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Muita polêmica e resistência sobre o uso racional de Fentanil na intubação em sequência rápida
encontrado pelos residentes de Medicina de Emergência nos estágios com seus preceptores de
outras especialidades não emergencistas.
Começando do começo: a origem do termo Intubação em Sequência Rápida, que na verdade é uma
técnica, que nasceu com outro nome: ˜Indução rápida˜, técnica descrita pelo anestesista William J.
Stept em 1970, composta por 13 passos para intubação orotraqueal de pacientes com estômago
presumivelmente cheio para prevenir regurgitação e aspiração. Não há qualquer menção ao Fentanil
no trabalho original, os ˜protagonistas˜ da técnica são os bloqueadores neuromusculares.
Especificamente em relação às drogas a primeira utilizada é um bloqueador neuromuscular não
despolarizante, a D-tubocurarina, seguido da infusão de Tiopental e por último infusão de
Succinilcolina [referência 1].
A técnica ˜Indução Rápida˜ nasce então no departamento de anestesia, sendo amplamente
difundido para intubação de pacientes no centro cirúrgico com estômago cheio. É descrito que a
indução anestésica deve ser com droga de ação rápida, no caso indica o Tiopental, que atualmente
não é usado rotineiramente quando se fala de SRI.
Na década de 80 o termo ˜Sequência Rápida de Indução˜ se transforma em Sequência Rápida de
Intubação, termo cunhado no departamento de Medicina de Emergência [referência 2]. Apesar de
semelhantes, o autor descreve que a anestesiologia usa a sequência rápida de indução como parte
do processo de anestesia para procedimentos, diferente da técnica Sequência Rápida de Intubação
que faz parte da estabilização do paciente crítico.
-> Ponto chave: A Medicina de Emergência transformou a técnica em uma das partes da
estabilização do paciente grave, diferente do objetivo original que é prevenir aspiração enquanto se
realiza a anestesia geral.
-> Intubar então é uma das etapas de estabilização, sendo que não é nem de longe procedimento
inócuo, o próprio procedimento pode piorar a situação do paciente se não for individualizado, não
existe receita de bolo nas drogas, a técnica original implica somente o conceito de drogas de ação
rápida.
-> Ponto chave: O fentanil foi incorporado a SRI para atenuar resposta simpática especificamente em
paciente com alto risco de infarto agudo do miocárdio
- A idéia é excelente, imagine um paciente coronariopata grave, já hipertenso antes mesmo da
intubação, ele de fato tem alto risco de malefício com aumento rápido da frequência cardíaca e
hipertensão, mas dizer que todos os outros pacientes coronariopatas terão este benefício, já não é
possível afirmar e é pouco provável. Agora imagine um paciente em curso clínico desfavorável de um
choque séptico, hipotensão pré intubação, será se ele terá malefício num aumento discreto e
transitório da frequência e PA? Será que a hipotensão causada pela perda do tônus muscular
cardiovascular não é pior?
- Esse é o ponto, nenhum Emergencista é contra analgesia, somos contra medidas sem benefícios
com malefícios evidentes.
- Em se tratando de intubação de emergências hipertensivas, como IAM, AVC, etc, o uso racional e
individualizado do Fentanil como pré-tratamento é bem indicado, pois aumentos transitórios (mesmo
que discretos) na FC e PA podem piorar o quadro.
Breaking news: Qualquer combinação de medicações usadas para intubação de emergência sao
potencialmente hipotensores.
Explico: Um dos objetivos da indução para intubação é suprimir reflexos da via aérea superior (tosse
e vômito), além de inconsciência e amnésia. Com a supressão de tais mecanismos, também se
perde/reduz o tônus adrenérgico cardiovascular, em diferentes níveis mas considerado discreto.
Entretanto, considerando o paciente da sala de emergência, que já se encontra com
comprometimento hemodinâmico significativo, tal perda de tônus pode ser significativa. Por isso o
Emergencista sempre individualiza cada caso usando drogas mais estáveis hemodinamicamente
possíveis (não é o caso do Fentanil) e sempre faz o possível para melhorar o hemodinâmico antes de
intubar.
Ponto chave: "Ressuscitar antes de intubar", essa é talvez a primeira lição ensinada aos residentes
de Medicina de Emergência: sempre fazer o possível para estabilizar o possível os doentes críticos
antes de submetê-los a intubação.
É muito bem documentado com evidências robustas que os pacientes submetidos a intubação que
estão com Hipotensão, hipoxemia e/ou acidose estão em altíssimo risco de morrerem durante ou
imediatamente após o procedimento. Entretanto, não faz parte das descrições originais da técnica
SRI tratar tais condições antes de intubar, reforçando que a técnica foi descrita para pacientes
estáveis e o objetivo era evitar regurgitação e aspiração. Fica claro aqui que atualmente usamos a
Sequência rápida de intubação como uma das partes de estabilização do paciente grave, e fazer um
medicamento potencialmente danoso sem critério (Emergências hipertensivas) é errado.
Fentanil pode causar dano?
Começo por uma referência robusta de Jin Takahashi e colaboradores, 2017, que especificamente
testar a associação do uso de Fentanil com hipotensão pós intubação. Entre 2012 e 2016, em 14
departamentos de emergência no Japão, reunindo 1263 pacientes, resultando em risco de
hipotensão no grupo com Fentanil (17% vs. 6%).[referência 8] Detalhe: somente pacientes com
PA>90mmhg, imagine se fossem incluídos os já hipotensos?
Referencia 9: Rapid sequence intubation in emergency: is there any place for fentanyl?
Interessante artigo francês de 2002, país com cultura totalmente diferente em relação ao fentanil e
Sequência Rápida de Intubação, e, como este artigo, diversos outros põem em cheque se de fato há
lugar para o uso do fentanil como pré tratamento antes de SRI, questionam até mesmo se há
benefício em bloquear o estímulo simpático da laringoscopia em qualquer situação que seja (o que
de fato não há evidência robusta, mesmo em emergências hipertensivas).
Intubar dói?
Resumo da anatomia da via aérea:
Faringe - Nervo Glosofaríngeo (Sistema Nervoso Autónomo) inerva a valécula, epiglote e faringe
posterior. Responsável pelo reflexo do vômito
Laringe - O ramo laríngeo do nervo Vago (SNA) inerva sensitivo a parte inferior da epiglote, toda
laringe até pregas vocais, recessos piriformes. É a estrutura sensorial mais intensamente inervada no
corpo, sua estimulação direta causa reflexo de fechamento da glote e ativação simpática reflexa
(descarga catecolaminérgica) causando aumento na frequência cardíaca, pressão arterial e pressão
intracraniana.
-> Laringoscopia - Além dos reflexos de tosse e vômitos induzido pelo estímulo direto a
hipofaringe/laringe há também o Reflexo Simpático em Resposta a Laringoscopia(RSRL), este que
cursa com a liberação de catecolaminas endógenas com aumento da frequência cardíaca e pressão
arterial, semelhante a resposta de luta ou fuga.
Portanto não há inervação sensitiva somática.
Ressalto a diferenciação de "dor" e nocicepção, em que a nocicepção é produzida por outros
mecanismos diferentes da dor somática, podendo ser interpretada como um incômodo de graus
variados como por exemplo ao se tentar induzir vômitos com os dedos. Porém a dor, propriamente
dita, é apenas somática.
[Fonte: Walls, Manejo da via aérea na Emergência, 5 ed.].
Ressalto ainda que nesta última edição foi substituído o termo "Pré-tratamento"p para "Otimização
pré-intubação" como o terceiro "P"na SRI:
"Devido a uma reavaliação crítica das evidências disponíveis sobre os agentes de pré-tratamento
que não identificou estudos de alta qualidade ou benefícios claros para o paciente, exceto quando
esses agentes são usados para a otimização do estado fisiológico para que tolerem melhor os
medicamentos, a intubação e a ventilação por pressão positiva. De outro modo, a adição de
fármacos desnecessários contribui para ineficiências procedurais e introduz o potencial para reações
farmacológicas e erros de dose." Página 236 Capítulo Sequência Rápida de Intubação.
[1] file:///Users/clarisse/Desktop/RS%20induction%20nascimento%20(1).pdf
[2] https://sci-hub.se/10.1111/j.1553-2712.1999.tb00084.x
[3] file:///Users/clarisse/Desktop/Fentanyl_Preloading_for_Rapid_Sequence_Induction.12.pdf
[4] file:///Users/clarisse/Desktop/dose%20fentanil.pdf
[5] Heffner AC et al. Incidence and Factors Associated with Cardiac Arrest Complicating Emergency
Airway Management. Resuscitation 2013. PMID: 23911630
[6] Kim WY et al. Factors Associated with the Occurrence of Cariac Arrest After emergency Tracheal
Intubation in the Emergency Department. PLoS One 2014. PMID: 25402500
[7] Salim Rezaie, "Dosing Sedatives Low and Paralytics High in Shock Patients Requiring RSI",
REBEL EM blog, May 6, 2018
[8] https://sci-hub.se/10.1016/j.ajem.2018.03.026
[9] [Rapid sequence intubation in emergency: is there any place for fentanyl?]. Ann Fr Anesth
Reanim. 2002 Dec;21(10):760-6. French. doi: 10.1016/s0750-7658(02)00795-5. PMID: 12534118.
[10] Neil S. Norton, Ph.D. and Frank H. Netter, MD: Netter’s Head and Neck Anatomy for Dentistry,
2nd Edition, Elsevier Saunders, Chapter 16 The Larynx. Página 420 to 435.
[11] Frank H. Netter: Atlas der Anatomie, 5th Edition (Bilingual Edition: English and German),
Saunders, Kapitel 1, Tafel. Página 77 to 80.
[12] Walls, Manejo da via aérea na Emergência, 5 ed