calça

enquanto assiste a cena.

— O que você está fazendo? — Eu grito com Guerra, sem conseguir

afastar meus olhos do zumbi.

O homem morto — com certeza é um homem — está vindo em

minha direção.

Foda-se... começo a correr.

Eu faço isso meio quilômetro antes da criatura me atacar. Nós dois

caímos na terra arenosa.

Deus querido, o cheiro. Como se alguém estivesse estuprando

minhas narinas. Engasgo um pouco. E agora, quando vejo a criatura,


realmente grito. Este não é tão recém morto como os homens com quem

lutei uma cidade atrás. Sua pele é de um tom acinzentado e apodrece

em áreas, revelando suas entranhas em decomposição.

O zumbi me arrasta pelos pés assim que o cavaleiro monta Deimos.

Ele para ao meu lado, estendendo a mão. — Venha, Miriam.

Eu olho para Guerra. — Não

— Então meu homem será forçado a escoltá-la para casa.

Acho que tenho pedaços daquele homem em decomposição no

meu cabelo. Definitivamente os tenho em minha camisa e calça.

Precisarei queimar essas roupas. Droga.

— Pelo menos ele será uma companhia melhor. — Eu digo.

Guerra franze a testa para mim, parecendo frustrado e

incomodado ao mesmo tempo. — Que assim seja. Aproveite a

caminhada, esposa.

E então ele se afasta.

Desgraçado.
Demora quase uma hora para voltar ao acampamento e todo o

caminho o homem morto tem um aperto no meu braço. O fedor dele é

demais e vomito quatro vezes. Logo, simplesmente cubro meu nariz e

respiro para dentro e para fora da minha boca.

Apesar disso, não me arrependo da decisão de voltar. Nem um

pouco.

Neste momento o homem morto é ainda melhor companhia que

Guerra.

Não vejo o cavaleiro novamente por dias. Ele não me chama e fico

longe de sua tenda, lendo, fazendo armas, visitando Zara e seu

sobrinho assustado.

Então fico surpresa quando, no dia em que arrumamos nossas

coisas, recebo um cavalo e sou instruída a esperar por Guerra.

Não sei o que me espera.

Não estou mais chateada com a revelação de que os mortos de

Guerra assombram todas as cidades caídas do mundo. É terrível e

chocante, torna o cavaleiro ainda mais bárbaro do que imaginei que

fosse, mas é o que é, e agora eu sei.


Eu não estou nem chateada com a caminhada nauseante de volta

ao acampamento — embora tenha ficado por um tempo depois que

voltei.

Neste momento apenas estou chateada porque fiquei chateada,

não sei, a emoção tem desenvolvido alguma inércia própria.

Mas então vem Guerra cavalgando pelo campo, parecendo um sol

avermelhado no horizonte e me sinto ansiosa para vê-lo — ansiosa

para ficar irritada com ele, ansiosa para ouvir sua voz profunda e olhar

para aquele rosto. E talvez até para tocá-lo. Posso não gostar do

homem, mas acho que sou viciada nele.

O cavaleiro para quando se aproxima. Ele me olha por alguns

segundos.

— Esposa. — Diz ele. Não posso dizer o que ele está pensando.

— Guerra.

Ele me dá um leve aceno e se afasta novamente. Eu o sigo para

frente da procissão, sentindo os olhos de todo o exército em nós. E

então estão atrás, ficando apenas eu e Guerra, além da estrada sem fim

à nossa frente.

O cavaleiro é o primeiro a falar.


— Bem, se somos casados precisamos nos dar bem.

— Nós não somos casados. — Eu digo pela bilionésima vez.

— Somos.

Homem exasperante!

— Você fez um homem morto me atacar! — Ok, talvez eu ainda

esteja um pouco irritada com a volta ao acampamento. Tenho o direito.

Cheirei como um cadáver por dois dias inteiros.

— Você não quis ouvir. — Diz ele.

— Não, foi você quem não quis ouvir! — Eu digo, minha voz

subindo. Oh sim, estou tão pronta para pular de volta para a arena e

lutar contra esse homem. — Você está tão acostumado a comandar

pessoas que acha que pode me comandar também.

— Claro que posso.

Eu controlaria Guerra se pudesse me safar.

— Não é assim que o casamento funciona. — Eu digo, tentando

acalmar minhas emoções. — Pelo menos, não um bom casamento e

você quer que isso seja um bom casamento, não é?

Por que estou mesmo tentando argumentar com ele?


Ele me olha longamente. — Claro que sim, esposa.

— Então você precisa me ouvir e respeitar minhas opiniões. — São

as duas regras mais óbvias do casamento e ainda assim Guerra não tem

consciência delas.

— E você precisa respeitar a minha vontade. — Ele responde. —

Como minha esposa, você deve ser obediente nas poucas vezes que

exijo.

Obediente?

Vejo vermelho.

— Foda-se. Eu quero o divórcio.

— Não.

— Eu não serei obediente, porra, você nem quer que eu seja

obediente. Eu sei que não. — Ele claramente tem estado por aí com

muitos misóginos.

Guerra passa a mão pelo rosto, um dos anéis que ele usa captando

a luz. — Sinto-me como se estivesse sendo espancado com a minha

própria lâmina. — Ele murmura. — Bem. Tentarei ser mais...

respeitoso. Às suas opiniões... mesmo quando são absurdas.


Eu olho para ele.

— Ouvirei seus fracos desejos mortais. Mas em troca, deve ouvir

minha vontade.

— Eu ouvirei. — Respondo.

Apenas não poderia concordar.

— Bom. — Ele parece satisfeito.

Apenas olho para ele. Está será uma longa jornada.

Abandonei minhas regras. Para sobreviver ao apocalipse. Não sei

quando isso aconteceu — se as deixei em Ashdod se viajaram até Arish

antes de abandoná-las.

Apenas sei que cada uma não se aplica mais a sobreviver ao

apocalipse, agora que estou presa a um dos cavaleiros que o orquestra.

A única regra em que ainda recorro é a Regra Cinco: Seja corajosa.

Cada segundo do meu dia consiste em tentar ser corajosa, quando tudo

o que eu realmente quero é me esconder.

Infelizmente, ali no deserto árido, não há onde se esconder.

É um passeio longo e solitário. A estrada que tomamos é cercada

por um deserto ininterrupto. E mesmo sabendo que o oceano se


estende à minha direita, a estrada é o suficiente para que não vislumbre

aquela água azul.

O sol do verão bate cruelmente sobre nós dois e durante todo o

tempo que andamos, poderíamos ter percorrido dois quilômetros... ou

duzentos. É impossível dizer.

A única maneira real que posso dizer que estamos progredindo é

pelos poucos pontos de referência pelos quais passamos — uma casa

abandonada, um posto avançado estéril, uma calha de água ao lado de

um poço de bomba manual. Ah e claro, as poucas vilas de pescadores

pelas quais passamos, um grupo de pássaros carniceiros circulando

acima deles.

Logo, o sol mergulha à nossa frente e Guerra escolhe um lugar para

nós e nossos cavalos descansarmos.

Depois que acendemos o fogo, começo a fritar o jantar. Nesta

viagem, Guerra empacotou uma frigideira e um pouco de carne

salgada para cozinhar. Eu olho para as tiras de carne depois de pegá-

las. A visão revira meu estômago. Parece muito com todos aqueles

humanos, cujos corpos foram rasgados durante a batalha.

Ao meu lado, o cavaleiro se senta agachado, olhando para o fogo.


— Por que você tem um exército se pode simplesmente usar seus

mortos para matar humanos? — Pergunto a ele enquanto trabalho.

Parece-me que, com o movimento de sua mão, Guerra poderia

aniquilar a todos nós, seria muito mais rápido e completo.

— Por que você não canta o tempo todo se tem a capacidade de

fazê-lo? — Ele responde, seus olhos brilhando. — Por que não correr

em todos os lugares se pode? Apenas porque tenho o poder não

significa que sempre quero usá-lo.

Então ele não quer nos matar com eficiência? Eu não sei se isso é

misericordioso ou apenas cruel.

— Além disso. — Ele diz. — Prefiro desfrutar do acampamento.

Isso me lembra quem eu sou e quem sempre fui.

Batalha trazida à vida, ele quer dizer.

— Isso é um pouco estranho, você não acha? — Eu digo. — Quer

lembrar quem é, reunindo os seres humanos ao seu redor e

desfrutando de sua companhia.

— Não, eu não acho estranho. — Diz Guerra, levantando-se para

pegar uma garrafa de vinho que embalou. Ele volta com dois copos.
Sentando-se novamente, ele diz: — Eu sou nascido de homens e estou

aqui para julgá-los. Naturalmente quero estar entre eles.

— Então, há uma parte que gosta dos seres humanos. — Eu digo.

— Claro que gosto de humanos. — Guerra abre o vinho e começa

a nos servir um copo. — Apenas não o suficiente para poupá-los.

Isso é tão retorcido.

Ele me entrega um dos copos e tomo um gole longo.

— Eu sou um comandante de homens. — Continua ele. — Nem a

morte pode parar meu alcance.

Nem a morte pode parar meu alcance.

Guerra está certo. Mesmo na morte ele pode nos militarizar.

Lembro-me do zumbi que me levou de volta ao acampamento. Seus

olhos estavam quase desaparecidos, sua pele manchada e se

desprendendo, mesmo assim ele se movia como se estivesse vivo.

— Como você controla os mortos? — Eu digo.

O cavaleiro me olha. — Estamos falando dos poderes de Deus,

Miriam. Não há explicação humana que possa lhe dar.

— Poderia fazer isso agora, se quisesse?


Guerra levanta as sobrancelhas. — Você quer que eu ressuscite os

mortos?

Isso não foi exatamente o que perguntei e agora que abordou o

assunto, estou perversamente curiosa. Eu não sei porque. É macabro e

assustador.

Aceno de qualquer maneira.

O cavaleiro estende a mão e sinto o chão ao meu redor tremer,

como se fosse delicado. A vários metros de distância, a terra árida

muda e o esqueleto parcial de um cavalo sai do solo arenoso. A criatura

está perdendo muitos de seus ossos, mas permanece da melhor

maneira possível.

É difícil dizer que isso é outra coisa senão magia.

O cavalo esquelético começa a se mover como se estivesse vivo,

embora pareça morto há muito tempo.

— É... não humano. — Eu digo.

— Eu posso reanimar as pessoas e criaturas.


O cavalo se aproxima de mim e o instinto me diz para levantar e

fugir. Mas droga, enfrentei pior. Então fico ali sentada e o deixo se

aproximar.

O cavalo bate seu focinho contra o meu ombro e parte de mim é

desarmada por essa coisa coitadinha que se move como um cavalo e

age como um, embora tenha expirado há muito tempo.

— Você está satisfeita? — Guerra pergunta.

Aceno, talvez um pouco rápido demais.

O cavalo se afasta a poucos passos de mim, depois, de repente, cai

sobre a terra, nada mais do que uma pilha de ossos espalhados.


A noite entra e o fogo se incendeia. Quando o ar da noite começa a

ficar frio, o cavaleiro se levanta. Eu posso ouvi-lo nas minhas costas,

removendo seu armamento. Ainda seguro meu copo vazio e todo

aquele vinho no meu estômago está se agitando.

Esta é a primeira vez que viajo com o cavaleiro desde nosso acordo

e ali fora, sem um exército ao nosso redor, meu universo parece muito

pequeno. É grande o suficiente para me segurar, Guerra e esse

sentimento desconfortável que aumenta toda vez que estamos juntos.

O cavaleiro volta para mim e estende a mão. — Venha esposa. É

tarde e quero sentir sua carne quente contra a minha.

Esse mesmo sentimento desconfortável aumenta. Neste momento

é tontura e uma emoção que vem por ceder ao cavaleiro. Nós somos

tudo ou nada, inimigos ou amantes. É vertiginoso. Nossos corpos se

dão muito melhor que nossas bocas.

Eu pego a mão de Guerra e deixo que ele me leve até o catre que

nos fez. Há apenas uma cama esta noite. Meu estomago aperta com a

visão.
O cavaleiro me puxa para perto, suas mãos vão para meu cabelo

escuro enquanto ele se inclina e me beija. E o beijo é tudo o que preciso

para me abrir.

Ignorei todo o meu desejo por ele durante o longo dia, mas agora

suspiro quando sua mão pesada se move por meu pescoço e ao longo

da minha clavícula. Minhas mãos encontram seu abdômen e Deus

estava claramente tendencioso quando fez este homem, porque Guerra

é perfeito. Cada crista dura, cada músculo inclinado e borda suave —

perfeito, perfeito, perfeito.

Quando ele me deita, tento não pensar no fato de que sou

obviamente muito não perfeita. Tenho cicatrizes daquele acidente há

muito tempo atrás, tenho cicatrizes de todas as escaramuças nas quais

lutei desde então, tenho cicatrizes de todos os cortes do meu trabalho.

E depois há todas as imperfeições com as quais simplesmente nasci.

Sou grosseira em comparação com este cavaleiro.

Mas quando Guerra me abaixa, tirando minhas roupas, suas mãos

e lábios se movem sobre mim como se eu fosse perfeita. O cavaleiro

desliza entre minhas coxas e enquanto olho para as estrelas, uma

lágrima estúpida e horrível escapa. Porque me sinto tão querida. Tão

querida e perfeita.
Não deveria ser assim. Não deveria.

Mas é.

Depois de nos exaurimos, fico com Guerra em seu catre. Nossa

cama — se for honesta comigo mesma.

Eu não me incomodo em dizer ao cavaleiro que isso parece certo.

Que seu corpo ridículo de alguma forma se encaixa no meu como uma

peça de quebra-cabeça.

Guerra passa os dedos pelo meu cabelo. — Conte-me sobre você.

— Diz ele.

— O que você quer saber? — Pergunto, olhando para ele. Gostaria

de poder ver seu rosto na escuridão.

— O que faz você amar ser humana? Quais são suas coisas

favoritas? Eu quero saber tudo.

— Eu gosto de arte. — Eu digo com cuidado, voltando a olhar para

o céu. — Gosto de transformar lixo em objetos bonitos.

— Você quer dizer suas armas. — Diz ele.

Eu me estico ao longo de seu corpo. Em resposta, Guerra me puxa

para perto dele.


— Foi assim que consegui ganhar dinheiro com a minha arte. — Eu

digo. — Mas sim, minhas armas são parte disso.

— E por que você gosta de arte? — Guerra pergunta.

Eu levanto um ombro. — É catártico para mim. Eu não sei.

— Diga-me outra coisa. — Diz Guerra.

— Eu sinto falta do gosto da Shakshuka da minha mãe. — Admito.

Eu nunca aprendi a cozinhar sua versão exata do prato de café da

manhã picante. Há tantas coisas pequenas e simples como essa das

quais senti falta.

— O que mais?

— Minha irmã Lia queria ser cantora. — Eu sei que Guerra está me

perguntando sobre mim mesma, mas é quem eu sou — uma garota

solitária carregando os fantasmas de sua família. — Eu não sei de onde

ela tirou sua voz. — Continuo. — O restante de nós não pode cantar,

mas ela sim. Costumava cantar quando não conseguia dormir à noite e

eu odiava, dividíamos um quarto. — Acrescento. — Mas então, em

algum momento, tornou-se reconfortante e eu costumava esperar por

suas canções.
Essa foi a pior parte de tudo quando voltei. O silêncio. Havia tantas

noites em que me deitava ali, no meu velho colchão, na cama da minha

irmã em frente à minha e esperava pela música que nunca vinha.

Depois de um tempo, comecei a dormir em sua cama, como se

pudesse de algum modo sugar sua essência de seus lençóis velhos. Isso

nunca funcionou. Nem mesmo quando me mudei para cama da minha

mãe para tentar tirar algum conforto de lá.

— Às vezes crio notas musicais em meus arcos e flechas. — Admito

para Guerra. — Eu nem sei o que as notas significam ou se tem sequer

precisão, mas me lembram de Lia.

O cavaleiro passa a mão pelo meu braço, eu me lembro de quão

íntima é essa situação.

— Você esculpe alguma coisa nas suas armas? — Pergunta ele.

Eu olho para ele novamente. — Por que você quer saber? — Eu

pergunto.

— Quero saber tudo sobre você, esposa. — Diz ele, assim como fez

anteriormente.
Eu respiro fundo. — Eu desenho hamsas. — Eu não posso nem

dizer quantas armas já decorei com a imagem de um olho encaixada na

palma de uma mão.

— Por que hamsas? — Guerra pergunta.

Inconscientemente, alcanço meu bracelete, tocando o pequeno

pingente de metal enquanto me concentro no céu.

— Hamsas são conhecidos entre os judeus como a Mão de Miriam.

— Explico. — Toda vez que meu pai via uma peça de joalheria com um

hamsa, ele comprava para mim, porque era meu nome. — A hamsa

que uso é a última peça de joalheria que tenho dele. Tudo o mais perdi

na última década. Ficarei petrificada no dia em que perdê-la também.

E em homenagem a minha mãe. — Continuo. — Às vezes esculpia uma

espada ou uma espada perfurando um coração em meus arcos. A

espada é em homenagem ao que aprendi de seus livros sobre armas e

o coração... bem, é por razões autoexplicativas. Meu próprio coração

dói agora, revisitando todas as razões pelas quais tanto apreciava

minha família e por que eu tão desesperadamente sinto sua falta.

O cavaleiro fica em silêncio. Ele não lida muito bem com emoções

difíceis como tristeza.


— É estranho ser humano. — Guerra finalmente diz. — Durante

muito tempo, observei como era ser humano, mas nunca senti isso. Não

entendia a verdadeira felicidade de tocar uma mulher, provar comida

ou sentir o sol na minha pele. Sabia disso, mas não entendi até me

tornar homem.

— Há coisas que ainda não entendo. — Diz ele, quase para si

mesmo.

Guerra pode não saber, mas é cativante quando fala assim, como

se tivesse um pé neste mundo um no outro.

— Que tipo de coisas? — Pergunto.

— Perda. — Diz ele. Fica em silêncio por um momento. — É um

dos aspectos mais comuns da guerra, no entanto, nunca experimentei

isso.

— É melhor que nunca faça. — Eu digo, pensando em minha

família mais uma vez.

Perda é uma ferida que nunca cura. Nunca, nunca, nunca. Ela se

espalha e por um tempo você quase pode esquecer que está lá, mas

então algo — um cheiro, um som, uma lembrança — abrirá a ferida


novamente e você será lembrado que não está completo. Que nunca

será totalmente completo novamente.

— Conte-me mais sobre eles. — Diz Guerra. — Sua família.

Minha garganta funciona. Eu não sei se tenho algo em mim para

continuar falando sobre eles. Mas então meus lábios se separam e as

palavras saem.

— Meu pai era o homem mais sábio que conheci. — Digo. — Mas

para ser justa, quando você é criança, os adultos em geral parecem

muito sábios. — Olho para o céu, tentando lembrar mais. — Meu pai

era engraçado, muito, muito engraçado. — Sorrio quando digo isso. —

Ele podia fazê-lo rir, geralmente às suas próprias custas. Tudo bem,

porém, porque zombava de si mesmo o tempo todo também. Era bom

em aparrar as arestas ásperas de todos. E ele era tão... real. Houve

muitas vezes em que conversou comigo como se eu fosse um igual.

Com algumas pessoas, você nunca pode ficar sob a superfície, sabe? —

Eu digo, mesmo que o cavaleiro provavelmente não saiba. — Com meu

pai, sempre podia.

Eu tento manter sua lembrança.


— Eu esqueci sua voz. — Admito. — Essa é a parte mais

aterrorizante de tudo. Não me lembro da maneira como soava. Eu me

lembro de coisas que ele disse, mas não isso.

Ficamos em silêncio por vários segundos. O cavaleiro não diz nada,

apenas acaricia meu cabelo.

— Minha mãe era tranquila, mas forte. Descobri depois que meu

pai morreu quando ela de repente precisou sozinha cuidar de mim e

da minha irmã. Seu amor era uma coisa feroz.

Fico em silêncio.

— O que aconteceu com eles? — Guerra diz.

Eu já contei a ele sobre como meu pai morreu. Quanto a minha mãe

e irmã...

— Houve um acidente.

A água corre em...

Eu toco minha garganta. — Foi aí que consegui essa cicatriz. — Eu

não consigo compartilhar o restante da história.

A mão de Guerra para de acariciar meu cabelo. Depois de um

momento, seus dedos se movem pela coluna da minha garganta.


Param quando chegam à cicatriz. Seu polegar alisa a pele levantada

entre minha clavícula.

Minha própria mão cai da minha garganta e fecho meus olhos

contra a sensação da ponta do seu dedo.

— Sinto muito, esposa. — Diz o cavaleiro. — Seu infortúnio é o

meu ganho.

Minhas sobrancelhas se erguem. Isso é uma coisa tão estranha de

se dizer.

— O que você quer dizer? — Eu pergunto, abrindo meus olhos.

Os lábios de Guerra roçam minha pele quando ele me puxa para

perto. — O dia em que você recebeu essa cicatriz, foi o dia em que se

tornou minha.

Nem todos os lugares parecem terem sido tocados pelo apocalipse.

Há aldeias remotas como a que entramos dois dias depois que o

mundo moderno claramente passou. Estes são os lugares onde os

agricultores ainda tem seu rebanho de gado pelas ruas e os cães são

selvagens, os edifícios tem a mesma arquitetura de barro nos últimos

mil anos.
Essas cidades parecem não ter sentido o impacto do apocalipse e

resistiram muito mais do que a minha cidade.

Guerra e eu entramos na vila de pescadores, que é pouco mais do

que algumas ruas ao lado do Mar Mediterrâneo. Enquanto passamos,

alguns homens sentam-se do lado de fora de suas casas, tomando café

turco e fumando cigarros enrolados à mão.

Olho para eles maravilhada. Guerra e eu passamos por muitas

cidades, mas quase todas já foram visitadas pela morte.

Não está aldeia. As pessoas ali estão aproveitando este dia assim

como fariam com qualquer outro.

— O que você fará com eles? — Eu pergunto, a minha pergunta

pontuada pelo clop dos passos do meu cavalo.

— O que sempre faço, esposa.

Meu estômago aperta com isso. Andar ao lado de Guerra é

subitamente desconfortável.

Estamos atraindo os olhos para nós, quanto mais longe da cidade

chegamos. Percebi quem era Guerra logo depois que o vi pela primeira

vez; me pergunto agora, enquanto as pessoas olham, se estão tendo a

mesma percepção.
Pode ser simplesmente que hoje em dia, ninguém confie em

estranhos, particularmente estranhos com espadas gigantes amarradas

às costas.

— Você não tem que matá-los, sabe. — Eu digo em voz baixa. —

Poderia simplesmente pular este lugar. Apenas isso.

— Minha esposa E seu coração mole. — Diz Guerra. Parece um

elogio genuíno. — Você realmente gostaria disso? Que poupasse essas

pessoas?

Ele está falando sério?

Entendo seus traços impiedosos.

Sim, acho que ele pode ser assim.

— Sim. — Eu digo, mal ousando acreditar.

Guerra me olha por alguns segundos, mantenho o olhar dele,

ignorando a nossa crescente audiência. Logo ele faz um som na parte

de trás da garganta e se concentra na estrada novamente.

Eu não sei o que fazer com isso.


Minhas mãos apertam as rédeas. Estou tão tensa, muito tensa.

Continuo esperando Guerra puxar sua espada, para me dizer que tudo

foi um truque inteligente, mas não o faz.

Passamos pela aldeia e depois a deixamos para trás. Apenas então

solto minha respiração. Não é até que a aldeia esteja completamente

fora de vista, no entanto, que falo.

— Você não os matou. — Eu digo, incrédula.

— Não. — Concorda Guerra. — Eu não fiz. E eles morrerão por

isso.

Sob nossos pés, o chão treme. Demora cerca de um minuto, mas

logo ouço gritos em nossas costas e agora eu sei exatamente o que

aconteceu com aquela aldeia.


Desta vez, quando o acampamento é montado e as tendas sobem,

a minha não está ali, juntamente com o resto das minhas coisas.

Eu sei quem está por trás disso.

Entro na tenda de Guerra. — Onde está? — Eu exijo.

O lugar estava cheio de Cavaleiros Phobos, todos eles inclinados

sobre outro mapa de outra cidade que devastarão. Eles olham para

mim.

Uzair, aquele que me pegou matando seu companheiro em Arish,

franze a testa, enquanto Hussain, o único cavaleiro que foi gentil

comigo, me dá um olhar ilegível.

Mas é a forma sinistra de Guerra que consegue eclipsar todos os

outros. Hoje ele parece particularmente selvagem, com seus braços

armados e peito nu, suas tatuagens vermelhas brilhando no peito.

— Esposa. — O kohl em seus olhos é especialmente grosso e isso o

faz parecer muito diferente.

— Onde está a minha tenda? — Eu exijo.


— Você está de pé nela.

Estreito meu olhar. — Não foi isso que concordamos.

— Eu não negocio com humanos. — Diz Guerra.

Meu olhar percorre a tenda novamente e percebo todos os rostos

dos cavaleiros de Guerra. E de repente eu entendo.

Em Arish, fiz o cavaleiro parecer fraco entre seus homens. Agora

ele está recuperando sua autoridade — às minhas custas.

Nada que eu diga atrapalhará isso. É óbvio por apenas sua

expressão. Qualquer outra coisa que eu diga agora apenas servirá para

me fazer parecer fraca e chorosa, já que estes Cavaleiros parecem ter

uma opinião muito baixa sobre mim.

Dando à Guerra um olhar final e demorado, me viro para sair.

O cavaleiro pode me forçar a viver com ele, mas não pode me

forçar a ficar por perto durante o dia.

—Miriam. — O cavaleiro me chama assim que eu alcanço as abas

da tenda. — Uma última coisa: amanhã, quando formos para batalha,

você estará andando comigo.


Na manhã seguinte acordo com a boca de Guerra deixando beijos

sobre meu ombro. A tenda é pouco iluminada por lâmpadas a óleo.

Nós dois estamos nus e sinto-o duro contra mim.

Seus beijos se movem pelo meu braço.

Por isso que não queria viver com o cavaleiro. Como uma mulher

solitária como eu deveria lutar contra isso? É tudo que ansiava e o

diabo ao meu lado sabe disso.

— Renda-se. — Ele sussurra contra a minha pele.

Eu me estico contra ele. — Renda-se você.

Ele geme, uma mão segurando meu quadril. Por um momento, ele

aperta. Sinto-o colocar a testa contra as minhas costas, sua respiração

pesada. — Eu ficarei muito distraído hoje, imaginando você bem aqui,

contra mim.

Relutantemente, ele se levanta, embora odeio quem ele seja e o fato

de que me forçou a viver ali, agora estou mais chateada por se afastar.

Como lidar com seu coração e cabeça querendo coisas diferentes?

Realmente preciso me controlar.


— Venha, esposa. — Diz Guerra. — É hora de se preparar para

batalha.

O lembrete me entristece. Mais pessoas morrerão hoje. Primeiro foi

Jerusalém, depois Ashdod, logo Arish. Agora, pelos sussurros no ar,

parece que atacaremos Port Said. Esfrego meu rosto, não pronta para

enfrentar outro dia de carnificina.

E do outro lado da tenda, Guerra veste a calça preta e depois a

camisa. A roupa de Guerra é sempre a mesma, está sempre em bom

estado de conservação pela manhã, independentemente de quão

rasgada e sangrenta esteja no dia anterior.

Pego minha própria camisa e calça, que não estão tão limpas e

visto. Eu me sento para amarrar as botas, então começo a vestir minhas

armas, começando com meu arco.

— Por que você continua me deixando montar na batalha? — Eu

pergunto a ele quando termino.

E de sua perspectiva, não vejo nenhum motivo para me deixar

continuar participando da luta.


O cavaleiro olha para mim de onde está amarrando vestindo sua

armadura de couro. — Por que, de fato? — Ele reflete. — Prefere que a

amarre em nossa cama como o marido amoroso que sou?

— Apenas se ficar comigo. — Respondo rapidamente. Estou

falando sério. E se pudesse manter Guerra longe da batalha... mas não,

seu exército e seus mortos apenas matariam por ele.

Seus olhos se aquecem com isso.

— Você foi feita para me tentar, esposa. — Diz ele.

O cavaleiro termina de amarrar uma braçadeira e se move para a

outra. — Você me disse que devemos respeitar um ao outro em um

casamento.

Sim. Estou surpresa que ele se lembre.

— Você quer lutar. Este sou eu, respeitando seus desejos.

Esta é a versão de respeito de Guerra? Quase rio do absurdo disso.

Ele me forçou a dormir em sua tenda — quer dizer, porra, porra — mas

ainda permitirá que lute em uma batalha que poderia me matar,

porque essa é a coisa de marido para fazer?

Para ser honesta, parece muito com a lógica dos cavaleiros.


— Além disso. — Acrescenta Guerra, inconsciente de meus

próprios pensamentos. — Você mata humanos.

— Não os que você quer morto. — Argumento, fixando minha

adaga ao meu lado.

— Quero todos mortos. — Diz ele. — Você está fazendo o meu

trabalho mais fácil.

Eu fico olhando para ele por alguns segundos e é como se uma

granada explodisse em minha mente. Estou ajudando a causa dele.

Cada pessoa que mato é uma pessoa a menos que vive na terra.

Todos os pensamentos de respeito se dissolvem quando um tipo

agudo de devastação afunda. Balanço um pouco sobre meus pés e por

um momento, acho que ficarei doente.

Presumi que estivesse realmente fazendo algo útil.

Guerra termina de colocar sua armadura e vem em minha direção.

E do lado de fora da tenda, ouço alguns passos abafados enquanto os

soldados saem silenciosamente de suas tendas, preparando-se para um

dia de luta.

— Pronta? — Ele pergunta.


Quase digo não. Ainda estou me recuperando dessa revelação. A

última coisa que quero agora é matar mais pessoas.

Mas então me lembro daqueles soldados que usaram seus ataques

como uma oportunidade para estuprar mulheres ou cometer outras

atrocidades. Alguém ainda precisa mantê-los na linha — as palavras

de Guerra voltam para mim.

Aceno para o cavaleiro e juntos saímos da tenda.

Desta vez, cavalgar com Guerra não parece nada reconfortante. O

cavaleiro me mantém perto, mas se sente distante. Eu tenho uma

suspeita horrível de que está levando sua mente para aquele lugar

onde ele mata.

A cidade passa a existir em etapas — primeiro com alguns prédios

decrépitos, depois vários outros, logo a cidade se enche rapidamente.

Port Said se ergue contra o Mar Mediterrâneo, cada quilômetro

quadrado de área construída de prédio após prédio. Nesta hora

adiantada, a cidade está quieta, terrivelmente quieta.

Meu peito se contrai. Apenas agora estou começando a perceber o

que realmente significa estar na frente do exército de Guerra. Apenas

via a batalha depois que começava. Nunca vi o início dela. E agora


estou tendo visões de Guerra invadindo casas e matando pessoas em

suas próprias camas.

— Eu preciso me afastar. — Sussurro.

E se qualquer coisa, o braço de Guerra me aperta.

— Eu preciso me afastar. — Digo mais alto.

O cavaleiro me ignora completamente, mas quando começo a lutar,

o aperto dele se torna inflexível. Poderia muito estar presa por uma

faixa de aço.

Guerra faz um barulho de clique com a língua e Deimos começa a

acelerar até que estamos avançando a galope. Meu cabelo castanho

escuro está chicoteando atrás de mim e a adaga no meu quadril está

batendo na minha coxa uma e outra vez.

— O que você está fazendo? — Eu mal pergunto, quando vejo

algumas figuras saindo da escuridão, armas em suas mãos enquanto

olhavam para nós. Demora um pouco mais para notar os uniformes na

escuridão.

Militares egípcios.
Um deles encaixa uma flecha no arco, apontando para nós. — Pare

e se mostre. — Ele ordena. O outro soldado ao lado dele também

levanta o arco.

Guerra chega às suas costas, ouço o zumbido sinistro quando ele

puxa sua espada de sua bainha.

— Não, Guerra. — Eu digo, olhando para os homens quando

começam a gritar. — Por favor, não faça isso.

Ele me ignora.

No instante seguinte, uma flecha vem zumbindo pelo meu rosto,

tão perto que ouço o silvo dele cortando o ar.

Enquanto isso, Guerra continua galopando, indo direto para os

homens uniformizados. Ele se inclina para o lado de sua sela, sua

enorme espada agarrada em sua mão. Outra flecha zumbe, está

acertando o cavaleiro no peito. Seguro a respiração.

E então Guerra está sobre os homens. Ele balança sua espada,

cortando um soldado como se estivesse espantando uma mosca.

Engulo meu grito, mesmo quando sinto algumas gotas de sangue me

atingirem.
O outro soldado egípcio se vira e corre, gritando a pleno pulmões:

— O cavaleiro está aqui! Guerra está aqui!

Eu luto contra o Senhor da Guerra mais uma vez, tentando fugir.

— Pare com isso, Miriam. — Ele ordena.

Hum, foda-se isso.

— E se eu a soltar agora, os civis atacarão, assim como meus

cavaleiros, se eles não a reconhecerem.

Isso fazia sentido. Quer dizer, quando você está na frente do

exército entrando em uma cidade para atacar, a única pessoa que

precisa evitar matar é o próprio cavaleiro. Todo mundo é um jogo justo.

Guerra abate outro soldado, cortando sua cabeça.

Ele não para. Não o fará nunca.

Começo a lutar com ele com mais força, mesmo quando ouço o

grito dentro da cidade e mais homens uniformizados vêm correndo em

nossa direção.

— Miriam.

— Deixe-me ir.
Ele não quer, posso sentir isso em seu aperto teimoso.

Especialmente não agora, quando as pessoas estão começando a sair

de suas casas e a unidade militar egípcia está se mobilizando.

— Droga, Miriam. — Ele embainha sua espada. — Eu não posso

protegê-la se lutar comigo.

Eu giro. — Você não pode me proteger agora mesmo. — Como se

para enunciar o meu ponto, outra flecha passa zunindo.

Seus olhos se arregalam um pouco quando percebe provavelmente

pela primeira vez que sim, posso estar certa.

— Você não pode ter a mim e sua preciosa batalha. — Eu digo.

Sua mandíbula flexiona, seus olhos tempestuosos. Atrás de nós,

ouço um tipo de uivo sobrenatural surgir.

Olho por cima do ombro de Guerra a tempo de ver seus Cavaleiros

Phobos cavalgando na cidade, gritando e uivando como animais

enquanto descem.

O cavaleiro olha para trás, seguindo o meu olhar, uso a distração

para me afastar dele.


— Esposa! — Ele grita atrás de mim. Escorrego de Deimos e me

afasto, na escuridão.

Não olho para trás, mas posso ouvir o barulho das flechas e depois

o som da Guerra desembainhando sua espada novamente.

— Miriam!

Agora as pessoas estão começando a sair de suas casas e os gritos

estão aumentando. Os Phobos trovejam pela rua, seus uivos se

tornando quase ensurdecedores e preciso me abaixar para não ser

atacada por um cavaleiro empunhando um machado.

— Miriam! — A voz de Guerra soa novamente, mas não me atrevo

a desviar o olhar da luta para olhá-lo.

Outro Cavaleiro Phobos me ataca, se afastando do grupo para me

caçar. Rapidamente, pego uma flecha. Eu libero a corda, deixando a

flecha voar. Erra o alvo, mas perfura a carne de sua montaria. Enquanto

observo, o cavalo recua e o homem cai.

Minha mão coça para pegar outra flecha e acabar com o soldado.

Você está facilitando meu trabalho.

Amaldiçoo sob a minha respiração e corro.


Encontre os aviários.

E se puder chegar lá, talvez possa pelo menos fazer algum bem.

Ao meu redor, dezenas de flechas flamejantes estão cruzando o

céu. Nunca pensei que cidades como Jerusalém ou está pudessem

arder. Não há nada tão obviamente inflamável sobre eles. Mas agora

que esta cidade está pegando fogo, noto que há toldos de lona, linhas

de roupas e cortinas, arbustos e carrinhos de madeira, baias e tantas

outras coisas inflamáveis que podem pegar fogo. E enquanto eu corro.

As pessoas estão começando a encher as ruas enquanto tentam

escapar. As crianças estão chorando — porra, homens e mulheres

adultos estão chorando — as famílias estão fugindo e é isso, todos sem

esperança.

Quase chego ao aviário. Os pássaros não estão fazendo muito

barulho e tudo nas ruas está abafando quaisquer sons. Corro para

dentro e quase sou decapitada por um homem de meia-idade com um

machado.
Eu recuo bem a tempo de evitar a lâmina, por pouco.

— Eu não estou aqui para machucá-lo! — Eu digo.

Ele agarra sua arma com mais força. — Você parece comigo.

Eu não pensei no fato de parecer o inimigo. — Eu quero mandar

uma mensagem.

O homem leva o braço para trás, a lâmina do machado brilhando.

— Aposto que sim, sua imunda mentirosa. Saia do meu prédio. Agora.

— Guerra pode ressuscitar os mortos. — Eu saio correndo. — Você

sabia disso?

— Saia. — O homem diz novamente.

— Ele tem um exército, mas usa seus mortos para matar todo

mundo. — Eu saio correndo. — É por isso que ninguém soube que ele

viria.

Atrás do homem, vejo uma mulher mais velha tremendo ainda em

suas roupas de noite. Provavelmente sua esposa.

— Por favor. — Eu imploro, olhando para ela. Os sons já estão

ficando mais altos à medida que o exército invade o lado de fora e os

pássaros engaiolados começam a parecer agitados, tremulando e


depois reassentando suas asas. — Precisa avisar outras cidades. Não

há muito tempo.

— Por que deveria acreditar em você? — O homem diz, chamando

minha atenção de volta para ele.

— Porque eu já vi isso.

Ele ainda não parece convencido.

— Olha, se quisesse machucá-lo, não tentaria argumentar com

você. E se pudermos enviar uma mensagem, podemos alertar outras

cidades. — E talvez eles tenham tempo para evacuar antes que o

exército de Guerra chegue.

A mulher nos fundos do prédio se aproxima de seu marido. —

Ouça a garota.

O homem parece atormentado. — Ela está lutando com o cavaleiro.

— Ele objetou.

— E se não enviar a mensagem, eu o farei. — Diz sua esposa, com

fogo em seus olhos.

Eu sinto minha garganta entupir. Esta é a parte da humanidade da

qual senti falta. Bravura em face da morte.


Bufando, o homem se dirige para uma mesa sob a janela principal

da loja. — O que você quer que eu escreva? — Ele pergunta,

descontente.

Eu me viro para encarar a porta, puxando uma flecha, preparada

para defender este lugar enquanto puder

Eu respiro fundo. — Guerra está chegando. — Começo. — O

cavaleiro tem um exército de pelo menos cinco mil homens e está

viajando pela costa de Israel. — Continuo. — Ele pode ressuscitar os

mortos e sua patrulha morta em todas as cidades que invadiu,

procurando matar qualquer sobrevivente.

A porta do aviário se abre e instintivamente, solto a flecha. Acertei

o soldado bem entre os olhos. A mulher grita, recuando um pouco.

Eu faço uma careta, mas coloco outra flecha, apontando a arma

para o chão enquanto estendo a mão e tranco a porta.

Eu chamo para o homem. — Port Said já está caindo enquanto

escrevo isso. — Digo, ditando a nota. — Avise todos que puderem.

Uma pedra cai pela janela, errando por pouco o dono do aviário.

Ele grita, soltando a caneta quando a rocha bate na gigantesca gaiola

atrás dele, assustando os pássaros.


Sua esposa corre até ele, pegando algumas das folhas finas de

papel e puxando-o para longe da janela. Enquanto eu assisto, ela pega

uma caneta e começa a escrever a mensagem.

Meu coração está batendo tão alto que posso ouvir.

Isso não funcionará.

A luta está do lado de fora. Posso ouvir outras casas sendo

invadidas, outras famílias gritando por suas vidas. O pior de tudo são

aqueles gritos que de repente cortam. Tantas pessoas inocentes estão

sendo massacradas e por trás de toda essa carnificina está Guerra.

A porta balança quando alguém tenta entrar. Para de sacudir um

segundo depois, mas logo vejo o rosto de um homem na janela, uma

espada na mão.

Aponto a flecha no rosto dele. — Siga em frente, a menos que você

queira morrer.

Sem outra palavra, o soldado se afasta. Solto um suspiro. Até

agora, tive sorte, mas é apenas uma questão de tempo até que minha

sorte acabe.

O homem entra na gaiola de pássaros comunal atrás de sua mesa.

Enrolando a nota, a coloca em um pequeno cilindro nas costas de um


dos pombos. Assim que terminar de anexar a mensagem, leva o

pássaro para a parte de trás do prédio e abre a porta.

Um soldado está esperando por ele.

Tudo que ouço é um bater de asas e um som sufocante. Então o

homem cai e o pássaro assustado se eleva ao céu.

Sua esposa grita, deixando a caneta e o papel para correr até ele.

Não, não, não.

Eu levanto meu arco e flecha, mas antes que possa dar um tiro

limpo no soldado, ouço o barulho de uma flecha e vejo seu corpo

recuar. Outra flecha segue.

A mulher correu para o marido quando o viu morto. Correu para

ele. Guerra pensa que os seres humanos são o flagelo da terra, mas há

algo tão poderoso quanto a maneira que amamos?

Assim que ela cai, vejo a mulher que atirou nela.

Solto minha própria flecha e ela prende o soldado no ombro. Com

um grito, sai cambaleando pela porta de trás e agora estou andando

pelo aviário, recarregando.


Não posso olhar para o casal caído que passou os minutos finais

tentando transmitir minha mensagem.

Lá fora, o soldado está tentando tirar minha flecha de sua carne. Eu

atiro novamente, desta vez na perna.

Ela grita, meio de dor e meio com raiva. — Que porra você está

fazendo? — Ela acusa, claramente me reconhecendo.

Eu me inclino sobre ela e agarro as flechas de sua aljava,

adicionando-as as minhas. Apenas no caso de precisar.

— Estou tentando salvar a humanidade, idiota.

Com isso volto para dentro e chuto a porta.

Morrerei hoje.

Esse pensamento passou pela minha cabeça durante praticamente

todas as batalhas, mas hoje isso se instala em mim com uma certeza

fria. Uma parte macabra quer saber o que Guerra pensaria sobre isso.

Ele parece se importar muito com o meu bem-estar, mas não me ama,

não se importa com a morte e me trouxe para a batalha mais uma vez,

apesar do quão perigoso é.

Lamentaria?
Sim, eu acho.

Volto para a mesa e pego as mensagens rabiscadas de onde estão.

Entre o marido e a esposa, conseguiram escrever mais duas. Eu pego e

as dobro, enfiando-as em tubos presos na parte de trás dos dois

primeiros pombos que alcanço. Agarrando os pássaros perto, corro de

volta para fora.

A soldado no qual atirei ainda está lá, encostada na parede,

tentando tirar minhas flechas.

— O que você está fazendo é inútil. — Ela bufa, me observando

enquanto trabalha.

— Sim. — Eu digo, olhando seus esforços fúteis para remover as

pontas de flecha.

Eu libero os pássaros, observando-os subir no ar da manhã. Eu não

demoro o suficiente para ver se saem ou não da cidade. Acho que isso

poderia esmagar o último pedaço da minha esperança se os vir cair.

Volto para dentro. Há mais cinco pássaros na gaiola. Entre três

pessoas, apenas conseguimos libertar três aves.

Pego a caneta e o papel de onde a mulher os deixou, começo a

rabiscar a mesma mensagem que instruí o casal a escrever.


É uma sensação estranha, lutar contra o cavaleiro — lutar contra o

próprio Deus, aparentemente. É neste momento que as pessoas rezam.

Em vez disso, estou tentando sabotar os esforços de Guerra. Eu não sei

onde isso me coloca na escala do bem ao mal. Sempre assumi que bom

era sinônimo de Deus. Eu não sei agora. Mas isso parece certo. Preciso

assumir que vale alguma coisa.

Milagrosamente consegui levar mais dois pássaros com mensagens

antes de um Cavaleiro Phobos pular pela janela.

Nossos olhos se encontram e um raio de reconhecimento passa por

mim.

Uzair, o homem que me pegou espionando Guerra e matando

outro Cavaleiro Phobos.

— Você. — Diz ele. Caminha em minha direção.

Meu arco está descansando sobre meu ombro e minha adaga ainda

está no coldre. Antes que possa alcançar, Uzair me agarra pelo cabelo

e me puxa para frente. Tropeço, grunhindo quando um pedaço de

cabelo se solta. Minhas mãos vão para a cabeça, meus olhos picam pela

pressão cega no meu couro cabeludo.

— O que você está fazendo? — Exijo. Mas eu já sei.


Isto é sobre o Cavaleiro Phobos que matei em Arish. Também pode

ser sobre o segundo Cavaleiro que Guerra matou, aquele que o

desafiou quando me tirou da fila de traidores.

Sem me responder, Uzair me arrasta para fora, onde a fumaça de

vários prédios em chamas agora obscurece a luz da manhã. Sabia que

tinha uma relação complicada com os Phobos de Guerra, mas não

percebi que era tão ruim assim. Afinal, são implacavelmente devotados

ao seu líder.

Acho que essa devoção não se estende a mim.

Hussain avisou para vigiar minhas costas. Apenas não ouvi com

atenção suficiente.

Uzair me joga na rua. Quando chego ao chão, ouço uma rachadura

de madeira ameaçadora vindo de uma das minhas armas.

Por favor, deixe que seja uma das minhas flechas. Qualquer coisa, menos

uma tábua.

— Levante-se, sua cadela imunda. — Exige Uzair.

Apertando meus dentes, fico de pé.


— Comendo nossa comida, dormindo em nosso acampamento. —

Diz ele, vindo em minha direção. — Chupando o pau do Senhor da

Guerra.

Ele se aproxima e, puxando o punho para trás, balança. Eu tropeço

para fora do caminho, mal conseguindo evitar o golpe.

— Apenas porque Guerra não o deixa chupar seu pau, não

significa que você precisa ter ciúmes. — Estou provocando. Não me

importo.

O Cavaleiro Phobos vem até mim novamente. Balançando uma,

duas, três vezes. Eu evito os golpes — cada um pela largura de um fio

de cabelo.

— Esperava encontrá-la. — Diz ele. — Pensei que você seria

inteligente o suficiente para ficar longe da luta. É tão fácil morrer aqui.

Seu significado é claro: é tão fácil fazê-la desaparecer.

E isso realmente é. As pessoas não prestam muita atenção. Todo

mundo está ocupado matando ou salvando a si mesmo. Foi uma

péssima sorte que esse homem me pegou matando seu companheiro

durante a última batalha.

Pego o punhal de Guerra e o desembainho.


Uzair sorri com a visão. Ele puxa sua própria espada, que é muito

maior e mais longa.

Porra.

Na luta, como no sexo, o maior tende a ser melhor.

Nunca ganharei assim.

Meus olhos percorrem a rua — os combatentes e a carnificina. Ao

longe, vejo Guerra. Ele é difícil de perder em seu corcel vermelho. Mas

tão longe que pode não me reconhecer com a roupa empoeirada. Sou

apenas outro civil prestes a morrer.

Minha atenção retorna para Uzair, que está se aproximando de

mim novamente.

Corra!

Eu me viro e saio na direção oposta.

— Maldita covarde! — Eu o ouço gritar, seguido pelo som dele

embainhando sua espada. — Volte!

É bom demais esperar que Uzair me deixe ir. Quer dizer, espero

isso, mas não fico surpresa quando ouço seus passos pesados atrás de

mim.
Se ele me pegar, o jogo acaba. É um lutador melhor e tem uma arma

melhor e um alcance mais longo. E sem dúvida, tem muito mais prática

do que eu em matar.

Bombeio meus braços e pernas, correndo em direção a Guerra,

mesmo que ele esteja longe. Muito longe.

À minha direita estão vários edifícios em chamas. Tomando uma

decisão rápida, corro para o mais próximo, passando pela porta aberta.

Lá dentro, o ar está embaçado pela fumaça, mas vejo as escadas no

mesmo instante em que ouço Uzair se aproximando atrás de mim.

Corro para a escada, tossindo enquanto respiro a fumaça.

— Você não fugirá! — Uzair diz atrás de mim. — Hoje não. Nosso

Senhor da Guerra não pode salvá-la aqui!

Eu subo as escadas de dois em dois. Quando esse imbecil desistirá?

Assim que chego ao segundo andar, cambaleio um pouco com a

visão que encontro. O corredor se estende na minha frente e a

extremidade mais distante está em chamas, espessas colunas de

fumaça saindo das chamas.

Esta foi uma má ideia.


Vou para frente de qualquer maneira. Enquanto Uzair não desistir

da perseguição, preciso continuar correndo. Olho a fumaça espessa e o

calor escaldante; mal posso ver onde estou indo.

Atrás de mim, ouço os passos persistentes do Cavaleiro Phobos.

Porra.

Corra, corra, corra!

Eu fujo pelo corredor, onde o fogo é pior. Não sei o que estou

fazendo. No momento em que percebo que posso pular de uma janela,

passo pelos quartos ainda intactos o suficiente para fazê-lo.

Não ouço o assobio metálico da espada de Uzair quando ele a

desembainha atrás de mim, mas sinto a ponta dela pegando a parte de

trás do meu pescoço quando ele balança, a lâmina cortando minha pele

e soltando um pedaço do meu cabelo.

Eu tropeço, caindo no chão, meu tremor se espalhando. O chão está

quente ao toque.

Ele tentou me decapitar!


Posso sentir meu sangue escorrendo pela parte de trás do meu

pescoço, o calor evaporando a maior parte. Os quartos à minha

esquerda, à minha direita e à minha frente estão todos em chamas.

Presa.

Eu viro de costas quando Uzair aparece sobre mim, engolindo meu

medo crescente. Ainda tenho minha adaga na mão, mas é quase inútil

neste momento.

Este é o meu fim.

Esposa. Eu quase posso ouvir a voz do cavaleiro na minha cabeça.

Não morra agora.

— Guerra não o perdoará por isso. — Eu digo. Esta pode ser a

primeira vez que reconheço abertamente o que acho que significo para

o cavaleiro.

— Ele não saberá que fui eu. — Uzair responde.

Suponho que não. Guerra pode não encontrar meu corpo. O

pensamento faz meu pulso acelerar. Não sei por que isso me incomoda,

mas o faz.
Respiro fundo e olho para o Cavaleiro Phobos, meus antebraços

apoiados no chão escaldante.

Uzair puxa a espada para trás, a lâmina já cheia de sangue.

Ele balança para baixo, apontando para meu pescoço, seu ataque

controlado. Eu vejo aquela lâmina cair e quase deixo que me acerte.

Não estou pronta.

Há coisas que não disse a Guerra, coisas que não fiz e coisas que

ainda nem admiti para mim mesma.

Rodo longe, mal evitando o golpe.

O Cavaleiro Phobos volta a me encarar e dessa vez, a borda de sua

lâmina abre meu braço e percorre meu peito. Porra, dói como uma

cadela.

Levanto a bota e chuto o pulso de Uzair. O impacto retira a arma

de sua mão e a espada cai no chão.

Ele estende a mão, curvando-se dentro da faixa de alcance. É

quando ataco. Mergulho minha adaga no pescoço do cavaleiro,

fazendo uma careta quando o sangue dele jorra como uma fonte.
Ele olha para mim furioso, como se isso não devesse acontecer. Eu

era apenas uma mulher indefesa e derrotada.

Uzair cai para frente, ao meu lado. No momento em que seu corpo

atinge o chão, está quase morto. Eu puxo minha adaga de sua garganta

e me levanto.

Preciso me mover. As paredes estão em chamas e o chão está

ficando insuportavelmente quente, mesmo através das solas das

minhas botas.

Agora que a luta acabou, me movo devagar, meus músculos estão

pesados. Respiro fundo várias vezes, mas não consigo respirar o

suficiente. Em vez disso, a fumaça queima meus pulmões.

Apenas dou alguns passos para frente quando, à minha frente,

parte do teto desmorona, me entrincheirando e transformando minha

única saída em uma parede espessa de fogo.

Meu estômago revira.

Deveria ter deixado Uzair me matar. Seria uma morte melhor do

que a que terei. Entrei na minha própria sepultura, entrando neste

prédio.
As chamas escorrem pelas paredes como um rio laranja selvagem.

Eu cubro minha boca com a camisa e olho contra a escuridão

esfumaçada.

Não posso ver, não posso respirar.

Tropeço em direção à obstrução, mesmo quando mais do teto cai

ao meu redor. Estou começando a desmaiar de toda a inalação de

fumaça.

Este é o fim.

Boom!

Uma sombra explode através dos destroços, as chamas lambendo

seus lados. E da escuridão, vejo uma forma de sangue vermelho— o

cavalo de Guerra, percebo. Deimos galopa em minha direção.

Meus olhos se movem para cima e encontro o olhar violento e

turbulento do próprio cavaleiro. Seus olhos ardem mais que o fogo —

e sua expressão! Como se o próprio céu não pudesse impedi-lo.

Guerra balança no cavalo e corre em minha direção. Quando se

aproxima do meu lado, o cavaleiro me levanta, suas mãos esfriam

minha pele queimada.


— O que você estava pensando? — Seu grito ressoa acima do

rugido do fogo.

Eu toco seu rosto, minha respiração se esgotou. Meus pulmões

estão em chamas e não consigo respirar. A única coisa que me mantém

acordada é a expressão de pânico de Guerra e seu aperto em mim.

— Você poderia ter morrido! — Ele diz.

E então ele me beija.

Ele assola minha boca como se fosse uma cidade que está prestes a

destruir. Seus lábios se separam dos meus, então o gosto dele enche

minha boca.

É como saborear o céu e o inferno, a terra e a morte, todas as coisas

para as quais não há nomes.

Isso não parece com todos nossos outros toques, aqueles em que

devemos um ao outro algo. O corpo massivo de Guerra treme de raiva,

necessidade e desejo. Quer, quer, quer e quer

Acho que estou fraca de alívio e luxúria — isso e o ar que escurece

deve ser o culpado pelos pontos negros que obscurecem minha visão.

Mas então sinto minhas pernas cederem, logo não sinto absolutamente

nada.
Não me lembro de Guerra me pegando, não me lembro de

montarmos seu corcel. Mas acordei a tempo de nos ver passar pelo

prédio em chamas.

A mão do cavaleiro está sob a minha camisa, a palma da mão

aninhada entre meus seios. Mesmo agora, quando ainda estamos em

perigo, ele está decidido a me curar.

O teto e as paredes estão caindo ao nosso redor como lágrimas e

mesmo assim Deimos permanece firme, mesmo quando as brasas caem

em sua crina escura. Eu as afasto, embora até mesmo essa pequena ação

faça minha visão escurecer.

Nós descemos a escada, o empurrão me fazendo tossir até ficar sem

fôlego.

Não há mudança gradual da escuridão para luz. Em um momento,

estamos dentro do prédio enfumaçado, no outro, estamos do lado de

fora, com a luz do dia brilhando ao nosso redor. Eu mal posso ver o sol

através da névoa ardente da cidade, mas ainda assim a visão dele —

brilhante e sangrenta — faz um soluço escapar de mim.


O cavaleiro me puxa com mais força contra ele.

— Eu pensei que morreria. — Digo a ele, minha voz rouca. Tinha

certeza disso.

Guerra olha para mim com seus olhos terríveis. — Não hoje,

esposa. — Ele promete. — Nunca.

Embora a batalha continue, Guerra sai da cidade, me segurando

em seu peito.

Não tenho certeza do que fazer com a situação, apenas que algo

mudou entre nós. Meu corpo ainda está tremendo da batalha e estou

muito cansada.

Eu balanço um pouco na sela, apenas lembrando daquela luta final.

A mordida de aço, o sopro do fogo, a fumaça enchendo meus pulmões

— tusso com a lembrança e quando começo, não consigo parar. Eu

tusso e tusso. Meu corpo inteiro treme com o esforço e minha visão de

nuvens.

— Fique comigo, esposa. — Ordena Guerra. Há tanta autoridade

em sua voz que forço meus olhos a se abrirem. Eu não percebi que os

fechei...
Outro ataque de tosse aperta meu peito. O ar está seco e minha

garganta está seca, não estou tomando oxigênio suficiente.

Sinto mais do que vejo os olhos de Guerra em mim desta vez. Ele

amaldiçoa sob sua respiração, depois afasta a mão de debaixo da minha

camisa — apenas para envolvê-la na minha garganta.

Por um momento, entro em pânico. Estava na batalha depois de

tudo. Ter uma mão em sua garganta deve significar que será sufocado.

Mas este é Guerra, Guerra, que insistiu apenas alguns momentos atrás

que eu não morreria.

E seu toque é tão gentil — quase reconfortante. Meus olhos se

fecham e solto um suspiro trêmulo, inclinando-me para ele. Coloca um

beijo em minha têmpora e nós dois cavalgamos assim.

Seja qual for o poder que o cavaleiro exerça, é tão sutil que não

sinto a princípio. Mas quanto mais andamos e quanto mais tempo sua

mão calejada pressiona minha garganta, menos preciso tossir.

Quando chegamos ao acampamento, as pessoas nos observam com

expressões assustadas. Guerra e eu não deveríamos estar de volta. O

cavaleiro cruza nosso acampamento, avançando até chegarmos a sua

tenda.
Guerra pula de seu corcel e me agarra pela cintura. Ele me puxa

para baixo e em seus braços. Então seus lábios pecaminosos estão de

volta aos meus, quentes e exigentes. Eu me perco no gosto dele quando

me pega e começa a me carregar. Ouço o farfalhar de lona, então

Guerra está me colocando de pé dentro de sua tenda.

Ele olha para mim e as coisas são diferentes.

Ele é diferente. A violência que carrega como um manto se foi. Meu

cavaleiro parece... humano.

Sem afastar o olhar, Guerra remove toda sua armadura, então

todas as suas roupas, sua expressão é séria.

Ele vem até mim e agora é a minha vez. Suas mãos são hábeis

quando tira minha camisa, depois a calça. Fico ali parada. Nós nos

despimos dezenas de vezes, mas não assim. Não com o cavalheiro me

olhando com tanta vida em seus olhos.

Quando estou nua, ele nos abaixa para cama. Estou suja e

ensanguentada, fraca de fadiga. Isso não muda nada.

Mas quando ele pressiona meu corpo ao dele, não há nada sobre

isso que pareça sexual. Íntimo — sim — mas não sexual.


Eu respiro fundo, meus olhos indo para os de Guerra. — O que

estamos fazendo?

— Você quase morreu. — Ele responde. Há algo selvagem nas

feições do cavaleiro. Ele levanta uma mão trêmula e coloca uma mecha

do meu cabelo castanho atrás da minha orelha. — E seu não tivesse

aparecido... — Ao invés de terminar a frase, ele me puxa, pressionando

um beijo nos meus lábios, como se para ter certeza de que ainda estou

realmente viva.

— Não é por isso que você está aqui? — Pergunto baixinho,

quando o beijo termina. — Todos nós devemos morrer. — Minha

garganta queima enquanto falo.

— Nem todo mundo, não você.

Minhas pálpebras estão pesadas.

Estou tão cansada. Muito mesmo. Seja exaustão da batalha,

inalação de fumaça, perda de sangue ou magia de cura de Guerra, meu

corpo está exigindo o sono.

— Ainda sou humana. — Murmuro. Sempre serei parte do

problema aos olhos do cavaleiro.


— Sim. — Diz Guerra. — Você é dolorosamente humana. Seus

ossos podem quebrar, sua pele sangrar, seu coração parar. E pela

primeira vez, estou desesperado para nada disso acontecer. Nunca

conheci o verdadeiro medo até agora.

A fala é tão crua, tão cortante, que me afasto dele um pouco, apenas

para ver sua expressão.

O cavaleiro me curou uma vez antes, logo depois de ser atacada.

Estava tão perto da morte então. Mas mesmo com toda a preocupação

de Guerra, ele não agiu assim. Seja qual for o coração gelado que

recebeu quando veio à Terra, está começando a descongelar pouco a

pouco. E agora estou tendo um vislumbre do verdadeiro homem por

baixo.

Levanto a mão e traço seus lábios. — Você não é como parece. —

Respiro, quase adormecendo.

Guerra beija a ponta do meu dedo. — Você nunca foi.

Com essas palavras finais soando em meus ouvidos, eu caio no

sono.
Acordo com a pressão das pontas dos dedos. Eles percorrem

minhas costas, cada um sentindo-se seguro e firme. O toque é tão

agradável, tão inesperado, que me arqueio nele.

Há uma linguagem para gestos. Este transmite uma emoção única

Amada.

Aperto meus olhos com força, algo espesso em minha garganta.

Passou-se... muito tempo desde que me senti assim. E com um

homem, nunca foi assim.

Eu me afasto quando lembro do homem por trás do toque.

Guerra.

Mas mesmo com ele, isso é novo. Quando fui atacada na minha

tenda, ele me tocou com cuidado e desde o acordo que fizemos, me

tocou com desejo e carinho. Isso, no entanto, parece muito...

Eu não consigo nem pensar na palavra. Toda a ideia é muito

assustadora — e impossível.

As pontas dos dedos do cavaleiro deixam minha carne. Um

momento depois, sinto a pressão quente de seus lábios nas minhas

costas.
É demais. Meu coração parece explodir.

Eu viro e meu olhar e encontro Guerra. Seus olhos são suaves e

profundos.

Ele acaricia meu cabelo. — Por milênios ansiei por isso. — Conexão

humana, ele quer dizer. — Há milênios, está fora do meu alcance.

Até agora.

Meu pulso está acelerando. Ainda estou nua debaixo dos lençóis

de Guerra e com o cavaleiro tão perto, estou tão ciente desse fato.

Excitação e medo estão se misturando.

Coloco uma mão contra sua bochecha esculpida. Guerra vira a

cabeça, seus lábios deixando um beijo contra minha palma.

Agora é a minha vez de ser gentil com ele. Eu vi o cavaleiro lascivo,

irritado, determinado, vicioso. Ver este lado amoroso dele muda

completamente cada uma das minhas respostas.

— Você me desfaz. — Diz Guerra com voz rouca.

Meu estômago se agita com suas palavras. Um cheiro pútrido lá

fora corta brevemente meus pensamentos suaves.

Deus, o que é esse fedor? Não sou eu, verdade?


— O que aconteceu, Miriam? — Guerra pergunta, chamando

minha atenção de volta para ele.

Suas feições se aguçaram e ele volta a se parecer com uma criatura

que caça humanos.

Ele quer saber. Sobre por que eu estava em um prédio em chamas,

um Cavaleiro Phobos aos meus pés.

Eu engulo. Minha garganta ainda dói e falar apenas piora. — Uzair

tentou me matar.

O cavaleiro xinga baixinho. — Meus Cavaleiros são os piores de

sua espécie. Eficazes, mas totalmente desprovidos de compaixão.

Quem é esse homem que fala de compaixão e o que fez com

Guerra?

— E você derrotou um deles em combate. — Continua o cavaleiro.

Ele parece quase... impressionado. Guerra inclina a cabeça para beijar

meu pescoço novamente. — Espero que você tenha feito a morte de

Uzair lenta e dolorosa.

Passo meus dedos pelo seu cabelo preto. — Isso é uma coisa muito

pequena para um mensageiro de Deus dizer.


Ele pressiona seus lábios contra minha pele e minha mão aperta

seus cabelos grossos, segurando-o perto de mim.

— Até nós cavaleiros temos nossos momentos.

Eu realmente rio disso. Em resposta, ele sorri contra meu pescoço.

Eu sinto esse sorriso em todo lugar. Arqueio para ele, meu coração

doendo.

Preciso dele. Preciso tanto dele que dói.

Guerra beija minha garganta novamente e isso ainda não é normal

entre nós. É muito cru, muito além do simples desejo.

— Toque-me. — Sussurro.

— Estou tocando você. — Diz ele e maldito seja, aquele sorriso é

pressionado contra a minha carne novamente e está fazendo meu corpo

ganhar vida.

Eu preciso soletrar?

Eu pego sua mão e a movo pelo meu estômago, em direção a

minha...

— Você ainda está se curando. — Diz ele, afastando a mão.


E agora ele se preocupa mais em cuidar de mim do que em me

foder? Quem é esse homem?

— Eu me sinto bem. — Pelo menos, bem o suficiente para o que

tenho em mente.

— Você acha que não quero? — Guerra pega minha mão e coloca

sobre sua virilha. Desde que adormeci, vestiu uma calça; essa é a única

razão pela qual eu não estou segurando seu pau na minha mão neste

exato momento. E por como está, se esforça contra o tecido.

Guerra se aproxima. — Precisa tudo de mim para não tirar minha

calça e foder essa buceta doce sua, esposa. Tudo.

Querido Deus, se esse pequeno discurso era para me dissuadir,

errou o alvo.

— Eu fiquei enlouquecido com emoções que nunca senti hoje. —

Continua Guerra. Ele tem um brilho selvagem nos olhos. — Eu sou um

homem de ação. Não quero nada além de senti-la viva e ao meu redor.

Estou tentando resistir, então gentilmente peço para você não tentar

romper minha força de vontade limitada.


Solto uma respiração instável. Uma parte de mim quer empurrar o

cavaleiro ao limite, apenas para ver como seria quebrá-lo, mas uma

parte maior está hipnotizada por esse novo lado da Guerra.

Ele pode mudar. Está tentando mudar. Para mim e por minha

causa. Não tinha certeza antes, mas tenho agora. Esta é uma semente

que quero cultivar.

Então recuo, apesar dos meus hormônios furiosos (quer dizer, ei,

quase morri. Acho que minha sobrevivência deveria ser recompensada

com um orgasmo ou três, mas essa é apenas a minha opinião.)

Eu me estabeleço mais profundamente em sua cama. Ainda estou

suja de sangue e sinto cheiro de fumaça, tenho certeza de que estou

arruinando os lençóis do cavaleiro.

— Como você sabia que estava presa no prédio em chamas? —

Pergunto a Guerra. Minha voz sai com um grasnido.

Talvez não esteja tão bem quanto pensei que estivesse. É o

pensamento que espreita no fundo da minha mente desde que ele me

salvou.

— Eu a vi correndo à distância. — Diz ele.


Lembro-me de ver a figura impressionante de Guerra tão longe.

Muito longe para acreditar que ele pudesse me ver, mas aparentemente

o fez.

— E vi um homem atrás de você. — Acrescenta.

Oh. Bem então.

Algumas mulheres entram na tenda, interrompendo a conversa.

Com a entrada delas vem outra rajada daquele cheiro pútrido. Aperto

o nariz, enquanto agarro firmemente os cobertores de Guerra. Deus,

como sinto falta de portas. E de alguém batendo. Privacidade em geral.

É um sonho distante agora que eu moro em uma cidade de tendas.

Entre as mulheres, carregam uma bacia cheia de água fumegante.

Eles colocam a banheira, juntamente com várias toalhas e se afastam.

Seus olhos parecem assustados, olham para trás, para algo fora da

tenda.

— Você precisa de mais alguma coisa? — Pergunta uma delas,

voltando sua atenção das abas da tenda para mim e Guerra. Seus olhos

se movem curiosamente sobre mim, vendo meus ombros nus, minha

aparência suja e o fato de que estou na cama do cavaleiro. Um rubor se

insinua em suas bochechas.


— Isso é tudo. — Guerra as dispensa.

Quando ficamos sozinhos novamente, ele acena para a banheira.

— Você gostaria de um banho?

Eu daria meu seio esquerdo por um banho.

Meus cobertores saem em um instante. É apenas quando me

levanto, nua da cabeça aos pés, que sinto verdadeiramente a minha

fadiga. Balanço um pouco. Minha garganta queima, meus pulmões

ardem, as feridas de espada no meu braço, pescoço e peito doem,

minhas pernas querem dobrar debaixo de mim.

Eu dou alguns passos para frente antes que o cavaleiro se aproxime

e me pegue.

— Eu posso andar. — Protesto.

— Deixe-me fazer isso, esposa. — Diz ele, seus lábios perto do meu

ouvido.

Relutantemente, deixo que leve para banheira. Ele me coloca na

água, que está quente.

Eu me derreto.

Juro que nada se sentiu tão bem em muito tempo.


Isso não é verdade, certo? Eu tive muitas, muitas experiências com

Guerra que ofuscaram essa. Apenas o pensamento deixa minhas

bochechas coradas e meu abdômen tenso.

Realmente poderia ter um orgasmo feliz por estar viva agora,

apesar do meu cansaço.

Inclinando-me para frente, envolvo meus braços ao redor das

pernas e viro minha cabeça para que possa descansar a bochecha contra

meus joelhos. Meus olhos se fecham com a sensação agradável.

Eu ouço Guerra sentar-se ao lado da banheira e depois mergulhar

algo na água. Um momento depois, sinto a pressão do pano molhado

nas minhas costas.

Meus olhos se abrem. — O que você está fazendo?

— Lavando minha esposa.

Minhas costas endurecem. Estamos nos aventurando em território

desconhecido. Há os toques sexuais e os toques de cura — aqueles com

os quais me acostumei. Mas permitir que o cavaleiro me banhe é um

novo tipo de intimidade.


Até agora, lutei contra isso. Talvez esteja cansada demais ou talvez

foi a revelação de que ainda há tanto não dito e desfeito entre eu e

Guerra. Seja qual for o motivo, não luto dessa vez.

— Ok. — Eu digo.

Guerra não responde a isso, mas o sinto mover o tecido para cima

e para baixo nas minhas costas, cuidadosamente traçando a ferida na

parte de trás do pescoço. O pano escorrega na água, deixando o líquido

quente um pouco mais vermelho.

Quando ele termina minhas costas, se move para frente da

banheira e começa a lavar meus braços, mais uma vez tendo o cuidado

de limpar minhas feridas de espada.

— Eu fui um tolo. — Ele admite.

Meus olhos se voltam para os dele.

— Você não lutará mais em batalhas, Miriam. — Diz ele. Não era

uma pergunta.

Eu congelo com suas palavras. Não haverá mais batalhas?

Como espalhar a palavra então?


Seus olhos encontram os meus. — Eu não a perderei. — Diz ele

com veemência.

Minha garganta entope.

— Eu não posso acreditar que permiti o luxo de pensar que não

poderia acontecer. — Acrescenta ele, seu olhar voltando para minhas

feridas. — Especialmente depois que você foi atacada. Simplesmente

nunca pensei que Ele permitiria...

Apenas então um soldado entra na tenda. — Guerra... — Ele

começa.

Deus todo poderoso! A privacidade está morta?

Cubro o que posso de mim mesma.

O cavaleiro não olha para onde está me lavando. — Saia.

— Mas você não ressuscitou os mortos

Consciência brilha nos olhos de Guerra. Eles se levantam da minha

pele, encontrando meus olhos mais uma vez. O cavaleiro é um homem

de hábitos e seu hábito mais consistente é que no final de cada batalha

ele ressuscita seus mortos.


Penso naqueles poucos pássaros que soltei. Quão insignificantes

meus esforços foram em face dos mortos-vivos do cavaleiro.

Guerra começa a ficar de pé, afastando-se de mim, sua expressão

séria, calculista. Eu tenho apenas um vislumbre desse novo homem,

que tem coração e compaixão. Não estou pronta para perdê-lo tão cedo.

Seguro a mão de Guerra.

— Por favor, não faça isso. — Sai como um sussurro. — Por favor,

Guerra. Todas aquelas pessoas que sobreviveram, por favor, não mate.

— Aperto sua mão com força.

Ele olha para mim, procurando meu rosto.

Além dele, o soldado se desloca um pouco impaciente na entrada.

Guerra não tem razão para me ouvir agora. Não tenho nada de

novo e convincente para dizer a ele que ainda não tentei, não tenho

mais nada a oferecer que já não o fiz.

Mas algo hoje mudou o cavaleiro. Eu vejo isso agora, mesmo

enquanto ele olha para mim.

— Não fará diferença no final. — Diz ele, com os olhos brilhantes.

Lanço a ele um olhar significativo. — Fará diferença para mim.


É assim que você me fará amá-lo, eu disse a ele em Arish. Tenho a

sensação de que está se lembrando dessas palavras agora.

O cavaleiro me encara mais um pouco, depois diz sobre o ombro

para o homem que espera: — Chame os homens de volta. Está noite, os

mortos não se levantarão.

Os mortos não se levantarão.

Posso ouvir meu coração trovejando.

O soldado sai e ficamos sozinhos novamente.

Eu tento respirar fundo, mas estou sem fôlego.

Pensei que fosse uma promessa fácil de fazer, dizendo a Guerra

que a misericórdia era a chave do meu amor. Eu não percebi que havia

verdade nessas palavras.

Não até este momento.

Eu fico de pé, a água escorrendo pelo meu corpo. Guerra me olha,

seus olhos famintos. Ele ainda está se controlando, mas estava certo

antes — ele tem força de vontade limitada. E agora, eu a quebrarei.


Saio da banheira e entro nos braços do cavaleiro, colocando meu

corpo molhado contra o dele. Imediatamente, sua mão vai para minha

cintura, a toalha caindo, esquecida no chão.

Ele ainda está ajoelhado e pela primeira vez sou mais alta que ele.

Suas mãos roçam cada lado da minha cintura e ele abaixa a cabeça,

pressionando um beijo no meu estômago.

Passo os dedos pelo cabelo do cavaleiro e inclino a cabeça para trás,

forçando-o a olhar para mim. Fico apenas um momento olhando para

os lábios de Guerra — e então o beijo.

No instante em que nossas bocas se encontram, me derreto. Ele é

decadente, pecador e santo.

Ele se afasta do beijo. — O que você fez comigo? — Sussurra. — O

que é que você fez? Esposa, esposa, esposa. — Ele murmura contra

minha pele, seus lábios se movendo para baixo. Pela minha garganta e

clavícula. Ele move a boca sobre o meu ferimento no peito, que agora

cicatrizou, graças a ele. Depois de um minuto, sua boca toca meus

seios.

Suas mãos apertam quando ele me pressiona para trás. A boca de

Guerra se fecha sobre um mamilo e um gemido escapa dos meus lábios.


Eu nunca fui assim com outros homens. Nunca fui capaz de baixar

minha guarda tanto.

— Ve lethohivaš. — Diz ele.

Você me intoxica.

Sua língua toca a ponta do meu peito, brincando comigo. Eu me

pressiono mais contra ele, precisando de mais, muito mais.

Todo o toque, o beijo, o oral — nada disso era suficiente.

Especialmente não agora que Guerra me faz sentir amada e não

quando ele me olha com algo como a humanidade em seus olhos.

Não quando ele desistiu de ressuscitar os mortos porque pedi.

A boca de Guerra se move de um mamilo para o outro, sua mão

desliza entre nós, seu polegar descendo pela minha fenda.

Estou respirando com dificuldade, ofegando enquanto me arqueio

para ele.

Insuficiente. Insuficiente. Insuficiente.

— Guerra. — Suspiro.

Preciso dele dentro de mim. Não me preocupo com as lesões

restantes, elas se curarão — ele as curará.


O cavaleiro fica em silêncio. Tenho certeza que ele ouve algo na

minha voz. Afasta do meu mamilo, seu olhar subindo para o meu.

Minha respiração está presa na garganta e meu corpo começando

a tremer de nervos e excitação. Não tenho certeza se posso forçar as

palavras que quero dizer.

Hesito, insegura de tudo, exceto minha própria tolice. Não há

como voltar atrás.

Eu prendo seu olhar. — Eu me rendo.


Guerra é aço frio e intenção sombria, por um segundo depois da

minha declaração, é tudo o que vejo no rosto dele.

Mas então ele sorri, parecendo distante, bonito demais para seu

próprio bem. Ele puxa minha cabeça até os lábios e me beija

novamente, sinto sua luxúria e excitação e... — e outra coisa. Algo com

o qual não estou nem um pouco confortável.

O cavaleiro se afasta e aquele sorriso ainda curva seus lábios, mas

está diminuindo.

— Eu quis dizer o que disse antes. — Diz ele. — Seu corpo precisa

se curar.

Quero rosnar de frustração. Ele escolhe agora ser nobre?

Mas Guerra não se afasta. Ele pode querer fazer a coisa certa, mas

não é idealista. Eu praticamente posso sentir sua necessidade de estar

dentro de mim, apenas para que ele possa ter certeza de que estou

realmente viva.
— Quase morri hoje. — Digo finalmente a ele. — E quando pensei

que fosse o fim, sabe do que mais me arrependo?

Ele olha para mim, esperando que continue.

— Eu não disse ou fiz tudo o que queria com você. Mostre-me o

que estou perdendo.

Com isso, beijo o cavaleiro novamente.

Sinto em seus lábios o momento em que sua resistência cede. Ele

geme em minha boca e então seus braços me apertam. Seus lábios vão

do entretenimento a exigir mais, mais e mais. Há um fervor em seu

toque que não existia antes e parece que estou caindo de cabeça em

águas inexploradas.

Apenas estar em seus braços me faz esquecer minhas últimas dores

e sofrimentos. Não sei se isso tem a ver com suas habilidades de cura

ou se sua presença está sobrecarregando o resto dos meus sentidos.

Ele acaricia minha fenda novamente e solto a respiração.

Oh Deus, realmente consegui convencê-lo a fazer isso. Fica claro

quando sua mão continua acariciando meu núcleo, seu polegar

esfregando círculos lânguidos ao redor do meu clitóris.


Solto um gemido frustrado.

Ainda preciso de mais.

O cavaleiro interrompe o beijo, mostrando-me um sorriso

diabólico. — Você acha que aliviaria seu desconforto com uma

pequena declaração, esposa? — Diz ele, sua voz especialmente baixa e

grave. — Quero você desfeita. — Ele pontua suas palavras

mergulhando um dedo dentro de mim. Instintivamente, eu me movo

contra ele. Posso sentir a umidade entre as minhas pernas, a umidade

que não tem nada a ver com o banho.

Meus olhos se estreitam. Dois podem jogar esse jogo.

Começo a alcançar entre nós quando ele segura meu pulso. — Ah

ah. — Seus dedos ainda estão se movendo dentro e fora de mim.

Estou começando a ofegar. — Por favor, Guerra.

— Por favor, o que?

Ele realmente me fará soletrar? — Quero você dentro de mim.

Estou pegando fogo.

Seus olhos estão calorosos e posso sentir sua ereção contra a calça.
E de repente seus dedos me deixam, ele me pega, levando-me de

volta para sua cama. Ainda está suja de quando deitei mais cedo, o

cheiro de fumaça e cinzas se agarra a ela.

Ele me deita, apenas parando para tirar a calça. Seu pau se solta e

meu deus, esqueci como seu pau é terrivelmente grande. Grande o

suficiente para fazer meu maxilar doer quando minha boca está ao

redor dele. E o resto do cavaleiro é tão grande e violento que por um

momento meu desejo diminui.

Talvez isso tenha sido uma má ideia.

Guerra se ajoelha ao pé da cama, passando as mãos pelas minhas

pernas enquanto observa meu corpo. Ele se inclina para frente, até que

seu peito, com suas estranhas e brilhantes tatuagens, pressiona contra

mim.

Quaisquer que tenham sido suas reservas anteriores contra o sexo,

estão muito longe agora.

Inclinando-se, ele me beija, os movimentos de sua boca mais

carnais do que apenas momentos atrás. Meu coração está começando a

bater cada vez mais rápido. Isso não parece uma pequena

experimentação inocente ou uma má decisão alimentada por muita

bebida. Isso nem parece sexo regular (não que eu tenha muita
experiência nesse departamento.) Talvez seja o modo como Guerra está

olhando, mas o que estamos prestes a fazer parece pesado.

É apenas um simples ato físico, eu me tranquilizo. Muitas pessoas

fazem isso. Não é grande coisa.

A mão do cavaleiro volta ao meu clitóris, talvez para me provocar

mais um pouco, mas já estou muito molhada.

Ele lança um sorriso perverso quando sente o quanto estou pronta.

— Esposa, como antecipei este dia. Ver o seu doce corpo dolorido

pelo meu. Acho que estou mais ansioso por isso do que pela batalha.

— Ele diz isso como se estivesse surpreso.

Tanto faz. Eu já passei do ponto de me importar. Tudo o que sei é

que preciso do cavaleiro em mim de uma maneira que não preciso de

nada há muito tempo.

Ele me acaricia novamente, mesmo que não precise. Mesmo que eu

já esteja com desejo.

Eu me arqueio em cada toque, desesperada por mais.


E de repente, sua mão se afasta. Seus quadris se movem e um

momento depois, sinto a ponta dele pressionando contra a minha

abertura.

Fico tensa, lembrando o quão grande ele é. Depois de segurá-lo na

minha mão e na minha língua, achei que entendia o tamanho dele. Mas

não. Apenas estou percebendo isso agora.

Com um movimento lento de seus quadris, sinto Guerra começar

a entrar.

Ele assobia enquanto encontra resistência. — Relaxe, esposa. Nós

fomos feitos para nos encaixar.

Hum, apenas uma mulher com uma vagina do tamanho de uma

cratera poderia conter o pau de Guerra.

O cavaleiro espera até que começo a relaxar, minhas pernas se

abrindo um pouco mais. Ele começa a empurrar novamente.

Querido deus. Parece impossível e ainda sinto minha carne cede,

abrindo espaço para seu tamanho aparentemente insuportável. Meus

dedos cravam em suas costas quando o alongamento se torna demais.

Ele faz uma pausa, olhando para mim. — Miriam?


— Apenas... espere momento. É muito... — Muito pau. Muito

mesmo.

Posso sentir gotas de suor se formando na minha testa. Depois de

vários segundos, concordo. — Ok. Estou bem.

Guerra continua entrando lentamente, seu olhar procurando o

meu. — Esposa. — Ele diz, parecendo chocado. — Você se sente

incrível.

O rosto de Guerra é nada menos que arrebatador. Eu sei que ele é

experiente nisso, então fico surpresa em ver o quanto isso o afeta.

Seus olhos estão intensamente focados em mim. Eu teria assumido

que seriam distantes, enquanto a sensação o dominava, mas está tão

presente.

Presente de uma forma desconcertante.

Ele está suando com sua necessidade de se mover devagar, para

ser gentil. Posso dizer que uma força motriz quer empurrar seu pau

dentro de mim o mais rápido possível e depois me foder com

abandono. Praticamente posso senti-lo vibrando de necessidade. E

talvez faça isso, mas não acho que hoje.


Leva séculos, mas finalmente, seus quadris encontram os meus

quando ele entra totalmente dentro de mim, me esticando até o limite.

Solto um suspiro. Eu não sei se já senti algo tão requintado na

minha vida. E ele sequer começou a se mexer ainda.

— Esperei séculos por este momento. — Diz ele. — Não posso

acreditar que finalmente está acontecendo. — Guerra sorri novamente

e não consigo entender como pode ser tão bonito.

Estou tremendo de necessidade, minhas pernas abertas em ambos

os lados dele, me sentindo mais vulnerável do que nunca. Não

esperava isso. Deveria ser apenas sexo. Mas pela forma como Guerra

está me olhando, parece que tudo o que trabalhei tanto para derrotar

está sendo exposto de uma só vez.

— Finalmente, minha esposa, você se rendeu.

Ele começa a se mover, saindo apenas o suficiente para voltar.

Minha respiração me deixa de uma vez. Esperava que doesse. Em vez

disso, todo movimento leve parece tão bom.

— Mulher. — O Senhor da Guerra olha para mim, seus olhos

normalmente violentos agora cheios de alguma emoção gentil. Meu

estômago aperta quando percebo que a emoção não é simples desejo.


— Não posso lhe dizer como ansiava por isso. Você é minha

finalmente, total e completamente, nada pode nos separar.

O cavaleiro empurra novamente, como se quisesse enfatizar seu

ponto.

Minhas unhas afundam em suas costas com a sensação e ele faz

uma pausa, talvez para se certificar de que não está me machucando.

Eu mal posso formar as palavras sobre o meu desejo elevado. —

Não pare. — Eu respiro. — Por favor, não faça isso.

Mais uma vez, aquele sorriso perverso.

Guerra começa a movimentar mais rápido, primeiro com precisão

lenta e meticulosa, mas depois com força crescente. Estou arqueando

em cada impulso e já sinto meu orgasmo começando a construir em

segundo plano.

O tempo todo, Guerra me observa, como se quisesse possuir cada

olhar, cada momento. E de vez em quando sussurra frases em outras

línguas que se traduzem em minha linda esposa e nunca conheci tanto

prazer, isso é o mais próximo do céu que cheguei.

Isso é... não como minhas outras experiências com sexo. É o tipo de

sexo que o arruína.


Quando o sinto profundamente, finalmente sinto a verdadeira

natureza do cavaleiro. Ele não pode ser outra coisa senão batalha. Toda

essa carne contém a violência de eras, sinto isso em cada impulso de

seus quadris. E ainda assim, quando suas mãos deslizam pelo meu

corpo, há uma inesperada suavidade em seu toque.

Ele me beija até a coluna da garganta, seus quadris se movem,

entrando e saindo.

— Tão linda. — Ele agora murmura. — Quanto tempo anseio por

você.

O ritmo de Guerra muda, se aprofundando — e é como se os

últimos minutos fossem uma provocação e isso é a coisa real.

Instantaneamente meu corpo se arqueia, meu orgasmo agora se

forma rapidamente — rápido demais...

E de repente explodo.

Eu grito, puxando o cavaleiro com força para mim quando sinto o

clímax me rasgar. Mais e mais eu sinto, quando começa a acabar, sinto

Guerra engrossar dentro de mim.


— Minha esposa, meu coração. — Ele geme quando seu próprio

orgasmo o percorre, seus impulsos se tornando mais fortes e mais

rápidos quando derrama em mim.

Guerra me olha, seus olhos um pouco nebulosos enquanto sente

seu orgasmo. O que parece uma eternidade depois, os impulsos do

cavaleiro começam a diminuir. Logo, não tem escolha senão se afastar.

Estou dolorida em todo lugar; o tipo de dor que faz suas bochechas

ficarem vermelhas.

Guerra deita e me arrasta para seu estômago. Ele cobre meu

núcleo, mesmo quando sinto seu esperma começar a vazar.

— Sentir que uma parte minha ainda está dentro de você, esposa,

não há mais sensação emocionante no mundo. — Afirma.

Minha respiração começa a diminuir, minha pele suada esfriando.

Todas as minhas dores voltam à vida.

Agora que estou começando a cair, a adoração de Guerra está

começando a — bem, estou receosa.

O sexo — eu definitivamente quero mais — mas o cavaleiro está

olhando para mim como se as coisas tivessem mudado. E sim, minha

proximidade com a morte me deu alguma perspectiva e sim, me rendi


a ele e tudo, mas agora estou sentindo que minhas palavras e ações

podem significar um pouco mais para ele do que para mim.

Começo a me afastar. — Eu preciso me limpar... — Ainda tem uma

banheira cheia de água, agora estou pegajosa...

Guerra me puxa de volta, atraindo-me para ele com seus beijos

ardentes. — Não tão rápido, minha esposa. — Ele afasta meu cabelo

escuro para o lado para que possa beijar a minha nuca.

— Mas estou suja. — Protesto, desesperada para colocar uma

pequena distância entre nós.

— Nada sobre o que fizemos foi sujo. — Diz Guerra, fervoroso

demais. — E gosto de tê-la sobre mim.

É exatamente com isso que tenho problema.

— Será diferente agora. — Acrescenta ele.

Eu engulo. Uh oh.

— Hum, o que você quer dizer? — Pergunto com cuidado,

mantendo o tom leve.

— Você é minha, total e completamente, eu sou seu. Por agora e

sempre será assim.


Oh meu Deus, isso soou muito como uma promessa para mim.

O que eu fiz?
Apesar das minhas dúvidas, passamos o resto da tarde e da noite

na cama de Guerra, levantando apenas para comer e beber.

Eu não sei se ele está ciente do meu desconforto, mas se está, não

poderia ter inventado uma estratégia melhor para me distrair disso.

Posso ter preocupações sobre os sentimentos de Guerra por mim, mas

não tenho nenhum problema em como ele faz amor.

Nem mesmo a noite parece extinguir a fome do cavaleiro. Guerra

me acorda mais duas vezes para sexo.

Quando a luz do sol entra pela nossa tenda, a mão de Guerra se

move para o meu clitóris pela milionésima vez. Ele acaricia, eu gemo

baixinho em protesto. Meu corpo parece que foi espremido por todo

orgasmo de antes.

Apesar disso, sinto-me dolorida contra a mão dele. Quem teria

pensado que aguentaria mais?


— Não posso manter minhas mãos longe de você. — Diz Guerra,

movendo a outra palma para o meu peito. Contra o meu melhor

julgamento, arqueio em seu toque.

— Tão receptiva. — Ele murmura.

Algo que seriamente não levei em consideração antes — toda essa

pele na ação de pele a pele quase me curou completamente. E minha

libido está agradecendo a Guerra por isso.

O cavaleiro fica sobre mim. Inclino minha pélvis para cima e pela

milésima vez nas últimas vinte e quatro horas meu cavaleiro desliza

para dentro.

Muito, muito mais tarde consigo sair da cama e me limpar da

melhor maneira possível (para grande decepção de Guerra). Antes que

possa ser atraída de volta para mais sexo, me visto e saio.

Eu quase grito no momento em que faço isso.

Os mortos-vivos cercam a tenda de Guerra.

Eles estão parados ao redor da tenda, com armas prontas. A

maioria deles balança um pouco, com suas feições em decomposição.

No entanto, apesar do fato de que seus olhos estão desfocados e suas


cabeças não se voltam ao som dos meus passos, há uma consciência

neles.

Então isso explica o cheiro.

Coloco minha mão no nariz. O fedor é muito pior e o dia quente

não está fazendo nada para ajudar.

Um momento depois, Guerra sai ao meu lado, com um sorriso nos

lábios. Um olhar para ele e todos no acampamento saberão o que ele

fez na noite anterior.

Impressionante.

— O que é isso? — Eu pergunto, meu olhar percorrendo os

cadáveres.

— Eles são para sua proteção. — Seu sorriso desaparece. — Parece

que não posso confiar em meus próprios homens para mantê-la segura.

Agora que meu olhar percorre os arredores, finalmente percebo

que os Cavaleiros Phobos que costumavam ficar de guarda realmente

se foram.

Em seu lugar estão zumbis armados, suas lâminas no coldre dos

lados.
— Isso realmente não é necessário. — Afirmo, cobrindo meu nariz

novamente. Posso sentir a podridão na minha língua.

— Pelo contrário, esposa, agora é mais importante do que nunca.

— Mesmo quando Guerra diz isso, seus zumbis se afastam, me dando

espaço para respirar. — Já avisei: não a perderei.

O cavaleiro toca meu rosto, seu olhar procurando o meu. — A

morte sempre vem entre os humanos. Eu não deixarei isso acontecer

conosco.

Eu vejo sua idade então, em seus olhos. Milhares e milhares de

anos de guerras. Tantas vidas e tantas mortes. São momentos como que

lembro que ele nunca nasceu e nunca pode morrer.

Sinto que todos esses anos de batalha desgastaram Guerra. Que sob

sua violência, ele se agarra a uma centelha de algo que não parece

muito conhecido: paz, conexão, amor. Eu vejo esse desejo em seus

olhos.

E agora cometi um erro. Comecei a esquecer que Guerra é um

chacal em devorar o mundo. Comecei a vê-lo como alguém que vale a

pena se preocupar.

Como alguém com quem me preocupo.


A próxima semana é um borrão de toque e sexo. Guerra estende

nosso tempo no acampamento simplesmente para que possa relegar

alguns dias para ficar na cama e nada mais. E não há mais menção de

ressuscitar os mortos — meus guardas mortos-vivos de lado.

E se pensasse que este breve período cheio de sexo terminaria no

momento em que arrumássemos tudo, pensei errado. Guerra para

várias vezes na estrada para que possa entrar em mim e as noites

durante nossas viagens são em grande parte sem dormir.

Mesmo quando acampamos, isso não acaba. Ele parece mais voraz

do que nunca.

Guerra fode como luta. É brutal, deliberado e cheio de energia

masculina crua. Ele me possui como se fosse a única coisa para a qual

foi feito, como se fosse a última vez que estaria em mim. Como se

estivesse alcançando algo que não consegue entender.

Soube na primeira vez que o senti em mim; que me arruinou.

Porque o vício não é unilateral. E se fosse, eu apreciaria o fato de que a

qualquer momento poderia simplesmente ir embora e ficar bem. Mas

não acho que poderia. Não neste momento. Então, em vez disso, agora

tenho que lidar com o fato de que estou apaixonada por um homem

que comete atrocidades.


Ele mal sai de mim quando me puxa para perto, me segurando

apertado.

Lá fora, o sol egípcio está subindo, transformando as paredes

creme de nossa tenda em um tom rosado. Tudo ao meu redor, tudo

tem um brilho nebuloso e quente.

— Dois dias a partir de agora, quando a batalha começar, você

ficará aqui. — Diz Guerra suavemente, esfregando círculos nas minhas

costas. — Meus mortos-vivos a protegerão até eu voltar.

Meu corpo fica rígido. Quase me esqueci do próximo ataque.

Depois de Port Said, viajamos para o interior, passando pelo Delta

do Nilo em direção à cidade de Mansoura. Ali, a vários quilômetros

das muralhas da cidade, acampamos.

A terra ao nosso redor é um pouco mais luxuriosa do que nossas

paradas anteriores, mas o estado decadente e cheio de entulho das

cidades por onde passamos diminui a sua beleza natural. Os carros

ainda congestionam muitas das ruas, velhos computadores e

eletrodomésticos enchem a paisagem, carcaças queimadas de prédios

na estrada e muitas das recentes adições que o Egito fez a suas cidades

— como lâmpadas a gás e estábulos de cavalos — já foram

vandalizadas.
E de tudo que vi dessas partes, diria que as pessoas ali estavam

sofrendo muito antes de a Guerra aparecer. Não precisam de mais dor.

Vendo meu rosto, Guerra diz: — Mansoura deve cair e estarei lá.

Sinto meu coração apertar. Guerra adiou seus deveres piedosos na

última semana. Estupidamente esperei que parasse por mais tempo —

por muito mais tempo.

— Você não precisa. — Sussurro. — Poderia parar.

Ele me puxa para perto e rouba um beijo antes que possa afastá-lo.

— Para você eu quase faria.

Quase.

A última semana conseguiu me levar a uma falsa sensação de

realidade, mas o sonho acabou. Sabia que as coisas não mudariam. O

que não percebi é que de repente não estou bem com isso.

Seja corajosa, Miriam.

E se quisesse que o mundo mudasse, teria que fazer algo a respeito.

— Há algo que quero saber. — Digo com cuidado. — Bem, se pode

julgar os corações dos homens, pode ver se pretendem fazer o mal?

Quais são os limites de suas habilidades, querido cavaleiro?


A testa de Guerra franze com a mudança de assunto. — Sequer

consigo ver o futuro, Miriam, nem posso ler a mente dos homens.

Apenas posso entender sua essência básica. E até isso pode mudar com

o tempo e a intenção.

Eu traço uma das tatuagens vermelhas de Guerra; as marcas

parecem sangue derramado no peito.

— Você conhece o meu coração? — Eu pergunto com cuidado.

— Sim. — Diz ele.

— É bom?

— É bom o suficiente. — Para mim, o silêncio parece acrescentar.

É bom o suficiente para mim.

Bom o suficiente para o cavaleiro acreditar que realmente me

entreguei a ele em Port Said, o que é tudo o que realmente queria, de

qualquer maneira.

A coisa é, um bom coração não é o mesmo que bom. E isso é

lamentável para Guerra, porque um bom coração sempre pode dizer a

verdade, mas um bom o suficiente não o fará.

Quando eu disse a ele que me rendi, bem, eu menti.


Não desisti de nada.

A explosão ruge nos meus ouvidos, a força disso me derrubando

na água.

Trevas. Nada. Então...

Eu suspiro. Há água e fogo e... e... e Deus a dor, dor, dor, dor. A

mordida afiada quase rouba minha respiração.

— Mamãe, mamãe!

Não podia vê-la. Não podia ver ninguém.

— Mamãe!

— Miriam!

Suspiro acordada, segurando minha garganta.

Guerra olha para mim, seus olhos como ônix. Uma linha se forma

entre suas sobrancelhas. — Você estava tendo um pesadelo.

Eu respiro várias vezes.

Um pesadelo. Certo.
Molho meus lábios, sento e o cavaleiro recua um pouco, me dando

espaço. Minha pele está úmida de suor e mechas do meu cabelo estão

coladas nas minhas bochechas.

Já se passaram semanas desde a última vez que tive esse pesadelo.

Quase esqueci que, antes de Guerra, essa lembrança em particular

assombrava meus sonhos com muita frequência. Não sei por que

decidiu ficar no banco de trás até agora. Talvez ultimamente minha

mente tenha sido assombrada por imagens novas e mais grotescas.

— O que você estava sonhando? — Guerra pergunta. E pela forma

diz me faz pensar que o cavaleiro não sonha — ou que, se o faz, é uma

experiência muito diferente da minha.

Meu dedo traça a cicatriz na minha garganta. — Não foi um sonho.

Foi uma lembrança.

A água corre em...

— Qual? — A voz de Guerra é dura como pedra, como se quisesse

lutar com algo tão insubstancial quanto uma memória.

Eu engulo.

Bem poderia dizer a ele.


— Sete anos atrás, Jerusalém estava sendo superada. — Digo. —

Rebeldes e fanáticos atacaram minha cidade. Minha mãe, minha irmã

e eu estávamos fugindo. Ninguém estava seguro na cidade,

particularmente não uma família judia e semi-muçulmana. Aqueles

dias de tolerância e progresso dos quais meus pais falaram foram

extintos como uma vela. Minha família chegou ao litoral. — Ainda

consigo ver o arrastar de corpos na praia. Havia tantas outras famílias

como a nossa, desesperadas para escapar de Israel devastada pela

guerra por outro lugar — qualquer lugar.

— Nos empilhamos em um barco a motor. Até então, a maioria dos

motores em Israel parou de funcionar e os que ainda estavam em

operação não eram confiáveis, na melhor das hipóteses.

Isso foi há sete anos atrás. Desde então, todos os motores pararam

de funcionar.

— Minha mãe sabia que era perigoso, que algo poderia dar errado,

mas era a nossa única opção. A Europa fechou suas fronteiras. Não

queriam estrangeiros, particularmente não os do leste e do sul. Em suas

mentes, roubávamos seus empregos, comíamos sua comida e

sobrecarregávamos suas economias precárias. E se quiséssemos

atravessar suas fronteiras, teríamos que fazê-lo ilegalmente, esse


passeio de barco traiçoeiro era a única maneira de fazer isso. Os barcos

eram... ruins. Estreitos e frágeis, mas o pior de tudo, contavam com

motores para propulsão. Eu não queria entrar no nosso. Estava com

medo do motor parar no meio do oceano aberto. Temia morrer no mar.

Guerra ouve, extasiado, seus olhos procurando meu rosto

enquanto falo.

— No final, minha mãe e minha irmã me fizeram entrar no barco.

Elas sabiam que realmente não queria deixar Israel ou a Nova

Palestina, como estava começando a ser chamado. Foi onde meu pai

morreu, onde eu cresci. Tinha muitas lembranças. Eu sabia que

precisávamos sair, mas não queria. Parecia cruel que tivesse que

desistir disso também. Nós já perdemos todo o restante. Conseguimos

sair da praia. O motor estava fazendo barulhos estranhos, mas pelo

menos nos afastamos da terra.

Eu paro.

Algumas lembranças foram perdidas para as areias do tempo, mas

outras, como essa em particular... poderia viver cem anos e ainda

nunca esqueceria.

— A explosão foi uma surpresa. Eu não sabia que os motores

poderiam explodir. — Um momento estava sentada ali, ao lado da


minha mãe e irmã e no seguinte senti calor e dor quando fui jogada na

água. Minha mochila se enrolou ao redor do meu tornozelo. Estava

cheia do último dos meus bens terrenos. Eu me lembro de me arrastar

para baixo.

Meus pulmões ardem. A luz do sol acima de mim fica fraca mesmo

quando eu luto.

— Tentei tirá-la, mas não consegui. Estava afundando e não

consegui voltar à superfície. Abri a boca para pedir ajuda.

A água corre em...

Olho para os meus dedos. — Não sei como sobrevivi. Realmente

não sei. Pensei que me afogaria naquelas águas.

— Mas não aconteceu. — Diz Guerra, sua voz suave.

Eu concordo. — Quando acordei, estava a bordo de um barco de

pesca. Os pescadores disseram que me viram flutuando na água

sozinha, longe de qualquer destroço.

— Não sei o que aconteceu com minha mãe ou irmã. Eu nem sei se

elas estão vivas. — Minha voz estremece.


Guerra se inclina para a frente, segurando o lado do meu rosto. —

Eu prometo a você, esposa, encontraremos sua família.

Eu quase paro de respirar.

É o que sempre quis. O que nunca consegui fazer quando era

apenas uma negociante de armas em Jerusalém.

Guerra não poderia me dar um presente mais precioso.

Ele percebe isso?

Meu olhar vai para seus lábios. Eu me inclino para frente e o beijo.

— Obrigada.

E então mostro a ele que estou falando sério.


Já faz um tempo desde que parei para ver Zara. Uma grande parte

da minha hesitação tem tentado explicar a ela que estou agora com o

cavaleiro que destruiu sua cidade natal e a maior parte de sua família.

Não posso imaginar essa conversa indo muito bem. Mas adiei essa

visita por muito tempo.

Assim que saio da tenda de Guerra, os mortos se juntam ao meu

redor, cheirando como um demônio e parecendo ainda pior. A morte

não favorece ninguém.

Eu franzo a testa para eles.

Começo a andar e os zumbis entram ficam em formação ao meu

redor como algum tipo de força de segurança morta-viva.

Eu paro. — Guerra! — Eu grito atrás de mim.

Vários segundos se passam, então o cavaleiro sai de sua tenda,

vestindo uma calça larga, o cabelo escuro bagunçado, o peito realçado

pelo sol da manhã. Uma xícara de café está em sua mão e um sorriso
no rosto, os dentes brancos contra a pele morena. É nojento como ele é

lindo.

— Reconsiderando? — Ele pergunta, seus olhos rindo de mim

enquanto e toma um pequeno gole. Ele não está falando sobre o café

da manhã.

Eu lhe dou um olhar de reprovação. — Eu tenho que ser amiga dos

mortos agora? — Aponto para os zumbis.

Seu sorriso se amplia um pouco com isso, seus olhos brilham. —

Considere isso como uma relação de trabalho.

Eu bufo, caminhando de volta para ele, os zumbis nos meus

calcanhares. — Ninguém vai me matar.

— Eu sei. — Ele concorda. — Porque ninguém irá querer chegar a

metros desses homens. — Ele acena para os zumbis.

Ugh. — Apenas quero visitar minha amiga.

A expressão de Guerra escurece. — Aquela que tentou me matar?

A mesma cujo garoto você me forçou a salvar?


Eu olho para o céu por paciência. — Não importa quem visitarei.

Preciso de sua palavra de que os mortos não entrarão em nenhuma

tenda em que eu entrar, nem ficarão perto demais.

O cavaleiro me observa. — Qual é o ponto de ter guardas se eles

não podem estar por perto para protege-la?

Eu quero dizer a ele que os guarda-costas foram ideia dele, não

minha e não dou a mínima. Mas conhecendo Guerra, esse tipo de lógica

me levaria com o dobro de babás zumbis, os quais insistiriam em entrar

na minúscula tenda de Zara.

Esfrego meu rosto. — Por favor, Guerra. — Levanto a mão. — Eu

levarei seus guarda-costas. Apenas me dê um pouco de liberdade.

Preciso de amigos.

Ele me olha por um longo tempo, depois volta sua atenção para os

mortos-vivos que se reuniram ao meu redor. Finalmente ele inclina a

cabeça. — Para o seu coração mole.

Eu solto um suspiro. — Obrigada. — Com isso, eu viro para sair.

Sinto aqueles olhos violentos em mim enquanto me afasto, os

mortos fechando fileiras ao meu redor mais uma vez.


Os Cavaleiros Phobos que vivem na área de Guerra param e olham

(um tanto hostil) para mim e para meus guarda-costas macabros

enquanto passo por eles. Mas a verdadeira aparência vem quando

entro na área principal do acampamento.

Homens e mulheres abertamente me encaram, seus olhos se

voltando de um homem morto para outro. E as mesmas crianças que

eu vi lidando com armas agora gritam e fogem com a visão dos mortos

ambulantes.

Estou me arrependendo dessa viagem já.

Quando chego à tenda de Zara, ela já está do lado de fora, com os

braços cruzados e uma sobrancelha levantada.

— Por que é que sempre ouço sobre você antes de chegar? — Ela

diz, cumprimentando.

— Acho que sou apenas azarada.

Ela olha para os homens mortos. — Eles não entrarão em minha

tenda. — Ela adverte.

Eu olho para eles, de repente, sem saber como devo fazer eles

recuarem. — Eu cheguei. — Digo a eles. — Podem recuar agora.


Em resposta, eles se espalharam, flanqueando a área e fazendo

uma mulher próxima gritar e soltar a roupa que estava lavando. O resto

das mulheres que vagueiam ao longo desta fileira de tendas nos

observam com curiosidade.

Zara balança a cabeça em direção a sua tenda. — Por que não

conversamos lá dentro?

Eu a sigo, no escuro e quente confinamento de sua tenda, vejo

Mamoon brincando com alguns brinquedos de plástico desbotados e

um ursinho de pelúcia.

— Mamoon, diga oi. — Diz Zara.

— Oi. — Ele responde sem olhar para cima.

Zara franze os lábios e ela parece um pouco com vontade de chorar.

— Como ele... — Eu empurro minha cabeça para o sobrinho dela.

— Está?

Ela suspira. — Difícil. É muito, muito difícil. Mas tenho mais do

que a maioria das pessoas aqui, então estou contando minhas bênçãos.

— Ela respira fundo. — Mas não é sobre isso que quero falar agora. —

Seus olhos se movem sobre mim. — Onde você esteve na última

semana? Desapareceu.
Eu não quero dizer, realmente não.

Seus olhos passam por mim novamente. — Você o fodeu, não é?

Eu me sento duro e aceno com a cabeça.

— Sim. — Eu o fodi bem.

— Bem. — Ela acrescenta. — Valeu a pena?

Eu olho para o sobrinho dela.

— Ele não tem ideia do que estamos falando. Está bem.

Não tenho tanta certeza disso...

— Então? — Zara pressiona. Eu não posso dizer se está com raiva.

Ela parece irritada, um pouco nervosa, mas novamente, desde que a

conheço, Zara sempre foi um pouco nervosa.

Eu solto uma risada sem graça. — Você quer dizer se gostei? — Eu

dou a ela um olhar. — Sim. Gostei. — É problemático o quanto gostei.

— E agora você se sente culpada? — Ela pergunta.

Eu olho para ela. — Não...

O canto da boca dela se curva em um sorriso sarcástico. — Eu não

julgo você, sabe. — Diz ela, sentando-se ao meu lado.


Mordo o lábio inferior. — Eu não a culparia se o fizesse. — Eu digo.

Ela pega minha mão, apertando-a com força. — Você convenceu

aquela fera a salvar... — Sua voz estremece. Zara acena para o sobrinho.

— Guerra matou todos que eu amava, exceto por uma pessoa e foi

apenas porque você chegou até ele. Então não, não a culpo por se

entregar ao monstro, embora sinto muito que seja forçada ao ato.

Preferiria que não fosse preciso.

Eu dou a Mamoon outro olhar desesperado, certo de que entre eu

e Zara estamos corrompendo as orelhas do pobre menino.

— Ele viu seus pais serem mortos, viu as execuções e agora homens

mortos estão de guarda do lado de fora de sua tenda. — Diz Zara. —

Uma conversa de sexo é a menor das minhas preocupações.

Ponto justo.

— Fiz a Guerra uma promessa de não atrapalhar e por mais que

odeio, pretendo cumprir essa promessa. — Continua sua amiga. —

Então faça o que precisa fazer e não pense que a julgarei ou me afastarei

da nossa amizade. Eu lhe devo muito, algo que nunca poderei pagar.

E quem sabe, talvez você acabe salvando o garotinho de outra pessoa

por causa de seu... relacionamento.


Eu dou-lhe um sorriso tenso.

— Apenas não me evite. — Ela termina. — Senti falta da sua

companhia.

— Ok. — Eu digo baixinho.

E esse é o fim da conversa sobre sexo — pelo menos por enquanto.

Pelas próximas horas, Zara e eu conversamos sobre tudo e nada.

Eu poderia sentar e conversar com ela o dia todo, mas logo minha

amiga me arrastou e a Mamoon para fora da tenda, em direção a um

grupo de mulheres reunidas várias tendas abaixo.

Mamoon continua olhando os zumbis ao nosso redor com os olhos

arregalados enquanto Zara o lidera.

— Eles não o machucarão. — Eu digo. — Estão aqui para nos

proteger.

Isso é uma mentira —eles estão aqui para me proteger e a ninguém

mais — mas não deixarei que machuquem Mamoon, então é quase

verdade. E felizmente, minhas palavras parecem aliviar o medo da

criança.
O círculo de mulheres fica sob um abrigo de lona que alguém

ergueu. Elas estão sentadas e conversam enquanto consertam roupas,

tecem cestas e fazem outros trabalhos estranhos que não exigem muita

concentração.

Quando avistam nosso grupo, vejo uma mulher abaixar uma xícara

de chá que está bebendo. Outra suspira.

— O que é isso? — Outra mulher exige de Zara. Ela não se

incomoda em me olhar.

— A esposa de Guerra decidiu se juntar ao nosso grupo. — Minha

amiga responde, como se fosse a coisa mais normal do mundo.

As mulheres ficam quietas, cada uma delas me olhando, algumas

curiosas, outras com indelicadeza. Um me dá um pequeno sorriso. Eu

reconheço um rosto aqui e ali de quando vivi neste acampamento, mas

ninguém age como se eu fosse como eles.

— É claro que vocês são bem-vindas. — Diz uma mulher um pouco

rígida. Seu rosto aquece quando ela vê Mamoon. — David está jogando

futebol com Omar, se quiser participar. — Ela aponta para trás, para o

final das tendas, onde dois meninos pequenos estão chutando uma

bola ao redor.
Mamoon olha para a tia e quando ela dá um aceno de cabeça, o

menininho corre em direção aos novos amigos.

Zara mantém os olhos nele por vários segundos depois disso, seu

rosto cheio de preocupação. Há sempre algo com o que se preocupar

aqui — a crueldade dos soldados, as numerosas armas espalhadas pelo

acampamento, o tamanho da nossa cidade de tendas. Uma criança

poderia ser engolida inteira.

— Alguma de vocês gostaria de chá? — Pergunta uma das

mulheres.

Zara pisca, voltando sua atenção para a mulher. — Não, obrigada.

— Eu também estou bem. — Eu digo.

Eu coloco meus guardas mortos-vivos longe enquanto o grupo

abre espaço para nós no círculo. Depois de alguns minutos tensos, a

conversa volta ao normal.

— ... eu vi Itay entrar em sua tenda na noite passada.

Algumas risadas ecoam.

— Então, foi isso que a fez encontrar deus enquanto o resto de nós

estava tentando dormir.


— A pobre Ayesha ao lado tem um filho. Tente explicar isso!

Uma risada chocada percorre o grupo.

Eu ouço estranhamente fascinada. Ao nosso redor, as pessoas estão

morrendo aos milhares e ainda assim, aqui estão essas mulheres,

fofocando sobre alguém transar.

— Como está Guerra? — Pergunta uma mulher, seu olhar curioso

sobre mim.

No começo, a pergunta nem se registra. Não é até as outras

mulheres virarem seus olhares para mim que percebo que todos

querem saber sobre minha vida sexual e oh meu Deus, eu não me

inscrevi para isso quando decidi visitar Zara esta manhã.

— O que você quer dizer? — Eu pergunto, fingindo ignorância.

A boca da mulher se curva em um sorriso. — Ele fez você encontrar

deus?

Alguém mais entra em cena. — Claro que sim. Caso contrário, não

haveria homens mortos protegendo-a.

É doloroso quão precisa é essa afirmação.


— O que eu quero saber. — Diz outra mulher. — É o quão bom o

cavaleiro é dar-lhe uma experiência religiosa.

Várias das mulheres riem; até Zara solta um sorriso.

Elas estão tentando me incluir, eu percebo. Esta não é a Inquisição

Espanhola, é assim que essas mulheres se conectam, apesar de todas as

suas diferenças. São todas relativamente novas amigas, afinal.

— Você realmente quer saber? — Pergunto.

Isso é tão embaraçoso.

Algumas mulheres acenam.

Eu reúno minha confiança. — O cavaleiro é definitivamente

melhor no amor do que na guerra.

Não é inteiramente verdade, mas faz com que as mulheres ao meu

redor riem bem-humoradas.

— Aquele homem foi feito para agradar uma mulher. —

Acrescenta outra pessoa. Mais risadas.

A conversa continua e todas parecem respirar um pouco mais fácil.


Meu coração aperta quando percebo que passei em qualquer teste

que jogaram em mim. Posso ter vindo como esposa de Guerra, mas

sairei como uma delas.

Passo o dia fora ouvindo suas fofocas e adicionando algumas

informações sobre minhas próprias experiências. Pela primeira vez em

muito tempo, a vida parece normal — ou pelo menos normal o

suficiente.

Tudo termina quando alguém menciona a invasão no dia seguinte.

Eu poderia fingir que os horrores não existem, mas logo eles aparecem

de volta.

O clima coletivo do grupo diminui, a risada desaparecendo.

Quando cheguei ao acampamento pela primeira vez, estava tão certa

de que era a única que lutava para impedir o cavaleiro. Mas agora está

claro que outras pessoas também se importam. Simplesmente não

estão em posição de fazer nada sobre isso.

Eu sim.

Consegui os aviários — e isso é algo — mas vi em primeira mão

durante a nossa última invasão o quão pouco isso realmente significa.

Apenas um punhado de pássaros voou com a minha mensagem e

quem sabe quantos deles foram abatidos por arqueiros.


Mas era a chave para sobreviver ao ataque do cavaleiro é ser

avisado sobre isso. E se as pessoas tiverem tempo suficiente para fugir

de suas casas, se correrem na direção certa, talvez possam enganar a

morte.

Infelizmente, não terei outra chance de enviar avisos, não se

Guerra me proibir de participar da luta. E se quiser fazer alguma coisa

para ajudar o mundo, terei que trabalhar com meu marido violento.

A chave para sobreviver ao seu ataque é ser avisado sobre ele. A

resposta está aí, me encarando.

— Miriam, Miriam. — Diz Zara, estalando os dedos na frente do

meu rosto. — Onde você foi?

Meu olhar se fixa no dela. — Acabei de ter uma ideia.


Na calada noite, saio da cama de Guerra, com cuidado para não o

acordar. Ele está profundamente adormecido, sua respiração sibilando

constantemente.

As lâmpadas da tenda estão todas apagadas, tenho que me virar

para as roupas que deixei nas proximidades. O mais silenciosamente

que consigo, me visto e calço as botas. Por fim, cubro minhas armas e

vou para fora.

Meus guardas mortos-vivos ainda estão de plantão, seus olhos

cegos olhando para o nada. Mas assim que me percebem, se

aproximam.

Eu começo a andar, caminhando ao redor da tenda de Guerra e os

zumbis entram em formação ao meu redor, assim como antes.

Preciso agitá-los.

Pelo menos não há mais soldados vivos nesta área. Esse é um

obstáculo que consegui evitar. A uma curta distância da tenda de


Guerra, há um estabulo privado. Dentro dele há um enorme cavalo

com pelo da cor de sangue.

Deimos

Às vezes, Guerra deixa seu cavalo vagar sem restrições e às vezes,

como esta noite, ele o prende — separado dos outros cavalos, é claro.

À noite e sem a presença reconfortante de Guerra, Deimos parece

mais assustador do que eu me lembro. Ele está na frente do estabulo, a

cabeça virada na minha direção. Parece esperar por mim.

Antes de perder a coragem, vou até o corcel sobrenatural. Ele bate

meu queixo com o focinho.

— Hey. — Sussurro, tentando agir corajosa. Estendo a mão e

gentilmente esfrego o cavalo até o focinho dele e entre os olhos.

Ele morde meu cabelo, a ação me fazendo tremer, mas o gesto

parece afetuoso. Talvez esteja apenas imaginando coisas, mas acho que

o cavalo de Guerra pode realmente gostar de mim.

Respiro fundo. Eu não sei muito sobre cavalos, apenas que podem

ser criaturas mimadas. E desde que tenho viajado com Guerra, já vi

meu quinhão de chutes e mordidas de cavalos. E se esses pequenos

pôneis não gostam de algo, deixam seu descontentamento conhecido.


Vamos descobrir o quanto este realmente gosta de mim nos

próximos minutos...

Eu pulo a cerca e agora estou enjaulada com ele. Vários segundos

depois, os cadáveres que me cercam também passam por cima da

parede do estabulo.

Merda. Esperava que a cerca dissuadisse os mortos.

Apenas agora percebo que uma garota humana, seis criaturas

mortas-vivas e um corcel selvagem, tudo espremido em um minúsculo

curral, é uma receita para o desastre.

No entanto, a reação agressiva que antecipo do cavalo de Guerra

nunca chega. Ele ignora completamente os mortos que nos cercam,

caminhando para mim em vez disso.

Acaricio o lado do rosto de Deimos. — Você vai me deixar montá-

lo? — Eu sussurro.

Quando Deimos não me atropela, decido que posso fazer

exatamente isso.

Sua sela está por perto. Tenho pouca experiência em selar um

cavalo e muita trepidação selando este.


Definitivamente serei chutada. Deimos é um bastardo malvado. Eu

o vi chutar e morder, quase atropelar uma boa dúzia de homens desde

que me juntei a este acampamento.

Mas quando levanto a sela, levantando-a às suas costas, ele não

tenta me machucar. Eu me inclino sob ele para segurar as rédeas e este

é o momento da verdade. Prendo a respiração, esperando por algum

tipo de retaliação de cavalo. Em vez disso, ele sacode a cabeça com

impaciência, como se quisesse dizer, apresse-se.

Enquanto isso, meus guardas ficam passivamente passeando. Olho

para eles, imaginando se são capazes de se comunicar com Guerra.

Meu estômago revira com o pensamento.

Ele está dormindo, eu me tranquilizo. Isso não me impede de

lançar um olhar assustado na direção de sua tenda. Quando termino

de prender a sela, abro o portão, pego as rédeas e tento levar Deimos

para fora.

O cavalo joga sua cabeça até eu soltar suas rédeas. Então começa a

fazer sua própria saída, ganhando velocidade a cada passo. Acabo

tendo que correr para o lado dele e apressadamente me içar de costas

antes que me derrube.


Por uma fração de segundo, Deimos tenta me sacudir e tenho

certeza de que este é o fim do meu plano incompleto. Mas me agarro

ao cavalo e depois de alguns segundos, ele parece aceitar o fato de que

o montarei esta noite.

Seu trote aumenta de velocidade à medida que nos afastamos do

acampamento. Ao redor de nós, meus guardas mortos-vivos começam

a correr, tentando em vão acompanhar. Mas o corpo humano apenas

pode se mover tão rápido — até mesmo um animado magicamente. Os

cadáveres começam a se afastar de nós e espero desesperadamente que

não se reportem imediatamente a Guerra.

Eu mal me livrei dos guardas quando ouço o silvo de uma flecha

enquanto ela zumbe.

Porra. Esqueci dos soldados que patrulham o perímetro do campo

de Guerra. Tolamente assumi que foram substituídos pelos mortos.

Mas não, ainda estão de guarda.

Outra flecha zumbe, abaixo meu corpo para que fique grudada em

Deimos.

Ouço seus gritos distantes, mas em algum momento, viajamos para

fora do alcance de suas armas.


Escapei dos meus guardas. Solto uma respiração irregular.

Primeiro passo completo.

Agora, passo dois.

Demora mais de uma hora para chegar a Mansoura. A cidade

cresce como uma erva daninha do chão, a periferia nada mais do que o

entulho sendo recuperado pela natureza.

As poucas lâmpadas de gás que estão acesas revelam mais cascos

quebrados de casas. Os pequenos edifícios parecem lápides, suas

paredes crivadas de buracos de bala.

Claramente houve luta ali, assim como em Jerusalém. Talvez a

religião estivesse na raiz, como no meu país ou talvez fosse outra coisa.

Pessoas desesperadas são frequentemente pessoas raivosas. E desde a

chegada dos cavaleiros, muitos de nós estão desesperados. Isso é tudo

o que preciso para começar uma guerra — raiva e desespero.

Uma vez que entro na cidade propriamente dita, rapidamente

percebo duas coisas: uma, Mansoura é enorme — muito maior do que

algumas das cidades que nós invadimos até agora. E dois, apesar de

seu tamanho, já pode estar abandonada. As vidraças estão faltando, as

construções estão desmoronando e as ruas estão cheias de escombros.


No entanto, as lâmpadas de gás estão acesas e alguém precisou

acendê-las, o que significa que apesar de todas as aparências externas,

as pessoas ainda vivem ali.

Meus olhos vasculham a cidade adormecida. Em menos de doze

horas, um exército de milhares de pessoas descerá ao local, queimando,

matando e atacando tudo à vista. Mesmo nas asas da minha paixão e

da gentileza de Guerra, ainda há esse problema em nosso

relacionamento.

Soldados egípcios se manifestam da escuridão, assim como

fizeram em Port Said. E assim como em Port Said, suas armas no alto.

Há até um arqueiro, apontando uma flecha para meu peito.

— Identifique-se. — Um deles exige.

Brevemente, eu me pergunto se todo estranho que entra na cidade

a essa hora da noite é bem recebido dessa maneira. Não importa.

— Guerra está estacionado a menos de vinte quilômetros de sua

cidade. — Eu digo. — Em poucas horas, ele e seu exército de cinco mil

pessoas virão para sua cidade e destruirão tudo.

Os soldados não abaixam suas armas.

— Como você sabe disso? — Pergunta um deles.


— Eu sou sua. — Esposa. Eu mordo minha língua para não

expressar esse título maldito. — Sou um dos seus soldados.

Eu ouço o rangido de madeira quando o arqueiro puxa seu arco.

Um deslize dos seus dedos e levarei uma flecha no peito.

— Por que devemos confiar em você? — Pergunta o arqueiro.

— Você não tem nenhum motivo para isso. — Admito. — Mas

imploro para ter uma chance de evacuar o que puder da sua cidade.

Meus olhos se movem para cidade. E se ainda houver pessoas ali

quanto antes do apocalipse, não há como todas terem tempo de

escapar. Mas alguns deles sim e isso é tudo que importa.

— E se não quiser problemas. — Um dos soldados diz. — Sugiro

que você volte pelo caminho que veio.

Por que ninguém nunca acredita em mim?

— Ouça. — Eu digo. — Os rumores sobre o leste são todos

verdadeiros. Guerra já varreu a Nova Palestina. Ele passará por aqui

também. Eu já vi isso acontecer em várias cidades. Aconteceu com a

minha.

Eu não posso dizer na escuridão, mas os homens parecem céticos.


— Algum de seus mensageiros desapareceram recentemente sem

deixar vestígios? — Eu pergunto, tentando não parecer exasperada. —

Seus aviários tiveram problemas para entregar mensagens para certas

cidades a leste?

Eu vejo dois dos homens trocarem um olhar.

— Já viram o céu? Já reparou como está nebuloso recentemente?

Viu alguma cinza flutuando ao vento?

Mais uma vez, os homens trocam um olhar.

— O cavaleiro gosta de queimar suas cidades e matar qualquer

coisa que chegue perto delas. Seus mensageiros desaparecidos estão

mortos e todas as cidades do norte e do leste estão queimadas. Port

Said se foi. Assim como Arish e a maioria, se não todas, da Nova

Palestina

Os soldados olham um para o outro e depois murmuram

suavemente entre si. O arqueiro ainda tem sua arma apontada para

mim, mas até ele ouve a discussão silenciosa.

Logo chegam a algum tipo de decisão.

— E se acreditarmos em você? — Diz um, embora a contragosto.

— O que então?
Por um momento as palavras não são processadas. Acho que não

esperava que acreditassem. Não quando pareciam tão desconfiados.

— Não há muito tempo. — Digo aos soldados. — Os homens de

Guerra estarão acordando em uma hora, talvez menos e começarão a

se mobilizar. E se pessoas aqui esperam escapar, precisam sair

imediatamente.

— E se estiver mentindo para nós. — O arqueiro diz ainda

segurando seu arco e flecha frouxamente. — Pagará por isso.

Infelizmente.... — Estou dizendo a verdade.

Quinze minutos depois, estou galopando pelas ruas de Mansoura.

— Acordem! — Eu grito enquanto passo. — Vocês todos precisam

evacuar! Guerra está chegando! — Eu me movo pela cidade, gritando

várias versões da mesma coisa várias vezes até minha voz ficar rouca.

Essa foi a ideia que se formou quando me sentei com Zara e aquelas

outras mulheres. Podia não ser capaz de lutar contra o exército de

Guerra, mas ainda poderia avisar as cidades que o cavaleiro estava

prestes a atacar, começando com esta.

Lentamente, Mansoura se anima. Lâmpadas estão sendo acesas

dentro de casas, posso ver pessoas se mexendo ou olhando para fora


curiosamente. Logo, vejo famílias inundarem as ruas, algumas com

seus pertences.

Eu paro brevemente para absorver tudo. Consegui avisá-los.

Realmente fiz isso.

Eu toco meu bracelete, esfregando meu polegar sobre a Mão de

Miriam. Uma parte de mim se enche de orgulho. Realmente ajudei

essas pessoas. Eles podem realmente sobreviver à Guerra, tudo porque

ousei escapar e alertá-los sobre o que estava por vir.

Entre o caos ouço o barulho de cascos, um cavalo e seu cavaleiro se

aproximam de mim.

— Isso foi ousado da sua parte.

Estremeço com aquela voz grave e forte

— Ousado e imprudente.

Minha cabeça vira para o lado e vejo Guerra, sentado no cavalo de

outra pessoa, olhando para as casas com seus moradores em fuga. Ele

não parece irritado, mas a visão de seu rosto calmo e impiedoso me

arrepia até os ossos.

— O que você está fazendo aqui? — Pergunto.


— Eu poupei o menino de sua amiga em Arish e poupei os

sobreviventes em Port Said, tudo pelo seu coração mole. — Ele diz. —

Estava até mesmo disposto a encontrar sua família.

Minhas mãos começam a tremer. Eu sei melhor do que confiar em

sua voz calma.

Ele vira seu olhar impiedoso para mim. — E é assim que você me

paga?

Estar com Guerra me embalou em uma falsa sensação de realidade,

onde ele me trata com benevolência e ignora minhas ações. A parte de

trás do meu pescoço está doendo. Acho que o interpretei mal.

Eu me forço a levantar o queixo. Estamos além de desculpas ou

explicações. Não sinto muito pelo que fiz e nada nesta terra arrancará

essa mentira dos meus lábios.

Ele observa meu rosto. O que ele vê lá faz com que o canto da boca

se curve.

O frio dentro de mim se expande, alcançando meus braços, depois

minhas pernas.

— Eu sabia que você seria um problema. — Diz ele. — Mas agora,

deve me ver por quem realmente sou.


Ele levanta a mão.

— Não

Deus, não. Qualquer coisa menos isso.

Guerra me ignora, esticando o braço para fora, como se para

agarrar o horizonte escuro.

Tudo ao nosso redor, junto com as pessoas se movem para as ruas.

Eu quero dizer que não vejo os velhos e os jovens e tudo mais, mas

estão todos entre as massas que saem de suas casas. Alguns deles

olham para nós, mas ninguém parece ter a menor ideia de que um

demônio está entre eles.

— Por favor, Guerra. — Imploro, pegando sua mão, — Você não

tem que sabotar isso. — Eu digo.

— Não estou sabotando nada. Você desafiou minha vontade e

agora eles sofrerão por isso.

— Por favor. — Eu digo novamente. Uma lágrima horrorizada

desliza pela minha bochecha.

Segurei este homem nu contra mim. Ele me salvou da morte e fez

sentir como ninguém mais.


Ele é capaz de bondade, sim. Eu já vi isso mais de uma vez.

— Por favor. — Minha voz se quebra. — Isso não é você.

Não é? Não é exatamente quem e o que ele é?

Guerra me ignora, embaixo de nós, a terra começa a tremer. O

cavalo em que ele está começa a se mover nervoso.

— Não. — Eu digo novamente, desta vez sem esperança.

Eu desço de Deimos e dou vários passos cambaleantes enquanto a

terra rola sob meus pés. Ao meu redor, ouço as pessoas gritarem

quando se agarram.

Eu olho por cima do meu ombro para Guerra, mas seus olhos

ficaram desfocados. Ele não está aqui, mas em outro lugar. E não

parece em nada com o homem cuidou de mim.

A terra se rasga ao meu redor e corpos brancos como ossos se

afastam do chão. As pessoas gritam assim que avistam os mortos se

levantando. Não há muitos mortos nesta área da cidade, mas ao longe

ouço gritos crescentes. Deve haver um cemitério próximo ou uma vala

comum de algum tipo.


E agora a constatação arrepiante se instala: Mansoura foi

provavelmente atingida pela guerra recentemente, a julgar pela

aparência da cidade. E na guerra, há muitas baixas... vítimas cujos

corpos podem ter sido enterrados na cidade.

Os mortos ao meu redor descem sobre os vivos com agilidade não

natural.

Eu me viro para guerra. — Pare!

Nada.

Vou em direção a ele.

Seu cavalo já está meio assustado. Debato entre assustar o corcel e

deixá-lo em um frenesi antes de decidir me forçar a montar.

Estou louca, eu acho, especialmente quando a montaria de Guerra

ergue as pernas da frente a meio caminho de aviso. Mas me agarro o

suficiente sobre a sela para agarrar a armadura de Guerra, então

começo a arrastar os dois de volta à terra.

A ação é suficiente para assustar completamente o cavalo. A

montaria do cavaleiro recua, jogando-me de costas. Uma fração de

segundo depois, o cavalo decola para o corpo a corpo.


Guerra está sob mim. Seu braço não está mais estendido, seus olhos

não mais vidrados. Ainda assim, os mortos-vivos não voltam para

terra. Quaisquer que sejam os seus poderes, eles não serão impedidos

apenas pela distração.

Eu me inclino sobre ele e seguro seu rosto. — Por favor, Guerra.

Por favor, tenha compaixão. Por favor, pare.

— Eu não vou parar, esposa. Eu nunca pararei. É você quem deve

se render.

Essa maldita palavra.

Eu me empurro para longe dele, repentinamente repelida pelo

pensamento de tocá-lo. Cuidar dele. Ele é uma doença e um terror para

o meu mundo.

Ao meu redor a cidade está descendo em um caos total. Os mortos

matam os vivos, cada pessoa abatida fica parada por um momento ou

dois. Então eles se levantam novamente como mortos vingativos. Eles

atacam os vivos, as pessoas que procuravam proteger apenas alguns

segundos antes.

Maridos mortos matam suas esposas, pais mortos matam seus

filhos, vizinhos mortos matam seus amigos. Uma vida inteira de


relacionamentos —relacionamentos profundos e significativos — são

destruídos em um instante.

Eu mal registro as lágrimas escorrendo pelo meu rosto. Como

merecemos isso? O que fizemos para merecer isso?

Os mortos me ignoram e guerreiam completamente. É quase

surreal e por um instante, lembro como foi assistir televisão. Era uma

mosca na parede enquanto uma grande cena se desenrolava ao redor.

Você assistiu, como um espectro, mas nunca foi tocada por isso.

Eu me forço a ficar de pé. Em transe, puxo meu arco do ombro e

pego uma flecha. E começo a atirar nos recém-mortos.

Uma mãe, um avô, um marido, uma filha, um vizinho. Eles

dificilmente reagem às flechas que cortam. Continuo atirando, mesmo

quando choro. Atiro até que não haja mais flechas. E ainda os mortos

continuam matando.

Eu puxo minha adaga do coldre e passo para a briga. Os mortos-

vivos não brigam comigo. Eles se separam como o Mar Vermelho,

movendo-se ao redor para caçar mais inocentes. Não consigo nem

chegar perto o suficiente deles para afundar minha lâmina em sua

carne.
Quero gritar.

— Você acha que eu não saberia de sua traição? — Guerra chama

atrás de mim.

Eu me viro para encarar meu marido celestial e estou tremendo

com toda a minha raiva e angústia.

— Você nem saiu do acampamento quando meus homens me

disseram. — Ele começa a casualmente diminuir a distância entre nós,

ignorando a carnificina ao seu redor, mesmo quando o sangue jorra

sobre sua roupa preta. — Como minha esposa escapou no meu cavalo,

não menos.

Há apenas uma coisa neste mundo que ele poupará, uma coisa que

ele não pode perder. Uma maneira de impedi-lo.

O medo me atravessa.

Seja corajosa.

Eu o deixei chegar perto. É apenas no último minuto levo minha

adaga para a garganta.

Guerra para, ainda longe demais para agarrar a minha arma, mas

perto o suficiente para vê-la pressionada contra a minha pele. Seus


olhos se arregalam, apenas por uma fração de segundo. O cavaleiro

não previu isso.

— Miriam. — Guerra usa sua voz ameaçadora, aquela que faz você

querer se irritar. E ainda há uma faísca de medo em seus olhos.

Agora sou muito imprudente para me preocupar com qualquer

um.

— Pare o ataque. — Exijo.

— Eu não serei ameaçado. — Ele adverte.

Eu aperto a faca um pouco mais, até que sinto uma picada aguda e

sangue quente escorre da ferida e do meu pescoço.

Os olhos do cavaleiro seguem a linha de sangue e agora parece um

homem observando a areia escorregar por uma ampulheta.

Mas sou aquela que está ficando sem tempo. Os gritos estão se

acalmando agora; os mortos dominaram os vivos. Não durará muito

mais tempo.

— Deixe-os viver. — Eu digo. Acho que voltei a implorar.

Ele não o faz.


Sinto meu coração partir. Sequer sabia que poderia se partir. Não

por Guerra.

Não posso convencê-lo. Estamos todos verdadeiramente perdidos.

Sinto minhas lágrimas vindo mais rápido agora, cada uma escorrendo

pelo meu rosto. Isso obscurece a forma do cavaleiro, que é

provavelmente como ele consegue diminuir a distância restante entre

nós.

Em um instante, ele está diante de mim. Envolve uma mão ao redor

do punho da minha faca e tenta arrancá-la de mim. Ele está sendo

muito gentil, contendo sua força e em vez de soltar a faca, me movo

com ela, tropeçando no corpo de Guerra, de modo que agora ele está

segurando tanto eu a lâmina. A lâmina ainda corta minha pele.

— Faça isso. — Eu digo, provocando-o. — Foi tão fácil para você

matar todos eles. Mate-me também.

Agora ele usa a sua força desumana. Guerra arranca seu antigo

punhal e vejo fúria em seus olhos.

— Você está com raiva, esposa! — Diz ele.

— Você não pode fazer isso. — Eu digo, embora já soubesse que o

faria. — Está tão certo de sua causa e ainda assim não pode me matar.
— Claro que não posso, Miriam. Deus a entregou para mim! — Ele

grita. — Não desperdice sua vida para fazer um ponto! Juro a você, não

a conseguirá de volta!

— Acha que não sei disso? — Pergunto baixinho.

O cavaleiro me agarra, irritado demais com as palavras. Deimos

tem vagado por perto e Guerra vai até a criatura, carregando-me junto.

Ele me levanta em sua montaria.

Apenas horas atrás este homem estava dentro de mim. Lembro-me

dos seus olhos nos meus; olhou para mim como se eu fosse algum

milagre estranho.

Esse foi o sonho. Essa é a realidade.

Ele ainda não se juntou a mim em seu cavalo, olho para ele

enquanto a última cidade cai, seus gritos silenciando, um por um.

— Você apenas está disposto a seguir o seu deus quando não tem

nada a perder. — Eu digo. — Mas quando o fizer, então o desafiará?

Você não é um salvador trágico, é um monstro de vontade fraca.


Capítulo Quarenta e Três

Andamos em silêncio por um longo tempo, durante o qual Guerra

tentou tocar meu pescoço duas vezes, apenas para eu bater na mão

dele. É muito parecido com desistir, deixar o cavaleiro me curar.

— Eu não vou parar de tentar avisá-los. — Eu digo na escuridão.

— Você terá que me matar primeiro.

— Eu juntei tanto. — Diz ele.

Eu não sei o que fazer com isso. Mas pelo menos as linhas de

batalha já foram oficialmente traçadas.

— Eu poderia matá-los todos instantaneamente, sabe. — Diz

Guerra, do nada. — Toda cidade, toda nação. O homem não teria

chance.

Eu não reajo. Acho que estou entorpecida.

— Eu costumava fazer essas coisas. — Continua Guerra.

Eu olho para a paisagem escura, repulsa rolando através de mim.

— Acordei há dois anos. — Ele começa. — Bem na ponta sul do

Vietnã. Naquela época não tinha exército, apenas os mortos que


levantava do chão. Mas foi o suficiente. Foi mais que suficiente. Todas

as cidades em que cheguei foram dizimadas em poucas horas.

Eu flexiono o queixo para me impedir de dizer a ele que monstro é

novamente. Ele sabe. Posso ouvir em sua voz.

— Eu não mato mais assim. Apesar da minha luxúria pela batalha,

há uma parte minha, uma parte crescente, que discorda dessas táticas.

Então você simplesmente nos mata mais devagar, quero acusá-lo,

mas qual é o ponto? Prefiro não perder o fôlego discutindo com Guerra

sobre seu método de matar pessoas quando o que realmente discordo

é o fato de que ele está matando pessoas.

Ele fica em silêncio novamente e nós dois passamos o resto da

jornada assim.

Quando chegamos de volta ao acampamento, ainda está escuro,

silencioso como a sepultura. Fecho meus olhos. Não pense em

sepulturas.

Alguns soldados em serviço nos observam com curiosidade

enquanto atravessamos. Parece errado estar de volta aqui. Como se

toda a viagem fosse um devaneio sombrio.


Guerra faz Deimos parar em frente à sua tenda. Lá os mortos-vivos

nos esperam e tremo ao vê-los. Eu sei do que são verdadeiramente

capazes. Vi em primeira mão apenas algumas horas atrás.

Guerra pula de seu corcel, a luz das tochas próxima o faz brilhar.

Quando não o sigo, ele me alcança e me tira do corcel.

Por um segundo, acho que ele me carregará. Há um olhar em seus

olhos, como um pedido de desculpas e quase acredito nisso. Mas o

abraço nunca vem.

Ele agarra meus braços, sua expressão feroz. — E se fosse outra

pessoa, esposa. — Ele diz, com a voz baixa. — Eu mesmo a mataria por

suas ações.

Eu levanto meu queixo. — Então me mate e me deixe ser livre. —

Eu digo, minha voz vazia.

Seu aperto fica mais intenso. — Droga, mulher. — Diz ele, dando-

me uma sacudida. — Você não sente um pouco do que sinto por você?

Estou dizendo isso, porque não poderia, eu... não poderia matá-la

nunca. Posso destruir uma civilização inteira, mas não você, Miriam.

Não por mil coisas diferentes. Eu preferiria cortar minha própria mão

do que machucá-la.
Estou piscando novamente as lágrimas e estou com raiva, triste,

frustrada e de coração partido de uma só vez.

— Então pare com isso. — Respondo, sentindo o veneno das

minhas emoções em minhas veias. — E enquanto estiver nisso, corte o

seu braço da espada.

Eu sei que estou sendo cruel. Agora eu gosto disso. É bom ferir os

cavaleiros quando nada e mais ninguém consegue.

As palavras acertam o alvo. Guerra me liberta, parecendo chocado,

seus olhos mais crus do que costumam ser.

Agora que ele me deixa ir, me viro e me afasto.

Apenas dou cerca de cinco passos quando um dos mortos-vivos se

aproxima. Eu olho para Guerra por cima do meu ombro.

— Você ficará comigo esta noite, assim como fez todas as outras

noites. — Sua voz é profunda, controlada. Agora, ele é cem por cento

cavaleiro, pronto para destruir meu mundo.

— Como o inferno que ficarei. — Eu digo.


O zumbi chega perto o suficiente para eu recuar com seu cheiro,

mas é Guerra quem diminuiu a distância entre nós, chegando tão perto

que seu peito roça o meu.

Ele inclina a cabeça para mim.

— Estou lhe dando sua dignidade agora. — Guerra se inclina. — E

algo me diz que ainda tem muita dignidade. Não force meus mortos a

jogarem você por cima do ombro. Agora, entre na nossa tenda.

Eu olho para ele por um segundo ou dois. Meu corpo praticamente

treme com a necessidade de desafiá-lo. Mas o cavaleiro já provou uma

vez esta noite que não posso fugir.

Mas fugirei de qualquer forma.

Desafio — até mesmo desafio fatalista — é bom.

Eu não caminho dez metros antes de um de seus soldados mortos-

vivos me atropelar. Sou empurrada para o chão e depois levada para

os braços do cadáver.

Eu o amaldiçoo, Guerra, Deus e todas as outras pessoas inúteis

neste acampamento. Estou com raiva. O cavaleiro dizimou uma cidade

inteira apenas com sua vontade. E foi a visão mais horrível que já vi.
Tudo porque tentei salvá-los primeiro.

Minhas maldições se tornam soluços. O zumbi me carrega até a

tenda de Guerra, onde o cavaleiro já espera.

— Eu o odeio, seu bastardo. — Digo a ele sou colocada no chão.

Guerra não responde. Em vez disso, se move através de sua tenda,

removendo todas as armas de dentro de sua tenda. Ele entrega cada

uma deles ao seu soldado morto-vivo. — Guarde-as em um local

seguro. — Ele diz à criatura. — E quando terminar, traga água quente

para um banho.

Eu não saio do chão, mesmo quando o soldado sai com as coisas

de Guerra. Ainda há mais armas na tenda e o cavaleiro continua

pegando todas e coloca em uma pilha.

— O que você está fazendo? — Eu pergunto.

— Eu não confio em você com objetos pontiagudos agora.

Então ele está se desfazendo delas.

— Isso é inteligente de você. — Eu digo baixinho. — Porque no

momento em que fechar os olhos, tentarei espetá-lo.


O cavaleiro parece levemente divertido enquanto caminha até a

mesa e se serve de um copo de álcool. Pelo menos, sua expressão parece

divertida. Seus olhos são sérios.

Ele toma um gole de sua bebida. — Eu posso me levantar como

meus mortos. Você não pode. Aí reside o meu problema.

Leva-me um momento para juntar o significado por trás de suas

palavras. Quando o faço, levanto as sobrancelhas. — Você acha que o

matarei?

Guerra me observa, seu rosto inescrutável.

O cavaleiro engole o resto de sua bebida, em seguida, serve outro

e se ajoelha na minha frente para me entregar o copo. Quando não

tomo, ele suspira e toma tudo.

— Por que você se importa se me mato? — Eu pergunto, de onde

estou. Meu temperamento ainda arde, mas agora, a curiosidade está

dominando meu ódio.

Guerra se levanta e volta para mesa, servindo-se de outra bebida.

Mais uma vez, volta para o meu lado e oferece para mim. Eu hesito,

então me levanto e tiro o copo dele.


— Esta não é uma oferta de paz. — Afirmo. Ele não pode comprar

meu perdão. Não depois do que vi e do que ele fez.

— Eu não pretendia que fosse uma.

Vou até a mesa e me sento. Eu não sei porque estou fazendo isso.

Guerra acabou de fazer a coisa mais maravilhosa que já vi. Mas então

tudo o que veio depois desse evento divergiu do roteiro apropriado.

Eu devo matá-lo e ele deveria me punir, mas nada disso está

acontecendo.

Guerra toma outra bebida e depois se senta à minha frente.

O soldado morto-vivo volta para dentro da tenda, carregando uma

jarra de água fumegante. Silenciosamente, ele a despeja na banheira na

parte de trás da tenda, depois sai, parando apenas para pegar mais das

armas que Guerra depositou naquela pilha.

— Como você pode querer que todos nós morramos? — Pergunto.

— Eu não quero que todos vocês morram.

— Certo, é o seu chefe que quer que a gente vá embora.

— Acredite ou não. — Diz Guerra, parecendo cansado. — Existem

outras criaturas neste planeta que merecem ser salvas, criaturas que os
humanos sistematicamente eliminaram. Você já considerou o fato de

que, mesmo sendo o filho favorito de Deus, você não é a única?

— Então você está fazendo isso pelos mosquitos? — Deveria ser

engraçado, mas ainda estou com tanta raiva que quero jogar minha

bebida na parede da tenda.

— Houve vários eventos de extinção neste planeta, Miriam. E antes

de meus irmãos e eu aparecermos, o mundo estava se dirigindo para

outro, tudo graças aos humanos.

Então estamos sendo mortos para proteger tudo o que vive nessa

rocha. Eu odeio que o bastardo realmente consiga parecer altruísta

após os eventos desta noite.

— Sua natureza é falha. — Continua Guerra. — Muito curioso,

muito egoísta. E muito brutal. Muito brutal. Mas não, Miriam, não

quero que todos os humanos morram. Minha própria essência nasceu

da natureza humana. Sem você, eu não existo.

Um calafrio percorre meus braços. Com cada movimento de sua

espada, o cavaleiro está se matando.

— Então você não está arrependido por hoje à noite. — Eu digo.


— Eu não posso mudar minha tarefa, esposa. — Seus olhos

delineados com kohl tem um peso antigo.

— Você pode decidir não fazer isso. — Eu digo.

— E por que deveria? — Ele desafia.

— Porque sua esposa implora.

Guerra acalma um pouco com a palavra esposa. Não é sempre que

reconheço quem sou para ele. Eu sei que ele acha que isso significa que

eu acredito neste estranho casamento nosso e talvez estivesse

pensando na possibilidade. Mas agora apenas digo isso porque sei que

fica sob sua pele de uma forma que poucas outras coisas podem fazer.

— Os humanos têm o luxo de serem egoístas, Miriam, mas eu não.

Não parece egoísta, tentando poupar inúmeras pessoas do abate,

mas também posso dizer pelo olhar penetrante nos olhos de Guerra

que esta noite, minhas palavras cairão em ouvidos surdos. Estou muito

emocionalmente envolvida e ele é muito inflexível sobre sua causa para

ser influenciado.

Eu tomo outro gole da minha bebida. O soldado morto voltou para

dentro, levando mais água quente para a bacia e pegando outro

punhado de armas ao sair.


O banho é para mim, eu sei disso sem nem perguntar. Então,

termino minha bebida e saio da mesa, caminhando para banheira. Eu

não me importo com o que Guerra vê, nem me importo agora se o

cadáver voltar e ver meus seios. Parte da minha raiva realmente

diminuiu, mas apenas para que um tipo terrível de dormência possa se

instalar.

Entro na banheira rasa e começo a me lavar porque sinto o cheiro

de um cadáver. Fico de costas para o cavaleiro, não estou interessada

em vê-lo, falar com ele ou interagir de qualquer maneira. Na metade

da limpeza, o zumbi volta e eu não me incomodo em me cobrir. Não

importa; seus olhos cegos não olham para absolutamente nada

enquanto completa sua tarefa.

— Então é isso, esposa? — A voz de Guerra soa. — Fingirá que eu

não existo?

— Isso seria impossível. — Eu digo, tão baixinho que não tenho

certeza se ele ouve.

A cadeira do cavaleiro recua e acho que por um instante ele vai se

aproximar de mim. Depois de um momento de pausa, no entanto, seus

passos se movem na direção oposta. As abas da tenda sussurram e

depois Guerra desaparece.


Eu me seco no silêncio sombrio da tenda do cavaleiro. Estou

primorosamente sozinha, no entanto, sinto os olhos do cavaleiro em

toda parte. Eu sei que seus mortos espreitam do lado de fora,

esperando que eu fuja.

Eu jogo minha toalha sobre uma cadeira e visto roupas limpas —

roupas que alguém lavou, secou e dobrou. Roupas que não são minhas

e não parecem minhas, assim como o resto deste lugar.

Então volto para a mesa de Guerra e me sirvo de outra bebida,

meus olhos indo para a lamparina à minha volta.

Guerra é um tolo se ele acha que as lâminas são a única maneira de

morrer. Toda essa tela, todas essas chamas. Incêndios acontecem no

acampamento toda semana. Seria tão fácil começar um ali e deixar

essas chamas terminar o trabalho que começaram naquele prédio em

chamas.

Mas não derrubo uma lâmpada nem ateado fogo nas paredes. Não

quero morrer, apesar da minha bravata anterior.

Fecho os olhos, uma lágrima escorre e depois tomo outro gole da

bebida. E depois um pouco mais. Quero esquecer toda lembrança

desagradável desde que os cavaleiros chegaram.


Não posso. Eu já sei que não posso e ficar bêbada apenas me

deixará mais enjoada. Nenhuma quantidade de álcool pode tirar o que

vi. Eu afasto meu copo.

Estou vivendo em meio a uma extinção.

Isso é o que é. Apenas que, em vez dos humanos levarem o mundo

inteiro junto conosco, os cavaleiros decidiram que seríamos apenas

nós. Nós humanos ruins.

Levantando, deito na cama de Guerra, ignorando como cheira a

ele. Meu corpo está cansado, meu coração está cansado e logo depois

que fecho meus olhos, caio no sono.

Sou acordado algum tempo depois pelo cavaleiro, que se junta a

mim na cama, um de seus braços envolvendo minha cintura.

Endureço em seus braços. Não estou pronta para isso.

Eu tento me esquivar, mas ele me segura rápido no lugar. Deve

forçar tudo, aparentemente.

Essa porra da noite sem fim.

— Você está em meus braços, no entanto, sinto que está longe,

longe de mim. — Diz Guerra. — Eu não gosto dessa distância, esposa.


Pelo menos ele sente o quão distante estou. Pode me impedir de

sair fisicamente de seu lado, mas não pode me impedir de recuar

emocionalmente.

Nós dois ficamos assim pelo que parecem horas. Não acho que

dormimos, mas também não nos levantamos. Um abismo se abriu

entre nós — ou talvez estivesse sempre ali, mas agora não pode ser

ignorado.

Quando os primeiros sons de homens rompem o silêncio do lado

de fora, Guerra relutantemente afasta a mão e se senta. Eu o ouço

suspirar.

E de acordo com o resto do acampamento, invadirão Mansoura

hoje. Nenhum deles sabe que Mansoura já foi expurgada de sua vida.

Tudo o que resta é invadir casas e roubar bens dos mortos.

Estou curiosa sobre como Guerra lidará com isso. Tão curiosa, de

fato, que uma vez que o cavaleiro se levanta da cama, paro de fingir

que estou dormindo e me sento.

Ele vai até a sua armadura de couro, que está perto da cama. Sua

enorme espada ao lado, a lâmina monstruosa embainhada em sua

bainha carmesim. Estou meio surpresa que ele levou a lâmina para a
tenda depois do grande show sobre a remoção de todas as armas deste

lugar.

Um pensamento sombrio e desesperado me prende com a visão

daquela espada. Presa nos ganchos de minha própria mente, levanto-

me, indo até a lâmina, atraída por ela.

Guerra faz uma pausa bem no meio de colocar a armadura no

peito, com os olhos fixos em mim. Ele removeu todas, exceto uma arma

e agora sua esposa está se aproximando dela. Tenho certeza de que as

preocupações de ontem à noite sobre mim tentando me machucar

agora estão levantando suas cabeças feias, mas ele não pega a lâmina.

Eu me ajoelho na frente de sua espada. Agarrando o cabo, puxo a

arma um pouco da bainha. No aço está mais aquela escrita estranha

que decora as juntas e o peito de Guerra. Essas não brilham, mas posso

dizer que a linguagem é a mesma. A linguagem de Deus

— Miriam. — É um aviso.

Eu olho para Guerra e há violência em seus olhos.

— Eu não vou me matar. — Eu digo.

Ele não relaxa e desfruto de sua inquietação.


Voltando para a lâmina, passo meus dedos sobre as marcas

estranhas. Então, aparentemente por vontade própria, meus dedos

deslizam para a borda da lâmina.

— Miriam. — Meu último aviso.

Passo o polegar sobre a borda da espada, em seguida, amaldiçoo

quando sinto o aço cortar minha pele. A filho da puta está afiada.

Coloco meu dedo na boca assim que o cavaleiro arranca a arma do

meu aperto.

— Ela gosta do sabor do sangue. — Diz Guerra, como se a arma

pudesse crescer de repente e me comer inteira.

Ele termina de colocar sua armadura, mantendo-se entre mim e sua

espada. Por fim, prende a lâmina nas costas.

Lá fora, o barulho está ficando mais alto.

— Eu preciso ir. — Guerra se aproxima. Eu posso dizer que ele

quer me beijar — ou pelo menos me tocar — mas não o faz. O cavaleiro

pode não ser humano, mas entende o suficiente sobre os impulsos

humanos para saber quando se afastar de mim. Ainda assim, seus

olhos parecem arrependidos.


Ele espera um momento ou dois para eu dizer alguma coisa,

considero isso...

Espero que você não volte.

Que seus inimigos o cortem.

Apodreça na miséria, imbecil.

Mas minha ira branca e quente já passou há muito tempo e é difícil

reunir a energia para ficar irritada. Guerra demora o suficiente para

perceber que não darei a ele uma espécie de feliz despedida. Com um

olhar final e pesado, ele sai da tenda, a lona farfalhando.

Eu nunca recebi uma resposta para a minha pergunta: como

Guerra lidará hoje?

No entanto, consegui uma resposta para uma pergunta que não

pretendia fazer. Olho para o corte no meu polegar. Uma gota de sangue

ainda está ali. Eu sorrio um pouco com a visão, depois esfrego o

sangue.
Não vejo Guerra novamente até aquela noite. A essa altura, a

celebração dos ataques está a todo vapor, os tambores de guerra

emitindo um som hipnótico.

Não importa que o ataque foi inútil. Toda pessoa esta noite parece

exultante. Eu me movo pelas bordas da multidão, as pessoas se

afastando enquanto meus guarda-costas mortos-vivos abrem caminho

através da multidão.

Meus olhos vão para Guerra, que se senta em seu trono, uma

carranca no rosto. Ele me vê de seu trono, seus olhos se estreitando.

Levanta e toda a multidão parece reagir a essa única ação.

Olho para ele. Eu não posso não olhar. E meu coração, meu coração

teimoso e horrível parece parar. É sempre amor e guerra conosco.

Ele não vai parar. Ele nunca vai parar.


Atravesso a multidão, observando como parte para mim e minha

comitiva grotesca abre o caminho. Guerra deixa seu estrado, nós dois

nos encontramos no meio do caminho.

Antes que possa dizer ou fazer qualquer coisa, ele me beija. É tão,

tão descarado dele, considerando onde paramos. E agora tudo o que o

acampamento assumiu sobre nós foi confirmado. Caso já não fosse

super aparente.

— Onde você esteve? — Guerra pergunta, interrompendo o beijo.

Mas não é realmente uma questão. Seus mortos me guardaram o dia

todo; Guerra deve ter alguma ideia de onde estavam, portanto, onde

eu estava. Que estava na tenda das mulheres.

— Você me ama? — Eu pergunto a ele.

A testa de Guerra franze, seus olhos escuros se movem para os

meus. Ele é tão severamente bonito. Sua mão vai para a junção onde

meu ombro encontra meu pescoço e gentilmente, aperta.

— Ama? — Pergunto.

— Você realmente não sabe dizer? — Ele diz, tão baixinho que

quase não o ouço.


Eu tomo uma respiração trêmula. — Então pare o assassinato. —

Eu digo. — Por favor. É tudo que peço.

— Você está me pedindo para desistir de tudo. — Guerra

realmente parece triste com a ideia de acabar com o assassinato.

Ele é batalha encarnada. Estou pedindo para ele fazer mais do que

parar um hábito simples. Estou pedindo que negue a parte principal

de si mesmo.

— Por favor...

Sua expressão endurece. — Não. — Seu tom é absoluto, inflexível.

Eu sabia que ele não capitularia. Sabia disso, no entanto, isso parte

meu coração novamente.

Sem outra palavra o deixo, sua grande mão deslizando do meu

ombro. Eu corto através dos corpos em enxame, minhas narinas

ardendo com o cheiro de suor e podridão que parecem sufocar a área.

Meus guardas ficam ao meu redor.

Eu consegui muita coisa de Guerra. Muitas.

Muitas.

Seja corajosa.
Não há para onde ir. Nenhum lugar para escapar desses horrores.

Eu nem tenho minha própria tenda. Quero gritar.

Considero deixar o acampamento inteiramente — não que isso

funcione, mas ainda considero. Olho para o meu polegar, onde o corte

se curou. Sair seria tolo de qualquer maneira; já fiz planos para esta

noite.

Eu volto para a tenda de Guerra, o único lugar onde meus guardas

zumbis não me seguem. Quando entro, meus olhos percorrem o

espaço. Ainda não há armas dentro, incluindo minhas flechas.

Atrás de mim, ouço as abas da tenda abertas. — O que foi isso? —

A voz de Guerra é baixa e ameaçadora.

Meus olhos se arregalam. Eu realmente não achei que ele deixaria

a festa cedo. Ele nunca faz.

Eu me viro enquanto ele se aproxima de mim.

— Você quer estar comigo, mas não está disposto a fazer qualquer

sacrifício. — Eu digo. Estou pronta para retomar exatamente onde

paramos.

Os passos de Guerra se aproximam.


— Não estou aqui para fazer sacrifícios, Miriam. Estou aqui para

tomar. Quaisquer que sejam as noções humanas que você tenha sobre

relacionamentos, deixe-as de lado; não se aplicam a nós.

Minha raiva da noite anterior volta, queima tanto que estou quase

tremendo com isso. O cavaleiro ainda está me desafiando com os olhos.

Então eu saio. Saio e passo o resto do que será, sem dúvida, uma vida

curta trabalhando para esquecer.

Engulo as palavras.

Em vez disso, empurro seu peito. Seu corpo mal balança.

O cavaleiro sorri sombriamente para mim. — Mesmo derrotada,

você tem esse fogo. Eu vi aldeias que queimam menos intensamente.

Eu o empurro novamente... e novamente. Não paro até que ele

segura meus pulsos.

Ele me toca, então me beija, seus lábios ferozes e implacáveis. Este

Guerra que lembro. Ele é todo poder e posse.

Eu caio no beijo, tentando não pensar em nada além de mover os

lábios. É difícil beijá-lo, difícil traçar essa linha entre desejo e raiva.
Ele é intenso — sua boca quente na minha, seus dedos hábeis

puxando minha roupa.

Guerra me joga na cama e depois se ajoelha entre as minhas pernas.

— Há alguns sacrifícios que posso fazer.

Ele desabotoa minha calça, puxa junto com a calcinha, levando as

botas e meias junto. E então sua boca desce no meu núcleo.

Enfio meus dedos em seus cabelos, apertando seus cachos escuros

o suficiente para doer. Inclino a cabeça para trás. — Eu não quero ver

o que você pode me dar. — Digo, ainda com raiva — muito, muito

irritada. — Mostre-me os benefícios de tomar.

Com um sorriso perverso, ele o faz.

Espero até que Guerra esteja dormindo.

Você pensaria que um imortal como ele — que supostamente não

precisa descansar — aprenderia a ficar acordado, vivendo com uma

mulher como eu. Mas ainda não aprendeu. Para ser justa, fiz tudo ao

meu alcance para garantir que ele dormisse esta noite.

Agora cuidadosamente me desembaraço dele, levantando-me para

vestir minhas roupas e sapatos. Atravesso a tenda e discretamente


abro um dos baús de Guerra. No interior, entre as coisas do cavaleiro,

está uma corda que descobri antes. Silenciosamente, pego e volto.

A voz da minha mãe ecoa em meus ouvidos

Miriam, não faça isso... não posso dizer o quão estúpida é essa ideia.

Coloco a corda na mesa e caminho até a pilha de roupas que Guerra

deixou para trás. Ali em cima está a espada embainhada do cavaleiro.

Ele provavelmente pretendia colocar a lâmina longe, mas o sexo e o

sono o distraíram.

Eu pego a arma e...

Bolas sagradas, está arma é muito pesada. Não posso acreditar que

ele gira essa coisa o dia todo.

Com cuidado, retiro a espada da bainha. A lâmina canta quando

sai.

Na cama, Guerra se agita.

Mordendo meu lábio inferior para não fazer barulho, vejo o

cavaleiro se recompor. Sua respiração se estabiliza e relaxo.

Calmamente me aproximo do cavaleiro, usando as duas mãos para

carregar sua arma de mamute. A cabeça de Guerra está longe e por


isso, sou especialmente grata. Não quero ver suas feições suavizadas

pelo sono. Definitivamente perderei minha coragem.

Eu me aproximo da cama. Os lençóis apenas se erguem até a

cintura de Guerra; o resto de seu corpo nu é exposto na fraca luz da

tenda. As tatuagens no peito brilham carmesim contra a pele morena.

Enquanto observo, ele se desloca em seu sono, voltando-se para

mim.

Olho para o rosto dele, a espada em minhas mãos me sentindo

incrivelmente pesada. Os olhos com kohl estão manchados;

praticamente posso ver onde meus dedos passaram por ele e agora

suas feições são tão suaves. Ele parece muito humano.

Muito humano.

Não posso fazer isso.

Claro que não posso. Uma coisa é lutar com alguém em batalha ou

autodefesa. Outro é calcular com calma... isso.

Meu pé retrocede um passo, chutando inadvertidamente um jarro

de metal de água perto da cama — o que costumo beber quando fico

com sede à noite.


O som profundo e reverberante disso é ensurdecedor na tenda

silenciosa enquanto se inclina e se espalha pelo carpete.

Porra.

Os olhos de Guerra se abrem e é tarde demais para recuar agora.

Sua espada está na minha mão e estou pairando sobre ele. É tarde

demais para desistir dos meus planos como estava prestes a fazer.

— Miriam. — O cavaleiro diz, sua sobrancelha se erguendo

quando me olha e então sua espada. Ele parece desesperadamente

confuso.

Eu teria pensado que reconheceria a traição mais rápido que isso.

Ele está muito familiarizado com ela.

Ele confia em você, sua esposa, absolutamente.

Usando as duas mãos, aponto a espada na direção do esterno do

cavaleiro.

O torpor de Guerra aparece, junto com sua confusão. — O que você

está fazendo, esposa?


— Você vai parar de caçar humanos. Não mais incursões, não mais

massacres. Qualquer que seja a missão na qual esteja, termina esta

noite.

Agora ele está acordado.

— O que é isso? Uma ameaça? — O cavaleiro levanta as

sobrancelhas de onde se encontra. Seu olhar se move sobre mim e

posso dizer que está procurando por algum motivo — qualquer motivo

— para explicar meu comportamento.

Eu não me movo, apenas mantenho a lâmina firmemente apontada

para o peito dele, mesmo que meus pulsos estejam se esforçando pelo

esforço.

Sua boca se curva em um sorriso zombeteiro, embora não alcance

seus olhos. — E se eu disser não, então o que? Você vai me matar?

Sim.

Ele olha para mim e sua expressão muda apenas um pouco. Eu já

vi esse olhar antes, quando os homens se atreviam a atravessá-lo.

Guerra se senta um pouco, apoiando-se nos antebraços, embora

isso leve a lâmina perigosamente perto de sua pele. Ele não está
preocupado. Em absoluto. Esqueci disso desde a última vez que o

ameacei com uma arma. A dor não o assusta.

— Você já pensou bem nisso, esposa? — Pergunta ele.

Eu pensei que sim, mas...

— Porque se você o fez. — Continua. — Então sabe que ficarei

morto por um tempo. — Diz ele. — E quando estiver vivo novamente...

— Ele me dá um olhar duro. — Minha ira, uma vez alimentada, será

insaciável.

Eu já posso sentir essa fúria em seus olhos, subindo a cada segundo

que passa.

Minha respiração para e meu pulso é como uma batida em meus

ouvidos. Suas palavras me fazem hesitar. Mas aperto o punho e

pressiono a ponta de sua espada contra sua pele, minha resolução se

redobrando em si mesma.

— Concorde. — Exijo. Uma gota de sangue jorra sob a lâmina,

manchando a pele perfeita dele.

Não há como voltar atrás.

— Você quer me entregue. — Guerra diz a palavra é um insulto.


— Foi o que pediu a mim.

Aqueles olhos dele parecem tão negros quanto a noite agora. —

Não.

É a segunda vez que esta noite ele fala que não.

Eu sabia que teria um não... e ainda assim, é uma surpresa. Um

desagradável. Talvez porque agora isso significa que preciso seguir

com meu próprio plano. Não pretendia fazer isso.

Meu olhar vai para sua pele, onde a ponta de sua lâmina pressiona

sobre ele. Terei que perfurar essa pele, causar dor ao cavaleiro.

Não posso.

Matei antes — muitas vezes eu tirei vidas. Vidas de homens muito

melhores que Guerra. Mas agora, ao pensar em ferir esse imortal

terrível, minha náusea aumenta.

Eu não posso, não posso, não posso.

Oh deus, acho que realmente amo o monstro.

Minhas mãos estão tremendo e sinto a bile subindo no fundo da

minha garganta. Nós dois estamos nos encarando e posso dizer que

Guerra está esperando.


Eu tenho corda e um plano, porra, apenas preciso fazê-lo.

Não posso

Eu puxo a espada para longe de Guerra.

Seus olhos se estreitam, mas ele relaxa. — Essa foi uma boa decisão.

Eu não posso me apaixonar por esse monstro.

Investindo, levo a arma de volta para o cavaleiro, apontando para

sua garganta.

Guerra prende a espada pela lâmina, as mãos envolvendo-a. O

sangue jorra sob seus dedos, escorregando pelos pulsos e ao longo das

bordas da arma.

E se ele sente algum desconforto físico, não mostra.

Em vez disso, são seus olhos que estão feridos.

— Você teria me ferido, com a minha própria lâmina. — Essa

última parte é dita como se fosse um insulto à injúria.

— Não é menos do que você merece. — Odeio que minha garganta

aperta quando digo essas palavras.


— Não menos do que eu mereço. — Ele repete, seu tom inflexível.

— É isso que acha? Você me beija e me fode, respira o meu nome como

uma oração, mas acredita que mereço a morte?

Eu olho para ele sem hesitar. — Você merece pior.

Os cantos dos olhos de Guerra se apertam infinitesimalmente,

posso sentir o sopro daquela ira da qual ele falou. Ficou irado antes,

mas agora realmente o feri de uma forma que ninguém mais pode.

É aqui que o cavaleiro agarra minha cabeça e torce até que meu

pescoço se encaixe. E ao contrário dele, não voltarei dos mortos.

Agora é uma questão de vida ou morte.

Foda-se seus sentimentos, Miriam, termine isso.

Eu inclino meu peso na lâmina. — Renda-se. — Eu ordeno a ele.

O lábio superior de Guerra se curva e seus olhos brilham com raiva

enquanto segura a lâmina de volta. O sangue escorre pelo pulso e cai

na cama. Nossa cama.

— Eu sei que você é capaz disso. — Eu digo. Ele é humano o

suficiente. Eu o vi mudar de ideia e mudar suas regras. Matar é uma

escolha para ele, não importa quão intrínseca seja a sua natureza.
— Eu lhe darei uma última chance de soltar minha arma, esposa.

— O título pica como um tapa. — E a pouparei da minha ira se fizer

isso.

— Renda-se. — Repito.

Com um puxão hábil, Guerra tira a espada da minha mão e a joga

de lado. E então nós dois somos deixados para olhar um para o outro.

Seu sangue escorre de suas mãos sobre os lençóis embaixo dele.

Sem sua arma, sinto-me profundamente nua.

Poderia ter planejado essa situação... melhor. Em vez disso, deixei

minhas emoções continuarem e isso não funcionou. Não sei se

realmente achava que seria assim, assim como não sabia se advertir

Mansoura funcionaria, mas esperava que ameaçá-lo — e talvez

incapacitá-lo—pudesse ao menos fazer alguma coisa.

Garota idiota e tola.

Guerra permanece ali e mesmo nu, ele é terrivelmente ameaçador.

— Você me traiu. — Aos olhos do cavaleiro, esse é um dos piores

crimes que alguém pode cometer.


Ele dá um passo ameaçador para mim, sua enorme estrutura se

aproximando. Pela primeira vez desde Jerusalém, catalogo cada grossa

protuberância de músculos não como um aspecto de sua beleza

sobrenatural, mas como prova de todas as maneiras pelas quais ele

pode me machucar.

Eu dou um passo incerto de volta. Toda a minha antiga bravata me

deixou.

Como me tirar desta situação?

Guerra me percebe recuando, ele ri baixo, o som terrível.

— É tarde demais para fugir, garota selvagem.

E de uma vez, se aproxima e Deus me salve, é isso.

O cavaleiro me agarra, seu sangue manchando minha pele como

tinta de guerra.

— Você realmente acha que eu poderia ser tão facilmente morto?

Eu criei violência. Não pode me superar no meu próprio jogo.

Meus joelhos ficam fracos com meu medo. Fui idiota por não temer

mais esse homem.


As mãos de Guerra se movem para o meu cabelo, o sangue dele

manchando minhas bochechas, minhas orelhas, meu couro cabeludo.

— Aqui é onde você se entrega, esposa. — Diz ele, sua voz abafada.

— Entregue-se a mim verdadeiramente, assim como jurou que faria.

Há tantas coisas que Guerra pode tirar de mim, mas minha palavra

não é uma delas.

— Eu não me rendo a ninguém. — Digo. — E se você uma vez

acreditou no contrário, é um tolo.

O olhar do cavaleiro se estreita. Ele ri então, aquele som profundo

e arrepiante levanta os cabelos ao longo do meu braço.

Ele cobre meu queixo. — A terra está cheia de tantos ossos. — Ele

sussurra.

Eu não sei o que fazer com essas palavras, apenas que deveria

sentir medo delas. Guerra solta meu queixo. Posso sentir minha pele

manchada com o sangue dele.

Sua mão se move para a base da minha garganta. Ele traça minha

cicatriz, a forma agora manchada com o sangue dele. — Este é o

símbolo angélico da rendição.


Onde ele vai com isso?

Seus olhos furiosos se levantam para os meus. — Eu não sou o

único que pode ressuscitar os mortos. — Diz Guerra. — Você foi

trazido de volta à vida e marcada como eu fui. — Diz ele.

A água corre em...

Pensei ter morrido naquele dia. Um arrepio percorre minha

espinha.

Meus olhos caem para as tatuagens de Guerra, agora que observo,

a forma deles é estranhamente parecida com minha cicatriz. Eu nunca

notei as semelhanças. Não até agora.

Guerra passa a mão sobre suas tatuagens brilhantes. — Este é o

meu propósito, escrito na minha carne. — Ele acena para minha

cicatriz. — Este é o seu.

Balanço a cabeça.

— Negue o seu voto o quanto quiser, mas isso não mudará a

verdade: você foi feita para se render a mim.


Guerra sai após suas últimas palavras.

Em seu lugar estão zumbis, muitos e muitos zumbis. Posso senti-

los fora da tenda, mas são os que estão dentro —os que Guerra enviou

— que capturam mais da minha atenção.

A maioria desses é um pouco mais decadente do que o normal e

sua maturidade me faz cobrir minha boca.

Tenho certeza de que o cavaleiro escolheu esses cadáveres de

propósito. Prova de que Guerra pode ser tão mesquinho quanto o resto

de nós.

As longas horas da noite passam e não tenho nada para preenchê-

las. O sono me ilude, meu kit de ferramentas e flechas foram

confiscados com o resto do armamento de Guerra, não me deixando

nada com minhas mãos. Ainda há aquele romance bem usado...


O pensamento de lê-lo revira meu estomago. Não suportaria ler

sobre a vida amorosa de outra pessoa quando a minha é uma bagunça.

Quase o matei. Houve um momento em que me apoiando na

espada de Guerra, onde estava colocando todo o meu peso no impulso.

Apenas a pura força do cavaleiro impediu que a lâmina perfurasse sua

pele.

Esfrego meus olhos, sentindo mil anos de idade.

Violência não conserta violência. Eu sei disso e sabia disso antes de

elaborar meu plano. No entanto, nada mais funcionou. Estava com

raiva e cansada de ver muitos inocentes morrerem. E no final, pelo

menos, Guerra teve a mesma surpresa ferida em seus olhos que muitos

desses civis condenados tiveram. E se nada mais, meu cavaleiro teve

um gosto de seu próprio castigo.

No meio da manhã, os sons do acampamento estão em pleno

andamento. As pessoas estão rindo, brigando, sacudindo roupas

empoeiradas, afiando suas lâminas, fumando cigarros e chutando

bolas ao redor das tendas. Eu já ouvi os tambores de guerra anunciar

em uma execução, o café da manhã chegou e se foi. Em todo esse

tempo, Guerra não retornou.


Estou ocupada olhando para a foto da minha família, meu polegar

esfregando o rosto do meu pai quando os zumbis ao meu redor se

endireitam. Então, como um, eles se aproximam de mim.

Eles se aproximam até ficar claro que iriam me agarrar.

— Bem, se quiserem que os siga. — Eu digo rapidamente,

colocando a foto de lado. — Eu o farei. Por favor, não me toquem.

Os guardas param perto de mim, me flanqueando por todos os

lados. Então, como um, eles começam a caminhar em direção à porta

da tenda, sou arrastada junto com eles. Juntos, o grupo deixa a tenda

de Guerra e vai em direção ao centro do acampamento.

Em algum lugar ao longe, os tambores de guerra recomeçam, o

som fazendo minha pele arrepiar. Quanto mais caminhamos, mais alto

ficam, até que fica claro que a bateria está batendo para mim.

Há centenas — talvez milhares — de pessoas que se aglomeraram

ao redor da clareira. Eles assistem o grupo passar com uma mistura de

curiosidade e horror. Nós cortamos a multidão, as pessoas ao nosso

redor nos dando muito espaço para andar.


Enquanto o sol da manhã bate na clareira e o cheiro de álcool

derramado e vômito sobe da terra, parece um sonho que foi deixado

para apodrecer.

Entre tudo, Guerra senta em seu trono. Seus Cavaleiros Phobos se

espalharam ao redor dele, a maioria parecendo estoica, mas alguns

parecendo satisfeitos. Apenas Hussain, o único Cavaleiro que foi gentil

comigo, parece preocupado.

Sou levada ante Guerra, meus guardas finalmente parando ao pé

de seu estrado elevado. Não fui amarrada ou maltratada, mas é claro o

suficiente que sou uma prisioneira.

O tambor ainda bate cada vez mais rápido e está deixando a plateia

em frenesi.

Algo ruim está prestes a acontecer.

Olho para Guerra e ele parece tão distante. O cavaleiro me lança

um olhar depreciativo e sinto que sou apenas outra mulher que o

satisfez há algum tempo. Mas agora sou um brinquedo que é mais

trabalho do que vale a pena.

E de repente, os tambores são cortados e a multidão fica quieta.

Uma brisa sopra, mexendo meu cabelo no silêncio.


— Devedene ugire denga hamdi mosego meve. — Começa Guerra.

Você descobriu minha fraqueza antes de mim.

Ao meu redor, a multidão ouve extasiada, como se entendessem o

que ele está dizendo.

Eu olho fixamente para ele.

— Denmoguno varenge odi. — Sua voz é alta como trovão.

Não posso puni-la.

A julgar pela minha situação, tenho certeza de que Guerra

descobriu alguma coisa.

Sob meus pés, a terra começa a tremer.

Meu coração pula uma batida. Conheço essa sensação.

— O que você está fazendo? — Pergunto.

Ao nosso redor, as pessoas olham, sem saber o que está

acontecendo. Alguns parecem mais assustados do que outros; tenho

certeza de que esses indivíduos assustados também estão

familiarizados com essa sensação.


Além de Guerra, os únicos que não parecem incomodados são os

Cavaleiros Phobos.

Guerra me encara, seu olhar profundo e escuro.

— Denmoguno varenge odi. — Ele repete.

Eu não posso puni-la. Há uma ênfase nessa palavra final.

— Ninie vimhusve msinya.

Mas eu posso punir os outros por suas transgressões.

A primeira mão esquelética irrompe do chão.

Oh Deus.

A terra está cheia de tantos ossos, ele disse ontem à noite. Eu não

entendi suas palavras então, mas agora, enquanto observo os mortos

arranharem seu caminho para fora de seus túmulos, eu entendo. Em

qualquer lugar que Guerra vá, ele tem um exército pronto.

Alguém solta um grito de surpresa. Depois, há vários outros gritos.

Eu me viro apenas quando uma onda atravessa a multidão.

Os mortos se levantam, alguns não mais que ossos, outros cascas e

outros ainda parecem recém-mortos. Não são apenas carcaças


humanas que são arrastadas do chão. Os animais também são puxados

da terra, seus ossos batendo e rangendo enquanto se movem.

As pessoas não sabem o que fazer com isso. Nem mesmo quando

esses ossos começam a se aproximar deles.

O cavaleiro nunca fez isso antes, nunca se voltou totalmente contra

seu próprio exército. Olho de volta para Guerra. Seus olhos são

tempestuosos, sua expressão resoluta. Ele fez as pazes com o meu

castigo.

Minha punição.

— Pare.

— Mevekange vago odi anume vago veki. Odi wevesvooge oyu

mossoun yevu.

Pensei que os quisessem mortos. Você fez disso sua missão.

Ele tem razão; fiz da minha missão derrubar seu exército. Mas

agora que ele está se voltando contra eles assim como fez nas outras

cidades... lembro da nossa humanidade compartilhada.

— Pare. Por favor.

Mas ele não o faz.


Não vejo a primeira gota de sangue derramada, mas ouço o grito.

Agora um verdadeiro grito de gelar o sangue sobe. Não é medo que

ouço, mas dor.

Outro grito o acompanha, depois outro.

A maioria dessas criaturas mortas-vivas nada mais são do que

ossos quebradiços e um pouco de tendões secos. Deve ser fácil

pulverizá-los. E tenho certeza de que algumas pessoas fazem

exatamente isso, mas há tantos mortos e eles não se importam com a

autopreservação, apenas com a carnificina.

Um esqueleto morde um homem na garganta tão forte que sangue

jorra. Outra torce o pescoço de uma mulher. Ao meu redor, pessoas

caem no chão mortas.

Todo o tempo, Guerra observa o massacre impassivelmente.

Ele é um filho da puta do mal.

Eu não me incomodo em implorar novamente. Tentei essa tática

antes, quando Guerra não estava tentando me punir. Eu implorei até o

final.

Não lhe darei o prazer da minha angústia. Novamente não.


É assim que o desgosto se parece em um cavaleiro e é aterrorizante.

Agora as pessoas estão se espalhando e os mortos estão

perseguindo. Alguns correm em minha direção.

Meus guardas, que não se juntaram à briga, desembainham suas

armas. No momento em que alguém chega perto demais, eles atacam.

Outra onda de gritos vem das tendas que circundam a clareira.

Zara e Mamoon.

Sinto o sangue escorrer do meu rosto.

— Guerra. — Estava errada, estou disposta a implorar. — Guerra,

por favor, pare com isso.

Ele me ignora, seus olhos focados na luta.

Caminho em direção a ele, minhas mãos começando a tremer.

Minha amiga, o sobrinho dela; não poderia viver com suas mortes na

minha consciência.

— Guerra!

Meus guardas bloqueiam meu caminho. Eu tento passar por eles e

me agarram, me segurando.

— Droga, Guerra, olhe para mim.


— Não. — Diz o cavaleiro, sem se incomodar em falar em línguas;

os gritos abafam a maioria de suas palavras. — Agora é quando você

olha, esposa. Eles caem porque você se atreveu a tentar me matar.

Eu balanço contra os zumbis, mas não me liberam. Eles me viram

e me seguram no lugar enquanto a horda de Guerra é abatida.

Sou forçada a assistir a coisa toda e desta vez, leva muito mais

tempo para os vivos morrerem do que em Mansoura. Eles se deitam

em pilhas de sangue no chão, acho que é uma pequena bênção que os

mortos permaneçam mortos.

Pensei ter visto e vivido tudo — a perda da minha família, a perda

da minha casa, a perda de tantas pessoas. Pensei que a dor fosse algum

tipo de armadura; se o pior acontecer com você, não haverá mais nada

para machucá-lo.

Talvez seja verdade. Mas esse vazio tem sua própria dor

assustadora.

Logo, os gritos morrem e o caos dá lugar à quietude. Meus guardas

liberam meus braços e dou um passo para frente.

Os zumbis caem no chão no instante seguinte. Sua tarefa concluída,

eles podem descansar mais uma vez. Meus olhos percorrem a clareira,
com suas pilhas de corpos sangrentos e quebrados. Em uma onda

doentia, todo o assentamento se foi.

Essa dor oca ainda está lá. Pulsa ao longo da minha pele e fica como

um nó no meu estômago. Está quieto. Então, estranhamente quieto. As

tendas de lona batem na brisa, mas não há sons da vida.

Zara e Mamoon.

Respiro fundo e as mortes deles me atingem como um golpe físico.

Meu corpo inteiro treme de adrenalina e terror e culpa.

Coloco a mão na minha boca. Eu não vou chorar. Não na frente

desta fera.

Posso sentir Guerra atrás de mim, sua vingança se estabelecendo

ao nosso redor como cinzas à deriva no chão. Como o odeio. Como

nunca odiei nada tão profundamente em toda a minha vida.

Meu coração aperta.

Eu nunca me importei com nada tão profundamente também. E se

ele pretendia partir meu coração como fiz com o dele, então entre a

destruição de Mansoura e isso, ele conseguiu.

Sob meus pés, a terra começa a tremer mais uma vez.


Lanço a Guerra um olhar de olhos arregalados. É a minha vez de

morrer agora?

Um por um, os mortos ao meu redor se levantam, animados mais

uma vez. Mas o que quer que tenha trazido essa centelha de vida aos

seus olhos, agora está ausente. Aquela mulher nunca mais fumará

outro cigarro e esse homem nunca jogará cartas com seus amigos. As

pessoas que beberam e dançaram nesta mesma clareira apenas na noite

passada verdadeiramente se foram — ou para o céu ou para o inferno,

talvez para algum outro lugar completamente diferente.

— Eu nunca vou parar. — Diz Guerra.

Meu olhar se move para ele. Estou tão distante que sinto que sou

feita de pedra. — Nem eu.

Eu me viro quando ouço. Em algum lugar distante vem o choro de

uma criança. Tudo em mim se levanta.

Mas ele matou todos.

Espero ouvir o som de novo, apenas agora, há mais gritos que se

juntam. Não quero acreditar. Esta deve ser outra parte do meu castigo,

fazendo suas criaturas parecerem vivos.


Os zumbis de repente começam a se mover, separando-se o

suficiente para fazer um corredor da borda da clareira até o estrado.

Além deles, vejo movimento e agora há mais choro e alguns gritos.

Várias dúzias de zumbis avançam, parecendo apavorados com as

mortes recentes. Eles se movem pelo corredor, indo até onde meus

guardas e eu estamos. Com eles, os barulhos humanos ficam mais altos.

Prendo a respiração quando se afastam do corredor, entrando na

multidão de mortos, deixando para trás uma fila de pessoas muito

confusas, assustadas e muito vivas. Na cabeça da fila estão Zara e

Mamoon.

Engasgo com um soluço, quase caindo de joelhos.

Atrás de mim, ouço Guerra se levantar. Então, o som sinistro de

seus passos. Ele vem até mim, pressiona seus lábios no meu ouvido.

— Para o seu coração mole.


— Isso foi idiota da sua parte. — Diz Hussain.

O Cavaleiro Phobos me encontra mais tarde naquele dia sentada

em meio a uma linha de tendas vazias. Já abracei minha amiga, seu

sobrinho e processei —ou pelo menos tentei processar — os horrores

do dia.

Agora estou simplesmente me escondendo do que sobrou do

mundo.

E a julgar pela presença de Hussain, claramente fiz um trabalho de

merda.

Hussain pode ser o único dos Phobos de Guerra com o qual

realmente me dou bem, embora não tenha falado com ele há algum

tempo. Desde que um Cavaleiro tentou me matar, Guerra relutou um

pouco para que seus homens se aproximassem. Agora, aparentemente,

este não é mais o caso.


— Muitos outros já tentaram matá-lo. — Diz Hussain, sentando-se

ao meu lado. Meus guardas mortos-vivos não tentam impedi-lo de se

aproximar. — Você deve saber que não funcionaria. — Acrescenta ele.

Não me incomodo em perguntar como ele sabe que tentei

esfaquear o cavaleiro. Meu melhor palpite é que Guerra deixou seus

homens entrarem em seu plano. Afinal, eles ficaram passivos quando

os mortos mataram seus companheiros. Somente as crianças e os puros

do ponto de vista moral foram poupados da morte hoje — ah e Zara.

Ela não é inocente, mas é minha amiga, o que aparentemente a salvou

no final.

— Eu não estava tentando matá-lo. — Digo a Hussain.

Pelo menos não permanentemente.

— Até eu sei que é uma impossibilidade. Apenas queria que o

massacre parasse. Persuadi-lo não funcionou. Pensei que a violência

poderia chegar até ele; era uma língua que Guerra entendia.

— Então foi uma ideia ainda mais idiota. — Diz Hussain.

— Você veio aqui para me fazer sentir mal? Porque estou assim.

A verdade é que não sei exatamente o que sinto. Estava cortando

essas pessoas em batalha há apenas uma semana; não deveria estar


triste que se foram, especialmente considerando que a Guerra salvou

de sua ira.

Ainda me sinto uma merda.

— Não há como pará-lo, Miriam. — Diz Hussain.

— Peste foi parado. — Eu digo.

— Você realmente não sabe, não é? — Ele pergunta.

Sim, quero responder, Guerra essencialmente me disse isso.

Mas talvez o cavaleiro tenha mentido. Talvez Peste simplesmente

tenha terminado sua missão antes de matar todos. Como deveria saber

qual é o plano divino de cada cavaleiro?

— Então, qual é a sua solução? — Pergunto. — Continuar lutando

até o mundo acabar?

Hussain me dá uma olhada. — Meu mundo já acabou. Minha

esposa e filhos se foram, meus amigos foram mortos diante dos meus

olhos. Não há mundo para onde possa voltar.

Eu olho para ele então, minhas sobrancelhas franzidas. Eu não

pensei nos Cavaleiros Phobos como vítimas. Não quando são tão bons

em matar.
— Por que você luta por Guerra se ele fez tanto para machucá-lo?

— Eu pergunto.

Hussain me dá um longo olhar, depois olha para o céu. — A única

parte de Guerra que é humano é a sua lembrança de todas as batalhas

que já foram travadas. Ele já contou sobre essas lembranças?

Eu franzo a testa para ele.

— Guerra nos viu matar dezenas de milhões de pessoas ao longo

dos séculos e muitas destas mortes foram desnecessariamente cruéis.

— Hussain exala, o som cheio de cansaço. — Ele está apenas projetando

de volta a nossa pior natureza.

Eu dou a Hussain um olhar cético. — E isso o convenceu a lutar

por ele? — Porque o que conseguiu para mim foi pensar que os

humanos precisam fazer um trabalho melhor em serem gentis. Não

continuar sendo selvagem até nos destruirmos completamente.

— Isso me convenceu de que há algo inerentemente errado

conosco. — Diz ele.

Eu olho para as tendas vazias. Algumas pulverizadas com sangue.

— Então você acredita que merecemos isso? — Pergunto.


Hussain chuta uma pedra com a bota. — Talvez.

Ele se levanta e começa a se afastar, mas depois para, meio

voltando para mim. — O que você fez também precisou de muita

coragem.

Eu solto um suspiro trêmulo. Essa declaração, aquela breve

centelha de aprovação, faz meu coração doer e me dá vida de uma só

vez. Somos todos parte da humanidade. Todos queremos viver.

Devemos nos proteger e eu tentei. Falhei, mas pelo menos tentei.

— Eu não posso ficar de braços cruzados enquanto ele continua

matando. — Eu digo, minha voz estremecendo.

O Cavaleiro Phobos se volta completamente para mim. — Marido

e mulher se enfrentaram — essa é a verdadeira guerra. — Ele se afasta.

— Estou interessado em ver quem ganhará.

Não volto para a tenda de Guerra.

Eu não posso, não depois da punição. Mal conseguia pensar ficar

perto do cavaleiro depois que ele eliminou Mansoura. E agora, quando

tentei destruí-lo com sua espada e ele matou a maior parte do campo

pela ofensa, parece que nós dois finalmente cruzamos alguma linha

dura.
É fácil o suficiente para sair; simplesmente escolho uma das

milhares de tendas abandonadas. Escolho a próximo de Zara, embora

em suas palavras — sou um fedor morto.

Ainda assim, ela aguenta meus guardas decadentes que não

pararam de me proteger. Eles não são os únicos mortos que qualquer

um de nós tem que suportar; o exército de mortos-vivos agora ainda

persiste nos arredores do acampamento, a massa deles aguardando as

próximas ordens do cavaleiro.

Logo recebo minhas coisas de volta de Guerra — um zumbi as

deixa na entrada da minha tenda e se afasta. Entre a pilha, está o meu

kit de ferramentas e minhas flechas meio acabadas, a foto envelhecida

da minha família, meu romance e o jogo de café que nunca uso. Até

recebo a antiga adaga do cavaleiro, a que ele me deu pouco depois de

nos conhecermos.

Acho que ele não está mais preocupado comigo o matando...

O mundo segue em frente. Um dia se transforma em dois, dois em

quatro, depois é uma semana e depois semanas.

O que sobrou do acampamento se embala, se move e depois

reassenta —pacotes, movimentos, reassentamentos. A vida assume

uma espécie de previsibilidade para isso. Eu monto com os outros


humanos e moro ao lado deles também. Há mais crianças que adultos

do que antes, então nos revezamos para observá-las e, à noite, elas

dormem em várias tendas maiores.

Passamos por Damanhur, depois por Alexandria, logo por Tanta e

Banha, indo lentamente para o sul através do Egito. Os mortos agora

lutam e protegem o acampamento, para que os vivos não precisem

mais sangrar suas mãos (os Cavaleiros Phobos ficam de fora).

Guerra nunca vem para visitar.

Não há encontros à meia-noite, não há argumentos convincentes

sobre por que eu deveria dormir com ele. Não há sexo irritado.

Ele nem sequer tenta se aproximar da minha tenda. A última vez

que o vi, ele estava voltando de um ataque com seus Phobos. Seu

exército de mortos-vivos correndo atrás dele, seus corpos doentes de

decadência. Alguns deles explodiram naquele dia depois de um

acidente com alguns explosivos que encontraram na cidade.

Os olhos de Guerra passaram sobre mim, mas não houve pausa,

nem olhar profundo, nem faísca de familiaridade.

É como se o nosso relacionamento nunca tivesse existido. A coisa

toda era horrível.


Ainda estou irritada com Guerra, mas sempre fiquei irritada. Foi

ele quem decidiu manter distância. Por mais louco que seja, na verdade

me ressinto que ele ainda esteja irritado, apesar de entender sua raiva

— afinal, tentei matá-lo. Mas ainda assim, houve tantas vezes quando

ele cruzou uma linha comigo, assumi que era em ambos os sentidos.

Então novamente, ele deixou claro que não devo morrer, enquanto

deixei claro que o queria morto. É muito difícil voltar disso.

Enquanto as semanas passam, aquela dormência que senti em

Mansoura começa a tomar conta de mim. Depois de ver tantas mortes,

os rostos começam a se confundir. E depois há aquela terrível

qualidade humana de se sentir confortável com um hábito. Viajamos,

acampamos, seguimos em frente. E de novo e de novo. Posso odiar

minha realidade, mas em algum momento o anormal se torna

horrivelmente normalizado.

Talvez seja assim que Guerra se sente — como se isto fosse

simplesmente normal. Pensei por tanto tempo que ele fosse incapaz de

sentir — que sua mente não funcionava assim — mas estava errada.

Ele pode ser uma criatura celestial, mas parece amar, lutar e se

enfurecer e sofrer como o resto de nós humanos.


Deus, estou tão cansada. Tão inacreditavelmente cansada. O

cansaço é uma coisa física, nada que eu faça parece abalar. Eu vou para

acama drenada, acordo drenada e me arrasto pelo dia drenada.

Esse é o primeiro sinal de que algo não está certo. O próximo é a

minha perda de apetite.

A comida não tem mais gosto. Primeiro foi simplesmente o cheiro

de carne cozinhando. Tinha que ficar longe do centro do acampamento,

onde as refeições eram servidas porque o cheiro me faria vomitar.

Conseguia ver e cheirar muitos cadáveres, mas agora também perdi

meu apetite por café e álcool.

Nada disso, no entanto, me assusta. Eu sofri tanto trauma e

tristeza, algo assim estava prestes a acontecer.

Não é até esta manhã seguinte que realmente me preocupo.

Acordo com uma horrível agitação no meu estômago. Sinto meus

guardas mortos-vivos e imediatamente, saio da cama, empurrando

freneticamente meu caminho para fora da tenda.

Pressiono as costas da minha mão na boca.

Ficarei doente.
Eu não caminho mais do que vários metros antes de vomitar. Meus

guardas ficaram parados e o cheiro deles...

Eu vomito de novo e de novo, aquele cheiro fétido preso no meu

nariz.

Preciso que os guardas se afastem.

Atrás de mim, ouço outro conjunto de abas de tenda serem abertas.

— Miriam? — A voz de Zara está grogue. — Você está bem?

Eu não posso responder, não até que meu estômago esteja

completamente vazio. Mesmo assim, me inclino de joelhos, respirando

forte.

— Fique longe de mim. — Eu grito, virando-me e voltando para a

tenda. — Estou doente.

Zara não fica longe. Ela vem e me traz água, pão, frutas e iogurte

fresco. Consigo engolir um pouco do pão e uma ou duas mordidas de

um damasco seco. A visão do iogurte me faz engasgar, então ela leva

embora.

— Realmente, Zara, você precisa ficar longe de mim. Eu posso

deixá-la doente ou Mamoon.


— Nós ficaremos bem. Preciso voltar para a minha tenda, mas

voltarei mais tarde. — Diz ela. — Espero que você termine toda a água

que deixei. — Ela soa como minha mãe. — E tente comer. Você não...

— Suas sobrancelhas franzem e pela primeira vez, vejo que ela está

preocupada comigo.

Eu a aceno. — Eu ficarei bem.

Com um olhar final e preocupado para mim, ela sai e volto a

dormir.

Acordo ao som de passos pesados e familiares do lado de fora. Eles

chegam à minha tenda e depois param. Eu pisco meus olhos abertos

assim que as abas da tenda são jogadas para trás.

Guerra se inclina para dentro e tenho que respirar com a visão dele.

Esqueci como ele é desumanamente bonito, com sua pele morena e

olhos escuros, seu cabelo preto caindo descontroladamente em seu

rosto.

Ele olha para mim. — Miriam.

Ao som de sua voz e a preocupação que franze as sobrancelhas,

fecho meus olhos. Pensei ter perdido o que quer que tivéssemos. Mas

ainda está bem aí. Ele está bem aí.


Guerra se ajoelha ao meu lado. Sua mão vai para o meu cabelo, as

tatuagens nos nós dos dedos brilhando em vermelho, ele acaricia meus

cabelos negros como há tantas noites antes disso.

Abro meus olhos novamente. — Senti sua falta.

Isso não deveria sair dos meus lábios.

Seu rosto suaviza. Guerra observa meu rosto, como se estivesse

tentando memorizá-las. Ele franze a testa, a preocupação de volta em

seu rosto. — Você está doente? — Há um olhar afiado, quase frenético

em seus olhos.

— Os mortos. — Eu começo. Apenas o pensamento deles me faz

engasgar. — O cheiro, você pode se livrar deles?

Ouço passos se afastando da minha tenda e eu sei, sem perguntar

novamente, que Guerra expulsou seus zumbis. Demora um pouco

mais para o cheiro desaparecer, mas quando isso acontece, relaxo um

pouco mais.

Guerra está na minha tenda. E ele é exatamente como me lembro

— mechas de ouro em seu cabelo, kohl nos olhos, vastas extensões de

músculo. Até mesmo seu traje preto é exatamente como eu me lembro.


Eu tento não olhar para seu rosto devastador e seus braços grossos.

Estou me sentindo muito miserável para fazer qualquer coisa além de

pensar.

— Preciso do meu irmão para isso. — Comenta Guerra, ainda

observando meu rosto.

— O que? — Eu pergunto, alarmada.

— Bem, se está doente. — Diz ele. — Peste será capaz de ajudar.

Não quero nenhum de seus irmãos perto de mim. Mas do jeito que

Guerra diz, é mais um desejo do que qualquer outra coisa. Onde quer

que seu irmão esteja, ele não virá em meu auxílio.

— Estou bem. — Digo.

— Você não está. — Insiste Guerra. — Está muito pálida e cansada,

além de magra. Não está comendo? — A preocupação estreita os olhos

de Guerra, ele ainda tem algo selvagem em suas feições.

— Por que você se importa? — Eu pergunto a ele, apenas curiosa.

Ele não demonstrou nenhum interesse por tanto tempo.

— Esposa, eu sempre me importei.

Esse título! Eu não percebi o quanto senti falta de ouvi-lo até agora.
— Foi você. — Continua Guerra. — Que nunca se importou. — Há

uma ponta de amargura em sua voz.

Ele acha que fui eu quem ficou longe? Quer dizer, fiquei, mas

apenas porque ele parecia me evitar completamente. Meu ego ferido

não aguenta tanto.

— Eu queria. — Olho para longe dele.

Ao meu lado, Guerra se move. Ele pega meu queixo e vira meu

rosto, me forçando a encará-lo nos olhos. — O que você quer dizer com

isso? — Ele exige.

— Não é óbvio? — Digo miserável, meio consciente de que Zara

provavelmente pode ouvir cada palavra. Ah bem.

— Fale claramente, Miriam. — Diz Guerra, com as feições agudas

e o olhar intenso, esperançoso.

Realmente farei isso? Merda, acho que sim. Estou exausta demais

para fingir a verdade.

— Eu me preocupo com você, Guerra. — Admito. — Mais do que

quero, muito mais. Foi um inferno não o ver.


Guerra me encara por um longo minuto, então sorri tanto que

parece alcançar todo seu rosto. Ainda é um olhar feroz com seus

caninos afiados — nem mesmo a felicidade o faz parecer menos

perigoso — mas meu coração acelera com aquele sorriso.

— Eu também senti sua falta, esposa. Mais do que tenho palavras

para expressar.

Eu mostro a ele um sorriso tímido. Agora, ele está me fazendo

esquecer que me sinto como um animal atropelado.

— Ainda estou com raiva de você. — Admito.

— E estou furioso por você ter tentado me destruir com minha

própria espada, não menos.

Acho que é a última parte que realmente chegou a ele.

Ele se inclina. — Mas da minha esposa. — Acrescenta. — Não

esperava menos. — O cavaleiro se inclina e me beija.

Estou cansada e doente, mas não há nada, nada no mundo que

possa me impedir de beijar este homem. Ele é a única coisa que ainda

consegue ter um gosto bom. Seus lábios devoram os meus e seus braços

me puxam para perto.


Nós dois nos amamos por muito, muito tempo. Logo, Guerra se

afasta para deslizar as mãos sob o meu corpo.

— O que você está fazendo? — Eu pergunto.

Ele me levanta. — Estou levando você para casa.


Agora que Guerra mantém seus zumbis à distância, acho que estou

com fome. Com muita fome. Assim que vejo o prato de frutas, nozes,

queijos e pães dispostos, vou para ele. Há uma tigela de homus por

perto e não tenho certeza se alguma vez provei algo tão bom na minha

vida.

— Você tem apetite? — Guerra pergunta, vindo para o meu lado.

Ele parece aborrecido com o pensamento. Acho que apenas carne

que eu recusei ultimamente.

— Eu não sei, este homus apenas tem um gosto muito bom.

Imediatamente, Guerra sai da tenda tempo suficiente para eu ouvi-

lo gritando por pedir mais homus.

Guerra volta para dentro. Agarrando um jarro próximo, ele enche

um copo de água.

— Eu trarei um médico. — Diz ele, entregando a água para mim.


— Não. — Eu digo muito rapidamente, agarrando o antebraço do

Senhor da Guerra. Acidentalmente o manchei com humos no processo.

Ops.

Suas sobrancelhas se juntam enquanto ele olha para o meu aperto

em seu braço. Seus olhos se erguem para os meus e ele parece suspeito.

— O que você não está me dizendo, esposa?

Balanço a cabeça. — Simplesmente não gosto de médicos.

É mesmo isso? Há uma bola de preocupação na boca do meu

estômago. Algo não está certo, mas realmente não quero saber o que é

essa coisa. Ainda não. Tudo isso pode simplesmente se resolver.

— Às vezes, Miriam, devemos suportar coisas das quais não

gostamos. Enviarei um médico.

— Por favor, não, Guerra. — Eu digo. — É apenas gripe. Humanos

tem isso o tempo todo. Acabará daqui a alguns dias.

Apenas então, um dos homens dos cavaleiros entra com mais

homus.

O cavaleiro coloca o prato na mesa de Guerra e sai.


— Seu corpo está doente, esposa. Não finja o contrário. Eu deveria

ter ficado mais vigilante, porque está claro que você não está comendo

como deveria. E sei que está mais cansada do que o habitual

ultimamente.

Ele notou? Provavelmente deveria estar preocupada com o fato

dele estar de alguma forma me controlando, mas ao invés disso estou

estranhamente tocada por ele estar tão consciente da minha existência.

Estou fodida da cabeça.

Guerra continua. — E isso para não mencionar o fato de que apenas

está manhã você estava fisicamente doente.

— Eu me sinto melhor agora. — Mais ou menos. Quer dizer, ainda

estou enjoada e o calor sufocante não está ajudando em nada, mas

ainda assim me sinto bem o suficiente para comer e me mover um

pouco.

O cavaleiro me dá um longo olhar. — Podemos estar separados há

algum tempo, esposa, mas não se engane, não a deixarei morrer. Não

pela lâmina e nem pela doença.

Eu exalo. — Um médico não poderá fazer nada além de me dizer

para descansar e beber muitos líquidos.


Guerra não parece tão convencido.

— Por favor, eu juro, não estou morrendo. — Insisto, bebendo o

copo de água que ele me deu.

Atrás de mim, as abas da tenda sussurram e um de seus Cavaleiros

Phobos entra. — Meu Senhor, precisamos conversar com você sobre...

— Os olhos do cavaleiro passam rapidamente para mim e ele não

consegue esconder sua surpresa. — ... o próximo ataque.

— Agora não. — Diz Guerra, reabastecendo meu copo de água. Ele

apenas tem olhos para mim e é embaraçosamente bom ser o centro de

seu mundo.

— Vá. — Eu digo. — Estou bem.

A mandíbula da Guerra flexiona sutilmente. — Você não está.

— Estou. — Insisto.

— E os mortos-vivos? — Ele pergunta acusador.

Eu percebo o significado não dito. Ele mandou embora todos seus

zumbis. E se ele sair, não haverá ninguém para me proteger.


Tenho vergonha de quanto meu coração se eleva, ouvindo sua

preocupação. Pensei que não se importasse. Houve dias em que tinha

certeza disso. Apenas agora estou ciente do quanto isso me magoou.

— Você precisa acreditar que ficarei bem. — Digo. Mesmo quando

falo, sinto a náusea começar a subir mais uma vez.

— A fé é para os humanos. — Murmura Guerra, mas depois de um

momento, ele acena para seu Cavaleiro Phobos.

O cavaleiro se aproxima e segura meu rosto em suas mãos e me

beija muito e com força. — Continuaremos discutindo sua saúde

quando eu retornar. Até então, arme-se, esposa.

Guerra solta meu rosto e se afasta.

— Você está de volta com ele então? — A voz de Zara vem de fora

da minha tenda.

Estou de volta a minha tenda antiga, reunindo minhas coisas. Saí

da tenda de Guerra logo depois dele para que eu pudesse pegar meus

pertences... e reunir coragem para dizer a Zara que voltaria para o

cavaleiro. Era assim que Guerra me influenciava. Uma visita dele e um

único pedido de morar com ele novamente, voltei.

Aparentemente, tenho força de vontade fraca quando se trata dele.


Saio da tenda e enfrento Zara. — Você ouviu minha conversa com

Guerra?

Ela balança a cabeça, seu hijab flutuando na brisa. — Sentirei falta

de tê-la como vizinha... mesmo que seus zumbis fiquem.

Eu rio um pouco antes de minha expressão ficar séria. Olho atrás

dela, onde Mamoon está jogando futebol com vários outros meninos.

Este momento e todos parecem frágeis. Tenho medo da minha

própria felicidade; geralmente é o silêncio antes da tempestade.

— Você o ama? — Zara me pergunta, interrompendo meus

pensamentos.

Meu olhar se fixa no dela.

Abro minha boca, mas não sei o que dizer. Há muito para não amar

em Guerra.

Zara me observa. Antes que possa dar algum tipo de resposta, ela

diz: — Eu lhe dei atualizações sobre você, sabe.

Meus olhos se arregalam. — O que? Quando?


— Enquanto vocês dois estavam separados. — Diz ela. — Ele

queria ouvir sobre como você estava. E se estava segura, feliz,

saudável.

Meu coração acelera um pouco com isso. Então foi assim que ele

descobriu que não estava comendo. Presumi que de algum modo

conseguira as informações de meus guardas, mas foi Zara que o

informou.

— Sinto muito esconder isso de você. — Acrescenta ela, não que

pareça triste.

— Por que você não me contou? — Eu pergunto a ela. Não acho

que estou ferida, mas... não posso dizer o que estou sentindo, sabendo

que minha amiga estava secretamente passando informações para

Guerra.

— Ele me pediu para não contar. — Diz ela.

— Mas eu sou sua amiga.

— Ele forçou minha lealdade no dia em que salvou Mamoon.

Eu lembro. Apenas nunca presumi que faria uso dessa lealdade.


O olhar de Zara vai para minha tenda. — Aqui, deixe-me ajudá-la

com suas coisas.

Normalmente, recusaria sua oferta, mas ainda estou sentindo

muito fatigada e minha náusea voltou. Preciso de toda ajuda que puder

conseguir.

Nós duas recolhemos meus poucos itens, apenas deixando o jogo

de café para trás. Nós encaixamos a maioria dos meus pertences na

minha bolsa de lona, que então deslizei sobre o ombro.

— É melhor vir me visitar. — Diz Zara.

Zombo dela. — Como se tivesse algo melhor para fazer.

Ela me dá um olhar que diz: Eu não nasci ontem. — Posso pensar

em uma atividade que você pode preferir sobre mim...

Nós duas começamos a rir, dou-lhe um empurrão brincalhão. —

Zara!

— O que? Não aja como se não fosse verdade.

Nós sorrimos um pouco mais.


Logo o rosto de Zara suaviza. — Sério, Miriam, fique melhor. E um

conselho de relacionamento amigável: se realmente gosta do homem,

tente não o matar novamente.

Não vejo Guerra até mais tarde naquela noite. Ele entra na tenda,

parecendo tão imponente quanto sempre foi. Meu coração acelera.

Ainda não me acostumei a estar perto dele novamente.

Seu olhar imediatamente encontra o meu. — Esposa. — Seus olhos

aquecem. — Não posso dizer o que isso faz comigo, vê-la em nossa

tenda. Isso me deixou louco, viver aqui sem você.

Separei a flecha que quase terminei, quando Guerra diminui a

distância e segura meu rosto, tomando minha boca. Ele me beija com

sua ferocidade habitual e me derreto no abraço.

Suas mãos roçam meus lados e sim, sim, sim. Quis sentir Guerra

contra mim todos os dias desde que nos separamos. Mesmo quando

minha raiva ardia.

Minhas mãos vão para a camisa dele, tateando para tirá-la. Suas

próprias mãos deslizam sob a barra da minha, seus polegares roçando

a parte de baixo dos meus seios.


Tudo está acontecendo como eu esperava, quando, de repente, ele

para. Suas mãos se afastam e quero gritar.

— Você está doente. — Ele diz como se estivesse lembrando de si

mesmo agora. Não menciona, no entanto, me encontrar de novo um

médico. Eu apostaria meu livro de romance que não há nenhum

médico, pelo menos não aqui no acampamento.

Balanço a cabeça, mesmo que não me sinta um pouco enjoada.

Com cada toque dele, o desejo cobre minha doença.

— Bem, se não estiver dentro de mim nos próximos cinco minutos,

eu o ameaçarei com outra espada. — Eu digo.

Os olhos violentos de Guerra se enrugam de alegria e ele me beija

de novo — embora, um tanto hesitante.

— Há algo que você deve saber, esposa. — Diz ele, afastando-se.

— Em todos os meus anos, há apenas um aspecto do amor...

Minha respiração fica presa nessa palavra.

— ...que realmente conheci. — Continua ele. — E isso é anseio. É

tudo o que o campo de batalha tem a oferecer — um anseio tão

profundo que tem uma presença própria. O amor é uma esperança que
leva os homens através das noites escuras, mas não é nada mais do que

isso.

Minhas sobrancelhas franzem. — Por que você está me contando

isso?

— Quando estávamos separados, era o que sentia. Anseio. Era uma

sensação tão familiar para mim quanto balançar minha espada. — Diz

ele. — Odiava minha cama vazia e minha tenda solitária, mas é o que

sempre conheci. Estar com você traz algo novo, algo que quero, mas

não entendo.

Acho que isso é um pedido de desculpas e uma explicação para por

que ele ficou longe, embora não possa ter certeza. As palavras de

Guerra fazem meu estômago se agitar desconfortavelmente e minha

respiração vem mais e mais rápido.

— O amor é mais do que anseio. — Eu digo baixinho.

É muito, muito mais que isso.

Sua mão aperta contra mim. — Eu não sou um homem de palavras,

esposa. Sou um homem de ação.

Espero que ele continue, ainda não tenho certeza onde ele está indo

com isso.
— E se quiser que acredite em você, então me mostre.

Oh.

Bem, merda.

Como é que mostrarei a Guerra o que é amor quando nem sei o que

é que sinto por ele?

Mas então me lembro do que motivou toda essa conversa — o fato

de que queria entrar em sua calça apesar de estar doente.

Definitivamente estou bem o suficiente para um pouco de sexo e se

mostrar amor a ele é sua única estipulação...

Posso tentar. Sabe, tudo em nome do sexo.

Engolindo meus nervos, pego sua mão e levo-o para cama. E do

lado de fora, ouço as tochas assobiando e estalando, ao longe, alguém

ri. Mas tudo parece tão distante deste momento.

Alcanço os ombros de Guerra e empurro-o para baixo na cama. Ele

me observa enquanto se abaixa, deixando-me assumir a liderança.

Eu o sigo para baixo, manobrando a mim mesma, então sento sobre

sua cintura. Eu me inclino sobre Guerra e olho em seus olhos, me

lembrando de todas as coisas boas que ele já fez — salvar o sobrinho


de Zara para não ressuscitar dos mortos naquele momento. Eu me

lembro de todos os casos em que ele salvou minha própria vida e como

hoje ele veio para mim quando estava doente.

Eu olho para aqueles olhos violentos até que os vejo descongelar.

E agora passo as mãos por seu rosto, meus polegares sob seus olhos

delineados até que a maquiagem preta esteja manchada. Inclinando-

me, beijo-o suavemente primeiro, mas depois gradualmente mais e

mais.

Eu não sei se estou fazendo certo. Realmente não sei como mostrar

o amor quando o amor não é realmente sexo. Mas é o melhor que tenho

no momento.

Enquanto me movo sobre ele, sinto os planos duros de seu físico,

cada curva ainda nova e maravilhosa para mim. Há uma vibração

vertiginosa na minha barriga e isso me assusta.

Meus olhos voltam para os de Guerra. Ele está me observando,

extasiado.

Eu puxo minha camisa, em seguida, meu sutiã, inclinando-me para

beijar sobre o torso nu.

— Tire o resto. — Sussurro para ele.


Ele não hesita. O que quer que eu esteja fazendo acendeu um fogo

em seus olhos. Ele nos vira e tira o resto de nossas roupas antes de se

acomodar sobre o meu corpo.

A mão do cavaleiro desliza para baixo entre as minhas pernas,

começa a tocar-me até que estou gemendo e esfregando contra a palma

da mão e ele sussurra esposa sob sua respiração.

Este é um território seguro. Nós fizemos isso dezenas de vezes.

Não é amor, é simples desejo. E mesmo que eu esteja mostrando o amor

a Guerra, isso é muito mais confortável e familiar.

Ele se inclina sobre mim, seus olhos intensos, toco sua bochecha,

mesmo quando seus dedos entram e saem de mim.

O Senhor da Guerra está respirando forte, está muito duro e

pronto. Olha para mim como se estivesse prestes a perguntar: O que

vem a seguir?

Inclino minha pélvis e abro minhas pernas, seu significado óbvio.

— Não desvie o olhar. — Eu digo, olhando para ele. Acho que isso

pode ser a chave para todo esse negócio de amor.

Guerra não desvia o olhar. Não quando agarra meus quadris, seus

dedos escorregando contra a minha pele e não quando encaixa a cabeça


de seu pau na minha entrada. Seus olhos estão nos meus enquanto ele

empurra dentro de mim, forte o suficiente para me fazer ofegar.

Nós olhamos muito um para o outro quando fizemos sexo, mas

esta noite, é diferente. Talvez seja porque nós dois simplesmente

sentimos falta um do outro, mas apenas a visão e a sensação dele me

deixa sem fôlego. Meu coração está acelerado no peito e é quase

inteiramente desta coisa entre nós.

Posso facilmente imaginar isso — amar Guerra. Passar o resto da

minha vida nesses braços dele.

Seu pau lateja dentro de mim, tão grosso que posso sentir cada

contração e pulsar. Delicadamente, ele sai.

— Minha esposa, você é tudo que nunca soube que queria. — Diz

ele, empurrando de volta para mim.

Mais uma vez essa agitação vertiginosa. Mais uma vez esse

desconforto com minhas emoções fugitivas.

Guerra se inclina e me beija, tudo a respeito é terno e tão diferente

do meu agressivo cavaleiro.

— Perdoe-me. — Ele sussurra contra meus lábios. — Perdoe-me,

Miriam.
O Senhor da Guerra é dolorosamente gentil, cada golpe de seus

quadris um apelo. Está fazendo amor comigo e sequer sabe disso, tão

desesperado está pelo meu perdão.

— Mais forte. — Digo, porque de repente estou em uma ameaça

muito real de sentir algo que não tinha intenção de sentir esta noite.

Deveria mostrar-lhe amor, não o contrário.

No entanto, Guerra balança a cabeça e mantém suas estocadas

suaves e amorosas. Seus olhos são fixos nos meus, assim como o

instruí. Apenas agora, toda essa experiência escapou do meu controle.

Meu coração ainda está acelerado e meu estômago ainda faz coisas

engraçadas.

Não, não, não, não, não.

Mas estou presa sob esse olhar, estou sendo atraída por aqueles

olhos, que parecem tão gentis, tão tristes agora.

Seus olhos estão me dizendo o que suas palavras não o fazem.

Eu te amo.

O resto de seu corpo é bom em falar também. Todo toque parece

uma adoração, todo impulso parece uma promessa. Isso tudo está

girando descontroladamente fora do meu controle e porra, seu olhar


ainda está preso em mim. Por que pedi para ele não desviar o olhar?

Não posso escapar do que está em seus olhos. Estou me derretendo e

realmente não quero.

Posso sentir aumentando... aumentando... aumentando...

— Guerra...

Eu gozo então, olhando em seu rosto, meus lábios se abrindo em

surpresa quando meu orgasmo me atravessa.

Vejo sua expressão aguçar enquanto seu pau engrossa dentro de

mim um instante depois. E então ele goza, acompanhando meu clímax,

nós dois presos nesta estranha sincronia.

Nossos orgasmos parecem durar uma eternidade, nós dois

encarando um ao outro enquanto sentimos.

Isso é algo novo, algo mais do sexo. Não posso negar, mesmo que

isso me assuste.

Eu fiz amor com o cavaleiro. É emocionante e aterrorizante de uma

só vez.

Ele desliza para fora de mim e me puxa, por um breve momento,

as coisas se sentem confortáveis entre nós mais uma vez.


Mas o momento confortável começa a se afastar quando percebo

que Guerra ainda está me encarando, seu olhar preso em algum lugar

entre desejo e admiração.

— Nunca me senti assim antes. — Ele finalmente admite. — O que

você está fazendo comigo, esposa?

Balanço a cabeça. Eu não sei o que qualquer um de nós está

fazendo.

— Não posso desconhecer este sentimento. — Continua Guerra. —

Você estava certa. O amor é muito mais que anseio. É muito mais do

que qualquer coisa que imaginei.


Na manhã seguinte, acordo com uma náusea extrema.

Escorrego do abraço de Guerra tão astutamente quanto posso e

visto uma camisa e calça. Não há tempo para sutiãs, roupas íntimas e

sapatos. Saio descalça da tenda.

Por sorte, a tenda de Guerra está à beira do acampamento e consigo

chegar à periferia antes de ficar doente novamente.

Agora que meus guardas zumbis se foram, não há ninguém para

testemunhar isso, exceto por talvez um guarda à distância, mas ele está

muito longe para dar uma boa olhada em mim.

Quando termino, cambaleio um pouco, depois me sento no chão,

passando as mãos pelos cabelos. Minha mente fica em silêncio por um

longo tempo — tão quieta, na verdade, que quando um pensamento

aparece, parece muito, muito alto.

Eu deveria menstruar agora.

Respiro fundo várias vezes, mesmo quando meu coração começa a

acelerar.
Tento contar as semanas desde a última vez que sangrei e acho que

chego até seis antes de ficar insegura. Nós fizemos muito sexo. É difícil

acompanhar os dias aqui... mas não, acho que, mesmo supondo que

tenha contado demais, eu deveria menstruar.

Meu desconforto agora é maior.

Belisco minhas têmporas e respiro lentamente para dentro e para

fora.

Não entre em pânico, não entre em pânico. Deve haver alguma

explicação simples.

Talvez seja o estresse de toda essa viagem com Guerra. Talvez meu

corpo esteja em choque. Talvez isso tenha simplesmente atrasado

minha menstruação.

Quase relaxo. A explicação é quase plausível.

Quando estou prestes a ficar de pé, outro pensamento alto entra.

Eu tento calá-lo. Tento ignorar, mas está bem ali, sentado na minha

frente, sem vontade de ser ignorado.

Quantas vezes Guerra esteve dentro de você?

Minhas mãos estão começando a tremer.


Porra, acho que estou começando a entrar em pânico.

A náusea, a maneira horrível com que os alimentos têm gostos e

cheiros, a fadiga que me atormentou e a menstruarão atrasada — nada

disso é normal.

Cubro meus olhos com uma mão trêmula.

Quantas vezes Guerra esteve dentro de você?

Dezenas de vezes. Esteve dentro de mim dezenas e dezenas de

vezes.

Deus, eu posso estar grávida.

O estresse poderia ser uma explicação para o cansaço e a

menstruação atrasada, mas não para as aversões alimentares. Não a

náusea.

Poderia simplesmente estar doente. Realmente poderia, mas...

A gravidez é uma explicação mais lógica.

Afasto a mão dos meus olhos. Durante muito tempo, sentei-me na

folhagem à beira do acampamento, preso entre o horror e a risada.

É o que acontece quando as pessoas fazem sexo, Miriam. Particularmente

sexo com homens-deus super viris.


Seguro a cabeça nas minhas mãos.

Grávida. Posso estar grávida. E de Guerra.

Bolas sagradas.

Quanto mais penso nisso, mais certeza tenho.

Um cavaleiro do apocalipse me derrubou.

Uma risada incrédula sai de mim... então outra pequena risada

escapa. Eu começo a rir de verdade. Não sei quando exatamente minha

risada se transforma em soluços, apenas posso sentir lágrimas

escorrendo entre meus dedos e meu corpo tremendo.

Choro por talvez cinco minutos quando ouço aqueles passos

conhecidos e poderosos se aproximarem por trás.

— Esposa. — Diz Guerra, com a voz chocada. — O que você está

fazendo aqui fora?

Quero me enrolar e morrer. Não posso nem ter um momento

sozinha para processar isso?

— Miriam. — Diz ele, vindo para minha frente, sua voz cheia de

preocupação.
Ele se ajoelha ao meu lado e afasta as minhas mãos do rosto. Seu

olhar passa por mim, como se pudesse estar ferido.

— O que aconteceu? — Ele diz. — Alguém a machucou?

Agora meus soluços se transformam em risadas — risadas tristes.

Meus olhos tristes vão para os dele. O que devo falar?

Guerra e eu realmente não conversávamos sobre crianças — não

com exceção daquela conversa que terminou em uma briga. Nós

deveríamos ter discutido isso mais, com certeza.

Coloco minha mão no estômago, meus dedos tamborilando ao

longo dele. O cavaleiro segue o movimento, mas não há centelha de

consciência ali. Não é como se houvesse pensado nisso. Há pistas como

essa que ele não percebe.

Estou grávida.

Abro minha boca para dizer a ele, quando paro. Eu não sei como

ele reagirá. Isso representa aproximadamente metade do meu medo.

Acabamos de voltar.

A outra metade do meu medo vem de estar grávida. Com a

descendência de um cavaleiro.
Porra e as minhas escolhas de vida pobres.

Olho para Guerra, depois para a boca dele. Ele mata todos. Todos.

E a última vez que cheguei perto de discutir se ele teve filhos com

alguma das mulheres com quem já esteve anteriormente, ficou

ofendido. Assumi na época que feri seu orgulho, mas talvez houvesse

algo mais na conversa, algo sombrio que me assustaria.

Estou sendo ridícula. O cavaleiro cuida de mim. Ele cuidaria de um

bebê se fosse nosso.

Eu acho que sim.

Quer dizer, ele relutantemente salvou Mamoon, mas quantos

milhares de outras crianças morreram em suas batalhas?

Essas não são boas chances.

Balanço a cabeça, dando-lhe um sorriso fraco. — Estou cansada e

odeio me sentir mal.

A sobrancelha do cavaleiro se ergue. Ele parece legitimamente

preocupado. — Passe o dia descansando. Você precisa disso, esposa.

Pedirei a alguém que lhe traga uma bacia de água. Ninguém além de

mim irá incomodá-la.


Ninguém além de mim.

Aceno, mordendo o interior das minhas bochechas. Mais uma vez,

ele não menciona o médico com o qual me ameaçou anteriormente e

fico grato por isso. Eles saberiam em um instante o que levou todo o

meu tempo para descobrir.

Olho para Guerra por mais tempo.

Poderia contar a ele. Ficaria tudo bem. Ele prometeu me manter

longe da morte.

Não fez essa promessa para ninguém mais.

Estenderia isso para nosso filho?

Talvez, mas há uma parte minha que não tem certeza e isso é razão

suficiente para manter minha boca fechada. Não estou disposta a

perder mais ninguém para o cavaleiro.

Guerra se estende e me ajuda, finjo que tudo está bem quando não

está. Deus, não está.

Porra, estou grávida.

Espero que Guerra durma naquela noite, como sempre faço

quando quero enganá-lo. Sou dolorosamente previsível, entre isso e


meu estado nervoso hoje, tenho certeza que Guerra pode ver através

de mim.

Tarde da noite, no entanto, ele deita na cama ao meu lado, suas

mãos se movendo sobre a minha pele como se estivesse tentando me

mapear novamente. Aperto meus olhos fechados contra seu toque. Foi

difícil o suficiente fingir alto astral hoje. É tudo que posso fazer para

agir como se estivesse dormindo.

Logo suas mãos param e sua respiração se aprofunda. Apenas

então me permito pensar na situação novamente.

Grávida...

O que deveria fazer?

Dizer a Guerra ou não, mas se não... não poderia ficar ali, onde ele

logo descobrirá.

O que é pior que poderia acontecer se contasse ao cavaleiro?

Ele poderia colocar nosso filho com o resto da humanidade, a parte

que ele quer limpar o mundo.

O pensamento de um pai matando seu próprio filho parece tão

absurdo que quero rir, mas é isso? Verdadeiramente? Guerra é muito


mais confortável matando pessoas do que as poupando. É apenas

minha própria crença tola na bondade de Guerra que me faz pensar

que ele não machucaria nosso filho.

Essa mesma crença tola me levou a pensar que poderia salvar o

povo de Mansoura — mas a cidade ainda caiu. E essa mesma crença

me fez implorar a Guerra que poupasse várias pessoas. E ele poupou

Mamoon, mas quais foram suas palavras?

Não me peça isso novamente, esposa. Você será negada.

Eu me viro de costas e olho para o teto de lona.

Ele não ressuscitou os mortos naquele momento...

Meu argumento parece fraco, até para meus próprios ouvidos.

Querer que algo seja verdade não é verdade.

Solto um suspiro.

O que a velha Miriam teria feito — a Miriam que nunca conheceu

Guerra?

Para salvar sua família de ameaças?

Ela teria feito o que fosse necessário.


Perdi todos que eu amava. E se tudo o que Guerra sabe sobre o

amor é anseio, tudo que sei é perda.

Apenas que agora, há uma nova pessoa. Alguém que eu ainda

poderia perder.

Não deixarei isso acontecer. Novamente não.

Não importa meus sentimentos por Guerra, seria ingênuo assumir

o melhor dele depois de tudo que o vi fazer. Guerra é um bom amante

— talvez até um bom parceiro — mas um bom pai?

Eu não sei e não vou me arriscar a descobrir.

Respirando instável, me inclino e beijo seus lábios. Seu braço vem

ao meu redor e ele esfrega minhas costas. — Mmm... minha esposa.

Algo grosso se aloja na minha garganta. Logo me afasto dele.

— Onde você está indo? — Ele murmura.

Eu hesito. — Apenas... indo ao banheiro. — Não totalmente

implausível. Todos no acampamento vão ao banheiro do lado de fora.

Silenciosamente, pego as coisas de que preciso e saio da tenda.

Meu coração parece estar se desintegrando. Não considero selar

um cavalo. Não quando os estábulos são geralmente guardados.


Sairei a pé até chegar à cidade mais próxima que o exército de

Guerra varreu. Certamente posso pegar uma bicicleta lá — talvez até

uma com um pequeno trailer atrelado a ela. Poderia ter uma chance

então.

Eu me sinto um idiota por planejar isso. Não há como escapar sem

Guerra saber. Ele está sempre me observando, me protegendo eu

nunca consegui escapar dele.

Ainda assim, não diminuo o ritmo.

Preciso tentar. Independentemente do que acontecer, preciso pelo

menos tentar uma chance de escapar.

É fácil sair do acampamento. Os mortos não guardam mais a tenda

e não há soldados vivos suficientes para guardar o perímetro. Isso tudo

muda, no entanto, quando chego longe o suficiente. O ex-exército de

mortos-vivos de Guerra agora está estacionado ali, longe o suficiente

do acampamento, onde o cheiro não é avassalador.

Os pelos dos meus braços se erguem ao ver todos imóveis. Não sei

dizer de que lado eles estão, mas parece que todos estão me

observando com aqueles olhos mortos.


Um momento depois, o cheiro me atinge. Coloco a mão no meu

nariz, engasgando um pouco. Cinco mil cadáveres apodrecendo sob o

sol do verão criam um fedor. Mesmo respirando pela minha boca,

ainda posso sentir a podridão fétida de todos eles, é tão espessa no ar.

Apenas piora quando diminuo a distância entre nós. Nenhum dos

zumbis se move; ninguém se aproxima para me impedir, e nenhum

deles vira a cabeça para me ver passar. E então estou bem na frente

deles. Há espaço suficiente entre os mortos para passar sem esfregar-

se, mas ainda espero que alguém me pegue. Espero agora, depois de

tantos encontros com eles.

Quando nenhum deles faz, exalo. Isso foi muito fácil. O

pensamento me enche de pavor.

Agora, preciso encontrar uma estrada, qualquer estrada. Enquanto

me levar para longe, ficarei bem.

Leva o que parece uma eternidade, mas me deparo com uma

estrada. Apenas então olho sobre o meu ombro. Para meu horror, cerca

de dez metros atrás de mim, um zumbi deixou seus companheiros para

me seguir.

É quando começo a correr.


Acho que não tenho muito tempo.

Ainda não tenho certeza do vínculo que o cavaleiro compartilha

com seus soldados mortos-vivos, mas suspeito que possa sentir o

mundo através deles. Talvez o elo deles seja forte o suficiente para

acordá-lo do sono ou talvez um zumbi volte para acordá-lo agora. Eu

não sei como o avisam, apenas que é inevitável que ele seja avisado —

e mais cedo que tarde.

O soldado morto ainda está me seguindo. Ele não diminui a

distância entre nós, mas também não o estou enganando. Empurro

minhas pernas mais e mais rápido.

Preciso encontrar uma bicicleta o mais rápido possível. Então

talvez tenha a chance de enganar o zumbi e assim, Guerra.

Apenas o pensamento do cavaleiro é esmagador.


É tudo culpa do meu coração mole, como ele diria. Também odeia

isso. Com cada passo que dou, grito que sou uma tola por fugir, uma

tola por sair. Acredito no melhor de Guerra e é por isso que o ignoro.

Corações são comprovadamente idiotas.

Eu não corro um quilômetro pela estrada antes de parar. Coloco as

mãos sobre a minha cabeça e respiro fundo várias vezes.

Esta foi uma má ideia. Tudo isso — todas as decisões que me

levaram até aqui. Correndo, dormindo com Guerra, permitindo que ele

entrasse em minha vida. Tudo isso.

Olho por cima do meu ombro.

O zumbi parou atrás de mim. Ele parece esperar meu próximo

passo.

Seja corajosa.

Meu mantra cai sobre mim e pela primeira vez, penso sobre isso de

uma maneira totalmente nova. Assumi o tempo todo que estive com o

cavaleiro que fui corajosa, mas não fui. Eu tenho negado e fugido dessa

sensação terrível e inebriante quando estou perto dele.

Mas não há fuga dele ou desses sentimentos.


Preciso enfrentar o cavaleiro — apaixonada ou não. Mesmo que

isso signifique o pior. Não há mais ações no escuro da noite. O que quer

que venha, vou encarar.

À distância juro que posso ouvir o bater de cascos. Talvez seja

apenas minha imaginação. Olho para a escuridão e não — parece haver

uma figura na estrada.

Há apenas uma outra pessoa confiante o suficiente para se

aventurar por essas estradas à noite. Guerra e seu corcel aparecem na

escuridão, o pelo vermelho escuro de Deimos parecendo quase preto

agora.

O cavaleiro se abaixa.

Ele olha para mim, seus olhos selvagens. — Onde você está indo?

— Seu rosto está quase louco de pânico.

Seja corajosa.

— Eu estava fugindo de você. — Eu digo.

Seu rosto fica tenso. É uma expressão que nunca vi nele antes.

— Você realmente me odeia tanto assim? — Ele pergunta, sua voz

baixa com emoção.


— Eu não odeio você, Guerra. — Eu digo, a brisa da noite

levantando meu cabelo. — E eu deveria, realmente deveria.

Ele olha para mim de Deimos, parecendo tão trágico. O vento

levanta o seu próprio cabelo e Deus, até mesmo na sombra, é

magnífico. Ele nunca poderia passar por um mortal, nunca.

Coloco a mão sobre o meu estômago. Pela segunda vez hoje, o

cavaleiro percebe a ação... e novamente, não registra.

— Você já pensou sobre o que aconteceria? — Eu digo. — Uma

humana e um imortal juntos, mesmo jurando matá-la, ela está

determinada a defendê-los? Já pensou nas ramificações?

Guerra pula de sua montaria, movendo-se devagar, como se

pudesse correr se fizesse algum movimento repentino. — Seja o que for

que a está incomodando, podemos consertar isso, eu consertarei. — Ele

dá vários passos para frente, parando bem perto de mim. — Pode me

odiar, amaldiçoar, apenas por favor, volte, Miriam. — Diz ele. Sua voz

estremece. — Por favor, volte.

Ele está implorando. E confio no universo para me puxar, porque

muitas forças são maiores que eu.

Começo a acenar, diminuindo a distância entre nós.


É tudo o que Guerra precisa para me puxar para seus braços. Ele

me segura firmemente por um longo tempo, como se pudesse escapar

com a brisa da noite.

Logo ele se afasta o suficiente para me olhar, seus olhos intensos.

— Eu te amo. — Ele confessa.

Eu não respiro.

— Eu amo você, Miriam. — Ele repete. — Não sabia até ontem à

noite o que essa estranha felicidade que sinto ao seu redor era. Mas

entendo agora. Estar com você me faz sentir como se tivesse engolido

o sol. Tudo é mais brilhante, mais cheio, melhor por sua causa.

Eu não tenho defesa contra isso. Nunca tive. Posso suportar as

crueldades de Guerra, posso levar sua violência. Mas o amor dele me

deixa completamente aberta.

— Eu te amo. — Continua ele. — E ainda assim tem nos destruído.

— Ele balança a cabeça. — Eu não deixarei que isso continue. Eu a feri

e ofendi, mudarei, juro que mudarei. — Ele me agarra com força.

Eu respiro fundo.

Guerra me disse uma vez que os juramentos humanos eram coisas

frágeis — fadadas a romper com o tempo. Na mesma conversa, ele


disse que seus votos eram inabaláveis. E estava certo. Implorei e

implorei para que ele mudasse, ameacei e traí, mas não cheguei quase

a lugar nenhum com ele.

Até agora. Porque agora o voto dele está mudando. E não sei

exatamente o que isso implica, apenas que sou estúpida o suficiente

para ter esperanças.

Não, não é idiota. Sou corajosa o suficiente para ter esperanças.

— Diga alguma coisa. — Diz ele.

Tenha fé. Foi o que eu disse a Guerra antes. E isso é tudo que a

religião realmente foi para mim. Fé. Que as coisas melhorarão neste

mundo e no próximo.

É hora de lembrar como ter fé no universo.

Abro minha boca e as palavras saem. — Estou grávida.


Demora alguns segundos para as palavras fazerem sentido para

Guerra. Sua testa franze e depois os olhos do cavaleiro se arregalam,

seu aperto em mim aperta apenas uma fração.

— Verdade? — Ele pergunta, seus olhos procurando os meus.

Espero que isso não tenha sido um erro.

Aceno, mordendo o lábio inferior. — Sim. Você me bateu muito

bem.

O olhar de Guerra desce para o meu estômago. Depois de um

momento, ele coloca uma das suas grandes mãos no meu abdômen. —

Você está carregando meu filho. — Seus dedos se flexionam contra a

minha carne. — Meu filho.

Eu vejo sua garganta funcionar, estou petrificada, totalmente

petrificada.

O olhar de Guerra se volta para o meu e seus olhos brilham.

Ele está triste? Feliz?


O cavaleiro leva meu rosto ao dele. — Eu nunca senti isso... alegria.

Ele solta uma risada e seus olhos... seus olhos violentos e

assustadores brilham.

Oh meu Deus. Ele está feliz. Obviamente feliz. E agora, pela

primeira vez desde que descobri que estou grávida, sinto uma centelha

de felicidade também. Mais que uma faísca. Sorrio um pouco

timidamente e ele segura meu rosto.

— É disso que você estava fugindo?

Eu paro por um momento, então aceno.

Ele pressiona a testa na minha. — Você nunca terá que me temer,

esposa, nem nossos filhos. Juro diante do próprio Deus.

Filhos? Ele acabou de assumir que haveria mais?

Guerra me beija então, sou arrastada por ele. Posso sentir a

excitação do cavaleiro e sua esperança na pressão de seus lábios. Meu

coração acelera. Ele quer todo o pacote humano — casamento, filhos,

tudo. Não tenho certeza se acredito até agora.

— Não mais, Miriam. — Diz Guerra. — Não mais brigas, não mais

fugas, não mais desconfiança entre nós. Compreendo. Finalmente. O


que fiz para você e o que me recusei a fazer por você. Eu entendo. —

Ele repete, enfatizando a palavra. — A partir deste momento, as coisas

serão diferentes, esposa. Eu dou meu voto e pretendo defendê-lo. Você

se rendeu e eu também o farei.

Um frio desliza sobre mim, porque é a resposta errada, apesar de

ser tudo o que eu queria.

— Apenas diga que você será minha. Não apenas no nome, mas de

todas as formas. Então é seu. É tudo seu.

Olho para o rosto do Senhor da Guerra, certo de que ouvi mal. Mas

isso não é truque. Tudo o que tenho que fazer é me entregar a ele. Para

ser totalmente e completamente de Guerra... e as coisas mudarão.

É difícil confiar em seu coração, mas é fácil ceder a ele.

— Eu sou sua, Guerra. — Eu digo. — Agora e sempre.

Depois que voltamos ao acampamento, Guerra me puxa para a

cama e me segura perto, sua mão descendo até o meu estômago.

— Eu tenho um filho. — Ele disse versões variadas disso desde que

descobriu. Ainda está estupefato.


O cavaleiro se inclina e dá um beijo no meu estômago, passo a mão

pelo cabelo dele.

Seus olhos se erguem para encontrar os meus. — Eu não sei o que

significa ter uma esposa grávida. — Ele admite. — Não estou

totalmente familiarizado com o processo.

Acho que ele estaria. Não há muitas mulheres grávidas envolvidas

em guerras.

— Eu nunca fiz isso também. — Pela primeira vez, encontramos

algo em que somos ambos igualmente inexperientes.

— O que você sabe a respeito? — Pergunta ele.

— Não muito, além do fato de que as mulheres ficam grávidas por

nove meses antes de dar à luz. — Eu digo. — Provavelmente estou

grávida por um mês ou mais. — Acrescento.

— Um mês inteiro. — Guerra digere isso, parecendo fascinado e

satisfeito. — Meu filho esteve em você o tempo todo. Não admira que

ficou tão sanguinária.

Oh Deus.

— O que mais? — O cavaleiro pergunta, mudando a conversa.


Eu penso nas poucas coisas que sei sobre o assunto. — Minha

doença e as aversões alimentares, acho que isso faz parte da gravidez.

Dizem que algumas mulheres ficam fisicamente doentes durante os

primeiros meses de gravidez.

Guerra franze a testa. — Isso deveria acontecer?

Eu levanto um ombro. — Quer dizer, acho que sim.

O Senhor da Guerra parece profundamente descontente com essa

notícia e percebo que ele está descontente em meu nome.

Ele não quer me ver sofrendo.

— Quanto tempo dura? — Guerra pergunta.

— Eu não sei. — Este nunca foi um tópico que olhei com muito

interesse. Não assumido que isso se aplicaria a mim em breve. —

Espero que não muito mais. — É um estado miserável.

Mordo meu lábio inferior. — E depois há o parto. — Acho que

provavelmente deveria pensar nisso também.

Desde a chegada dos cavaleiros, as intervenções médicas mais

avançadas tornaram-se obsoletas. Ainda havia médicos,

procedimentos físicos e hospitais, todo esse conhecimento que


escrevemos em livros didáticos, mas a tecnologia usada antigamente

para salvar gravidezes de risco desapareceu. Mulheres e bebês morrem

durante o parto, assim como há milhares de anos antes da era moderna.

— O que foi? — Guerra pergunta, sentindo meu humor mudar.

— Dar à luz pode ser perigoso.

— Quão perigoso? — Ele pressiona.

Olho nos olhos dele. — Eu posso morrer. E seu filho pode morrer.

— Nosso filho. — Ele altera, a mão ainda pressionando contra a

minha barriga. Pela primeira vez desde que começamos essa conversa,

ele sorri um pouco. — Você se esquece esposa, posso curar todo tipo

de lesão. Como eu disse antes, você e o bebê estão seguros.

Eu e o bebê.

Olho para Guerra e quase quero rir da ideia de felicidade

doméstica com este cavaleiro. Parece tão absurdo. No entanto, ele está

claramente dentro. Com tudo.

Ele me beija. — Tudo ficará bem. Confie em mim sobre isso.

A mudança em Guerra começa pequena. Tão pequena que quase

acho que estou imaginando. Ele prometeu — não, jurou a mim — que
se renderia. Ainda não tenho certeza se deveria acreditar nele até que

a prova começasse a aparecer.

Nas próximas semanas, enquanto viajamos pelo Nilo, Guerra para

de atacar as pequenas comunidades satélites que salpicam a terra.

Ainda mais desconcertante, o cavaleiro escolhe poupar aqueles poucos

humanos que conseguem sobreviver a seus ataques.

É um choque ouvir — afinal, Guerra leva seu exército de mortos-

vivos para a batalha com ele, essas máquinas mortíferas não deixam

ninguém ileso. Estou tendo dificuldade em acreditar que ainda há

alguém para poupar.

Mas não há sobreviventes de verdade e a prova disso vem um dia

depois deixamos Beni Suef.

Guerra e eu viajamos sozinhos em nossos cavalos, o Nilo a uma

curta distância de nós. O resto do acampamento — os mortos e tudo

mais — está muito atrás de nós, assim como Guerra sempre

providenciou.

Quando chegamos à cidade de Maghaghah, uma flecha passa por

mim, tão perto que sinto o ar mudar. Olho para Guerra, com um olhar

perplexo no meu rosto.


Isso nunca aconteceu antes durante nossas viagens, porque as

pessoas não sabem que Guerra está chegando.

Outra flecha passa. Então outra e outra.

Pelo menos, eles não me acertaram.

— Miriam, mexa-se! — O cavaleiro parece um general e

instintivamente, eu o obedeço.

Puxo as rédeas do meu cavalo, me afastando da linha de fogo.

Outra flecha assobia. Meu corpo sacode quando o projétil me atinge no

ombro. Solto um grunhido, dor e surpresa quase me jogando do meu

cavalo.

— Miriam! — Guerra grita. Seus olhos estão fixos na flecha saindo

de mim.

Olho para a minha ferida, o sangue quente se acumulando nela. A

dor está ali, mas enterrada sob o meu choque. Alguém atirou em mim.

Eles sabiam que estávamos chegando e atiraram em mim.

Guerra dirige Deimos na minha direção, colocando-se entre mim e

a cidade à nossa frente. Há mais flechas vindo em nossa direção. A

maioria fica aquém ou erra, mas várias vêm direto para nós.
Eu tenho que me abaixar para evitar outra.

O cavaleiro fica ao meu lado, seu flanco exposto ao ataque. Seu

rosto está calmo, mas seus olhos violentos o entregam. Em um

movimento fluido, ele me agarra pela cintura e me arrasta para seu

cavalo.

Eu engulo um grito quando a ação empurra meu ombro. Então

estou em Deimos e estamos recuando, embora nunca vi Guerra em

retirada, nunca.

Enquanto nos afastamos, vejo algumas flechas saindo do lado de

Deimos. O cavalo sequer se esquiva da dor, embora deva doer. Isso é o

que acontece quando você deixa as pessoas viverem. Eles passam

avisos para cidades que não foram atacadas e essas cidades se

preparam. E então lutam com cada pedaço de si mesmos.

Meu coração acelera e sinto uma sensação emocionante de

realização, apesar de estar no lado errado dessa luta. Isso é por minha

causa e de Guerra. Sem os acordos e as lutas, aquele voto dele, isso

nunca teria acontecido.

Guerra coloca sua mão sob a gola da minha camisa, perto da ferida,

tentando curá-la.
— Eu não posso remover a flecha até que esteja seguro. — Diz ele

se desculpando.

Aceno, distraída com o sangue quente do meu braço.

Eu dou uma olhada por cima do ombro. A cidade está ficando

rapidamente pequena, mas ao longe, noto vários cavaleiros veem atrás

de nós.

— Guerra...

— Eu sei.

Cavalgamos por mais um minuto antes que o cavaleiro puxe

Deimos. Viramos, para que possamos ver os homens cavalgando por

nós. Guerra permite que se aproximem. Não perto o suficiente para

atirar, mas perto o suficiente para ver que esses homens estão usando

uniformes.

Eles não são apenas civis, o que significa que o mundo exterior sabe

oficialmente que o cavaleiro está a caminho da guerra. Guerra os

observa por vários segundos. Calmamente, estende a mão.

Um arrepio se move por mim ao vê-lo. Uma de suas mãos está me

curando, enquanto a outra...


O chão entre nós treme e nossos perseguidores se dobram e se

deslocam. E então os mortos se levantam, como sempre fazem. A terra

está cheia de tantos ossos.

Os cavalos dos cavaleiros recuam e até daqui posso ouvir os

homens gritando. Eles disparam flechas nos corpos esqueléticos, mas

isso não os mata. As criaturas caminham em direção a eles sempre com

tanta firmeza. Os homens viram seus cavalos e voltam, os mortos

seguindo atrás deles.

Apenas quando eles se vão, o cavaleiro pega minha flecha. Mais

rápido do que posso seguir, ele agarra a ponta e a arranca.

Eu grito, mais por surpresa do que por dor. Um seria bom.

Imediatamente, a mão de Guerra cobre a ferida, seu toque quente.

Leva apenas um pouco mais de tempo para a minha carne sentir o

formigamento. Nós dois ficamos sentados em Deimos no meio da

estrada enquanto o cavaleiro me cura.

Depois do que parece uma eternidade, ele solta meu ombro. — A

ferida foi fechada, embora demore um pouco mais para se reparar

completamente.
Eu puxo minha camisa rasgada e ensanguentada para o lado para

olhar a pele recém curada. — Obrigada.

Atrás de mim, Guerra balança a cabeça. — Você é minha esposa. É

o mínimo que poderia fazer.

Eu engulo. Nós dois estamos mergulhados em um relacionamento

real. Bem, para Guerra sempre foi real, mas para mim isso tudo é novo.

E sinto essas palavras. O peso delas.

Sua outra mão se move para o meu estômago.

— O bebê? — Há tanta preocupação em sua voz.

O bebê. Porra.

Eu levanto meus ombros sem esperança. — Eu tenho certeza que

está tudo bem. — Eu digo, mais para me tranquilizar do que qualquer

outra coisa.

Guerra dá um leve aceno de cabeça. Aparentemente, se acho que

está tudo bem, ele acha que está tudo bem.

Com isso, o cavaleiro desmonta. Assim que faz isso, vejo as flechas

nas costas dele.


— Guerra! — Todo esse tempo ele teve seus próprios ferimentos

que estava ignorando. Eu pego os cinco projéteis enterrados em suas

costas. Minha própria ferida pulsa apenas olhando para todos eles.

Quando o cavaleiro vê onde estou olhando, olha por cima do

ombro para as flechas salientes.

— São inofensivas. — Diz ele, ignorando a minha preocupação.

Inofensivas?

Eu lembro do tiroteio de Zara. Como ele cortou as palmas das mãos

afastando meu ataque. E supostamente uma vez levou uma lâmina no

intestino. Acho que para ele, algumas flechas podem parecer

inofensivas.

Ainda assim.

— Você pode sentir dor? — Eu pergunto enquanto ele me ajuda a

descer de Deimos.

— Claro que posso.

Ele diz como se fosse óbvio.

— Então, como não está sofrendo? — Eu pergunto.

— As flechas acertaram minha armadura.


Oh. Acho que isso faz sentido. Começo a andar para inspecioná-las

quando Guerra me pega. Seus olhos se movem para todo o sangue que

escorre pelo meu braço e uma profunda carranca se forma.

Aqui está ele, se importando com a minha dor mais uma vez.

Minha garganta aperta quando lembro que há pouco tempo atrás

estava tentando fazer exatamente o oposto com ele.

Meus olhos vão para as flechas em suas costas. — Sinto muito. —

Eu digo.

Não sei por que demorei tanto tempo para reunir as palavras, mas

está muito atrasado.

— Pelo que?

Eu toco seu peito. — Por quase matar você com sua própria espada.

Ele ri e pega minha mão. — Você não poderia ter me machucado.

— Eu queria machucá-lo. — Eu digo.

Nem todas as feridas deixam marcas.

Guerra me encara, então ele leva meus dedos aos lábios, seus olhos

fixos nos meus quando beija minha mão. — Aprecio o pedido de

desculpas, esposa. Tudo está perdoado.


Solto a respiração e parece que um peso foi levantado.

Eu dou-lhe um sorriso. — Meu marido...

Ele levanta as sobrancelhas, seu próprio sorriso curvando os cantos

da boca. — Ouvir esse termo de seus lábios... é a música mais doce,

esposa.

Nós compartilhamos um momento. Um momento honesto que não

é excessivamente complicado. E me deixo aproveitar em toda a sua

gloria sem pensar demais a respeito.

Um som surdo à distância rompe o feitiço. Guerra olha de volta

para a cidade que parece surgir do próprio deserto. No processo, vejo

as flechas que cobrem suas costas, algumas pingam sangue.

Solto a respiração. — Você está ferido. — Eu digo, caminhando em

direção às feridas.

Guerra alcança suas costas e agarrando uma, a puxa e a joga de

lado. Depois que faz com outra, eu o paro.

— Eu posso fazer isso.

O cavaleiro se afasta, me olhando. Depois de um momento, ele

balança a cabeça e me deixa ir para suas costas.


Há mais três flechas ainda embutidas em sua armadura e pele.

Começo com a que está perto do seu ombro, agarrando-a pela base. —

Isso pode doer.

Acho que o ouço soltar uma risada, mas talvez seja apenas minha

imaginação. Envolvo minha mão ao redor da ponta da flecha, dou um

puxão e... nada acontece.

Agora Guerra ri. — Muito doloroso, esposa, agradeço o aviso...

Desta vez, jogo meu peso na ação e com um ruído úmido, a flecha

se solta.

Eu deixo cair a coisa e coloco minha mão sobre a ferida. — Eu não

posso curar como você pode.

— Tudo bem, esposa. — Diz Guerra, sua voz delicadamente gentil.

Eu puxo a próxima flecha e depois a última, puxando com força

cada uma delas. Quando termino, o cavaleiro se vira e me lança um

olhar estranho.

— O que? — Eu digo, limpando minhas mãos no jeans.

— Ninguém nunca cuidou de mim. — Sua voz soa estranha.


Encontro seus olhos. Ele parece algo saído de um conto de fadas

em sua armadura vermelha, seu cabelo preto adornado com peças de

ouro.

— Eu me preocupo com você, Guerra. Não quero que você se

machuque. Nunca.

Guerra me encara por um longo tempo. — Esse é um sentimento

estranho quando parte do que eu sou é dor. Mas não posso dizer o quão

emocionado fico com suas palavras, no entanto. Você me fez mortal da

pior maneira, Miriam e sou eternamente grato por isso.

Após o incidente em Maghaghah, os zumbis de Guerra começam

a nos preceder em nossas viagens e assim toda cidade pela qual

passamos está repleta de corpos mortos dos combates que devem ter

acontecido. As coisas parecem piores, não melhores, do que há

semanas atrás.

Mas...

Mas o cavaleiro não está atacando essas cidades pelas quais nos

movemos, elas estão se defendendo. Portanto, não são sobreviventes.

Ainda é muito para absorver e à medida que mais pessoas são

informadas da chegada do cavaleiro, os ataques ao exército se tornam

mais frequentes e brutais, há mais baixas também.


Eu tenho que atravessar os cadáveres com o cavaleiro, o sangue

deles ainda pingando de suas feridas. Acho que é assim que as coisas

serão.

Mas então, algo drástico muda tudo.


Sento-me com Zara perto do centro do acampamento que

montamos nos arredores de Luxor. A garota em mim está desesperada

para avistar antigas ruínas egípcias, mas a pragmática sabe que isso

nunca acontecerá. Não durante uma campanha de batalha. Então, me

contento com a visão das palmeiras que abraçam a margem do Nilo.

Ao meu lado, minha amiga está tentando — e fracassando — tecer

uma cesta.

Além do som distante das risadas das crianças e algumas

conversas murmuradas, o acampamento está completamente quieto.

Guerra e seu exército saíram há muito tempo, deixando apenas alguns

de nós para trás.

— Foda-se isso. — Zara finalmente diz, jogando sua cesta irregular

na frente dela. — Não posso fazer isso.

Ela rola como uma bola.

— Achei que foi bem. — Minto. Porque às vezes o encorajamento

é melhor que a dura e fria verdade.


Zara bufa. — Você teria que ser cega para isso.

O som do casco nos interrompe.

Olho para a beirada do acampamento. Não posso ver além das

poucas tendas de cor creme no caminho, mas quanto mais ouço, mais

alto o casco se torna.

Pela primeira vez, Guerra e seus cavaleiros não galopam para o

acampamento a toda velocidade. Em vez disso, Guerra aparece

primeiro, Deimos caminhando lentamente para clareira. Vários outros

cavaleiros e seus cavalos de Guerra seguem, cada um se movendo com

calma. É apenas depois dos primeiros passarem que vejo as crianças.

Há centenas delas sendo levadas para o acampamento, com os

rostos sujos e manchados de lágrimas. Eles variam em idade de jovens

adolescentes para bebês.

Eu me levanto, encarando todos em choque.

Zara se levanta ao meu lado. — O que na Terra...?

Guerra e seus cavaleiros voltaram da batalha com crianças

capturadas.

Não, não capturadas.


Poupadas.

Houve uma época em que era um milagre conseguir que Guerra

salvasse uma única criança. Agora ele tem quase a quantidade de uma

cidade deles.

Meu cavaleiro assobia para Zara. — Eu tenho mais filhos para você

cuidar. — Guerra não se incomoda em falar em línguas. Ele não o fez

nas últimas duas cidades que acampamos por perto. Agora, sua mente

e suas palavras são tão abertas quanto sempre foram — para o choque

dos humanos remanescentes que vivem aqui.

Zara aponta para si mesma, com os olhos arregalados. — Eu?

Guerra dá um aceno de cabeça.

Levanto minhas sobrancelhas para ela. — Acho que você é agora

cuidadora não oficial de crianças.

Ela me dá um olhar suplicante antes de se aproximar da fila de

crianças. Há tantas, muitas delas.

Zara os encurrala, chamando outras pessoas para ajudar. Juntos,

eles levam as crianças para o lado da clareira, onde o jantar já está

preparado.
Vamos esperar que seja comida suficiente.

Guerra vem para mim em Deimos, sua forma obscurecendo o sol

atrás dele.

— Você os salvou. — Eu digo.

Ele olha para mim por um longo momento, depois olha para longe.

— Não... não é tão fácil destruí-los, sabendo que poderiam ser meus.

— Diz ele, seus olhos indo para o meu estômago.

Meu filho, ele quer dizer. Ele vê seu próprio filho neles.

Por um momento, não respiro. Esta pode ser a primeira vez que

vejo verdadeira empatia em Guerra.

— Foi por isso que você os poupou?

Ele olha para mim. — Eu fiz isso pelo seu coração mole. — Diz ele.

— Mas ainda assim, eles poderiam ter sido meus.

Isso se torna um padrão — poupar crianças — até que haja muitas

crianças no acampamento e sem adultos suficientes para atender a

todas elas. Tivemos que recrutar as crianças mais velhas para ajudar os

mais novos, o que não é o ideal.


Isso tudo mudou hoje. Hoje a guerra não apenas traz de volta as

crianças junto com seus outros prêmios de guerra. Hoje ele também

retorna com adultos.

Essas pessoas estão salpicadas de sangue e seus olhos estão

arregalados com as coisas que viram, mas entram com as crianças,

recebem refeições e abrigo do mesmo jeito. Não precisam se ajoelhar

no sangue de seus antigos vizinhos enquanto juram lealdade ou

escolhem a morte. Eles não têm que testemunhar execuções diárias ou

enfrentar a morte e morrer em batalha.

O pior com o que terão que lidar é o choque cultural que vem com

a vida no acampamento.

Guerra desmonta Deimos e vem até mim, uma de suas mãos se

movendo para minha barriga.

— Para o seu coração mole.

— Quem são eles? — Eu pergunto mais tarde naquela noite.

— Você quer dizer as pessoas que salvei? — Guerra diz. Ele puxa

a calça sobre as pernas, o cabelo ainda molhado do banho. Seus ombros

parecem ter quilômetro de largura.


Posso ouvir alguns Cavaleiros Phobos brigando do lado de fora,

bêbados das festividades da noite. Tenho certeza de que, se forçar meus

ouvidos o suficiente, posso até ouvir os sons suaves das pessoas

chorando. Este é o dia mais terrível de suas vidas, mas eles não têm

ideia de que é um dos mais compassivos do cavaleiro.

Ele passa a mão pelo cabelo, parecendo incrivelmente sexy. — Eles

são inocentes. Julguei seus corações e os achei puros ou pelo menos tão

puros quanto um coração humano pode ser.

Eu levanto minhas sobrancelhas. — O que fez você decidir poupar

os inocentes? — Pergunto.

As crianças eu entendo; ele viu seu próprio filho neles. O que viu

nessas pessoas?

— Eu prometi a você que mudaria. — Diz ele. — Estou tentando.

Minha garganta se contrai com isso. — Então, isso é tudo para

mim? — Eu não posso dizer se isso me faz sentir incrivelmente querida

ou um pouco triste.

Guerra estreita os olhos, observando minhas feições por vários

segundos. — Essa é uma pergunta manipulada, esposa. Porque se

disser que é para você, achará que meu coração mudará. E se disser
que é porque de repente tenho uma consciência, me arrisco a

menosprezar seu próprio envolvimento significativo nesse processo.

Ele ter uma consciência nunca poderia ser um problema. É o que

eu queria desde que o conheci.

— Você tem? — Pergunto. — Consciência?

Ele caminha em minha direção, as tatuagens em seu peito

brilhando. Guerra se ajoelha diante de mim e levanta minha camisa

cinza justa. É provavelmente apenas minha imaginação, mas meu

estômago parece um pouco mais cheio.

Agarrando meus quadris, o cavaleiro se inclina e dá um beijo ao

longo do meu abdômen.

— Meu mundo inteiro está bem aqui. — Diz ele, olhando para

mim. — Tarde da noite, tremo com o pensamento de algo acontecendo

com qualquer um de vocês. Entende o quão louco isso me deixa? — Ele

se levanta, movendo a mão para o meu estômago. — Há a mais simples

linha de outra vida em você e é tão vulnerável. — Seus olhos se movem

para os meus. — E isso não quer dizer sua própria vulnerabilidade. Sou

impermeável à morte, mas qualquer coisa pode levar você e nosso

filho. É difícil estar ciente desse fato e não pensar em todos os outros
pais cujas famílias eu matei. Cujos amores matei. Tenho vergonha do

que fiz, porque perder você já é impensável.

— Então, sim, acredito tenho consciência.

O cavaleiro fez tantas coisas horríveis. Ele merece perder as únicas

coisas com que se importa. Talvez então realmente soubesse o preço de

sua guerra. Mas não quero morrer, não quero que meu bebê morra e

mais retorcido que tudo, não quero que Guerra sinta dor como ele fez

os outros sentirem isso. Mesmo que seja justo.

Ele não é o único que foi suavizado por esse relacionamento.

— Você realmente quer um filho? — Isso sai como um sussurro. Eu

nem sabia que era uma questão em minha mente até as palavras saírem

dos meus lábios.

Ser pai parece tão completamente em desacordo com tudo o que

Guerra é.

— Antes de eu ser... um homem. — Ele diz. — Eu teria dito não.

Eu fico um pouco assustada, como sempre, com a lembrança do

que ele realmente é.


— Naquela época eu era dor e violência, fraternidade, animosidade

e perda. Eu me deliciava com sangue e medo. Não conseguia conceber

a vida quando estava tão consumida pela morte. Mas então me deram

essa forma e de repente, existia de uma maneira completamente

diferente. Eu vi a natureza humana fora do campo de batalha pela

primeira vez. Mais do que isso, senti como era viver fora do campo de

batalha.

O rosto de Guerra está nu e por uma vez, ele parece muito jovem.

— Isso me irritou muito, esposa. Havia muita coisa sobre a

natureza humana que não conhecia até que vivi e andei entre todos

vocês, senti agitações dessa natureza dentro de mim. Pensei que ceder

àqueles sentimentos fosse uma fraqueza que apenas os mortais

sucumbiam.

— No entanto, uma vez que a conheci, comecei a querer coisas que

nunca imaginei querer, coisas que uma vez rejeitei. No início, pensei

que estes novos sentimentos que tinha por você, eram porque eu

acreditava que Deus a enviou para mim. Deveria sentir

companheirismo e compaixão porque Ele decretou isso. Deveria tê-la

como minha esposa porque ele a entregou a mim. Não era errado. Em

algum lugar ao longo do caminho, minhas razões para ceder a essas


emoções humanas mudaram. Eu já não a persegui porque deveria.

Ansiava sua companhia, seus sorrisos, sua raiva feroz e sua língua

inteligente, porque isso me trazia a mesma alegria que a batalha. E o

mundo floresceu em cores. Pela primeira vez, comecei a sentir

verdadeiramente esse corpo e cada emoção dentro dele.

Eu não fazia ideia. Não fazia ideia de que em algum lugar ao longo

de todas aquelas semanas sinuosas, quando tudo parecia tão sem

esperança para mim, Guerra estava mudando. Mesmo antes do voto

que ele fez, estava mudando.

— Eu percebo agora. — Ele diz. — Isso é o que é a vida, o que é ser

humano.

É tarde e de alguma forma estou com fome e náuseas tudo de uma

vez. O que realmente não é nenhuma surpresa, porque isso aconteceu

quatro outras vezes na última semana.

Odeio a doença de manhã. Odeio, odeio, odeio.

Quer dizer, no mínimo, poderia cuidar de seus próprios negócios

e apenas seguir as manhãs. Tropeço para fora da cama. Todas as

lâmpadas estão apagadas, exceto uma, que está na mesa. Eu tropeço

para ela.
Ao lado da lâmpada há um jarro de água, um copo e um prato de

frutas, queijo, pão e o que parece homus.

Embaixo do prato está uma nota que diz: Para minha esposa e filho

ferozes. Espero que, se a alimente enquanto durmo, você não tente me

esfaquear novamente. Considere isso uma oferta de paz.

Meus lábios se contorcem em um sorriso. Apenas Guerra poderia

deixar claro que que tentei matá-lo.

Pego a nota e para minha mortificação, sinto-me emocionada.

Não é como se fosse um evento único. Durante semanas, Guerra

tem deixado bandejas de comida para mim à noite. Ele nunca

comentou sobre isso; elas apenas aparecem. Eu não notei nenhuma

nota antes, mas agora me pergunto se houve outras noites com outras

notas à meia-noite que passaram despercebidas.

Observo que Guerra tirou a bandeja pela manhã.

Fiquei tão consumida pelo que estava acontecendo ao meu redor

que eu não notei a única e terrível verdade dentro de mim.

Eu amava o cavaleiro.
Amava seus olhos violentos e como ele me via. Amava sua força e

seu humor, seu corpo ridículo de musculoso e aquele sorriso. Aquele

sorriso que eu esperava sempre. Amava sua voz e sua mente. Amava

como ele me deixava pratos de comida com pequenas anotações e

como roubou minha adaga todo esse tempo atrás, porque era minha.

Amava nossos argumentos e nosso sexo calmo, à meia-noite, de

manhã, a tarde e à noite. Amava humanidade crescente de Guerra e

sua alteridade.

Eu o amava.

Porra.

Eu o amava.

Passo a mão pelo meu rosto. Quero pegar de volta. Quero desfazer

qualquer feitiçaria que ele fez em mim. Olho para a forma adormecida

de Guerra. Eu mal posso distinguir seu rosto na escuridão, mas o que

posso ver faz meu estômago se sentir leve.

Esta é uma história familiar para mim. Amar o que você não

deveria. Aconteceu com meus pais e agora está acontecendo comigo.

Pelo menos meus pais tiveram o benefício de serem pessoas decentes.

A decência de Guerra está enterrada em algum lugar sob sua agenda

sangrenta e sua sede de abate.


Mas isso está mudando — Guerra está mudando e o mundo está

mudando com ele.


Com cada cidade pela qual passamos, mais e mais pessoas são

poupadas. Primeiro são as crianças, depois os inocentes, logo os idosos.

Não está claro o que distingue as pessoas que Guerra salva daquelas

que ele não salva. Há tantos civis poupados que logo o cavaleiro deixa

de leva-los ao acampamento. E se sobreviverem a sua incursão,

conseguem manter não apenas suas vidas, mas também suas casas e

posses.

Hoje Guerra e eu andamos pelo acampamento, os olhos do

cavaleiro sobre as pessoas que moram ali. O acampamento em si é uma

besta completamente diferente do que era há apenas alguns meses. Há

muito mais risadas e muito menos armas.

Não sei se Guerra está ciente da metamorfose que esse lugar

passou ou de que ele é o responsável por essa mudança, mas sei que

sinto uma leveza dentro de mim toda vez que vejo como as coisas

melhoraram.
Quando Guerra e eu chegamos à periferia do acampamento, ele se

vira para mim.

— Eu tenho algo para você. — Ele admite.

Eu paro de andar, levantando as sobrancelhas. O cavaleiro me deu

muitas coisas desde que nos conhecemos —uma tenda, roupas,

comida, armas, mágoa, carnificina, alguns zumbis e um bebê. Não

tenho certeza se quero mais alguma coisa dele.

O cavaleiro puxa um anel e franzo minhas sobrancelhas, sem

entender.

Não é até que Guerra se ajoelha — em ambos os joelhos — que eu

percebo o que é isso.

— Você será minha esposa? — Guerra pergunta.

Eu olho para ele perplexa, meu coração tentando sair do peito. —

Eu já disse que sim.

— Mas agora estou perguntando a você. — O cavaleiro diz,

olhando para mim de onde está ajoelhado. — Não há mais acordos

entre nós, Miriam. Quero que isso seja realmente sua escolha. — Ele

procura nos meus olhos. — Você será minha?


Eu poderia dizer não.

Pela primeira vez, Guerra está realmente me dando uma escolha

nesse relacionamento. Claro, é tarde demais para mim e meu coração.

E agora ele precisava se tornar um homem melhor, um homem digno

de dizer sim.

— Sim, Guerra. Sim, eu serei sua esposa.

Ele sorri tão brilhante que enruga os cantos dos olhos, os dentes

cegamente brancos contra a pele morena.

O cavaleiro se levanta e me agarrando pela cintura, me gira em

seus braços. Rindo um pouco, coloco a mão na bochecha dele e me

inclino para beijar seus lábios.

Quando paramos de girar, Guerra pega minha mão e começa a

colocar o anel no meu dedo.

— Onde você aprendeu sobre propostas? — Eu pergunto,

lembrando como ele se ajoelhou em ambos os joelhos. Não era bem o

que os homens humanos faziam, mas estava perto o suficiente para

saber que ele pegou de alguém em algum lugar.

— Eu não sou completamente ignorante dos modos humanos,

esposa. Apenas na maior parte. — Ele me dá um sorriso malicioso.


Sua resposta me faz sorrir de volta. Não posso suportar desviar o

olhar dele. Ele me extasiou. Mas então minha curiosidade me faz olhar

para o meu anel.

É ouro, com um rubi redondo no centro. É a cor da armadura de

Guerra, seus grifos e seu corcel — bem e sangue também, mas ignoro

isso.

O anel está muito solto para o meu dedo anelar, então o cavaleiro

desliza no meu dedo médio, mas o anel também fica solto, então

Guerra o move para o meu dedo indicador, onde fica

confortavelmente.

Isso também não é muito humano, adoro ainda mais por esse fato.

Nós dois, afinal, não somos um casal normal — mas estamos perto o

suficiente.

— Eu adorei. — Digo.

Guerra aperta minha mão. — Gosto do meu anel no seu dedo.

Minha adaga ficou bem em você também, mas isso... isso pode ser

ainda melhor.
— Conte-me sobre Deus. — Digo naquela noite depois de deitar

sob nossos lençóis. O anel de guerra é um peso reconfortante no meu

dedo.

— Não seu deus? — Guerra pergunta de onde está sentado afiando

uma lâmina, com os olhos fixos em mim.

Ele foi sempre seu Deus. Não meu.

Eu não sei quando isso mudou — talvez quando Guerra mudou. O

que é irônico, considerando que estou descarrilando-o dos comandos

sagrados que deveria realizar.

— O que você quer saber? — Pergunta ele.

Seguro a cabeça no meu punho. — Tudo.

Guerra ri, deixando a lâmina e a pedra de lado. — Por que não

começamos com suas perguntas mais urgentes?

— Apenas se vier para cama.

Os olhos do cavaleiro se estreitam com interesse. Ele fica de pé,

tirando a camisa. Um minuto depois, desliza para a cama ao meu lado,

colocando meu corpo sobre o dele.

— Melhor? — Ele pergunta.


— Muito. — Meu estômago está finalmente começando a inchar,

tornando difícil para nós dois nos alinharmos um contra o outro.

— Quais são suas perguntas?

Eu traço as palavras brilhantes em seu peito. — O que isso diz? —

Eu nunca perguntei.

O cavaleiro me encara por um longo tempo e parece que está

decidindo alguma coisa.

Seus lábios se separam e ele começa a falar em línguas. — Ejo

auwep ag hettup ewiap ir eov sui wania ge Eziel. Vud pajivawatani

datafakiup, ew kopiriv varitiwuv, Guerragep gegiworep vuap ag pe.

Ew teggew kopirup fotagiduv yevawativ vifuw ew nideta eov, ew

geirferav.

As palavras divinas me inundam como uma onda e as sinto como se

estivessem vivendo, respirando coisas. Coisas sagradas. Meus olhos estão

furados porque ouvi-los, sinto que acabei de tocar Deus, o que quer que seja e

quem quer que seja Deus.

Eu serei a lâmina de Deus e Seu julgamento também. Sob meu braço guia,

a humanidade entregará seus últimos suspiros para mim. Devo pesar os

corações dos homens enquanto os entrego.


Não posso duvidar que Guerra é outra coisa senão santo. Não

depois de ouvir isso.

Ainda estou respirando ofegante quando Guerra estende a mão,

traçando minha própria marca grosseira na base da minha garganta.

— Eu tenho algo para você. — Diz Guerra, interrompendo meus

pensamentos. Ele se levanta da cama e atravessa a tenda, pegando um

pequeno item de sua calça.

— Você tem algo mais para mim? — Pergunto, levantando as

sobrancelhas.

Dois presentes em um dia? Esse é um precedente perigoso para

definir.

Ele volta. — Eu quis dar a você antes, mas depois que propus...

Depois que ele propôs, qualquer presente adicional teria se

perdido no momento.

Guerra deita na cama e abre o punho.

Tudo o que vejo no início é o fio vermelho, mas isso é suficiente

para eu saber exatamente o que é. Uma fração de segundo depois, noto

a mão prateada, uma minúscula pedra turquesa embutida no centro.


A mão de Miriam. Um hamsa.

— Estes estavam em exibição em Edfu e me lembrei do que você

usa em seu pulso.

Eu toco a pedra.

— Eu não sou seu pai. — Continua Guerra. — Mas pensei que

poderia fazer o certo por ele. — Ao me dar outro bracelete de hamsa e

continuar a tradição de meu pai.

Pego a delicada joia dele e a seguro na minha mão.

Fecho no meu punho. Faz uma década desde que meu pai

envolveu meu último pingente no meu pulso. Receber este presente de

Guerra... parece menos como se meu pai tivesse ido embora.

— Obrigada. — Eu digo baixinho. — Adorei.

Guerra me ajuda a encaixar a pulseira no meu pulso, bem ao lado

da minha outra. Olho para as duas peças de joalharia que o cavaleiro

me deu hoje, e quase digo: Eu te amo.

Meus olhos se movem para Guerra.

Eu te amo.

Ele ficaria feliz em ouvir essas palavras.


Separo meus lábios. — O que acontecerá conosco? — Eu digo em

vez disso, apavorada no último minuto.

Ultimamente tenho pensado no futuro. Nosso futuro. Não apenas

o que acontecerá na próxima semana ou mês, mas onde estaremos anos

no futuro.

— O que você quer dizer? — Guerra pergunta.

— Onde você vê nossas vidas indo? — Agora que há um bebê e os

modos de Guerra estão mudando, o futuro é uma grande incerteza

iminente.

— Esposa, viveremos como milhões de outros, apaixonados até

uma idade madura.

Há apenas um problema com isso. — Mas você é imortal e eu não

sou.

— Isso não significa nada. — Ainda assim, Guerra franze a testa,

eu sei que ele está pensando sobre isso mesmo assim.

— Significa. — Insisto.

Tenho vinte e dois anos agora, mas nem sempre terei. Minha

juventude acabará em ossos frágeis e pele flácida. Enquanto isso, como


será Guerra? Ele permanecerá inalterado, seu corpo ainda musculoso

e viril? Não posso imaginá-lo de outra maneira.

E se ele não envelhecer, o que então? O que aconteceria quando eu

fosse idoso e meu marido ainda fosse essa força masculina e crua da

natureza? Nós ainda estaríamos juntos? Poderia ainda estar juntos?

E mesmo se estivéssemos...

— Eu morrerei. — Eu digo. — E você não.

O que aconteceria com Guerra? E o que aconteceria com o mundo?

O juramento do cavaleiro pode terminar com a minha morte. Ele

retornaria aos seus velhos hábitos e continuaria de onde parou?

— Você falou uma vez de fé. — Diz Guerra, interrompendo meus

pensamentos. — Talvez agora seja a hora de ter fé em mim. Tudo ficará

bem, Miriam. Prometo.

No momento em que acordo na manhã seguinte, Guerra se foi.

Um calafrio passa por mim. O cavaleiro partiu cedo antes, mas isso

foi quando ele conspirou com seus homens. Não faz muito mais isso.
Eu me visto e forço um pouco de comida — minha doença matinal

parece estar indo embora — então deixo a tenda. Os sons dos vivos já

estão enchendo o acampamento.

Ando por aí até ver Guerra. Ele está na beirada do acampamento,

acariciando Deimos em seu focinho. O cabelo escuro do cavaleiro voa

no vento do deserto.

Ele não me nota até eu chegar ao seu lado. Quando finalmente me

vê, sorri. Sua expressão é tão livre de violência que quase poderia

passar por um homem.

Você arranca pedaços de sua alteridade e então ele se torna como o restante

de nós.

Eu não sei se quero que ele se torne como o restante de nós. Gosto

da sua estranheza.

Mas talvez ainda tenha essa estranheza, apenas sem o

derramamento de sangue.

Guerra continua acariciando Deimos. O cavalo bate na mão do

dono e dá vários passos em minha direção, até que o corcel enterra o

rosto no meu peito.


O cavaleiro se vira e observa os dois. Apenas quando acho que ele

vai dizer algo sobre mim e Deimos formando um casal fofo (nós

somos), ele diz: — deixaremos Zara e o resto do acampamento para

trás.

O mundo fica em silêncio por vários segundos depois disso

enquanto continuo acariciando seu cavalo.

Suas palavras não fazem sentido.

— Todos, exceto os Cavaleiros Phobos. — Acrescenta.

Olho para Guerra. — O que quer dizer que deixaremos todos para

trás?

— Na próxima cidade, os deixaremos para trás. Estou

desmontando o acampamento.

Agora está começando a fazer sentido.

— O que? Por quê? — Meu coração começa a disparar. — Você está

planejando matá-los? — Porque não vou deixar isso acontecer. Não

com Zara ou Mamoon — e não com os outros também.

As sobrancelhas de Guerra se juntam. — Eu não disse isso. Disse

que os deixarei.
— Então, eles viverão? — Pergunto.

— Talvez, talvez não. Mas isso dependerá de sua própria sorte.

Agora estou tentando entender — que pela primeira vez, Guerra

libertará seu exército cativo. Eles podem estar longe de suas casas —

afinal, estamos no Sudão — mas pelo menos não estarão mais sob o

jugo de Guerra.

Eu não consigo recuperar o fôlego. Há muitas emoções conflitantes

dentro de mim. Dor, que terei que deixar minha amiga ir;

incredulidade de que isso pode realmente acontecer; pergunto-me se

Guerra está realmente considerando isso. E então há uma estranha

preocupação que se insinua em mim.

Esta é uma parte de Guerra que eu vi apenas uma vez antes. O fim.

A parte em que você retira suas tropas, desativa suas armas, diminui

seu exército permanente. Eu vi quando a guerra civil do meu país

terminou.

Agora está acontecendo novamente.

Zara e Mamoon viverão uma vida real —em algum lugar não cheio

de morte e tristeza. Aliás, o resto do acampamento viverá com uma

aparência de vida normal. Não será o mesmo que antes, nada pode
voltar a ser como era, mas terão outra chance de vida, que é mais do

que qualquer outra pessoa neste campo já teve antes.

— Por que você está fazendo isso? — Pergunto a Guerra.

Ele me dá um sorriso. — Para o seu coração mole.


Não quero deixar minha amiga ir. Eu não quero desde que Guerra

me contou as novidades no início desta semana, mas agora está

realmente me atingindo.

Guerra já libertou seu exército de mortos-vivos a vinte quilômetros

da estrada, seus corpos gravemente decompostos espalhados pela terra

seca, tudo o que restou de seu exército original.

Ele libertou seus mortos-vivos. Agora é hora de libertar a vida.

Eu, Zara e o resto do acampamento estamos no meio de Dongola,

uma cidade no norte do Sudão que fica ao longo da borda do Nilo. É

um lugar impressionante, banhado de sol e espero que isso faça minha

amiga feliz.

Ao nosso redor, os moradores da cidade nos observam com olhos

desconfiados. O acordo que Guerra fez com eles foi que não
prejudicaria uma única alma, desde que eles pudessem incorporar o

acampamento inteiro de Guerra em sua cidade.

Eles não pareceram particularmente empolgados com isso —não

os culpo, Dongola não parece estar totalmente equipado para lidar com

milhares de pessoas a mais — mas quando confrontados com a

alternativa, aceitaram o destino.

Não que necessariamente cumpririam o acordo assim que saímos.

É por isso que Guerra deixará um ou dois zumbis para trás, apenas

para ficar de olho neles. Afinal, nós humanos fazemos votos frágeis.

Já adultos e crianças estão se livrando de nossa procissão, levando

embora gado e outras formas de moeda que precisarão para reconstruir

suas vidas. Eu sinto meu coração doer os vendo irem embora. Todos

nós fomos nessa jornada única juntos. É um sentimento horrível vê-los

partir e ficar para trás.

— Você ficará bem? — Pergunta Zara. Ela segura as rédeas em um

camelo fedorento e sujo, a fera carregada de mercadorias. Ela tem

muitos itens para mantê-la e a Mamoon à vontade, mas ainda estou

atormentada com preocupação por ambos.

Concordo.
Ela olha para a minha barriga, que está começando a se projetar. —

Tem certeza?

Não chore. Não chore.

Eu respiro fundo pelo nariz. — Eu ficarei bem. Você ficará bem? —

Olho ao redor novamente, notando todos os rostos inóspitos. Isso é

melhor que a morte direta, mas os humanos nem sempre são as

criaturas mais compassivas; vi muita evidência disso nos últimos

meses.

Zara solta um som entre um huff e uma risadinha. — Você sabe

que eu posso cuidar de mim e de Mamoon. — O qual está agarrado a

sua perna. — Eu ficarei bem.

— E o restante das crianças? — Mordo meu lábio inferior. Há

muitas crianças sem pais. Eu me preocupo com elas.

— Vou me certificar de que fiquem bem.

Eu dou-lhe um grande abraço. — Sentirei sua falta, Zara. Mais do

que você sabe. — Nós duas estamos juntas há meses, vimos e fizemos

coisas que ninguém mais o fez. Nos aproximou. Tentar imaginar a vida

sem ela, apenas machuca meu coração.


Seus braços se apertam ao meu redor. — Também sentirei sua falta,

Miriam. Obrigada por ser minha amiga desde o primeiro dia e por

salvar minha vida e a de Mamoon.

Nós duas nos abraçamos por vários segundos. Finalmente, me

solto para que possa me ajoelhar na frente do sobrinho de Zara.

— Posso ter um abraço? — Eu pergunto a ele.

Relutantemente, ele solta a perna da tia e entra em meus braços.

— Eu sentirei sua falta, garotinho. — Eu digo, apertando-o com

força. — Cuide de sua tia.

Ele me dá um olhar sério, o que entendo que é: eu vou. Então ele

recua para as pernas de Zara.

Ela se afasta de mim, mantendo o sobrinho perto, o camelo

grunhindo um pouco atrás dela. — A propósito, se você precisar de

alguém para matar seu marido. — Diz ela, balançando a cabeça em

direção ao lugar onde Guerra se senta em Deimos. — Lembre-se que

sou sua garota. — Ela me lança um sorriso malicioso.

Um sorriso curva meus lábios. — Eu pensei que entregou sua

lealdade a ele?
— Posso fazer uma exceção para uma irmã. — Diz ela, com os olhos

brilhando.

Algo grosso se aloja na minha garganta.

Ela se afasta um pouco mais. — Escreva para mim, Miriam, se

puder. Talvez um dia nossos caminhos se cruzem novamente.

Meu sorriso está oscilando com a tristeza. — Eu farei isso.

Zara acena uma última vez, então ela se vira e vai embora, a cidade

a engolindo.

O acampamento está silencioso. Quieto demais.

Estou de pé do lado de fora da recém erguida tenda de Guerra,

observando a brisa levantar poeira como cinzas. Nós seguimos em

frente, deixando Dongola para trás. Sinto que deixei uma parte de mim

naquela cidade.

O vento assobia pelas poucas tendas que restam. Isso continua me

enervando. Você pensaria que, depois do volume de viver em uma

cidade de tendas, apreciaria o silêncio. Mas sinto falta do lugar como

estava.
Como é isso para ironia? Anseio o acúmulo de tendas e da

multidão em que você poderia se perder. Era uma ferida supurada de

uma comunidade, mas deixou um vazio em seu rastro.

Nosso acampamento agora consiste em não mais do que trinta

tendas, essas incluem as tendas que protegem nossas provisões. Eu

olho para as outras estruturas de lona, aquelas que abrigam o que

sobrou dos Cavaleiros Phobos de Guerra. Ele não substitui seus

Cavaleiros há algum tempo, então seu círculo interno de lutadores tem

diminuído cada vez mais.

Eu não sei o que acontecerá com eles, especialmente agora que

Guerra liberou seu exército de mortos-vivos. Ele irá para a próxima

cidade apenas com seus homens? Ou levantará mais morto?

Eu posso ver a mesma pergunta nas expressões infelizes dos

Cavaleiros de Guerra. Nenhum deles sabe o que acontecerá a seguir.

Seu Senhor da Guerra não os libertou com o resto do acampamento.

Quais planos poderia ter para eles?

A questão é ainda mais premente, pois Guerra não deixou

ninguém encarregado de executar as tarefas diárias do acampamento.

Costumava haver pessoas para lavar suas roupas, pessoas que

cozinhavam suas refeições. Aqueles que teciam e consertavam tendas


rasgadas, afiavam as lâminas e assim por diante. Você nomeia uma

necessidade, haveria alguém para preenchê-la.

Para ser justo, o cavaleiro tentou recrutar alguns dos seus mortos

para estes trabalhos, mas ninguém quer decomposição da pele em sua

sopa (se os mortos sequer sabem como preparar adequadamente essas

coisas), ou para partes inconfessáveis de alguns zumbis sujar as roupas

que estão lavando.

Dito isto, não temos muitos zumbis ao redor do acampamento;

Guerra gosta de patrulhar o terreno. Ele não arriscará que cheguem

perto o suficiente para me deixar doente, mas claramente ainda os tem

por perto para a proteção do campo e — em maior medida — para

mim.

Enquanto observo as poucas tendas restantes, dois Cavaleiros

Phobos saem de uma delas, com o peito nu, exceto pela faixa vermelha

que sempre usam em volta do braço. Eles se inclinam um para o outro,

conversando em voz baixa. Quando me veem, um acena na minha

direção e o outro percebe, os dois ficando em silêncio.

A parte de trás do meu pescoço está doendo. O que quer que eles

estejam falando, não é para os meus ouvidos.


Pouco depois, Hussain passa, levantando a mão para mim em

cumprimento antes de se juntar aos outros dois homens. Juntos, o

grupo se afasta, suas cabeças inclinadas juntas, suas vozes silenciadas.

Eles são todos, obviamente, amigos e a visão deles juntos traz uma

dor aguda no meu peito. Eu já sinto falta de Zara e da amizade fácil

que tivemos.

Rolando minhas pulseiras hamsa ao redor do meu pulso, vou para

os arredores do acampamento.

Ao longe, vejo Deimos pastando e perto dele está Guerra. A visão

do cavaleiro ainda faz meu coração palpitar.

Como seus cavaleiros, Guerra está sem camisa e mesmo assim,

posso ver sua pele verde-oliva ondular com seus músculos. E de pé ali

entre a paisagem estéril do Sudão, ele parece... diferente. Ainda temível

em estatura, mas sobrecarregado de alguma forma. Isso traz de volta

aquela sensação de formigamento e desconforto que senti há apenas

alguns minutos, embora não saiba por quê.

Vou até ele.

Quando chego ao lado, ele não se vira para mim.


— Esposa. — Diz Guerra, olhando para o horizonte. Aqui o mundo

é todo amarelo, solo arenoso e céu azul pálido. — Onde você desenha

a linha entre aqueles que são inocentes e aqueles que não são? —

Pergunta ele, seu olhar distante.

Balanço a cabeça, embora não tenha certeza se a pergunta era para

mim.

Ele se vira e seus olhos escuros estão insuportavelmente suaves. —

Eu já vi tudo. — Diz ele. — Não há demarcação clara entre o bem e o

mal. E quem pode dizer que até os piores homens não podem mudar?

Eu procuro seu rosto. Eu mal estou seguindo suas reflexões e

certamente não tenho qualquer tipo de resposta para ele.

Ele olha para os meus lábios. — Pensei que poderia ter tudo: minha

esposa, minha guerra e minha santidade. Em vez disso, você me forçou

a questionar tudo: vida, morte. Certo, errado. Deus, homem, eu

mesmo. E não sou de questionar, esposa.

Ele olha para além de mim, olhando para o horizonte novamente.

— Passei tanto tempo julgando os corações dos homens que não julguei

o meu. Não até agora. E esposa... pensei que quisesse isso.


Naquela noite, Guerra me segura perto — mais perto do que o

normal. Eu sinto sua incerteza e conflito interior no aperto desesperado

de seus braços. Ele realmente não é o tipo de criatura a se questionar e

agora que o fez, parece que sua identidade está desmoronando.

O que é Guerra sem guerra?

O cavaleiro olha em meus olhos. — Eu te amo. — Sua voz é áspera

com emoção. — Mais que minha espada, mais que minha tarefa. Eu te

amo mais do que a própria guerra. — Ele pressiona a testa na minha.

— Sinto muito, Miriam. Estou tão triste por tudo. Por não ouvir. Por

sua dor e sofrimento. Por cada coisa.

O rosto de Guerra fica borrado quando olho para ele. Há ali muito

sofrimento.

— Por que você está me dizendo isso agora? — Minha voz está

rouca.
Ele acaricia minha bochecha. — Porque estou tomando a decisão

de acabar com a luta.

Eu te amo, mas isso tem nos destruído, o cavaleiro disse uma vez. Eu

não percebi que ele poderia querer dizer isso literalmente quando se

referia a si mesmo. Guerra e apatia andavam de mãos dadas. Sentir,

amar — isso deve ser o começo do fim da própria guerra.

Ele estava condenado no momento em que colocou os olhos em

mim em Jerusalém? Ou foi quando quase morri — ou quando me

entreguei? Eu sei que no momento em que o cavaleiro olhou para mim

e erradicou todo o acampamento, estava lá. Ele me amava então,

embora não tivesse nome para o que sentia; foi o ardor da traição que

o desencadeou. Mas então, a faísca que colocou tudo em movimento já

estava acesa. Poupando os filhos, então os justos.

E agora, Guerra está considerando parar completamente a

destruição.

Está além da minha mais louca esperança, não sei porque sinto

medo, mas essa sensação oleosa torce meu interior.

— Por que fará isso? — Pergunto.


O cavaleiro me dá um sorriso suave. — Sempre questionando

meus motivos. Pensei que você ficaria feliz.

— O que acontecerá com você?

Não suporto dizer: O que Deus fará com você? Mas estou imaginando

tudo do mesmo jeito. O cavaleiro está dando as costas a seu propósito

violento. Certamente há algumas consequências para isso.

Guerra inclina meu queixo para cima. — Você está realmente

preocupada comigo?

Meu lábio inferior está começando a tremer um pouco. — Claro

que estou. Eu não quero que você morra. — Minha voz estremece.

Eu sei que ele disse que é impossível morrer, mas é realmente

menos possível do que ressuscitar os mortos, curar os feridos ou falar

línguas mortas? Impossível não significa mais a mesma coisa que uma

vez.

O polegar do cavaleiro roça meu lábio inferior. — E quem diz que

morrerei?

— Diga-me que não morrerá. — Peço desesperadamente.

— Meu irmão não morreu.


— Então Peste ainda está vivo?

Guerra acena com a cabeça. — Você quer saber o que aconteceu

com ele? — Pergunta ele. — O que realmente aconteceu?

— Como ele foi parado, você quer dizer? — Eu digo.

Os dedos de Guerra se movem para a minha cicatriz, traçando o

símbolo. — Não foi a violência que o levou no final. Foi o amor.

Eu não respiro.

— Meu irmão se apaixonou por uma mulher humana e desistiu de

sua missão divina para ficar com ela.

O que é exatamente o que meu cavaleiro parece esta fazendo.

Eu tento manter minha voz firme. — O que aconteceu com ele? —

O que acontecerá com você?

— Ele e sua esposa vivem, eles também têm filhos. — Diz Guerra.

Sinto-me começar a respirar novamente.

— Então eles estão vivos? — Pergunto. — E felizes?

— Tanto quanto eu sei. — Diz Guerra.


Alívio me percorre. Guerra não morrerá, assim como Peste não

morreu. Ele pode deixar a luta para trás e podemos ter uma boa vida

juntos. Uma vida mundana, feliz e esperançosamente longa.

Observo a expressão de Guerra novamente. — Então você não está

preocupado em deixar sua tarefa para trás?

Guerra hesita. — Eu não diria isso.

Como estalando seus dedos, meu medo retorna.

Ele deve vê-lo porque diz: — Miriam, você acredita que posso ser

redimido?

— O que você quer dizer? Está perguntando se pode consertar seus

erros?

O Senhor da Guerra dá um aceno de cabeça.

Ele fez tantas coisas abomináveis. Desde o dia em que chegou,

trouxe a morte com ele. Mas o que fez é uma questão diferente da que

está perguntando.

— Acho que você já está se redimindo. — Eu digo. — Então, sim,

Guerra, acho que isso pode acontecer.


O cavaleiro me dá um olhar suave. — Então certamente todo

homem, mulher e criança na terra é tão capaz de redenção quanto eu.

E se quiserem redenção, então quem sou eu para cortá-los antes de seu

verdadeiro dia de julgamento?

Balanço a cabeça. — Então você vai parar de matá-los?

Ele dá um leve aceno de cabeça. — Então pararei de matá-los.

Não sei quando nós dois cochilamos, abraçados um ao outro,

apenas que sou puxada do sono por uma voz fantasma.

Renda-se.

A palavra sussurra ao longo da minha pele, movendo-se como

uma carícia suave. Eu me sento na cama, respirando fundo. A

lembrança da palavra parece ecoar naquela tenda.

Renda-se, renda-se, entregue-se.

Eu toco minha cicatriz. Essa ferida e a palavra que representa

inextricavelmente me ligam e guerreiam juntas. Ele tinha certeza de

que eu deveria me render. A prova disso foi esculpida em minha carne.

Como uma batida de relâmpago, a realização me atinge.

A mensagem não era para mim.


Nunca foi para mim. Afinal, não sei ler Angélico.

A mensagem é para alguém que pode.

Guerra.
Na manhã seguinte, acordo com as mãos de Guerra no meu

estômago.

— Mmm, o que você está fazendo? — Eu digo grogue, esticando

na cama.

Sinto o cabelo do cavaleiro roçar minha pele nua antes que ele dê

um beijo na minha barriga. — Nunca deixará de me fascinar. — Ele diz.

— Que carregue meu filho.

Eu pisco meus olhos abertos e passo uma das minhas mãos através

de seus cabelos escuros, que estão despenteados de sono.

— Você sabe o que é? — Eu pergunto.

Quer dizer, ele sabe muitas outras coisas... talvez saiba o sexo do

bebê.

Guerra desenha círculos no meu estômago, sua expressão suave.


Sua boca se curva em um pequeno sorriso. — Humano, imagino.

Ou perto o suficiente disso.

Eu rio e empurro para ele, embora não esteja inteiramente certa de

que ele quis dizer isso como uma piada. — Você sabe que gênero é a

criança?

Ele olha para mim com carinho. — Até meu conhecimento tem seus

limites. Descobriremos juntos.

Eu o puxo para mim, dando-lhe um beijo nos lábios. — Negociar a

morte pela vida. — Eu digo quando me afasto. — É bom para você.

Ele segura meu rosto. — Eu não sabia que era capaz de me sentir

assim, esposa. A felicidade é uma nova emoção...

A aba da tenda é aberta, um Cavaleiro Phobos entra, nos

interrompendo.

Eu puxo o lençol sobre mim, cobrindo meus seios. Assim como

Guerra, durmo nua. Então atire em mim, minhas roupas estão ficando

muito apertadas.

Guerra se levanta, nem um pouco incomodado por sua própria

pele exposta. — Saia. — Ele soa como seu antigo eu. Cheio de confiança

e violência reprimida.
O Cavaleiro, um homem corpulento e careca de barba espessa,

parece um pouco instável. Ele se inclina rapidamente, depois corre

para dizer: — Com todo o respeito, Meu Senhor, os residentes de

Karima estão vindo para nos emboscar. E se quisermos detê-los,

devemos sair agora.

Eu olho para Guerra, alarmada. No dia anterior, o cavaleiro estava

decidido abaixar a espada, mas o que acontece quando os humanos são

os que atacam? Ele mantém suas palavras ou faz uma exceção?

Guerra fica ali completamente nu e indiferente, arrogantemente

atravessando a tenda para pegar sua calça.

O Cavaleiro Phobos olha para longe abruptamente. Então,

murmurando solta alguma desculpa rápida, sai.

Eu me sento, os cobertores pressionados firmemente contra mim,

observando o cavaleiro vestir sua roupa preta, depois a armadura. Por

fim, ele amarra a enorme espada nas costas.

Ao vê-lo, minha apreensão aumenta. Eu não posso dizer o que

exatamente está me incomodando — que Guerra pode matar como ele

sempre faz... ou que poderia fazer algo completamente diferente, algo

que poderia ter consequências.


Guerra deve ver as terríveis possibilidades se manifestando no

meu rosto, porque se aproxima de mim e se ajoelha ao lado.

Ele estende a mão e acaricia minha bochecha. — Não há nada a

temer, Miriam. Quaisquer que sejam suas preocupações, apague-as.

Aceno, tentando acreditar nele.

O cavaleiro me dá um beijo e sai.

Todo o campo — ou o que resta dele — esvazia. Guerra se foi, seus

cavaleiros se foram — até a maioria dos cavalos se foi.

Estou totalmente sozinha, exceto pelos poucos guardas

esqueléticos que Guerra trouxe de volta à vida para me proteger. Sinto

que sou o último humano na terra, meus arredores abandonados, a

vida nada mais que lembranças.

O ambiente não está ajudando. Esta parte do Sudão é toda terra e

céu assados. E além de algumas ruínas e um punhado de edifícios que

vi durante a nossa viagem, não há nada que indique que as pessoas já

viveram ali.

Mas não é a solidão que é tão dolorosa quanto o tédio. Eu reli o

meu romance tantas vezes que poderia citar seções inteiras do livro até

agora. Olhei para a foto da minha família até meus olhos quase
sangrarem. E a ideia de trabalhar em outra flecha me faz querer

arrancar meu cabelo.

Talvez seja isso que me leva a começar a bisbilhotar o

acampamento.

Eu nunca estive em nenhuma das tendas dos Cavaleiros Phobos.

Nunca houve realmente a oportunidade ou o desejo. Mas agora que

não há ninguém para me impedir, a curiosidade leva a melhor sobre

mim.

Saio da tenda da Guerra e atravesso o acampamento, uma brisa

quente levantando meu cabelo.

A tenda mais próxima está a cerca de dez metros de distância. Eu

vou até lá, parando por apenas uma fração de segundo nas abas da

tenda se abrirem.

Isso é rude e invasivo. Também não é a pior coisa que já fiz.

Eu puxo as abas para trás e passo para dentro.

O lugar é uma bagunça absoluta. Já há um dia de pratos sujos

empilhados em um canto e outra pilha de roupas manchadas de

sangue. Moscas zumbem dentro da tenda e merda, isso deveria ser um

incentivo suficiente para limpar o lugar.


A próxima tenda não poderia ser mais diferente. É espartana e as

poucas posses que o dono tem são arranjadas de maneira agradável e

ordenada. Até mesmo os cobertores estão escondidos.

Minhas sobrancelhas se unem nisso. Eles estavam todos em uma

luta tão louca para conhecer seus inimigos, não teria pensado que

haveria tempo para arrumar a cama...

A próxima tenda do cavaleiro pertence a uma mulher, apesar de

você não saber disso olhando para as coisas dela. Minha única pista é

a foto emoldurada ao lado de sua cama. Reconheço seu rosto

imediatamente. Não é difícil quando há poucos Cavaleiros Phobos

femininos. Na foto com ela está um homem — seu marido?

E de repente, sinto alguma emoção indesejada em relação a essa

mulher que indubitavelmente matou dezenas de inocentes. Mas não

posso evitar. Uma vez ela teve uma família, assim como o resto de nós

e em algum lugar ao longo do caminho, os perdeu — muito

provavelmente para o próprio Guerra.

Pela milionésima vez me pergunto o que motivou esses cavaleiros

a não apenas lutar, mas a se tornarem seus soldados mais confiáveis e

letais. Foi a sobrevivência? Um amor por esportes sangrentos? Algo

mais?
Eu deixo a tenda da mulher então, saindo como um fantasma.

Bisbilhotar está começando a perder seu apelo. Relutantemente, foi

para uma quarta tenda.

A última, eu prometo a mim mesma.

Esta tenda parece um espaço compartilhado; há duas paletes

juntas, os lençóis amolecidos pelo sono.

Parece que eu e a Guerra não somos as únicas duas pessoas no

acampamento que estão se mudando.

Esses cavaleiros têm o luxo incomum de ter um baú de vime. Não

muitos, desde que móveis são difíceis de carregar.

Eu vou até ele.

Ajoelhada na frente do baú, abro a tampa. Dentro, noto um

narguilé, tabaco, um conjunto de roupas de reposição e um jogo de café

turco. Entre tudo um pedaço de papel dobrado.

Eu puxo o pedaço de papel e desdobro. É um mapa desenhado à

mão da área em que estamos atualmente, até o Rio Nilo que estamos

seguindo, a estrada em que estamos viajando, nosso assentamento

temporário e a cidade de Karima, a última que está situada no canto


superior direito do mapa. Certas áreas no papel têm X, juntamente com

os nomes de vários Cavaleiros Phobos.

Este é um mapa tático, percebo. Um que parece incluir pessoas e os

lugares que precisam defender... ou atacar.

Mas Guerra me disse que estava desistindo da luta. Não mentiria

para mim — particularmente não sobre isso.

O que significa que o mapa está errado. Tem que estar. Minha testa

enruga enquanto continuo estudando-o. Quanto mais eu olho, mais

estranha me sinto.

E então percebo por quê.

No mapa, os Cavaleiros Phobos estão posicionados ao longo da

estrada e a julgar pelas marcações, o plano é levar seus atacantes para

um local específico, onde podem emboscá-los. O único problema é que

o mapa não mostra os assaltantes vindos da cidade.

Mostra-os vindo do acampamento.


Guerra estava certo. Não há nada a temer.

Até, é claro, agora.

Coloco o mapa de volta onde encontrei e então corro para a tenda

de Guerra.

Ele será emboscado.

Pelo menos acho que sim.

Mas... devo estar errada sobre o que vi. Não porque tenha fé nos

Cavaleiros de Guerra — não confiava neles — mas porque sabem

melhor do que ninguém a extensão do poder e selvageria do cavaleiro.

Sabem que ele não pode morrer.

Então, por que planejar uma emboscada?

Talvez eu tenha lido o mapa errado. Eu não tenho muita

experiência olhando para mapas táticos. É possível que tenha

interpretado mal este.


Dentro da tenda da Guerra, pego minha adaga e coldre, coloco na

cintura. Demora um pouco mais para encontrar o arco e a adaga que

Guerra uma vez me deu. Sinto-me um pouco tola, me armando quando

ainda estou tão insegura do que vi.

Os Cavaleiros da guerra devem saber algo que não sei. Ou talvez

eu tenha lido tudo de trás para frente. Talvez não matem o cavaleiro —

por que minha mente continua indo para lá? O homem não pode

morrer.

No entanto, o desconforto se assemelha a uma pedra no meu

estômago.

Saio, indo para o estabulo, onde alguns cavalos permanecem. Eu

paro quando os vejo, outra onda de incerteza passando por mim.

Realmente farei isso? Uma coisa é amarrar as armas, outra é selar

um cavalo e ir para a batalha com base em uma suposição.

E mesmo que meus piores temores sejam verdadeiros, o que

poderia fazer que Guerra não pudesse?

Eu nunca tenho a chance de responder minhas próprias perguntas.

Tudo de uma vez, a terra ganha vida sob meus pés e está irritada.

Violentamente, ela se curva e rola, quase me jogando no chão. Eu


tropeço enquanto tudo ao meu redor se move, as tendas tremem e

desmoronam. Os cavalos se movem nervosos nos estábulos.

No instante seguinte, os mortos estão saindo do chão, abrindo

caminho até a superfície. Eles se movem com agilidade antinatural;

nunca os vi subir tão rapidamente.

Um dos cavalos quebra a madeira de seu recinto. O resto segue,

galopando para longe. Eu giro ao redor.

Em todas as direções, os mortos estão surgindo. Há centenas deles

até onde os olhos podem ver. Nunca vi Guerra chamar tantos.

A maioria são simplesmente cascas de humanos, alguns com

muitos ossos faltando. Existem outros animais também — cavalos,

cabras, gado e algo que pode ser um cão ou um chacal. Eles se levantam

da terra do deserto, a poeira se desprende deles.

Uma vez que estão no topo, começam a correr em uma única

direção: em direção ao local da emboscada.

Guerra.

Algo aconteceu. Tenho certeza disso agora.


E meu plano anterior está em frangalhos — os cavalos já se foram

há muito tempo. E se quiser ajudar Guerra, terei que ir a pé.

Começo a correr na mesma direção que os mortos quando passam

por mim. Há muitos deles — muitos mais do que se poderia supor,

dado o fato de que a terra parece estar desprovida de vida.

A terra está cheia de tantos ossos.

Ao longe, ouço um estrondo surdo. O som deixa meus dentes

apertados.

O que no mundo era aquilo?

Menos de um minuto depois, ouço mais dois estrondos, cada um

aumentando meus nervos.

Em resposta, empurro minhas pernas com mais força.

Apenas corri cerca de quatrocentos metros quando, de repente, os

mortos-vivos caem no chão de uma só vez. Olho ao meu redor para os

incontáveis corpos que agora cobrem a paisagem, meus arrepios

subindo.
Passo por um dos cadáveres, este nada mais que um esqueleto.

Olho para baixo enquanto os segundos passam. Um, dois, três,

quatro...

Algo não está certo.

Algo realmente não está bem.

Olho para o horizonte. Meu desconforto está de volta, mas agora é

redobrado.

Você sabe o que?

Porra.

Regra Quatro do Guia de Miriam Elmahdy para Ficar Vivo: ouça

seus instintos.

Eu não o fiz desde que cheguei ao acampamento. Os últimos meses

me forçaram a desconsiderar essa regra pela qual vivi, mas hoje não o

farei.

O instinto está me dizendo que algo terrível está acontecendo com

Guerra - que algo terrível já pode ter acontecido.

Eu pego meu arco e tiro uma flecha da aljava. Continuo correndo

ao longo da estrada em direção a Karima, evitando pilhas de ossos e


corpos que cobrem o chão. É enquanto corro que percebo que se os

homens de Guerra pretendem se livrar dele, voltarão ao acampamento

para se livrarem de mim também.

Merda. Eles podem estar voltando para mim neste exato momento.

Parte minha quer continuar em direção à Guerra, mas a parte mais

calculista e sobrevivente sabe que a única vantagem que eu tenho com

mais de vinte Phobos armados é a surpresa.

Observo os arredores enquanto corro, até avistar um carro

enferrujado que fica perto da estrada. Vou para ele, agachado atrás de

sua estrutura de metal áspero, mirando para frente.

Eu não tenho que esperar muito antes de ouvir o bater de cascos à

distância. Olhando por cima do capô do carro, vejo um cavaleiro

montado. Eles estão muito longe para ver suas feições, mas já posso

dizer que não é Guerra. O corcel é preto e não vermelho, a estatura do

cavaleiro não é tão impressionante quanto a de Guerra.

Mantenho minha flecha treinada no cavaleiro e espero até ele se

aproximar. Então, puxo a corda do arco para trás.

Inalar. Expirar. Alvo. Lançamento.

Minha flecha atinge o cavaleiro no peito, jogando-o de sua sela.


Outra flecha está na minha mão em um instante. O homem está

apenas se endireitando quando saio do meu esconderijo e libero a

corda do arco.

O tiro o atinge no braço — não onde mirei, mas inferno, acertou.

Isso tem que contar para alguma coisa.

— Miriam! — Ele grita, se aproximando de mim. — Que porra está

fazendo?

É estranho ouvir meu nome em seus lábios quando não sei quem é

esse homem. Ou ouvi-lo gritar sua indignação quando deve saber

exatamente por que estou atirando nele.

O cavaleiro retarda seu cavalo quando se aproxima de mim, então

pula fora dele. Apenas agora vejo que é o homem corpulento e barbado

que entrou na minha tenda hoje de manhã. Ele agora tem uma espada

embainhada em um quadril e um machado de batalha no outro. Ele

agarra a flecha embutida em seu braço e arranca-a, jogando a arma de

lado.

Eu coloco outra flecha apontando para ele. — O que você está

fazendo? — Estou impressionado que minha voz soe tão firme.


Ele caminha em minha direção, dando-me um olhar desdenhoso.

— Eu vi você marchar sobre o acampamento nos últimos meses como

se fosse algum tipo de maldita rainha. — Sua mão toca o topo de seu

machado de batalha.

— Toque nessa arma novamente e atirarei.

— Mas você não é uma rainha. — Continua o Cavaleiro Phobos,

sua mão caindo para o lado. — Você é apenas uma prostituta barata

que engravidou. — Seus olhos encontram os meus. — Abaixe essa

arma agora e lhe darei uma morte rápida e limpa. Caso contrário, estou

a arrastarei de volta para o resto dos homens e cada um de nós gostará

de fodê-la algumas...

Minha flecha atinge-o na garganta e suas palavras são cortadas

com um estrangulamento.

Eu não estou com vontade de ouvir essa merda.

Ele dá um passo instável para trás, parecendo mais surpreso do

que realmente triste. Sempre parecem surpresos. Eu não sei porque. Eu

já atirei neste homem duas vezes e o ameacei pela terceira vez.


O cavaleiro tenta puxar a flecha para fora enquanto o sangue desce

pelo pescoço dele. Balança um pouco, depois cambaleia de joelhos,

estendendo o braço para se apoiar. Mais sangue jorra no chão.

Ando até ele, preparando outra flecha. — Onde está meu marido?

O Cavaleiro faz o melhor que pode para olhar para mim,

considerando que há uma flecha atravessando sua garganta. Ele sorri

cruelmente enquanto tenta falar. O som borbulha em sua garganta.

Não importa. Eu vi as palavras se formarem em seus lábios de

qualquer maneira.

Guerra está morto.


O Cavaleiro Phobos cai logo depois disso. Eu me inclino e tiro seu

machado da mão dele. Uso a calça dele para limpar o sangue da arma,

então prendo o cabo de madeira no meu cinto.

O cavalo do cavaleiro apenas se afastou a uma curta distância.

Pisando sobre uma pilha de ossos, alcanço o cavalo e monto. Leva

apenas mais alguns momentos para virar a fera, em direção a Karima.

E então monto como se demônios me perseguissem.

Guerra está morto. As palavras repetem-se uma e outra vez. Talvez

seja por isso que seus zumbis caíram de uma só vez. Talvez ele não os

tenha libertado, talvez seu poder sobre eles tenha morrido com ele.

Ele não pode morrer, tenho que continuar me lembrando. Não

permanentemente, pelo menos. Mas então, com cada cadáver que

passo, sinto-me um pouco menos certa.


E se Deus desse as costas ao meu cavaleiro agora que Guerra

decidiu acabar com a luta? E se Ele decidiu que desta vez morto

significa morto?

Eu não consigo recuperar o fôlego. O pensamento é absolutamente

aterrorizante.

Não sei quanto tempo cavalgo antes de registrar o barulho

molhado e pesado vindo de um dos alforjes. Alcanço com irritação. No

momento em que toco a tela, minha mão fica molhada. Olho para os

meus dedos.

Vermelho.

Empurro o cavalo até a parada, um sentimento ruim vindo sobre

mim. Soltando o cavalo, solto o alforje e...

Apenas vejo um vislumbre de cabelos escuros familiares e uma

conta dourada antes de me virar e vomitar na lateral do cavalo.

Tudo o que meus olhos viram, estavam enganados. Eu não deveria

olhar de novo. Não deveria.

Abro o alforje ainda mais.

— Não. — A palavra escapa.


O rosto de Guerra está sangrando e parece tudo errado. Eu tenho

que me inclinar para vomitar novamente.

— Não. —Soluço. Meu corpo inteiro está tremendo.

Ele me disse que não poderia morrer permanentemente. Disse isso.

Mas nunca me disse o que aconteceria se alguém fizesse algo tão

drástico, algo como tirar a cabeça de seus ombros.

Sento-me no cavalo por quase um minuto, ciente de que o tempo

está passando. Eu não me importo muito.

Um soluço sufocado me escapa. Pressiono as costas da minha mão

na minha boca, uma lágrima escorrendo, depois outra.

Guerra se foi.

Meu marido, meu amor — o homem que despertou tudo em mim.

O homem que deixou uma parte de si mesmo dentro de mim.

Tudo que consigo lembrar agora são as noites em que ele me

segurou sob as estrelas, a sensação de seus lábios contra a minha pele

enquanto sussurrava seu amor por mim.


Ele se foi, ele se foi, ele se foi. Quis tanto isso uma vez — ficar livre

dele. É uma ironia tão cruel que agora que quero meu cavaleiro,

alguém o tirou de mim.

Nunca tive a chance de dizer a ele que o amava.

Outro soluço abafado escapa. Posso me sentir começando a tremer.

Estou prestes a perder a cabeça completamente. Posso me sentir de pé

naquele precipício, pronto para cair de cabeça em minha tristeza.

Olho para o horizonte e me forço a controlar.

Haverá tempo para lamentar Guerra — quantidades intermináveis

de tempo. Eu sei disso muito bem.

Mas por enquanto, enquanto ainda posso vingá-lo.

Quero minha vingança.

Cavalgo pela estrada a toda velocidade, a raiva me levando

adiante. Meus pensamentos são um grito contínuo nos meus ouvidos.

Não consigo pensar nele ou nos cadáveres que decoram a estrada

como confetes. Estou sendo guiada pela vingança e apenas vingança.

Por que tudo que amo é tirado de mim?


Empurro o pensamento para longe antes de escorregar pelo buraco

do coelho novamente.

Vejo um prédio em ruínas ao lado da estrada e por capricho,

conduzo o cavalo na direção da estrutura. Antes do corcel parar

completamente, eu desmonto, passando por cima de duas pilhas de

ossos para poder escorregar para dentro da construção abandonada.

Levo o cavalo comigo.

Os Phobos precisam pegar esta estrada de volta se quiserem voltar

ao acampamento; é o único que leva para lá. E voltarão ao

acampamento. Deixaram suas posses para trás e depois ainda precisam

me matar.

Seguro meu arco nas mãos, uma flecha ajustada contra ele. Demora

muito que tudo aconteça, não quero olhar para a sela, que atualmente

está pingando no chão. Posso ouvir o som terrível disso.

Gotejamento... gotejamento... gotejamento.

Aperto os dentes e fico na janela com vista para rua. Eu paro

brevemente para derrubar o vidro, antes de mirar meu olhar e minha

arma na estrada.

E então espero.
Parece que horas se passaram quando os Cavaleiros Phobos vêm

galopando pela estrada. A essa altura minha mente está quieta e meu

objetivo é firme.

Bastante estável.

Eu não tenho mais medo e toda a minha raiva se queimou,

deixando nada além de propósito sombrio.

Conto os cavaleiros. Um, dois, três — quatro. Quatro, quando

costumava haver quase vinte. O que significa que, além desse grupo e

do homem que atirei antes, ainda há quinze soldados desaparecidos.

Eu me preocuparei com isso mais tarde.

Aponto a flecha para um dos cavaleiros, respiro e solto.

Atinge o homem no ombro. Seu corpo recua com o impacto, mas

ele consegue ficar no cavalo, puxando selvagemente as rédeas.

Eu já estou lançando a minha segunda flecha no momento em que

seus companheiros percebem.

Respire e solte.
A próxima flecha acerta outro cavaleiro bem no peito. Ele cai em

sua sela, seu cavalo saindo da estrada. Os dois cavaleiros restantes

avançam com seus corcéis, procurando a origem das flechas.

Respire e solte. Derrubei um deles. Três feridos.

Tudo o que resta é...

Meus olhos encontram Hussain assim que ele olha para mim.

— Miriam. — Ele diz.

Hesito por uma fração de segundo. Hussain sempre foi gentil

comigo. Eu não quero acreditar que ele ajudou a matar Guerra — ou

que poderia voltar para o acampamento para lidar comigo.

Um segundo passa e com isso, meu choque. Pego outra flecha e

miro. Lanço.

Hussain se abaixa, a flecha passa por onde sua cabeça estaria. Ele

chuta seu cavalo em ação, galopando direto para o prédio. Claro que

ele faria parte dessa conspiração; parece que todos os Cavaleiros

estavam nela.

Ainda assim, meu coração se parte um pouco ao vê-lo.


Em vez de continuar atirando nele, miro minha próxima flecha em

um dos Cavaleiros feridos que agora se endireitou em seu cavalo e está

circulando de volta. Apontando para seu torso, libero o projétil. Bate

nele logo acima do esterno, ouço seu grunhido.

É tudo que tenho tempo para fazer.

Hussain está bem do outro lado da porta. Eu o ouço desmontar de

seu cavalo, suas armas tilintando contra ele. Coloco outra flecha

apontando para entrada.

Há um silêncio.

Com um chute feroz, a porta explode para dentro. E do outro lado

está o único cavaleiro que foi gentil comigo. Espada na mão, ele entra.

Solto minha flecha.

Atinge Hussain no lado. Não pode ser mais do que uma ferida na

carne, mas é o suficiente para ele fazer uma pausa.

Ele olha para baixo, então de volta para mim. — Eu nunca pensei

que você tentaria me matar. — Diz ele.

Em segundos, tiro outra flecha da aljava e coloco no arco. — Eu

poderia dizer o mesmo.


Apontar, solte.

Hussain se move, mas ele não é rápido o suficiente para evitar o

golpe. A flecha se aloja perto do osso do quadril. Seus dentes apertam,

mas essa é toda a reação que recebo. E ele continua se aproximando,

removendo a flecha ao fazê-lo.

Eu vejo o sangue escorrer de sua ferida, mas ele não parece nem

um pouco incomodado. Puxa a segunda flecha um momento depois,

jogando-a de lado.

Que porra é essa selvageria?

Soltando meu arco e tremendo, puxo meu punhal e o machado de

batalha, recuando. Seu olhar vai para o machado na minha mão. Ele

levanta as sobrancelhas.

— Você conseguiu matar Ezra? — Pergunta ele, reconhecendo o

machado. — Miriam, estou impressionado.

O olhar de Hussain se move para o meu rosto, depois para o cavalo

além de mim. Ele deve ver o alforje ensopado de sangue, o que significa

que sabe que eu sei.

— Por que você fez isso? — Eu pergunto.


Sua atenção retorna para mim. — Guerra está parando seus

ataques. E se ele não lhe contou tanto, deve pelo menos ter visto.

Eu mudo meu peso, as palmas das mãos suam contra as armas.

— Ele deixou seu exército de crianças e inocentes em Dongola. —

Continua Hussain. — Mas não seus assassinos treinados. Por que você

acha?

Honestamente, não faço ideia.

— Vamos ser honestos um com o outro: Guerra pode poupar os

inocentes do mundo, ele pode até poupar o homem comum, mas seus

Cavaleiros Phobos? Nós vimos e fizemos muito. — Hussain balança a

cabeça. — Demos a ele tudo.

— Tudo, menos sua lealdade. — Eu digo.

— Ele pretendia nos matar.

— Não. — Eu digo, algo profundo dentro de mim doendo. —

Guerra não pretendia fazer isso.

Nenhum desses lutadores conhecia os pensamentos de Guerra

sobre redenção e perdão. Porque se sim, saberiam que o cavaleiro os


teria poupado também. Guerra acreditava que até eles eram capazes

de redenção. Foram estes homens no final que não tiveram fé.

E então conspiraram para matar o cavaleiro.

Hussain levanta sua espada, suas intenções claras.

— Você foi gentil comigo. — Eu digo um pouco pesarosa.

Não que importe muito agora. Isso não impediu Hussain de

conspirar contra Guerra, nem me impediu de disparar o primeiro tiro

contra ele. E isso não impedirá o Cavaleiro Phobos de tentar me abrir

agora.

— E você foi gentil comigo. — Ele responde, reconhecendo nosso

estranho relacionamento. Dá um passo à frente, depois outro, sua

espada ainda levantada. — Gentil o suficiente para considerar poupá-

la. Mas nós dois sabemos que, se o fizer, você tentará salvá-lo.

Olho de volta para Hussain. Não adianta negar isso. Ele já me viu

cortar seus homens. Conhece minhas intenções, assim como agora

conheço as dele.

— Além disso. — Seus olhos se movem para o meu estômago. —

Há também a questão de seu filho...


Sem aviso, Hussain abaixa a espada como um martelo e eu mal saio

do caminho a tempo. Eu me afasto, mas estou muito longe e minhas

armas são muito curtas para se conectar com qualquer coisa.

A última das minhas emoções desaparece quando realmente me

envolvo na batalha, desviando dos golpes sucessivos de Hussain,

mesmo quando o atinjo com minhas próprias armas.

Nós dois nos agachamos, giramos, contornamos e investimos,

quase em sincronia. É uma dança violenta e Hussain é meu parceiro.

Ele balança novamente para mim e desta vez estou mais devagar.

Sinto a sensação de pele rasgando e líquido quente caindo pelo meu

braço.

No segundo seguinte, a dor se instala. Porra, dói muito. Meu braço

esquerdo está em chamas.

O Cavaleiro segue com os golpes, este roçando meu outro braço,

igualmente profundo.

Olho para ele, meu próprio ataque se parando e sei que ele me

matará. Matará sem pensar duas vezes sobre isso. Fez isso centenas de

vezes antes. O que é outra morte? É tão fácil quanto respirar para ele.
O olhar de Hussain fica um pouco excitado, como se apreciasse

esse momento em que seu oponente fica à beira da vida e da morte.

— Você realmente acha que pode se tornar a esposa do cavaleiro e

as coisas podem acabar bem? — Ele diz quase com pena. — Ele é um

monstro. Nós todos somos. Não temos finais felizes.

Hussain balança sua espada, com a intenção de cortar meu peito e

a única vantagem que tenho neste momento é que sua arma é pesada e

um pouco lenta.

Eu me abaixo sob o golpe, sentindo o ar se agitar acima de mim. O

instinto grita para fugir, mas a única chance que tenho de impedi-lo é

fazer o oposto. Então, quando me levanto, dou um passo à frente,

balançando o machado de batalha, desobediente, ao fazê-lo.

Meus braços feridos gritam contra o peso da arma e tenho que

apertar os dentes contra a dor.

O machado atinge Hussain no intestino, alojando-se

profundamente em sua carne. Por um segundo apenas posso olhar

para o golpe, estupidamente, chocada por realmente conseguir.

Uma fração de segundo depois ele me chuta, me derrubando no

chão. Rolo antes que tenha a chance de me recuperar, um instante


depois, a espada de Hussain atinge o chão onde estive há um instante

atrás.

Ando de quatro, rastejando para longe dele, a adaga de Guerra

agarrada na minha mão. Minha bochecha parece pegar fogo.

Posso ouvir a respiração pesada de Hussain. — Eu não morrerei

hoje, Miriam. — Ele diz, agarrando meu tornozelo e me arrastando de

volta.

Eu também não.

Eu me viro de costas quando ele ergue a espada sobre a cabeça,

chuto o cabo do machado saindo de sua barriga.

Hussain solta um som meio agonizante, um som que ouvi tantas

vezes no campo de batalha quando homens e mulheres morreram. Sua

espada escorrega e tenho que rolar quando ele cai no chão.

O aperto do cavaleiro em mim afrouxa, consigo puxar meu

tornozelo de seu aperto. Fico de pé, meu olhar se movendo sobre

Hussain. Uma cascata de sangue sai de sua ferida. É um golpe fatal,

posso dizer imediatamente.


Acho que ele sabe disso também. Solta uma risadinha, enquanto

segura o braço contra parede. — Não posso acreditar, você me pegou.

— Ele suspira.

Nem eu posso.

— Ele não voltará à vida, sabe. — Diz ele. — Nos certificamos

disso.

— Não acredito. — Eu digo. Não posso.

Eu fico ali por um momento, punhal na mão. Poderia matar

Hussain agora mesmo. Não tenho certeza se isso seria a coisa mais

misericordiosa a se fazer.

Lembro das palavras de Guerra da noite passada.

Todo homem, mulher e criança na terra é tão capaz de redenção

quanto eu sou... quem sou eu para matá-los antes de seu verdadeiro

dia de julgamento?

Com a lembrança, guardo minha arma.

Os joelhos do Cavaleiro entortam e ele desce pela parede.

Começo a me afastar de Hussain, mas depois paro, olhando por

cima do ombro para ele uma última vez.


— Guerra realmente os deixariam livres, sabe. Disse que todos os

homens mereciam uma chance de redenção.

Hussain não reage a isso.

— Eu não sei como qualquer um de nós pode se redimir. —

Admito. — Mas você ainda tem um pouco de tempo. Pelo bem da

nossa amizade, tente.

Pelo meu arco e saio do prédio.

E do lado de fora, um dos dois Cavaleiros Phobos restantes tentou

fugir, mas deve ter escorregado de seu cavalo, porque o vejo de lado

da rua, inerte entre todos os outros cadáveres que cobrem o chão.

O outro Cavaleiro também caiu do corcel, mas quando saio do

prédio ele está mancando em direção à criatura, que está a cinquenta

metros de distância.

Usando o arco e as flechas que recuperei, atiro-o em suas costas.

Ele arqueia e depois cambaleia vários passos antes de cair de joelhos.

Pego outra flecha e coloco-a quando me aproximo dele. O

Cavaleiro olha por cima do ombro para mim, os olhos cheios de raiva.

A segunda flecha passa por seu peito. Ele grita, caindo no chão.
— Sua cadela! — Ele grita quando passo até ele.

— Onde está Guerra? — Exijo, colocando outra flecha e apontando

para ele.

Ele solta uma risada de dor. — Você morrerá se tentar salvá-lo. —

Ele está ofegando. — Mas vá em frente e tente.

Um profundo pressentimento desliza pela minha espinha.

O cavaleiro Phobos tosse, depois fica parado. Eu o cutuco com

minha bota, mas é claro que qualquer que seja a vida que possuía se

foi.

Eu me movo dele para os outros Phobos, verificando cada um em

busca de sinais de vida antes de coletar as flechas que posso. Poderia

precisar delas para os quinze cavaleiros restantes.

Eu volto para o prédio de vigia em que deixei meu cavalo.

Quando entro, Hussain está morto, com os olhos meio abertos e

olhando fixamente para alguma coisa no chão. Algo dentro de mim dói

ao vê-lo. Ele, sem dúvida, cometeu muitos e muitos horrores. A morte

não foi menor do que ele merecia. Ainda assim, foi gentil comigo

quando não tinha razão para ser. Espero que o que quer que esteja para

além desta vida, pese o seu bem junto com o seu mal.
Pego as rédeas do meu cavalo e conduzo a criatura de volta para

fora. Eu não posso ficar ali e esperar por mais Phobos. E se houver

outros voltando para o acampamento, simplesmente terei que

enfrentá-los de frente.

É hora de encontrar meu marido.

Caminho pelas ruas, seguindo o rastro de cadáveres como pão

ralado. Eles estão no chão em todos os lugares. Pelo que parece, Guerra

chamou todos os mortos para ele, cada um que poderia alcançar.

Em algum momento, os corpos caídos parecem afastar-se da

estrada, indo para oeste, em direção ao deserto. Eu saio da estrada,

indo em direção ao que imagino ser o local do ataque.

Quanto mais ando, mais densos são os cadáveres. Uma brisa

quente permeia o ar e uma camada de areia polvilha os corpos como

enfeites.

Não é até que chego a uma colina rasa que vejo o restante dos

Cavaleiros Phobos.

Conto nove deles entre o resto dos cadáveres, seus corpos rasgados

de membro a membro, suas gargantas arrancadas. Eles se tornaram

comida zumbi pela aparência. Ainda mais perverso, alguns têm bocas
ensanguentadas, como se no momento em que morreram, se voltaram

contra seus companheiros.

Continuo sabendo que uns seis Cavaleiros ainda estão

desaparecidos.

Tudo isso muda quando, a pouca distância, vejo uma parte da terra

sem cadáveres. Forma um círculo desequilibrado e nas bordas desse

círculo vejo pequenos pedaços de apêndices — um braço aqui, uma

perna ali, uma parte do corpo indeterminada do outro lado.

Minha náusea anterior se eleva com a visão.

Não há como determinar quantos Cavaleiros Phobos morreram ali

ou o que causou isso, apenas que — com base nos respingos de sangue

— vários deles de fato encontraram seu fim neste lugar.

Apenas a cerca de dez metros de distância, os corpos ficam tão

densos que estão quase em cima uns dos outros. Parecem chegar a um

ponto focal, como se todos estivessem se aproximando de alguém na

hora em que ficaram inertes.

Foi Guerra? Quem atacou?

Meu cavalo se recusa a atravessar os mortos, então desço e vou

para o local a pé. Escolho meu caminho através dos corpos e bem no
centro de todos eles, há mais Cavaleiros Phobos mortos e muito sangue

-— mas nada de Guerra.

É preciso um pouco mais de pesquisa para encontrar mais pistas

sobre a localização de Guerra. Vasculho a área, certa de que o corpo

está por ali em algum lugar.

Depois de vagar por uma eternidade, vejo um pedaço nu de terra.

Eu me aproximo mais. É outra clareira circular cercada de corpos

sangrentos e mutilados.

Desta vez, noto as marcas de queimadura contra a terra, me lembro

dos estrondos surdos que ouvi no acampamento.

Tudo começa a fazer sentido.

Esses idiotas estavam lidando com explosivos.

Eu não deveria ficar surpresa; o exército de Guerra encontrou

algumas pessoas no Egito que lidava com explosivos. Mas qualquer

um com um pingo de bom senso sabe que a maioria dos explosivos

parou de funcionar há muito tempo. E obviamente, os que ainda

funcionavam eram delicados e imprevisíveis.

Mas seria uma maneira eficaz de destruir o cavaleiro.


Minhas mãos começam a tremer quando me movo em direção à

clareira, meus olhos treinados nas partes do corpo. Precisarei vasculhar

entre os escombros para saber o que aconteceu com Guerra?

Assim que começo a vasculhar as bordas do local de explosão,

percebo que há outra clareira menor a uma curta distância. Próximo a

ela, há um buraco do tamanho de um caixão na terra.

Engulo.

Tomando cuidado com meu passo, escolho meu caminho entre os

mortos, indo para lá.

Não quero olhar.

Respiro fundo e vou em direção ao buraco.

Preciso ver.

Olho pela borda.

— Não. — A palavra escapa como um soluço.

Deitado no fundo do poço está Guerra.


Sento-me no chão cheio de cadáveres, meu punho pressionado

contra a boca, olhando para o túmulo aberto de Guerra. Posso sentir

lágrimas quentes nas minhas bochechas.

Ele ia parar. Toda a violência, todo o assassinato. Ele ia parar. Disse

isso na noite passada.

Nas minhas costas, ouço o barulho dos cascos. Um minuto depois,

sinto um focinho de cavalo me cutucar.

Eu me viro para ver Deimos, seu pelo vermelho manchado de

sangue e vários cortes grandes. Com uma respiração ofegante,

pressiono meu rosto contra o dele. — O que eles fizeram com você e

Guerra?

Ele se move contra mim e solta um som estranhamente dolorido; é

a coisa mais próxima que ouvi de um animal chorando.


Seguro a cabeça do corcel, acariciando. Então começo a soluçar. Eu

choro por esse homem que todos temem. Choro pelo homem que todo

mundo quer morto. Choro pelo homem que amo. O homem a quem

nunca admiti isso.

Ele não sabe.

Eu disse e fiz tantas coisas feias para ele, mas não disse que ele era

a melhor parte do meu dia. Não disse a ele que se tornou um homem

melhor, não queria, mas me apaixonei. Que tudo o que quero é ele e

agora se foi.

Ele disse que não ficava morto. Ele prometeu para mim.

E nunca achei que fosse um mentiroso.

Eu me recomponho e respiro fundo, deixando Deimos ir enquanto

me levanto. Aproximo do túmulo mais uma vez.

Eu passo por ele e é tão difícil olhar para o corpo de Guerra agora,

como foi na primeira vez. Mas desta vez, me forço a parar e realmente

olhar.

A primeira coisa que reconheço são as tatuagens em suas mãos.

Nem a morte diminuiu seu brilho. Foi assim que soube pela primeira

vez que era ele.


Suas mãos estão dobradas sobre o cabo de sua espada, que está

sobre o peito blindado.

E se não fosse pela falta... de sua cabeça, ele pareceria um cavaleiro

selvagem e adormecido. É uma posição estranhamente nobre para os

Cavaleiros Phobos colocá-lo em, considerando quão horrivelmente o

mataram.

Logo, meus olhos vão para a cabeça de Guerra — ou onde a cabeça

dele deveria estar de qualquer maneira. Engulo um soluço.

A mandíbula do cavaleiro ainda está presa ao corpo dele, a pele e

a parte superior do pescoço parecem imaculadas. É o peito e os ombros

que estão ensopados de sangue. Muito sangue. A visão não parece

certa, embora eu não consiga explicar exatamente por quê...

Antes que tenha a chance de decifrar, minha atenção volta para um

dispositivo escuro em forma de ovo aninhado ao lado da coxa de

Guerra. Há outro do outro lado do corpo dele. Mas agora que olho

melhor, meus olhos captam os objetos mais longos e cilíndricos.

Um frio me percorre. Aquelas crateras pelas quais passei, os corpos

mutilados espalhados...

Você morrerá se tentar salvá-lo, o Cavaleiro Phobos disse.


Eu nunca vi uma granada com meus próprios olhos, mas pareciam

ser. Junto com explosivos.

Assumi que os Cavaleiros Phobos as usaram para matar Guerra.

Eu não percebi que usaram explosivos para manter o cavaleiro em seu

túmulo — apenas no caso dele realmente poder sobreviver à

decapitação.

Eu me sento de volta, com força e respiro pela boca.

Não chore, não chore, não chore. Você não pode desmoronar, ainda não.

Tudo não está perdido.

Meu olhar retorna aos explosivos. Engulo um gemido baixo.

Mas está, verdade?

Guerra não tem cabeça e seu corpo está cheio de explosivos.

Eu mordo meu lábio inferior com força suficiente para sangrar e

pressiono minhas palmas nos olhos. Agora um grito escapa, é um som

feio e quebrado.

Nunca deveria me apaixonar por ele. Não era apenas sobre o fato

de que ele representava tudo contra o qual lutei. Também era a

profunda certeza de que tudo que cuidava eu perdia.


Deixo cair as mãos, as palmas das mãos molhadas de lágrimas,

olho novamente para aquele buraco grosseiramente cavado.

Não posso perdê-lo, Guerra.

O que deveria fazer?

A resposta vem nas próprias palavras do cavaleiro.

Tenha fé.

O problema é que não tenho certeza de que tenho fé em mais nada,

exceto talvez nele.

— Você pode? — Eu pergunto.

— Morrer? — Guerra esclarece. — Claro que posso. Apenas tenho uma

tendência a não permanecer morto.

Tenha fé. Eu respiro fundo. Tenha fé.

Meus olhos voltam para o corpo dele, olho para o sangue em seu

pescoço e peito. Olho e olho para ele.

E de repente, isso me atinge, o que parece tão estranho no sangue.

Na metade da coluna de sua garganta, a mancha de sangue para

abruptamente. Nem uma única gota mancha a pele além desse ponto.

É como se a ferida estivesse no pescoço de Guerra, e então acima...


Recuou.

Eu não deveria ousar esperar por algo assim, mas posso senti-lo

em cada respiração superficial.

Eu toco minha cicatriz, seguindo-a enquanto olho para Guerra. E

de acordo com ele, afoguei-me no Mediterrâneo e renasci ali também.

Este pode ser o renascimento do cavaleiro que estou testemunhando.

Vejo os vários explosivos ao redor dele — as granadas. O que

aconteceria se sobrevivesse a decapitação? Seria reconstruído? O que

aconteceria se o deixasse naquele buraco para se regenerar, ele acordar

e se mover, fazendo as granadas explodirem? E se explodir e seu corpo

for incinerado? Pode voltar?

Minha respiração para.

Uma pergunta mais importante: estou disposta a esperar e deixá-

lo sofrer esse destino?

Não. Não em mil anos.

Eu o amo e não o deixarei enfrentar a morte novamente, é a minha

vez de acreditar em algo maior do que eu.


Eu tenho fé — nele e em mim e neste momento. Talvez até mesmo

em Deus.

Caminho até a beira do túmulo. — Eu me rendo.


Fiquei louca.

Tenho certeza disso quando entro no túmulo. Um passo em falso e

será uma explosão.

Seja corajosa, seja corajosa, seja corajosa.

Assim que meus pés estão prestes a tocar o fundo, noto uma

granada em uma sombra profunda.

Bolas sagradas, estava prestes a pisar nela.

Engolindo meu grito, reposiciono meus pés e aterrisso suavemente

no túmulo. Por um momento, aguardo a inevitável explosão. Quando

isso não acontece, solto um suspiro trêmulo.

Para melhor ou pior, estou dentro

Meus olhos se movem para Guerra.

Agora, como tirá-lo?


Primeiro pego sua espada, tirando-a do aperto do cavaleiro tão

gentilmente quanto posso. E se puxar com muita força, um dos braços

dele pode escorregar de seu peito e bater em um explosivo.

Consigo desalojar o cabo de uma mão antes de reposicionar

rapidamente aquela mão no peito dele. Então consigo desalojar e

arrumar sua outra mão.

O suor já está começando a se espalhar pela minha testa. Minhas

mãos tremem de medo, agora, realmente preciso delas com firmeza.

Segurando a espada no meu aperto, levanto-a.

Porra, essa coisa é muito pesada.

Por que ele precisa ter a maior espada de todas? Tão burro.

Meus braços tremem quando a levanto. O topo da sepultura está

bem acima da minha cabeça. E se puder simplesmente chegar lá...

Eu coloco a ponta dela sobre a borda da cova, empurro o resto da

melhor forma possível. Leva vários minutos agonizantes e no final,

tenho o suor escorrendo pelo meu peito e costas, mas finalmente, tiro

a arma do túmulo.
Minha atenção retorna à Guerra. Agora que sua espada está fora,

tudo o que resta é tirar esse gigante do buraco sem explodir a nós dois.

Eu engulo uma risada louca. É uma tarefa impossível. E não sei

porque pensei que poderia fazer isso...

Respiro fundo.

Afasto minhas preocupações e me concentro na tarefa em mãos.

Retirar os explosivos da sepultura está fora de questão, o que deixa

apenas uma outra opção: tirar Guerra e a mim mesma do poço, ilesos.

Apenas não tenho como levantar o cavaleiro com minhas próprias

mãos.

Precisaria de algo mais forte para tirá-lo desta sepultura...

Algo como um cavalo.

— Deimos! — Sussurro, como se levantar a minha voz pode

detonar um desses explosivos... o que pode acontecer. Nunca se sabe.

Na última vez que vi, o cavalo de Guerra estava parado nas

proximidades, mas pelo que sei, ele se afastou novamente...

provavelmente para comer os ossos dos mortos há muito tempo ou o

que os cavalos de guerra imortais fazem.


Nada acontece.

— Deimos! — Eu chamo um pouco mais alto.

Nada ainda.

Maldito cavalo.

— Deimos! — Eu grito.

Ele ouve. Louvado seja o céu.

O cavalo anda de um lado para o outro, olhando sobre o buraco

para mim. Suas rédeas deslizam para frente, no túmulo, a fina tira de

couro esbarrando na parede do poço. Estremeço quando isso faz com

que um pouco de terra se desloque e escora para baixo, parte caindo

em uma granada próxima.

Quando nada mais acontece, solto um suspiro. O suor está

começando a escorrer pelas minhas têmporas.

Meus olhos vão para o coldre de couro da espada que envolve o

torso do cavaleiro. E se puder amarrar eu cinto ao redor do coldre de

Guerra e nas rédeas de Deimos, então Deimos podemos içar Guerra de

seu túmulo. Hipoteticamente.


Mesmo que essa parte do plano funcione, ainda há a questão de

fazer de alguma forma um cavalo realmente arrastar seu mestre para

cima e para fora do túmulo... então, é claro, há a questão dos

explosivos.

É desanimador pensar que este é o melhor plano que tenho.

Droga.

Seja corajosa.

Tiro meu cinto, jogando minhas armas sobre a borda do poço,

então volto para meu cavaleiro.

Há um lugar perto do pescoço dele, sem nenhum explosivo. Com

cuidado, dou um passo à frente, colocando o pé naquele pedaço aberto

de terra.

O suor escorre pela minha testa e na armadura de Guerra enquanto

eu me inclino sobre ele e começo a enfiar o cinto através das alças de

couro.

Quando termino, pego as rédeas de Deimos, que ainda estão

penduradas no túmulo. Agarro, enrolando meu cinto através nelas

também.
Inclino minha perna contra o corpo de Guerra quando começo a

apertar meu cinto. Acho que consegui.

Cutuco o corpo do cavaleiro um pouco mais enquanto termino de

amarrar tudo junto. Em resposta, um dos braços de Guerra começa a

escorregar de seu peito

Não, não, não, não, não.

Solto o cinto e as rédeas, faço uma tentativa desesperada por seu

braço, mas não sou rápida o suficiente.

Seu antebraço está prestes a se chocar...

Boom! Boom! Boom!


Acordo como se de um sono, meus olhos se abrindo. O sol mortal

me domina e o almíscar maduro da terra está em minhas narinas, junto

com o cheiro de sangue derramado.

É o cheiro da minha primeira lembrança, aquela que me formou.

Isso e raiva. E de volta à lembrança, tudo violência e raiva. Aprendi

desde então alguns dos melhores pontos de homens e guerra.

Por um momento, não entendo onde estou ou como cheguei aqui.

Estou deitado em algum tipo de buraco e minha pele parece nova. Essa

é uma daquelas sensações com as quais duvido que os humanos

tenham muita experiência. Nova pele.

Tudo volta para mim então — como eu fui abatido. Meus

Cavaleiros me atraíram para uma armadilha.

Sinto a raiva, como uma faísca, pegar fogo e crescer.

Eles se aproximaram de mim e me seguraram, logo cortaram

minha garganta perto do osso.


Minha raiva dobra e duplica novamente. Quanto tempo passou?

Quanto tempo demorou para meu corpo refazer? Esse é o problema

com pele e ossos, sangue e músculo. Não podem se reparar tão mesmo,

mesmo para alguém como eu.

Começo a me levantar, meu corpo se sentindo novo e velho de uma

só vez.

Uma massa grossa de carne desliza para fora de mim.

Esta também é uma sensação familiar. Quantos campos reguei com

sangue vital e fertilizei com carne? Quantos homens conseguiram

escapar de tal morte?

Incontáveis.

Eu dei este modo de vida, e ainda assim estará sempre lá como

minhas primeiras memórias da existência.

Empurro o corpo enquanto me sento.

Mas então meus olhos pegam o pulso delicado e as duas pulseiras

hamsa. Tudo dentro de mim para. Tudo menos o medo. Frio medo.

Solto um gemido.

Não.
— Miriam? — Minhas mãos vão para o corpo, mas os membros —

os dois que sobraram — estão frios.

Não acredito nisso.

Não é ela. Ela não seria tão tola. Ela não faria. Por favor, Deus, ela

não o faria.

Eu viro o cadáver, tentando ver os membros macios e femininos. A

maior parte do corpo foi levada, mas ainda resta pele ao redor do

pescoço.

Meus olhos se movem para a garganta, para a cicatriz sagrada em

sua base.

Renda-se.

— Não. — Sai como um apelo. — Miriam.

Não há muito do rosto dela. Não há muito de nada.

Não espero que minha garganta aperte e meu interior revire ao ver

tudo isso. Estou acostumado a desmembrar. Não estou acostumado a

me importar com a criatura desmembrada. Mas sempre me importei

com ela. Seus ferimentos sempre me fizeram sentir estranho.


Enlouquecido, desamparado e humano. Muito perturbadoramente

humano.

Ela não pode estar morta.

— Miriam. — Eu imploro, inclinando a cabeça para trás. Ela cai

para o lado.

Mil e mil anos e tantas mortes incontáveis. Nada disso me custou.

Mas agora...

Ela não está morta. Não pode estar morta. Não ela e não...

Meus olhos vão para o resta de seu peito. Um terço dele

simplesmente desapareceu, juntamente com todas as esperanças e

sonhos que ele carregava.

— Não. — Eu soluço. — Não, não, não... — Eu a aperto contra mim.

Desesperado, coloco a mão na pele dela, querendo que suas feridas

se curem. Mas a carne não se curará novamente. Não vai nem tentar.

Parou de funcionar completamente.

Por um momento louco, considero criá-la como qualquer outro

morto-vivo. Mas meu coração se encolhe com o pensamento. Não seria


ela. Reanimei corpos suficientes para saber que estou trabalhando com

uma embarcação e nada mais. Miriam se foi. Está muito longe.

Começo a chorar de verdade, apertando-a com força para mim.

Por que esposa?

Por quê?

Eu olho ao redor de nós para a areia e poeira que reveste nossos

corpos. Parcialmente desabou a parede perto dos meus pés. Demora

um pouco mais para ver os poucos pedaços de metal espalhados e os

restos carbonizados das roupas de Miriam.

Eles obviamente me enterraram com os mesmos malditos

explosivos com os quais tentaram me matar. E Miriam... Miriam deve

tê-los visto também.

O que significa que minha esposa veio para mim apesar da

presença deles. Foi suicídio? Ela tinha uma inclinação insalubre para

morte. Ou ela tentou me recuperar?

Meu olhar volta para sua garganta.

Renda-se. A palavra zomba de mim agora.

Eu me sinto mortal e impotente.


Esse pensamento tira a minha dor. Endireito meus ombros.

Eu nunca fui impotente. Não quando acordei pela primeira vez e

não agora.

Ainda há um caminho que pode estar aberto para mim, uma

possibilidade que resta.

Seguro o corpo de Miriam e começo a cantar em Angélico.

Esta é minha última esperança. Minha única esperança.

Fecho meus olhos e o mundo desaparece.

Quando os abro novamente, estou em outro lugar.


Thanatos está na minha frente como se estivesse esperando. Ele

não parece surpreso, mas vagamente desapontado.

— Não. — Diz ele.

Ao nosso redor, o ar se desloca e se move. Estamos em toda parte.

Tantas vozes se filtram, tantos rostos passam. A humanidade que

juramos destruir ainda está se formando ao nosso redor.

— Por que você está aqui? — Ele pergunta, suas asas escuras

aparecendo em suas costas.

— Você já sabe. — Eu rosno.

Ele me olha de cima abaixo. — Você deveria estar cumprindo seu

dever.

— Eu o fiz. — Dou um passo para frente. Homens tremem mesmo

com essa leve demonstração de poder. A morte não hesita. — Eu a

quero de volta.
Ele inclina a cabeça, seu cabelo preto deslizando por trás de uma

orelha. — Eu nunca vi você desejar um humano.

Morte não entende o amor, não como ele é atualmente. Ele não

vagou pela terra como eu. É uma sensação que se deve viver para

experimentar.

Minha voz fica mais baixa. — Ela está marcada. — Eu digo em seu

lugar. Isso é algo que ele entenderá.

No entanto, Thanatos parece indiferente. — Ela serviu ao seu

propósito e agora foi chamada para casa.

Sinto uma parte minha se romper com as palavras. Eu sou sua casa.

Nenhum outro lugar.

Dando um passo à frente, agarro seu ombro e aperto. Sempre

fomos próximos, ele e eu. Com certeza, ele trabalhará comigo da

maneira como sempre trabalhámos juntos.

— Eu imploro. — Digo, minha voz baixa. — Traga-a de volta.

Os olhos de Morte se estreitam. — Quando você já implorou? —

Ele parece surpreso com isso. — Meu irmão vingativo de pés seguros,

você toma.
Ainda não posso aceitar isso.

— Por favor.

As asas de Thanatos se esticam e depois se reagrupam. Ele está

intrigado, o que é uma melhoria da inabalável postura. — Você e eu

sabemos que ela não pode viver. — Diz Morte. — Essa não é a nossa

tarefa.

— Você poupou a mulher de Peste.

Thanatos teve piedade então.

— Algo que não repetirei. — Diz Morte. — Além disso, a mulher

dele era... recuperável. A sua não.

— Ela já cruzou? — Pergunto, aquela sensação de desesperança me

inundando novamente. Mas é claro que ela cruzou. No momento em

que a vida a libertou de suas garras, ela o fez.

O comportamento do meu irmão amolece. — Ela está bem, como

está a criança.

A criança. Meu filho.

Quando acordei pela primeira vez como homem e depois quando

lutei — todo esse tempo pensei que não tivesse nada a perder. Pensei
que o fim exigisse os meios. Humanos — todos os humanos — estavam

condenados a morrer. Não era pessoal.

Sinto como se estivesse sufocando com as minhas velhas crenças

agora.

— Eu farei qualquer coisa. — Eu digo.

Os lábios de Morte formam uma linha. — Há apenas uma coisa que

pode ser feita.

Eu não respiro.

— Entregue sua espada, Guerra.

Meu único propósito. Minha existência e identidade.

Renda-se. O único sinal escrito em Miriam.

Eu respiro fundo.

Ele sempre soube. Fui o único tolo na minha certeza. Gozei na

minha total confiança de que Miriam era minha por direito divino e

que nada poderia mudar isso.

Nada pode mudar isso. Não acabou. Não precisava acabar.

Renda-se.
Nada vem sem sacrifício — este é o menor de todos. Miriam estava

certa, amor e guerra não podem coexistir. Posso ter um ou outro, mas

não os dois.

Minha espada não estava comigo quando deixei a terra, mas está

aqui agora, em sua bainha como se nunca estivéssemos separados. Eu

a alcanço. O metal canta quando retiro a arma de sua bainha.

— Então, essa é a sua escolha. — Diz Thanatos, curiosidade e

decepção ecoam em sua voz.

— Não é uma escolha. — Viverei com os mortais. Os mortais

falíveis e complicados.

Começo a entregar minha lâmina, primeiro o punho. Thanatos se

aproxima.

No último momento, puxo a espada para trás, retendo-a. — A

criança vem também.

Os olhos escuros de Morte me observam. — Qual é o ponto, irmão?

Ela mal era uma possibilidade.

Ela. Uma garota então.

— Ela volta. — Insisto.


Morte olha para mim com seus olhos escuros. Ele está julgando

meu coração como julguei o da humanidade. Logo ele acena. —

Aproveite o tempo que tem com elas. — Diz ele honestamente. —

Espero que valha a pena.

Com essas palavras, uma mudança acontece.

Estou despido da minha sede de sangue e imortalidade. Levanta

como um peso dos meus ombros. Não sou mais o orgulhoso Guerra,

apenas um homem penitente.

— Você está liberado.


Miriam

Abro meus olhos. É brilhante e minha pele lateja. Não me sinto

bem.

Guerra se inclina sobre mim e meus olhos se concentram.

Suspiro ao vê-lo, inteiro e não marcado.

— Esposa. — Diz ele, com sua própria voz chocada. E então me

puxa contra ele.

Guerra enterra seu rosto no meu pescoço e seu corpo enorme

começa a tremer. Demoro um momento para perceber que ele está

chorando.

— Você está vivo. — Eu digo, surpresa, passando meus dedos

pelos cabelos da cabeça dele. Temia que essa morte fosse a última dele.

Mas como...?

— Você não deveria ter vindo para mim. — Diz ele com a voz

rouca.
Eu me afasto um pouco para olhar e toco uma de suas lágrimas. Eu

nunca vi o cavaleiro chorar.

— Eu te amo. — Eu digo. Guardei estas palavras até que era quase

tarde demais. Eles saem rapidamente agora. — Eu nunca poderia

deixar de vir para você, porque eu te amo.

O rosto de Guerra é emoção nua. Incredulidade e alegria

preenchem suas feições, afugentando suas lágrimas.

Suas mãos apertam minhas bochechas e ele procura meus olhos. —

Estou tendo um dos seus sonhos humanos. — Diz ele. — Isso é

maravilhoso demais para ser real.

— Acho que isso é real. — Certo?

Eu olho ao redor. Não estamos mais no túmulo, mas estamos perto,

os mortos ainda estão espalhados ao nosso redor. Eu me lembro disso

— e lembro de tentar salvar Guerra. Estava tão perto, mas então a mão

dele escorregou. Não me lembro de uma explosão, mas também não

me lembro de mais nada. Minha memória simplesmente para.

— O que aconteceu? — Eu pergunto.


A garganta da Guerra funciona. — Quando acordei... — Ele inspira

instável, — Você se foi. — Seus olhos estão loucos de emoção. — Você

veio para me salvar e não pude salvá-la.

Eu olho para o meu corpo. Minhas roupas estão em farrapos

carbonizados. Apenas ver o estado em que estão... deve ter havido uma

explosão. Uma da qual não lembro e nunca senti.

Observo minha roupa novamente. O tecido está completamente

queimado, no entanto, minha pele permanece imaculada.

O fim abrupto da minha memória... devo ter me machucado o

suficiente para apagar. O que apenas poderia significar que Guerra de

alguma forma me curou.

— Você me curou. — Eu respondo, confusa. Como ele pudesse

dizer que não fez isso? E se o tivesse feito, haveria feridas e eu estaria

com dor.

— Não com minhas próprias mãos. — Ele admite.

Minhas sobrancelhas franzem. Não entendo

— Então como? — Pergunto.

Ele afasta meu cabelo. — Estou livre, Miriam.


Eu devo ter batido com muita força porque não estou entendendo.

— Livre de que?

— Meu propósito.

É o que já admitiu antes, mas desta vez, realmente processo suas

palavras. — Você realmente não vai mais matar? — Pergunto.

Ele balança a cabeça. — Não a menos que seja para proteger você

— ou nossa filha.

Eu levanto as sobrancelhas, em seguida, olho para o meu

estômago. — Nossa filha?

Ele sorri para mim e esse sorriso parece se estender para todos os

cantos do rosto. Ele é tão dolorosamente lindo. — Desculpe arruinar a

surpresa.

Nossa filha.

— Como você descobriu?

— Eu disse, eu não a salvei. Meu irmão o fez.

— Seu irmão? — Pergunto intrigada.

— Morte.
Com essa palavra, meu humor desaparece.

Há apenas uma razão pela qual a própria morte me salvaria.

— Eu... morri? — Eu mal posso forçar as palavras para fora.

Guerra me encara por um longo momento. — Por um tempo.

Oh Deus... eu morri.

Eu toco meu estômago novamente, pânico arranhando minha

garganta. — E o bebê, ela ainda está viva?

— Eu me certifiquei disso.

Começo a chorar — porque aparentemente chorar é contagioso

agora.

Eu não entendo. Fui de morrer para viver. Como fez Guerra. Assim

como nossa filha.

— Eu me rendi. — Digo sem sentido.

Guerra me puxa com força contra ele. — Eu também.

Por um momento, nós dois simplesmente ficamos assim. Seu corpo

é tão sólido quanto sempre; ele se sente inalterado, no entanto, as coisas

devem ter mudado.


— Qual é o problema? — Eu pergunto a ele.

Tudo que eu amo, eu perco. Agora, quando parece que recuperei

tudo, tenho medo de que ele se afaste novamente.

— Não há captura. — Diz Guerra. — A menos que você conte o

fato de que agora sou bem e verdadeiramente mortal. Viverei,

envelhecerei e morrerei como você.

Quando ele disse que estava livre de seu propósito, quis dizer

literalmente.

O que quer que tenha acontecido enquanto eu estava... fora... veio

a um custo pessoal para Guerra. Um que foi perder sua imortalidade.

Meu coração se parte um pouco com isso. Já vi morte suficiente

para durar pelo menos vinte e sete vidas.

— E Deimos? — Pergunto.

— Ele terá o mesmo destino.

— E os outros cavaleiros? Os que ainda não andaram na terra.

A expressão de Guerra fica sombria. — Meus irmãos não vão parar

e eles são ainda mais fortes do que eu.


Portanto, o mundo ainda não está seguro, mas também não está

além da redenção. Peste e Guerra deixaram suas armas. Nem toda a

esperança está perdida.

Além disso, isso é uma preocupação para um momento posterior.

Estou viva, Guerra está vivo e minha filha viva. Ah e não haverá

mais mortes.

O canto da minha boca se curva quando um pensamento me

atinge. — Todos os seus poderes se foram ou você ainda pode falar

todas as línguas que já existiram?

— San sani du, seni nüşüna ukuvı?

Você ainda pode me entender?

Uma risada escapa. — Eu posso.

Guerra e eu nos encaramos, pela primeira vez isso realmente faz

sentido.

Acabou. Acabou mesmo. A luta, a morte e o sofrimento. Eu tenho

esse homem, uma filha e um futuro também.

Dou um pequeno sorriso. — O que fazemos agora? — Pergunto a

ele.
— Eu não me importo, esposa, contanto que faça isso com você.
Dois anos depois

Meu coração está na garganta quando bato na porta azul na minha

frente. A casa, como muitas outras em Heraklion, Creta, é pitoresca,

apesar de mostrar alguns sinais de danos causados pelo clima.

Talvez tenhamos errado novamente. Não seria a primeira vez,

infelizmente.

E do outro lado da porta, posso ouvir vozes abafadas, depois o som

de passos se aproximando.

Levei muito tempo para chegar a esse momento — quase uma

década, se contar o tempo todo que passou. Claro, de fato é um

momento que eu estava esperando.

A porta se abre e não respiro ao ver a mulher do outro lado.

Consegui. Eu sei disso ao instante.

Ela parece diferente — muito, muito mais velha do que me lembro

— mas todas as feições familiares ainda estão ali.


— Mãe? — Eu digo.

Por um momento, minha mãe fica parada ali, com o rosto vazio.

Ela me olha, como se isso pudesse ser uma piada, então... aí está.

Reconhecimento aparece em seus olhos. Ela cobre a boca com as mãos,

os olhos se fechando.

— Miriam?

Eu vejo seu suspiro. Aceno, piscando minhas próprias lágrimas.

Esperei tanto tempo por isso.

Não posso acreditar que está acontecendo.

— Sou eu. — Eu digo, minha voz trêmula.

Ela solta um soluço, depois abre os braços, me envolvendo em seu

abraço.

Minha mãe ainda está viva. E a estou abraçando.

Anos de dor e separação se dissolvem naquele momento. Sonhei

com esse abraço tantas vezes.

Seu corpo inteiro está tremendo. — Meu bebê. Minha filha. — Ela

agora está chorando abertamente e me balançando, não posso ver

através das minhas próprias lágrimas. Ela afasta meu cabelo enquanto
me segura. — Durante anos rezei para qualquer deus que quisesse

ouvir. — Diz ela, com o pedido de desculpas denso em sua voz. — Eu

fiquei aqui, em Creta, porque queria estar perto no caso...

Balanço a cabeça contra ela. Eu não estou aqui para explicações.

Compreendo. Tudo o que passei teve que acontecer para encontrar

Guerra e acabar aqui, tudo começou com a minha sobrevivência

milagrosa daquela primeira explosão.

— Tudo bem, mamãe. Eu a encontrei. — E você está viva. Esta era

a minha mais louca esperança. — Está tudo bem. — Repito novamente.

Agora ela se agarra a mim, como se eu fosse a mãe e ela a criança.

— Minha filha, minha filha inteligente e resiliente. Há tantas coisas que

quero saber sobre você, tantos anos e lembranças...

— Mamãe? — Uma mulher chama de dentro da casa.

Congelo com a voz familiar. Lembro-me daquela voz cantando

para dormir anos e anos atrás. É como música, ouvi-la novamente

quando pensei que nunca poderia fazê-lo.

Olho por cima do ombro da minha mãe e vejo uma jovem se

aproximar da porta, a sobrancelha franzida de preocupação. Minha


irmã, Lia, não parece mais a garota de rosto redondo da qual me

lembro. No entanto, eu nunca poderia confundi-la com outra.

Não há momento de confusão com ela. Minha irmã ofega quando

me vê.

— Miri. — Diz ela, usando seu antigo apelido para mim.

Minha mãe me deixa ir o suficiente para eu cair no abraço da minha

irmã. Eu a puxo para perto. Fechando meus olhos, aprecio a sensação

de segurá-la novamente.

Temia que nunca sentisse isso novamente. Temia tê-la perdido

para sempre.

Mas não perdi minha mãe nem minha irmã. E de alguma forma

todas nós sobrevivemos à uma guerra civil e dois cavaleiros do

apocalipse.

Falando de cavaleiros...

Atrás de mim, ouço o inconfundível passo de Guerra chegando até

a porta. Até agora, ele esperou ao longe, deixando-me ter meu

momento. Não há nada como um gigante musculoso para deixar os

nervos do povo no limite.


Posso dizer no instante em que minha família percebe. Os braços

da minha irmã ficam tensos e ouço minha mãe respirar rapidamente.

Guerra fica ao meu lado e quase instintivamente, minha irmã me

libera, recuando um pouco. Minha mãe também recua. Sua afeição

anterior dá lugar a cautela educada. Demoram mais alguns segundos

para registrar o pequeno ser humano agarrado a ele.

Quer dizer, homens que seguram crianças sempre parecem um

pouco menos ameaçadores — certo?

No caso de Guerra, talvez seja uma mudança muito pequena.

Estendo a mão para ele. — Este é... — Eu paro. Ainda chamo meu

cavaleiro pelo nome dele — Guerra — mas entramos nas regras

quando interagimos com outras pessoas. Ele tem todos os tipos de

nomes, nenhum dos quais realmente se encaixa.

— Eu sou o marido dela. — Ele diz para mim. — Guerra.

Sim, essa foi uma introdução suave.

E deixa claro o momento desconfortável em que sua família

percebe que seu genro não é normal.

Elas olham para ele com olhos arregalados.


— Miriam. — Minha mãe diz, seguida por uma longa pausa. — É

isso...? Um cavaleiro do apocalipse?

Mas ela pergunta como se fosse algo que não é verdade. É muito

improvável. Muito ridículo.

Eu lambo meus lábios. — Ele não faz mais isso. — Eu digo.

Tenho certeza de que ela verdadeiramente se tranquilizou.

Minha mãe morde o lábio inferior, observando Guerra. —

Ouvimos dizer que você desapareceu. — Ela diz para ele. — Nós não

sabíamos o que aconteceu.

Surpresa. Ele casou com sua filha. E agora está à sua porta.

Guerra pode ter renunciado a sua tarefa, mas a mortalidade não o

tornou menos aterrorizante. Nem fez o processo de tentar explicar sua

existência — e virtudes atuais — uma tarefa fácil. As tatuagens em seus

dedos ainda brilham em vermelho, sua estatura ainda é tão iminente e

letal como sempre foi, seus olhos ainda carregam as lembranças de

toda aquela violência.

Os olhos da minha mãe vão para o bebê. Agora, suavizam

novamente. — É ela...?
— Está é sua neta, Maya. — Eu digo.

— Você tem uma filha. — Minha mãe diz, olhando para mim e

agora sua emoção está sufocando-a mais uma vez.

— Você quer segurá-la? — Pergunto.

Ela balança a cabeça, parecendo prestes a chorar novamente.

Eu olho para o meu marido. Guerra hesita, seus olhos indo para

nossa filha. Ele leva a proteção a um nível totalmente novo com sua

filha. Para ser justa, Maya parece igualmente desanimada em deixar

seus braços. Mas logo ele entrega a nossa filha.

Minha mãe toma minha filha em seus braços e olha para o rosto

pequeno e pensativo dela. Uma lágrima desliza pela bochecha da

minha mãe, seguida por outra. Ela está tremendo e aproveito o

momento para colocar meu braço ao seu redor. Um momento depois,

minha irmã se junta a nós.

Estamos todos reunidos e chorando como crianças.

Minha mãe limpa a garganta e olha para mim e Guerra novamente.

— Onde estão minhas maneiras? Entrem. Algum de vocês gostaria de

um café?
Aceno, presa entre a felicidade e essa dor dolorosa no meu peito.

— Isso seria maravilhoso.

Lia volta para a casa, indo para o que imagino ser a cozinha.

Hesitante, começo a segui-la. Olhando por cima do meu ombro, vejo

Guerra tirar nossa filha dos braços da minha mãe.

Minha mãe agarra o antebraço de Guerra e aperta. — Bem-vindo à

família, meu filho.

Ele lhe dá um de seus olhares ilegíveis, então acena com a cabeça,

seus olhos parecendo um pouco conflituosos. Guerra nunca soube o

que significa ter uma mãe... agora o faria.

Meu coração está apertando, apertando.

— E obrigada, por trazer minha filha de volta para nós. — Minha

mãe acrescenta, seus olhos se movendo para mim.

O próprio olhar de Guerra desliza para o meu, ele me dá um olhar

gentil, que me faz esquecer que foi alguma coisa além da minha alma

gêmea. — Isso é o que você faz para aqueles que ama. — Diz ele. —

Você os traz de volta.


Ano 16 dos Cavaleiros

Começa com um tremor. O chão treme de dentro, cada segundo

mais violento que o anterior, até parecer que a própria terra estava

tentando se livrar de sua própria pele.

Ondas colossais colidem ao longo das costas, prédios caem na terra

e em todo o mundo, as pessoas se abrigam enquanto esperam o terrível

terremoto passar.

O primeiro cavaleiro cambaleia enquanto a verdade o atinge. Está

acontecendo novamente.

O segundo cavaleiro acorda do sono com uma inalação aguda.

Palavras antigas são arrancadas de seus lábios. — Ina bubūti imuttu.

Eles morrerão de fome.

E em uma cripta de sua própria criação, uma criatura sobrenatural

se agita.
Seus dedos flexionam ao redor de sua foice. Sua armadura de

bronze sussurra enquanto se move. Seus olhos verdes se abrem e ele

inspira sua primeira respiração em muitos longos anos.

E então sorri.
Espere, o livro está terminado? Pensei que este dia nunca chegaria!

Este era um livro que simplesmente não terminava. Guerra me segurou

pela ponta da espada e exigiu que eu desse o dobro de tempo e que

trabalhasse duas vezes mais forte como de costume antes de liberá-lo

para todos vocês (ele é um bruto mandão!) Espero tê-lo feito por ele e

por vocês. Um agradecimento extra vai para todos os leitores que estão

esperando há muito tempo. Eu deveria lançar este livro meses antes,

então agradeço a paciência!

Uma palavra sobre o jargão no livro. As línguas mortas que Guerra

fala são em grande parte inventadas. As únicas exceções são os trechos

de diálogo no início do romance, o uso da palavra esposa ( aššatu ) e

sua linha estrangeira final. O diálogo inicial é escrito em egípcio antigo,

embora eu tenha certeza de que meu professor de hieróglifos morreria

com algumas das liberdades artísticas que eu tomei com as palavras e

a sintaxe. As outras linhas do romance — aššatu e Ina bubūti imuttu —

são acadianas e traduzem para — minha esposa e eles morrerão de fome,

— respectivamente. Um grande obrigado vai para

assyrianlanguages.org, que forneceu as traduções arcádias.


Todas as outras instâncias de Guerra falando em línguas foram

baseadas em traduções que obtive do Google Translate... então comecei

a usar uma serra (Guerra não é o único selvagem aqui, muahaha!) Um

enorme obrigada ao Google Translate e às línguas que inspiraram as

linhas (que incluem samoano, macedônio, quirguiz, cingalês, basco,

latim e shona). E desculpas a qualquer pessoa cujos olhos foram

prejudicados por minhas tentativas desesperadas de linguística (que

eu quase falhei na faculdade... eep!).

Um enorme obrigada para Amanda Steele que aprovou este bebê

no último minuto! Você desistiu de tão grande parte de seu tempo para

polir este livro, sou muito grata por isso. Suas edições foram

perspicazes e totalmente visíveis.

Para literalmente todos os autores e leitores que mostraram

entusiasmo por este livro, vocês são a razão pela qual minha cabeça

não se encaixa mais nas portas. Brincadeira — posso espremer. Mas

com toda a seriedade, seu apoio profissional e pessoal contínuo

significa muito.

Minha família — tanto imediata quanto prolongada — sempre

merece um grito. Eles são meus maiores líderes de torcida, tenho muita

sorte. Amo todos vocês!


Para todos que se arriscaram neste livro, obrigada aos leitores

contínuos. Verdadeiramente. Ainda me surpreende que as pessoas

queiram ler as histórias malucas que escrevo e sou eternamente grata

a todos por darem uma chance aminhas palavras e mundos.

Abraços e feliz leitura

Laura Thalassa

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